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Políticas públicas de atenção à infância e à juventude e a lei municipal
Márcio Rogério de Oliveira1 I – Introdução
Desde o Período Colonial e até a promulgação da Lei Federal n. 8069/90 –
Estatuto da Criança e do Adolescente, o Brasil pautou-se por uma visão intervencionista,
assistencialista e excludente em relação às ações direcionadas a crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social, baseada no pressuposto de que as ações do Estado e da
Sociedade se justificavam, basicamente, em situações de “abandono” e “delinqüência”.
No Brasil Colônia, as instituições de assistência em geral eram ligadas à Igreja.
Data de 1551 a fundação, pelos Jesuítas, da primeira casa de recolhimento de crianças, com o
objetivo de isolar crianças índias e negras da “má influência” dos pais. No Século XVIII, o
abandono de crianças já era prática comum nas portas de igrejas, conventos, residências e nas
ruas (principalmente crianças ilegítimas e filhos de escravos), datando dessa época a primeira
ação pública do Estado no campo da assistência social, consistente na criação da primeira “casa
dos expostos”, em 1726, na Bahia. Tratava-se de uma instituição assistencial onde havia uma
espécie de roleta, onde as crianças – pobres, “ilegítimas” ou indesejadas - eram deixadas sem
que se pudesse identificar quem as abandonava.
Na passagem do Século XIX para o Século XX, o crescimento demográfico -
associado ao contingente de ex-escravos que não conseguia se incluir no mercado de trabalho -
gerou um grande número de crianças abandonadas pelas ruas das cidades, sem qualquer tipo de
assistência pública. A população brasileira deu um salto de 10 para 30 milhões de habitantes,
51% dos quais na faixa etária abaixo dos 19 anos de idade. No plano internacional, cada vez
mais se firmava na Europa o pensamento dos educadores que defendiam o investimento na
infância como fator de transformação social, gerando um contexto em que o País não mais
1 Promotor de Justiça junto à Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte e com atuação junto ao Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público de Minas Gerais
poderia ignorar a necessidade de uma política pública de atenção à infância, inclusive com o
surgimento de movimentos populares liderados por médicos higienistas e juristas que cobravam
do Estado uma assistência pública para as crianças abandonadas e delinqüentes. Nascia, desta
forma, o discurso de que “era preciso salvar a infância para salvar o País”, mas a estratégia
adotada para alcançar este desiderato, baseada numa visão de ordem e higiene, tinha como eixo
central a segregação da infância pobre em instituições. Em 1906, acentuou-se a visão repressiva
em relação aos “menores delinqüentes”, com a abertura de novas casas de recolhimento: escolas
de prevenção (para menores em abandono), escolas de reforma e colônias correcionais (para
menores em conflito com a lei).
Entre 1910 e 1930, movimentos internacionais e discussões internas levaram à
construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinqüência.
Em 1927, foi aprovado o primeiro Código de Menores do Brasil, conhecido como Código Mello
Matos. Com medidas assistenciais e preventivas, permitia que o Juiz de Menores exercesse toda
a sua autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância. Havia uma
consciência geral de que o Estado tinha o dever de “proteger” os menores, ainda que suprimindo
suas garantias. Era a fase da criminalização da infância pobre. Delineava-se a Doutrina da
Situação Irregular.
Com a Constituição de 1937, sensível às lutas pelos direitos humanos, buscou-
se ampliar o horizonte social da infância e da juventude, bem como dos setores mais carentes da
população. Em 1941, com a boa intenção de promover uma política de “bem-estar”, surgiu o
SAM - Serviço de Assistência ao Menor, instituído pelo Decreto-Lei n. 3.799, com o objetivo de
sempre: atender menores delinqüentes e desvalidos.
O SAM caracterizou-se pelo acirramento da cultura da internação com quebra
dos vínculos familiares. A preocupação era correcional e não afetiva. Logo surgiram problemas
de superlotação, desvios de verbas, ensino precário, maus tratos e abusos de toda ordem contra os
internos, a ponto de o serviço ficar conhecido como “sucursal do inferno”. Severas críticas
levaram à sua extinção em 1964, pela Lei n. 4.513, que criou a FUNABEM – Fundação Nacional
do Bem-Estar do Menor, encarregada da execução da chamada Política Nacional do Bem-Estar
do Menor (PNBEM), cujos braços estaduais eram as FEBEM’s.
Contudo, a FUNABEM e as FEBEM’S, sob a batuta do Governo Militar,
seguiram o mesmo modelo de gestão centralizadora e verticalizada que caracterizou o SAM.
Mantiveram a mesma cultura segregadora e preconceituosa. “Menores” abandonados e infratores
de todo gênero continuaram recebendo o mesmo tratamento: internação.
Na década de 70, novos debates exigiam a reforma ou criação de uma nova
legislação menorista, culminando com a publicação da Lei Federal n. 6.695, de 10 de outubro de
1979, instituindo o Novo Código de Menores, que trouxe alguns avanços, mas na essência
acabou mantendo as linhas básicas da PNBEM (inclusive recepcionando a FUNABEM) e ainda
reconheceu expressamente a “doutrina da situação irregular”.
Felício Pontes Júnior assinala que essa política, desenvolvida com base na
diretriz centralizadora da ditadura militar, realizou um verdadeiro controle social de crianças
e adolescentes que não tinham seus direitos respeitados. Como exemplo desse controle social
tem-se a cassação do pátrio poder e a imposição de medida privativa de liberdade a crianças e
adolescentes em risco pessoal e social, sem tempo e condições determinados; limitação da
participação sobre o tema da infância e da juventude à autoridade policial, administrativa e
judicial; etc. 2 .
A rigor, o Código de 1979 simplesmente não conseguiu romper com os
paradigmas que nortearam toda a legislação menorista que o precedeu. Conferia poderes quase
ilimitados ao Juiz de Menores e manteve o intervencionismo arbitrário, a cultura de internação e
o desprezo à convivência familiar. Crianças e adolescentes pobres – abandonados, negligenciados
e/ou infratores - continuaram sendo vistos como um “perigo à sociedade” e institucionalizados
indiscriminadamente. A pretexto de “proteção”, a infância pobre continuou sendo tratada com
2 JÚNIOR, Felício Pontes. Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, Série Direitos da Criança n. 3., Malheiros Editores, São Paulo, 1983
autoritarismo e oficialmente negligenciada em relação a muitos direitos humanos básicos e
universais. Crianças e adolescentes eram meros objetos da intervenção estatal, pessoas às quais
não se reconhecia a condição de sujeitos de direitos.
II – A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente:
novos paradigmas
Na década de 80, uma conjugação de diversos fatores políticos e sociais ensejou
o surgimento de um grande movimento nacional pela redemocratização e pela implantação de
políticas públicas capazes de solucionar a grave crise econômica então vigente, bem como as
mazelas sociais decorrentes da má distribuição de renda no Brasil. As crianças e adolescentes
eram as mais frágeis vítimas de tal realidade, à mercê de uma legislação menorista equivocada.
Com o processo de abertura política iniciado na segunda metade da década de
70, veio a recuperação da força dos partidos políticos e a intensificação das manifestações
populares, culminando, em dezembro de 1983, com o fim do regime militar que vigorava desde
o Golpe de 1964 e que tantas ofensas causou às liberdades públicas no Brasil.
Dentre os acontecimentos que precederam a convocação da Assembléia
Nacional Constituinte, através da qual esperavam os brasileiros uma completa reformulação do
ordenamento jurídico e das instituições nacionais, causou especial impacto a divulgação de
chacinas e assassinatos de crianças e adolescentes - que vinham se tornando rotina nas grandes
cidades, não raro pelas mãos de policiais -, gerando indignação internacional em face de tais
atrocidades e dando início a um grande debate nacional, que se expandiu consideravelmente a
partir da repercussão do I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, promovido pelo
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 1986.
O Brasil percebeu que era o momento de reparar uma omissão histórica, pois
jamais uma Constituição Brasileira havia se preocupado em estabelecer os princípios do Direito
do Menor, até então restrito aos limites do Direito de Família ou tratado, esparsamente, em leis
especiais, de cunho infraconstitucional..
Conforme nos lembra Antônio Chaves3, tal negligência foi registrada pelo então
Deputado Federal Nelson Aguiar, em discurso publicado no Diário do Congresso Nacional de
05.09.1987, observando que o direito da criança está incorporado ao Direito da Família de tal
forma que só possa ser exercido através do pai e da mãe, o que significa dizer que a criança sem
família neste País não tinha direito.
Do mencionado discurso, foi transcrito por Antônio Chaves, em seu
Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o seguinte trecho, que bem representa o
sentimento que moveu a todos que se empenharam na luta pela reformulação da legislação
menorista e pela adoção da Doutrina da Proteção Integral:
"... o menor abandonado pode ser conceituado como aquele para quem a
família não existe mais, a sociedade o marginaliza e o Estado não assume a sua situação. Por
que não faz? Porque não dispomos neste País de nenhum instrumento jurídico-constitucional que
diga que a criança é sujeito de direito e que o Estado deva responder pela garantia desse
direito.
Hoje, aquele menorzinho que está abandonado pelas ruas das pequenas e
grandes cidades deste País não é de ninguém; ninguém é responsável por ele; só depois que ele
pratica algum delito é que a sociedade, encontrando-se incomodada por ele, aciona os seus
mecanismos de controle social, isto é, a Polícia, o Juizado de Menores, as Delegacias de
Menores, as instituições oficiais e particulares, e tira esse menor do seio da sociedade. Com este
ato, a sociedade resolve o seu problema, tirando do seu meio o menor incômodo, mas não
resolve o problema do menor; antes, pelo contrário, agrava-o.
Queremos, pois, que o Estado, de uma vez por todas, afaste-se da solução
desse problema. A solução desse problema tem que ser da sociedade, e o Estado tem que
3 CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª edição, LTR, São Paulo, 1997.
funcionar como um instrumento para o apoio da sociedade, porque a criança não é do Estado: a
criança é da sociedade; a criança, enfim, ela própria, é a sociedade."
Enquanto o Brasil se mobilizava em torno da Assembléia Nacional Constituinte
e da questão do menor, desenvolviam-se, no cenário internacional, significativos avanços no
campo normativo, na esteira da Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959). Assim foi
que, na década de 80, estavam sendo discutidos e vieram a ser aprovados os seguintes
documentos: Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e
Juventude (Regras de Beijing, 1985), Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança (1989), Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de
Liberdade (1990) e Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil
(Diretrizes de Riad, 1990).
Era necessário que a nova Constituição criasse mecanismos eficazes, aptos a
responsabilizar o Estado e a Sociedade pela garantia do direito da criança, independentemente do
pai e da mãe. Seguindo os ditames da normativa internacional, a Sociedade Civil Brasileira,
mobilizada através de suas organizações representativas, encaminhou à Assembléia Nacional
Constituinte a emenda popular "CRIANÇA, PRIORIDADE NACIONAL", que preconizava a
doutrina da proteção integral e foi endossada pelos Constituintes, restando materializada nos
artigos 227, 228 e 229 da Constituição de 1988.
Com efeito, a redação final do caput artigo 227, condensando em seu corpo os
preceitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos da Criança, praticamente resumiu
tudo o que precisava ser dito, a nível de Constituição:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Depois de promulgada a Constituição e sob a bandeira da prioridade absoluta, a
Sociedade Civil manteve seus esforços junto ao Congresso Nacional, visando obter a rápida
regulamentação dos dispositivos constitucionais, através de uma lei específica, que alterasse ou
substituísse o Código de Menores herdado da ditadura. Antônio Chaves assinala que tal esforço
ganhou adesões de peso, sendo formado a nível nacional um grande lóbi, que resultou na
aprovação do ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, Lei n. 8.069, de 13.07.1990,
cujo artigo 1º já anuncia: esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
Estabeleceu-se, desta forma, uma nova ordem jurídica para a infância e a
juventude brasileiras, onde a Constituição Federal define os direitos fundamentais e o ECA,
além de detalhar e especificar esses direitos, inclusive definindo os parâmetros da prioridade
absoluta (Livro I - Parte Geral), cria e regulamenta novos mecanismos políticos, jurídicos e
sociais necessários à sua efetivação, estabelecendo um sistema garantista que compreende, por
exemplo, as diretrizes para elaboração da política de atendimento, a definição das medidas de
proteção e medidas socioeducativas, a delimitação dos papéis do Poder Judiciário, Ministério
Público e advogados e a tipificação de ilícitos penais e administrativos, além de regular
procedimentos diversos afetos à Justiça da Infância e Juventude (Livro II - Parte Especial).
Com a adoção da doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade
absoluta, crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos
exigíveis com base na lei e que devem ser assegurados, com absoluta prioridade, pela família,
pela sociedade e pelo estado. Mais que isso, passaram a ser reconhecidos também como pessoas
em condição peculiar de desenvolvimento, detentoras de direitos especiais, além dos direitos que
têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade.
