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REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS 2007 Livro 1.indb 1 20/8/2009 11:19:17

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REVISTA dA FAculdAdE dE dIREITo

MIlTon cAMpoS2007

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Lucia Massarae

Carlos Alberto Rohrmann

coordenadores

Belo Horizonte – 2007

REVISTA dA FAculdAdE dE dIREITo

MIlTon cAMpoS

VoluME 15

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Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Coordenação de Lucia Massara e Carlos Alberto Rohrmann. – v. 15 (2º Sem. 2007) – Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

R454

Semestral

Revista da Faculdade de Direito Milton Campos

Descrição baseada em: ano 1, n. 1, 1994.

ISSN 1415-0778

1. Direito – periódicos I. Faculdade de Direito Milton Campos II. Massara, Lucia. III. Rohrmann, Carlos Alberto. IV. Título.

CDU: 34 (05) 34:378 (815.1)

Ficha elaborada pela Biblioteca da FDMC

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Apresentação

A efetiva circulação internacional da Revista da Faculdade de direito Milton campos, aliada à alta qualidade dos textos que o seu conselho editorial tem selecionado para publicação, vem tornando este periódico um veículo de divulgação da pesquisa jurídica dentro e fora do país. Ademais, sob a perspectiva do direito comparado, a Revista também tem sido, já há algum tempo, repositório de impor-tantes artigos de renomados autores estrangeiros. A última “chamada por artigos” da Revista, que teve também sua versão em inglês “call for papers”, foi atendida com o encaminhamento de vários artigos para o conselho editorial (destacamos, neste número a presença de artigos submetidos por juiz e professores-doutores britânicos e por professores-doutores norte-americanos). uma sugestão do conselho editorial para que um número maior de artigos pudesse ser acomo-dado foi a edição de dois volumes anuais da revista. A proposta foi prontamente aceita e encampada pela entidade mantenedora, que não tem medido esforços para incentivar e incrementar a pesquisa acadê-mica. portanto, em seu décimo quarto ano, a Revista da Faculdade de direito Milton campos passa a ter periodicidade não mais anual e, sim, semestral.

Lucia MassaraDiretora da FDMC e da Revista

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RevistA dA FACuLdAde de diReito MiLton CAMpos

FundAdA EM junho dE 1993Rua Milton campos, 202 – cEp 34000-000

nova limaMinas Gerais

Brasil

diReção dA RevistAprofessora lucia Massara

Diretora

professor Adauto junqueira RebouçasSecretário

CoMissão editoRiALAdauto junqueira Rebouças carlos Alberto Rohrmann

lucia MassaraMiriam de Abreu Machado camposMisabel de Abreu Machado derzi

osmar Brina corrêa limaSálvio de Figueiredo Teixeira

Sidney Safe F. SilveiraSonia diniz Viana

Wênio Balbino de castro

ConseLHo CientÍFiCo eXteRnohumberto Theodoro júnior

(Brasil) jorge Miranda

(portugal)Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza

(Brasil/portugal)Sylvia Mercado Kierkegard

(dinamarca)

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CentRo eduCACionAL de FoRMAção supeRioREntidade Mantenedora

prof. Sidney Safe F. SilveiraPresidente

prof. josé Barcelos de SouzaVice-Presidente

prof. osmar Brina corrêa limaDiretor Financeiro

prof. haroldo da costa AndradeSecretário do CEFOS

Faculdade de direito Milton camposprof. lucia Massara

Diretora

prof. Marcos Afonso de SouzaVice-Diretor e Coordenador Didático-Pedagógico

Faculdade de Administração e ciências contábeis/ pós-Graduação em direito Empresarial

prof. Wille duarte costaDiretor

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RevistA dA FACuLdAde de diReito MiLton CAMposFundAdA EM junho dE 1993

caixa postal 3268 – cEp 30140-970Belo horizonte

noRMAs editoRiAis

1. A Revista da Faculdade de direito Milton campos divulga trabalhos elabora-dos pela diretoria da Faculdade, seus professores e artigos de colaboração de terceiros, limitados à área do Direito e ciências afins, que se relacionem com a ciência do direito.

