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Lilia Arany-Prado

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À luz das Estrelas Lilia Irmeli Arany-Prado

Para estudantes, professores, ou para aqueles que querem ouvir dizer que estrelas...

À luz das estrelas

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A produção desse trabalho esteve inserida no Projeto Ensinando Ciências através da Astronomia (ENSINAST): Recursos Didáticos e Capacitação de Professores, do Edital Educação 2001 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que foi coordenado por Horácio Dottori, da UFRGS, e Adriana Silva, do CRAAM/UPM.

A 1ª edição do livro (ISBN: 85-7490-305-1), em 2006, é da editora DP&A com o subtítulo Ciência através da Astronomia, e foi parcialmente financiada pelo CNPq, visando à distribuição gratuita (de grande parte dos livros impressos) a bibliotecas públicas e a escolas participantes das Olimpíadas Brasileiras de Astronomia e Astronáutica. [A Ed. Lamparina (que não tem relação comercial com esta autora) incorporou ao seu catálogo, a partir de 2007, os títulos da DP&A, incluindo o livro em questão.]

A presente edição, que está sendo disponibilizada gratuitamente, resulta da revisão, feita por esta autora, do livro original entregue inicialmente à editora DP&A. A obra e partes podem ser reproduzidas com o devido crédito (Arany-Prado, L. I., 2017, Ed. da autora disponível em <...(o sítio onde foi encontrado)...>).

A capa é de Paulo Arany Prado (1ª versão, em baixa resolução, que difere da publicação impressa), usando imagem cedida pelo SOHO, NASA/ESA (Solar and Heliospheric Observatory).

L.I.A-P, Janeiro de 2017

Lilia Arany-Prado

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Prefácio por Walter Junqueira Maciel

Este é um livro sobre estrelas: como nascem, vivem e morrem. E, especialmente, como fabricam os elementos químicos que muito tempo depois vão se aglutinar para formar estruturas, como as pedras, árvores e nós mesmos. Mas este não é apenas um livro sobre estrelas. Ele começa com um passeio pela Astronomia, pelos elementos químicos, e logo mergulha na evolução do Universo, desde o Big Bang até a formação da nossa Galáxia e de outras galáxias, nebulosas e do Sistema Solar. Fala dos modelos "pensados" do Universo, aqueles que foram propostos basicamente a partir da imaginação fértil de seus autores, como Wright e Kant, sem o auxílio dos instrumentos que seriam desenvolvidos depois. Na segunda parte, mais detalhada, o livro introduz conceitos básicos, como a contração gravitacional, responsável pela existência das estrelas, a natureza da luz, os espectros e as propriedades físicas das estrelas. Para isso, discute a teoria quântica e suas aplicações na interpretação da luz das estrelas, concluindo com os processos básicos da Astrofísica Nuclear, que estão na origem da energia das estrelas e da sua composição química. As duas últimas partes aproveitam os conceitos introduzidos nas seções iniciais e contêm o núcleo da estrutura e da evolução das estrelas. Os ciclos de queima nuclear são então descritos de maneira mais detalhada, e o leitor pode compreender como são formados os principais elementos químicos na nucleossíntese estelar quiescente e explosiva. O uso do diagrama HR torna bastante simples a compreensão das trajetórias evolutivas, particularmente após a sequência principal. As principais possibilidades de remanescentes estelares são mencionadas na parte final, incluindo as anãs brancas, as estrelas de nêutrons e os buracos negros. Escrito em uma linguagem objetiva, o livro pode ser usado por leitores sem qualquer formação em Física ou Matemática. Para os mais corajosos, há uma série de anexos com desenvolvimentos mais detalhados de alguns dos temas tratados.

W.J.M., 2004

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Algumas observações sobre Plutão e esta edição A presente revisão da autora para esta edição de 2017 abrangeu essencialmente erros menores e ajustes de diagramação. Não foram atualizados o estado da arte de observações astronômicas nem a bibliografia. Entretanto, é necessário ressaltar o novo status de Plutão. No período em que o livro foi escrito e revisado para a primeira edição (DP&A) até 2004 (e publicado no início de 2006), Plutão encontrava-se ainda na categoria de planeta; foi nesta condição que o diâmetro de sua órbita foi usado, no livro, como escala para os objetos do nosso sistema planetário (tamanhos e distâncias). Em meados de 2006, e após discussões durante muitos anos, a União Astronômica Internacional estabeleceu condições para o uso da denominação planeta no Sistema Solar: (em linguagem simples) deve ser um corpo celeste que orbita o Sol, tem forma arredondada e grande dimensão relativa se comparada a corpos próximos. Isso causou a mudança da categoria de Plutão (que não se encaixa na terceira condição) de planeta para planeta anão. Acredito que ciente dessa formalidade, o leitor possa abstrair qualquer sugestão de Plutão como planeta e se conscientizar de seu novo status; também acredito que as restrições mencionadas não interferem na finalidade original do livro. Devido a isso o texto não sofreu modificações de conteúdo.

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São tão remotas as estrelas, que apesar da vertiginosa velocidade da luz, elas se apegam e continuam a brilhar durante séculos Morrem os mundos...Silenciosa e escura, Eterna noite cinge-os. Mudas, frias, Nas luminosas solidões da altura Erguem-se, assim, necrópoles sombrias... Mas p'ra nós, di-lo a ciência, além perdura A vida, e expande as rútilas magias... Pelos sec'los em fora a luz fulgura Traçando-lhes as órbitas vazias. (...) Euclides da Cunha escrito em alguma data anterior a 1890 (trecho) em: Antologia de poetas brasileiros bissextos, de Manuel Bandeira edições de ouro (1966)

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CONTEÚDO

Prefácio 3 Lista de figuras 10 Prólogo 11

1. Apresentação ..................................................... 15 ELEMENTOS QUÍMICOS ............................................................................ 16 MASSA NÃO É PESO ................................................................................. 17

O começo de tudo .................................................................. 18 TÃO LONGE, TÃO GRANDE ...................................................................... 19

A Galáxia ................................................................................ 21 As galáxias ............................................................................. 24 Berçários de estrelas .............................................................. 28 Nosso minúsculo lugar no Universo ....................................... 30 O tamanho do pensamento .................................................... 36

2. Eu queria saber, mas nem sabia o que queria perguntar ................................................................ 45

2.1 - Meu primeiro livro de "astronomês" ................................... 47 O Sol como unidade de medida de outros corpos celestes ... 47 A Terra é mais densa que o Sol ............................................. 48 Contração Gravitacional ......................................................... 50 Faz-se a luz ............................................................................ 52 O céu poderia ser diferente .................................................... 56 O espectro do Sol ................................................................... 61 Usando cor como "termômetro" .............................................. 63

2.2 - Grandes ideias para pequenos mundos ............................ 65 Luz enquanto quantum ........................................................... 67 Quantizar é preciso ................................................................ 71 Ondas estranhas .................................................................... 73

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Uma certa incerteza e a matéria degenerada ........................ 74 O que é a queima nuclear? .................................................... 76 Núcleos, nuclídeos ................................................................. 80

Nuclídeos......................................................................... 84 Nucleossíntese e relógios ...................................................... 87

Relógios da natureza ...................................................... 89

3. Uma pequena biografia das estrelas................. 93

3.1 - Os números das estrelas ................................................... 93 Massas ................................................................................... 96 Tempos de Vida ...................................................................... 97 Dimensões .............................................................................. 99 Temperaturas ....................................................................... 101 Luminosidades...................................................................... 101

Classes de Luminosidade ............................................. 103

3.2 - Ciclos de queima.............................................................. 103 Queima do hidrogênio no centro da estrela ......................... 104 Fim da queima do hidrogênio no centro da estrela .............. 106 Queima do hélio no centro da estrela ................................... 108 Queima do carbono, oxigênio, etc., no centro da estrela ..... 110

3.3 - A história propriamente dita ............................................. 110 Um retrato que conta histórias.............................................. 118

Diagrama Hertzsprung-Russell e os Ciclos de queima . 125 Resumindo .................................................................... 126

4. Morte e Renascimento ..................................... 127

Após a morte estelar há quatro possibilidades ........................ 127 Não sobra nada .................................................................... 127 Anã Branca ........................................................................... 127 Estrela de Nêutrons .............................................................. 129 Buraco Negro........................................................................ 131

Outros buracos negros não estelares ........................... 132

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Da poeira das estrelas ............................................................. 133

ANEXOS ................................................................ 137 Anexo 1. Paralaxe e Parsec ..................................................... 137

Anexo 2. Magnitudes ................................................................ 139

Anexo 3. Nasce a Espectroscopia ........................................... 142

Anexo 4. Dos pilares da Física ao átomo de Bohr (breves considerações) ......................................................................... 146

Mecânica de Newton ..................................................... 146 Termodinâmica e Mecânica Estatística ......................... 147 Eletromagnetismo .......................................................... 149 Contexto histórico (um ponto de vista) .......................... 150 Átomo de Bohr ............................................................... 153

Anexo 5. Panelas de café com leite... ...................................... 155

Anexo 6. Lista de elementos .................................................... 159

Bibliografia recomendada ............................................. 167

Referências e outras fontes bibliográficas................. 169

Como se lêem... .............................................................. 175

Agradecimentos ............................................................. 177

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Lista de figuras

Figura 1 – Desenho da Galáxia .............................................................. 22 Figura 2 – Galáxias elípticas e espirais .................................................. 25 Figura 3 – A galáxia Sombrero ............................................................... 28 Figura 4 – Berçário estelar na nebulosa da Águia .................................. 29 Figura 5 – Dimensões comparativas dos planetas no sistema solar ....... 31 Figura 6 – Dimensões comparativas das orbitas no sistema solar ......... 32 Figura 7 – Uma galáxia e um grupo de galáxias ..................................... 35 Figura 8 – O espectro eletromagnético .................................................. 57 Figura 9 – A Galáxia em diferentes comprimentos de onda ................... 59 Figura 10 – Um prisma é capaz de decompor a luz................................ 61 Figura 11 – Um trecho do espectro solar ............................................... 62 Figura 12 – Radiação de corpo negro .................................................... 68 Figura 13 – Tabela de Nuclídeos ........................................................... 86 Figura 14 – Estrela em equilíbrio ........................................................... 94 Figura 15 – Evolução do sistema solar .................................................. 98 Figura 16 – Dimensões comparativas de estrelas ................................ 100 Figura 17 – Ciclo próton-próton ............................................................ 105 Figura 18 – Término da queima de hidrogênio ..................................... 107 Figura 19 – Término da queima do hélio .............................................. 109 Figura 20 – Nebulosa planetária e seu efeito visual ............................. 114 Figura 21 – Nebulosas Olho de Gato e Esquimó .................................. 115 Figura 22 – Diagrama de uma supergigante evoluída .......................... 116 Figura 23 – Restos de supernovas ...................................................... 118 Figura 24 – Diagrama HR .................................................................... 119 Figura 25 – Trajetórias evolutivas no digrama HR ................................ 122 Figura 26 – Destino do Sol no diagrama HR ........................................ 123 Figura 27 – Evolução de um aglomerado globular no diagrama HR ..... 124 Figura 28 – Diagrama HR e Tabela e Nuclídeos .................................. 125

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Aprendemos apenas quando duvidamos do que nos disseram1 Ana Miranda, Boca do Inferno, Companhia das Letras, 1990

Prólogo

O trabalho científico é construído a partir de dúvidas, perguntas, observações da natureza, elaboração de teorias e das conclusões que se podem tirar a partir da comparação dos resultados da teoria com as experimentações e observações. É um caminho árduo, que é trilhado por aqueles cujo dom principal talvez seja o de questionar. Para alguns destes talvez, o prazer de estar no mundo vem principalmente das poucas respostas que podem obter ao longo de suas vidas e também da possibilidade de transmitir essas poucas respostas para as próximas gerações, que por sua vez poderão questionar tais respostas.

Todo esse processo permite responder algumas perguntas fei-tas pelos nossos antepassados, mas que permanecem estranhas ainda para muitos. Tais respostas não são meras opiniões, ou seja, aquelas afirmativas que não precisam ser provadas.

Opiniões muitas vezes estão baseadas em certezas, enquanto é o questionamento das certezas a fonte de inspiração para o desenvolvimento da ciência.

Apesar de ser um trabalho delicado e complicado, é sempre possível mostrar de forma mais ou menos coloquial, alguns aspectos dos temas abordados nas pesquisas científicas. Este trabalho é uma tal tentativa, a de apresentar alguns dos resultados do trabalho científico que permitem responder parcialmente a pergunta: qual é a importância das Estrelas?

1 Esta frase é uma variação do antigo provérbio "A dúvida é o início do conhecimento" (em latim, no original: Dubium sapientiae initium).

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Queremos mostrar aos não familiarizados com as ciências exatas, que existe uma estreita relação entre os elementos químicos e as estrelas.

Após a compreensão de alguns processos que ocorrem nos átomos e entre os núcleos atômicos, foi possível entender a principal fonte de geração de energia que sustenta as estrelas. Ou seja, foi o entendimento dos elementos químicos que nos levou à compreensão do funcionamento das estrelas.

Por outro lado, foi descobrindo o funcionamento das estrelas que se chegou à compreensão da existência, na natureza, das quantidades dos elementos químicos produzidos e ejetados por esses astros.

Cada estrela tem seu tempo de vida: todas elas nascem, vivem e morrem. Algumas, quando morrem, ejetam todos os elementos químicos conhecidos e cuja maioria foi formada nelas mesmas. A partir desses produtos estelares jogados no espaço e misturados ao material existente poderão nascer novas estrelas.

Em última instância, são os elementos criados nas estrelas, em quantidades adequadas, que permitem a existência de alguma forma de vida e, com uma probabilidade de ocorrência muito menor, a construção de alguma civilização aliada ao desenvolvimento da curiosidade, como a que ocorreu em nossa Terra rara.

Essa trajetória do conhecimento que trata do entendimento interligado do microcosmo e do macrocosmo poderia ser descrita na forma: do átomo às estrelas e vice-versa.

A importância das estrelas a qual nos referimos está, portanto, relacionada mais profundamente às nossas origens "químicas".

Esboçamos as possíveis etapas da vida de uma estrela, bem como seu destino final, dependendo de suas características ao nascer. Abordamos, ao final, a questão da renovação do material interestelar devido às diversas gerações estelares na nossa Galáxia.

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Alguns leitores poderão questionar por que somente cerca de 25% dos argumentos científicos deste livro é dedicado à vida das estrelas propriamente ditas. Não tenho a meu favor um argumento convincente. Entretanto, ouso aqui divagar, que as estrelas inspiram e transpiram praticamente todos os pilares das ciências ditas exatas. Tentar entendê-las envolve a mente humana no processo inesgotá-vel da criatividade que permeou a escalada do conhecimento.

Um pouco dessas elaborações, repletas de idas e vindas, é o que eu gostaria de transmitir. Alguns podem julgar que foram abordadas algumas questões em detrimento de propriedades e fenômenos "indispensáveis" de serem citados. Isso foi uma opção buscando, por um lado, a simplificação dentro de um conjunto limitado de temas astronômicos e, por outro, tentando não perder de vista o complexo universo que os contém.

L.I.A-P, outubro de 2003

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Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do universo.../ Por isso a minha aldeia é

tão grande como outra terra qualquer/ Porque eu sou do tamanho do que vejo/

E não do tamanho da minha altura... Fernando Pessoa, O Guardador de Rebanhos, VII (trecho), 1914

1. Apresentação Nossa vida é devida, parcialmente, ao Sol, que nos fornece luz, nos aquece e tem mantido a Terra girando em sua órbita estável por quase 5 bilhões de anos. Mas nós não existiríamos se não houvesse o carbono, o oxigênio e tantos outros elementos que nos constituem e contribuem para a riqueza da Terra e do Universo. Onde foram criados estes elementos? O Sol não é responsável por isto, pois tais elementos em sua superfície já estavam lá à época de seu nascimen-to.

Os átomos, ou elementos, a partir dos quais somos formados, foram criados em outras estrelas (e não no Sol). As partes mais internas das estrelas funcionam como poderosos reatores de fusão nuclear. Os processos de fusão, como o nome indica, fundem núcleos de elementos transformando-os em novos núcleos, ou novos elementos.

A fusão e outros processos podem criar muitos elementos em várias etapas da vida de algumas estrelas. Isto depende principal-mente de uma quantidade de matéria que pode ser muito diferente de estrela para estrela. As de maior massa terminam suas vidas com uma explosão, que é chamada de supernova. Nesta explosão, é criada a imensa maioria dos elementos que formam todos os corpos encontrados no Universo (desde moléculas até estrelas e galáxias), inclusive nós mesmos. São criados, por exemplo: oxigênio, ferro,

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ouro, mercúrio, urânio etc. Além disso, com a explosão, esses novos elementos assim formados são espalhados no espaço.

Muito tempo depois, podem nascer novas estrelas a partir dos restos das supernovas misturados ao gás e à poeira que existem no espaço entre as estrelas. Esses imensos espaços ocupados por gás e poeira em nuvens pouco densas entre as estrelas, são denominados de meio interestelar. _____________________________________

ELEMENTOS QUÍMICOS Um átomo, ou elemento químico, é constituído por um núcleo atômico que em geral está acompanhado de elétrons à sua volta. Os núcleos têm prótons e nêutrons, com exceção do tipo mais simples de hidrogênio, que tem somente um próton. Os elétrons ocupam o que chamamos de orbitais e formam um arranjo eletrônico, que é diferente para cada átomo. As propri-edades e combinações químicas podem ser entendidas atra-vés dos diversos arranjos eletrônicos, que são indicados na Tabela Periódica dos elementos (encontrada nos livros didáti-cos de Química).

Ao nos referirmos a um elemento seguido de um número, o número significa o correspondente número de massa, A, que é a soma A = Z + N, onde Z = número de prótons, também chamado de número atômico; e N = número de nêutrons do núcleo atômico; Os nomes dos diferentes elementos químicos mudam de acordo com os números de prótons em seus núcleos (o Anexo 6 traz a lista de elementos). Um átomo é neutro quando o número de prótons no núcleo atômico é igual ao número de elétrons que orbitam seu núcleo. Um átomo está totalmente ionizado quando não há elétrons ocupando seus orbitais: há somente o núcleo.

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Então, os átomos que compõem o nosso corpo formaram-se há muito tempo, e vêm de muitas estrelas. O conjunto de átomos que possibilitam a formação de vida provém sobretudo das supernovas. Portanto, somos feitos de pó: do meio interestelar, de restos de estrelas, de restos de supernovas; somos filhos das estrelas. Entendê-las melhor significa aumentar nosso conhecimen-to sobre a origem da diversidade de elementos na natureza e, indiretamente, da nossa existência.

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MASSA NÃO É PESO

Na linguagem coloquial, massa é usada como sinônimo de peso. Entretanto para fins científicos essas duas palavras têm sentidos diferentes. Em geral simplifica-se a definição afirman-do-se que a massa é uma propriedade dos corpos, uma quan-tidade de matéria, que não muda conforme o local onde se encontram. Na linguagem da Física, o peso de um dado corpo é igual à força da gravidade que atua sobre ele. A força da gravidade (uma força de atração), que vamos representar pela letra F, é igual à massa, que vamos representar pela letra m, multiplicada pela gravidade, que vamos representar pela letra g, ou seja: F = m × g. Logo, se a massa está contida na ex-pressão do peso, que é uma força, então a massa não é uma força. Um corpo tem um peso na Terra. Seria mais leve se estivesse na Lua, pois a gravidade na superfície da Lua é somente 1/6 do valor da gravidade superficial da Terra. Entre-tanto a massa desse corpo é a mesma, estando aqui ou lá. A gravidade de um corpo celeste depende de sua massa total e de seu tamanho (como veremos adiante).

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O começo de tudo A história evolutiva dos elementos químicos começa com o que se acredita ser também o início da história do Universo: o Big Bang, a "grande explosão".

Acredita-se que tudo o que há no Universo hoje estava extre-mamente concentrado, na forma de energia. Então esse Universo "concentrado" subitamente começou a se expandir de forma muito violenta; isto é o Big Bang: o nascimento do Universo. A partir dessa expansão, ou seja, a partir do Big Bang, foram formados o espaço, como nós o percebemos hoje, e a matéria. A partir daí, a idade zero do Universo, começou a contagem do tempo.

Note que se tudo foi criado a partir do Big Bang (espaço, tem-po e matéria) então não podemos visualizá-lo como uma explosão vista de fora, pois não havia nada fora da "explosão". O mais correto seria imaginar todo o Universo inicial, não importando seu "tamanho", expandindo-se violentamente e simultaneamente em todas as suas partes, com os "observadores" dentro dele. Um desenho para isto seria impossível de fazer, talvez uma página em branco brilhante melhor representasse a realidade.

Ainda hoje o Universo continua a se expandir. Agora, de for-ma muito menos violenta do que no início. Os limites do Universo que nos é permitido observar podem ser medidos em anos-luz.

A luz que tem uma velocidade de cerca de 1 bilhão de quilô-metros por hora, levaria cerca de 10 bilhões de anos para ir do Sol até os limites do Universo conhecido.

Podemos aplicar este tipo de cálculo para as distâncias no Sistema Solar: por exemplo, a luz leva cerca de um segundo e meio para ir da Terra à Lua; leva cerca de 8 minutos e meio para ir do Sol à Terra; e leva cerca de 5 horas e meia para ir do Sol até Plutão.

Segundo a teoria, quando o Universo foi criado, há cerca de 14 bilhões de anos, praticamente o hidrogênio e o hélio eram os

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únicos elementos existentes, sendo o hidrogênio cerca de 76% da matéria, e o hélio 4, cerca de 24% (esses percentuais referem-se às contribuições em massa e não em número de átomos dos respecti-vos elementos). _____________________________________

TÃO LONGE, TÃO GRANDE

As grandes dimensões e distâncias astronômicas nos fazem utilizar escalas diferentes daquelas do dia a dia. Por exemplo, pode-se utilizar: a Unidade Astronômica (UA), definida como a distância média entre o Sol e a Terra; ou o ano-luz (al) que é a distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano; ou o parsec (pc). Introduzimos aqui o parsec, pois é uma unidade muito comum na Astronomia. Se o leitor quiser entender o parsec, leia o Anexo 1.

Em valores aproximados, temos:

pcalkmUA 558 1048,01058,11050,11 −− ×=×=×=

pcUAkmal 31,01063,01046,91 512 =×=×=

alUAkmpc 26,31006,21009,31 513 =×=×=

Aqui utilizamos a notação matemática na qual, por exemplo, 210100 = , 3101000 = , etc. Ainda, nesta notação 1101,0 −= ,

21001,0 −= , 310001,0 −= , etc. _____________________________________

O Big Bang deve ter produzido, além do hidrogênio, o deuté-

rio, o hélio 3, o hélio 4, e o lítio 7. Este último em quantidades muito pequenas. Os possíveis números de nêutrons (N), e prótons (Z), dos elementos mais leves, e seus respectivos números de massa (Z+N) estão no Quadro 1. O deutério é o átomo de hidrogênio 2, com um próton e um nêutron no núcleo atômico. O núcleo do

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deutério é chamado de dêuteron, mas é difícil encontrar astrôno-mos ou físicos que utilizem essa palavra.

No gás do meio interestelar outros processos devem produzir, ainda hoje, algum lítio, berílio e boro. As quantidades de lítio, berílio e boro são muito pequenas no Universo, quando compara-das com as quantidades de grande parte dos outros elementos.

Todos os elementos mais pesados que o boro foram criados nas estrelas. Assim, os átomos, estas entidades do mundo micros-cópico, estão ligados, historicamente, a estes corpos de grande massa e grandes dimensões, situados a grandes distâncias.

Um aspecto cíclico entre o universo dos átomos e o universo macroscópico dos objetos astronômicos, é que o produto da criação das estrelas é jogado no meio interestelar, a partir do qual serão formadas novas estrelas, que por sua vez produzirão uma quantida-de nova de elementos ou átomos.

Quadro 1 - elementos químicos mais leves.

Hidrogênio H

Hélio He

Lítio Li

Berílio Be

Boro B

no de prótons Z 1 2 3 4 5

no de nêutrons N 0 ou 1 1 ou 2 3 ou 4 4 ou 5 5 ou 6

no de massa A 1 ou 2 3 ou 4 6 ou 7 8 ou 9 10 ou 11

Cerca de 200 milhões de anos após o começo do Universo,

teve início a formação das primeiras estrelas em nuvens que estavam iniciando o longo e complexo processo de formação das galáxias.

Atualmente, considera-se que, ao menos em estrelas parecidas com o Sol, deve ser comum a formação de planetas. Portanto, é

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provável que muitos sóis estejam acompanhados de planetas, satélites, asteroides e cometas, tal como em nosso sistema solar.

Em algumas galáxias, a maior parte das estrelas é muito anti-ga. Em outras, como a nossa própria Galáxia2, encontramos, além de estrelas velhas, um grande número de estrelas jovens e regiões de formação estelar.

A Galáxia Durante a maior parte da história humana, a humanidade teve e ainda tem grande dificuldade para compreender o alcance do espaço visível no qual está inserida. Assim como peixes mergulha-dos no oceano, incapazes de saber a sua forma, os antigos foram incapazes de conhecer a forma da Galáxia. Nosso oceano galáctico visto da Terra, de algum lugar sem poluição atmosférica nem luminosa, aparece no céu noturno como uma Via Láctea, que quer dizer caminho de leite em latim. Os gregos antigos se referiam à Galaxias Kyklos que quer dizer círculo de leite, em grego. A palavra grega γαλαξιας (= galaxias) significa láctea (= de leite), e κυκλος (= kyklos) significa círculo, circunferência ou ciclo. Hoje em dia "galaxias" tem outro significado, como veremos. De fato essa é uma declinação grega da palavra gala (= leite), que coinci-dentemente a transforma no plural da palavra galáxia, na língua portuguesa.

Galaxias Kyklos ou Via Láctea, foram alguns dos nomes da-dos pelos nossos antepassados à faixa esbranquiçada, formada por bilhões de estrelas e que se apresenta entrecortada de manchas mais escuras que são imensas nuvens de gás e poeira. Via Láctea passou a designar a nossa Galáxia como um todo.

2 A nossa Galáxia, escrevemos com G maiúsculo, precedido do artigo definido.

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Claro que a partir somente da bela visão da Via Láctea em um límpido céu noturno não foi possível para nossos antepassados, assim como para observadores mergulhados no oceano, saber a forma da galáxia/oceano que os contém. Atualmente, a releitura da denominação grega para a Via Láctea nos fornece uma noção bastante realista do "oceano", dado que Kyklos indica uma forma circular para a faixa esbranquiçada, envolvendo nosso mundo. Aliás, variações dessa denominação também aparecem em textos latinos, como Circulus Lacteus.

Figura 1

Desenho da nossa Galáxia (adaptado da referência 13).

Hoje conhecemos a forma aproximada da Galáxia (figura

1). Ela tem um disco com certa espessura e um diâmetro de cerca de 98 mil anos-luz (930.000.000.000.000.000 de quilômetros); tem uma parte central chamada de bojo, com a forma aproximada de

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uma bola achatada; e tem um halo esférico difuso e pouco denso que contém o disco, o bojo e os gigantescos aglomerados de estrelas (aglomerados globulares). O sistema solar dista aproxima-damente 26 mil anos-luz do centro da Galáxia (indicado na figura 1). Uma vez que estamos mergulhados no disco, este aparece no céu noturno projetado como uma Via Láctea.

Nem todas as galáxias têm um disco ou bojo, mas a grande parte é formada por nebulosas e imensos grupos de estrelas, que por sua vez podem estar acompanhadas de planetas.

Até o ano de 2005 já haviam sido detectados mais do que cento e cinquenta planetas gigantes fora do sistema solar, orbitando estrelas da chamada vizinhança solar. É muito difícil detectar planetas, pois estes se tornam invisíveis, para os detectores atuais, devido ao forte brilho de suas respectivas estrelas, deixando os planetas "ofuscados".

Os astros de uma galáxia estão separados uns dos outros por imensas distâncias. A figura 1 mostra um desenho da forma aproximada da Galáxia, já descrita. A figura corresponde ao negativo de uma hipotética fotografia da Galáxia, vista de lado ou de borda. As estimativas para as dimensões do bojo da Galáxia são: 4.000 anos-luz de altura e 9.000 anos-luz de largura.

Os aglomerados globulares são aglomerados mais ou menos compactos, que podem ter de 100 mil a 1 milhão estrelas. As estrelas de um aglomerado globular têm mais ou menos a mesma idade, são muito velhas e estão, em geral, fora do disco da Galáxia, pertencendo ao halo ou ao bojo.

As estrelas dos aglomerados abertos (constituídos por algumas dezenas ou até centenas de estrelas), que estão no disco da Galáxia, têm a mesma idade entre si, mas são mais jovens que as anteriores.

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As galáxias O Universo, que é possível observar, contém da ordem de 60 bilhões de galáxias com formas variadas. Cada uma delas pode conter da ordem de 100 ou mesmo 200 bilhões de estrelas.

A variedade de tamanhos de galáxias é bastante grande, mas pode-se estimar um valor médio da ordem de 100 mil anos-luz. Existem galáxias peculiares até dez vezes maiores.

Na figura 2 são apresentados alguns tipos de galáxias. À es-querda de cada imagem na figura 2, temos uma das identificações: a letra M ou a sigla NGC, seguida de um número.

A letra M é devida ao catálogo de "nebulosas mais brilhantes", do astrônomo francês "caçador de cometas", Charles Messier (1730-1817), publicado em 1784 com a finalidade de "evitar confusão entre os objetos do tipo nuvem e os cometas". Hoje sabemos que muitos dos objetos não eram nebulosas como, por exemplo, a nebulosa de Orion, classificada como o objeto M42, mas eram, de fato, galáxias. A nebulosa de Orion está no disco da nossa Galáxia e é um local no qual os telescópios atuais revelam o nascimento de estrelas.

NGC é uma sigla para New General Catalogue (Novo Catá-logo Geral) de "Nebulosas e Aglomerados Estelares", publicado em sua primeira versão em 1888, pelo astrônomo dinamarquês John Louis Emil Dreyer (1852-1926). Esse catálogo reuniu todas as listas de objetos não estelares compilados por muitos observadores do século dezenove.

O carro chefe do NGC foi o Catálogo Geral de Nebulosas, do astrônomo inglês Sir John Frederick William Herschel (1792-1871), publicado em 1864, com 5079 objetos, dos quais apenas 450 não foram devidos às observações de Sir John e de seu pai, Sir William Herschel (1738-1822). Dreyer, revisou, corrigiu e ampliou o catálogo original.

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Figura 2 Alguns tipos de galáxias elípticas e espirais (adaptada da referência 13).

Sir William, o pai, nasceu Friedrich Wilhelm Herschel, na

Alemanha. Mudou-se para a Inglaterra em 1757. Foi, inicialmente, músico profissional e tornou-se um famoso astrônomo; um dos notáveis observadores da história da Astronomia. Além das observações citadas mostrou, por exemplo, que o Sol movia-se em relação às estrelas na Via Láctea; descobriu o planeta Urano em

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1789, e dois de seus satélites; mais dois satélites de Saturno e centenas de estrelas duplas. Baseado em suas observações concluiu que as estrelas da Via Láctea estavam distribuídas aproximadamen-te em um disco com uma espessura.