Outro importante diferencial do Estatuto em relação à política “menorista” é a
preocupação com o respeito ao direito à convivência familiar e comunitária, expresso em
diversos dispositivos. Por exemplo, determina que a falta ou a carência de recursos materiais
(pobreza) não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar, que
somente poderão ser decretadas judicialmente, em procedimento contraditório (arts. 23 e 24).
Não existindo motivo grave que por si só autorize tais medidas, a criança ou adolescente deverá
ser mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas
oficiais de auxílio (parágrafo único do art. 23). E, na aplicação das medidas de proteção, deve-se
levar em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários (art. 100).
O Estatuto também concebeu dois eixos distintos de atendimento para os casos
de ofensa ou ameaça a direitos e de conflito com a lei penal, rompendo com o tratamento
uniforme antes previsto na legislação “menorista” para “carentes”e “delinqüentes”. Isto
significou uma importante mudança de método, conforme percebeu Antônio Carlos Gomes da
Costa4: para os casos de ofensa ou ameaça a direitos, devem ser aplicadas as medidas de
proteção previstas nos artigos 101 e 129; para os casos de ato infracional, são cabíveis as medidas
socioeducativas previstas no artigo 112, eventualmente associadas às medidas de proteção.
III – Democracia participativa, descentralização político-administrativa e
municipalização do atendimento: o fim das políticas verticais e do paternalismo
assistencialista
A Constituição Cidadã de 1988 representa um novo marco jurídico para a
sociedade brasileira, preconizando um modelo mais universalista e igualitário de organização da
proteção social no País. Os equívocos e dificuldades da arraigada tradição centralizadora das
políticas sociais, tais como a escassez ou inexistência de recursos, a desarticulação de programas
e ações e o desvio de recursos, entre outras mazelas, estavam a exigir um modelo que guardasse
mais coerência com um regime que se pretendia democrático.
Sensível a estes anseios, o legislador constituinte estabeleceu como diretriz das
ações governamentais, na área de assistência social, a participação da população, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis (art. 204, inc. II da Carta de 1988), sendo que esta diretriz, por força do mandamento
4
expresso no art. 227, § 7º CF, deve ser aplicada no atendimento aos direitos da criança e do
adolescente.
Desta forma, inaugurou-se um modelo de democracia participativa - e não
meramente representativa - , onde o exercício da cidadania, indo além dos direitos políticos de
votar e ser votado, passou a abranger o poder de influenciar e controlar as decisões
governamentais.
A descentralização político-administrativa também é reconhecida como
diretriz constitucional das ações governamentais na área da assistência social, prevista no inciso I
do mesmo artigo 204 da CF, que propõe uma divisão de responsabilidades entre os diversos entes
federados e as entidades beneficentes e de assistência social: à esfera federal compete a
coordenação e as normas gerais das ações; às esferas estadual e municipal, bem como às
entidades sociais, compete a coordenação e a execução dos respectivos programas.
O Poder Público, a família e a sociedade agora são co-responsáveis pela
garantia, com absoluta prioridade, dos direitos das crianças e adolescentes. Esta idéia de co-
responsabilidade, balizada pelos artigos 204 e 227 da Carta Magna, é reforçada pelo Estatuto em
seu artigo 86, que define a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente como
um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Para orientar esse novo sistema o Estatuto estabeleceu, no art. 88, as seguintes
diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento;
II - a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis,
assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas da
sociedade, segundos leis federal, estaduais e municipais;
III -.....
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;
V - ....
VI - mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação
dos diversos segmentos da Sociedade.
A municipalização é a primeira diretriz da política de atendimento preconizada
pelo ECA.
Municipalizar é permitir, por força da descentralização político-administrativa,
que determinadas decisões políticas e determinados serviços públicos sejam encaminhados e
resolvidos no âmbito do Município, sem excluir a participação e cooperação de outros entes da
Federação (União e Estados) e da sociedade civil organizada.
O município é o ente político-administrativo mais próximo das pessoas e,
justamente por isso, conhece melhor os problemas da comunidade e pode atuar mais
eficientemente para resolvê-los. Assim, ao Governo Federal não é dado executar diretamente
programas de atendimento à criança e ao adolescente e o Governo Estadual executa diretamente
apenas os atendimentos que extrapolam a capacidade do município, suplementando o trabalho
realizado pelo Poder Público Municipal, comunidades e organizações não-governamentais.
Esta proposta de co-responsabilidade e solidariedade entre a Sociedade Civil e
as diversas esferas do Poder Público tornou-se concreta através da criação de espaços
institucionais de participação da sociedade na formulação e controle das políticas de atendimento.
Estes espaços são garantidos, basicamente, através de três importantes mecanismos criados pelo
Estatuto: os conselhos dos direitos da criança e do adolescente e os fundos a eles vinculados, de
existência obrigatória nas esferas federal, estadual e municipal; e os conselhos tutelares, restritos
à esfera municipal.
Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, previstos no inciso II
do artigo 88 do ECA, constituem os mecanismos através dos quais se torna possível à sociedade -
em condições de paridade com o Poder Público – participar da formulação e controle das ações
em todos os níveis. A diretriz da municipalização do atendimento atribui especial importância
ao papel dos Conselhos Municipais dos Direitos, como instâncias de deliberação e controle mais
próximas da população.
Também é função dos Conselhos dos Direitos, nas três esferas de governo, gerir
os fundos especiais a eles vinculados, conforme previsão expressa no inciso IV do artigo 88 do
ECA. Os chamados fundos de defesa dos direitos da criança e do adolescente ou fundos da
infância e juventude (FIA) são uma fonte democrática e complementar de financiamento dos
serviços e programas de atendimento destinados a crianças e adolescentes. Estes fundos são
democráticos porque, de um lado, permitem que pessoas físicas e jurídicas destinem recursos
através de doações, com a garantia de que serão aplicados em benefício da infância e juventude;
e, por outro lado, a própria sociedade, através de seus representantes nos Conselhos dos Direitos,
participa das decisões sobre quais serviços e programas serão beneficiados, definindo prioridades
e fiscalizando a correta aplicação dos recursos. Estes fundos têm natureza complementar porque
não substituem a obrigação dos entes federados de destinar recursos orçamentários específicos e
privilegiados para as ações relacionadas com a proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da
previsão de recursos dos orçamentos públicos para a composição dos próprios FIA’s.
Mas, na sistemática estabelecida pelo ECA, o envolvimento da sociedade na
proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes não se limitou aos Conselhos dos
Direitos. Havia ainda a preocupação com a amplitude dos poderes que a legislação anterior
conferia à autoridade judiciária. O distanciamento dos magistrados em relação à comunidade e a
concentração da autoridade numa única pessoa ainda poderiam ser fatores de equívocos e
distorções indesejáveis, fazendo com que o legislador retirasse uma parcela das atribuições do
juiz e as transferisse para um novo órgão, de natureza colegiada e integrado por cinco cidadãos,
residentes no município e escolhidos pela própria comunidade. Assim foi que, nos artigos 131 e
seguintes, o Estatuto concebeu o Conselho Tutelar, definido como órgão permanente e
autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos
da criança e do adolescente.
IV – Conselhos e Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do
Adolescente e Conselhos Tutelares: uma prática em construção
O ECA, ao conceber os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente
como espaços privilegiados de participação da sociedade na formulação e controle das políticas
de atenção, determinando a obrigatoriedade da criação desses órgãos em todos os níveis da
federação, introduziu uma novidade que iria enfrentar algumas dificuldades para ser assimilada.
É que, historicamente acostumada a um Estado centralizador, autoritário e
paternalista, a sociedade brasileira, de um momento para outro, recebeu a responsabilidade de
dividir com o Poder Público a responsabilidade pela formulação e condução das políticas de
assistência social, significando, ao mesmo tempo, um pesado ônus e um grande privilégio.
Com relação às políticas para a infância e a juventude, os Conselhos dos
Direitos, legalmente, constituem-se nas instâncias legítimas de deliberação e controle nos
diversos níveis. O chefe do Poder Executivo e as instâncias político-partidárias em geral passam
a dividir o poder com as entidades representativas da sociedade que ganham assento nos
Conselhos. A partir do ECA, as políticas definidas unilateralmente pelas esferas tradicionais de
exercício do poder – o prefeito, o governador de estado e o presidente da república – tornam-se
ilegítimas.
Para que estes mecanismos funcionem e cumpram seu papel, é imprescindível
que sejam bem compreendidos pela sociedade e pela classe política em especial. Mas, pelo que
representavam de novidade, era de se esperar que a prática dos conselhos demandasse todo um
processo de construção e amadurecimento, a partir dos requisitos básicos de constituição e
funcionamento definidos no próprio ECA.
A partir de alguns princípios e características fundamentais definidas no ECA,
caberia à União, aos estados e aos municípios, através de leis específicas, a criação e
manutenção de seus respectivos Conselhos dos Direitos. Aos municípios, cabia ainda a obrigação
de criar e fazer funcionar o Conselho Tutelar.
Assim foi que, no início da década de 90, a partir de algumas propostas
pioneiras de leis municipais concebidas à revelia de uma vivência prática anterior, foram
implantados os primeiros Conselhos. Os estados e municípios tinham pressa, pois o parágrafo
único do artigo 261 do Estatuto determinava o seguinte: “a União fica autorizada a repassar aos
estados e municípios, e os estados aos municípios, os recursos referentes aos programas e
atividades previstos nesta Lei, tão logo estejam criados os conselhos dos direitos da criança e do
adolescente nos seus respectivos níveis”. A criação dos Conselhos dos Direitos como condição
para o recebimento de repasses financeiros da União e dos estados levou muitos municípios a
aprovarem leis às pressas, copiando as legislações uns dos outros e sem um processo de
discussão prévia, ampla e democrática. Este açodamento, conjugado com a inexperiência geral,
contribuiu para o surgimento de uma série de dificuldades e questões polêmicas em torno da
criação e funcionamento desses órgãos.
Dez anos foram necessários para que o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente-CONANDA emitisse a Resolução n. 75, de 22/10/2001, propondo
alguns parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares. Tais parâmetros
foram o produto de uma década de práticas controvertidas e distorções promovidas por
legislações municipais desviadas dos ditames do ECA e que feriam o princípio básico da
hierarquia das leis. Posteriormente, em julho e novembro de 2005, o CONANDA emitiria as
Resoluções n. 105 e 106, estabelecendo os parâmetros de criação e funcionamento dos Conselhos
dos Direitos.
Estas resoluções do CONANDA, embora não tenham força de lei, estabelecem
alguns consensos e afastam certas controvérsias que vinham se tornando cada vez mais
recorrentes no dia-a-dia dos Conselhos. São recomendações que, passados 16 anos de vigência do
ECA, podem e devem servir de base para uma reformulação das legislações municipais,
tornando-as mais eficientes enquanto normas estruturadoras das respectivas políticas de
atendimento e fonte de criação e funcionamento dos Conselhos dos Direitos e Tutelares, além dos
fundos municipais.
A partir deste ponto, podemos analisar mais detidamente os requisitos de
constituição e funcionamento dos Conselhos, á luz do disposto no ECA e nas resoluções do
CONANDA, pontuando os aspectos fundamentais que devem ser contemplados – ou evitados -
pelos municípios na elaboração ou revisão das leis que dispõem sobre as respectivas políticas de
atendimento aos direitos de crianças e adolescentes.
V – A lei municipal que dispõe sobre a política de atendimento dos direitos
da criança e do adolescente
V.1 – Das disposições gerais
As diretrizes da descentralização e da municipalização do atendimento exigiram
que os municípios estabelecessem suas próprias redes de atenção aos direitos da criança e do
adolescente, respeitando as disposições da Constituição e do ECA. Era obrigatório criar e fazer
funcionar o Conselho dos Direitos, o Conselho Tutelar e o Fundo Municipal, enquanto pilares
básicos da política municipal, mas também era imperativo implantar os programas e serviços
necessários à efetivação da doutrina da proteção integral, bem como reordenar os programas e
serviços que já existiam, inclusive por força do disposto no parágrafo único do artigo 259 do
ECA: Compete aos estados e municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às
diretrizes e princípios estabelecidos nesta Lei.
Via de regra, em suas disposições iniciais ou gerais (geralmente o capítulo I),
as leis municipais reproduzem as linhas de ação propostas pelo artigo 87 do ECA, explicitando
como se dará o atendimento aos direitos de crianças e adolescentes.
Estas linhas de ação são as seguintes:
I - políticas sociais básicas;
II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Estes programas e serviços de atendimento devem ser adequados para atender
às medidas de proteção previstas no artigo 101, às medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis
(art. 129) e às medidas socioeducativas (art. 112). Desse modo, as linhas de ação previstas nos
incisos III, IV e V podem ser resumidas na lei municipal como serviços e programas especiais,
nos termos desta lei, que ficaria sendo o inciso III.
Mais adiante, deve haver um artigo específico para pontuar os serviços e
programas que devem existir no município.
É importante que a lei municipal defina os serviços/programas de atendimento,
classificando-os como de proteção ou socioeducativos (Res. 105/CONANDA, artigo 2º).