2. Serão publicadas, de preferência, colaborações inéditas. 3. os originais recebidos não serão devolvidos. 4. o recebimento do artigo enviado à Revista não implica a obrigatoriedade de

sua publicação. 5. A direção da Revista poderá reapresentar os originais ao autor para que os

adapte às normas editoriais ou esclareça dúvidas. 6. os originais deverão ser digitados em computador, de preferência usando-se o

programa Word 2000 da Microsoft e impressos em papel de formato A4, ou não sendo possível, datilografados em espaço simples, em papel branco, de um só lado da folha, de preferência com margens superior 2,4 cm e inferior de 2 cm.

7. Resumo e abstract (em língua inglesa), com até 250 palavras.8. junto ao trabalho deve ser enviado disquete ou cd contendo a gravação dojunto ao trabalho deve ser enviado disquete ou cd contendo a gravação do

texto, o qual deverá ser feito em editor Microsoft Word ou compatível. Tam-bém poderá o texto ser enviado via e-mail para o seguinte endereço: <[email protected]>, com os esclarecimentos necessários. no texto do e-mail deverão constar os títulos do autor do artigo.

9. para evitar esquecimentos, o artigo deverá conter, após o título, o nome com-pleto do autor, principais títulos e endereço para comunicação ou retorno de correspondência.

10. Os desenhos, gráficos, ilustrações, tabelas etc. (estritamente necessários à cla-reza do texto), com respectivas legendas, serão apresentados à parte, em papel branco ou vegetal, sem dobras, indicando-se no texto o lugar onde deverão ser incluídos.

11. As referências bibliográficas deverão ser completas e numeradas seguidamen-te, obedecendo às normas da ABnT, observando-se o seguinte:

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– publicações avulsas (livro, folheto, tese, etc.) sobrenome do autor seguido de vírgula; prenome(s) seguido de ponto; título seguido de ponto; edição e local seguido de dois pontos; nome do editor, seguido de vírgula; ano da publicação seguido de vírgula; se for o caso indicar o volume ou tomo e, finalmente, a página da fonte. o nome da publicação deve estar em itálico.

– Artigo periódico – autor(es) seguido de ponto; título do artigo seguido de ponto. Título do periódico em itálico, seguido de ponto. Indicação do volume, mês e ano da publicação, página de referência ou, na bibliografia, indicar pági-na inicial e final.

12. os originais que não puderem ser entregues pessoalmente deverão ser envia-dos para a Rua Milton campos, 202, Bairro Vila da Serra – nova lima/MG – cEp 34000-000, Brasil, aos cuidados da professora lucia Massara.

As provas tipográficas não serão enviadas para o autor, a não ser para correção do texto, se for o caso. publicado o artigo, o autor receberá, no mínimo, dois exemplares da Revista.

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Escreveram neste número

ARoldo plÍnIo GonÇAlVES professor Emérito da Faculdade de direito da uFMG; profes-sor Titular de direito processual civil da uFMG – (aposenta-do); juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região –(aposentado); Advogado .................................................................. 87

MARco AuRÉlIo AGuIAR BARRETo Advogado; professor das disciplinas direito do Trabalho I e direito do Trabalho II, nas Faculdades de direito da universi-dade católica de Brasília e no IESB – centro de Ensino Supe-rior de Brasília; Mestre em direito Internacional Econômico, pela universidade católica de Brasília; Membro do Instituto Brasileiro de direito Social cesarino júnior. Endereço eletrô-nico: [email protected] ........................................................ 19

SIlMA MEndES BERTI professora na universidade Federal de Minas Gerais; doutora em direito .......................................................................... 47

MARY lucY cARVAlho professora da Faculdade de direito Milton campos; Mestre em direito Empresarial (FdMc). Advogada ................................... 63

dAVId FloYdprofessor Sênior da Business School da universidade de lincoln, Grã-Bretanha ..................................................................... 75

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SAndhlA SuMMAn professora Sênior da Faculdade de direito da universidade de lincoln, Grã-Bretanha ................................................................. 75