A partir do século dezoito, como veremos adiante, começava-se a especular que a limitação humana para observar objetos muito distantes era a causa de não poderem ser resolvidas as diferenças entre os "grandes sistemas estelares" (outras galáxia) e nebulosas.

Por sugestão de George Ellery (1868-1938), Heber Doust Curtis (1872-1942) e Harlow Shapley (1885-1972), todos norte-americanos, empenharam-se na discussão das escalas de distâncias no Universo, que ficou conhecido no meio científico como o debate Shapley-Curtis de 1920 ou "o grande debate". De fato tal "debate" (que não chegou a ser um debate no sentido literal, tendo cada um principalmente exposto seu ponto de vista) não teve repercussão à época. O status de grande debate foi adquirido com o correr dos anos. Apesar da rica argumentação em torno do tema, nenhum dos dois estimou corretamente as dimensões da Galáxia, a localização do Sol ou as dimensões ou distâncias das possíveis galáxias exteriores.

Somente a partir de 1924, devido principalmente ao trabalho do astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953), tornou-se evidente que algumas (até então) "nebulosas" do NGC e do catálogo de Messier eram, de fato, gigantescos sistemas estelares, tal como a Via Láctea, situados a enormes distâncias.

Em 1925, Hubble elaborou uma classificação para as galáxias, baseada em suas formas. A palavra "tipo" que aparece em cada uma das imagens na figura 2, está associada a um dos tipos que aparecem na classificação original de Hubble. A letra E significa elíptica, e a letra S significa espiral, com exceção de S0 e SB0, que não apresentam uma estrutura espiral, somente um bojo central; a letra maiúscula B significa barrada; tanto os números que

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acompanham os tipos E quanto as letras minúsculas que acompa-nham os tipos S indicam subclasses, respectivamente, das elípticas e das espirais. Há galáxias que não se classificam nas formas anteriores, como as chamadas de irregulares, encontradas em grande número.

Os constituintes e as propriedades das galáxias estão ligados de um modo similar ao de um sistema ecológico. Ou seja, variações em um ou mais de seus constituintes podem afetar as condições dos componentes restantes. Por exemplo, em geral, existe uma relação entre formas e conteúdos das galáxias; também, uma relação entre a história de formação de uma galáxia e o conjunto das evoluções estelares. Também existe uma relação entre o conteúdo estelar das galáxias e o meio onde estas se encontram, o que pode ser estudado observando-se os aglomerados de galáxias, que são grandes estruturas no Universo. Portanto entender estrelas significa também melhorar nosso conhecimento de galáxias e consequentemente do Universo.

Em geral, temos que: • nas galáxias elípticas há uma predominância de estrelas

avermelhadas3; elas em geral não apresentam evidências de gás e poeira, e a formação estelar cessou há bilhões de anos;

• nos discos das galáxias espirais há uma quantidade apreciável de estrelas azuladas4, de gás e de poeira (ver, por exemplo, a figura 3), que obscurecem a luz das estrelas; e a formação estelar tem ocorrido de forma mais ou menos continuada desde o início de suas histórias.

Ainda, podemos usar a metáfora ecológica para indicar as dificuldades na direção de uma teoria que englobe todo o sistema, 3 Estrelas são avermelhadas ou por serem de baixa massa ou por serem evoluídas. 4 Essas estrelas azuladas são jovens de grande massa.

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ou seja, todos os constituintes galácticos e a relação entre seus aspectos evolucionários, pois sabemos das dificuldades existentes para entender as inter-relações em sistemas ecológicos.

Figura 3 A galáxia Sombrero (M104), que é um espiral vista de borda (adaptada de uma imagem do VLT5).

Berçários de estrelas A formação estelar ocorre em regiões com uma quantidade de gás, e poeira, a qual varia muito entre os diversos tipos de galáxias. Em algumas não existe mais o nascimento de estrelas, mas na Galáxia temos muitos locais de nascimento, chamados de berçários estelares, que são nebulosas em geral muito bonitas. 5 VLT é a sigla para "Very Large Telescope" do ESO (European Southern Observatory), em Atacama, no Chile. O VLT é um sistema cuja parte principal é constituída de quatro telescópios de 8,2 metros que podem trabalhar em conjunto.

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Na Galáxia até somos capazes de observar o processo de nas-cimento de estrelas individuais, como na figura 4.

Figura 4 Algumas protuberâncias na Nebulosa da Águia (como por exemplo, as indicadas pelas setas), chamadas de glóbulos proto-estelares, contém estrelas em formação (adaptada de uma imagem do telescópio espacial Hubble).

O número de estrelas formadas em um intervalo de tempo

fornece o que é chamado de taxa de nascimento estelar. Pode-se verificar que há relação entre as taxas de nascimento e as formas de sistemas estelares.

Também as interações entre galáxias (que têm como caso mais extremo a fusão de galáxias) podem intensificar a taxa de formação estelar.

O início da formação de uma estrela ocorre devido a uma per-turbação nas grandes nuvens frias de gás e poeira que existem no meio interestelar. Tal perturbação, que pode ter várias causas ainda não esclarecidas em todos os seus aspectos, dá início à agregação de massa que por sua vez atrai cada vez mais massa, em um processo de contração gravitacional (a gravidade será discutida

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adiante) que pode durar milhões de anos. Entretanto, como veremos, não necessariamente este processo dará origem a uma estrela.

Nosso minúsculo lugar no Universo Diante das dimensões encontradas no Universo, o nosso planeta Terra é muito pequeno. Aliás, o Sol, que é muito maior que a Terra, também é muito pequeno quando comparado a algumas estrelas e, mesmo, as grandes estrelas têm tamanhos desprezíveis quando comparadas às dimensões das galáxias que, por sua vez, podem ser "minúsculas" partes das grandes estruturas no Universo. Para entender isso, fazemos uma pequena descrição das dimensões do sistema solar e dos grandes sistemas astronômicos.

Os tamanhos relativos dos planetas, em comparação ao Sol, e as dimensões das órbitas dos planetas, têm características tais que impedem suas representações corretas em uma mesma figura.

Vejamos primeiramente a figura 5. Repare nos tamanhos, por exemplo, da Terra e de Marte em relação ao Sol. Agora, observe as dimensões das suas respectivas órbitas em torno do Sol, na figura 6.

A figura 6 foi construída mantendo-se as proporções relativas, de tal forma que a figura pudesse conter cerca de 70% da órbita de Netuno; o extremo da órbita de Plutão fica de fora. A consequência disto é que as órbitas de Mercúrio, Vênus, Terra e Marte ficam bastante "apertadas" nessa representação. Nesta figura 6 seria impossível de representar o Sol. Nossa estrela, a mais próxima de nós, desenhada com suas proporções corretas simplesmente desaparece, pois é bem menor que um simples ponto como o do final dessa frase. Se o Sol não pode ser percebido na figura 6, então muito menos se podem representar os planetas.

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Figura 5 Tamanhos relativos dos planetas em relação ao Sol.

Cada uma das órbitas desenhadas representa o caminho em

torno do Sol percorrido pelo respectivo planeta. O intervalo de tempo que cada planeta leva para dar uma volta completa em torno do Sol, ou período de revolução, depende do tamanho da órbita.

Para cada volta completa de Netuno, passam-se aproximada-mente 165 anos terrestres; ou seja, cerca de 165 voltas completas da Terra em torno do Sol; para cada volta de Urano passam-se cerca de 84 anos e para cada volta de Marte passam-se cerca de 2 anos terrestres. Os planetas interiores, Mercúrio e Vênus, têm períodos menores que o ano terrestre. Por exemplo, Mercúrio dá cerca de 4 voltas em um ano, pois seu período de revolução é cerca de 3 meses.

O plano que contém uma dada órbita chama-se plano da órbi-ta. Grosseiramente, as órbitas de Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno estão em um mesmo plano. O plano da órbita de Mercúrio é ligeiramente inclinado em relação ao plano anterior e o plano da órbita de Plutão é inclinado cerca de 17o.

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Figura 6 Tamanhos relativos das órbitas planetárias. A maior parte das órbitas planetárias é quase circular. Os planos das órbitas estão vistos quase de borda. (Adaptada da referência 13.)

Vamos, agora, considerar o plano que contém aproximada-

mente a maior parte dos planetas. Vamos construir em pensamento um desenho das órbitas desses planetas sobre uma folha de papel. Ao olharmos tal figura de frente, as órbitas parecerão circulares. De fato, elas são elípticas, mas a diferença entre círculos e elipses nesse caso é tão tênue, que nós não poderemos distinguir a diferença sem a ajuda de régua e compasso. Também podemos imaginar que tal desenho ocuparia um espaço enorme nos livros. É por isso que em geral não são representadas dessa forma.

Inclinar a folha com o desenho das órbitas quase circulares significa inclinar o plano imaginário, de forma a vê-lo quase de lado ou de borda. Isto fará com que os quase círculos pareçam

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elipses muito achatadas. Isto é o mesmo que ocorre com a visão do disco de galáxias, como na figura 1 ou na figura 3, quando as vemos de borda.

Outro modo de perceber as reais proporções é tomar um cam-po de futebol oficial, tal como o do Maracanã, no Rio de Janeiro. Se colocarmos o Sol e Plutão, cada um em um lado do campo sobre as linhas de fundo, a distância entre os dois nesta escala é de cerca de 110 metros, que é o comprimento do campo. Nessa escala o Sol seria do tamanho de uma bola de gude, com cerca de 2 centímetros e meio de diâmetro. A Terra teria um diâmetro de menos da metade do milímetro. A distância do Sol a Urano alcançaria quase o meio do campo, enquanto que as distâncias entre o Sol e cada um dos planetas Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, alcançariam posições que estariam todas na pequena área, próximas ao Sol. Se o leitor gostar de futebol, pense nisso quando for assistir ao próximo jogo.

Com os exemplos dados anteriormente, podemos perceber que nosso precioso mundo é bastante pequeno se comparado com as dimensões do sistema solar. E o Sol em relação às outras estrelas? Mais adiante veremos que o Sol também pode ser bastante pequeno quando comparado com as dimensões de outras estrelas.

A estrela mais próxima do Sol fica a cerca de 4,3 anos-luz e encontra-se em um sistema de três estrelas, em que a maior, na escala do campo de futebol, seria também uma "bola de gude" de cerca de 3 centímetros.

Em relação ao Sol-bola-de-gude na cidade do Rio de Janeiro, 4,3 anos-luz equivale à distância da estrela-bola-de-gude mais próxima do Sol-bola-de-gude, situada, por exemplo, em Uberlândia (no estado de Minas Gerais), que dista cerca de 700 quilômetros do Rio de Janeiro, medido sobre um bom mapa em linha reta. Esta também é a distância aproximada, no mapa, entre as cidades de Salvador (na Bahia) e Recife (em Pernambuco); ou, entre Oiapoque (no Amapá) e Cuiabá (no estado de Mato Grosso do Sul).

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Pode-se imaginar que para um observador hipotético situado à distância de 4,3 anos-luz, e que tivesse a mesma visão do que um ser humano, nosso Sol não se destacaria das outras estrelas tal como as que aparecem em um céu urbano como, por exemplo, os de Curitiba, Belo Horizonte ou Fortaleza. Evidentemente nossos planetas seriam totalmente invisíveis.

Isto nos ajuda a entender por que a tecnologia observacional teve que avançar tanto, para que só recentemente se iniciasse o "descobrimento" dos primeiros planetas em outros sistemas e, mesmo assim, somente planetas gigantes, maiores do que Júpiter. O descobrimento tem ocorrido em geral de forma indireta, através da detecção de movimentos da estrela em estudo, ao longo dos anos, causados pela presença do planeta gigante.

É difícil imaginar nosso "pequeno" sistema solar, cuja maior órbita planetária (considerando Plutão) tem 11 horas luz de diâmetro, comparado a uma galáxia típica com o diâmetro de 100.000 anos-luz. Da mesma forma é difícil imaginar aglomerados de galáxias com dimensões de 10 milhões de anos-luz, como é o caso do aglomerado de Coma a cerca de 300 milhões de anos-luz (imagem à direita na figura 7).

Com o telescópio espacial Hubble, foi possível obter imagens semelhantes a essa da figura 7, entretanto com galáxias situadas a cerca de 10 bilhões de anos-luz do Sol. As diferenças principais são: a 10 bilhões de anos-luz aparece um maior número de galáxias que o da figura 7, com pequenos diâmetros aparentes, e não necessariamente formam grupos. Note que a proximidade aparente entre as galáxias é, em geral, uma questão de projeção no fundo de céu (da mesma forma que as constelações, onde estrelas têm as mais diversas distâncias ao Sol). Também a proximidade aparente não indica necessariamente que há alguma ligação física.

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Figura 7

Diâmetros comparativos: de uma galáxia (esquerda) e de um grupo de galáxias, à direita, chamado de aglomerado de galáxias (adaptada da referência 13).

Vamos nos abstrair bastante e imaginar um observador à dis-

tância de 10 bilhões de anos-luz do Sol, olhando a nossa Galáxia: ele provavelmente veria algo semelhante à imagem do aglomerado de galáxias da figura 7, se utilizasse um poderoso telescópio.

Entretanto, dado que a luz tem uma velocidade finita, quanto mais distante está um corpo celeste, mais tempo a sua luz levará para chegar até nós. Portanto, estamos sempre vendo o passado da história dos objetos celestes. Quanto mais distante, mais antiga é a informação trazida pela luz.

Assim, a luz que chega das galáxias situadas a 10 bilhões de anos-luz é a informação de uma época bem remota, quase que da época do nascimento das primeiras galáxias.

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Voltando ao nosso hipotético observador, situado nos limites do Universo conhecido (do nosso ponto de vista), ele estaria observando nossa Galáxia (no momento que você está lendo essas linhas) em uma época primitiva na qual nosso Sol teria que esperar ainda cerca de 5 bilhões de anos para nascer!

O tamanho do pensamento "Existem, pois, inúmeros sóis, existem terras infinitas, as quais se movimentam à volta daqueles sóis, como percebemos estes sete6 girarem ao redor deste sol que nos é vizinho"

Giordano Bruno (1548-1600), em 1584. "A Galáxia não é pois outra coisa que um conglomerado de inume-ráveis estrelas reunidas em nuvens" (...) "Além disso (o que aumenta ainda mais o assombro), as estrelas que até este dia são denomina-das nebulosas por todos os astrônomos são agregados de estreli-nhas admiravelmente espalhadas, cujos raios (...) escapam do al-cance da vista pela pequenez ou pelo grande afastamento de nós"

Galileu Galilei (1564-1642), em 1610, após realizar observações com o auxílio de

um "óculo7 astronômico" inventado por ele. Uma boa postura intelectual gera respeito pelo trabalho do próximo, quando feito de forma ética e cuidadosa, além de admiração por algumas das conclusões de filósofos e pesquisadores do passado. Conclusões estas que foram obtidas sem nenhuma das

6 Os sete são: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno e a Lua (note que o satélite natural da Terra tinha status de planeta). 7 Atualmente chamamos o "óculo astronômico" de luneta.

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modernas ferramentas observacionais que hoje produzem alguns daqueles resultados extraordinários veiculados na mídia.

A difícil avaliação das conquistas intelectuais do passado só é possível se fizermos um esforço para levar em conta o significado da falta de certos recursos tecnológicos, como a ausência da internet. Para valorizar as conquistas devemos nos abstrair dos poderosos meios de comunicação e reprodução de informação e, mesmo, das facilidades de ir e vir. Temos que nos abstrair de todo o desenvolvimento social, político e cultural ocorrido desde a época analisada. Também temos que reaprender os antigos significados de palavras utilizadas então. Vamos a alguns exemplos do amplo significado de algumas palavras que se perdeu no decorrer da história.

Os gregos antigos empregavam a palavra cosmos (em grego κοσµος = ordem, organização) para designar o céu, o mundo, o Universo. Os antigos romanos fizeram o mesmo com a palavra mundus (= céu, firmamento; mundo, terra).8 O Universo, o todo, uma "verdade integrada", só podia mesmo estar associado ao que se podia ver: o céu e o pedaço de terra da "aldeia" de Fernando Pessoa; e, também, aos sentimentos variados gerados dessa visão.

Talvez uma criança, ou um adulto capaz de se abstrair de suas ideias preconcebidas, que olhe um céu noturno sem poluição, tenha um "sentimento do todo", análogo a um possível sentimento gerado por esta visão no homem primitivo; além, naturalmente, do provável deslumbramento e medo gerado pelo desconhecido. Esse sentimento do todo pode ser parcialmente responsável pela origem de alguns significados amplos de palavras, que foram perdidos na história e denotam uma visão de mundo diferente da atual e difícil de ser percebida. 8 É curioso que em se tratando de mulheres mundus também podia significar enfeite ou adorno e a palavra grega cosmos também pode significar adorno, adereço, honra, glória.

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Com isso em mente agora voltamos às primeiras descobertas registradas sobre as grandes estruturas contidas no "céu de nossa aldeia"! Podemos tentar avaliar o "tamanho do pensamento", dando exemplos das conclusões de alguns dos pensadores que especula-ram cerca de meio século antes que William Herschel acerca da forma da Galáxia e da existência de outras estruturas semelhantes no Universo. Note que os resultados observacionais da época nem de longe tinham a qualidade alcançada pelos Herschel.

Em 1750, o inglês Thomas Wright (1711-1786), estudioso da astronomia e da matemática, professor de navegação, entre outros interesses, publicou suas ideias sobre a estrutura do Universo.9 Assumiu uma porção da Via Láctea visível como constituída de estrelas como o Sol, distribuídas em uma camada estelar bastante achatada onde o Sol estaria embebido. De fato, tal estrutura resultaria de um efeito visual, como veremos, o que dá margem, em alguns textos, a interpretações equivocadas dos modelos de Wright.

Note que na época o alcance das observações astronômicas era muito limitado. Só para ilustrar, imagine um ponto brilhante minúsculo dentro de uma "pizza" constituída de outros pontos brilhantes similares ao Sol suspensos em um meio escuro, com o ponto brilhante que representa o Sol no centro dessa configuração, acompanhada dos planetas. As bordas da pizza equivaleriam aos limites da observação astronômica e sua espessura representaria a forma achatada da porção local da Via Láctea. A visão através da camada (ou da pizza) forneceria a visão da faixa esbranquiçada e a

9 Essa obra (referência 56) é: An Original Theory or New Hypothesis of the Universe (Uma Teoria Original ou Nova Hipótese do Universo) founded upon the Laws of Nature (fundamentada sobre as Leis da Natureza) and solving by Mathematical Principles the General Phænomena of the Visible Creation (e esclarecendo, por Princípios Matemáticos, os Fenômenos Gerais do Universo Visível); and particularly the Via Lactea (e, particularmente, a Via Láctea).

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visão em direções perpendiculares à camada forneceria a visão do resto de céu visível, com relativamente poucas estrelas. Até aí temos uma boa analogia da nossa vizinhança no disco da Galáxia.

Entretanto, Wright forneceu opções para a grande estrutura que conteria a camada da via Láctea visível. Segundo Wright, tal camada poderia ser uma pequena seção de uma fina casca esférica estelar gigantesca de tal forma que a estrutura visível da vizinhança solar se assemelharia a uma estrutura de disco envolvendo o Sol, quando vista tangencialmente à casca. Compare essa visão com a aparência de disco da superfície do mar que um navegador teria em pleno oceano. Lembre que o navegador está na superfície de um corpo quase esférico, a Terra, e o fato da esfera ser hipoteticamente oca ou não, não interfere na "explicação" do efeito visual de disco da superfície de um lado da pizza.10 Mais ainda, na concepção de Wright de 1750 poderia haver outras cascas estelares concêntricas com superfícies bem separadas umas das outras (o que não iria interferir no efeito visual). Além disso, tais superestruturas poderiam se repetir indefinidamente pelo espaço, em um número infinito de "universos".

Segundo Wright, outra opção (e de fato melhor do ponto de vista atual) seria o Sol estar contido em um imenso anel estelar na forma de um dos anéis de Saturno. A visão, dentro do suposto anel, seria equivalente à visão no modelo anterior, novamente conside-rando os limites das observações astronômicas (a pizza estaria contida no suposto anel).

10 Isso é apenas uma analogia. Já no início das grandes navegações, no século quinze, ao menos os navegadores sabiam que não vivíamos sobre nenhuma espécie de "pizza". Aliás, indo mais distante no passado, em torno de 600 a.C. já se especulava sobre a redondeza da Terra e em torno de 250 a.C. os diâmetros da Terra e da Lua foram avaliados (o que constitui uma evidência da imensa capacidade intelectual do ser humano "desde sempre"!).

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Tais modelos têm a vantagem filosófica de não dar um desta-que especial ao local do Sol no Universo.

Finalmente, Wright assumiu nos centros de tais modelos estru-turais uma enorme massa e, por razões teológicas, tal massa estaria associada a uma espécie de poder divino ordenador.

Devemos admitir que suas tentativas, que buscavam a "Beleza e Harmonia do Todo consistente com a Ordem visível das Partes", eram de fato um tanto confusas. Aliás, em notas posteriores, Wright repudiou sua explicação anterior e recolocou o Sol no centro da "criação". Entretanto, vale a pena ressaltar que Wright foi um dos primeiros a tentar explicar, em um manuscrito não publicado, segundo Michael Hoskin,11 o grande "vazio de planetas" entre Marte e Júpiter. Segundo Wright, seria resultado da destruição de um suposto planeta devido a sua colisão com um cometa.

Em 1751, a leitura de um periódico contendo as ideias de Wright inspirou Immanuel Kant12 (1724-1804), filósofo nascido na antiga Prússia, que em 1755 publica um trabalho13 que contém sua versão, bem mais consistente que a de Wright, para um modelo do Universo. Em seu trabalho, Kant refere-se explicitamente à versão de Wright de uma possível similaridade entre a estrutura estelar visível e a estrutura do sistema solar. Kant baseia-se nas descrições

11 www.astropa.unipa.it/versione_inglese/Hystory/BODE'S_LAW.htm 12 Kant é autor das frases que deveriam ser motivo de reflexão para todo estudante que está se iniciando nas ciências: Os pensamentos sem conteúdo são vazios. As intuições sem os conceitos são cegas. 13 Referência 29: Allgemeine Naturgeschichte und Theorie Des Himmels (História Natural Universal e Teoria do Céu) oder (ou) Versuch von der Verfassung und dem mechanischen Ursprunge des ganzen Weltgebäudes, nach Newtonischen Grundsätzen abgehandelt (Ensaio sobre a Constituição e Origem mecânica da Estrutura global do Universo baseado em Princípios Newtonianos)

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de observações astronômicas e, principalmente, do ponto de vista científico, na teoria de Newton da gravitação.

Uma das descrições de objetos astronômicos citados em Kant é a do francês, matemático e pesquisador em várias áreas, Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759). Alguns objetos fracos de forma elíptica eram denominados, entre algumas opções, de "estrelas nebulosas". Segundo Kant, Maupertuis (em trabalho de 1742) considerou tais objetos astronômicos como corpos celestes surpreendentemente grandes que apresentam a forma elíptica devido ao achatamento causado por sua rotação.

Ambos, Wright e Kant, fizeram uso de argumentos teológicos para deduzir sobre a multiplicidade de grandes sistemas estelares. A questão do poder de Deus no caso de Kant foi abordada com a mesma ênfase que suas especulações científicas sofisticadas. No trabalho de Wright a razão científica encontra-se embaçada pela fé com mais intensidade do que em Kant, que dotou o centro divino de Wright de atração gravitacional, apesar de continuar admitindo um poder divino associado à criação de tal estrutura ou de seus similares.

Isso também nos dá uma ideia da evolução do pensamento científico, mais integrada no passado com a complexa natureza humana da fé e atualmente comprometida fortemente com a objetiva linguagem físico-matemática, ao menos nas ciências exatas, e com a comprovação empírica, como veremos adiante.

Algumas das interessantes especulações no trabalho de Kant (sob o ponto de vista e interpretação dessa autora) são:

• uma hipótese sobre a formação do sistema solar a partir de

uma nuvem primordial; • a rotação das estrelas na Via Láctea em torno de um centro de

grande massa, de forma análoga ao movimento dos planetas em torno do Sol, ou dos satélites em torno dos planetas (essa

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ideia está contida parcialmente no trabalho de Wright, entre-tanto de forma confusa);

• o movimento de rotação das estrelas em torno do centro de grande massa do sistema não seria em geral observável devi-do às grandes distâncias estelares e a curta vida do ser huma-no, mas poderiam ser comprovadas no futuro (à época, alguns quase imperceptíveis deslocamentos estelares já tinham sido determinados);

• a existência de mais planetas e cometas para além de Saturno, com órbitas mais achatadas (excêntricas) que as órbitas dos planetas conhecidos;

• o aspecto que a Via Láctea teria se vista de enormes distân-cias, comparando isto com o aspecto de algumas "nebulosas" que deveriam ser estruturas semelhantes à Via Láctea, no que concerne à formação e à rotação em torno de uma grande massa;

• o fato de não se poder distinguir estrelas em algumas "nebu-losas" era um indicativo em si mesmo de suas enormes dis-tâncias, para muito além do nosso "universo" de então, a Via Láctea;

• um Universo infinito implica que não deve haver um centro preferencial.

Em algum momento até meados do século dezenove foi cu-nhada a expressão Universo-ilha para designar um eventual sistema estelar das mesmas dimensões imaginadas para a Via Láctea. O próprio Kant não utiliza tais termos em seu trabalho de 1755,

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embora seja às vezes atribuída a ele essa expressão, ou sugere-se tal autoria.14

À época da primeira edição, o trabalho de Kant não teve re-percussão, pois seu editor foi à falência e poucos exemplares circularam no mundo.

Em 1745, Maupertuis, à época presidente da academia de Berlim, referiu-se à "nebulosa" de Andrômeda como uma Galáxia, em analogia à forma da Via Láctea.15 Portanto, talvez, deva-se parcialmente a Maupertuis estender a antiga palavra grega para a denominação das "outras Vias Lácteas".

Após 1921, o termo Universos-Ilha saiu de uso e estes passa-ram a ser chamados de galáxias. Entretanto, a expressão voltou aos textos sobre história e divulgação científica tal qual um retorno nostálgico ou uma homenagem aos pensadores do Universo.

Não se podem estabelecer limites para o pensamento, mas podem-se estabelecer limites para a utilização, na ciência, das hipóteses geradas pelo pensamento.

14 Consta-me apenas que a referência mais antiga a "ilhas" é a de Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander, Baron von Humboldt (1769-1859), mais conhecido simplesmente como Alexander von Humboldt, cientista e explorador, autor de "Kosmos" (4 volumes publicados entre 1845 e 1859 e o quinto, incompleto, publicado postumamente, em 1862). No quarto volume da primeira edição inglesa, de 1852, aparece na página 301 o termo (informação cedida por M. E. Bakich via internet) "stellar islands" (ilhas estelares). 15 Ulrich Hoyer, Kant und die Naturwissenschaften, disponível em www.muenster.org/kantgym/highlight/jubi25/

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Bem-aventurados os pintores escorrendo luz/ que se expressam em verde/ Azul/ Ocre/ Cinza/ Zarcão!/ Bem-aventurados os músicos.../ E os

bailarinos/ E os mímicos/ E os matemáticos.../ Cada qual com sua expressão!/ Só o poeta é que tem que lidar com a ingrata linguagem

alheia.../ A impura linguagem dos homens! Mário Quintana, Bem-aventurados, em: Novos Poemas.

2. Eu queria saber, mas nem sabia o que queria perguntar Ora ouvirás dizer de estrelas:

Estrelas são "fornalhas"... Estrelas têm luz própria... Estrelas piscam... Estrela de quinta grandeza... Estas e outras frases em geral são ditas sem se pensar muito

sobre seus significados. Por fornalha se quer transmitir uma grande temperatura, sem a

preocupação de qual temperatura e de qual fornalha estamos tratando. Saber sobre o que seja a luz é muito importante por que é através dela que podemos contar a história da estrela que a produziu. Não confundir grandeza com tamanho é bom para a cultura geral, pois grandeza tem relação com a luz que nós vemos e não com dimensão ou tamanho estelar. Se o leitor quiser saber mais sobre a relação entre grandeza e brilho da estrela veja o Anexo 2. Por que nós vemos estrelas piscando, saberemos mais adiante.

Uma vez que nos propusemos a contar uma história, sem grande uso das ferramentas necessárias para provar o que está

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sendo dito, vamos apenas esboçar alguns dos conceitos que possam nos aproximar do conhecimento científico.

Não é demais lembrar que a formulação e o entendimento das linguagens utilizadas para expressar ideias, exigem a ordenação de sílabas, palavras e frases. A Astronomia tem a Matemática como sua estrutura básica de linguagem, ordenada através de conceitos da Física. A Física poderia ser considerada como uma espécie de tradutora da linguagem da natureza.

Com a utilização de tais ferramentas, na elaboração e desen-volvimento de teorias, são obtidos resultados quantitativos, ou números. Estes deverão ser comparados com outros números obtidos de medidas de laboratório ou de dados das observações dos objetos celestes. Tal comparação é a base do critério de validade científica. Uma teoria científica só é considerada válida se os resultados do desenvolvimento da teoria coincidem (em ordem de precisão determinada pela própria teoria), com os resultados da observação de fenômenos naturais ou criados em laboratório. Quando este teste não é passível de ser efetuado, a ideia, ou teoria, não passa de especulação.

Medidas pouco acuradas, realizadas com instrumentos mais primitivos, formaram os vínculos necessários para modelos primordiais que por sua vez foram a base de modelos mais apurados. Os desenvolvimentos teórico, experimental e tecnológi-co, são processos iterativos, processos que se retroalimentam.

Contudo, para não ficarmos somente com o aspecto rigoroso do procedimento científico, observamos que o desenvolvimento da "língua" matemática foi acompanhado de uma explícita cumplici-dade com a beleza estética do formalismo em si mesmo. Esse esquema estende-se para a Física. Uma preocupação com a simplicidade (relativa) e a beleza das demonstrações ou dos resultados teóricos também têm sinalizado caminhos para novos desenvolvimentos e aprimoramentos da teoria e da própria linguagem.

Lilia Arany-Prado

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É interessante também lembrar que em alguns momentos da história, a descoberta científica esteve muito à frente de alguma aplicação prática que, por sua vez, acabou por se transformar em uma aplicação de uso diário em todo o mundo. Isso nos ensinou que não se deve duvidar da utilidade da ciência, mesmo que em um dado momento não se saiba para quê serve uma teoria aparente-mente estranha ou uma descoberta aparentemente inútil.

A seguir, vamos descrever alguns aspectos da linguagem usada na Astronomia e na Física, em uma área de estudos chamada de Astrofísica.