Muitas leis municipais nada mencionam a respeito dos programas de
atendimento socioeducativo em meio aberto - prestação de serviços à comunidade e liberdade
assistida -, destinados a adolescentes autores de ato infracional. No entanto, cada vez mais se
firma a tendência de se atribuir aos municípios a responsabilidade de instituir e manter estes
programas, ao passo que a esfera estadual deve desincumbir-se das medidas socioeducativas
restritivas de liberdade – internação e semiliberdade.
O ECA não atribui estas responsabilidades a qualquer dos entes federados em
particular, valendo a regra geral do artigo 85, ou seja, todas as esferas do Poder Público devem
articular-se entre si e com a sociedade para a implementação da política de atendimento.
Contudo, esta indefinição acaba sendo prejudicial, pois ao invés de articulação o que acaba
ocorrendo é um jogo de empurra, onde cada ente federado atribui ao outro as responsabilidades
que não julga conveniente assumir.
Visando por fim a impasses desta natureza é que vem se firmando o discurso de
que os municípios devem cuidar das medidas de meio aberto e os estados das medidas restritivas
de liberdade, o que, em princípio, parece ser uma divisão justa do atendimento socioeducativo. À
União, caberia o papel de participar do financiamento e estabelecer normas gerais.
É recomendável, portanto, que a lei municipal classifique os programas e/ou
serviços de atendimento como de proteção ou socioeducativos, especificando-os da seguinte
forma, sem prejuízo de outras, conforme a realidade e necessidades de cada município:
a) orientação e apoio sócio-familiar;
b) serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
c) identificação e localização de pais ou responsável, crianças e adolescentes
desaparecidos;
d) proteção jurídico-social;
e) colocação familiar;
f) abrigo;
g) prevenção e tratamento especializado a crianças e adolescentes, pais e
responsáveis usuários de substâncias psicoativas.
h) atendimento sócio-educativo em meio aberto, nas modalidades de liberdade
assistida e prestação de serviços à comunidade.
Geralmente, as leis municipais apresentam um dispositivo específico definindo,
como órgãos da política de atendimento, o Conselho Municipal dos Direitos, o Conselho Tutelar
e o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Finalizando esta parte introdutória, deve constar dispositivo atribuindo ao
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – enquanto responsável por
deliberar sobre a política de atendimento - o poder de expedir as normas gerais para a
organização, bem como para a criação dos programas e serviços acima mencionados.
V.2 – Do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
O Conselho dos Direitos precede o Conselho Tutelar e o Fundo Municipal.
Grande parte das legislações municipais limitam-se a:
• Um artigo criando e conceituando o Conselho dos Direitos;
• Um artigo definindo a composição do órgão;
• Um artigo definindo as funções (atribuições) do órgão.
Quanto a estes aspectos básicos, é imprescindível:
• Respeitar o conceito estabelecido no artigo 88, inciso II do ECA;
• Ao definir a composição, respeitar o princípio da paridade, no sentido
de que o número de conselheiros que representam o Poder Público deve
ser igual ao número de conselheiros que representam as entidades da
sociedade civil;
• Dizer expressamente que a função não pode ser remunerada e é
considerada de interesse público relevante (artigo 89 do ECA);
• Ao definir as atribuições, devem constar da lei municipal – além de
outras funções relacionadas ao papel de articulação, deliberação e
controle da política de atendimento - as funções preestabelecidas no
ECA, a saber:
� Inscrição e registro dos programas de atendimento mantidos
pelas entidades governamentais e não-governamentais, bem
como de suas alterações, na forma do parágrafo único do artigo
90;
� Registro das entidades não-governamentais, na forma do artigo
91;
� Coordenação e condução do processo de escolha dos membros
do Conselho Tutelar, na forma do artigo 139;
� Gerir o fundo municipal, fixando os critérios de utilização, através de
planos de aplicação das doações subsidiadas e demais receitas, aplicando
necessariamente percentual para incentivo ao acolhimento, sob a forma de
guarda, de criança ou adolescente, órfão ou abandonado, na forma do disposto
no art. 227, § 3º, VI, da Constituição Federal.
Equívocos e omissões comuns (e graves) em muitas leis municipais, no que se
refere à composição do Conselho dos Direitos:
• Não especificação das secretarias ou departamentos municipais que
irão compor o órgão;
• Indicação expressa e indevida das entidades não-governamentais
que irão compor o órgão, subtraindo o direito de livre escolha das
entidades representativas da sociedade;
• Não indicação da forma em que deve se dar o processo de escolha
(ou indicação) das entidades representativas da sociedade.
Aspectos considerados importantes nos parâmetros definidos pelo
CONANDA (Res. 105 e 106) e não contemplados em muitas leis municipais:
Quanto à estrutura de funcionamento do Conselho dos Direitos
• Dispositivo reconhecendo que as decisões tomadas pelo Conselho
dos Direitos da Criança e do Adolescente, no âmbito de suas
atribuições e competências, vinculam as ações governamentais e da
sociedade civil organizada em respeito aos princípios
constitucionais da participação popular e da prioridade absoluta à
criança e ao adolescente;
• Dispositivo prevendo o custeio ou reembolso das despesas
decorrentes de transporte, alimentação e hospedagem dos membros
do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, titulares ou
suplentes, para que se façam presentes às reuniões ordinárias e
extraordinárias, bem como a eventos e solenidades nos quais
representarem oficialmente o Conselho, para o que haverá dotação
orçamentária específica;
• Dispositivo prevendo o fornecimento, pela administração
municipal, dos recursos humanos e estrutura técnica, administrativa
e institucional necessários ao adequado e ininterrupto
funcionamento do Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente, devendo para tanto instituir dotação orçamentária
específica sem ônus para o Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente (inclusive contemplando os recursos necessários ao
custeio das atividades desempenhadas pelo Conselho dos Direitos
da Criança e do Adolescente e das despesas com capacitação dos
conselheiros);
• Dispositivo prevendo o fornecimento de espaço físico adequado
para o funcionamento do Conselho dos Direitos, dotado de todos os
recursos necessários ao seu regular funcionamento.
Quanto à publicidade dos atos deliberativos
• Dispositivo determinando a publicação dos atos deliberativos dos
Conselhos dos Direitos nos órgãos oficiais e/ou na imprensa local,
seguindo as mesmas regras para publicação dos demais atos do
Executivo.
Quanto à composição e mandato dos representantes do governo
• Dispositivo indicando que a ala governamental será composta de
representantes das secretarias de saúde, educação, assistência
social, finanças e planejamento, com prioridade (um representante
para cada área);
• Dispositivo prevendo que para cada titular haverá um suplente, que
substituirá aquele em caso de ausência ou impedimento, de acordo
com o que dispuser o regimento interno do Conselho dos Direitos;
• Dispositivo obrigando o chefe do Poder Executivo a indicar os
representantes do governo no prazo máximo de 30 (trinta) dias após
a sua posse, através de ato administrativo designatório formal;
• Dispositivo obrigando o chefe do Poder Executivo a indicar novo
representante, no prazo máximo da assembléia ordinária
subseqüente ao afastamento do conselheiro anterior.
Quanto à composição e mandato dos representantes da sociedade
civil
• Dispositivo limitando a participação no processo de escolha às
organizações da sociedade civil constituídas há pelo menos dois
anos com atuação no âmbito territorial do município;
• Dispositivo estabelecendo a forma do processo de escolha dos
representantes da sociedade civil junto ao Conselho dos Direitos,
nos seguintes termos:
a) convocação do processo de escolha pelo conselho em até 60
dias antes de término do mandato;
b) Designação de uma comissão eleitoral composta por
conselheiros representantes da sociedade civil para organizar
e realizar o processo eleitoral;
c) O processo de escolha dar-se-á exclusivamente através de
assembléia especifica.
d) O Ministério Público deverá ser solicitado para acompanhar
e fiscalizar o processo eleitoral dos representantes das
organizações da sociedade civil.
• Dispositivo prevendo que o mandato pertence à organização da
sociedade civil eleita (e não à pessoa que irá representá-la), que
indicará um de seus membros para atuar como seu representante;
• Dispositivo proibindo a indicação de nomes ou qualquer outra
forma de ingerência do Poder Publico sobre o processo de escolha
dos representantes da sociedade civil;
• Dispositivo estabelecendo que o mandato dos representantes da
sociedade civil junto aos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente deve ser de 02 (dois) anos.
• Dispositivo estabelecendo os critérios de reeleição da organização
da sociedade civil à sua função, devendo em qualquer caso
submeter-se a nova eleição, vedada a prorrogação de mandatos ou a
recondução automática.
Quanto às hipóteses de impedimentos, cassação e perda do mandato
A função de conselheiro municipal dos direitos da criança e do adolescente,
embora não seja remunerada, é considerada pelo artigo 89 do ECA como serviço público
relevante e pressupõe alguns requisitos para que se já exercida.
De acordo com os parâmetros do CONANDA, o conselheiro deve ter
compromisso com os seguintes princípios éticos:
� reconhecimento da liberdade, igualdade e dignidade humana como
valores supremos de uma sociedade pluralista, justa, democrática e
solidária;
� defesa intransigente dos direitos humanos como universais,
indivisíveis e interdependentes, e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
� reconhecimento da democracia enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
� empenho na eliminação de todas as formas de preconceito e
discriminação, incentivando a promoção do respeito à diversidade;
� compromisso com o constante processo de formação dos membros
do Conselho;
� ter disponibilidade tanto pessoal quanto institucional para o
exercício dessa função de relevância pública e estar em exercício de
função ou cargo que disponha de condições legais para tomada de
decisão, bem como ter acesso a informações referentes aos órgãos
públicos ou organizações da sociedade civil que representa.
A responsabilidade no exercício da função de natureza pública deve ser
exigida dos conselheiros municipais, mas as legislações da maioria dos municípios não prevêem
hipóteses e mecanismos que possibilitem a suspensão ou perda do mandato de conselheiros que
não se mostram à altura da função ou têm conduta incompatível com seu exercício. Em função
desta lacuna, é comum a desarticulação e inoperância dos Conselhos dos Direitos, cujos
integrantes deixam de comparecer às reuniões ordinárias e não se sujeitam a qualquer
conseqüência.
Outra situação bastante comum é a indicação de pessoas que exercem outras
funções públicas como representantes da Sociedade Civil, desequilibrando em alguma medida o
princípio da paridade ou comprometendo, de qualquer modo, o livre desempenho da função de
conselheiro.
No intuito de prevenir estas situações, o CONANDA recomenda que não
devem compor os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente (Res. 105 e 106):
I- Os integrantes dos Conselhos de políticas públicas (saúde, educação e assistência social);
II- Representantes de órgão de outras esferas governamentais (por ex: vereadores);
III- Ocupantes de cargo de confiança e/ou função comissionada do poder publico na qualidade de representante de organização da sociedade civil;
IV- Conselheiros Tutelares no exercício da função.
Também devem ser impedidos de compor os Conselhos dos Direitos da
Criança e do Adolescente a autoridade judiciária, legislativa e o representante do Ministério
Publico e da Defensoria Pública com atuação na área da criança e do adolescente ou em exercício
na comarca.
A lei municipal ainda deve dispor sobre as situações em que os
representantes do governo e das organizações da sociedade civil terão seus mandatos suspensos
ou cassados, principalmente quando:
I - for constatada a reiteração de faltas injustificadas às sessões
deliberativas do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente;
II - for determinado, em procedimento para apuração de irregularidade em
entidade de atendimento, conforme artigos 191 a 193, da Lei nº 8.069/90; a suspensão cautelar
dos dirigentes da entidade, conforme art.191, parágrafo único, da Lei nº 8.069/90; ou aplicada
alguma das sanções previstas no art. 97, do mesmo Diploma Legal;
III - for constatada a prática de ato incompatível com a função ou com os
princípios que regem a administração pública, estabelecidas pelo art.4º, da Lei nº 8.429/92.
O CONANDA ressalva que a cassação do mandato dos representantes do
governo e das organizações da sociedade civil junto aos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente, em qualquer hipótese, demandará;
a) instauração de procedimento administrativo específico, no qual se
garanta o contraditório e a ampla defesa
b) a decisão deve ser tomada por maioria absoluta dos votos dos
componentes do conselho.
Estas são formalidades que devem necessariamente constar da lei
municipal, de modo a deixar bem definido o caminho a ser adotado para a suspensão ou perda de
mandato dos conselheiros.