RIcARdo AdRIAno MASSARA BRASIlEIRo doutor; Mestre e Especialista em direito pela uFMG; profes-sor dos cursos de Graduação e Mestrado na Faculdade de direito Milton campos; procurador do Estado de MinasGerais; Advogado ............................................................................. 87

h. jAAp VAn dEn hERIKprofessor doutor da universiteit Maastricht, Faculty of General Sciences, Holanda; Scientific Director da Foundation for Knowledge Based Systems (Stichting Knowledge Based Systems) em Rotterdam .................. 101

SVETlA pEnchEVA professora de direito e doutoranda pela leiden university, holanda ....................................................................... 101

joSÉ luIZ QuAdRoS dE MAGAlhÃES diretor-Geral do centro de Estudos Estratégicos em direito do Estado; professor do mestrado e doutorado da universidade Federal de Minas Gerais e da pontifícia universidade católica de Minas Gerais ............................................................................. 115

MARcElo dE olIVEIRA MIlAGRES professor de direito civil da Faculdade de direito Milton campos .......................................................................................... 147

FAIZAh nAZRI ABd RAhMAnprofessor de direito da Faculdade de direito da universidade da Malásia em Kuala lumpur, Malaysia ....................................... 163

lEAndRo MARTInS ZAnITEllI doutor em direito civil pela universidade Federal do Rio Grande do Sul (uFRGS); professor Titular de Teoria Geral

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do contrato e Metodologia do direito no centro universitário Ritter dos Reis (uniRitter). o autor agradece ao uniRitter pelo apoio concedido para a pesquisa e a dois pareceristas anôni-mos pelas sugestões e comentários a uma versão anterior deste artigo. E-mail: [email protected]. Artigo originalmente publicado na Revista direito GV, v. 2, n. 1, jan./jun. 2006, p. 131-150 ...................................................................................... 177

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SuMáRIo

MARco AuRÉlIo AGuIAR BARRETo lei de arbitragem – considerações sobre sua aplicação emcontratos na administração pública direta e indireta ........................ 19

SIlMA MEndES BERTI direitos da personalidade do nascituro ............................................ 47

MARY lucY cARVAlho A efetividade do processo de execução frente às recentes alterações do código de processo civil ........................................... 63

dAVId FloYd An east-west contrast of foreign direct investment on small business development ...................................................................... 75

SAndhlA SuMMAnAn east-west contrast of foreign direct investment on small business development ............................................................. 75

ARoldo plÍnIo GonÇAlVES Ação de consignação em pagamento: a questão dos limites da cognição e da contestação ........................................................... 87

RIcARdo AdRIAno MASSARA BRASIlEIRoAção de consignação em pagamento: a questão dos limites da cognição e da contestação ........................................................... 87

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h. jAAp VAn dEn hERIK Virtual meeting of shareholders and its immediate rewards .......... 101

SVETlA pEnchEVA Virtual meeting of shareholders and its immediate rewards .......... 101

joSÉ luIZ QuAdRoS dE MAGAlhÃES o poder local no Brasil: a alternativa da democracia participativa .................................................................................... 115

MARcElo dE olIVEIRA MIlAGRES cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados e realização do direito ....................................................................... 147

FAIZAh nAZRI ABd RAhMAnThe development of maritime laws in Malaysia – selected issues ................................................................................ 163

lEAndRo MARTInS ZAnITEllI o efeito da dotação (“endowment effect”) e a responsabilidade civil ................................................................................................ 177

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1

lEI dE ARBITRAGEM – conSIdERAÇÕES SoBRE SuA AplIcAÇÃo EM conTRAToS nA AdMInISTRAÇÃo

pÚBlIcA dIRETA E IndIRETA

MARco AuRÉlIo AGuIAR BARRETo

sumário1. Introdução. 2. o avanço do instituto da arbitragem no Brasil. lei n. 9.307/96. 3. Administração pública e a utilização da convenção de arbitragem em seus contratos. 4. Especificamente em relação às socie-dades de economia mista, há algum impedimento de ordem legal à utilização da convenção de arbitragem? 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.