2.1 - Meu primeiro livro de "astronomês"

O Sol como unidade de medida de outros corpos celestes Estrelas podem ter tamanhos diferentes. Na verdade, elas podem nascer com diversos tamanhos e também mudam de tamanho ao longo de suas vidas. Utilizamos o raio solar médio, Rʘ, como unidade de medida para descrever as dimensões estelares (ʘ é o símbolo usado para o Sol). Por exemplo, para uma estrela com raio cinco vezes o raio do Sol, escrevemos seu raio na forma: 5 Rʘ .

Também podemos escrever o próprio raio solar em termos de raio da Terra, R⊕, onde o índice ⊕ é o símbolo usado para a Terra. O raio do Sol é cerca de cem vezes o raio da Terra, isto é:

Rʘ ≅ 100 R ⊕. A massa da Terra, M⊕, é aproximadamente igual a 6 × 1021

toneladas:

À luz das estrelas

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M⊕ ≅ 6 × 1021 Ton, onde Ton é a sigla que foi usada para tonelada. A massa do Sol é

Mʘ ≅ kgTon 3027 102102 ×=× ,

onde kg é o quilograma. Para transformar Ton em kg usamos a relação:

1 Ton = 103 kg. A massa do Sol dada acima é aproximadamente igual a mil

vezes massa do planeta Júpiter, ou cerca de 333 mil vezes a massa da Terra, ou cerca de 27 milhões de vezes a massa da Lua, ou ainda é, provavelmente, mais do que 1 bilhão de vezes a soma de todas as massas de todos os seres vivos que já existiram na Terra nos últimos 3 bilhões de anos, mais aqueles que ainda poderão existir nos próximos 1 bilhão de anos. É verdade que neste exemplo estamos descrevendo uma reciclagem de massas, que portanto não deveriam ser somadas. Isto é, estamos somando, por exemplo, massas de populações que não mais existem. Mas o exemplo serve apenas para tentarmos visualizar a grandeza a qual estamos nos referindo com algo mais palpável em termos terrestres.

As grandes massas dos corpos celestes nos fazem, para facili-tar a notação, utilizar a massa do Sol como unidade de massa. Por exemplo, para uma estrela com duas vezes a massa do Sol, escrevemos sua massa na forma: 2 Mʘ.

A Terra é mais densa que o Sol Densidade é a razão entre a massa, M, e o volume, V, que contém a massa M de um corpo. Vamos representar densidade pela letra grega ρ (lê-se rô). Podemos escrever a frase acima através da equação

VMVM ==ρ / .

Lilia Arany-Prado

49

O volume de uma esfera é dado pela equação

3

34 RV π= ,

Onde π (letra grega que se lê pi) é um número aproximadamente igual a 3,14 e R é o raio da esfera. Então a razão entre duas densidades de duas esferas diferentes, que vamos chamar de esfera a e de esfera b, é

3

3

a

b

b

a

a

b

b

a

bb

aa

b

a

RR

MM

VV

MM

VMVM

===ρρ

// .

Podemos considerar muitos corpos celestes, por exemplo, planetas e estrelas, como tendo formas aproximadamente esféricas. Um grande corpo celeste tem em seu interior a massa muito mais concentrada que em sua superfície. Por massa concentrada queremos dizer: massa relativamente grande em um volume relativamente pequeno.

Então a densidade no centro é maior que a densidade em suas camadas mais externas. Entretanto, podemos tomar simplesmente a massa total do corpo celeste e o seu raio total, para calcularmos uma densidade, usualmente chamada de densidade média, que vamos representar na forma ⟩ρ⟨ .

No cálculo da densidade média, estamos desprezando o fato de a densidade ser maior no interior do corpo do que próximo ao exterior. É como se fizéssemos uma redistribuição da massa de forma a ser uniforme em toda a parte do corpo considerado.

Uma vez que conhecemos a relação entre o raio do Sol e da Terra e a relação entre suas respectivas massas, podemos verificar que a Terra é mais densa que o Sol, de acordo com a explicação a seguir e as equações já descritas neste item.

À luz das estrelas

50

Utilizando os valores corretos para as massas e os raios do Sol e da Terra, dados nos manuais de Astronomia, e não os valores aproximados fornecidos anteriormente, encontramos que a relação entre as densidades médias da Terra (⊕) e do Sol (ʘ) é

⟩ρ⟨ ⊕ ≅ 4 ⟩ρ⟨ ʘ. Então, temos que multiplicar a densidade do Sol por aproximada-mente quatro para encontrarmos a densidade da Terra.

As unidades utilizadas para densidade são, em geral, o quilo-grama (kg) por metro cúbico (m3) ou o grama (g) por centímetro cúbico (cm3); para uma transformação entre ambas, deve-se considerar a relação

333 kg/m 10g/cm 1 = .

1 g/cm3 é a densidade da água (a 4 graus centígrados), enquanto que a densidade média do Sol é cerca de 1,4 g/cm3 (que é parecida com a densidade da areia da praia). Para dar o exemplo de um metal denso, a densidade da platina, a 20 graus centígrados, é cerca de 21,5 g/cm3. Já a densidade de um remanescente estelar muito compacto (resultante da morte de uma estrela de alta massa que morre como uma supernova) pode chegar a 100 trilhões de gramas por centímetro cúbico (1014 g/cm3), como veremos.

Contração Gravitacional Quando escrevemos o que vem a ser o peso, mostramos que a força da gravidade é igual à massa multiplicada pela gravidade (m × g). Veremos a seguir que a gravidade g pode ser entendida como um parâmetro que pode assumir o mesmo valor daquilo que é chamada de aceleração gravitacional. A aceleração tem unidades de comprimento por tempo ao quadrado, por exemplo: metro por segundo ao quadrado, ou m/s2.

Lilia Arany-Prado

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A força da gravidade, que é uma força de atração, pode gerar uma aceleração. Quanto maior a massa de um corpo maior a força da gravidade com que atrai outros corpos a uma dada distância e maior a aceleração que pode ser gerada.

Para entender o problema de um modo mais ou menos simples, vamos considerar um grande corpo celeste esférico de massa M e raio R e vamos considerar um pequeno corpo, em geral chamado de corpo de prova, de massa m.

Vamos representar por d a distância entre o centro do corpo celeste e um local, acima da superfície do corpo celeste, onde se encontra o corpo de massa m (a distância d é maior do que o raio R). A aceleração do corpo de prova, devido à presença do corpo celeste, pode ser escrita como a razão entre o peso do corpo de prova e sua massa:

aceleração da gravidade =

gm

gmpeso=

×=

prova de corpo do massaprova de corpo do

Então a aceleração gravitacional é igual à g, que foi anterior-

mente chamada de gravidade. Entretanto, nossa simplificação do problema gerou uma inconsistência.

Se d é igual raio R, ou se o corpo de prova é impedido de "cair", ele não estará acelerado. Apesar disso, de qualquer forma, estará sob a influência da gravidade. A inconsistência é resolvida ao escrevermos que os valores da gravidade e da aceleração que pode ser gerada é que são iguais. Tendo em mente essa sutil diferença, podemos continuar.

À luz das estrelas

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Devido às leis de Newton, podemos escrever que a gravidade, ou a aceleração da gravidade, é proporcional à massa M do corpo celeste dividido pela distância ao quadrado (d2):

a gravidade, ou aceleração da gravidade,

é proporcional a 2d

M ,

donde podemos concluir que a ação da gravidade, devido ao corpo celeste considerado, sobre o corpo de prova, diminui quando a distância ao corpo de prova aumenta.

Temos também que na superfície do corpo celeste

g é proporcional a 2R

M ,

onde R é o raio do corpo celeste. Essa gravidade na superfície de um corpo celeste é chamada de gravidade superficial. Note que a gravidade ou a aceleração da gravidade não dependem da massa do corpo de prova! É uma característica intrínseca do corpo celeste.

Podemos também concluir que:

durante a contração gravitacional, se uma dada massa M de um corpo celeste torna-se cada vez mais concentrada em um raio cada vez menor, com o aumento da densidade do corpo, a gravidade superficial torna-se cada vez maior.

Faz-se a luz A luz nasce das cargas elétricas. A quantidade fundamental de carga elétrica, a chamada unidade de carga elétrica, é a carga do elétron, que se convencionou ser caracterizada como uma carga negativa.

Lilia Arany-Prado

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Fenômenos associados à presença de cargas elétricas foram denominados de eletricidade. Esta foi descrita inicialmente como uma força "misteriosa".

Por vota de 600 a.C., Thales de Mileto [Grécia, 640-545(?) a.C.] relatou o poder do âmbar, uma resina endurecida de árvore, em atrair objetos leves depois de atritado, por exemplo, em um pelo de animal.

No século dezesseis, foi introduzida a noção de atração elétri-ca. A palavra elétrica vem da palavra grega ηλεχτρον (= eléctron), que significa âmbar amarelo. Segundo a descrição atual de tais fenômenos, os objetos tornam-se eletricamente carregados com carga positiva ou negativa. As denominações positiva e negativa são invenções humanas e, portanto, arbitrárias. O universo não muda se invertermos os sinais das cargas, nem se as denominarmos com outros nomes. Sabemos que cargas de mesmo sinal se repelem e de sinais contrários se atraem.

Também se conhecia o ímã, que em grego escreve-se µαγνητος (= magnetos). Daí foi emprestada a raiz para os nomes modernos relativos a fenômenos magnéticos. O magnetismo está associado ao que chamamos de dipolo magnético, ou seja, dois polos ligados entre si: um positivo e outro negativo.

A conhecida experiência de submeter limalha de ferro, acima de uma folha, à ação de um ímã, colocado abaixo da folha, permite visualizar neste dado contexto as chamadas linhas de campo magnético. À medida que se aproxima de uma carga ou de um dos polos de um dipolo magnético, ou ímã, há maior número de linhas por área, indicando maior atuação da carga sobre o espaço.

A Terra funciona como um grande dipolo no qual o sinal ne-gativo situa-se no norte e o positivo no sul e não coincidem com os polos geográficos. A agulha imantada da bússola alinha-se com as linhas do campo magnético terrestre de modo que o polo positivo da agulha parece apontar para o norte da Terra.

À luz das estrelas

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O campo de influência no espaço pode ser visualizado tam-bém quando analisamos, por exemplo, o material ejetado em um flare16 solar (jatos de matéria que podem alcançar comprimentos de dezenas de diâmetros terrestres), que muitas vezes segue uma trajetória curva, característica de um campo magnético localizado na superfície solar e associado a manchas solares.

É bom observar que tais fenômenos não são vistos a olho nu e que jamais se deve olhar para o Sol sem o uso de filtros adequados.

Ocorre que associado a um campo magnético sempre há um campo elétrico e vice-versa: a um campo elétrico está associado um campo magnético. A compreensão disso também levou à explica-ção para a fonte primária de propagação da luz, ou da radiação, em termos de ondas. Vejamos algumas características básicas de ondas.

As chamadas ondas harmônicas diferem entre si, ou são caracterizadas, pelo comprimento de onda, que é a distância entre duas cristas e é denominado pela letra grega λ (lê-se ou escreve-se lambda).

O comprimento de onda é inversamente proporcional à fre-quência. A frequência é designada pela letra grega ν (lê-se ni). Chamando pela letra v a velocidade de propagação da onda, na linguagem científica escrevemos:

ou λ

=νν

=λvv

.

16 Em português flare (lê-se flérr) é chamado de fulguração, mas é muito difícil encontrar astrofísicos brasileiros que utilizem essa tradução.

Lilia Arany-Prado

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Para uma mesma velocidade de propagação, aumentar o com-primento de onda significa diminuir a frequência. Uma unidade de frequência muito usada é o Hertz, cuja sigla é Hz (e equivale a ciclo por segundo = 1/s).

Uma explicação simplificada da razão primária da radiação, em termos ondulatórios, é a seguinte. Quando um elétron livre (isto é, não ligado a um átomo) é acelerado, isto provoca uma perturba-ção nos campos da carga. Esta perturbação propaga-se com a velocidade da luz. Mais especificamente:

Ondas eletromagnéticas podem ser produzidas por oscilações dos campos elétrico e magnético resultantes da perturbação no campo de uma carga elétrica acelerada. Entretanto, é bom ressaltar que existe um limite físico para a emissão de radiação através de cargas aceleradas. Ondas eletromagnéticas muito energéticas (com altíssimas frequências, ou pequeníssimos comprimentos de onda) não podem ser produzidas desta forma.

Há outra forma de visualizar a radiação eletromagnética.

Ocorre que a radiação, quando interage com a matéria, tem um comportamento do tipo que ocorre entre partículas. A partícula associada a tal comportamento é o que nós chamamos de fóton. Os fótons carregam uma energia que é proporcional à frequên-cia da radiação. Então, a radiação também pode ser entendida como fóton, ou quantum elementar da radiação, como vere-mos adiante. Quantum significa "a quantidade", em latim.

Alguns fenômenos podem ser estudados de duas formas: do ponto de vista ondulatório da radiação e do ponto de vista fotônico.

Os átomos também produzem radiação, mas de forma mais peculiar. Os elétrons ligados a núcleos atômicos (pela chamada interação eletromagnética) nos átomos só emitem em certos comprimentos de onda e jamais em outros. Dizemos que emitem de forma discreta. O conjunto de comprimentos de onda que podem

À luz das estrelas

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ser emitidos por um átomo depende do arranjo eletrônico. Mas, como tal arranjo muda de átomo para átomo, então também o possível conjunto de comprimentos de onda emitidos é característi-co de cada átomo.

Vários nomes são dados a intervalos específicos de valores de comprimento de onda (chamados de bandas de comprimento de onda) de radiação eletromagnética. Para cada um desses intervalos é necessário um detector apropriado para a observação da radiação. Entretanto, toda radiação eletromagnética deve ser entendida através de uma mesma teoria: o Eletromagnetismo (o Anexo 4 traz breves comentários sobre o nascimento dessa teoria).

O céu poderia ser diferente Além da luz visível, que é uma banda de radiação eletromagnética que nossos olhos são capazes de captar, existem outras radiações eletromagnéticas, como os raios gama, raios X, ondas de rádio, etc., que só podem ser captados por aparelhos apropriados. Todos os corpos emitem algum tipo de radiação. Por exemplo, nossos corpos emitem radiação infravermelha. Naturalmente, as estrelas são fontes de radiação eletromagnética: a olho nu, somos capazes de observar somente a luz visível.

Na figura 8, a faixa da radiação visível aparece ampliada, com características espectrais que serão explicadas mais adiante. À esquerda e à direita do intervalo do espectro visível aparecem as faixas, respectivamente, do infravermelho e do ultravioleta.

Repare nas dimensões relativas dos comprimentos de onda, dados em unidades de metro, apresentadas na figura 8. Vemos, por exemplo, que a dimensão da onda na faixa de rádio FM é da ordem de grandeza de uma pessoa. Comprimentos de ondas maiores têm as dimensões da maior montanha da Terra, que é o Everest, com 8.848 metros de altura (o ponto mais alto do Everest fica a quase 9 quilômetros acima do nível do mar).

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Figura 8 O espectro eletromagnético (adaptado da referência 13).

Na figura 8 também aparecem algumas unidades de medidas

de comprimento (como o nanômetro) e frequência (como o GHz). O nano e o G, de giga, são alguns exemplos de múltiplos de decimais. No Quadro 2 apresenta-se um esquema de alguns desses múltiplos muito usados em ciência, cujo uso pode ser entendido da seguinte forma. Por exemplo, para saber o que é nanômetro, multiplique o respectivo fator pelo metro: 1 nanômetro = 910− me-tro.

À luz das estrelas

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Quadro 2 - múltiplos de decimais muito utilizados. prefixo símbolo fator

giga G 10 9

mega M 10 6

kilo k 10 3

micro µ 10 6− nano N 10 9−

A atmosfera terrestre desempenha um papel de protetor contra

as radiações prejudiciais à vida: ela é opaca, por exemplo, para os raios X. Por outro lado, a atmosfera é transparente na região do visível, chamada de janela óptica, e na chamada janela rádio.

Quadro 3 - algumas janelas do espectro eletromagnético.

Janela Intervalo de comprimentos de onda

Intervalo de frequências

Óptica de 400 a 750 nanômetros 750.000 GHz a 400.000 GHz

Rádio de 1 centímetro a 20 metros 30 GHz a 15 MHz

O Quadro 3 fornece os valores aproximados dos intervalos de comprimentos de onda ou de frequências nos quais a atmosfera é transparente: qualquer radiação nesses intervalos penetra na atmosfera, até o nível do mar. A atmosfera também espalha mais a luz azul que a vermelha, o que fornece seu aspecto azulado. Acima da atmosfera terrestre (na ausência da atmosfera), o céu apresenta-se negro... e estrelado. Neste "céu negro", as estrelas não piscam, pois o piscar das estrelas é um efeito causado pela passagem da luz

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pela atmosfera. Mais precisamente, pela turbulência do ar que causa pequenos desvios nas direções dos raios luminosos, fazendo com que intermitentemente saiam da nossa linha de visada (da nossa retina). Rádio (0,4 GHz)

Infravermelho

Infravermelho próximo

Óptico

Raios X

Figura 9 A Galáxia observada em diferentes comprimentos de onda

(obtida em: https://mwmw.gsfc.nasa.gov/mwpics/mwmw_8x10.jpg )

Na figura 9, vemos a Galáxia observada em diferentes faixas de comprimento de onda.

Em uma das faixas, no óptico, aparece o disco da Galáxia, denominado de Via Láctea, como nós o vemos. Em outros comprimentos de onda, aparecem outras fontes de radiação eletromagnética, não percebidas no óptico.

À luz das estrelas

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Na faixa de rádio são visíveis as nuvens de hidrogênio atômi-co no disco galáctico. Hidrogênio atômico refere-se ao átomo de hidrogênio neutro, contendo um próton no núcleo e um elétron orbital.

Se pudéssemos ver uma faixa das ondas de rádio, é possível que "veríamos" algo assim, como o que aparece na primeira imagem da figura 9, mostrando uma faixa de rádio em torno da frequência de 0,4 GHz. Mas, para isto, nossos olhos teriam dimensões de antenas parabólicas!

No infravermelho, destaca-se a poeira do meio interestelar. No infravermelho próximo, as estrelas frias de baixa massa, do disco e do bojo galáctico. Infravermelho próximo refere-se a um intervalo de comprimentos de onda próximo do espectro visível.

No óptico, aparecem principalmente as estrelas da vizinhança solar; aqui podemos ver as nuvens escuras que correspondem a regiões de emissão no infravermelho.

A emissão de raios X vem do gás aquecido pela passagem de ondas de choque e as nuvens frias são vistas como sombras.

Uma onda de choque é uma região relativamente estreita com pressão e temperatura relativamente altas, que pode ser gerada devido a distúrbios violentos, como a explosão de uma supernova propagando-se no meio interestelar.

Em raios X, pode-se destacar uma mancha mais clara um pou-co à direita na figura, que podemos associar a duas remanescentes de supernovas.

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O espectro do Sol Em 1666, Sir Isaac Newton (1643-1727)17 descreveu um objeto físico que hoje conhecemos como espectro. Muitos físicos concordarão que Newton pode ser considerado o maior de todos os físicos e um dos gigantes da Matemática.

Figura 10 Ao passar por um prisma, a luz divide-se nas cores que a constituem (adaptada da referência 13).

Entre muitas outras realizações, Newton mostrou que um

prisma separa a luz em suas componentes, ou seja, é capaz de decompor a luz em bandas de cores análogas ao arco íris. Apesar

17 Escrevemos 1643 como o ano de seu nascimento. Entretanto, se considerarmos o calendário vigente na Inglaterra à época, Newton de fato nasceu em 1642, no dia de Natal.

À luz das estrelas

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de o efeito visual ser conhecido na época, não se sabia que as cores observadas constituíam componentes da luz. Do ponto de vista atual, significa que cada banda corresponde a pequenos intervalos de comprimentos de ondas ou frequências. Basicamente um espectro é obtido fazendo-se a luz passar por uma fenda e depois por um prisma, como na figura 10.

O prisma desvia a luz de acordo com sua qualidade, caracteri-zada por um comprimento de onda ou frequência. Por exemplo, o azul é mais defletido (desviado) que o vermelho.

Figura 11 Partes do espectro solar, com linhas espectrais de vários elementos.

O espectro solar apresenta linhas, ou raias espectrais, escuras,

espaçadas (figura 11). Os números da figura 11 são os comprimen-tos de onda, dados em Angstrom, cujo símbolo é Å. A relação entre esta unidade e o centímetro ou o metro é:

1 Å = 810− cm = 1010− m

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No Quadro 4 mostramos as características de alguns elementos que aparecem na figura 11, com os respectivos números atômicos, Z, números de nêutrons, N, e números de massa, A. H é o símbolo do hidrogênio, que tem só um próton no núcleo

Quadro 4 - elementos que aparecem na figura 11

Magnésio Mg

Cálcio Ca

Cromo Cr

Ferro Fe

Níquel Ni

Estrôncio Sr

Z 12 20 24 26 28 38 N 12,13,14 20,22,23,24,

26,28 26,28,29,30 28,30,31,32 30,32,33,34,

36 46,48,49,

50 A 24,25,26 40,42,43,44,

46,48 50,52,53,54 54,56,57,58 58,60,61,62,

64 84,86,87,

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Os elementos químicos produzem um conjunto de raias cujos

espaçamentos entre si são característicos, para cada um deles. Tais raias, por sua vez, estão associadas ao conjunto de orbitais eletrônicos ao qual nos referimos quando escrevemos sobre os elementos químicos. Já por volta de 1860, determinou-se que as distribuições de linhas nos espectros eram impressões digitais dos elementos químicos.

O estudo das raias espectrais passou a ser o estudo dos ele-mentos existentes nas estrelas. Se o leitor quiser conhecer um pouco da história dos espectros estelares leia o Anexo 3.

Usando cor como "termômetro" A definição usual de temperatura está associada ao movimento aleatório de partículas.

A temperatura é expressa em diferentes escalas. No dia a dia, na maior parte do mundo, utiliza-se a escala Celsius (ou centígrado, representada por C). Entretanto, nos textos científicos das áreas de Física e Astronomia, utiliza-se, a escala Kelvin, denominada de

À luz das estrelas

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escala absoluta. O ponto zero desta escala (absoluta) corresponde a 273,15oC negativos, denominado de zero absoluto. Acredita-se que este zero corresponda ao estado de mais baixa energia que pode ser encontrado na natureza.

Temos, por exemplo, as relações entre graus Celsius e Kelvin:

0oC = 273,15oK e 100oC = 373,15 oK.

Hoje em dia não se utiliza mais o símbolo de grau e escreve-se simplesmente K para denominar grau(s) Kelvin.

Os objetos astronômicos em geral não têm suas temperaturas distribuídas uniformemente. Isto é parcialmente responsável pela existência de diferentes "tipos" de temperatura, definidas de diferentes formas, cada uma delas caracterizando uma propriedade particular do objeto estudado.

A temperatura na camada superficial de uma estrela (chamada fotosfera), de onde parte a luz que somos capazes de captar, é referida como temperatura efetiva. A temperatura efetiva é definida, portanto, em termos da radiação estelar.

Existe uma relação entre cor e temperatura. As cores das estrelas são intrínsecas. Partem do próprio objeto,

ao contrário da grande parte dos objetos que nos rodeiam. Por exemplo, as folhas são verdes, pois absorvem outras radiações ou cores, com exceção do verde, que é difundido.

Ao esquentarmos um prego, observamos sua cor: inicialmente avermelhada, tornar-se esbranquiçada. O prego incandescente produz a claridade devido à temperatura; quanto maior a temperatu-ra, mais claro fica.

Evidentemente, isto é apenas uma analogia, pois estrelas não são pregos e as estrelas podem ter temperaturas superficiais muito grandes, muito superiores à do prego do exemplo.

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De qualquer forma, podemos associar a cor avermelhada a temperaturas mais baixas do que aquelas associadas à cor azulada, e isto vale para as estrelas.

Então, devemos lembrar que: • estrelas vermelhas são as mais frias; • estrelas azuis são as mais quentes.

Deve-se ressaltar que não vemos estrelas com as cores fortes com que são, muitas vezes, representadas. Isto se deve ao efeito da temperatura, que suaviza as tonalidades tornando-as esmaecidas à nossa percepção. Por exemplo, o vermelho torna-se alaranjado e o azul torna-se embranquecido. Ainda, nestas condições, não somos capazes de perceber o verde. Isto pode ser entendido também do seguinte modo. Por exemplo, as estrela vermelhas brilham mais no vermelho; apesar disto, emitem também em outras cores, de tal forma que o resultado disfarça a cor na qual ela emite com mais intensidade. Além disso, a faixa do espectro que corresponde à cor verde é relativamente estreita.

2.2 - Grandes ideias para pequenos mundos O grego Demócrito de Abdera (460-357 a.C.)18 especulou que na divisão sucessiva de um corpo, deveria se chegar às partículas indivisíveis. Introduziu o conceito de átomo (= α−τοµος, em grego), que significa não-cortado ou indivisível. Como ensinou

18 É comum haver referência conjunta à Leucipo. Entretanto, a vida de Leucipo, que teria sido professor de Demócrito, não é muito conhecida. Nasceu, até onde nos consta, ou na antiga cidade de Mileto, ou na de Elea, talvez por volta de 490 antes de Cristo e viveu em Abdera.

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Demócrito, "só existem o átomo e o vazio, tudo o mais é mera aparência". A partir do original grego, esta última palavra poderia também ser traduzida como: impressão, opinião ou conjetura.

Os "vazios" existem de fato, mesmo no átomo! O núcleo atômico é cerca de 10.000 vezes menor que o átomo em si. Por exemplo, o raio da menor órbita ocupada pelo elétron no átomo de hidrogênio é cerca de 5.000 vezes o raio nuclear, enquanto que o raio da órbita da Terra é cerca de 220 vezes o raio do Sol. Uma órbita igual a 5.000 vezes o raio do Sol estaria entre as órbitas de Urano e Netuno.

Evidências experimentais para a existência do átomo vieram à tona a partir de 1803, com os trabalhos do inglês John Dalton (1766-1844), que introduziu os pesos atômicos e uma lei de múltiplas proporções entre os compostos químicos. Concluiu que a matéria era constituída de átomos e propôs um modelo atômico. Apesar de seu modelo ser confuso e cheio de equívocos, Dalton pode ser considerado o fundador da teoria atômica da matéria.

Mais de cem anos teriam que se passar, após os trabalhos de Dalton, para que esses pequenos mundos pudessem ser mais bem compreendidos pela ciência. Uma boa parte dos físicos responsá-veis por tais desenvolvimentos recebeu algum prêmio Nobel de Física ou de Química. Esses prêmios começaram a ser distribuídos em 1901.

Como já foi descrito no início do livro, o universo do micro-cosmo está intimamente ligado ao macrocosmo. Tentar conhecer o comportamento da matéria é tentar entender aspectos importantes dos objetos constituintes do Universo.

A ciência do século vinte deu grandes passos nesse sentido. As tentativas de entendimento do muito pequeno levaram a um complexo entendimento do nascimento do Universo e da vida das estrelas. Levou à possibilidade de interpretar as informações

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contidas na luz enviada pelos mais diversos objetos situados a distâncias "impossíveis" para os nossos antepassados.

Vamos então contar um poucos dessas descobertas que leva-ram os físicos a se interessar muito pelas estrelas e pelo Universo uma vez que somente eles seriam os laboratórios naturais para processos envolvendo energias até então inimagináveis.

Deixamos para o Anexo 4, um breve esboço dos primórdios da história moderna do átomo e do respectivo contexto teórico que a precedeu. O anexo traz um esboço dos pilares da Física utilizados para traduzir não só fenômenos que ocorrem nos laboratórios e à nossa volta, como também a estrutura e evolução dos corpos celestes. Mostramos, aí, que um dos grandes nomes é Niels Bohr, que em 1913, apresentou o primeiro modelo atômico a explicar algumas propriedades dos espectros atômicos.

Luz enquanto quantum Havia um fenômeno que intrigava os físicos no final do século dezenove. Era a emissão de radiação de corpos a uma dada temperatura, chamada de emissão térmica de corpo negro. O nome não significa que tais corpos sejam necessariamente negros. Ocorre que um corpo negro tem a propriedade de ser tanto um absorvedor perfeito quanto um emissor perfeito.

Um absorvedor perfeito é aquele que absorve toda radiação que incide sobre ele.

Outra característica do corpo negro é que sua temperatura deve estar distribuída uniformemente. Apenas quando se encontra em baixas temperaturas ele aparenta ser negro. Para uma dada temperatura, o chamado corpo negro emite sempre da mesma forma, não importando o material de que é feito.

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Os pesquisadores obtiveram medidas da intensidade da radia-ção emitida pelos corpos negros em cada intervalo de comprimen-tos de onda.

Figura 12

Distribuição de energia no espectro de radiação térmica de corpos negros a diferentes temperaturas.

Verificaram que o máximo da intensidade correspondia, para

uma dada temperatura, sempre a um mesmo comprimento de onda, e que a distribuição das intensidades era igual para qualquer corpo negro a uma dada temperatura. Obtinha-se uma distribuição que ficou conhecida como espectro de radiação térmica do corpo negro (figura 12). Os físicos tentaram, de todas as formas, reproduzir teoricamente tal distribuição, através de fórmulas matemáticas. Foi somente em 1900, que o físico alemão Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947) teve sucesso.

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Para isso, ele utilizou um artifício matemático. Uma grande questão surgiu no momento de interpretar fisicamente o artifício matemático utilizado. Após intenso trabalho, Planck convenceu-se que não havia como escapar à conclusão: a única interpretação razoável era que as "cargas elétricas oscilantes", responsáveis pela radiação não poderiam oscilar de qualquer modo, mas sim de forma descontínua. Utilizando a linguagem da Física, isso implica que a radiação deve ser emitida em pulsos, pacotinhos ou quanta de energia. Quanta é o plural latino de quantum.

Planck julgou que os quanta, uma vez irradiados, espalha-vam-se na forma de ondas.

Em 1905, um dos gigantes da Física, o físico alemão, posteri-ormente naturalizado norte-americano, Albert Einstein (1879-1955) utiliza a condição de Planck, acima, para explicar o chamado efeito fotoelétrico.

No efeito fotoelétrico, elétrons são ejetados de uma superfície metálica quando nela se faz incidir radiação ultravioleta. Algum tipo de interação entre a radiação e a superfície é capaz de arrancar elétrons que adquirem uma energia que é característica da interação. A física conhecida até então não era capaz de explicar alguns dos resultados das experiências. Considerando-se a manifestação ondulatória da radiação os elétrons emitidos no efeito fotoelétrico, não poderiam ter o comportamento que era verificado na prática.

Einstein admitiu que os quanta, uma vez emitidos da fonte de radiação ultravioleta no efeito fotoelétrico, mantinham a identidade. Os quanta podiam então ser absorvidos ("engolidos") de uma só vez, pelos elétrons nos átomos da superfície do metal, e adquiriam a energia necessária para abandonar a superfície do metal. Tal energia podia ser explicada através da suposição inicial de Planck, desde que os pacotinhos mantivessem sua condição de "partícula", e não fossem "espalhados", como inicialmente assumiu Planck.