Quanto ao funcionamento do Conselho dos Direitos: o regimento
interno
As funções de deliberar e controlar as ações destinadas ao atendimento e
garantia dos direitos de crianças e adolescentes pressupõe uma série de atividades complexas, que
demandam certo grau organização para que possam ser realizadas. Para deliberarem sobre as
políticas prioritárias, os conselheiros precisam conhecer a realidade local em todas as suas
peculiaridades, e isto implica conhecer uma variedade de questões e informações: indicadores
sócio-econômicos do município, programas e serviços existentes, carências que afetam mais
gravemente a população infanto-juvenil e o que tem sido feito para solucioná-las, nas áreas de
saúde, educação, assistência social, segurança, cultura, esporte e lazer. A formalização das
políticas propostas deve constar de um plano de ação, a ser elaborado a partir do diagnóstico
local. Por outro lado, a função de controlar as ações envolve participação na elaboração das leis
orçamentárias e o monitoramento da execução dos orçamentos. É preciso cuidar para que as
deliberações do Conselho sejam acatadas pelo Poder Executivo e incorporadas no orçamento, de
forma privilegiada, conforme determina o artigo 4º do ECA. Depois, há de se exigir a execução
do orçamento, de modo que os programas e serviços previstos sejam efetivamente implementados
e não fiquem apenas no papel.
Assim é que, enquanto colegiado, o Conselho dos Direitos deve manter uma
organização interna que contemple uma diretoria-executiva e mecanismos que possibilitem a
divisão de tarefas entre os conselheiros, além de uma sistematização eficiente quanto à
periodicidade e dinâmica das reuniões e processos decisórios do órgão.
O trabalho dos Conselhos dos Direitos estrutura-se em comissões temáticas
paritárias, encarregadas de preparar e analisar as matérias que serão apreciadas na plenária. Face
à sua natureza apenas auxiliar, não substituem as reuniões plenárias, que é o foro onde deverão
ser tomadas todas as decisões. Estas comissões temáticas podem ter caráter permanente ou
temporário e devem tratar de temas como políticas básicas, proteção especial, orçamento e fundo,
comunicação, articulação e mobilização etc., devendo ser compostas por no mínimo 04 (quatro)
conselheiros, observada a paridade entre representantes do governo e da sociedade civil.
Esta organização interna deve estar bem definida no regimento interno do
Conselho, documento que bitolará o funcionamento do órgão e que, portanto, deve ser muito
bem elaborado. Cabe ao próprio Conselho dos Direitos, em sua primeira composição, elaborar e
aprovar o seu regimento, respeitando as disposições da lei municipal e do ECA. A Res. 105 do
CONANDA recomenda que o regimento interno deve contemplar os seguintes aspectos
principais:
a) a estrutura funcional mínima composta por plenário, presidência,
comissões e secretaria, definindo suas respectivas atribuições;
b) a forma de escolha dos membros da presidência do Conselho dos
Direitos da Criança e do Adolescente, assegurando a alternância entre
representantes do governo e da sociedade civil organizada;
c) a forma de substituição dos membros da presidência na falta ou
impedimento dos mesmos;
d) a forma de convocação das reuniões ordinárias e extraordinárias dos
Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, com comunicação
aos integrantes do órgão, titulares e suplentes, de modo que se garanta a
presença de todos os seus membros e permita a participação da
população em geral;
e) a forma de inclusão das matérias em pauta de discussão e deliberações
com a obrigatoriedade de sua prévia comunicação aos conselheiros;
f) a possibilidade de discussão de temas que não tenham sido previamente
incluídos em pauta;
g) o quorum mínimo necessário à instalação das sessões ordinárias e
extraordinárias do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente;
h) as situações em que serão exigidas o quorum qualificado, discriminando
o referido quorum para tomadas de decisões;
i) a criação de comissões e grupos de trabalho que deverão ser compostas
de forma paritária;
j) a forma como ocorrerá a discussão das matérias colocadas em pauta;
k) a forma como se dará à participação dos presentes à assembléia
ordinária (incluindo representantes de entidades não integrantes do
CMDCA, bem como dos cidadãos em geral presentes à reunião);
l) a garantia de publicidade das assembléias ordinárias, salvo os casos
expressos de sigilo (as reuniões possuem caráter público e devem
permitir o acesso de qualquer pessoa interessada, ressalvados os casos
específicos em que haja necessidade de sigilo para proteção do interesse
superior da criança e do adolescente);
m) a forma como serão efetuadas as deliberações e votações das matérias
com a previsão de solução em caso de empate;
n) a forma como será deflagrado e conduzido o procedimento
administrativo com vista à exclusão da organização da sociedade civil
ou de seu representante quando da reiteração de faltas injustificadas e/ou
prática de ato incompatível com a função, nos moldes da legislação
específica;
o) a forma como será deflagrada a substituição do representante do órgão
público quando se fizer necessário.
Além dos aspectos acima mencionados, também será salutar que a lei
municipal indique os seguintes pontos adicionais:
p) as hipóteses de impedimentos para participação das entidades e/ou dos
conselheiros comissões e deliberações do Órgão;
q) a forma como serão analisados os pedidos de cadastro dos programas de
atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias em
execução no município, bem como as entidades não governamentais que
pretendam atuar na área, tudo ex vi do disposto nos arts.90, parágrafo
único e 91, ambos da Lei nº 8.069/90.
r) comissões temáticas em caráter permanente ou temporário, para análise
prévia de temas específicos, como políticas básicas, proteção especial,
orçamento e fundo, comunicação, articulação e mobilização etc., que
deverão ser compostas de no mínimo 04 (quatro) conselheiros, observada
a paridade entre representantes do governo e da sociedade civil.
As disposições do artigo 14 da Resolução nº 105/2005 do CONANDA e
demais pontos acima sugeridos visam garantir o funcionamento democrático dos Conselhos, os
princípios da colegialidade e da representatividade, evitando o arbítrio. Portanto, é recomendável
que a lei municipal que cria o Conselho dos Direitos contenha uma seção ou capítulo dispondo
sobre os aspectos básicos que deverão constar do regimento interno do órgão, conforme acima
indicados.
Quanto ao registro das entidades e programas de atendimento
Na forma do disposto nos artigos 90, parágrafo único e 91, da Lei nº
8.069/90, cabe ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente efetuar:
a) o registro das organizações da sociedade civil sediadas em sua base
territorial que prestem atendimento a crianças, adolescentes e suas
respectivas famílias, executando os programas a que se refere o art.90,
caput e no que couber as medidas previstas nos artigos 101, 112 e 129,
todos da Lei nº 8.069/90;
b) a inscrição dos programas de atendimento a crianças, adolescentes e
suas respectivas famílias, em execução na sua base territorial por
entidades governamentais e das organizações da sociedade civil.
O cadastro de programas e entidades é fundamental não apenas para o
conhecimento da rede de atendimento local, mas também para o exercício eficiente das funções
de deliberação e controle das políticas, facilitando o seu reordenamento. Ao analisar cada pedido
de registro, o Conselho dos direitos deve verificar a conformação da entidade ou programa aos
princípios e regras previstos no ECA. Com efeito, o parágrafo único do artigo 91 do Estatuto
determina o seguinte:
Será negado o registro à entidade que:
a) não ofereça instalações físicas em condições adequadas de
habitabilidade, higiene, salubridade e segurança;
b) não apresente plano de trabalho compatível com os princípios desta
Lei;
c) esteja irregularmente constituída;
d) tenha em seus quadros pessoas inidôneas.
É importante que a lei municipal disponha sobre os requisitos e
procedimentos básicos para o registro de programas e entidades, bem como assegure a
atualização periódica do cadastro. Para tanto, de acordo com a Res. 105/CONANDA, a lei
municipal deve conter:
• Dispositivo prevendo o recadastramento periódico das entidades e
dos programas em execução, no máximo a cada 02 (dois) anos,
certificando-se de sua contínua adequação à política de promoção
dos direitos da criança e do adolescente traçada pelo Conselho dos
direitos;
• Dispositivo prevendo a emissão de resolução pelo Conselho dos
Direitos, indicando a relação de documentos a serem fornecidos pela
entidade para fins de registro, considerando o disposto no art. 91 da
lei 8.069/90;
• Dispositivo esclarecendo que os documentos a serem exigidos
visarão exclusivamente comprovar a capacidade da entidade em
garantir a política de atendimento compatível com os princípios do
Estatuto da Criança e do Adolescente;
• Dispositivo prevendo que será negado registro à entidade nas
hipóteses relacionadas pelo art.91, parágrafo único, da Lei nº
8.069/90 e em outras situações definidas pela mencionada resolução
do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente;
• Dispositivo prevendo que será negado registro e inscrição do
programa que não respeite os princípios estabelecidos pela Lei nº
8.069/90 e/ou seja incompatível com a política de promoção dos
direitos da criança e do adolescente traçada pelos Conselhos
Municipal e Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente;
• Dispositivo prevendo que o Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente não concederá registro para funcionamento de
entidades ou inscrição de programas que desenvolvam, apenas,
atendimento em modalidades educacionais formais de educação
infantil, ensino fundamental e médio.
• Dispositivo prevendo que, verificada a ocorrência de alguma das
hipóteses previstas nos itens anteriores, poderá ser a qualquer
momento cassado o registro originalmente concedido a entidade ou
programa, comunicando-se o fato à autoridade judiciária, ao
Ministério Público e Conselho Tutelar.
• Dispositivo estabelecendo que, em sendo constatado que alguma
entidade ou programa esteja atendendo crianças ou adolescentes sem
o devido registro no Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente, deverá o fato ser levado ao conhecimento da
autoridade judiciária, do Ministério Público e do Conselho Tutelar,
para a tomada das medidas cabíveis, na forma do disposto nos
artigos 95, 97 e 191 a 193, todos da Lei nº 8.069/90.
• Dispositivo prevendo que o Conselho dos Direitos deverá expedir
ato próprio dando publicidade ao registro das entidades e programas
que preencherem os requisitos exigidos, sem prejuízo de sua
imediata comunicação ao Juízo da Infância e Juventude e Conselho
Tutelar, conforme previsto nos artigos 90, parágrafo único e 91,
caput, da Lei nº 8.069/90.
A lei municipal, caso opte por indicar os documentos ou requisitos para o
deferimento do registro de programa ou entidade de atendimento, poderá exigir o seguinte, por
exemplo:
a) estatutos e demais documentos comprobatórios da regular constituição
como pessoa jurídica, com indicação do CNPJ;
b) cópia da ata de eleição e posse da atual diretoria;
c) relação nominal e documentos comprobatórios da identidade e
idoneidade de seus dirigentes e funcionários;
d) documentos comprobatórios da habilitação profissional de seus dirigentes
e funcionários;
e) atestados, fornecidos pelo Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária ou
órgãos públicos equivalentes, relativos às condições de segurança,
higiene e salubridade;
f) descrição detalhada da proposta de atendimento e do programa que se
pretende executar, com sua fundamentação técnica, metodologia e forma
de articulação com outros programas e serviços já em execução;
g) relatório das atividades desenvolvidas no período anterior ao
recadastramento, com a respectiva documentação comprobatória;
h) prestação de contas dos recursos recebidos nos 02 (dois) anos anteriores
ou desde o último recadastramento, com a indicação da fonte de receita e
forma de despesa.
Além dos aspectos acima mencionados, deverá a lei municipal indicar o
órgão ou secretaria municipal à qual o Conselho dos Direitos ficará vinculado, geralmente
gabinete do prefeito, a secretaria de planejamento, fazenda ou finanças ou a secretaria de ação
social. Esta indicação pode ser inserida como parágrafo junto ao artigo que cria o Conselho dos
Direitos ou nas disposições finais da lei.
Outro aspecto importante é a obrigação de, a cada ano, o Conselho dos
Direitos encaminhar ao Poder Executivo um plano de ação, propondo as ações que considerar
prioritárias para execução no exercício seguinte e que, portanto, deverão ser incluídas no
orçamento municipal.
A respeito do plano de ação, vale transcrever o que diz o anexo à Res.
106/CONANDA: até junho de cada ano deve-se implementar a elaboração do plano de ação
anual contendo as estratégias, ações de governo e programas de atendimento a serem
implementados, mantidos e/ou suprimidos pelo ente federado ao qual o Conselho estiver
vinculado administrativamente, que deverá ser encaminhado para inclusão, no momento
oportuno, nas propostas do PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) e
LOA (Lei Orçamentária Anual) elaborados pelo Executivo e aprovados pelo Poder Legislativo.
Cabe ainda à administração pública local, por intermédio do órgão de planejamento e sob
estrito acompanhamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, incorporar as
metas definidas no plano de ação anual e na previsão orçamentária dos diversos órgãos e
setores responsáveis por sua posterior execução, que deverão ser incluídas na Proposta de Lei
Orçamentária Anual, observado o caráter prioritário e preferencial, conforme o que dispõe o
art. 227, caput, da Constituição Federal combinado com o art. 4º, parágrafo único, alíneas “c” e
“d”, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O dispositivo determinando a apresentação anual do plano de ação, até o
mês de junho, poderá constar das disposições finais da lei municipal.
V.3 – Do Conselho Tutelar
Em seu artigo 131 e seguintes, O ECA conceitua o Conselho Tutelar e
estabelece algumas regras básicas para o exercício da função e o funcionamento do órgão.
Ao Conselho Tutelar foi destinada a missão de atuar como uma espécie de
"anjo da guarda" das crianças e adolescentes, agindo concretamente toda vez que tiver notícia de
violação ou ameaça de violação aos seus direitos, sem prejuízo de ações de caráter geral e
preventivo.