Resumo A curiosidade em saber se é defeso aos agentes da adminis-

tração pública se valerem da arbitragem para a solução de suas controvérsias cíveis, trabalhistas e comerciais, por excelência, envolveu pesquisa doutrinária e jurisprudencial. conclui-se que não há qualquer impedimento. o plenário da Suprema corte Fe-deral reconhece a legalidade do juízo arbitral e tem julgamentos precedentes consagrando até mesmo nas causas contra a Fazenda pública. Frise-se que, em relação às sociedades de economia mis-ta, o art. 173, § 1º, inciso II, da constituição Federal, lhes atribui situação paritária às empresas privadas, portanto, sem nenhuma restrição à celebração de convenções de arbitragem para a solução de seus conflitos de interesses.

REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 19-46 2007

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MARco AuRÉlIo AGuIAR BARRETo

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pAlAVRAS-chAVE: Arbitragem. administração pública. jurispru-dência. controvérsias. Mecanismos alternativos. Solução. compro-controvérsias. Mecanismos alternativos. Solução. compro-missória. juízo arbitral.

Abstract The curiosity in knowing if is prohibited to the agents of the

public administration if commercial civil court jurisdiction, members of labor party to be valid the arbitration for the solution of its con-troversies and, par excellence, involved doctrinal and jurisprudencial research. one concludes that it does not have any impediment. The plenary assembly of the Supreme Federal cut recognizes the legality of the arbitrational judgment and has preceding judgments even thou-gh consecrating in the causes against the public State Treasury. It is emphasized that, in relation to the societies of mixing economy, art. 173, § 1º, interpolated proposition II, of the Federal constitution, attributes on the same level situation to them to the private compa-nies, therefore, without no restriction to the celebration of conven-tions of arbitration for the solution of its conflicts of interests.KEYWoRdS: Arbitration. public administration. jurisprudence. controversies. Alternative mechanisms. Solution. compromissory. Arbitrational judgment.

1 intRodução

A inexistência de métodos alternativos eficazes para a solução dos conflitos, notoriamente, sempre repercutiu de forma negativa no Brasil, decorrendo enorme quantidade de demandas nos tribunais judiciais.

A demora acentuada na efetivação da prestação jurisdicional é a pior maneira de se fazer justiça, contrariando, destarte, a previsão do art. 5º, inciso lXXVIII, da constituição Federal de 1988.

Art. 5º

lXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asse-gurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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lEI dE ARBITRAGEM – conSIdERAÇÕES SoBRE SuA AplIcAÇÃo...

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É programa de difícil consecução na prática, atualmente.Temos uma cultura jurisdicional baseada na idéia de que so-

mente perante o poder judiciário é possível alcançar a solução dos conflitos. Tanto que, tradicionalmente, procurou-se lastrear nos textos legais, inclusive, na constituição Federal o detalhado regulamento da vida em sociedade.

É crescente a quantidade de recursos que devem ser apreciados pelos Tribunais Superiores dentro da complexa sistemática jurisdi-cional brasileira, ainda, com a possibilidade de submeter-se assuntos variados à apreciação do Supremo Tribunal Federal.

por seu turno, no âmbito internacional, onde há notável densi-dade contratos comerciais, o Brasil caminhava para a exclusão pela falta de legislação referente a mecanismos alternativos de solução de controvérsias, a exemplo, da mediação, conciliação e arbitragem, tão adequados à dinâmica das relações empresariais. Frise-se que a ex-periência estrangeira indica que a solução dos conflitos comerciais internacionais em sua maior parte dá-se mediante arbitragem.

o avanço legislativo que marcou a inserção do Brasil na nova ordem global, fenômeno universal que se afigura irreversível, foi a elaboração e implementação da lei n. 9.307, de 23/09/1996, tratando da regulamentação da arbitragem no país. Foi a demonstração para o concerto das nações, de que o Brasil está comprometido e disposto a integrar-se no sistema econômico globalizado.

Era necessário o afastamento de procedimentos que emperram a fluidez e agilidade imprescindíveis à dinâmica do comércio inter-nacional. pode-se dizer que a adoção do procedimento da arbitragem pelo Brasil deu-se por força da necessidade, pelo fato de que a sua não-adequação à realidade ocasionaria algumas conseqüências, como o descrédito e dificuldades em firmar contratos internacionais.