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Devido à explicação detalhada do efeito fotoelétrico é que Einstein recebeu o prêmio Nobel de Física em 1921. Entretanto, por ocasião da premiação, como seria de se esperar, foram ressaltadas suas diversas contribuições à Física, incluindo a popular, pelo menos no nome, "relatividade", pouco compreendida pela maior parte da humanidade.

O quantum, que constituiu uma quantização de um sistema da natureza, passou a ser chamado de fóton.

Por quantização queremos nos referir a algo não contínuo. Veja, por exemplo, o caso de uma pedrinha presa a um barban-

te. Podemos controlar o tamanho do barbante de tal forma a fazer girar a pedra a qualquer distância da mão. Então são quaisquer os possíveis valores da dimensão do barbante, por exemplo, entre 1 e 2 metros, ou em qualquer outro intervalo razoável em que se possa fazer essa experiência. Dizemos que são valores contínuos. No caso quantizado, simplesmente o barbante só poderia ter dimensões específicas, ou seja, a pedrinha só poderia girar em certas órbitas em torno da mão, e jamais em outras. É difícil imaginar isso. Difícil também é imaginar um pêndulo de relógio que só pode oscilar de algumas formas e jamais de outras. Voltaremos a esse assunto mais adiante.

O fóton pode ser considerado uma unidade elementar (quan-tum) de energia da radiação eletromagnética. Viaja, no vácuo, com a velocidade de aproximadamente 300.000 km/s.

Podemos associar ao fóton uma massa em termos de energia pura por meio da equação de massa-energia, também descoberta por Einstein, que será vista adiante.

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Quantizar é preciso Uma das consequências da quantização seria a grande abertura conceptual dos físicos para o entendimento da natureza. Seriam obrigados a "traduzir" o mundo invisível a partir de evidências indiretas, dado que o fenômeno em si era inacessível e não se comportava como o esperado das evidências do dia a dia.

O fato de que o efeito fotoelétrico só pode ser entendido em termos do quantum de luz não altera o fato de que outros fenôme-nos, tais como a refração e a interferência, são explicados em termos ondulatórios.

Portanto, a luz parecia ter adquirido "dupla personalidade". De fato, os dois aspectos, de onda e de partícula, não se apresentavam simultaneamente e este aspecto "esquizofrênico" da radiação causava incômodo aos físicos. Passou-se a se falar em dualidade onda-partícula.

Em 1924, Louis Victor de Broglie (França, 1892-1987) conje-turou a respeito do comportamento onda-partícula e pode ter imaginado algo do gênero: se as ondas eletromagnética podem, eventualmente, ser entendidas por meio de um conceito de partícula, talvez uma partícula qualquer possa ter um comportamen-to ondulatório. Ou seja, talvez o comportamento eletrônico possa ser explicado através de características ondulatórias.

Assim teve início a teoria ondulatória da matéria. Nos anos de 1925 e 1926, como resultado do desenvolvimento

das ideias e de experiências associadas a fenômenos atômicos, nasceu uma área da física que se conhece com o nome de Mecânica Quântica, cujo desenvolvimento tornou possível explicar proprie-dades de átomos e moléculas.

A Mecânica Quântica foi desenvolvida basicamente em duas frentes ou dois pontos de vista. O nascimento da primeira é devido principalmente aos três físicos alemães: Werner Karl Heisenberg

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(1901-1976), Max Born (1882-1970) e a Pascual Jordan (1902-1980). O nascimento do segundo ponto de vista é devido princi-palmente ao físico austríaco, Erwin Schrödinger (1887-1961), que utilizou as ondas de De Broglie para descrever os elétrons movendo-se ao redor dos núcleos.

A Mecânica Quântica transformou-se em um poderoso meca-nismo matemático, uma espécie de tradutor dos fenômenos atômicos e nucleares e que tinha a propriedade de quantizar "naturalmente" um sistema. A partir de alguns princípios físicos básicos, a quantização surgia naturalmente do desenvolvimento matemático.

Como esboçaremos adiante, a Mecânica Quântica mostrou ao mundo intelectualizado que as "certezas" a respeito da natureza eram casos particulares; que muitas palavras utilizadas até então, tais como órbita, velocidade e posição, não eram mais adequadas; que seria impossível construir óculos para eliminar o embaçamento do comportamento dos menores constituintes da matéria.

Estamos aqui utilizando uma analogia, que não é a expressão de uma verdade; é apenas uma tentativa de passar ao leitor o problema da grande dificuldade, ou mesmo da inviabilidade, de controlar ou enxergar, ou determinar o destino de cada sistema atômico ou subatômico em cada instante de tempo. Se fosse possível fazer uma viagem ao interior dos átomos tudo se apresen-taria "desfocado" ou "embaçado". Faltam-nos os óculos adequados, e a teoria nos diz que não podemos construí-los. Apesar disso, as teorias fornecem resultados.

Lembre o leitor, que os sistemas computadorizados baseiam-se nos desenvolvimentos das teorias quânticas, que os espectros estelares, por exemplo, passaram a ser objetos da comprovação científica e que o entendimento das reações nucleares tornou possível explicar estrelas e gerar energia, para o bem e para o mal.

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Infelizmente, como a história mostra, nem sempre tal conhe-cimento foi utilizado com sabedoria e as questões sobre a ética científica passaram a ter que ocupar muito espaço na antiga e popular visão romântica da ciência.

Ondas estranhas Escrevemos que Schrödinger utilizou as ondas de De Broglie para os elétrons movendo-se ao redor dos núcleos. Entretanto, como interpretar ondas representando órbitas eletrônicas? De quais ondas estamos tratando? O que constitui uma onda representativa do movimento de uma partícula?

Ondas de água, por exemplo, constituem variações em altura do meio água, à medida que se propagam. Ondas sonoras são variações longitudinais na pressão do meio onde se propaga o som. Ondas eletromagnéticas são variações dos campos eletromagnéticos que constituem tais ondas. Por outro lado existem coisas difíceis de imaginar na forma de ondas. Como visualizar, por exemplo, ondas de confusão ou ondas de fraternidade? Da mesma forma, não é fácil em um primeiro momento, apreender a interpretação que foi dada por Max Born, em 1926, para tais ondas. As ondas de De Broglie foram interpretadas por Born como ondas de probabilida-de e as vibrações que se movem ao longo dessas ondas estariam associadas a locais onde existe ou pouca probabilidade ou boa probabilidade de encontrar uma partícula. Nesse caso as ondas representativas do movimento das partículas estão associadas à probabilidade e, portanto, a trajetória não pode ser expressa em termos determinísticos.

Em 1926 ainda não era claro, em cada caso, como deveria ser utilizado o formalismo matemático, a fim de descrever uma dada situação experimental, mas estava claro que a própria onda representativa do comportamento de uma partícula não poderia ter sentido físico direto.

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Isso levou ao questionamento de "velhos" conceitos, como posição e velocidade. Será que tais conceitos descrevem o mundo atômico somente de forma imprecisa?

Se por um lado, nas descrições de experiências, continua-se a utilizar alguma terminologia clássica, por outro, no mundo invisível, a descrição matemática traz consigo enunciados acerca de probabilidades ou tendências. Não sabemos o que acontece entre uma observação e outra. Mais ainda, o que acontece pode depender da nossa maneira de observar: o ato de observação altera o fenômeno. Então, foram impostas limitações quanto ao uso dos velhos conceitos do mundo macroscópico a fim de evitar contradi-ção na descrição do mundo microscópico.

Niels Bohr (1949), nas memórias de seus debates com Eins-tein (referência 9), escreveu:

No Instituto de Copenhague, onde, ao longo desses anos, vários jovens físicos de diversos países reuniram-se para de-bater, costumamos, muitas vezes, quando em dificuldade, consolar-nos com chistes, entre eles o velho dito sobre os dois tipos de verdade. A um tipo pertencem afirmações tão simples e claras que, obviamente, uma asserção oposta seria indefen-sável. O outro tipo, as chamadas "verdades profundas", com-põem-se de afirmações em que o oposto também contém uma verdade profunda.

Uma certa incerteza e a matéria degenerada Em 1927, Heisenberg formulou o princípio da incerteza. A compreensão de tal princípio é complexa, mas podemos resumi-la na forma: não é possível conhecer com precisão ilimitada e simultaneamente, a posição e velocidade de uma partícula. O aumento da certeza do valor de um destes parâmetros necessaria-mente aumenta a incerteza do outro.

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Por meio desse princípio, podemos entender um pouco por que a chamada matéria degenerada pode sustentar um colapso gravitacional mais eficientemente que a matéria não degenerada através da chamada pressão de degenerescência.

A matéria degenerada é um estado da matéria causado por extremas pressões que levam a uma altíssima concentração de partículas e a uma pressão de degenerescência que é capaz de evitar o colapso da massa causado por sua autogravidade. Podemos entender o significado de matéria degenerada pelo que segue.

Imagine a matéria em altíssima densidade, ou concentração de partículas, na qual temos um aumento de certeza sobre as possíveis posições de partículas. Isto causa um aumento da incerteza sobre suas velocidades que, por sua vez, está associado a um aumento das velocidades em si mesmas. Por outro lado, o aumento das velocidades está associado ao aumento da pressão exercida pelas partículas em movimento.

Classicamente, uma temperatura está associada ao movimento aleatório de partículas, ou uma energia térmica. Em 1738, o matemático suíço Daniel Bernoulli (1700-1782) sugeriu uma explicação para a pressão exercida por um gás, sobre as paredes de um recipiente. Supôs que as moléculas do gás estão em perpétua movimentação e colidem entre si e nas paredes muitos milhões de vezes num segundo, de tal forma que os impactos atuem, efetiva-mente, como uma pressão constante sobre as paredes.

Ocorre que a pressão associada ao efeito quântico, ou efeito do aumento do movimento aleatório descrito pelo princípio da incerteza é muito superior à pressão térmica. Portanto, a matéria degenerada pode evitar um colapso gravitacional mais eficiente-mente que a matéria não degenerada.

A pressão de degenerescência é a que sustenta uma anã branca ou uma estrela de nêutrons. Ambas resultantes da morte estelar e, portanto, remanescentes estelares. Uma estrela de nêutrons, como

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veremos no último capítulo, resulta da morte de uma estrela de grande massa.

A degenerescência também pode ocorrer no interior de muitas estrelas durante algumas fases de suas vidas. A temperatura dessa matéria degenerada pode alcançar valores muito superiores ao valor previsto para o início de uma fusão nuclear em material estelar não degenerado. Isso faz com que o início de um processo de fusão termonuclear, que trataremos em seguida, seja bastante conturbado nas regiões centrais de uma estrela cuja matéria esteja degenerada.

O que é a queima nuclear? Sob as condições dos interiores estelares, que são as altas densida-des e temperaturas, dois ou mais elementos ou núcleos atômicos podem se combinar através da denominada fusão nuclear em reações de fusão termonucleares.

Essas reações transformam um tipo de elemento em outro, em geral liberando grande quantidade de energia. Os astrofísicos costumam chamá-las de queima nuclear. Note que a palavra queima significa reduzir a cinzas. Esta analogia é utilizada quando nos referimos ao produto resultante da queima de um elemento.

Por exemplo, na primeira etapa da vida das estrelas, elas trans-formam hidrogênio em hélio em seus interiores. O hélio vai se acumulando, sem sofrer novas reações em geral durante um longo tempo. Dizemos que esse hélio é a "cinza" resultante da queima do hidrogênio.

A energia produzida através da queima nuclear é usada para sustentar a estrela. Por outro lado, qualquer radiação produzida no centro pode levar milhões de anos para chegar à superfície e finalmente seguir no seu caminho através do espaço. Então, o coração da estrela é uma prisão de milhões de anos para a radiação produzida ali.

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Para o leitor que chegou até esse estágio de nossa viagem pelo universo físico-astronômico, é o momento de formular a pergunta: Por que as estrelas brilham?

A resposta não deveria ser: por causa das reações termonu-cleares, pois nós não as "vemos". Na verdade, podemos dizer que o brilho das estrelas resulta do eterno conflito da grande massa estelar que quer se contrair e das forças que empurram a massa para fora. Em última instância, brilham porque tentam chegar a um equilíbrio neste conflito: nas fases estáveis, a energia carregada pela radiação emitida deve, de alguma forma, estar equilibrada com a energia (não visível) produzida em seu interior.

Note que, aliás, a queima nuclear é uma descoberta recente na história da ciência. Foi somente em 1939 que se constatou, teoricamente, que são possíveis as reações nucleares que permitem as estrelas viverem suas longas vidas. Naquele ano, independente-mente, Hans Albrecht Bethe (Alemanha, EUA, nascido em 1906) e Carl Friedrich von Weizsäcker (Alemanha, nascido em 1912) propuseram dois conjuntos de reações nucleares para dar conta das energias estelares: o ciclo carbono e o ciclo próton-próton, sobre os quais escreve-se mais adiante.

O princípio básico de todas as teorias de produção de energia nuclear é a equivalência entre matéria e energia, que pode ser aplicada sob condições bem específicas, como o exemplo que se segue.

Como um dos resultados da teoria da relatividade, apresentada em 1905, Albert Einstein mostrou que um acréscimo (ou decrésci-mo) de energia, representado por ∆E (lê-se delta E), é acompanha-do de um acréscimo (ou decréscimo) na massa, ∆m (lê-se delta m), de acordo com a equação

2cEm ∆

=∆ ,

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onde c é a velocidade da luz. Temos, em quilômetro por segundo:

skmc /10997925,2 5×= .

O mundo passou a conhecer a equação de massa-energia na forma

2cmE = . Como essa relação entre a massa e a energia aplica-se à fusão? Nos processos de fusão nuclear de elementos mais leves do que o ferro, na quase totalidade das reações termonucleares que interessam para explicar a vida estelar, a massa do novo núcleo formado é ligeiramente menor que a soma das massas dos núcleos que participaram da reação. Então haverá uma "perda de massa" e, segundo Einstein, essa massa perdida equivale a uma energia, de acordo com a fórmula anterior. A energia é liberada devido à perda de massa ∆m, na forma de radiação, e é calculada através de

2cmE ∆=∆ . A massa de um nêutron é aproximadamente igual à massa de

um próton, e a massa de todos os Z+N constituintes nucleares é aproximadamente igual à massa do núcleo. Portanto, conclui-se que a massa perdida é muito pequena. Apesar disso, a relação anterior nos diz que, mesmo que ∆m seja pequeno, esta quantidade vem multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado, que é aproximadamente igual a 9×1010 (km/s)2, tornando significativa a energia liberada. Nesse caso dizemos que houve uma transforma-ção de massa em energia.

Os processos de fusão são capazes de explicar a grande quan-tidade de energia liberada durante milhões ou bilhões de anos pelas estrelas.

Existem forças contrárias à fusão de núcleos. Ocorre que pró-tons e elétrons têm cargas. Como cargas de mesmo sinal se repelem, duas cargas positivas (tal como dois núcleos atômicos)

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devem romper uma barreira de repulsão, chamada repulsão eletrostática, para se unir.

Há outra força em jogo, que é a chamada força forte, respon-sável pelas interações nucleares. Entretanto, ela é de curto alcance, o que significa que só se manifesta a pequeníssimas distâncias. Neste caso, a distância é da ordem de 1310− cm. Esta é uma unidade de comprimento da Física Nuclear, denominada de Fermi:

cm10Fermi1 13-= .

Podemos então perceber que os núcleos têm que vencer um enorme obstáculo para finalmente se unirem no interior das quase infinitesimais dimensões da nova morada, que se transformou, ela mesma, em um novo núcleo.

Quando a temperatura e densidade nos interiores estelares permitem uma concentração adequada de núcleos atômicos, estes podem vencer a repulsão eletrostática e, então unir-se devido à força forte.

A repulsão eletrostática, mencionada acima, está associada à chamada força eletromagnética. Essa força é "sentida" por todas as partículas carregadas (carga positiva ou negativa) e tem longo alcance. Usando duas partículas subatômicas que têm massa e carga, é possível fazer alguns cálculos e comparar as intensidades das forças que atuam sobre elas.

A chamada força forte é cerca de cem vezes a força eletro-magnética:

Força forte é aproximadamente igual a 100 × Força elétrica.

Isso significa que ao vencer a repulsão eletrostática, duas partículas de mesma carga passam a "sentir" essa enorme atração muito superior à repulsão. Para evidenciar mais ainda o poder de atração, podemos comparar a força forte com a força gravitacional existente entre as duas partículas que têm massa:

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Força forte é aproximadamente igual a 1037×Força gravitacional. Então, apesar de duas partículas com massa e carga poderem sentir as forças gravitacional, eletromagnética e forte, quando estão dentro dos limites nucleares, a força forte torna-se fundamental para a descrição do processo e a gravitacional pode ser desprezada. Esse é um exemplo das simplificações que podem ser usadas nos modelos da natureza e que de certa forma facilitam a vida daqueles que tentam explicar os fenômenos físicos.

Núcleos, nuclídeos Os núcleos atômicos são formados por prótons e nêutrons, exceto o tipo mais comum de núcleo de hidrogênio que tem apenas um próton. Os prótons e nêutrons nucleares são designados generica-mente por nucleons.

A massa do elétron é quase 2000 vezes menor que a do pró-ton. Mesmo considerando a soma das massas de todos os elétrons atômicos, a massa do átomo é essencialmente devida à massa do núcleo. Por isso, em geral a massa do conjunto dos elétrons é relativamente pouco importante nos estudos dos núcleos.

Como descrevemos anteriormente, há um jogo de forças entre a força forte, que junta prótons e nêutrons no núcleo, e a força de repulsão entre os prótons.

O papel dos nêutrons, nesse jogo de forças, é importante. Os nêutrons, que não tem carga, funcionam como "mediadores".

O nêutron solitário, fora do núcleo atômico, é muito instável: permanece como nêutron somente cerca de 10 minutos. Dizemos que sofre decaimento β (lê-se ou escreve-se beta).

Em 1931, o físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) pro-pôs uma hipótese para o decaimento beta afirmando que uma nova pequena partícula neutra seria emitida no processo. Tal partícula foi

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denominada de neutrino. Neutrinos não têm carga e, a princípio, não tem massa, apesar de que está prevista pela teoria a possibili-dade de uma massa diferente de zero. São em geral representados pela letra grega ν (lê-se ni).

O decaimento beta do nêutron é também chamado de decai-mento beta menos, representada por −β . O sinal de menos deve-se ao fato de que neste processo é emitido um elétron. A letra grega beta foi inicialmente a designação para "raios" de cargas negativas. Posteriormente constatou-se que eram partículas, conhecidas hoje como elétrons.

O elétron é representado pelos símbolos −e ou −β , e tem carga negativa.

No decaimento beta menos, −β , um nêutron transforma-se em próton e emite um elétron e um antineutrino. Escrevemos isso na forma

ν++→ −epν .

O antineutrino é a antipartícula do neutrino. Representa-se em geral o antineutrino com um traço colocado acima de ν.

Uma antipartícula de uma partícula com massa é uma partícula subatômica, que tem a mesma massa e valores opostos de alguma outra propriedade como, por exemplo, a carga. A diferença entre neutrinos e antineutrinos é mais complicada e pode depender do fato de suas massas serem não nulas.

Em 1928, o físico inglês Paul Adrian Maurice Dirac (1902-1984) previu a existência do pósitron, a antipartícula do elétron. O pósitron tem as mesmas características do elétron, mas enquanto a carga do elétron é negativa, a do pósitron é positiva.

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O pósitron é representado pelos símbolos +e ou +β , e tem carga positiva.

Enquanto o nêutron livre decai rapidamente, transformando-se em próton, o nêutron dentro dos núcleos atômicos comporta-se de modo diferente.

Nos elementos ditos estáveis, ou não radioativos, o número de prótons, Z, é aproximadamente igual, ou menor, que número de nêutrons nucleares, N.

Entretanto, para alguns núcleos, N é consideravelmente maior do que Z. Também ocorrem casos em que Z tem um valor relativamente alto. Ainda, há casos em que (Z+N) é muito grande, em núcleos que são muito "pesados". Muitos destes núcleos são instáveis, chamados de radioativos, e podem permanecer com esta característica de muitos bilhões de anos a frações de segundos (dependendo da espécie radioativa), transformando-se então em outros núcleos atômicos (outros elementos), através de algum tipo de decaimento. O tipo de decaimento e o tempo necessário para um núcleo decair são característicos de cada núcleo radioativo.

No decaimento beta menos, para núcleos com N muito maior que Z, um ou mais nêutrons transformam-se em prótons dentro do núcleo, liberando elétrons e antineutrinos. Portanto, em cada decaimento beta menos, o núcleo perde um nêutron e ganha um próton, transformando-se em outro elemento com um próton a mais que o elemento anterior.

Analogamente ao decaimento beta menos, existe o chamado decaimento beta mais, representado por +β , que é a transforma-ção de um próton em nêutron dentro do núcleo atômico, liberando um pósitron e um neutrino. Escrevemos o decaimento +β na forma:

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ν++→ +eνp .

Neste caso o núcleo perde um próton e ganha um nêutron, transformando-se em outro elemento com um próton a menos que o anterior.

Em resumo:

Os núcleos ricos em nêutrons sofrem decaimento −β , emitindo um elétron e um antineutrino eletrônico e transformando um nêutron nuclear em um próton nuclear.

Os núcleos ricos em prótons sofrem decaimento +β , emitindo um pósitron e um neutrino eletrônico e transformando um próton nuclear em um nêutron nuclear. Os neutrinos emitidos nos decaimentos beta são chamados de neutrinos eletrônicos.

Sob certas condições, elétrons podem ser capturados por pró-tons, no processo chamado de decaimento beta inverso, ou captura eletrônica:

ν+→+ − νep .

Em baixas densidades, o nêutron decairá em cerca de 10 minutos. Entretanto, se isso ocorrer em um gás degenerado, super denso, o nêutron não decairá e o gás será neutronizado, que é o processo que transforma o núcleo estelar colapsado de uma estrela de alta massa (que morre como supernova) em "estrela de nêutrons". A captura eletrônica também ocorre em prótons nucleares de elementos. Nesse caso, o núcleo perderá um próton e ganhará um nêutron, liberando neutrino. Como veremos, esse também é um processo importante em estágios finais de estrelas e alta massa.

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Existe um processo de transformação de núcleos pesados, que é o decaimento α (lê-se ou escreve-se alfa) no qual o núcleo perde dois nêutrons e dois prótons; ou seja, perde um núcleo de hélio. A letra grega alfa foi inicialmente a representação para o núcleo de hélio e é usada até hoje com esse fim. Um exemplo de decaimento alfa é a transformação do urânio 238 em um núcleo de chumbo 206, emitindo 8 partículas alfa, ou oito núcleos de hélio 4. Podemos escrever isto na forma19:

HePbU 4206238 8+→ .

O símbolo do chumbo é Pb, que tem Z=82. O Urânio, U, tem Z=92. Note que o número de massa (Z+N = 206) do chumbo, somado a oito vezes o número de massa do hélio 4 (8×4 = 32) fornece o número de massa do núcleo original, urânio 238 (= 206 + 32). Dizemos que houve conservação do número de massa.

Nuclídeos Pode-se construir um gráfico bidimensional (dois eixos, tal como na figura 13) em que o eixo vertical é o número de prótons, Z, e o eixo horizontal é o número de nêutrons, N. Um dado núcleo, com um dado número de prótons e um dado número de nêutrons, pode ser representado por um "ponto" nesse gráfico. Cada um de tais "pontos" é chamado de nuclídeo.

O gráfico chama-se Tabela de Nuclídeos. A figura 13 mostra uma área da Tabela de Nuclídeos, com alguns "pontos" represen-tando nuclídeos estáveis, ou não radioativos. Com as informações científicas dos anos 90, Z e N alcançam, respectivamente, os

19 Note que o número de massa também pode ser indicado como um índice superior à esquerda do respectivo símbolo do elemento.

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valores 121 e 183, e incluem nuclídeos que não existem na natureza, mas são previstos teoricamente.

As famílias de nuclídeos podem ser representadas na Tabela de Nuclídeos, como no esquema ao lado: cada família associada a alguma linha. Temos as famílias de isótonos, de isótopos e de isóbaros. Esse esquema pode ser compa-rado com a figura 13.

Os nuclídeos com o mesmo número de nêutrons são chamados de isótonos (mesmo N); os com o mesmo número de prótons são chamados de isótopos (mesmo Z); e os com o mesmo número de massa são chamados de isóbaros (mesmo A). Como em qualquer comunidade, alguns membros pertencem a mais de uma família. As famílias mais "famosas" são as dos isótopos. Nos Quadros 1 e 4 já foram dados alguns exemplos de elementos que podem ter diferentes números de nêutrons. Por exemplo, o núcleo com um próton e um nêutron é o dêuteron, que é isótopo do hidrogênio. Da mesma forma, o hélio 3 e o hélio 4 são isótopos do hélio; e também o lítio 6 e 7 são isótopos do lítio. O urânio 235 difere de seu isótopo urânio 238 pelo número de nêutrons. Para alguns elemen-tos, todos os membros de sua família isotópica são radioativos. Alguns exemplos desses elementos podem ser encontrados na lista do Anexo 6.

Vemos na figura 13 que, para os nuclídeos relativamente mais leves, o número de prótons tende a se igualar ao número de nêutrons: Z ≅ N. À medida que os nuclídeos vão ficando mais pesados, vão se afastando para a direita da linha Z=N e o número de nêutrons vai ficando relativamente maior. Compreende-se isso, ao lembrarmos que os prótons tendem a se repelir. Então, um

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grande número de prótons necessita de mais "mediadores", que são os nêutrons, para permanecerem estáveis. Entretanto, a estabilidade tem um limite, que é o bismuto 209, com Z=83 e N=126, acima do qual não há nenhum elemento estável.

Figura 13

Tabela de Nuclídeos (simplificada) e as direções de transformação associadas a processos de decaimento e de captura de nêutrons.

Na figura 13, podemos ainda representar as possíveis direções

de transformação de núcleos quando sofrem decaimentos beta ou alfa.

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Nos decaimentos beta: ou o núcleo perde um próton (deslo-camento para baixo) e ganha um nêutron (deslocamento para a direita), que é o decaimento +β ; ou perde um nêutron (deslocamen-to para a esquerda) e ganha um próton (deslocamento para a cima), que é o decaimento −β . Os resultados conjuntos de tais desloca-mentos estão indicados pelas respectivas direções que aparecem na figura 13. No decaimento alfa, o núcleo perde dois prótons e dois nêutrons: dois deslocamentos para baixo e dois para a esquerda; a direção resultante da transformação do núcleo também está indicada na figura 13.

Nucleossíntese e relógios A área da Astrofísica na qual se estuda a criação, ou síntese, dos elementos denomina-se Nucleossíntese. Seu objetivo é interpretar as proporções relativas entre as massas de quaisquer dois conjuntos de espécies nucleares, existentes nas estrelas e no meio interestelar, em termos das propriedades dos núcleos atômicos e do meio em que estão inseridos, e estudar locais astrofísicos nos quais os núcleos podem ser sintetizados por reações nucleares, dando origem a uma variedade de outras espécies nucleares.

A chamada nucleossíntese primordial estuda, por exemplo, como foi a criação do deutério, hélio e algum lítio à época do Big Bang.

Após a formação inicial de galáxias, reações no meio intereste-lar também passaram a produzir o lítio e, também, o berílio e o boro. Nas galáxias que apresentam gás e poeira, esses processos ainda podem ocorrer. Esses elementos devem ser produzidos principalmente em regiões de baixa densidade e temperatura e não sobrevivem aos interiores estelares. Também é possível alguma produção de lítio nas fases avançadas da vida de algumas estrelas, sendo parte desse lítio transportado para a fotosfera. Com tantas

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contribuições para a produção e destruição do lítio, é difícil estudar sua evolução, que resulta na quantidade de lítio observada hoje na Galáxia.

A nucleossíntese estelar explica razoavelmente a criação de elementos mais pesados que o boro, em várias etapas de vida das estrelas, através de reações termonucleares e também através de reações de captura de nêutrons ou de partículas alfa; e através de conjuntos de reações mais complicadas. A nucleossíntese explosiva trata de explicar as reações que ocorrem durante as etapas finais da vida de estrelas de grande massa.

Se quisermos entender as proporções entre as massas de ele-mentos presentes nos corpos celestes ou no meio interestelar, que são calculadas hoje no Universo (através da análise de observações astronômicas), precisamos entender como ocorreu a síntese no passado.

O estudo da nucleossíntese devido à captura de nêutrons é particularmente importante para a Astrofísica. É mais fácil ocorrer essa captura de nêutrons pelos núcleos do que a captura de prótons, pois os nêutrons não têm carga e não "sentem" a repulsão dos prótons.

Existem duas formas importantes de captura de nêutrons: a captura lenta e a captura rápida, que dependem da quantidade dos nêutrons disponíveis para serem capturados. Essas formas de captura são conhecidas dos astrofísicos com os nomes, respectiva-mente, de processo-s e de processo-r (as letras s e r vêm das palavras inglesas slow e rapid, que querem dizer, respectivamente, lento e rápido).

Na captura lenta um núcleo absorve um ou dois nêutrons e, se não houver outro nêutron disponível e se ele for instável, então sofre decaimento beta menos. Após um certo tempo este processo pode se repetir. Se o leitor consultar a Tabela de Nuclídeos (figura 13), verá que a repetição desse processo fornecerá um caminho de

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nucleossíntese em ziguezague, na direção de nuclídeos mais pesados. Ocorre processo-s, por exemplo, quando uma estrela encontra-se na chamada fase das gigantes vermelhas, que será vista adiante.

Já na captura rápida, o nuclídeo pode absorver muitos nêutrons antes de decair, simplesmente porque o tempo de decaimento beta menos pode ser maior que o tempo entre duas ou mais capturas. Nesse caso a trajetória de nucleossíntese pode ser representada na Tabela de Nuclídeos como "pontos" que seguem cada vez mais à direita. Esses nuclídeos enriquecidos em nêutrons acabarão por sofrer decaimento.

A captura rápida de nêutrons é responsável pela existência dos núcleos radioativos muito pesados, tal como o tório 232, com Z=90 e N=142, que leva um tempo muito grande para decair e pode, ainda hoje ser encontrado no sistema solar.

Os primeiros segundos de uma explosão de supernova são considerados o "local astrofísico" mais provável para a existência do processo-r.

Relógios da natureza Em 1896, o físico francês Antoine Henri Becquerel (1852-1908) encontrou uma radiação estranha proveniente de minério contendo urânio; no ano seguinte, o grande físico neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937), que trabalhou no Canadá e na Inglaterra, mostrou que a radiação do urânio, consistia de dois tipos de "radiação", os quais ele denominou, respectivamente, de raios alfa (α) e raios beta (β). Em 1900, Becquerel mostrou que os raios β eram elétrons e em 1909, Rutherford mostrou que os raios α eram núcleos de hélio.