Esse "agir concretamente" significa lidar diretamente com as crianças,
adolescentes e suas famílias, fazer averiguações, comparecer ao local dos fatos, aplicar as
medidas de proteção e requisitar atendimento em serviços públicos, enfim, tomar providências
concretas para fazer cessar a violação ou ameaça de violação de direitos.
No caso de inexistência ou funcionamento deficiente do Conselho Tutelar,
é inevitável que muitos casos venham aportar no Judiciário, onde o Juiz não dispõe de tempo e
tampouco estrutura para atender diretamente à demanda que deveria ser absorvida por um órgão
natural, isso sem falar na odiosa dificuldade de acesso à Justiça em nosso País. Pior que isso, a
inexistência ou deficiência da instância local encarregada de receber denúncias e assegurar
proteção limita a capacidade de detecção de muitos de violação ou ameaça a direitos de crianças
e adolescentes, mantendo-as em desamparo.
Poder contar com os serviços e proteção do Conselho Tutelar é um direito
de toda criança e adolescente. E, para que o órgão seja estruturado para funcionar à altura de suas
graves atribuições, é imprescindível que a lei municipal que o cria observe o regramento contido
no ECA e nas recomendações da Res. 075/CONANDA e respectivo anexo.
Conceito, atributos fundamentais e aspectos básicos do regramento do
Conselho Tutelar na lei municipal
Nas leis municipais em geral, o primeiro artigo da seção ou capítulo
destinado ao Conselho Tutelar refere-se à criação e definição do órgão, devendo respeitar
integralmente a definição contida no artigo 131 do ECA: o Conselho Tutelar é órgão permanente
e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos
direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. Esta definição se completa com o artigo
132, estabelecendo que o Conselho Tutelar deve ser composto de cinco membros, escolhidos pela
comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução.
Com relação a estes aspectos iniciais, são comuns nas legislações
municipais algumas distorções e omissões, por exemplo:
• Criação de Conselho Tutelar composto de apenas 03 (três) membros,
ferindo a determinação da Lei Federal, que é de 05 (cinco) membros,
nem mais e nem menos (consta do anexo à Res. 075/CONANDA: o
Conselho Tutelar é um órgão colegiado e somente como tal pode
funcionar. O número legal de Conselheiros Tutelares estabelecido
pelo art.132 da Lei nº 8.069/90, é de 05 (cinco), não havendo que se
falar em “máximo” ou “mínimo” a permitir o funcionamento do
Órgão. Caso algum dos Conselheiros Tutelares se afaste ou seja
afastado de suas atribuições, seja qual for a razão, deverão os
suplentes assumir de imediato, de modo que seja mantida a
composição legal do Órgão).
• Delegação de poderes ao Prefeito Municipal, ao Conselho dos
Direitos ou outros órgãos/entidades para indicarem os membros do
Conselho Tutelar, afrontando a regra que determina o processo de
livre escolha através da comunidade local, mediante voto direto,
secreto e facultativo de todos os cidadãos maiores de dezesseis anos
do município, em processo regulamentado e conduzido pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que
também ficará encarregado de dar-lhe a mais ampla publicidade,
sendo fiscalizado, desde sua deflagração, pelo Ministério Público.
(artigo 9º da Res. 075/CONANDA);
• Previsão do processo de escolha por via indireta, através de um
colegiado composto de delegados indicados pelas entidades
representativas da sociedade;
• Falta de esclarecimento ou previsão incorreta quanto ao direito de
recondução, que deve consistir no direito do Conselheiro Tutelar de
concorrer ao mandato subseqüente, em igualdade de condições com
os demais pretendentes, submetendo-se ao mesmo processo de
escolha pela sociedade, vedada qualquer outra forma de recondução
(não pode haver possibilidade de recondução automática por ato do
prefeito municipal, do Poder Legislativo ou do Conselho dos
Direitos).
• Não indicação do local, dia e horário de funcionamento do Conselho
Tutelar (estas informações devem ser expressamente definidas na lei
municipal, conforme manda o artigo 134 do EC); o CONANDA
entende que o funcionamento do Conselho Tutelar deve respeitar o
horário comercial durante a semana, assegurando-se um mínimo de
8 horas diárias para todo o colegiado e rodízio para o plantão, por
telefone móvel ou outra forma de localização do Conselheiro
responsável, durante a noite e final de semana;
• Não previsão do regime de plantão a ser cumprido durante a noite,
finais de semana e feriados, mediante rodízio entre os conselheiros
na própria sede do Conselho Tutelar, por telefone móvel ou outra
forma de localização do conselheiro responsável;
• Falta de previsão da forma de convocação dos suplentes, em caso de
renúncia, abandono, perda de mandato ou afastamento temporário de
conselheiro titular;
• Não previsão de remuneração (subsídios) para os membros titulares
do Conselho Tutelar ou previsão de remuneração facultativa na lei
municipal (embora o art. 134 do Eca disponha que a remuneração
será eventual, ou seja, facultativa, certo é que, na prática, o Conselho
Tutelar não remunerado não tem condições de cumprir
satisfatoriamente as suas funções, uma vez que seus membros não
poderão se dedicar exclusivamente à função; é recomendável,
portanto, que a lei municipal contemple remuneração digna para os
membros do Conselho Tutelar – compatível com função de cargo
efetivo ou em comissão equivalente do quadro de servidores
municipais -, possibilitando a dedicação exclusiva dos mesmos,
conforme ocorre na quase totalidade dos municípios brasileiros
(artigo 4º da Res. 075);
• Não indicação da ressalva expressa de que o exercício da função de
conselheiro tutelar não gera relação de emprego – vínculo
empregatício – com o município;
• Não indicação ou indicação insuficiente da estrutura administrativa e
institucional necessária ao adequado funcionamento do Conselho
Tutelar (sede adequada contendo espaços reservados para
atendimento, recepção e sala para o serviço administrativo, arquivo,
sanitários, etc., mobiliário, telefone/fax, computadores, transporte e
pessoal administrativo);
• Falta de expressa previsão mandando que a lei orçamentária
contemple a previsão dos recursos necessários ao funcionamento do
Conselho Tutelar, conforme manda o parágrafo único do artigo 134
do ECA (custeio das atividades desempenhadas pelo Conselho
Tutelar, inclusive para as despesas com subsídios e capacitação dos
Conselheiros, aquisição e manutenção de bens móveis e imóveis,
pagamento de serviços de terceiros e encargos, diárias, material de
consumo, passagens e outras despesas);
• Previsão indevida do custeio das atividades do Conselho Tutelar – e
mesmo do Conselho dos Direitos – com recursos do fundo municipal
dos direitos da criança e do adolescente e não do orçamento
municipal;
• Atribuição indevida da organização e condução do processo de
escolha dos conselheiros tutelares ao juiz eleitoral ou outra
autoridade ou órgão que não o Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente, ao qual compete esta atribuição, na forma
do artigo 139 do ECA;
• Falta de expressa indicação do órgão ou secretaria municipal à qual
o Conselho dos Direitos ficará administrativamente vinculado,
podendo ser o gabinete do prefeito ou a secretaria de ação social, por
exemplo (consta do anexo à Res. 075/CONANDA: não existe
subordinação funcional do Conselho Tutelar a qualquer órgão ou
instância. Entretanto, a atividade do Conselho Tutelar está
vinculada a uma estrutura orgânica do Poder Executivo Municipal.
Para maior dinamismo do trabalho a ser efetuado pelo Conselho
Tutelar, o CONANDA recomenda que ele esteja institucionalmente -
para fins meramente administrativo-burocráticos - vinculado a
estrutura geral do Poder Executivo, a exemplo dos demais órgãos
do município);
• Falta de referência expressa à competência para atuação nos limites
do território do município e com respeito às regras do artigo 147 do
ECA;
• Falta de referência expressa ao aspecto colegiado das decisões do
Conselho Tutelar, sob pena de nulidade dos atos praticados
individualmente ou em dupla pelos conselheiros, ressalvados os
casos de medidas urgentes e provisórias, que devem ser ratificadas
posteriormente pelo colegiado (conforme anexo à Res.
075/CONANDA: o Conselho Tutelar é um órgão colegiado,
devendo suas deliberações ser tomadas pela maioria de votos de
seus integrantes, em sessões deliberativas próprias, realizadas da
forma como dispuser o Regimento Interno, sem prejuízo do horário
de funcionamento previsto na legislação municipal específica.
Quando um Conselheiro se encontrar sozinho em um plantão, e
havendo urgência, ele poderá tomar decisões monocráticas,
submetendo-as a posterior aprovação do colegiado, o mais breve
possível. Todos os casos atendidos, aos quais seja necessária a
aplicação de uma ou mais das medidas previstas nos arts. 101 e 129
do Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo as
representações oferecidas por infração às normas de proteção à
criança e ao adolescente, deverão passar pela deliberação e
aprovação do colegiado, sob pena de nulidade dos atos praticados
isoladamente por apenas um ou mais Conselheiros, sem respeito ao
quorum mínimo de instalação da sessão deliberativa).
• Falta de regramento quanto aos procedimentos para tomada das
decisões;
• Falta de referência expressa à possibilidade de revisão das decisões
do Conselho Tutelar apenas pela autoridade judiciária e a pedido de
quem tenha legítimo interesse, conforme artigo 137 do ECA;
• Falta de referência expressa às hipóteses de impedimentos para o
exercício da função, previstas no artigo 140 do ECA: são impedidos
de servir no mesmo Conselho marido e mulher, ascendentes e
descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o
cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado. Estende-se
o impedimento do conselheiro, na forma deste artigo, em relação à
autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público com
atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício na
comarca, foro regional ou distrital.
Além dos aspectos acima mencionados, existem outros que merecem um
disciplinamento adequado na lei municipal e que passamos a analisar em seguida.
Quanto ao número de Conselhos Tutelares
O artigo 132 do ECA determina que em cada município deva existir no
mínimo um Conselho Tutelar, deixando aberta a possibilidade dos municípios criarem mais de
um Conselho.
O CONANDA recomenda a criação de um Conselho Tutelar a cada 200 mil
habitantes, ou em densidade populacional menor quando o município for organizado por Regiões
Administrativas, ou tenha extensão territorial que justifique a criação de mais de um Conselho
Tutelar por região, devendo prevalecer sempre o critério da menor proporcionalidade.
Além das possibilidades acima, ressalta-se que outras realidades devem ser
consideradas para a criação de mais Conselhos Tutelares, prevalecendo, de qualquer forma, o
princípio constitucional da prioridade absoluta, notadamente no que tange à destinação
privilegiada de recursos para o atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Quanto às atribuições do Conselho Tutelar
No que se refere às atribuições dos conselheiros tutelares, a lei municipal
deve ater-se ao previsto no artigo 136 do ECA, podendo simplesmente inserir um dispositivo
referindo-se ao artigo 136 ou trasncrevê-lo, sem qualquer inovação ou omissão.
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e
105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas
previstas no art. 129, I a VII;
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,
previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento
injustificado de suas deliberações.
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as
previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
VII - expedir notificações;
VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente
quando necessário;
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos
direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou
suspensão do pátrio poder.
Quanto aos requisitos para o exercício da função5
De acordo com o artigo 133 do Eca, para a candidatura a membro do
Conselho Tutelar são exigidos os seguintes requisitos:
I - reconhecida idoneidade moral;
II - idade superior a vinte e um anos;
III - residir no município.
5 Res. 075/CONANDA:
Art. 11º- Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar devem ser exigidas de seus postulantes a comprovação de reconhecida idoneidade moral, maioridade civil e residência fixa no município, além de outros requisitos que podem estar estabelecidos na lei municipal e em consonância com os direitos individuais estabelecidos na Constituição Federal.
Estes são os requisitos mínimos e imprescindíveis, dos quais não pode a lei
municipal se desviar. Não obstante, diante da competência legislativa suplementar em matéria de
direito da infância e juventude, admite-se que os municípios estabeleçam outros requisitos, desde
que compatíveis com o exercício da função e coerentes com a realidade local.
Alguns requisitos têm sido usuais nas legislações de muitos municípios brasileiros,
como por exemplo:
• Exigência de tempo mínimo de residência no município. Geralmente são
exigidos pelo menos 02 (dois) anos;
• Exigência de escolaridade mínima;
• Aprovação em prova de conhecimentos do ECA;
• Comprovação de experiência anterior na área da infância e juventude;
• Exigência de avaliação psicológica, visando constatar a aptidão do candidato
para o trabalho de conselheiro tutelar;
• Freqüência prévia (e eventual aprovação) em curso de capacitação.
O importante é que tais condições e requisitos para a candidatura sejam
expressamente previstos na lei municipal e estejam em consonância com os direitos individuais
estabelecidos na Constituição Federal, não se admitindo a estipulação de quaisquer restrições por meio de
simples deliberação do Conselho dos Direitos.
Portanto, a lei municipal não pode conter qualquer dispositivo que delegue ao
Conselho dos Direitos, direta ou indiretamente, a possibilidade de dispor sobre tais requisitos ou estipular
outros.