2 o AvAnço do instituto dA ARBitRAGeM no BRAsiL. Lei n. 9.307/96

passo importante foi a adoção pelo Brasil, da convenção so-bre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangei-

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MARco AuRÉlIo AGuIAR BARRETo

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ras – convenção de nova York, celebrada naquela cidade, em 1958, cuja promulgação em nosso país deu-se com o decreto n. 4.311, de 23/07/2002. Assim, o Brasil tornou-se parte da convenção de nova York, embora já figurasse, desde 1996, como parte da Convenção In-teramericana sobre Arbitragem comercial Internacional, assinada na cidade do Panamá, em 30/01/1975, ratificada com a publicação no DOU do decreto legislativo n. 1.902/96.

A globalização cobra dos países profundas alterações, não apenas em termos de atitude perante o mercado, mas em seu con-junto normativo e padrões orientados para a perspectiva não mais nacional ou regional, porém, mundial. o mercado exige desregula-mentação e modernização legislativa, a fim de eliminar obstáculos e falsos nacionalismos.

Em visita ao Brasil, concedeu entrevista ao Jornal do Brasil, em 24/10/2005, segundo Rafael Rosas,1 Anne Marie Whitesell, Secre-tária-Geral da corte Internacional de Arbitragem, quando ressaltou que o Brasil tem avançado em outras questões importantes ligadas ao sistema de arbitragem, e que “o país se habilita a receber mais investimentos, pois os investidores têm a segurança de que possíveis conflitos podem ser resolvidos de forma mais rápida e barata”.

A experiência estrangeira não deixa dúvidas quanto ao sucesso dos mecanismos alternativos de soluções de conflitos, em destaque, a arbitragem.

Em países como os Estados unidos, a arbitragem há muito tem-po que é amplamente utilizada para a solução de conflitos, onde exis-tem programas designados AdRs – Alternative dispute Resolutions. Sediada em Nova York e com diversas filiais localizadas nos Estados unidos, encontra-se a American Arbitration Association – AAA. Em paris, sediada está a câmara Internacional do comércio – cIc, res-ponsável por diversas arbitragens envolvendo muitos países.

A previsão do uso da arbitragem no Brasil não é recente, haja vista que a legislação pátria já previa, conferindo legitimidade aos juízos arbitrais, como constante nos arts. 1.037 a 1.048 do código civil de 1916, além dos arts. 1.072 a 1.102 do código de processo

1 Arbitragem cresce no Brasil. disponível em: <www.taab.com.br/noticia2.asp?cod=19>. Acesso em: 17 nov. 2006.

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civil, enquanto o art. 584, inciso VI, do mesmo diploma norma-tivo processual, conferia à sentença arbitral a natureza de título executivo judicial.

Adequando-se às exigências do mercado, no Brasil foi san-cionada a lei n. 9.307, de 23/09/1996, com publicação no DOU de 24/09/1996. Esse diploma marcou o avanço, haja vista ter dotado o país de instrumento ágil, mais econômico e eficiente para a solução de conflitos, incorporando os princípios da Convenção de Nova York, como se observa em seu capítulo VI, que trata do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, bastando a sua homolo-gação, atualmente, pelo Superior Tribunal de justiça, em razão da Ec 45/2004, para ser cumprida no país.

casos de denegatória de homologação temos, se a decisão ofender a ordem pública nacional ou se, segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não for suscetível de ser resolvido por arbitragem.

A respeito das vantagens oferecidas pelos mecanismos alterna-tivos de solução de controvérsias, em especial, a arbitragem, assegura às partes autonomia para escolherem o(s) árbitro(s) a quem subme-terão a controvérsia relativa a direitos patrimoniais disponíveis, des-de que mediante convenção de arbitragem as partes tenham firmado a cláusula compromissória, inserta nos contratos ou em documento apartado, que a ela se refira.

A preservação da autonomia da vontade, que é essencial na convenção da arbitragem e sucesso do sistema, manteve-se íntegro no código de defesa do consumidor que, em seu artigo 51, foi expresso:

Art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)VII – determinem a utilização compulsória da arbitragem.

A questão torna-se tormentosa se descumprida a previsão do art. 4º, § 2º, do cdc, isto é:

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Art. 4º

(...)