Em 1898, o famoso casal Curie, Pierre Curie (França, 1859-1906) e Marie Sklodowska Curie (Polônia, França, 1867-1934) separaram de toneladas de rochas os elementos hoje conhecidos

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como rádio e polônio. Ambos tiveram as mãos queimadas nestas experiências, pois o perigo dessas estranhas "radiações" era desconhecido. Os tipos de fenômenos associados a estes elementos foram por eles denominados de radioatividade em referência ao comportamento do rádio. Os nomes rádio e polônio têm sua origem, respectivamente, em radius, do latim, que quer dizer raio (de luz), e Polônia (país de origem de Marie Curie).

Ainda Rutherford, em 1902, publicou com Frederic Soddy (Inglaterra, 1877-1956) conclusões acerca da natureza da radioati-vidade: era um processo de transmutação de um elemento em outro.

Rutherford constatou que tal transmutação realiza-se em inter-valos de tempo característicos dos elementos em questão. Assim, elementos radioativos poderiam ser utilizados como "relógios da natureza". Em 1908, publicou com Hans Geiger (Alemanha, 1882-1945) as técnicas que permitiriam determinar os "tempos de transmutação" baseadas na contagem de partículas α emitidas por segundo por grama de elementos radioativos.

É notável que, devido a essas pesquisas, Rutherford e Soddy, em 1903 (na revista Philosophical Magazine, volume 5, página 576), e portanto antes de se estabelecer o primeiro modelo atômico viável, antes do descobrimento do núcleo atômico, primeiro vislumbraram o potencial da "energia atômica", o que pode ser constatado com a seguinte frase:

"A manutenção da energia solar (...) não apresenta mais qualquer dificuldade fundamental se a energia interna dos (...) elementos for considerada (...), isto é, se estiverem ocorrendo processos de mudanças (ou, variações) sub-atômicas."

Nas fases avançadas de estrelas de massa não muito pequena e nas de alta massa, são produzidas grandes quantidades de nêutrons que podem se unir a núcleos atômicos, antes de perderem suas identidades.

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Particularmente, nas explosões de supernovas a criação de nêutrons é surpreendente: é produzida uma enorme quantidade de núcleos muito ricos em nêutrons e, portanto, radioativos. Estes núcleos decaem: transformam-se em outros núcleos em um período característico da espécie nuclear.

Descrevendo de forma bastante simplificada, a teoria fornece um esquema para calcular, em uma rocha, por exemplo, a partir de razões entre a massa dos nuclídeos "pais" (aqueles que sofrem decaimento) e a massa dos nuclídeos "filhos" (aqueles resultantes do decaimento), quanto tempo foi necessário para que um se transformasse no outro.

Se a teoria for capaz de fornecer as razões originais entre as massas, da época em que os elementos em questão foram criados, e se pudermos encontrar as respectivas razões, através de medidas, por exemplo, no sistema solar, então será possível calcular quanto tempo se passou entre a nucleossíntese dos elementos e a época atual. Esse esquema serve para estimar, através de medidas, utilizando-se meteoritos e rochas lunares, a idade da Terra ou do Sol que devem ter sido formados mais ou menos à mesma época. Esquema similar, com razões de massas entre nuclídeos pais e filhos adequados, é capaz de estimar idades para rochas terrestres, e idades geológicas em geral.

Para cálculos de idade do sistema solar, as rochas terrestres não são adequadas, pois desde a condensação da nuvem que deu origem ao Sol e aos planetas que o orbitam, elas formaram-se e reformaram-se muitas vezes, alterando a composição relativa original. Entretanto, sabemos que o interior de alguns meteoritos (os chamados condritos carbonáceos) manteve-se bastante isolado e protegido dos eventos posteriores à condensação da nuvem primitiva. Através de delicadas medidas, nas quais se deve evitar qualquer contaminação química, pode-se estimar a composição relativa entre os nuclídeos pais e filhos.

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Hoje em dia, com a qualidade de espectros sempre em alta, também é possível obter algumas dessas composições relativas através dos espectros estelares. Através do mecanismo teórico-observacional anterior, para o caso das estrelas, é possível estimar uma idade para a Galáxia, na região da vizinhança solar, que deve estar em torno de 9 bilhões de anos.

Assim, núcleos radioativos podem ser considerados como relógios da natureza. Esses relógios da natureza são chamados de nucleocronômetros. Os nucleocronômetros usados para os cálculos da idade da Galáxia estão presentes no sistema solar graças a uma ou mais supernovas do passado. A área de estudo dessas estimati-vas de idade, através dos núcleos radioativos, chama-se nucleocos-mocronologia.

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Teu começo vem de muito longe./ O teu fim termina no teu começo./ Contempla-te em redor./ Compara./ Tudo é o mesmo./

Tudo é sem mudança./ Só as cores e as linhas mudaram./ (...) Cecília Meireles, XXI (trecho), em: Cânticos, Ed. Moderna, 1983

3. Uma pequena biografia das estre-las Para contar a história evolutiva de uma espécie qualquer, é adequado primeiramente descrever a espécie propriamente dita em termos de suas características gerais. Após este passo, é útil saber do que ela se alimenta e o metabolismo encontrado entre a espécie. Também pode ser possível traçar comportamentos gerais durante as diversas fases de sua vida. É mais ou menos essa a abordagem utilizada aqui para contar a história da espécie chamada de estrela.

3.1 - Os números das estrelas Para compreendermos melhor a evolução de estrelas, é importante definir de forma mais restritiva o objeto de estudo. Estrelas são corpos celestes que têm em seu interior as reações termonuclea-res.

Alguns dos meus colegas, não concordarão com a definição acima, pois assumem que as anãs brancas, que resultam da morte de certas estrelas, são ainda estrelas. Apesar de as anãs brancas não terem as reações termonucleares, podem ter temperaturas superfici-ais muito grandes, possuindo, então, um "aspecto" estelar.

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Por uma questão de simplificação, entretanto, vamos assumir que as anãs brancas não são mais estrelas e sim restos da morte estelar.

Dizemos que uma estrela nasce no momento do início de queima nuclear em seu centro, no final do processo de contração gravitacional que a originou. Antes de seu nascimento ela é denominada de protoestrela.

O Sol transforma, em seu centro, várias centenas de milhões de toneladas de hidrogênio em várias centenas de milhões de toneladas de hélio, a cada segundo.

Figura 14 Estrelas nas fases estáveis estão em equilíbrio: em cada ponto a pressão para fora é igual à pressão para dentro.

A energia liberada da queima nuclear produzirá uma pressão

que fará parar o processo de contração gravitacional. Nas fases estáveis da vida, a pressão para fora, devida à energia liberada pela queima nuclear, está equilibrada com a pressão para dentro,

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causada pela autogravidade. Isto é verdadeiro para cada ponto por toda a estrela, como está representado na figura 14.

Duas das condições para a ocorrência das reações termonucle-ares são: altíssimas densidade e temperatura. Isto é alcançado no interior de corpos com massa de no mínimo 0,1 Mʘ, onde Mʘ é a massa do Sol. O planeta gigante Júpiter, que tem mais massa que todos os outros planetas do sistema solar, tem apenas 0,001 Mʘe, portanto, não pode ter reações termonucleares em seu interior.

Existe uma categoria de objetos celestes, denominada de anã marrom, com massas entre 0,08Mʘe 0,1 Mʘ, que podem ser consideradas “estrelas frustradas”, pois quase possuem massa suficiente para iniciar reações termonucleares. De acordo com nossa definição, não podem, de fato, ser consideradas estrelas.

O que sustenta a autogravidade de corpos menores é a própria contração, que pode gerar energia suficiente para interromper a contração gravitacional de uma anã marrom, mas não de uma estrela.

Ainda hoje, após cerca de 14 bilhões de anos de vida do Uni-verso, o hidrogênio continua sendo o elemento mais abundante e o mais fácil de “queimar”. Portanto, quando uma estrela nasce, o hidrogênio é o seu elemento mais abundante. Assim, a primeira queima nuclear, no momento do nascimento de uma estrela, é a queima do hidrogênio.

Após seu nascimento, uma estrela pode passar por várias fases de queima nuclear até sua morte, após o qual cessam as reações termonucleares.

Depois da morte estelar, resta um remanescente, como por exemplo, uma anã branca ou uma estrela de nêutrons, que descreveremos mais adiante.

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Massas A massa estelar máxima, que vamos representar por Mmax, é uma questão controversa. É possível encontrar na literatura científica diversos valores. Em geral, não se consideram massas estelares superiores a cerca de 100 Mʘ. Para simplificar, vamos assumir que estrelas têm massas que variam entre 0,1 Mʘe Mmax, onde esse máximo valor para a massa é incerto, mas não muito superior a cerca de 60 Mʘ.

Estrelas de alta massa nascem em número muito menor que as estrelas de pequena massa. Por exemplo, na nossa Galáxia, aproximadamente para cada nascimento de uma estrela de 50 Mʘ, nascem cerca de 200 estrelas de 10 Mʘ, 400 estrelas de 3 Mʘ, e 100.000 de 1 Mʘ. Esses valores de massa foram destacados para enfatizar a questão, pois de fato nascem estrelas com quaisquer massas, como por exemplo, 1,2 Mʘ, 2,7 Mʘ, etc. Além disso, o nascimento de uma estrela de alta massa é um evento raro hoje em dia (pode ter sido mais frequente no passado). Para se entender a raridade do evento, podemos fazer o cálculo a seguir.

Vamos estabelecer, em uma galáxia hipotética, a regra de que só nascem dois "tipos" de estrelas: ou estrelas de 1 massa solar ou estrelas de 50 massas solares. Vamos supor que nessa galáxia nasçam cerca de 120.000 estrelas de 1 Mʘpara cada nascimento de uma estrela de 50 Mʘ. Vamos supor também que nessa galáxia nasçam, de forma constante, 1.500 estrelas por ano. Façamos a seguinte conta:

[ ] estrelas.anosanoestrelas. 00012080

15001

.

80 anos foi um valor escolhido para fornecer o número necessário (120.000 estrelas) para nascer a primeira estrela com 50 Mʘ. Então, com uma taxa de 1.500 estrelas por ano, nasceria apenas uma

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estrela de 50 Mʘa cada 80 anos, aproximadamente, ao longo da vida da galáxia do nosso exemplo.

Já observamos que estrelas de alta massa são as que morrem como supernovas. Há estimativas que, em nossa Galáxia, deveria ocorrer em média uma supernova a cada período de poucas décadas. Entretanto, desde a invenção do telescópio não se observou nenhuma na Via Láctea. Em outras galáxias, consideran-do o grande número de galáxias observadas e o grande avanço da tecnologia observacional, houve um crescimento considerável de supernovas detectadas.

Nos estudos científicos sobre estrelas de alta massa, as perdas de massa não podem ser desprezadas. Por exemplo, uma estrela que inicia a sua vida com 50 Mʘ, pode perder ao longo de sua vida cerca de 90% de sua massa, restando apenas 5 Mʘ no final.

Tempos de Vida A massa de uma estrela, no início de sua vida é um dos fatores fundamentais que determinam seu destino.

Estrelas de baixa massa vivem muito. O Sol, por exemplo, considerada uma estrela de baixa massa

tem uma vida prevista de 10 bilhões de anos, estando na metade de sua vida (figura 15).

Estrelas de grande massa vivem pouco. Por exemplo, uma estrela com 8 Mʘdeve viver apenas cerca

de dezenas de milhões de anos; uma de 10 Mʘ, cerca de 10 milhões de anos; uma de 20 Mʘ, somente cerca de 1 milhão de anos. Note que este último tempo de vida é apenas 0,0001 da idade do Universo, estimada em 14 bilhões de anos.

Isto, aliado à informação de que nascem, relativamente, pou-cas estrelas de alta massa, nos faz concluir que se observa,

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relativamente, um número muito maior de estrelas com baixa massa.

Podemos traçar as diversas fases da evolução de uma estrela como o Sol, o que está representado na figura 15.

Figura 15 Esquema das diversas fases da evolução de uma estrela como o Sol e de seu sistema de planetas. O plano das órbitas, que são quase circulares, está visto quase de lado, ou de borda. As dimensões relativas da estrela, dos planetas e das órbitas, apenas ilustrativas, não estão representadas corretamente.

Para uma estrela de massa similar a do Sol, pouco antes do

início da fusão nuclear do hidrogênio, já há a formação de condensações que darão origem aos planetas. Nesta fase o gás circundante começa a ser expelido do sistema. Podemos estimar que do início da contração da nuvem até a formação de um sistema de planetas, tal como o nosso, passam-se cerca de 1bilhão

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de anos. Maiores detalhes das fases da vida de uma estrela, como a expulsão do envoltório estelar que dá origem a uma nebulosa planetária e a formação de uma anã branca, serão vistos adiante.

É importante ressaltar que existem outros fatores, tais como as proporções entre as quantidades dos elementos químicos presentes nas estrelas, as perdas de massa durante as fases mais avançadas de suas vidas, ou a presença de uma estrela companheira próxima, em um sistema binário, que podem ter forte influência sobre as vidas das estrelas.

Entretanto, nesse livro, para fins de simplificação, em geral não serão levadas em consideração: as perdas de massa durante a vida estelar, a composição dos elementos químicos e as estrelas próximas, em sistemas binários.

De qualquer forma, vivendo pouco ou muito, as estrelas pas-sam cerca de 90% de suas vidas queimando hidrogênio em seu centro (por exemplo, o Sol encontra-se nesta fase), que pode ser considerada a fase mais estável de suas vidas. Quando explicarmos o famoso, ao menos entre os astrofísicos, diagrama HR, veremos que nessa fase, que é a mais estável, as estrelas situam-se na chamada sequência principal do diagrama.

Dimensões As dimensões estelares (dadas, em geral, em unidades do raio solar médio, Rʘ) variam, ao longo de suas vidas.

Os raios estelares, durante a fase de queima do hidrogênio, e dependendo da massa estelar, podem variar entre cerca de 0,2 Rʘ e 13 Rʘ. Entretanto, após a fase de queima do hidrogênio, uma estrela pode aumentar muito de tamanho. Seu tamanho varia conforme o estágio de evolução da estrela.

A estrela chamada de Betelgeuse, pertencente à constelação de Orion, tem um diâmetro estimado da ordem de grandeza do

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diâmetro da órbita de Marte. Betelgeuse encontra-se a cerca de 600 anos-luz do Sol.

Figura 16 As dimensões estelares variam muito conforme a fase evolutiva e a massa com que a estrela nasceu (adaptada da referência 13).

Na figura 16 mostram-se comparativamente, os tamanhos es-

timados para algumas estrelas. Nessa figura, o Sol parece tão pequeno, se comparado com Betelgeuse, que é necessário ampliar a área ocupada pelo desenho do Sol. Somente assim pode-se visualizar o tamanho relativo de Júpiter.

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Uma vez que o raio estelar cresce muito, mas não a massa, pode-se concluir que estas estrelas gigantes têm baixas densidades, com exceção de suas regiões centrais, que continuarão tentando produzir energia através da queima nuclear.

Temperaturas As estrelas são muito mais quentes no centro do que na superfície. A temperatura na superfície, dependendo da massa da estrela e da fase evolutiva, pode variar entre 2.000 e 40.000 graus Kelvin (K). No centro, dependendo dos mesmos parâmetros acima, pode variar entre 10 milhões e 5 bilhões de graus K. Este último caso aplica-se a estrelas de alta massa, nos estágios finais de suas vidas.

Os astrofísicos consideram uma estrela, a fim de construir modelos, constituída de várias camadas concêntricas, cada uma delas em aproximado equilíbrio, a uma dada temperatura..

Luminosidades Toda radiação eletromagnética carrega energia. Os vários tipos de radiação diferem entre si pela energia associada. Por exemplo, os raios X têm mais energia que a luz visível, que por sua vez tem mais energia que as ondas de rádio.

A quantidade de energia emitida por segundo (taxa de emis-são de energia) pela superfície de uma estrela é denominada de Luminosidade (L). A luminosidade depende fortemente da temperatura além de depender do tamanho de uma estrela: a Luminosidade é proporcional à quarta potência da temperatura superficial, T, e à segunda potência do raio da estrela, R.

24 RTL à alproporcion é .

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Então, duas estrelas com mesma temperatura superficial po-dem ter luminosidades diferentes: a maior emite mais que a menor. Duas estrelas com mesma luminosidade podem ter temperaturas superficiais diferentes: a maior tem uma temperatura menor.

A energia emitida pelas estrelas é parcial ou totalmente absor-vida em seu caminho até a Terra, e também pela atmosfera terrestre. Os dados coletados pelos telescópios espaciais não são afetados pela atmosfera. O astrônomo deve ser capaz de calcular a energia emitida pelas estrelas, através de sua luminosidade aparente.

Existem estrelas que irradiam em um segundo tanta energia quanto o Sol irradia em um ano. As luminosidades das diversas

estrelas variam desde 610− Lʘaté 610 Lʘ, onde a Luminosidade do Sol, Lʘ, é aproximadamente

Lʘ = Wserg 2633 108,3/108,3 ×=× .

A unidade de energia

1 erg = 10 7− W.s, onde W é o símbolo usado para Watt, s é segundo e o pontinho indica multiplicação.

No ano 2000, a Terra contava com cerca de 6 bilhões de habi-tantes. Suponhamos cada um destes habitantes mantendo acesa, em tempo integral, uma lâmpada de 100 W durante os 50 anos seguintes. A humanidade teria que repetir esta geração de energia 400.000 vezes para que o resultado equivalesse à energia emitida pelo Sol em um segundo!

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Classes de Luminosidade Uma das classificações para estrelas é a classificação baseada na Luminosidade. As classes de luminosidade, correspondentes às diversas estrelas, conforme suas dimensões, são:

I. supergigantes II. gigantes brilhantes

III. gigantes IV. subgigantes V. anãs

O Sol é uma estrela anã e, portanto, da classe V.

3.2 - Ciclos de queima A estrela alimenta-se da queima nuclear. Esta queima depende de seu metabolismo e dos alimentos disponíveis. Isto significa um conjunto de processos que ocorrem nos interiores estelares e que são responsáveis pela evolução estelar. Descrevemos a seguir os principais processos.

Ressaltamos que, para fins de visualização, nos desenhos que se seguem as proporções não são reais e não estão representadas corretamente.

No início, a matéria estava principalmente na forma de átomos de hidrogênio e também algum hélio. Então as primeiras estrelas nascidas neste Universo primitivo não continham elementos pesados.

Ainda hoje o hidrogênio é o elemento mais abundante. Sendo o elemento mais leve e o mais abundante, o hidrogênio é o primeiro a ser fundido, no núcleo estelar, nos primeiros estágios da vida das estrelas. As temperaturas nos interiores estelares devem ser da

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ordem de 10 milhões de graus Kelvin (107 K) para o início da queima do hidrogênio. Como já observamos, no centro a estrela possui uma temperatura muito superior à de sua superfície.

Quadro 5 - Principais produtos resultantes da queima nuclear

Carbono C

Nitrogênio N

Oxigênio O

Neônio Ne

Magnésio Mg

Silício Si

Enxofre S

Ferro Fe

Z 6 7 8 10 12 14 16 26 N 6 ou 7 7 ou 8 8, 9, 10 10, 11,

12 12,13,14 14,15,

16 16,17, 18,20

28,30, ...

A 12 ou 13 14 ou 15 16,17,18 20, 21, 22

24,25,26 28,29,30

32,33, 34,36

54,56, ...

O Quadro 5 apresenta alguns dos núcleos de elementos que são

citados neste item, bem como os respectivos números atômicos, Z, números de nêutrons, N, e números de massa, A.

Queima do hidrogênio no centro da estrela A fusão, ou queima, do hidrogênio de fato representa uma cadeia de reações nucleares, ou ciclo de reações, denominado ciclo próton-próton.

Na figura 17, mostramos o esquema de uma das formas do ciclo próton-próton. O resultado líquido desse ciclo é que quatro núcleos de hidrogênio, ou quatro prótons, produzem um núcleo de hélio. Os números significam números de massa. As setas verticais indicam os núcleos formados na cadeia de reações. Exceto o produto final, hélio 4, os outros são formados e consumidos no processo (são chamados de catalisadores). As setas inclinadas nas etapas intermediárias do ciclo indicam as partículas que entram (à esquerda) e as que são liberadas (à direita) nas interações.

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Figura 17 Uma das formas do ciclo próton-próton, que transforma um conjunto de quatro núcleos de hidrogênio em um núcleo de hélio. Os números significam números de massa.

O pósitron é a antipartícula do elétron. Neutrinos não têm

carga nem massa (sendo, entretanto, prevista teoricamente uma massa diferente de zero). O fóton é uma unidade elementar (quantum) de energia da radiação eletromagnética.

Existe outro ciclo de queima de hidrogênio, denominado de ciclo CNO (carbono-nitrogênio-oxigênio). Os chamados ciclos CN e CNO exigem a presença de carbono e nitrogênio, no primeiro caso, e também de oxigênio, no segundo caso, além de temperatu-ras da ordem de 20 milhões de graus Kelvin ( ×2 107 K). Isto ocorre nos interiores de estrelas com massas superiores a 1,5 Mʘ.

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Uma das razões para a complexidade dos ciclos é que juntar os ingredientes necessários (núcleos atômicos), de uma só vez, ou em um só passo, é um evento altamente improvável. São então necessárias várias etapas (passos), cada uma delas tendo uma probabilidade adequadamente alta de ocorrência, para que se tenha o produto final.

Durante a maior parte da vida das estrelas, que é a fase de queima do hidrogênio, o núcleo estelar permanece isolado da parte externa, apenas fornecendo energia para compensar a autogravida-de. Assim, quando acaba um percentual do hidrogênio central, acabam as reações de queima do hidrogênio, sobrando então o produto das reações, o hélio inerte, sem reações (figura 18). Se todo hidrogênio disponível no Sol pudesse ser queimado, o Sol poderia continuar a brilhar por 70 bilhões de anos. Entretanto o percentual disponível para a queima, no interior, é muito pequeno, da ordem de 10%, o que reduz a vida do Sol para cerca de 10 bilhões de anos. Dependendo da massa estelar, o hélio inerte poderá ser utilizado em outro processo de reação, a queima do hélio, descrita adiante.

Fim da queima do hidrogênio no centro da estrela Anteriormente, vimos que as condições para a ocorrência das reações termonucleares são as altíssimas densidades e temperaturas alcançadas nos interiores estelares. Para a queima do hélio, a temperatura, a pressão e a concentração de matéria, devem ser bem maiores que para o caso anterior. Ocorre que a fusão simples de dois núcleos de hélio forneceria um núcleo de berílio 8. Entretanto, este é altamente instável: permanece na forma de berílio 8 somente cerca de 1610 − segundos:

HeHeBe 448 +→ .

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Figura 18 Após o hidrogênio ter se esgotado no núcleo estelar, a massa se contrai e começa a queima de hidrogênio em uma camada que envolve a cinza apagada de hélio, que continua a se contrair, enquanto as camadas mais externas expandem-se e a estrela vira uma gigante vermelha (adaptada da referência 13).

Portanto, a fase posterior ao término da queima de hidrogênio

é a compressão da estrela, pois não há, temporariamente, forneci-mento de energia que compense sua autogravidade. A estrela se contrai, aumentando a densidade interna rapidamente: em 10 milhões de anos a densidade pode crescer 250 vezes. Ocorre que uma região, em volta do núcleo apagado de hélio, passa a ter densidade e temperatura adequadas para acender novamente o hidrogênio, que continua a ser o elemento mais abundante em toda a região em torno do núcleo estelar inerte de hélio. Assim começa a queima do hidrogênio em uma concha esférica concêntrica ao

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núcleo estelar, ou seja, em uma camada que envolve a cinza apagada de hélio, que restou da queima no primeiro estágio da vida estelar (ver figura 18). A energia é gerada, na camada de queima do hidrogênio, mais rapidamente que no primeiro estágio. O núcleo de hélio apagado é enriquecido com mais hélio provenien-te da camada de queima do hidrogênio e, ainda, continua a se contrair, enquanto a camada de queima do hidrogênio é aumentada. Uma forma de liberar toda essa energia é diminuir a densidade das camadas mais externas. A estrela se expande e pode alcançar um volume milhares de vezes maior que o inicial. Dependendo de sua massa, transforma-se em uma gigante vermelha.

Ressaltamos que, se estrelas não sofressem perda de massa durante a evolução, poderíamos considerar todas as estrelas de alta massa evoluindo por todas as fases como supergigantes. Entretan-to, estrelas de grande massa podem sofrer importantes perdas de massa, tornando mais complexas suas evoluções.

Na fase em direção à gigante vermelha, o núcleo estelar conti-nua a se contrair. O estado de compressão do hélio inerte é tal em uma estrela de baixa massa, que as "cinzas" alcançam um estado de degenerescência "quântica". Nesse caso, a ignição do hélio ocorre de forma meio explosiva, que é chamada de "flash do hélio" (flash, lê-se flésh). A isto, segue-se uma expansão, enfraquecendo a concha de queima do hidrogênio, que era a grande responsável pela energia da estrela após a fase de queima do hidrogênio.

Queima do hélio no centro da estrela Segue-se a fase estável do ciclo de queima do hélio que tem como produto final o carbono 12. A uma temperatura e densidade suficientemente altas, três núcleos de hélio podem se combinar produzindo "diretamente" um núcleo de carbono. Esta reação denomina-se reação triplo α (ou 3α), onde α (alfa) é a letra grega que se usa para representar o núcleo de hélio. A temperatura

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necessária para o início deste ciclo é da ordem de 100 milhões de graus Kelvin (108 K).

Figura 19 Poucos milhões de anos após a queima do hélio, as cinzas de carbono acumulam-se no núcleo estelar. Em camadas concêntricas ao núcleo estelar, encontram-se as camadas de queima do hélio e de queima do hidrogênio. (Adaptada da referência 13.)

Tão logo o carbono tenha sido produzido podem ocorrer ou-

tras reações entre o hélio e o carbono, que produzem o oxigênio 16. Quando acaba o hélio, resta um núcleo estelar apagado de carbono, e algum oxigênio. Um processo análogo ao citado anteriormente se repete. Após nova contração, haverá duas camadas de queima: uma

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camada mais externa de queima de hidrogênio, e uma mais interna, de queima de hélio (figura 19).

Queima do carbono, oxigênio, etc., no centro da estrela O próximo ciclo é o da queima de carbono, que produz, princi-palmente, o neônio 20 e o magnésio 24. A temperatura necessária para o início deste ciclo é da ordem de 1 bilhão de graus Kelvin (109 K).

Posteriormente, podem ocorrer a queima do oxigênio, produ-zindo, principalmente, o silício 28 e o enxofre 32, e a queima de elementos mais pesados.

Quando a temperatura alcança um valor da ordem de 3 bilhões de graus Kelvin ( ×3 109 K), ocorrem uma série de processos complicados que podem ser denominados de queima do silício. O resultado líquido é que cada par de átomos de silício produz um núcleo de ferro 56.

Para temperaturas superiores a 5 bilhões de graus Kelvin ( ×5 109 K) os núcleos de ferro começam a ser desintegrados em núcleos de hélio, o que reverte a nucleossíntese anterior, havendo também a produção de grande quantidade de nêutrons. A seguir o hélio também é desintegrado. Tal processo pode ocorrer em uma explosão de supernova.

3.3 - A história propriamente dita Para o início de cada um dos ciclos descritos no item anterior, há pré-requisitos específicos. A contração gravitacional proporciona alta densidade e alta temperatura no interior estelar. Entretanto,

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para a queima de núcleos mais pesados, é preciso que haja massas estelares suficientemente altas. Portanto, nem toda estrela sofrerá todos os ciclos descritos.

Podemos exemplificar isto dividindo estrelas em "intervalos" de massa, na forma que segue. Este tipo de divisão varia, de autor para autor, e está sendo utilizado aqui apenas como exemplo.

estrelas com massas entre 0,01 e 0,5 Mʘsó queimam o hidrogênio (não chegam a queimar hélio);

estrelas com massas entre 0,5 Mʘe Mc queimam o hélio mas não chegam à fase de queima do carbono; a razão para escrever Mc é que não há certeza sobre seu valor; aqui estamos represen-tando por Mc, a massa estelar mínima capaz de queimar carbo-no; o valor dessa massa pode estar entre 3 e 7 Mʘ.

para simplificar, vamos assumir que estrelas com massas acima de cerca de 5 Mʘqueimam o carbono;

estrelas com massas acima de 10 Mʘpodem passar por todos os ciclos de queima nuclear.

Portanto, são diversos os destinos das estrelas, dependendo de suas massas iniciais. O que ocorre quando não há mais condições de queimar átomos para sustentar as forças de "colapso"? A morte estelar, que depende da massa estelar. De fato, vai depender também de quanta massa uma estrela perde durante a evolução estelar. Entretanto, já foi descrito que, para simplificar, não seriam consideradas, nesse livro, as perdas de massa. Portanto, levando isso em conta, os destinos possíveis para as estrelas dependem principalmente da massa estelar na época do nascimento. Se não houver massa suficiente, uma estrela termina a sua vida após um dos estágios de queima termonuclear, como descrevemos a seguir.

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até 8 Mʘ, nas fases finais, as estrelas podem ejetar até 90% de seus envoltórios e transformam-se em nebulosas planetárias (ver, por exemplo, figuras 20 e 21);

acima de cerca de 8 Mʘ, as estrelas podem terminar como supernovas (ver figura 23).

No item anterior, descrevemos a fase de queima inicial, até o estágio posterior à exaustão do hidrogênio no núcleo estelar. Esta etapa é comum a todas as estrelas, visto que é o início da queima do hidrogênio que caracteriza um corpo celeste como estrela (recém-nascida).

Estrelas com massas inferiores a 0,5 Mʘirão terminar suas vidas após a fase de gigante vermelha, de forma semelhante a evolução de nebulosas planetárias. Sobrará uma anã branca de hélio como remanescente. Note que utilizamos o verbo no futuro, pois qualquer estrela com massa inferior a 0,5 Mʘ ainda está viva, mesmo que tenha nascido no início da vida da Galáxia, pois seus tempos de vida são maiores que a idade estimada para o Universo. Os tempos de vida para estrelas com 0,5 Mʘsão da ordem de 20 bilhões de anos.

Estrelas que passam cerca de 10 bilhões de anos queimando o hidrogênio mal chegam a queimar o hélio. Portanto, apesar de serem estrelas potencialmente capazes de acolher o desenvolvimen-to de vida em seus possíveis planetas, não são capazes de produzir novos elementos para enriquecer o meio interestelar.

Para estrelas com massas superiores a 0,5 Mʘ, após a exaus-tão do hélio, os processos são semelhantes aos que ocorrem após a exaustão do hidrogênio. Estrelas com massas entre 0,5 e 5 Mʘ (considerando essa última como Mc, descrita anteriormente) também terminam suas vidas como nebulosas planetárias. Entretanto o núcleo remanescente é, agora, um núcleo de carbono-oxigênio degenerado.