Em relação aos exemplos mencionados acima ou levando-se em conta outras
eventuais restrições – conforme as peculiaridades de cada município – é preciso estar atento para que não
seja excessivamente limitado o número de pessoas participantes do processo. A definição dos parâmetros
para as candidaturas não pode incorrer no risco de perda de bons candidatos – mediante imposição de
condições muito seletivas - e, pior do que isso, de suprimir o próprio alcance do processo democrático de
escolha. O CONANDA adverte para o risco de “elitização” do Conselho Tutelar6.
Quanto ao processo de escolha dos conselheiros
De acordo com o art. 139 do ECA, o processo para a escolha dos membros do
Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério
Público.
Esta norma deve ser reiterada na lei municipal, complementada ou seguida
de determinação referente à escolha mediante voto direto, secreto e facultativo de todos os
cidadãos maiores de dezesseis anos do município.
A lei municipal deve dispor, ainda, sobre as etapas e prazos do processo de
escolha, bem como sobre as regras para a divulgação das candidaturas, evitando abusos que possa
comprometer a igualdade da disputa entre os candidatos.
A partir deste ponto, passamos a pontuar mais detidamente as diversas
etapas e peculiaridades que devem ser tratadas na lei municipal, na parte em que tratar do
processo de escolha do Conselho Tutelar:
• Determinação no sentido de que as candidaturas sejam individuais,
vedada a inscrição por chapas;
6 Há municípios pequenos onde a simples estipulação do nível médio de escolaridade contribui para a limitação do número de candidatos, comprometendo o processo de escolha. Não deverão ser exigidos requisitos desnecessários ao exercício da função de membro do Conselho Tutelar, tais como habilitação para conduzir veículo, cursos de datilografia/digitação e computação etc., cabendo ao Poder Público o fornecimento da estrutura administrativa necessária ao adequado funcionamento do Órgão, conforme disposto no art.134, par. único, da Lei nº 8.069/90).
• Previsão de uso do sistema de votação eletrônica ou adoção de
outros meios de controle da votação, como a utilização das listas de
eleitores a serem solicitadas ao Juiz Eleitoral com jurisdição no
município;
• Determinação no sentido de que a Comissão Organizadora do
processo de escolha, a ser nomeada pelo Conselho dos Direitos, seja
paritária;
• Determinação ao Conselho dos Direitos para que desencadeie o
processo de escolha no mínimo 06 (seis) meses antes do término do
mandato dos membros do Conselho Tutelar em exercício, mediante
publicação do edital de abertura, com ampla divulgação;
• Determinação ao Conselho dos Direitos (ou Comissão
Organizadora) para que dê ciência ao Ministério Público do início
do processo de escolha, em cumprimento ao artigo 139 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, encaminhando cópia da resolução,
calendário e edital de abertura, notificando pessoalmente seu
representante de todas as etapas do certame e seus incidentes;
• Previsão sobre o voto dos eleitores, se poderão votar em apenas 01
(um) candidato ou em 05 (cinco) candidatos.
Aspectos relativo à inscrição e impugnação de candidaturas
• Previsão do prazo mínimo para as inscrições (pelo menos 20 dias);
• Previsão de divulgação da lista de candidatos inscritos, com abertura
de prazo para o oferecimento de eventuais impugnações (este prazo
pode ser entre 5 e 10 dias);
• Definição dos procedimentos de impugnação de candidaturas, a
serem oferecidas por escrito e instruídas com provas, observando-se
o seguinte:
� notificação obrigatória dos candidatos impugnados e abertura de
prazo para que apresentem defesa (em torno de 05 dias);
� julgamento das impugnações pela Comissão Organizadora,
deferindo os registros dos candidatos que preencham os requisitos de
lei e indeferindo os que não preencham ou apresentem
documentação incompleta;
� publicação da lista dos candidatos que tiveram suas inscrições
deferidas, com possibilidade de recurso para o plenário do Conselho
dos Direitos, no prazo que a lei definir (03 dias é suficiente);
� fixação do mesmo prazo para que Conselho dos Direitos julgue os
recursos, em caráter definitivo;
� publicação da relação definitiva dos candidatos habilitados a
disputarem o pleito (salvo existência de outros requisitos a serem
cumpridos, tais como avaliação médica e psicológica e/ou prova de
conhecimentos do ECA, hipótese em que a lei deverá disciplinar os
respectivos procedimentos ou simplesmente delegar esse regramento
ao Conselho dos Direitos, sendo que as candidaturas somente estarão
definidas após superadas as respectivas avaliações);
Quanto à divulgação das candidaturas
A partir da publicação da relação das candidaturas definitivas tem inicio o período
das campanhas dos candidatos. O objetivo das campanhas é possibilitar que os candidatos sejam
conhecidos pelo maior número de cidadãos eleitores. Para que os eleitores conheçam cada candidato, faz-
se necessária a realização de reuniões, debates e entrevistas. Por meio de iniciativas como essas, a
comunidade terá acesso às informações dos candidatos tais como: trajetória pessoal e social, engajamento
na promoção de defesa dos direitos da criança e do adolescente e disposição e disponibilidade para o
trabalho de conselheiro tutelar.
A lei municipal precisa estabelecer regras claras que assegurem, o quanto possível,
a igualdade entre todos os candidatos, vedando-se a utilização da “máquina” político-partidária, o abuso
do poder econômico, maior espaço na mídia para uns em detrimento dos demais, etc. Deve, ainda, prever
sanções, como a cassação do registro de candidatura e/ou a perda do mandato, para aqueles que
descumprirem as regras de campanha.
Em termos gerais, a lei municipal deve conter:
• O momento em que os candidatos podem iniciar a divulgação das
candidaturas – a partir da publicação da relação dos candidatos
definitivos - e o prazo final de divulgação (em torno de 30 dias é
suficiente);
• O regramento do uso dos meios de imprensa escrita, falada e
televisada, determinando a igualdade de espaços para todos os
candidatos;
• Permissão para distribuição de impressos, faixas, pinturas em
residências particulares (desde que haja autorização do proprietário),
até o número limite fixado pela Comissão Organizadora, de modo a
evitar o abuso do poder econômico;
• A promoção de atos de divulgação do processo de escolha pela
Comissão Organizadora, tais como debates, reuniões, entrevistas e
palestras junto às escolas, associações e comunidade em geral,
proporcionando igualdade de participação a todos os candidatos;
• Previsão de imediata suspensão ou cessação, pela Comissão
Organizadora, da propaganda que violar as regras estabelecidas ou
atentar contra princípios éticos ou morais, ou contra a honra
subjetiva de qualquer candidato.
• Proibição de propaganda de qualquer espécie dentro dos locais de
votação, bem como de qualquer ato que possa caracterizar
aliciamento de eleitores durante o horário de votação (fornecimento
de transporte e alimentação, vantagens de qualquer espécie em troca
do voto, etc.);
• Vedação expressa de vinculação político-partidária das candidaturas,
seja através da indicação, no material de propaganda ou inserções na
mídia, de legendas de partidos políticos, símbolos, slogans, nomes
ou fotografias de pessoas que, direta ou indiretamente, denotem tal
vinculação.
• O membro do conselho tutelar que pretender concorrer a outro cargo
eletivo, deverá se desincompatibilizar no período de seis meses
anteriores ao pleito, evitando-se desvio ou prejuízo na atuação do
Conselho Tutelar;
• Previsão de instauração de procedimento administrativo
investigatório específico, onde será formulada a acusação e
cientificado o acusado para apresentar defesa (com prazo), m caso
de propaganda abusiva ou irregular, bem como em havendo o
transporte irregular de eleitores, no dia da votação (a ser instaurado
pela Comissão organizadora, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, eleitor ou candidato, com previsão de recurso
para o Conselho dos Direitos);
Quanto aos procedimentos de votação e apuração
Em caso de impossibilidade de votação pelo sistema eletrônico, a lei deve
determinar as seguintes providências, a cargo da Comissão Organizadora:
a) a confecção das cédulas de votação, conforme modelo aprovado pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente;
b) a designação, junto ao comando da Polícia Militar e/ou Guarda Municipal
local, de efetivos para garantir a ordem e segurança dos locais de votação e apuração;
c) a escolha e divulgação dos locais de votação; d) a seleção,
preferencialmente junto aos órgãos públicos municipais, dos mesários e escrutinadores, bem
como seus respectivos suplentes, que serão previamente orientados sobre como proceder no dia
da votação, na forma da resolução regulamentadora do pleito.
d) divulgação ampla do dia e horário de início e término da votação, com
previsão de distribuição de senhas aos eleitores que estiverem na fila no horário previsto para o
término da votação;
Quanto à apuração, a lei deve prever o seguinte:
a) apuração dos votos no mesmo dia e logo após o encerramento da
votação;
b) determinação à Comissão Organizadora no sentido da lavratura de ata
circunstanciada sobre a votação e apuração, mencionando os nomes dos candidatos votados, com
número de sufrágios recebidos e todos os incidentes eventualmente ocorridos, colhendo as
assinaturas dos membros da Comissão, candidatos, fiscais, representante do Ministério Público e
quaisquer cidadãos que estejam presentes e queiram assinar, afixando cópia no local de votação,
na sede do CMDCA e no hall da Prefeitura;
c) determinação de que os 05 (cinco) primeiros candidatos mais votados
serão considerados eleitos, ficando todos os seguintes ( e não apenas os 05 seguintes), pela
respectiva ordem de votação, como suplentes;
d) estabelecer os critérios de desempate entre candidatos com igual número
de votos (critério de maior idade, maior nível de escolaridade ou outros critérios que forem
razoáveis);
e) possibilidade de recurso ao Conselho dos Direitos, contra as decisões da
Comissão Organizadora nos trabalhos de apuração, desde que a impugnação tenha constado
expressamente na ata;
f) definição dos prazos para que o Conselho dos Direitos julgue os recursos
eventualmente interpostos e publique resolução homologando o resultado definitivo do processo
de escolha, enviando cópias ao Prefeito Municipal, ao representante do Ministério Público e ao
Juiz da Infância e Juventude.
Quanto à posse dos conselheiros e convocação de suplentes
A lei deve prever que a posse dos conselheiros deverá se dar no dia
seguinte ao termino do mandato de seus antecessores, prestando o compromisso de defender,
cumprir e fazer cumprir no âmbito de sua competência os direitos da criança e do adolescente
estabelecidos na legislação vigente. Os conselheiros poderão ser empossados perante o prefeito
municipal ou o Conselho dos Direitos.
Ocorrendo posterior vacância no cargo, assumirá o suplente que houver
recebido o maior número de votos, para o que será imediatamente convocado pelo Conselho dos
Direitos.
A lei municipal deve prever as seguintes hipóteses de vacância:
I - renúncia;
II - posse em outro cargo, emprego ou função pública remunerados; III – falecimento.
Nos casos de férias, licenças regulamentares, vacância ou afastamento
definitivo de qualquer dos conselheiros titulares, independente das razões, o CMDCA promoverá
a imediata convocação do suplente, para o preenchimento da vaga e a conseqüente regularização
da composição do Conselho Tutelar.
Os suplentes convocados terão direito a receber os subsídios e as demais
vantagens relativas ao período de efetivo exercício da função.
Em caso de inexistência de suplentes, em qualquer tempo, deverá o
Conselho dos Direitos deverá realizar o processo de escolha suplementar para o preenchimento
das vagas, sendo que os conselheiros tutelares eleitos em tais situações exercerão a função
somente pelo período restante do mandato original daqueles cujos afastamentos deixaram as
vagas em aberto.
Quanto ao funcionamento e regimento interno do Conselho Tutelar
Além de outros aspectos anteriormente mencionados, a lei municipal
deverá conter as seguintes disposições referentes ao funcionamento e organização interna do
Conselho Tutelar:
• Fixação de prazo para a elaboração (ou adequação) de seu regimento
interno;
• Fixação do critério de escolha do coordenador ou presidente do
Conselho Tutelar, a ser escolhido pelos seus pares, em reunião
presidida pelo conselheiro mais idoso;
• A sistemática de atendimento, dinâmica das decisões colegiadas e a
forma dos respectivos registros;
• A obrigação de manter dados estatísticos acerca das maiores
demandas de atendimento, que deverão ser levadas ao Conselho dos
Direitos bimestralmente, ou sempre que solicitado, de modo a
permitir a definição, por parte deste, de políticas e programas
específicos que permitam o encaminhamento e eficaz solução dos
casos respectivos;
Quanto ao regime jurídico e prerrogativas do cargo de Conselheiro Tutelar
A função de conselheiro tutelar é temporária e não implica vínculo
empregatício com o Município, sendo que os direitos, deveres e prerrogativas básicas decorrentes
do efetivo exercício devem ser previstos na lei municipal.
Em relação a vantagens e prerrogativas, o Estatuto define apenas que o
exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante, estabelecerá
presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o
julgamento definitivo (art. 135).