§ 2º nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a sua assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

permissa venia para o trocadilho, mas a sistemática da arbitragem não deve transformar-se em plataforma para a prática da arbitrariedade.

Importa salientar a observação feita por john cooley e Steven lubet2 ao compararem as vantagens da arbitragem frente aos processos judiciais.

Quanto ao custo do processo, o julgamento por tribunal é pago pe-los cofres públicos – dinheiro oriundo da arrecadação de impostos paga os serviços dos juízes e outros serviços administrativos dos tribunais.

(...)com relação à natureza do foro, os procedimentos do complexo processo de julgamento por tribunal normalmente inibem as partes em razão do respeito reverencial que impõem, e essas normal-mente necessitam ser representadas por um advogado.

(...)

Acontece também de o acúmulo de processos às vezes acarretar atrasos expressivos no processamento de casos individuais.

É bem verdade que na relação de consumo, tal qual na relação trabalhista, é manifesta a desigualdade entre as partes contratantes, especialmente sob o aspecto econômico, por isso o estabelecimento de regras tutelares em relação à parte hipossuficiente.

2 coolEY, john W.; luBET, Steven.coolEY, john W.; luBET, Steven. Advocacia e Arbitragem.Tradução de René lon-can. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001, p. 28 e 29.

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As partes têm a liberdade de escolher as regras de direito que serão aplicadas, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública, podendo a decisão ser de direito ou de eqüidade.

É impossível um juiz conhecer sobre todos os assuntos que lhe são submetidos a julgamento e por isso recorre aos auxiliares da justi-ça, aos peritos, o que ainda mais onera a condução do processo.

A arbitragem torna-se mais econômica e a decisão mais con-sentânea com a vontade das partes, considerando que todo o proce-dimento, desde a escolha do(s) árbitro(s), regras aplicáveis e prazos, dependem da sua livre manifestação de vontade. por isso, propor-ciona à sociedade outras grandes vantagens, que refletem na econo-mia processual, o fato de que a decisão proferida pelo árbitro, que é considerado juiz de fato e de direito, não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo poder judiciário.

cabível, entretanto, embargos de declaração, no prazo de 5 (cinco) dias, a contar da ciência pessoal ou do recebimento de notifi-cação da sentença arbitral, competindo ao árbitro ou tribunal arbitral, decidir e aditar a decisão, se for o caso, no prazo de 10 (dez) dias.

destaca o prof. Antônio carlos Rodrigues do Amaral,3 em bem elaborado trabalho que,

a arbitragem traz inúmeras vantagens à solução de litígios com-parativamente aos tribunais judiciais, especialmente, em fun-ção da prevalência da autonomia da vontade das partes, da ra-pidez, da maior especialização do árbitro nas questões levadas à sua apreciação, do (em tese) menor custo (o que, todavia, não significa pequeno) e também da possibilidade de ser mantido o sigilo da questão em debate. Esse aspecto da confidencialidade é de especial interesse em matérias da órbita comercial. Tendo em vista que o árbitro (ou corte arbitral) deverá ser escolhido livre e responsavelmente pelas partes, assim como modelada a estrutura procedimental a ser utilizada, a arbitragem é um instituto extremamente democrático e legítimo. A economia na arbitragem, por sua vez, não se dá somente para as partes, mas para toda a sociedade, que não vê mobilizado o aparato judiciá-

3 AMARAl, Antônio carlos Rodrigues do. A arbitragem no Brasil e no âmbito do comér-cio internacional. disponível em: <http://www.hottopos.com/harvard4/ton.htm>. Aces-so em: 17 nov. 2006.

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rio estatal para solução de controvérsias patrimoniais limitadas a particulares. (grifos no original)

por força de lei, apesar de ser um procedimento extrajudi-cial, deve haver respeito a princípios constitucionais relativos aos processos judicial e administrativo, como o do contraditório, o da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. A decisão, sendo condenatória, constitui título executivo, que nos moldes do art. 475-n, do cpc (redação da lei 11.232, de 22/12/2005 – DOU de 23/12/2005), considera-se título executivo judicial, sendo possível a sua execução forçada a de-senvolver-se perante o juízo competente, por intermédio de um processo de execução.