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Observamos anteriormente que o início de um processo de fusão termonuclear em matéria degenerada é um processo bastante conturbado.

Alguns autores acreditam que estrelas com massas no intervalo de cerca de 4 até 8 (ou 9) Mʘ têm destino incerto porque o início da queima de carbono, sendo este carbono degenerado, pode levar a um processo incontrolável e à uma violenta explosão (supernova) de toda a estrela, não restando, portanto, remanescente. Entretanto, essa questão é controversa. Teoricamente isso só poderia ocorrer em estrelas isoladas, sem nenhuma quantidade de elementos mais pesados, ou então em processos mais complicados, durante a evolução de certas estrelas duplas. Entretanto, como já descreve-mos, assumimos que estrelas com massas superiores a 5 Mʘsão capazes de queimar o carbono e terminam como anãs brancas de oxigênio-neônio.

Um fato importante é que todas as estrelas capazes de continu-ar os ciclos de queima, a partir do carbono, o fazem de forma muito rápida. Ocorre que a estrela não consegue mais ajustar sua estrutura à produção de energia, o que causará uma aceleração no processo evolutivo.

O limite de massa para as estrelas que terminam suas vidas na forma de nebulosas planetárias (figuras 20 e 21) é de 8 Mʘ.

Em um período relativamente curto, algumas estrelas rema-nescentes centrais de nebulosas planetárias, que são os núcleos estelares expostos de uma estrela evoluída, podem ter temperaturas superficiais da ordem de dezenas de milhares de graus Kelvin. O destino dessas estrelas centrais é tornar-se uma anã branca.

Na figura 20a vemos à esquerda a Nebulosa da Hélice, na constelação de Aquário, designada como NGC 7293, que fica a cerca de 450 anos-luz do Sol. Seu aspecto pode ser entendido pela figura 20b. O envoltório ejetado é pouco denso e, portanto, ao

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longo da linha de visada, na espessura A, há pouco gás. Entretanto, as espessuras B e C são maiores e o gás brilhante fica mais visível.

Figura 20 Nebulosa Planetária: a) Nebulosa da Hélice (adaptada de imagem do Canada-France-Hawaii Telescope, CFHT); b) esquema do efeito visual resultante do envoltório estelar em expansão (adaptado da referência 13).

As figuras 21 mostram estruturas mais complexas de nebulo-

sas planetárias, que não são muito bem compreendidas quanto à origem de suas formas: a nebulosa Olho de Gato (NGC6543), a 3.000 anos-luz, na constelação de Dragão; e a Nebulosa Esquimó (NGC 2392), descoberta em 1787 por William Herschel, a 5.000 anos-luz, na constelação de Gêmeos. Essas nebulosas resultam da morte de estrelas similares ao Sol, que ejetaram material de seus envoltórios há milhares de anos. Evidentemente as primeiras observações dessas nebulosas não mostravam os detalhes dessas imagens feitas com o telescópio espacial Hubble.

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Figura 21 Nebulosas Planetárias: a) Olho do Gato; b) Esquimó. (Adaptadas de imagens do telescópio espacial Hubble.)

Somente as estrelas de grande massa, acima de 8 Mʘ, dão

continuidade aos processos de queima de elementos cada vez mais pesados no núcleo estelar (oxigênio, neônio, etc.). Estrelas de alta massa podem ser constituídas, ao longo de suas vidas, de várias conchas de queima de elementos. Para estrelas com aproximada-mente 10Mʘou mais, essa conchas (como a estrutura em camada de uma cebola) distribuem-se, no final da vida da estrela, concen-tricamente ao núcleo estelar de ferro, que é o último produto possível dos ciclos de fusão nuclear (figura 22).

Quando chega ao estágio de conter ferro em seu interior, a queima não é mais possível, pois para o ferro, e para qualquer "ciclo de queima" estelar hipotético de elementos mais pesados que este, é necessário ceder energia para que ocorra fusão. São processos que absorvem energia ao invés de liberarem a energia capaz de sustentar uma estrela. A falta de mais um combustível no núcleo estelar, causa o colapso deste núcleo de forma muito rápida, levando à transformação da matéria em nêutrons.

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Figura 22 Diagrama do interior de uma estrela de alta massa, altamente evoluída. O interior assemelha-se ao de uma cebola, com camadas de queima, de fora para dentro, de elementos progressivamente mais pesados. A estrela é uma supergigante. (Adaptada da referência 13.)

Em grandes densidades e temperaturas, núcleos de elementos passam a capturar elétrons através do decaimento beta inverso (captura eletrônica), transformando prótons nucleares em nêutrons e liberando neutrinos. Nesse processo, núcleos saturam-se de nêutrons e estes começam a sobrar livres, no interior estelar. Além disso, os neutrinos produzidos, que carregam a energia para fora, e a diminuição do número de elétrons, reduzem a pressão, fazendo acelerar a contração da massa estelar.

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Outro processo que também absorve energia é a desintegração de núcleos de ferro em núcleos de hélio, também liberando nêutrons. O próprio hélio também se desintegrará.

A estrela entra em colapso definitivo (na expressão dos astro-físicos, quase em "queda livre"). A compressão desta enorme massa sobre o núcleo estelar causa uma explosão tão violenta (supernova) que, por toda a estrela, há reações de vários tipos entre núcleos atômicos. Uma grande quantidade de nêutrons energéticos é absorvida em escala muito rápida por núcleos. Surgem, em questão de segundos, todos os elementos mais pesados encontrados na natureza. Os elementos recém-sintetizados são então ejetados para o meio interestelar, enriquecendo as nuvens existentes na Galáxia.

Na figura 23a, mostramos os restos de uma supernova que os chineses e japoneses registraram, em 1054. É denominada de Nebulosa do Caranguejo (Crab Nebula, em inglês), catalogada por Charles Messier como M1, e está a cerca de 6.300 anos-luz, na constelação de Touro. Segundo os registros, a supernova que a originou manteve-se visível durante o dia por cerca de 20 dias e, também posteriormente, visível à noite, a olho nu, por quase 700 dias. O que restou da estrela de grande massa é o seu caroço central, altamente compacto: uma estrela de nêutrons. Ela está girando em torno do seu eixo cerca de 30 vezes por segundo. Nós a observamos como um pulsar, explicado mais adiante, que emite em vários comprimentos de onda.

O gás brilhante que aparece na figura 23b é um detalhe da gigantesca Nebulosa de Vela (que fica na constelação de Vela), resultante de uma supernova que explodiu provavelmente há cerca de 10.000 anos. A emissão resultante da supernova aparece na figura 9, que mostra a Galáxia em raios X, dentro de um objeto muito brilhante ligeiramente à direita. O pulsar, que gira cerca de 10 vezes por segundo, encontra-se a cerca de 800 anos-luz.

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Figura 23

Restos de supernovas. Ambas as nebulosas têm pulsars associados; a) Nebulosa do Caranguejo, na constelação de Touro (adaptada de imagem do VLT do ESO); b) um detalhe da Nebulosa de Vela na constelação de Vela (adaptada de imagem do Telescópio Anglo-Australiano).

Após a explosão de uma supernova, pode sobrar uma massa de aproximadamente 1,4 Mʘ. Temos uma estrela de nêutrons cujo tamanho é da ordem da maior montanha da Terra. Se a massa remanescente for maior, existe a possibilidade de o colapso continuar e, teoricamente, o tamanho do remanescente tender à zero, causando uma gravidade tão alta que nem a luz consegue escapar. Neste caso, teríamos um buraco negro.

Um retrato que conta histórias A tentativa mais frutífera de correlacionar parâmetros estelares levou ao chamado diagrama HR. O nome deve-se a dois astrôno-mos. Em 1911, Ejnar Hertzsprung (Dinamarca, 1873-1967)

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percebeu um princípio de ordenação ao colocar dados de diversas estrelas em um gráfico luminosidade versus cor (ou temperatura).

Figura 24 Diagrama HR

Cada estrela representa um ponto neste gráfico. Isto também foi percebido, independentemente, por Henry Norris Russell (EUA, 1877-1957), em 1913. Os estudos iniciais do diagrama, que passou a ser chamado de diagrama Hertzsprung-Russell, depois H-R e, atualmente, HR (figura 24), formaram a base de toda a teoria de evolução estelar. Aqui faremos somente algumas observações básicas.

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Na abcissa (eixo horizontal) temos alguma quantidade associ-ada à cor, ou temperatura, com valores crescentes para a esquerda. Na ordenada (eixo vertical) temos alguma quantidade associada à luminosidade. A maioria das estrelas da vizinhança solar, quando representadas no gráfico, situa-se em uma faixa chamada sequên-cia principal. Essa distribuição tem um caráter evolutivo: significa que a maior parte das estrelas passa a maior parte do tempo de vida na sequência principal. De fato, a sequência principal é a localiza-ção, no diagrama, para o nascimento e a fase de queima do hidrogênio nas estrelas com diversas massas. Ainda, é na sequência principal que todas as estrelas passam cerca de 90% de suas vidas (queimando hidrogênio). Assim, estrelas de maior massa passam menos tempo na sequência principal que as de menor massa.

À medida que o hidrogênio vai se esgotando no núcleo estelar, as estrelas mudam um pouco sua localização na sequência principal, o que é, parcialmente, responsável pelo alargamento na distribuição de "pontos" na sequência principal, visível na figura 24. Entretanto note que, considerando a curta vida do ser humano, não observamos esta mudança de localização. Apenas constata-mos que, na sequência principal, várias estrelas encontram-se em vários estágios de queima do hidrogênio.

Outra região populosa (de pontos que representam estrelas) do diagrama HR é o das gigantes vermelhas. A razão para isto é que a maior parte das estrelas chega a esse estágio.

As duas principais fases de estabilidade são a queima de hi-drogênio (para todas as estrelas) e a queima do hélio (para estrelas com massas não muito baixas). Uma grande parte das estrelas chega à fase estável de queima do hélio. As estrelas nessa fase situam-se no chamado ramo horizontal do diagrama HR (que pode ser visualizado na figura 27d). Só as estrelas de alta massa situam-se no ramo da supergigantes.

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Assim, a quantidade de estrelas encontradas nas diversas regi-ões do diagrama HR, além da sequência principal, refletem aspectos evolutivos.

• Fases rápidas da evolução estelar devem estar associadas a um número menor de estrelas no diagrama HR.

• Fases mais longas de estabilidade estão associadas a um número maior de estrelas observadas no diagrama HR.

Isto, pela simples razão de que, se uma estrela passa rapidamente por uma fase, é menos provável de ser observada nessa fase. Então, observando o conjunto de localizações de estrelas no diagrama HR, este pode ser utilizado para estudar a evolução estelar. Na figura 25 estão esboçadas algumas etapas das trajetórias previstas pelas teorias de evolução estelar, para estrelas de diversas massas e, portanto, com diversos tempos de vida. Os tempos gastos nessas trajetórias serão menores para maiores massas.

Estrelas de grande massa podem estar iniciando a queima de hidrogênio na sequência principal antes de aparecerem como emissoras de luz na faixa visível do espectro eletromagnético. A razão para isso é que ainda há muita matéria em volta, o que mascara a luz estelar. São chamadas estrelas com casulo (cocoon stars, em inglês).

Quando mais ou menos 10% do hidrogênio está exaurido no centro das estrelas, elas vão se retirar da sequência principal.

Na figura 26 traçamos o destino do nosso Sol, que se encontra ainda na fase de queima de hidrogênio. Como já descrevemos, o Sol terá uma camada de queima de hidrogênio em torno do núcleo apagado de hélio degenerado. A ignição do hélio ocorrerá de forma violenta (flash do hélio), no topo da trajetória para as gigantes vermelhas. A isto se segue uma expansão, enfraquecendo a concha de queima do hidrogênio, e a estrela produzirá menos luminosida-de.

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Figura 25

Esboço de etapas das trajetórias evolutivas (teóricas) no diagrama HR para diversas massas estelares. As duas primeiras marcações à esquerda nas trajetórias referem-se à evolução ainda na sequência principal, a fase seguinte (entre a segunda e a terceira marcação) refere-se, inicialmente, à contração da estrela e posterior formação de uma camada espessa de queima de hidrogênio. Quanto maior a massa estelar, mais rápida é a evolução em cada fase.

A seguir, o Sol queimará o hélio no centro. Após esgotar esse

hélio, seguirá uma fase de queima de hélio em uma camada interna à camada de queima de hidrogênio e em torno do núcleo apagado de carbono; e então, não havendo massa suficiente para posteriores queimas, o Sol irá se transformar em uma nebulosa planetária dentro de aproximadamente 5 bilhões de anos.

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Figura 26 Esboço da trajetória evolutiva do Sol no diagrama HR A linha mais clara refere-se ao que os astrofísicos chamam de idade zero da sequência principal no diagrama HR.

Na figura 27 estão ilustradas diversas fases evolutivas no dia-

grama HR, previstas pela teoria, de um aglomerado globular, no qual as estrelas devem ter nascido mais ou menos à mesma época e são muito velhas. As diferenças entre as etapas evolutivas devem-se principalmente às diferenças entre as massas das estrelas, uma vez que suas constituições químicas serão semelhantes (nasceram a partir de um mesmo material do meio interestelar).

A figura 27 esquematiza quatro instantes de tempo desse aglomerado de estrelas. a. Instante t = 0: estrelas de grande massa iniciam a queima

nuclear primeiro b. Instante t = 10 milhões de anos: estrelas de grande massa

começam a deixar a sequência principal; após isto, em 100

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milhões de anos, quase todas as estrelas de baixa massa já chegaram à sequência principal.

c. Instante t = 1 bilhão de anos d. Instante t = 10 bilhões de anos: somente estrelas com massas

menores que a do Sol permanecem na sequência principal.

Figura 27 Evolução no tempo de um aglomerado globular; as estrelas nasceram na mesma época, com composições semelhantes, mas com massas diferentes entre si. (Adaptada da referência 13.)

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Diagrama Hertzsprung-Russell e os Ciclos de queima

Figura 28 a) Diagrama HR; b) pequena área da Tabela de Nuclídeos. Para se entender as associações entre as figuras (a) e (b), leia o texto. (Adaptada da referência 4.)

As figuras 28 mostram algumas relações gerais entre estrelas no diagrama HR e possíveis ciclos de queima que estariam ocorrendo em seus interiores. A figura 28b mostra uma pequena área da Tabela de Nuclídeos: nesta figura, o número atômico Z e o número de nêutrons N só alcançam, cada um, o valor 15. Na Tabela, cada célula, ou pequeno retângulo, representa um possível núcleo atômico (nuclídeo). Na figura, só estão destacados alguns nuclídeos. As diversas ligações entre células representam as queimas termonucleares e seus respectivos produtos principais, mencionados no item 3.2.

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As associações que estão representadas entre as figura 28a e 28b podem ser entendidas pelo que segue.

Como foi explicado anteriormente, estrelas de alta massa, acima de 10 massas solares, nascem em menor número e, além disso, vivem pouco. Estas estrelas, observadas em menor número, encontram-se no ramo das supergigantes.

Enquanto podemos associar a sequência principal ao local no qual as estrelas queimam o hidrogênio, podemos associar a região das gigantes com o local onde as estrelas queimam o hélio, produzindo carbono e, também, oxigênio. Ainda, podemos associar algumas supergigantes com a queima do carbono, produzindo, principalmente, o neônio e o magnésio e, também, com a queima do oxigênio, produzindo, principalmente, o silício e o enxofre.

Resumindo Um dos grandes desafios da Astronomia de nosso passado recente foi: Como estudar a evolução estelar em escalas de milhões ou bilhões de anos, quando a vida útil de um observador na Terra é apenas cerca de 50 anos, se tanto? A resposta para isto, como foi descrito, é: observar todos os tipos de estrelas em todas as fases evolutivas possíveis (e tais estrelas podem estar representadas no diagrama HR). O conjunto destas observações serão as peças do quebra-cabeça que, montado, juntamente com as teorias físicas, poderá informar sobre a vida de uma dada estrela. É exatamente isto o que ocorre: pesquisadores desenvolvem teorias sobre como são as trajetórias evolutivas das estrelas no diagrama HR e as comparam com as distribuições de um conjunto adequado de estrelas, observadas hoje, para as quais se conhecem os parâmetros, tais como a temperatura e a luminosidade. O diagrama HR, e suas variações servem para correlacionar e deduzir parâmetros estelares que são, em geral, muito difíceis de serem obtidos diretamente.

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Eu venho do infinito, de outras eras,/ trazido das entranhas dos espaços,/ Ínfima soma de ínfimos pedaços,/ desgarrados do caos de outras esferas.

(...) Virgílio Moojen de Oliveira, 1945, Quo Vadimus (trecho), em: Antologia

de poetas bissextos, Manuel Bandeira, Edições de Ouro, 1966

4. Morte e Renascimento

Após a morte estelar há quatro possibili-dades

Não sobra nada Esta é uma possibilidade para alguma supernovas. Se a explosão final for suficientemente violenta, toda a matéria será jogada no espaço, não sobrando remanescente estelar. Entretanto, já observa-mos que para estrelas isoladas isso ocorreria somente para aquelas com massas dentro de intervalo específico e que tivessem nascido em um ambiente sem elementos pesados. Então, isso poderia ocorrer somente no início da vida do Universo, que era constituída essencialmente de hidrogênio e hélio. Outra opção conhecida resulta da evolução de um sistema binário no qual uma das estrelas é uma anã branca de carbono-oxigênio degenerado, como veremos a seguir.

Anã Branca A anã branca é um remanescente compacto e resultado da

morte estelar de estrelas que tinham, à época do nascimento, até

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8Mʘ. O que sobra é algo em torno de 0,6 Mʘ, em um raio típico de aproximadamente 1.000 quilômetros (103 km).

A energia emitida pela anã branca deve-se à energia gerada pela contração gravitacional. Tal energia tende à degradação. Portanto, o termo branca não é um retrato da realidade, uma vez que, à medida que esfriam, esta anãs tornam-se vermelhas e, no final escuras - quando de fato não podem mais ser vistas.

Uma anã branca é constituída pela chamada matéria degenera-da. Como já observamos anteriormente, a matéria degenerada, é um estado da matéria causado por extremas pressões que levam a uma altíssima concentração de partículas e a uma pressão de degenerescência (muito superior à pressão térmica) que é capaz de evitar o colapso da massa causado por sua autogravidade.

Em seu estado brilhante uma anã branca típica pode ter uma densidade média de cerca de 1 milhão de gramas por centímetro cúbico (106 g/cm3), entre 104 e 108 g/cm3, e uma temperatura média de 10 milhões de graus Kelvin (107 K). A constituição deste remanescente é a mesma que a do interior estelar antes da morte da estrela. Então as anãs brancas podem ser feitas principalmente de hélio, ou de carbono e oxigênio, ou, ainda, de oxigênio, neônio e magnésio.

O colapso definitivo da anã branca, devido à sua autogravida-de, é impedido devido à pressão de degenerescência dos elétrons, que é característica da matéria degenerada. Entretanto, existe um valor limite para a massa de uma anã branca, acima do qual ela não é mais sustentada pela pressão de degenerescência de elétrons. Esta massa chama-se limite de Chandrasekhar para anãs brancas, que é cerca de 1,4 Mʘ. Isto significa que remanescentes com cerca de 1,4 Mʘou mais, continuam o processo de colapso gravitacional como veremos nos itens que se seguem, transformando-se em outros tipos de remanescentes.

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Quando uma anã branca de carbono-oxigênio degenerado, com massa entre cerca de 0,6 a 1,2 Mʘ, tem uma estrela compa-nheira próxima, pode ocorrer que a anã agregue matéria da companheira de tal forma que sua massa supere o limite de Chandrasekhar. Dependendo da quantidade de carbono, da composição do material que está sendo "acretado", do aumento da densidade central e do aumento da temperatura, pode ocorrer a deflagração do carbono antes que a anã consiga ajustar sua estrutura. Essa explosão (chamada de supernova do tipo Ia) é tão violenta que pode não sobrar remanescente.

Estimativas dão conta de cerca de 10 bilhões de anãs brancas na Galáxia. Então podemos imaginar que existe uma grande quantidade de carbono, oxigênio, etc., presa em tais remanescentes compactos.

Em 1992, um grupo de astrofísicos brasileiros, coordenados por Kepler de Souza Oliveira Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, descobriu uma anã branca. Em 1997, os pesquisadores brasileiros, juntamente com Don Winget, da Universidade do Texas, propuseram que esta anã estaria cristaliza-da.

Algumas anãs brancas contém um núcleo constituído princi-palmente de carbono com algum oxigênio, ou seja, a matéria nuclear da qual é feito o diamante. Apesar de ser muito mais compacta que um diamante encontrado na Terra, a anã passou a ser conhecida como a estrela de diamante.

Estrela de Nêutrons Uma estrela de nêutrons é o núcleo estelar implodido de uma

estrela de alta massa, entre cerca de 10 e 20 Mʘ, no nascimento. No núcleo estelar, uma densidade superior a 100 bilhões de

gramas por centímetro cúbico (1011 g/cm3) favorece o decaimento

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beta inverso (captura eletrônica com transformação de prótons em nêutrons, liberando neutrinos). Como já descrevemos, os processos decorrentes neutronizam a matéria e contribuem para a contração do núcleo estelar. Quando a densidade alcança um valor de cerca de 1014 g/cm3, os nêutrons, prótons, elétrons e núcleos dos elementos mais pesados que sobreviveram, "dissolvem-se" em uma mistura degenerada de nêutrons (com alguns prótons e elétrons), interrompendo a contração.

O limite de Chandrasekhar, citado no item anterior, estabelece um limite inferior para uma estrela de nêutrons. Análogo a este limite de massa há também o máximo valor de massa para uma estrela de nêutrons que pode ser impedida, pela degenerescência de nêutrons de colapsar, que é cerca de 3 Mʘ. Portanto, a massa de uma estrela de nêutrons é algo em torno de 1,4 Mʘ, até cerca de 3 Mʘ, que são, respectivamente, o limite máximo para a existência de uma anã branca e o limite máximo para a existência de uma estrela de nêutrons.

A densidade de uma estrela de nêutrons, 1014 g/cm3, corres-ponde, por exemplo, à densidade resultante de se colocar um famoso morro da cidade do Rio de Janeiro, o Corcovado, concentrado no volume de um pequeno dado.

Em suma, uma estrela de nêutrons é um remanescente estelar compacto, com massa ente 1,4 e 3 Mʘ, constituído em sua maior parte de nêutrons e pouco maior que a maior montanha da Terra; e o que evita o colapso definitivo desta massa concentrada, devido à sua autogravidade, é a pressão de degenerescência de nêutrons.

Um pulsar é uma estrela de nêutrons no qual estão combina-dos dois fenômenos: rotação e fortes campos magnéticos. O campo magnético induz um forte campo elétrico perto da superfície da estrela de nêutrons. Este campo elétrico força as cargas elétricas a serem empurradas da superfície em direções paralelas às linhas do campo magnético. Aí os elétrons são acelerados, emitindo ondas

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eletromagnéticas. Os campos magnéticos concentram as partículas carregadas nas regiões dos polos magnéticos do remanescente e a radiação é emitida em dois feixes direcionais. O efeito de pulsos regulares, de 0,001 segundos a 4 segundos, ocorre durante a rotação, à medida que os feixes cruzam a linha de visada do observador.

Buraco Negro Pode-se dizer que um buraco negro é a vitória da autogravidade. O estudo destes objetos é realizado utilizando-se a chamada teoria da relatividade geral, criada por Einstein em 1915. Esta teoria prevê que no centro do buraco negro existe uma singularidade: um ponto no qual a densidade torna-se infinita e as leis da física não mais se aplicam.

Os Buracos Negros em geral mais conhecidos do público são remanescentes compactos de estrelas de altíssima massa, acima de 20 ou 25 Mʘno nascimento, que tem no final da vida um núcleo estelar colapsado com massa maior que o limite de massa superior para estrela de nêutrons, explicado antes. O colapso é tão intenso que a luz não pode escapar.

Na Física, a velocidade de escape é a menor velocidade inicial que deve ter um objeto para que, partindo da superfície de um corpo celeste, liberte-se da ação da gravidade deste corpo. A velocidade de escape é proporcional à raiz quadrada da massa do corpo sobre a raiz quadrada do seu raio: RM / , que também se escreve como (M/R)1/2. Ocorre que, como o raio do buraco negro tende a zero, a velocidade de escape para o buraco negro é igual ou superior à velocidade da luz e, assim, nem a luz consegue sair do campo de ação do objeto. Nenhuma esfera visível de massa M, sem rotação, pode ter um raio menor que o denominado raio de

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Schwarzschild, que é proporcional à massa do corpo colapsado dividido pela velocidade da luz ao quadrado:

Raio de Schwarzschild é proporcional a 2cM

.

Para um buraco negro sem rotação, o raio de Schwarschild estabelece sua fronteira, denominada horizonte de eventos. Eventos que ocorrem dentro deste limite não podem ser observados de fora do buraco negro. O raio de Schwarzschild para um corpo colapsado de uma massa solar seria de 3 quilômetros; para uma massa de Júpiter seria de 3 metros e para uma massa da Terra seria de 9 milímetros.

Evidências experimentais sobre estes objetos podem ser con-seguidas por meio do material que os rodeia: qualquer matéria próxima o suficiente a um buraco negro, formará um disco de acresção em torno dele, no qual a matéria se tornará tão comprimi-da e tão quente que emitirá raios X. Existem dois tipos principais de modelos para buracos negros: o buraco negro de Schwarschild, que é um buraco negro para o qual não se considera a rotação, e o de Kerr, com rotação.

Outros buracos negros não estelares Os teóricos também preveem a existência de mini buracos negros, com massas de 1015 g em um raio de cerca de 1310− cm. Por outro lado, pode haver buracos negros supermassivos contendo muitos milhões de vezes a massa do Sol. Tais objetos devem estar escondidos nos centros das galáxias. Os buracos negros não estelares podem ter sido criados à época do nascimento do Universo.

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Da poeira das estrelas Até este ponto, aprendemos que o âmago da evolução estelar e nucleossíntese é a reação termonuclear, isto é, a fusão de núcleos mais leves em mais pesados, que libera grande quantidade de energia e que mantém a estrela em equilíbrio durante a maior parte de sua vida. O estado estável da estrutura estelar, também chamado de estado estacionário, é determinado pela condição de que a quantidade de energia liberada internamente contrabalance a energia liberada da superfície. Esta situação não é de fato totalmen-te estática, pois as reações modificam a composição química. Entretanto, tal modificação é lenta, de tal forma que, em geral, a estrela consegue ajustar sua estrutura. Esta situação induz à evolução estelar. Após um intervalo de tempo, a estrela ejeta parte, ou toda a sua massa para o espaço e então o meio interestelar pode ser alterado pelos fragmentos das ejeções estelares.

Note que, apesar de estrelas com cerca de 2 Mʘ produzirem carbono e oxigênio no núcleo estelar, no final de suas vidas parte deste carbono-oxigênio fica preso no remanescente. Em termos de material recém-sintetizado na própria estrela, elas ejetam para o meio interestelar, mais hélio novo do que carbono novo.

Este tipo de prisão, para o carbono, e também o oxigênio, e eventualmente para algum neônio e magnésio, pode ocorrer, parcialmente, para estrelas de até 8 Mʘ no nascimento.

Ainda, as anãs brancas vêm se acumulando na Galáxia, desde seu início. Podemos então deduzir que muitas anãs brancas formam um conjunto riquíssimo de elementos pesados. Elas têm um conteúdo de massa de carbono e oxigênio, eternamente aprisiona-do, muito superior ao do meio interestelar.

Uma contribuição mais importante para o meio interestelar começa a aparecer para estrelas com massas iniciais acima de 2 Mʘ. De fato, quando se estuda os produtos ejetados nos eventos finais da morte das estrelas e para justificar a existência, hoje, da grande

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diversidade e das quantidades relativas de elementos pesados (nas estrelas jovens nascidas de um meio enriquecido) devem ser consideradas, principalmente, as estrelas com massas iniciais acima de cerca de 5 Mʘ.

Vimos também que a vida dessas estrelas é curta, em termos astronômicos ou em termos da idade do Universo e da Galáxia.

Se essas estrelas abrigarem planetas, estes estão sujeitos às suas curtas vidas. Por outro lado, a frequência de discos circum-estelares detectados, indica que a formação de discos proto-planetários acompanha rotineiramente o processo de formação estelar, ao menos na formação de estrelas com massas não muito altas.

Desde o nascimento da Galáxia, quando a quantidade de ele-mentos pesados era muito pequena, vêm nascendo estrelas de alta e de baixa massa. Todas as de pequena massa estão vivas. Aquelas com massas iguais à massa do Sol, que nasceram no início da vida da Galáxia, devem estar morrendo agora. Mas o Sol viverá, ainda, alguns bilhões de anos, pois nasceu há cerca de 5 bilhões de anos. As estrelas de alta massa vêm nascendo e morrendo "rapidamente", desde o início. Entretanto, lembrem que o número de nascimento de estrelas de alta massa é, relativamente, muito menor.

As supernovas, apesar de existirem em "pequeno" número, são as principais responsáveis pelo enriquecimento do meio intereste-lar, devido à ejeção de uma grande quantidade de elementos recém-sintetizados na própria estrela. Deste meio enriquecido, nascerão novas estrelas e, provavelmente, alguns planetas. Desta mesma forma surgiu o Sol e seus planetas, a partir de uma nuvem enriquecida de elementos mais pesados que o hidrogênio ou o hélio. Assim, podemos afirmar que a "matéria prima" da vida deve-se principalmente à síntese ocorrida no passado em várias gerações de supernovas.

Lilia Arany-Prado

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Um fato importante quanto à fase de queima do hidrogênio, é que não há mistura entre o material sintetizado no núcleo estelar e o material da superfície, de tal modo que, se uma estrela passa, por exemplo, 5 bilhões de anos na sequência principal, a constituição química de sua superfície é a mesma que deu origem à estrela (é um retrato do meio interestelar, à época de sua formação). Então a observação de estrelas de baixa massa da sequência principal (como o Sol), nascidas nas mais diversas épocas, serve para traçar a evolução do enriquecimento do meio interestelar ao longo da vida da Galáxia (ver também o Anexo 5). Serve para traçar a evolução dos elementos químicos. Essa ideia também é válida para nebulosas planetárias resultantes de estrelas com massas iniciais relativamente baixas.

Ainda, temos que as observações de estrelas evoluídas servem de apoio às várias teorias que tratam dos diversos aspectos da evolução estelar.

Desse modo, estrelas servem de laboratório para obter medi-das diretas e indiretas de fenômenos da natureza (sendo muitos deles irreproduzíveis em laboratórios terrestres) e compreendê-las significa aumentar nosso entendimento do Universo e da nossa origem.

Todas estas informações são obtidas, e teorias são desenvolvi-das, a partir da radiação recebida por estes objetos distantes. Essa radiação em geral permanecerá por mais tempo que alguns dos resultados das teorias aqui descritas. Esses resultados serão aprimorados (assim como as teorias), ou substituídos por outros (no momento mesmo que você está concluindo sua leitura, ou lendo essa frase), que é o que se espera, considerando os rápidos avanços da moderna ciência e tecnologia astronômica.