Consta do anexo à Res. 075/CONANDA:
O Conselheiro Tutelar, por expressa definição legal, exerce uma função
considerada de relevância pública e que deve ocorrer em regime de dedicação exclusiva.
Embora não exista relação de emprego entre o Conselheiro Tutelar e a
municipalidade que gere vínculo, a ele devem ser garantidos em lei os mesmos direitos
conferidos pela legislação municipal aos servidores públicos que exercem em comissão, para
cargos de confiança, neste caso vinculado ao Regime Geral da Previdência Social.
O não reconhecimento dessa condição tem gerado situações injustas, como
é o caso de Conselheiras Tutelares gestantes não poderem se afastar do exercício de suas
atribuições antes ou depois do parto, o que acarreta prejuízos aos seus filhos, maiores
beneficiados com a licença-maternidade prevista na Constituição Federal.
De outra sorte, também devem os Conselheiros Tutelares gozar férias
anuais remuneradas, ocasião em que serão substituídos pelos suplentes legalmente escolhidos.
Nesse sentido, o CONANDA recomenda que as férias sejam gozadas pelos Conselheiros titulares
na proporção de um de cada vez, de forma a garantir a atuação majoritária dos titulares em
qualquer tempo, com o fito de evitar solução de continuidade.
Desse modo, considerando que a experiência dos primeiros 15 anos do ECA
apontou a necessidade de dedicação exclusiva ao exercício da função, em regime de trabalho em
tudo semelhante ao regime de trabalho dos servidores públicos em geral, torna-se fundamental
que os municípios reconheçam aos conselheiros tutelares os mesmos direitos sociais e demais
prerrogativas garantidas aos servidores públicos, em que pese a natureza sui generis do Conselho
Tutelar.
Tais direitos e prerrogativas devem ser os seguintes7:
• Gratificação natalina, corresponde a um duodécimo da remuneração
do conselheiro, no mês de dezembro, para cada mês do exercício da
função no respectivo ano. O conselheiro que se desvincular do
Conselho Tutelar, assim como o suplente convocado, perceberá sua
gratificação natalina proporcional aos meses de exercício, calculada
sobre a remuneração do mês do afastamento;
7 Trecho do Anexo à Res. 075: Sabendo que várias questões não poderiam ser objeto da Resolução no 75/2001, o CONANDA, respeitando o regime constitucional que assegura aos Municípios autonomia política, administrativa e financeira (arts. 1º, 18 e 30, da CF), decidiu elaborar um conjunto de recomendações, na expectativa de que se avance na efetivação dos Conselhos Tutelares, principalmente no que diz respeito à adequação das legislações municipais e à decorrente compreensão da dinâmica de suas relações.
• Licença remunerada (férias) de 30 (trinta) dias por ano de efetivo
trabalho, que poderão ser gozadas em até 03 (três) períodos de
idêntica duração (a concessão da licença remunerada não poderá ser
dada a mais de 02 (dois) conselheiros tutelares no mesmo período).
• Por ocasião da licença remunerada que trata o presente dispositivo,
adicional correspondente a um terço dos subsídios regulamentares.
• Será também concedida licença remunerada ao conselheiro tutelar
nas seguintes situações, vedado o exercício de qualquer atividade
remunerada durante o período de licença, sob pena de cassação da
licença e destituição da função:
I - para concorrer a cargo eletivo; II - em razão de maternidade; III - em razão de paternidade; IV - para tratamento de saúde; V - por acidente em serviço.
• A conselheira tutelar gestante terá direito a 120 (cento e vinte) dias
consecutivos de licença, a partir do oitavo mês de gestação;
• Licença paternidade ao conselheiro tutelar pelo nascimento do filho,
pelo prazo de 05 (cinco) dias úteis, contados do nascimento.
• Licença para tratamento de saúde e por acidente em serviço com
base em perícia médica.
• Sendo o conselheiro tutelar servidor ou empregado público
municipal, o seu tempo de serviço na função será contado para todos
os efeitos, exceto para promoção por merecimento.
• Autorização para ausentar-se do serviço sem qualquer prejuízo, por
sete dias consecutivos, em razão de:
I - casamento;
II - falecimento de parente, consangüíneo ou afim, até o segundo
grau.
• Devem ser considerados como tempo de efetivo exercício os afastamentos em virtude de:
I - férias; II - licenças regulamentares.
Quanto aos deveres e regime disciplinar
Outra falha presente em muitas leis municipais é a não definição dos
deveres e do regime disciplinar dos conselheiros tutelares8. Esta omissão sempre gera
8 Resolução 075/CONANDA:
Art. 12º- O Conselheiro Tutelar, na forma da lei municipal e a qualquer tempo, pode ter seu mandato suspenso ou cassado, no caso de descumprimento de suas atribuições, prática de atos ilícitos ou conduta incompatível com a confiança outorgada pela comunidade.
§ 1º As situações de afastamento ou cassação de mandato de Conselheiro Tutelar devem ser precedidas de sindicância e/ou processo administrativo, assegurando-se a imparcialidade dos responsáveis pela apuração, o direito ao contraditório e a ampla defesa.
§ 2º As conclusões da sindicância administrativa devem ser remetidas ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente que, em plenária, deliberará acerca da adoção das medidas cabíveis.
§ 3º Quando a violação cometida pelo Conselheiro Tutelar constituir ilícito penal caberá aos responsáveis pela apuração oferecer notícia de tal fato ao Ministério Público para as providências legais cabíveis.
perplexidade, em virtude da falta de orientação legal sobre como proceder com relação ao
controle do exercício da função. É fundamental que a lei defina as hipóteses de faltas
disciplinares, as respectivas sanções e os procedimentos de apuração e sancionamento.
Com relação aos deveres, a lei pode estabelecer os seguintes: I - exercer com zelo e dedicação as suas atribuições, conforme a Lei nº
8.069/90; II - observar as normas legais e regulamentares; III - atender com presteza ao público, prestando as informações requeridas,
ressalvadas as protegidas por sigilo; IV - zelar pela economia do material e conservação do patrimônio público; V - manter conduta compatível com a natureza da função que desempenha; VI - guardar, quando necessário, sigilo sobre assuntos de que tomar
conhecimento; VII - ser assíduo e pontual; VIII - tratar com urbanidade as pessoas.
Quanto às vedações, hipóteses de faltas disciplinares e respectivas
sanções, vale transcrever o seguinte trecho do anexo à Res. 075/CONANDA:
Art. 12º- O Conselheiro Tutelar, na forma da lei municipal e a qualquer tempo, pode ter seu mandato suspenso ou cassado, no caso de descumprimento de suas atribuições, prática de atos ilícitos ou conduta incompatível com a confiança outorgada pela comunidade.
§ 1º As situações de afastamento ou cassação de mandato de Conselheiro Tutelar devem ser precedidas de sindicância e/ou processo administrativo, assegurando-se a imparcialidade dos responsáveis pela apuração, o direito ao contraditório e a ampla defesa.
§ 2º As conclusões da sindicância administrativa devem ser remetidas ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente que, em plenária, deliberará acerca da adoção das medidas cabíveis.
§ 3º Quando a violação cometida pelo Conselheiro Tutelar constituir ilícito penal caberá aos responsáveis pela apuração oferecer notícia de tal fato ao Ministério Público para as providências legais cabíveis.
O Conselheiro Tutelar, a qualquer tempo, pode ter seu mandato
suspenso ou cassado, no caso de comprovado descumprimento de suas atribuições, prática de
atos considerados ilícitos, ou comprovada conduta incompatível com a confiança e outorga pela
comunidade.
Para efeito de interpretação, o CONANDA considera como caso de
cometimento de falta funcional grave, entre outras que possam ser aditadas pela
municipalidade9:
I- usar da função em benefício próprio;
II- romper sigilo em relação aos casos analisados pelo Conselho
Tutelar que integre;
III - manter conduta incompatível com o cargo que ocupa ou exceder-
se no exercício da função de modo a exorbitar sua atribuição, abusando da autoridade que lhe
foi conferida;
IV - recusar-se a prestar atendimento ou omitir-se a isso quanto ao
exercício de suas atribuições quando em expediente de funcionamento do Conselho Tutelar;
V - aplicar medida de proteção contrariando a decisão colegiada do
Conselho Tutelar;
VI - deixar de comparecer no plantão e no horário estabelecido;
VII - exercer outra atividade, incompatível com o exercício do cargo,
nos termos desta Lei.
9 Além destas hipóteses listadas pelo Conanda, há outras duas situações que merecem constar das legislações municipais: I - exceder no exercício da função, abusando de suas atribuições específicas; II - fazer propaganda político-partidária no exercício de suas funções
VIII - receber, em razão do cargo, honorários, gratificações, custas,
emolumentos, diligências.
Face ao princípio constitucional da legalidade, deve a lei municipal
relacionar todas as hipóteses de perda do mandato do Conselheiro Tutelar, assim como também
é conveniente a previsão de sanções administrativas outras, evitando que falhas funcionais leves
possam resultar na aplicação da sanção extrema. As situações de afastamento ou cassação de
mandato de Conselheiro Tutelar devem ser precedidas de atos administrativos perfeitos,
assegurados a imparcialidade dos sindicantes, o direito ao contraditório e a ampla defesa.
A apuração será instaurada pelo Órgão sindicante, por denúncia de
qualquer cidadão ou representação do Ministério Público. O processo de apuração é sigiloso,
devendo ser concluído em breve espaço de tempo. Depois de ouvido o indiciado deverá existir
um prazo para este apresentar sua defesa, sendo-lhe facultada consulta aos autos.
A atribuição de instaurar sindicância para apurar eventual falta grave
cometida por Conselheiro Tutelar no exercício de sua função deve ser confiada a uma Comissão
de Ética, criada por lei municipal, cuja composição assegurará a participação de membros do
Conselho Tutelar e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em grau de
paridade com qualquer outro órgão ou setor.
A legislação, ao prever as situações que poderão provocar a suspensão
ou perda de mandato do Conselheiro Tutelar, deve estabelecer como parâmetros às situações em
que o Conselheiro:
1 - for condenado pela prática de crime doloso, contravenção penal ou
pela prática de infrações administrativas previstas na Lei 8069/90;
2 - sofrer a penalidade administrativa de perda de mandato, conforme
sanção prevista em lei municipal;
3 – faltar, consecutivamente ou alternadamente, sem justificativa, as
sessões do Conselho Tutelar no espaço de um ano, conforme limites explícitos em lei
municipal.
4 - reiteradamente:
a) recusar-se, injustificadamente, a prestar atendimento;
b) omitir-se quanto ao exercício de suas atribuições;
c) exercer outra atividade, incompatível com o exercício do cargo;
d) receber, em razão do cargo, honorários, gratificações, custas,
emolumentos, diligências.
Quando a violação cometida pelo Conselheiro Tutelar contra o direito
da criança ou adolescente constituir delito, caberá à Comissão de Ética, concomitantemente ao
processo sindicante, oferecer notícia do ato ao Ministério Público para a as providências legais
cabíveis.
As conclusões da Comissão de Ética devem ser remetidas ao Conselho
Municipal que, em Plenária, decidirá sobre a penalidade a ser aplicada.
A penalidade aprovada em Plenária do Conselho, inclusive a perda do
mandato, deverá ser convertida em ato administrativo do Chefe do Poder Executivo Municipal,
cabendo ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente expedir Resolução
declarando vago o cargo quando for o caso, situação em que o Prefeito Municipal dará posse ao
primeiro suplente.
O Conanda recomenda, ainda, que:
Constatada a falta grave cometida pelo Conselheiro Tutelar, a lei
municipal poderá prever as seguintes sanções:
a - advertência;
b - suspensão não remunerada, de 01(um) a 03 (três) meses;
c - perda da função.
Aplicar-se-á a advertência nas hipóteses previstas nos incisos III, V, VI
e VIII. Aplicar-se-á a penalidade de suspensão não remunerada ocorrendo reincidência nas
hipóteses previstas nos incisos I, II, IV, VIII e na hipótese prevista nos inciso V, quando
irreparável o prejuízo decorrente da falta verificada.
Considera-se reincidência quando o Conselheiro Tutelar comete nova
falta grave, depois de já ter sido penalizado, irrecorrivelmente, por infração anterior.
Recomenda-se a aplicação da penalidade de perda da função quando,
após a aplicação de suspensão não remunerada, o Conselheiro Tutelar cometer nova falta grave.
Além disso, a lei municipal deve proibir a acumulação da função de
conselheiro tutelar com cargo, emprego ou outra função remunerados, observado o que determina
o artigo 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal. Se servidor municipal ocupante de
cargo em provimento efetivo for eleito para o Conselho Tutelar, poderá optar entre o valor dos
subsídios devidos aos Conselheiros ou o valor de seus vencimentos incorporados, ficando-lhe
garantidos:
I - o retorno ao cargo, emprego ou função que exercia, assim que findo o seu
mandato;
II - a contagem do tempo de serviço para todos os efeitos legais, podendo o
Município firmar convênio com os Poderes Estadual e Federal para permitir igual vantagem ao
servidor público estadual ou federal.