Quanto à decisão arbitral, não nos deteremos à discussão sobre a correta denominação, se sentença ou laudo arbitral, em-bora defenda a segunda, contrariando a opção do legislador pela terminologia sentença, que deve ser reservada à conclusiva pres-tação jurisdicional como ato estatal. Assim, independente da dis-cussão acadêmica, o fato é que a decisão arbitral é definitiva e não-sujeita à homologação judicial, não havendo possibilidade de revisão pelo poder judiciário quanto ao mérito do decidido, mas, apenas no que disser respeito aos aspectos formais, sujeita a argüição de nulidade como previsto no art. 32 da lei n. 9.307/96, desde que proposta a demanda com esse objetivo, no prazo de 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da sentença ar-bitral ou de seu aditamento, como expresso no art. 33 do referido diploma legal.

E, como sempre enriquecedor em seus ensinamentos, des-taca-se a opinião de Alexandre F. câmara,4 no sentido de que “a inclusão da sentença arbitral entre os títulos executivos coloca o Brasil no caminho de uma tendência internacional, de valori-zação da arbitragem como meio de pacificação social, essencial para o descongestionamento do judiciário, e permitindo um novo meio de acesso aos escopos sociais da jurisdição e de seus equi-valentes”.

4 cÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil. Rio de janeiro: lu-men juris, 2006, p. 190.

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Aduz o autor que essa equiparação é reflexo da plena adesão do direito pátrio à luta pelo amplo acesso à justiça. É essencial para a segurança da amplitude de acesso da sociedade à plena e justa ordem jurídica a valorização dos mecanismos paraestatais de com-posição de conflitos.

E o que nos falta para que haja efetividade na utilização da arbi-tragem internamente, uma vez que contamos com legislação adequa-da e plena utilização nos negócios internacionais?

A questão tem um viés de natureza cultural e requer ação con-junta da mídia, das organizações interessadas e do Estado, especial-mente, do poder judiciário, que muito pode contribuir para que se quebre o paradigma cultural de que a justiça e a solução dos conflitos só se alcança por intermédio do Estado-juiz.

Em entrevista ao jornal do Senado, publicada em 14/07/2006, ao registrar no plenário do Senado, os dez anos da lei de Arbi-tragem, resultado de projeto de sua autoria, o Senador Marco Maciel destacou o significativo avanço no sistema judicial bra-sileiro. Entretanto, observa “que ainda existe espaço para a am-pliação desse instituto por meio da incorporação de uma cultura da arbitragem”.

Bem frisou o eminente Senador que a arbitragem é amplamente utilizada no exterior e por grandes empresas, especialmente em razão da “onda globalizadora, cujos contratos internacionais, muitas vezes, envolvem mais de um país”.

E importante medida foi adotada pelo conselho nacional de justiça (cnj), nesse sentido, ao emitir a Recomendação de n. 06/06, para que os tribunais brasileiros considerem como sentenças os acor-dos obtidos por meio de conciliação perante os tribunais.

É um avanço em termos de formação de uma cultura a favor dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, embora a medida do CNJ seja específica no sentido de estimular a conciliação.

A pretensão é que as empresas solucionem suas demandas nas áreas cível, comercial e trabalhista, de maneira que o acordo alcança-do seja valorado com a natureza de título executivo, como acontece com o laudo arbitral e as decisões judiciais.

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data marcante será o dia 8 de dezembro de 2006, comemorativo dia da justiça, escolhido para a realização de um mutirão nacional pela conciliação.

Em 30/10/2006, veiculou-se no link de notícias do endereço eletrônico da câmara de Alçada Arbitral Brasileira, de autoria de cla-rice chiquetto,5 sob o título de nova “Regra abre frente para empresa usar mais conciliação”, onde registrou que:

A medida beneficiará milhares de empresas que têm buscado cada dia mais as vias alternativas para resolução de conflitos, fugindo da justiça comum, de grandes estatais, como a caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, que participarão de um mutirão de conciliação em dezembro, até empresas meno-res, como a paulista união Brasileira de Metais (uniBrasil), do ramo siderúrgico, que incluir cláusulas arbitrais e de con-ciliação nos contratos firmados com terceiros e com os seus funcionários.