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Se fosse possível conhecer a verdade, a essência das coisas (...) de um modo direto e imediato, não haveria nenhuma necessidade das ciências.

Jacob Bazarian, O Problema da Verdade, Círculo do Livro, 1979

ANEXOS Anexo 1. Paralaxe e Parsec Para definirmos parsec com rigor, primeiro precisamos entender o que vem a ser paralaxe. Para isto, consideremos a Terra, primeiro em um ponto de sua órbita e, após cerca de seis meses, em um ponto oposto na órbita. Imagine que em cada um destes pontos obtenho a imagem de uma dada estrela razoavelmente próxima e comparamos sua posição em relação a um fundo de estrelas muito distantes. Obteremos duas posições da estrela próxima, correspondentes a cada um dos pontos da órbita, em relação a um “fundo (aparente-mente) fixo” de estrelas muito distantes. A estrela que está sendo medida terá sofrido uma mudança na posição relativa ao fundo de estrelas distantes.

Este desvio é chamado de desvio angular aparente, ou parala-xe. Ou seja, paralaxe é o desvio angular aparente de objetos próximos relativamente à posição de objetos distante, devido à mudança de perspectiva à medida que a Terra translada (percorre sua trajetória) em torno do Sol. Este desvio fornece a distância de objetos próximos por triangulação. A paralaxe varia inversamente com a distância: quanto menor a paralaxe maior é a distância do objeto em questão. Paralaxe trigonométrica de uma estrela é o ângulo do vértice onde está uma estrela, considerando um triângulo cuja base é a linha imaginária entre a Terra e o Sol. Esta última

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afirmativa, em termos mais técnicos, corresponde ao seguinte enunciado: define-se paralaxe trigonométrica de uma estrela como o ângulo subtendido na estrela pela distância média Terra-Sol (isto é, uma Unidade Astronômica). Para a estrela mais próxima (próxima Centauri) a paralaxe trigonométrica é menor que 1” (um segundo de arco).

As medidas de paralaxe devem levar em conta os movimentos próprios das estrelas e outras correções relativas a parâmetros da órbita terrestre. Determinações atuais de paralaxe utilizam dados do satélite Hipparcos e modernos métodos que fornecem dados muito precisos.

O parsec é definido como a distância correspondente à para-laxe de um segundo de arco.

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Anexo 2. Magnitudes No ano de 134 a.C. Hipparcos, que viveu entre 190 e 125 a.C., apresentou um catálogo com 1080 estrelas as quais foram divididas, de acordo com seus brilhos aparentes, em seis magnitu-des: as de sexta magnitude seriam as menos brilhantes do catálogo. Em 1856, Norman Pogson (1829-1891) propôs que a escala de magnitude fosse tal que uma estrela de 1a magnitude fosse exatamente 100 vezes mais brilhante que uma estrela de 6a magnitude. Isto significa que

100magnitude6 de estrela uma de Brilhomagnitude1 de estrela uma de Brilho

6

1a

a

==BB

Chamando 52 a BB os brilhos respectivamente de estrelas de 2a a 5a magnitudes, podemos escrever

1006

1

6

5

5

4

4

3

3

2

2

1 ==××××BB

BB

BB

BB

BB

BB

Agora, tome as razões constantes dos brilhos de duas estrelas com magnitudes adjacentes:

constante6

5

5

4

4

3

3

2

2

1 =====BB

BB

BB

BB

BB

e vamos chamar essa constante de A . Então podemos escrever que

25

6

1 10100 ===××××= AAAAAABB

,

o que resulta em: 512,210 5/2 ==A

Foi este o valor assumido por Pogson para a razão entre os brilhos de estrelas com magnitudes adjacentes. Note que A

À luz das estrelas

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aparece 5 vezes multiplicado, o que corresponde à diferença de magnitudes 516 =− . Agora, pode-se calcular a relação entre quaisquer magnitudes de quaisquer estrelas, mesmo aquelas de magnitudes maiores do que seis, mais fracas em brilho, que à época de Hipparcos não podiam ser vistas, pois não haviam telescópios.

Sejam duas estrelas com magnitude m e ν , cuja diferença entre elas é νm − . Analogamente ao cálculo anterior, tenho que multiplicar A tantas vezes quanto for o valor de ( νm − ) para encontrar a razão entre os brilhos das estrelas, ou seja:

m

ννm

BBAAAA ==×××× − )(.......... ,

Substituindo acima o valor de 5/210=A , temos

m

ννmνm

BBA == −− )()5/2()( 10 ,

cujo logaritmo na base 10 é: m

ν

BBνm log)(

52

=− ,

ou m

ν

m

ν

BB,

BBνm log52log

25

==− ,

que é a famosa equação de Pogson para magnitudes. Note que comparando essa demonstração com a anterior, vemos que a magnitude m é maior que ν e, portanto, a primeira estrela considerada (m) é menos brilhante que a segunda (n).

A razão entre brilho aparente e luminosidade de uma estrela é

24 dLB

π= ,

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onde d é a distância à estrela. Então podemos escrever a relação entre a razão de brilhos e a razão de luminosidades na forma

m

ν

ν

m

m

m

ν

ν

m

ν

LL

dd

Ld

dL

BB

22

2

44

=

ππ

= .

A magnitude absoluta de uma estrela é definida assumindo uma distância fictícia de 10 parsec (pc) para todas as estrelas.

Para encontrar uma relação matemática entre a magnitude absoluta e a magnitude aparente de uma mesma estrela, podemos utilizar a fórmula acima. Vamos representar a magnitude aparente por m e a magnitude absoluta por M.

A Luminosidade é uma característica intrínseca da própria estrela e, portanto, independente de sua distância. Uma vez que se trata de uma mesma estrela as luminosidades serão simplificadas na equação anterior, pois mν LL = . A partir da equação, podemos então escrever para a estrela escolhida a razão entre brilhos, considerando n a magnitude da estrela situada hipoteticamente a 10 pc de distância (mas n agora é substituída pela letra M , que designa o que chamamos de magnitude absoluta)

2

==

M

m

m

M

m

ν

dd

BB

BB

.

Substituindo isto na fórmula da magnitude, de Pogson, teremos 2

log5,2log5,2

==−=−

M

m

m

M

dd

BBMmνm ,

então

( )MmM

m ddddMm loglog5log5 −==− ,

onde pc10=Md , e portanto pc1log =Md .

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Assim, multiplicando por menos um os termos na equação anterior, obtemos uma equação para a diferença entre a magnitude absoluta e aparente de uma estrela, também chamada de módulo de distância:

( )mdmM log15 −=− ,

onde M é a magnitude absoluta, m é a magnitude aparente e md é a distância à estrela.

As medidas de magnitudes são feitas através das chamadas técnicas fotométricas, para as quais devem ser levadas em conta correções para eliminar o efeito da absorção da luz devido à poeira do meio interestelar e à atmosfera terrestre.

Anexo 3. Nasce a Espectroscopia Em 1802, William Hyde Wollaston (Inglaterra, 1766-1828) observou certas linhas escuras ao longo do espectro solar. Mais tarde (1814-15), Joseph Fraunhofer (Alemanha, 1787-1826), através de uma melhoria da qualidade dos prismas e uma redução nas dimensões do feixe luminoso, descobriu cerca de 600 linhas no espectro solar, tendo mapeado 324 delas, as quais passaram a ser denominadas linhas de Fraunhofer.

Em 1835, o filósofo francês Auguste Comte (França, 1798-1857), autor do trabalho Cours de Philosophie Positive (Curso de Filosofia Positiva), deu como exemplo de conhecimento permanen-temente inacessível (para o qual a ciência seria sempre incapaz de fornecer informações) a constituição das estrelas (composição química). Entretanto, a explicação para o mistério das linhas escuras começou a ser desvendado.

Em 1859, Gustav Robert Kirchhoff (Alemanha, 1824-1887) em parceria com Robert Wilhelm Bunsen (Alemanha, 1811-1899),

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desenvolveu o primeiro espectroscópio e a base experimental para a interpretação dos espectros. Tal estudo levou às experiências que ficaram conhecidas como leis de Kirchhoff da espectroscopia: i. um sólido ou gás denso, quando tornado incandescente, emite

um espectro contínuo com bandas de cores (nenhuma linha); ii. um gás rarefeito incandescente emite um espectro de linhas

brilhantes (nenhum contínuo); iii. se um gás estiver entre o espectrógrafo e a fonte incandescente

temos: a) para o gás mais frio que a fonte, um espectro contínuo atravessado por linhas escuras; b) para o gás mais quente que a fonte, um espectro contínuo atravessado por linhas brilhantes.

Dessas experiências resultou que cada elemento produtor de linhas escuras, de absorção, ou brilhantes, de emissão, revela um padrão exclusivo no que diz respeito à distribuição de tais linhas. O problema que decorreu imediatamente a partir dessa constatação era o de determinar uma lei que fornecesse os espaços entre linhas, medidos em unidades de comprimento, para cada elemento.

Estrelas em geral apresentam espectros do tipo (iii.a) acima, pois suas superfícies são mais frias e menos densas do que as regiões mais internas.

Assim, se fosse possível entender a natureza dos espectros estelares, não somente seria possível entender a composição química das estrelas, como também seria possível deduzir os processos físico-químicos sofridos pelos elementos que as constituem.

Cabe observar que espectros estelares são complexos visto que as estrelas contêm uma série de elementos. Além disto, dificuldades técnicas tornavam a arte de analisar espectros, não só um desafio teórico, como um desafio experimental.

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Em 1862, o físico sueco Anders Jonas Ångstrom (1814-1874), pioneiro na técnica da espectroscopia, comprovou a presença de hidrogênio no Sol. Em 1868 foi encontrada também no Sol, por vários pesquisadores, uma série de linhas misteriosas que foram atribuídas a um elemento chamado hélio (ηλιον = sol, em grego) e somente em 1895 o hélio foi identificado na Terra.

Em 1863, muitas das linhas escuras nos espectros estelares foram identificadas pela primeira vez, por Sir William Huggins (1824-1910), como linhas de elementos conhecidos na Terra, tais como o hidrogênio, o ferro, o sódio e o cálcio, de tal forma que se chegou à conclusão de que havia uma "certa identidade" entre o material da qual a Terra era formada e os corpos distantes tais como as estrelas "fixas". Os grifos devem-se à reprodução de frases da época, que não cabem mais: hoje se sabe que os elementos são universais e que não há estrelas fixas; apenas objetos extremamente distantes podem ser considerados aparentemente fixos, sendo isto devido ao efeito da distância.20 Por volta de 1895, cerca de 35 elementos já tinham sido identificados no Sol.

A partir da observação das linhas espectrais, principalmente do hidrogênio, por volta de 1860 iniciou-se a chamada classificação espectral. Hoje entendemos que a ideia básica da classificação espectral é que, para uma dada composição química o padrão de linhas de absorção formadas nas camadas mais externas de uma estrela depende da temperatura e da pressão. Grosseiramente, o tipo espectral é uma função da temperatura superficial e a classificação

20 Entretanto, do ponto de vista histórico, cabe ressaltar que, mesmo os pesquisadores que tinham conhecimento da determinação dos movimentos próprios de algumas estrelas e que supunham que "todas" as estrelas "fixas" deveriam de fato apresentar algum movimento se observadas por um período suficientemente longo, continuaram a se referir às estrelas como "fixas" durante algum tempo.

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está baseada na intensidade das linhas. Na classificação espectral principal estrelas são designadas pelas letras:

O B A F G K M em ordem decrescente de temperatura (estrelas tipo O têm maior temperatura do que as tipo M). Nas estrelas M aparecem importan-tes bandas moleculares21 nos espectros, pois são estrelas suficien-temente "frias" para que moléculas possam existir em suas camadas mais externas. As linhas de hidrogênio são mais intensas nas estrelas do tipo A. Em geral, todo estudante de astronomia aprende a guardar esta ordem de letras com o auxílio da frase em inglês: “Oh! Be A Fine Girl, Kiss Me”, que pode ser traduzido como: Oh! Seja uma garota legal, beije-me.

As letras passaram a ser subdivididas em até 10 números. Al-gumas letras são numeradas de 0 a 9, mas em algumas outras classes são utilizadas menos subdivisões. Quanto menor o número maior é a temperatura: por exemplo, nesta classificação estrelas B0 são mais quentes que as B2.

Existe uma relação entre as larguras das linhas espectrais, que podem fornecer informações sobre a gravidade superficial e a classe de luminosidade, para um dado tipo espectral.

O Sol é uma estrela do tipo G2V, onde o V indica a classe de luminosidade das chamadas estrelas anãs.

21 Nos átomos, transições de elétrons entre níveis atômicos geram linhas espectrais. Em uma molécula, que é uma união ordenada de átomos, há movimentos de vibração entre os átomos e rotação da molécula em torno de si mesma. Esses movimentos, como no caso atômico, também são quantizados. Portanto, para cada molécula, existem três componentes (transições: atômica, vibracional e rotacional) que geram o que chamamos de bandas moleculares, mais complexas dos que as linhas espectrais atômicas.

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Anexo 4. Dos pilares da Física ao átomo de Bohr (breves considerações) Mesmo com as antigas noções sobre átomos, até o final do século dezenove (1801-1900), aparentemente não havia grande necessida-de intelectual nem experimental para o estudo do átomo. À época do fim daquele século, o "século das respostas", a Física criada por Galileu chegava a um impasse: os fenômenos naturais estavam razoavelmente explicados pelas teorias que fazem parte da Física Clássica.

Os "pilares" da física são: a Mecânica, criada por Isaac New-ton, a Termodinâmica e o Eletromagnetismo. A denominação de "clássica", para essa Física, deve ser entendida com cautela. Não tem o sentido de algo situado somente no passado, uma vez que tais teorias são ferramentas de uso do dia a dia de uma quantidade considerável de pesquisadores das ditas ciências exatas e, certamen-te, dos astrofísicos que estudam estrelas. Então, vamos tecer breves comentários sobre eles e, em seguida, descrever o contexto do nascimento da teoria atômica e o átomo de Bohr propriamente dito.

Mecânica de Newton Em 1687, Isaac Newton publicou o livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural) que contém as leis fundamentais da Mecânica Clássica e da gravitação. Com sua lei da gravitação, mudou a visualização da natureza, de um enfoque bidimensional para um tridimensional ao mostrar de que forma as forças atuam em todo o espaço. Assim foi possível para ele deduzir as formas das órbitas dos corpos celestes conhecidos do sistema solar. A Física de Newton explicou os fenômenos mecânicos conhecido até o fim do século dezenove.

É interessante observar o determinismo da Mecânica de New-ton da forma que segue. As quantidades físicas envolvidas, como, por exemplo, a posição, são contínuas e suas variações em relação

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ao tempo, ou taxas de variação, como, por exemplo, a velocidade, também são contínuas. O formalismo que descreve o movimento de um sistema, ou partícula (a chamada equação de movimento) especifica a evolução no tempo das quantidades físicas em questão. Isto significa que conheço o destino do sistema, ou partícula, a cada instante de tempo, desde que me sejam dadas as condições iniciais. Levando este raciocínio ao extremo, em termos da Mecânica de Newton, se o presente estado de coisas é conhecido, bem como as forças atuantes, então em princípio todo o futuro do Universo está fixado. Devido a este futuro determinado pela teoria, podemos dizer que esta é determinística. Isso não ocorre com a teoria capaz de descrever os fenômenos atômicos e nucleares: para estes, não é possível prever o comportamento de forma única.

Termodinâmica e Mecânica Estatística A Termodinâmica trata das relações entre calor e trabalho

mecânico. Surgiu, inicialmente, como teoria fenomenológica, ou seja, uma teoria heurística22 de fenômenos macroscópicos.

Já comentamos como Bernoulli, em 1738, descreveu a pressão exercida por um gás, através da movimentação das moléculas e colisões sobre as paredes de um recipiente, sendo isso utilizado na elaboração da teoria para a dinâmica das partículas do gás.

22 Segundo o dicionário Aurélio, heurística é um método analítico para o descobrimento de verdades científicas. Segundo Abbagnano (referência 1), heurística significa pesquisa ou arte de pesquisar: é uma palavra moderna originada, irregularmente, do verbo eurisko, ou ευρισκω que significa acho. O verbo grego também pode significar imaginar ou encontrar. Daí vem a expressão eureka = achei, encontrei. Ainda, é possível que heurística seja um cruzamento de eurisko com eureticos, o qual em grego escreve-se ευρετικος e significa inventivo (ver, por exemplo, Dicionário Etimológico Nova Fronteira, 1982). Ou seja, podemos "traduzir" heurística como um "achar de forma inventiva".

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De 1850 a 1900, Rudolph Emanuel Clausius (Alemanha, 1822-1888), James Clerk Maxwell (Escócia, Inglaterra, 1831-1879), Ludwig Boltzmann (Áustria, 1844-1906) e Josiah Willard Gibbs (EUA, 1839-1903) desenvolveram a Teoria Cinética dos Gases e fundaram a chamada Mecânica Estatística.

Após a formulação da Teoria Cinética dos Gases, a Termodi-nâmica estabeleceu-se como ciência. A Mecânica Estatística levou à compreensão do mundo macroscópico por meio de conceitos de probabilidade. Para compreender isto, imagine um recipiente contendo gás, ou seja, partículas isoladas, ou moléculas, cujo movimento é caótico. Para este sistema é possível utilizar as leis da probabilidade que podem descrever algumas propriedades globais do sistema, independente do fato de desconhecermos as posições e velocidades de cada partícula isolada. Com isto, a probabilidade surge como uma linguagem para a interpretação de um fenômeno físico.

Em 1865, Clausius formulou uma lei fundamental, a chamada segunda lei, ou segundo princípio da Termodinâmica, que pode ser descrita como se segue: não é possível a passagem espontânea de calor de um corpo mais frio para outro mais quente. Clausius propõe em 1865 o nome entropia, para o conteúdo de transforma-ção de um corpo, devido ao grego η τροπη, que significa uma transformação. Em suas palavras (1865, Annalen der Physik und Chemie, 125, 353):

"Eu intencionalmente formei a palavra entropia de tal forma a ser tão parecida quanto possível com energia, uma vez que ambas as quantidades (...) estão tão proximamente relaciona-das (...) em seus significados físicos, que uma certa similari-dade em seus nomes parece-me vantajoso."

A entropia é uma medida da degradação da energia: o estado de máxima entropia corresponde ao estado de homogeneização e de equilíbrio térmico, no qual desaparecem as possibilidades de

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transformação. Utilizando o conceito de entropia, a Segunda lei da Termodinâmica é formulada como se segue: em um sistema isolado a entropia nunca diminui.

Em 1877, Boltzmann associou entropia à probabilidade ter-modinâmica, o que abriu as portas para o entendimento do mundo macroscópico tendo como base a dinâmica molecular. Segundo a perspectiva de Boltzmann a entropia passa a indicar uma medida da desordem molecular, ou da degradação da ordem e degradação da organização.

Eletromagnetismo Em 1830, Michael Faraday (Inglaterra, 1791-1867) introduziu certas linhas imaginárias, as chamadas linhas de campo, para representar os possíveis modos de interação entre partículas eletricamente carregadas. Tais linhas podem representar não só a direção de interação como a intensidade da interação. Faraday ampliou a noção de linhas de campo para explicar a influência recíproca de objetos carregados eletricamente. Essa ideia é matemática em sua essência, mas talvez porque ele não tivesse o arcabouço matemático necessário, não é devido a ele, e sim a Maxwell, transformar a ideia, em 1860, em uma teoria quantitativa. Maxwell forneceu uma explicação para a teoria ondulatória da luz (que estava de acordo com a Física Óptica conhecida na época) e estabeleceu como inseparáveis, os fenômenos elétricos e magnéti-cos: associado a uma corrente elétrica sempre há um campo magnético. Também ficou estabelecida a carga elétrica acelerada como fonte primária de radiação. Quando a carga sofre uma aceleração, há uma perturbação nos campos elétricos e magnéticos

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e esta perturbação propaga-se na forma de ondas eletromagnéticas, no vácuo, com a velocidade da luz.23

As explicações de Maxwell para as ondas eletromagnéticas só tiveram aceitação em 1888, devido a uma demonstração de Heinrich Rudolph Hertz (Alemanha, 1857-1894), oito anos após o falecimento de Maxwell. Contudo os físicos, impregnados do mecanicismo e determinismo, repeliram a ideia de uma onda oscilando no vazio, e passaram a considerar um meio: o "éter", cuja função era propiciar uma substância na qual as ondas oscilassem. Somente no final do século dezenove a ideia do éter foi abandona-da. Hertz inventou osciladores capazes de produzir e detectar essas ondas e também conseguiu demonstrar experimentalmente que as ondas propagavam-se com a velocidade da luz. Além disto, enquanto verificava a existência das ondas eletromagnéticas previstas por Maxwell, ele descobriu o efeito fotoelétrico, que se manteve sem explicação até 1905, e foi um dos motivadores para a revisão da necessidade de novos conceitos nas teorias físicas.

Contexto histórico (um ponto de vista) Apesar de Newton ter sido um atomista, a explicação dos fenôme-nos mecânicos não requeria a existência dos átomos. Na Mecânica Estatística, o resultado global de partículas sobre um sistema macroscópico (ou sistema termodinâmico) foi relevado em detrimento do comportamento individual das partículas constituin-tes de um gás. O Eletromagnetismo tratava de ondas e não de partículas. Ao final do século dezenove, quase todos os experimen-tos conhecidos podiam ser ajustados às teorias existentes e muitos

23 Como já escrevemos, há outra forma de visualizar a radiação eletro-magnética, em termos dos fótons, que carregam uma energia que é proporcional à frequência da radiação.

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eram da opinião de que o trabalho de seus sucessores resumia-se a aumentar a precisão dos dados.

Entretanto, o século dezenove foi particularmente rico em ideias e manifestações da criatividade humana. Novos ramos da ciência foram criados e/ou ganharam autonomia. Surgiram: a biologia, fundamentada na teoria da evolução das espécies, a antropologia, a psicologia, a sociologia. No campo das artes, apareceram o impressionismo e o expressionismo; surgiram os embriões da literatura moderna; revoluções também ocorreram na música. Houve um fervilhar de uma grande quantidade de concepções originais.

Mesmo considerando a grandeza da Mecânica Estatística e do Eletromagnetismo, naquele século, grande parte das descobertas na Física foram leis obtidas da observação de experimentos, as quais, apesar de essenciais na escalada da Física, careciam da diversidade de criatividade apresentada nos exemplos acima, em outras áreas.

Tal discrepância pode ser devida, entre outros, a dois fatores distintos. Por um lado, a linguagem científica, baseada na Matemá-tica, na lógica e possuindo uma semântica específica, pode ser tornada uma "camisa de força" para a expressão de novas ideias. Por outro lado, podem ocorrer períodos nos quais os líderes intelectuais apresentem alguma rigidez intelectual. Tais fatores, quando conjugados, acarretam rigidez na atividade de pensamento, inibindo a criatividade.

Talvez estes aspectos aliados ao fervilhar de novas concepções em muitas outras áreas e ainda ao acumulo de dados que aguarda-vam explicações, tenha induzido um efeito de "panela de pressão" na "ciência básica".

De fato, coisas estranhas apareciam da observação dos fenô-menos, algumas permanecendo estranhas por décadas, e cujo processo de entendimento desencadeou a maior taxa de criatividade na história da Física e permitiu o nascimento da Astrofísica, que

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por sua vez, ampliou os limites do Universo teórico e observacio-nal.

Nos anos 1890, como já descrito no texto, das experiências com material radioativo (por exemplo, as de Becquerel, de Rutherford, e do casal Curie, descritas anteriormente), ficou estabelecido que átomos emitiam partículas positivas. Já o efeito fotoelétrico, por exemplo, que foi explicado por Einstein, utilizando-se da quantização de Planck, evidenciou a emissão de partículas negativas.

As "partículas negativas", ou melhor, os elétrons, foram des-cobertos, em 1897, por Joseph John Thomson (Inglaterra, 1856-1940). Thomson estabeleceu a massa do elétron, como cerca de 2000 vezes menor que a carga positiva do átomo de hidrogênio (o próton).

Portanto, partículas positivas e negativas deveriam constituir os átomos. Baseado no fato de que estes em geral são neutros, Thomson imaginou, em 1904, um modelo atômico, com elétrons negativos cravados em uma esfera difusa de carga positiva, como passas em um bolo.

Em 1911, Rutherford utilizou núcleos de hélio (partículas α) para "bombardear" uma fina folha de ouro. Sua equipe verificou que, apesar da maior parte das partículas α atravessarem a folha sem serem desviadas, algumas apresentavam grandes deflexões e, até, algumas ricocheteavam e eram defletidas de volta. Isto era um resultado surpreendente e só podia ser explicado pela presença de porções concentradas de cargas elétricas positivas intercaladas de imensos espaços vazios, e assim seria constituída a matéria. Com os dados, Rutherford pode fazer o primeiro cálculo das dimensões de tais porções, que conteriam a maior parte da massa dos átomos, uma vez que a carga positiva estava associada à maior massa. Nascia o núcleo atômico.

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Então o modelo de J. J. Thomson não era correto; mas, uma simples questão impõe sérios problemas ao modelo nuclear de Rutherford: átomos em geral são neutros e, portanto, associado ao núcleo positivo deve haver, necessariamente, elétron(s) negativo(s). Ocorre que cargas positivas e negativas se atraem e os elétrons deveriam ser atraídos para núcleo.

Tal modelo leva a uma instabilidade mecânica, a menos que dotemos a carga negativa de movimento orbital, tal como a Terra, sujeita à atração gravitacional do Sol, que permanece em sua órbita devido ao movimento de rotação em torno do Sol (que compensa a atração).

Entretanto, segundo Maxwell, uma carga acelerada irradia, perdendo energia e levando ao colapso do modelo. Se o elétron estivesse inicialmente em um raio da ordem de cm10 8− , iria, em um movimento acelerado em direção ao núcleo, emitindo energia eletromagnética de forma contínua e consumiria sua energia em cerca de segundos10 11− . Não parece um modelo razoável. Não teríamos configurações estáveis, nem combinações químicas, nem seres humanos, nem o universo que conhecemos e, além disso, havia as evidências experimentais. Átomos produzem espectros discretos, o que equivale a dizer que o átomo altera seu estado por quantidades discretas de energia. Então o átomo só deveria existir em estados discretos, estacionários, sendo o estado de mais baixa energia aquele onde normalmente ele se encontra, ao menos na Terra.

Átomo de Bohr Para resolver esta série de questões, o físico dinamarquês Niels

Henrik David Bohr (1885-1962), em 1913, introduziu uma teoria aparentemente "impossível", que funcionou muito bem para átomos simples.

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O primeiro modelo atômico que funcionou, o de Bohr, base-ou-se em postulados, que podem ser considerados como um "mecanismo" engenhoso para descrever o comportamento do elétron, e que deveriam satisfazer as evidências experimentais. Podemos simplificar a explicação do modelo da seguinte forma:

a. existem órbitas circulares definidas para os elétrons de cada elemento, caracterizadas por raios bem determinados;

b. se um elétron encontra-se em uma de tais órbitas, então possui uma energia constante.

c. embora esteja constantemente acelerado, dado que sua energia é constante, o elétron não emite radiação eletromagnética ou fótons.

d. uma vez que ocasionalmente os átomos irradiam, e satisfazen-do as condições anteriores, só resta ao elétron emitir ou absor-ver energia quando salta de um estado permitido para outro também permitido, e a energia da radiação deverá corresponder à diferença de energia entre os respectivos estados. Isto equivale a dizer que o elétron "desaparece" de uma órbita

e "aparece" na outra (realiza um salto quântico) sem passar pelo meio do caminho! Diante deste estado de coisas, como falar então de trajetória determinística, ou passível de ser determinada através de condições iniciais?

Hoje sabemos que não podemos ter certeza, nem da trajetória de um elétron, nem de sua posição e, mesmo, há dificuldade em se visualizar o que seja um elétron.

Em 1925, Wolfgang Pauli formulou as bases do que hoje co-nhecemos como princípio da exclusão que justificava, por exemplo, porque algumas linhas espectrais previstas pela teoria nunca eram observadas. Ele constatou que dois elétrons não poderiam estar em um mesmo estado de energia. Portanto não haveria a possibilidade de certas transições e consequentemente não

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existiriam as linhas correspondentes àquelas transições. Graças a este princípio, foi possível explicar parcialmente, no contexto da Física, a classificação periódica dos elementos. Os possíveis arranjos eletrônicos são tais, que há uma capacidade máxima para cada orbital.

Outras histórias da época do átomo de Bohr foram parcial-mente contadas no item 2.2 (Grandes ideias para pequenos mundos), onde se descreve o nascimento da Mecânica Quântica, que é a teoria que foi capaz de prover uma visão mais ampla e completa dos processos quânticos que a propiciada por Bohr (embora a teoria de Bohr tenha sido fundamental na escalada do conhecimento).

Anexo 5. Panelas de café com leite...

... para entender o conceito de abundância de um ou mais elementos

Vamos considerar uma panela com café e leite misturados uniformemente. Seja M a massa total dentro da panela. Sejam Mcafé e Mleite, respectivamente, as massas do café e do leite na panela. Então

À luz das estrelas

156

leiteMMM += café(equação 1)

Vamos chamar de A e B, a razões entre essas massas:

MMA café= e

MMB leite= . (equações 2)

Analogamente, a massa total na caneca da figura é:

leitemmm café += . (equação 3)

A massa de café com leite retirada da panela, com a caneca, é uma fração da massa total de café com leite da panela:

Mam = , (equação 4)

onde a pode ter qualquer valor (dependendo da panela e da caneca), como por exemplo: ou 1/2, ou 1/8, ou 1/250, ou 10-5, etc.

Vamos agora fazer uma experiência da imaginação. Coloque em uma panela um volume qualquer de água e de azeite, sendo a metade de água e a metade de azeite. Depois de algum tempo veremos a metade do volume de azeite separado e acima da metade do volume de água. Agora, vamos misturar bem todo o conteúdo e, enquanto estivermos misturando, retiramos uma caneca da panela, que é uma fração do conteúdo anterior. Depois de algum tempo, veremos que o conteúdo retirado, na caneca, também apresentará um volume, com a metade do volume de azeite acima da metade do volume de água. Isso significa que as proporções entre a água e o azeite foram mantidas porque quando a amostra foi retirada, a panela tinha seu conteúdo bem misturado. A fração de azeite retirado será a mesma fração de água retirada da panela, como veremos a seguir.

Vamos ver isso com mais detalhes para o primeiro caso, da nossa panela de café com leite, que estão bem misturados.

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Multiplicando ambos os membros da equação 1 por a, que é a fração retirada da panela, temos

leiteleite )( MaMaMMaMa cafécafé +=+= .