Quanto ao procedimento disciplinar e a Comissão de Ética
De acordo com o anexo à Res. 075/CONANDA, a lei municipal deve
dispor sobre a criação de uma Comissão de Ética, encarregada de instaurar sindicância para
apurar eventual falta grave cometida por Conselheiro Tutelar no exercício de sua função. Sua
composição deve assegurar a participação de membros do Conselho Tutelar e do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em grau de paridade com qualquer outro
órgão ou setor.
Raras são as leis municipais que dispõem sobre esta comissão de ética,
cuja elaboração legislativa pode ser assim exemplificada:
Art. xxxx. A sindicância ou processo administrativo será instaurada e conduzida
por uma comissão de ética composta de:
a) dois membros do Conselho dos Direitos, sendo um representante do governo e
outro da sociedade civil organizada;
b) dois membros do Conselho Tutelar;
c) um membro de entidade não governamental, devidamente registrada no
Conselho dos Direitos, que não faça parte de sua composição atual.
§ 1º. Os representantes do Conselho dos Direitos e do Conselho Tutelar serão
escolhidos pela plenária dos respectivos Órgãos, e o representante das entidades
não governamentais será escolhido em assembléia própria, a ser convocada pelo
Conselho dos Direitos para tal finalidade.
§ 2º. O procedimento de apuração deverá ser concluído no prazo máximo de 30
(trinta) dias de sua instauração, prorrogáveis por mais 30 (trinta), devendo seguir,
o quanto possível, os trâmites previstos na legislação municipal específica, relativa
aos servidores públicos municipais, assegurado o contraditório e direito de defesa
ao acusado.
§ 3º. Cabe ao Conselho dos Direitos, com apoio do Poder Executivo, proporcionar
os meios necessários para o adequado funcionamento da comissão de ética.
§ 4º. A sindicância será instruída com cópia da representação e da ata da sessão
que decidiu pela instauração do procedimento, das quais o acusado será
pessoalmente cientificado, bem como notificado a apresentar defesa escrita e
arrolar testemunhas, em número não superior a 05 (cinco);
§ 5º. Concluídos e relatados os autos, serão enviados imediatamente ao Conselho
dos Direitos, a quem caberá apreciar e decidir sobre a imposição das penalidades
cabíveis.
Art. xxx. O julgamento do membro do Conselho Tutelar pela plenária do
Conselho dos Direitos será realizado em sessão extraordinária, a ser instaurada em
não menos que 05 (cinco) e não mais que 10 (dez) dias úteis contados do término
da procedimento apuratório, com notificação pessoal do denunciante, acusado e
representante do Ministério Público;
§ 1º. Serão fornecidas, a todos os membros do Conselho dos Direitos, cópias da
acusação e da defesa, ficando os autos da sindicância a todos disponível para
consulta;
§ 2º. Por ocasião da sessão deliberativa será facultado ao acusado, por si ou por
intermédio de procurador constituído, apresentar oralmente sua defesa, pelo prazo
de 30 (trinta) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez);
§ 3º. Ficam impedidos de participar do julgamento os membros do Conselho dos
Direitos que integraram a comissão de ética, que para o ato serão substituídos por
seus suplentes regulamentares;
§ 4º. A condução da sessão de julgamento e a forma da tomada dos votos
obedecerá ao disposto no regimento interno do Conselho dos Direitos;
§ 5º. A perda da função de conselheiro tutelar somente poderá ser decretada
mediante decisão de 2/3 dos membros do Conselho dos Direitos.
§ 6º. Quando a violação cometida pelo conselheiro tutelar constituir ilícito penal
caberá ao Conselho dos Direitos encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público
para as providências legais cabíveis.
Outros pontos relevantes que merecem constar da lei municipal
• Qualquer cidadão poderá e o membro do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente que tiver ciência de
irregularidades no Conselho Tutelar deverá tomar as providências
necessárias para sua imediata apuração, representando junto àquele
Órgão para que seja instaurada sindicância ou processo
administrativo disciplinar.
• Previsão da possibilidade do Conselho dos Direitos determinar, de
acordo com a gravidade do caso, o afastamento cautelar do acusado,
sem prejuízo de sua remuneração, com a imediata convocação de seu
suplente.
• Dispositivo determinando que, na aplicação das penalidades, serão
consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos
que dela provierem para a sociedade ou serviço público, os
antecedentes no exercício da função, os agravantes e as atenuantes.
• Dispositivo estabelecendo que a destituição do conselheiro tutelar o
incompatibilizará para o exercício de qualquer cargo, emprego ou
função pública no município de pelo prazo de 03 (três) anos.
• Dispositivo determinando que o ato de imposição da penalidade
mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção
disciplinar.
V.4 – Do Fundo Municipal
De acordo com o art. 71 da Lei Federal n. 4.320/64 (estatui normas gerais
de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal), constitui fundo especial o produto de receitas
especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços,
facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.
Desse modo, o Fundo da Infância e Adolescência (FIA) deve ser criado
pela União, Estados e Municípios, através de projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo
sendo gerenciado, nos termos do ECA, pelos respectivos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente. Na esfera municipal, é recomendável que o FIA, o Conselho dos Direitos e o
Conselho Tutelar sejam criados numa única lei.
As fontes de recursos do FIA são várias, destacando-se as dotações
orçamentárias do Executivo, doações de pessoas físicas ou jurídicas, doações de bens, multas
relativas a condenações em ações cíveis e à aplicação de penalidades administrativas previstas
no ECA, transferências das demais esferas governamentais, convênios com entidades nacionais e
internacionais, saldo positivo apurado no balanço de cada exercício findo, rendimentos de
aplicações financeiras e outras receitas. Anualmente, os gastos previstos do Fundo devem
constar do orçamento, de acordo com Plano de Aplicação aprovado pelo Conselho dos Direitos.
Está sujeito a prestação de contas nos termos da legislação.
Finalidade e aplicação dos recursos
Os recursos orçamentários destinados à criação e/ou adequação de
estruturas, implementação e/ou ampliação de programas de atendimento a crianças, adolescentes
e suas respectivas famílias devem constar, prioritariamente, de dotação própria dos órgãos da
administração pública encarregados de sua execução, não sendo necessária sua destinação ao
Fundo Especial Para a Infância e Adolescência – FIA.
Os recursos captados pelo FIA se destinam ao financiamento de ações
complementares, sendo equivocada a idéia de que todos os programas e serviços de atendimento
a crianças e adolescentes devam ser custeados com recursos do fundo especial. Assim sendo, um
programa de tratamento para drogadição, por exemplo (cf. art.101, inciso VI, do ECA e art.227,
§3., inciso VII, da CF), deve ser custeado com recursos próprios do orçamento dos órgãos
responsáveis pelo setor de saúde; um programa de apoio e promoção à família (cf. arts.90, incisos
I e II e 129, inciso I, do ECA e art.226, caput e §8., da CF), deve ser custeado com dotações
próprias da área da assistência social e assim por diante, devendo o orçamento próprio de cada
órgão da administração prever recursos privilegiados para a implementação e manutenção das
políticas públicas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA: artigo 4º, parágrafo
único, alínea d).
Portanto, os recursos do FIA devem ser aplicados em projetos
complementares de promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes,
auxiliando no processo de inclusão de meninos e meninas em situação de risco social e
contribuindo para a qualificação da rede de atendimento.
Criação e regramento básico do FIA na lei municipal
O CONANDA ainda não editou resolução contendo normas para a criação e
funcionamento dos fundos especiais de defesa dos direitos da infância e juventude, mas as
melhores práticas apontam no sentido da seguinte configuração legal:
• Dispositivo inicial criando o Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente, que será gerido e administrado pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
• Dispositivos explicitando o caráter complementar do FIA e a
destinação de seus recursos, prioritariamente, aos programas de
proteção especial à criança e ao adolescente em situação de risco
social e pessoal, cuja necessidade de atenção extrapola o âmbito de
atuação das políticas sociais básicas.
• Especificação das fontes das receitas que irão constituir o Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a saber:
I - dotação consignada anualmente no orçamento do Município e verbas
adicionais que a lei estabelecer no decurso de cada exercício;
II - transferências de recursos financeiros do Fundo Nacional e Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente;
III - pelas doações, auxílios, contribuições e legados que lhe venham a
ser destinados;
IV - pelos valores provenientes de multas decorrentes de condenações
em ações civis ou de imposição de penalidades administrativas previstas
na Lei nº 8.069/90;
V - resultados de eventos promocionais de qualquer natureza,
promovidos pelo Conselho dos Direitos;
VI - por outros recursos que lhe forem destinados;
VII - pelas rendas eventuais, inclusive as resultantes de depósitos e
aplicações de capitais.
• Dispositivo explicitando as ações que não podem ser financiadas
com recursos do Fundo Especial para a Infância e Adolescência e
sim com dotações orçamentárias específicas, por exemplo:
a) para manutenção dos órgãos públicos encarregados da proteção e
atendimento de crianças e adolescentes, aí compreendidos o Conselho
Tutelar e o próprio Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, o
que deverá ficar a cargo do orçamento das Secretarias e/ou
Departamentos aos quais aqueles estão administrativamente vinculados;
b) para manutenção das entidades não governamentais de atendimento a
crianças e adolescentes, por força do disposto no art.90, caput, da Lei nº
8.069/90, podendo ser destinados apenas aos programas de atendimento
por elas desenvolvidos, nos moldes desta Lei;
c) para o custeio das políticas básicas a cargo do Poder Público;
d) atividades de capacitação de conselheiros, viagens, diárias, etc.;
e) remuneração dos conselheiros tutelares
• Dispositivo estabelecendo que os representantes das entidades
integrantes do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente
que habilitarem projetos e programas para fins de recebimento de
recursos captados pelo Fundo Especial para a Infância e
Adolescência, deverão ser consideradas impedidos de participar do
respectivo processo de discussão e deliberação, não podendo gozar
de qualquer privilégio em relação às demais concorrentes;
• Dispositivo determinando que o Conselho dos Direitos, em
cumprimento ao disposto no art.48 e parágrafo único, da Lei
Complementar nº 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal,
apresentará relatórios mensais acerca do saldo e da movimentação de
recursos do Fundo Especial para a Infância e Adolescência, de
preferência via internet, em página própria do Conselho ou em outra
pertencente ao ente público ao qual estiver vinculado, caso
disponível.
• Dispositivo lembrando que o Conselho dos Direitos realizará
periodicamente campanhas de arrecadação de recursos para o Fundo
Especial para a Infância e Adolescência, nos moldes do previsto no
art.260, da Lei nº 8.069/90.
• Dispositivo determinando que o Conselho dos Direitos, por força
do disposto no art.260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art.227, §3º, inciso
VI, da Constituição Federal, estabelecerá critérios de utilização,
através de planos de aplicação das doações subsidiadas e demais
receitas captadas pelo Fundo Especial para a Infância e
Adolescência, definindo e aplicando necessariamente percentual
para incentivo ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou
adolescente, órfão ou abandonado.
• Dispositivo determinando que o Conselho dos Direitos, com a
colaboração do órgão encarregado do setor de planejamento,
elaborará anualmente um plano de aplicação para os recursos
captados pelo Fundo Especial para Infância e Adolescente
correspondente ao plano de ação por aquele previamente aprovado, a
ser obrigatoriamente incluído na proposta orçamentária anual do
Município.
• Dispositivo determinando ao Poder Executivo a abertura de conta
específica e exclusiva para o depósito e movimentação dos recursos
do FIA.
• Dispositivo determinando que o Fundo seja regulamentado por
Decreto expedido pelo Poder Executivo Municipal, no prazo de 90
dias, a contar da vigência da Lei.
Estes são, resumidamente, os aspectos mínimos a serem regulados na lei
municipal, a respeito do FIA.
V.5 – Considerações finais
As diretrizes e linhas básicas da política municipal de atendimento
dependem em grande parte de uma lei municipal bem estruturada, discutida amplamente e
coerente com a realidade local. Os órgãos basilares de existência obrigatória – Conselho dos
Direitos, Conselho Tutelar e FIA – devem ser bem disciplinados, tanto no aspecto estrutural
quanto nos aspectos de acessibilidade e exercício das respectivas funções.
As Resoluções 075, 105 e 106 do CONANDA são o resultado de vários
anos de observação de práticas equivocadas e que, bem ou mal, nos guiaram ao estágio atual de
amadurecimento destes mecanismos, embora ainda estejamos longe de uma compreensão
perfeita e irretocável do seja um padrão ideal.
O artigo 21 da Res. 105 do CONANDA estipulou o prazo de 02 (dois) anos
para que os municípios adequassem suas normas aos parâmetros por ela estabelecidos. Estas
resoluções não têm força vinculativa em relação aos entes federados, mas não podemos deixar de
reconhecer a força política de seus conteúdos e de seus editores, o que pode ser suficiente para
incentivar as pessoas de boa vontade a se articularem e buscarem o aperfeiçoamento das leis de
seus municípios.