Pela equação 4 temos que o lado esquerdo nas igualdades acima é igual a m. Então, usando a equação 3 e a equação acima, podemos escrever uma equação relacionando as partes de café e leite na caneca e na panela:

leiteleite MaMammmMa cafécafé +=+== .

Uma vez que, na panela, a mistura é homogênea, comparando os termos da equação que acabamos de escrever, podemos deduzir que:

cafécafé Mam = e leiteleite Mam = ,

e portanto, dividindo as igualdades acima, temos as mesmas razões:

BA

MM

mm

==leite

café

leite

café ,

onde a igualdade à direita na equação acima pode ser entendida a partir da equações 2. A razão A/B é o que os astrofísicos chamam de abundância do café em relação à abundância do leite. Isso mostra que para medir as razões entre as abundâncias, não precisamos conhecer toda a massa de café da panela, bastando uma pequena amostra.

Com isso também podemos entender um fato muito importan-te sobre as medidas de abundância de elementos nas estrelas e no meio interestelar. Basta trocar café por um elemento ou um conjunto de elementos mais pesados que o hélio, e o leite, de forma análoga, pode ser considerado como a grande quantidade de hidrogênio mais o hélio em uma região do meio interestelar. Considere o conteúdo de uma caneca como a quantidade retirada do meio interestelar quando uma estrela se forma.

À luz das estrelas

158

Se o meio interestelar estiver razoavelmente misturado, inici-almente a composição da estrela também será uniforme. Mais ainda, se for uma estrela isolada de baixa massa, sua atmosfera permanecerá inalterada por bilhões de anos.

Então imagine que, ao longo da vida da Galáxia, sejam retira-das "canequinhas" para formar estrelas de baixa massa em vários momentos de sua evolução como na figura, onde os tempos t podem ser contados em Giga anos (= 1 bilhão de anos). Se ao longo da vida da Galáxia explodem supernovas que enriquecem o meio interestelar de "café", as canequinhas terão tanto mais café, quanto mais velha for a Galáxia. Uma ilustração para isso, que não pretende representar as reais proporções de elementos mais pesados que o hélio, é a das canecas com mais café, à medida que retiramos porções em vários instantes na Galáxia. Assim, estrelas de baixa massa (que estão vivas até hoje) nascidas em diversos momentos, servem para traçar as abundâncias do meio interestelar na vizinhan-ça solar.

A evolução química da Galáxia, que é uma área de estudos da Astrofísica, visa analisar as distribuições de abundâncias dos elementos, em termos da produção das estrelas de massa intermedi-árias e altas e da mistura das ejeções estelares com o gás do meio interestelar. O assunto é tratado como peças de um quebra-cabeça que ainda estão longe de serem completamente juntadas todas em seus devidos lugares formando uma espécie de filme da vida de nosso oceano galáctico.

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Anexo 6. Lista de elementos Apresentamos uma Lista dos elementos com núcleos contendo números de prótons entre 1 e 103, onde as quatro primeiras colunas (Z, S, A e %) estão explicadas a seguir, e seus respectivos nomes em quatro línguas: português, inglês, francês e alemão (o que, em alguns casos, ajuda a associar os nomes aos símbolos, adotados internacionalmente). Na Lista, temos que: Z = número atômico; S = símbolo; A = número de massa do isótopo mais abundante e mais estável; a

ausência desse número nessa Lista indica que não há isótopos estáveis para a família isotópica (elementos com o mesmo Z) e nenhum deles destaca-se em abundância;

% = Porcentagem aproximada (em relação à família isotópica em questão) da abundância do isótopo que aparece na Lista. Quan-do aparece o número 100 nessa coluna, significa que esse isóto-po é, em geral e aproximadamente, o único encontrado hoje em dia na natureza (considerando a não ocorrência de processos nucleares envolvendo o elemento); a ausência desse número nessa Lista significa que não há núcleos na família isotópica que se destaquem como mais estáveis e mais abundantes.

O português da Lista é o falado no Brasil; no português de Portugal, há algumas diferenças, como por exemplo, o H 1 escreve-se hidrogénio, O (Z=8) escreve-se oxigénio, N (Z=7) escreve-se azoto (parecido com o francês).

Lantanídios são os elementos com Z entre 57 (lantanídio) e 71(lutécio), também chamados de terras raras.

Actinídeos são os elementos com Z entre 89 (actínio) e 103 (laurêncio).

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Z S A % Português Inglês Francês Alemão

1 H 1 99,98 Hidrogênio Hydrogen Hydrogène Wasserstoff

2 He 4 100 Hélio Helium Hélium Helium

3 Li 7 92,5 Lítio Lithium Lithium Lithium

4 Be 9 100 Berílio Beryllium Béryllium Beryllium

5 B 11 80,1 Boro Boron Bore Bor

6 C 12 98,89 Carbono Carbon Carbone Kohlenstoff

7 N 14 99,63 Nitrogênio Nitrogen Azote Stickstoff

8 O 16 99,76 Oxigênio Oxygen Oxygène Sauerstoff

9 F 19 100 Flúor Fluorine Fluor Fluor

10 Ne 20 90,48 Neônio Neon Néon Neon

11 Na 23 100 Sódio Sodium Sodium Natrium

12 Mg 24 78,99 Magnésio Magnesium Magnésium Magnesium

13 Al 27 100 Alumínio Aluminium Aluminium Aluminium

14 Si 28 92,23 Silício Silicon Silicium Silicium

15 P 31 100 Fósforo Phosphorus Phosphore Phosphor

16 S 32 95,02 Enxofre Sulphur Soufre Schwefel

17 Cl 35 75,77 Cloro Chlorine Chlore Chlor

18 Ar 40 99,60 Argônio Argon Argon Argon

19 K 39 93,26 Potássio Potassium Potassium Kalium

20 Ca 40 96,94 Cálcio Calcium Calcium Calcium

21 Sc 45 100 Escândio Scandium Scandium Scandium

22 Ti 48 73,72 Titânio Titanium Titane Titan

23 V 51 99,75 Vanádio Vanadium Vanadium Vanadium

24 Cr 52 83,79 Cromo Chromium Chrome Chrom

25 Mn 55 100 Manganês Manganese Manganèse Mangan

26 Fe 56 91,75 Ferro Iron Fer Eisen

27 Co 59 100 Cobalto Cobalt Cobalt Kobalt

Lilia Arany-Prado

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Z S A % Português Inglês Francês Alemão

28 Ni 58 68,08 Níquel Nickel Nickel Nickel

29 Cu 63 69,17 Cobre Copper Cuivre Kupfer

30 Zn 64 48,60 Zinco Zinc Zinc Zink

31 Ga 69 60,11 Gálio Gallium Gallium Gallium

32 Ge 74 35,94 Germânio Germanium Germanium Germanium

33 As 75 100 Arsênio Arsenic Arsenic Arsen

34 Se 80 49,61 Selênio Selenium Sélénium Selen

35 Br 79 50,69 Bromo Bromine Brome Brom

36 Kr 84 57,0 Criptônio Krypton Krypton Krypton

37 Rb 85 72,17 Rubídio Rubidium Rubidium Rubidium

38 Sr 88 82,58 Estrôncio Strontium Strontium Strontium

39 Y 89 100 Ítrio Yttrium Yttrium Yttrium

40 Zr 90 51,45 Zircônio Zirconium Zirconium Zirkon

41 Nb 93 100 Nióbio Niobium Niobium Niob

42 Mo 98 24,13 Molibdênio Molybdenum Molybdène Molybdän

43 Tc -- -- Tecnécio Technetium Technetium Technetium

44 Ru 102 31,6 Rutênio Ruthenium Ruthénium Ruthenium

45 Rh 103 100 Ródio Rhodium Rhodium Rhodium

46 Pd 106 27,33 Paládio Palladium Palladium Palladium

47 Ag 107 51,84 Prata Silver Argent Silber

48 Cd 114 28,73 Cádmio Cadmium Cadmium Cadmium

49 In 115 95,71 Índio Indium Indium Indium

50 Sn 120 32,59 Estanho Tin Étain Zinn

51 Sb 121 57,21 Antimônio Antimony Antimoine Antimon

52 Te 130 33,8 Telúrio Tellurium Tellure Tellur

53 I 127 100 Iodo Iodine Iode Jod

54 Xe 132 26,9 Xenônio Xenon Xénon Xenon

À luz das estrelas

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Z S A % Português Inglês Francês Alemão

55 Cs 133 100 Césio Caesium Césium Caesium

56 Ba 138 71,7 Bário Barium Baryum Barium

57 La 139 99,91 Lantânio Lanthanum Lanthane Lanthan

58 Ce 140 88,48 Cério Cerium Cérium Cer

59 Pr 141 100 Praseo-dímio

Praseo-dymium

Praséo-dyme

Praseodym

60 Nd 142 27,13 Neodímio Neodymium Néodyme Neodym

61 Pm -- -- Promécio Promethium Promé-thium

Promethium

62 Sm 152 26,7 Samário Samarium Samarium Samarium

63 Eu 153 52,2 Európio Europium Europium Europium

64 Gd 158 24,84 Gadolínio Gadolinium Gadolinium Gadolinium

65 Tb 159 100 Térbio Terbium Terbium Terbium

66 Dy 164 28,2 Disprósio Dysprosium Dysprosium Dysprosium

67 Ho 165 100 Hólmio Holmium Holmium Holmium

68 Er 166 33,6 Érbio Erbium Erbium Erbium

69 Tm 169 100 Túlio Thulium Thulium Thulium

70 Yb 174 31,5 Itérbio Ytterbium Ytterbium Ytterbium

71 Lu 175 97,41 Lutécio Lutetium Lutétium Lutetium

72 Hf 180 35,1 Háfnio Hafnium Hafnium Hafnium

73 Ta 181 99,99 Tântalo Tantalum Tantale Tantal

74 W 184 30,64 Tungstênio Tungsten Tungstène Wolfram

75 Re 187 62,60 Rênio Rhenium Rhénium Rhenium

76 Os 192 41,0 Ósmio Osmium Osmium Osmium

77 Ir 193 62,7 Irídio Iridium Iridium Iridium

78 Pt 195 33,8 Platina Platinum Platine Platin

79 Au 197 100 Ouro Gold Or Gold

80 Hg 202 29,86 Mercúrio Mercury Mercure Quecksilber

Lilia Arany-Prado

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Z S A % Português Inglês Francês Alemão

81 Tl 205 70,48 Tálio Thallium Thalium Thallium

82 Pb 208 52,4 Chumbo Lead Plomb Blei

83 Bi 209 100 Bismuto Bismuth Bismuth Wismuth

84 Po -- -- Polônio Polonium Plonium Polonium

85 At -- -- Astato Astatine Astate Astat

86 Rn -- -- Radônio Radon Radon Radon

87 Fr -- -- Frâncio Francium Francium Francium

88 Ra -- -- Rádio Radium Radium Radium

89 Ac -- -- Actínio Actinium Actinium Actinium

90 Th 232 100 Tório Thorium Thorium Thorium

91 Pa -- -- Protactínio Protactinium Protacti-nium

Protactinium

92 U 238 99,27 Urânio Uranium Uranium Uran

93 Np -- -- Netúnio Neptunium Neptunium Neptunium

94 Pu -- -- Plutônio Plutonium Plutonium Plutonium

95 Am -- -- Amerício Americium Américium Americium

96 Cm -- -- Cúrio Curium Curium Curium

97 Bk -- -- Berquélio Berkelium Berkélium Berkelium

98 Cf -- -- Califórnio Californium Californium Californium

99 Es -- -- Einstênio Einsteinium Einsteinium Einsteinium

100 Fm -- -- Férmio Fermium Fermium Fermium

101 Md -- -- Mendelévio Mendelevium Mendélé-vium

Mendele-vium

102 No -- -- Nobélio Nobelium Nobélium Nobelium

103 Lw -- -- Laurêncio Lawrencium Lawrentium Lawrentium

------ ----- ----- -------- --------------- ------------------ ---------------- ---------------

À luz das estrelas

164

Algumas observações

Os elementos mais pesados que o bismuto (Z=83) não apresentam nenhum isótopo estável. O tório 232 (Z=90) e o urânio 238 (Z=92) aparecem na lista porque, apesar de serem instáveis, levam um tempo muito grande para sofrerem transmutação. Assim, apesar de terem sido criados em supernovas, antes da formação do sistema solar, ainda existem na Terra.

Acima do número atômico do laurêncio, os elementos até agora sintetizados artificialmente decaem em menos do que 3 minutos (alguns em microsegundos = 10-6 s).

Já foram sintetizados elementos até Z=114. Os com Z entre 104 e 109, após alguma discussão sobre quais nomes (de cientistas a serem homenageados) associar a quais números atômicos, decidiu-se, por exemplo, por rutherfordium (Z=104), devido à Rutherford, e bohrium (Z=107), devido à Bohr.

Nesse livro não mostramos a massa atômica dos elementos. Ela é calculada em relação a uma massa padrão, que pode ser a do Carbono 12 (Z=6): a unidade seria 1/12 da massa desse isótopo de Carbono. Então é uma massa atômica relativa, que pode ser chamada também de peso atômico.

Até o cobalto (Z=27), o peso atômico é aproximadamente igual ao número de massa (A) do isótopo mais abundante, que aparece na Lista. Isso também vale para os outros elementos, sempre que a abundância (na coluna marcada com %) for alta. Para os elementos restantes, para estimar o peso atômico, deve-se levar em conta o conjunto de isótopos mais estáveis e abundantes da família em questão. A massa atômica pode ser consultada em qualquer Tabela Periódica dos elementos, facilmente encontrada nos textos didáticos sobre Química.

Os elementos encontrados em temperatura ambiente na forma de gás são: He (Z=2), Ne (Z=10), Ar (Z=18), Kr (Z=36), Xe (Z=54), Rn (Z=86), que são os chamados gases nobres, e N (Z=7),

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165

O (Z=8), F (Z=9) e Cl (Z=17). Os encontrados na forma líquida são: Br (Z=35) e Hg (Z=80).

Algumas curiosidades sobre alguns dos nomes (exemplos tomados mais ou menos aleatoriamente): Uma parte considerável dos nomes citados dos elementos tem origem no latim. Por exemplo, os terminados em "ium"; terminação que indica metal, com exceção do hélio que é um gás. De fato, como já vimos, o "helium" tem origem grega. Stoff (alemão) significa estofo, matéria; também em alemão: Wasser = água, Kohlen = carvão; portanto Wasserstoff (Hidrogê-nio) e Kohlenstoff24 (Carbono) podem ser entendidas, respectiva-mente, como o estofo de, ou matéria "do(a) qual é feito(a)", a água e o carvão. Hydro em grego é água e gen está associado a gerar, produzir. Assim, hydrogen e Wasserstoff têm alguma semelhança em suas construções, apesar de terem grafias tão diversas. Notas sobre palavras que deram origem aos símbolos que aparentemente não têm relação com nenhum dos respectivos nomes nas línguas citadas: Sn, Z=50 (estanho, tin, étain, Zinn) - origem: stannum (latim) = estanho; em Italiano o nome é stagno. Sb, Z=51 (antimônio, antimony, antimoine, Antimon) - origem: stibium (latim) = stibi (grego) = antimônio, donde vem stibnite (um minério composto de moléculas de trisulfureto de antimônio) Au, Z=79 (ouro, gold, or, Gold) - origem: aurum (latim) = ouro, riqueza, valor, amarelo.

24 No alemão, os substantivos iniciam com letra maiúscula.

À luz das estrelas

166

Hg, Z=80 (mercúrio, mercury, mercure, Quecksilber) - origem: hydro-argyros (grego) = água-prata (pois apresenta-se líquido à temperatura ambiente e tem a cor prateada) Há nomes em homenagem a cientistas, como por exemplo, cúrio, Z=96 (o casal Curie); einstênio, Z=99 (Eisntein); férmio, Z=100 (Fermi). Há nomes associados a objetos celestes, como por exemplo, a planetas: urânio, Z=92 (Urano), netúnio, Z=93 (Netuno), plutônio, Z=94 (Plutão), nomes esses que vem da mitologia grega, e telúrio, Z=52 (em latim tellus = Terra); também, como exemplo, temos que a Lua em grego é selene, donde saiu selenium (selênio, Z=34).

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Bibliografia recomendada No nível em que foi escrito este livro, não há muitas referências em língua portuguesa: ou são muito superficiais ou são muito avançadas; algumas são referências esgotadas. É mais ou menos claro que o público interessado nas noções fornecidas aqui não é o mesmo interessado nas referências avançadas sobre Astrofísica ou Física Atômica ou Nuclear, e por isto estas não serão citadas. Hoje em dia há boas opções de leituras rápidas em reportagens de revistas de divulgação científica conceituadas.

Duas boas referências de livros para leitura inicial, que con-tém o assunto evolução estelar junto a outros temas:

Astronomia, Uma Visão Geral do Universo, 2000, A. C. S. Friaça, E. Dal Pino, L. Sodré Jr., V. Jatenco-Pereira (organizado-res), EDUSP.

Astronomia, dois volumes, 1985, (vários autores) editor: Pier Luigi Cabra, Rio Gráfica Ltda. (esgotado)

Uma referência de divulgação de evolução estelar que se aprofunda mais sob a óptica da Astrofísica Nuclear, e que foi editado pelo autor é:

Vamos falar de estrelas?, 2000, K. C. Chung, UERJ, Av. Maracanã 524, Bl. A, 3020, RJ, 20559-900.

Há também o livro de divulgação sobre a Galáxia, as galá-xias, a cosmologia e também as estrelas, sob a luz das pesquisas desenvolvidas dentro do programa NexGal (núcleo de excelência "galáxias: formação, evolução e atividade"):

Descobrindo o Universo, 2004, S.M.M. Viegas, F. de Oliveira (orgs.), Edusp

À luz das estrelas

168

Outra referência de astronomia geral, em língua portuguesa, que contém fórmulas básicas de Física e Astronomia é:

Introdução à Astronomia e Astrofísica, 1999, Kepler de Souza Oliveira & Maria de Fátima Oliveira saraiva, Editora da UFRGS.

Uma visão introdutória das teorias da origem do Universo, sob os pontos de vista filosófico, científico e mitológico é fornecida no livro de Roberto de Andrade Martins:

O Universo, teorias sobre sua origem e evolução, 1994, Mar-tins, R. A., coleção polêmica, Ed. Moderna.

Existem interessantes sites com várias imagens atuais de objetos astronômicos, que podem ser encontradas pelos meca-nismos de busca da internet.

Lilia Arany-Prado

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Referências e outras fontes bibliográficas Por se tratar de uma tarefa difícil explicar de forma simplificada aquilo que os cientistas resumem em fórmulas matemáticas e linguagem altamente especializada, tive que recorrer a alguns daqueles que percorreram esse caminho antes. Por isso, misturados a referências mais especializadas, encontram-se referências de divulgação científica. Listo abaixo outras fontes de informação ou fontes das ilustrações adaptadas por mim para este livro. A primeira data, se houver, é a original; a data, ao final de algumas referências, se houver, é a data da edição apresentada (se não houver, a edição apresentada é a original)

1 Abbagnano, N., 1982, Dicionário de Filosofia, Ed. Mestre Jou,

SP 2 Allen, C.W., (1973, third ed.), Astrophysical Quantities, The

Athlone Press, London (1997) 3 Abell, G., 1964, Exploration of theUniverse, Holt, Rinehart

and Winston, NY (1969) 4 Audouze, J., Israël, G. (editores), 1994, The Cambridge Atlas

of Astronomy, Cambridge University Press 5 Bassalo, J. M. F., 1999, Nascimento da Física25, Revista

Brasileira do Ensino de Física, 21, No.2, pgs 298-310 6 Berry, A., 1898, A Short History of Astronomy, Dover Pub.

Inc., NY (1961) 7 Berstein, J., 1973, Einstein, coleção as ideias de..., Ed. Cultrix

(1980)

25 Apresenta em verbetes uma compilação de fatos históricos, baseados em várias referências.

À luz das estrelas

170

8 Bohr, N., 1913, Sobre a Constituição de Átomos e Moléculas, Textos fundamentais da Física Moderna, Vol II, reimpressão das Memórias com introdução de L. Rosenfeld, Fundação Calouste Gulbenkian (1979)

9 Bohr, N., 1958, Física Atômica e Conhecimento Humano, ensaios 1932-1957, Contraponto Editora Ltda., RJ (2000)

10 Born, M., Auger, P., Schrödinger, E., Heisenberg, W., Problemas da Física Moderna, coleção debates, Ed. Perspecti-va (1969)

11 Bronowski, J., 1973, A Escalada do Homem, Livraria Martins Fontes Ed. Ltda. (1979)

12 Bruno, G., 1584, Sobre o Infinito, o Universo e os Mundos, coleção os pensadores, Abril Cultural (1973)

13 Chaisson, E., McMillan, S., 1998, Astronomy 26 , Prentice Hall, NJ

14 Chester, M., Partículas, Ed. UnB. (1978) 15 Clayton, D.D., 1968, Principles of Stellar Evolution and

Nucleosynthesis, McGraw-Hill Book Company, NY 16 Cox, J.P., Giuli, R.T., 1968, Principles of Stellar Structure,

Volume 1: Physical Principles, Volume 2: Applications to Stars, Gordon and Breach, Science Publishers, New York

17 De Vaucouleurs, G., 1951, Discovery of the Universe, The MacMillan Company, NY (1957)

18 Dirac, P.A.M., The Evolution of the Physicist's Picture of Nature, Reprinted from Scientific American, may 1963

19 Einstein, A., Infeld, L., 1938, A Evolução da Física, biblioteca de cultura científica, Zahar Ed. (1976)

26 Muito bom livro para iniciantes na ciência astronômica, e para professores em geral.

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171

20 Enz, C.P., Von Meyenn, K., 1994, Wolfgang Pauli, Writings on Physics and Philosophy, Springer-Verlag

21 Fowler, W.A., 1962, Rutherford and Nuclear Cosmochronolo-gy, in: Proceedings of the Rutherford Jubilee International Conference, ed. J.B. Birks (London: Heywood & C. Ltda.), 640-676

22 Friedlander, G., Kennedy, J.W., Macias, E.S., Miller, J.M., 1981, Nuclear and Radiochemistry, John Wiley & Sons, NY

23 Galilei, G., 1610, A Mensagem das Estrelas, Museu de Astronomia e Ciências Afins (1987)

24 Heisenberg, W., 1958, Física e Filosofia, coleção pensamento científico, Ed. UnB. (1981)

25 Hoffmann, B., Paty, M., L'étrange Histoire des Quanta (Hoffman 1959, tradução francesa em 1967); and Nouveaux Voyages au pays des Quanta (Paty 1981), Éditions du Seuil, 1981

26 Horiguchi, T., Tachibana, T., Katakura, J. (compiladores), 1996, Chart of the Nuclides, Japanese Nuclear Data Committee and Nuclear Data Center, JAERI, Japan

27 Isidro-Pereira, S.J., 1984, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, Portugal

28 Kaler, J.B., 1994, Astronomy, HaperCollins Publishers, 10 East 53rd Street, New York, NY 10022

29 Kant, I., 1755, Universal Natural History and Theory of Heaven (An Exploration of the Constitution and the Mechani-cal Origin of the Entire Structure of the Universe Based on Newtonian Principles), www.mala.bc.ca/~johnstoi/kant1.htm (1998)

30 Kippenhahn, R., Weigert, A., 1990, Stellar Structure and Evolution, Springer-Verlag, NY

À luz das estrelas

172

31 Kuhn, T.S., 1963, A Estrutura das Revoluções Científicas, coleção debates, Ed. Perspectiva (1982)

32 Leite, J.F.M., Jordão, A.J.N., 1956, Dicionário Latino Vernáculo, de, Ed. Lux, RJ

33 Leverington, D., 1996, A History of Astronomy - from 1890 to the present, Springer-Verlag, London.

34 Maciel, W.J., 1999, Introdução à estrutura e Evolução Estelar, Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP)

35 Martins, R.A., 1998, Como distorcer a Física: considerações sobre um exemplo de divulgação científica. I - Física Clássica, Cadernos Catarinenses de Ensino de Física, Vol.15(3), 243-264

36 Martins, R.A., 1998, Como distorcer a Física: considerações sobre um exemplo de divulgação científica. II - Física Moder-na, Cadernos Catarinenses de Ensino de Física, Vol.15(3), 265-300

37 Moles, A., A Criação Científica, coleção estudos, Ed. Perspectiva (1981)

38 Morin, E., 1977, O Método - 1. A Natureza da Natureza, Publicações Europa-América (edição no. 6028/3145)

39 Nussenzveig, H.M., 1981, Mecânica27, Ed. Edgar Blücher Ltda.

40 Odenwald, S., 1998, The Astronomy Café (the best 365 questions and answers from "Ask the Astronomer"), MJF Books, NY

41 Pagel, B.E.J., 1997, Nucleosynthesis and Chemical Evolution of Galaxies, Cambridge University Press

42 Pais, A., 1979, Einstein and the Quantum Theory, Review of Modern Physics, Vol. 51, No. 4, 863-914

27 Há uma Introdução à Física, que corresponde a um excelente texto de refinada divulgação científica.

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43 Poincaré, H., 1905, O Valor da Ciência, Contraponto (2000) 44 Rival, M., 1996, Os Grandes Experimentos Científicos, Jorge

Zahar Ed. (1997) 45 Salam, A., Heisenberg, W., Dirac, P.A.M., 1990, A unificação

das forças fundamentais (o grande desafio da física contempo-rânea), Jorge Zahar Editor (1993)

46 Schatzman, E.L., 1968, The Structure of theUniverse, World University Library, McGraw-Hill Book Company, NY

47 Schenberg, M., 1984, Pensando a Física, Nova Stella Editorial, SP

48 Shu, F.H., 1982, The Physical Universe - An Introduction to Astronomy, University Science Books, California.

49 Silk, J., 1994, A short History of the Universe, Scientific American Library, NY (1997)

50 Snow, C.P., 1981, The Physicists, Little, Brown and Company, Boston

51 Tosi, R., 1991, Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas, Martins Fontes (1996)

52 Trimble, V., 1995, The 1920 Shapley-Curtis Discussion: Background, Issues, and Aftermath, Publications of the Astro-nomical Society of the Pacific (PASP) 107, 1133-1144

53 Wehr, M.R., Richards, JR., J.A., 1960, Physics of the Atom28, Addison-Wesley Company, Inc., England.

54 Weinberg, S., Os Três Primeiros Minutos, Guanabara Dois (1980)

55 Westfall, R.S., 1993, A Vida de Isaac Newton, Ed. Nova Fronteira (1995)29

28 Apresenta no final uma interessante cronologia de fatos históricos da Física, além de uma excelente explicação das experiências relacionadas ao efeito fotoelétrico.

À luz das estrelas

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56 Wright, T., 1750, An Original Theory or New Hypothesis of the Universe (founded upon the Laws of Nature and solving by Mathematical Principles the General Phænomena of the Visi-ble Creation; and particularly the Via Lactea), facsimile re-print together with the first publication of Theory of the Uni-verse (1734), introduction and transcription by Michael A. Hoskin, MacDonald London and American Elsevier Inc., NY, 1971.

29 Esta é uma versão de um trabalho mais extenso do autor. Encontram-se problemas com as ilustrações, pois algumas foram transplantadas do trabalho original, sem as devidas adaptações ao texto simplificado.

Lilia Arany-Prado

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Como se leem... ...mais ou menos, alguns dos nomes de autores

estrangeiros citados. Critérios adotados e observações: acento circunflexo designa vogal fechada acento agudo designa vogal aberta R representa o som de duas letras r. Também S representa o

som de s duplo. r representa o som de uma letra r letras em negrito representam um som mais longo sílabas tônicas duvidosas estão sublinhadas letras entre parênteses são para serem faladas de forma rápida consoantes finais devem ser pronunciadas, mas nunca

acompanhadas de vogal (por exemplo, Kant não deve ser falado como cânti e sim como cânt)

a letra l (ele), no final de palavras ou antes de consoantes, nunca deve ser pronunciada como u: por exemplo, RéRchel não pode ser pronunciado como RéRcheu

di deve ser pronunciado como fazem os paraibanos ou os paulistas e não dji, como os cariocas

um espaço separando um mesmo nome indica que cada parte deve ser falada como se fosse um nome, porém ambas as partes devem ser ditas de forma rápida.

Alexander von Humboldt - alecSândeR fôn Rumbol(dt) Antoine Henri Becquerel - ântuân ânRi bê(quê)Rél Carl von Weizsäcker - cár(l) fôn vái(ts)êc(âêr) Charles Messier - cháRl mêssiê

À luz das estrelas

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Daniel Bernoulli - daniél bêrnuli Edwin Powell Hubble - éd (ui)n pá(ue)l Râb(ou)l Ernest Rutherford - éRn(ê)st Rút(ê)R fóRd Erwin Schrödinger - éRvin chr(ôê)dingu(é)R Frederick William - frédric u(êi)li(am) Fiedrich Wilhelm - frídri(hsh) víl Rélm Gustav Robert Kirchhoff - gustáf Róbert quir(hsh) Róf Hans Albrecht Bethe - Râns albre(hsh)t bét(é) Immanuel Kant - imanuel cânt James Clerk Maxwell - djêims clérc mács uél John Herschel - (dj)ón RéRchel Louis Victor de Broglie - luí victór d(êû)brói Ludwig Boltzmann - lud vig bôlts mân Max Born - mács bóRn Max Karl Ernst Ludwig Planck - mács kárl éRnst lud vig plânc Michael Faraday - máiquel fáradêi Niels Bohr - n(ie)ls bóR Pierre & Marie Currie - piéR & maRi c(ûi)Ri Thomas Wright - tômaS (u)ráit Werner Karl Heisenberg - véRneR cárl Ráiz(ê)n bérg Sir William Huggins - Sâr u(êi)li(am) R(âoi)guins Wolfgang Pauli - vôlf gáng páuli

Lilia Arany-Prado

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Agradecimentos

Agradeço aos estudantes, pela gratificação no processo de transmitir e discutir algumas aventuras da curiosidade humana. Várias pessoas contribuíram para o resultado final. Gostaria de destacar as sugestões de: François Cuisinier (UFRJ, in memori-am), Jaime F. Villas da Rocha (UNIRIO), Marcio Geimba Maia (MCT/ON), Roberto Vieira Martins (MCT/ON), Augusto Damineli (USP) e Marco Aurélio O. Terra; e algumas correções da equipe da editora DP&A. Entretanto é de minha responsabilidade o texto ora apresentado.

Agradeço ao Walter J. Maciel pela leitura do texto original e pelo Prefácio, que na edição impressa constituiu a orelha do livro.

Agradeço, pelo apoio financeiro à primeira edição impressa, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq).

Agradeço também à direção do Observatório do Valongo (UFRJ), pelo apoio e pela compreensão do tempo despendido na confecção do livro.

Finalmente agradeço aos Arany’s, particularmente aos meus pais Oscar e Tuia (in memoriam) que teriam apreciado mais um resultado dos seus esforços na nossa educação nessa terra que adotaram, e aos amigos que sempre incentivaram e demonstra-ram alegria com as realizações.