(...)um dos focos do mutirão será tentar solucionar milhares de pro-cessos envolvendo órgãos públicos federais, especialmente caixa Econômica, Banco do Brasil, Agência nacional de Telecomunica-ções (Anatel) e o Instituto nacional do Seguro Social (InSS), que são os com maior demanda.(...)o presidente do conselho nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (conima), cássio Ferreira neto, comemorou o in-centivo à conciliação dado pelo conselho nacional, tanto com re-lação à recomendação como com o mutirão. ‘devemos criar uma cultura de solução amigável dos conflitos no Brasil. Isso ajuda a resolver os problemas mais rápido e a dar celeridade inclusive ao próprio Judiciário’, afirma.

Realmente louvável a atitude do conselho nacional de justiça congregando as forças disponíveis, a fim de amadurecer a cultura nacional para a utilização dos mecanismos alternativos de solução de conflitos.

5 disponível em: <http://taab.com.br/noticia2.asp?cod=54>. Acesso em: 17 nov. 2006.

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3 AdMinistRAção pÚBLiCA e A utiLiZAção dA Convenção de ARBitRAGeM eM seus ContRAtos

E a administração pública submete-se à arbitragem na solução de controvérsias em que esteja envolvida em decorrência de vínculo contratual? E mesmo a administração pública indireta, há algum im-pedimento de ordem legal?

de conformidade com o art. 18, da lei n. 9.307/96, “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo poder judiciário.”

A não-sujeição a recurso é a pedra de toque da discussão, es-pecialmente, para aqueles que não admitem a utilização da arbitra-gem para a solução de conflitos em que o Estado figure como parte. E sustenta-se que, em razão do ente público participar da relação, a arbitragem não se aplica em razão do contido no art. 5º, XXXV, da cF/1988, que assevera: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. nesse caso, atinente ao prin-cípio do duplo grau de jurisdição. complemente-se com o previsto no art. 475, do cpc:

Art. 475 Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não pro-duzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a união, o Estado, o distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;(...)§ 1º nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

A remessa não se aplica quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmu-la deste Tribunal ou do Tribunal Superior competente.

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nesse sentido, destaca Ernane Fidélis6 que “em princípio, só transitam em julgado as sentenças preferidas contra a união, o Es-tado, o distrito Federal, o Município, respectivas autarquias e fun-dações de direito público, depois de reexaminados pelo tribunal hie-rarquicamente superior” (art. 475, I, com redação da lei n. 10.352, de 26/12/2001).

Ao tratar da arbitragem, especialmente quanto ao compromisso, Ernane Fidélis7 contesta a alegada violação a art. 5º, XXXV, da cF, argumentando que “o que se prevê como possibilidade de autocom-posição é a existência do litígio e a opção pelo compromisso, e não a obrigação de firmá-la, já que ela não se cumpre por si própria se houver recusa da parte”.

Importa salientar que na arbitragem as partes têm liberdade de escolher árbitros, estabelecer regras procedimentais e decisórias, por-tanto, significaria torpeza a parte recorrer contra o resultado de sua própria manifestação de vontade. para tanto, ressalta ainda Ernane Fidélis que a sentença que julga a cláusula compromissória é passível de ação rescisória no prazo de 2 (dois) anos.

Ademais, vale repetir que a parte, nas hipóteses previstas na lei n. 9.307/96, poderá propor a decretação de nulidade no prazo de 90 (noventa) dias, como exposto no art. 33 do referido diploma legal.

Antônio carlos Amaral8 toca na questão, ressaltando não estar a decisão que proferir o árbitro constituído pelas partes, sujeita a recurso para o poder judiciário, sob o argumento de que “uma vez analisado dentro do espírito que conforme a nova lei de arbitragem, verifica-se que o artigo 18 não comete qualquer violação ao texto constitucional, seja no que se refere à problemática do recurso aos tribunais, seja no que se refere à questão do duplo grau de jurisdição”.

não há qualquer inconstitucionalidade na livre renúncia e de forma responsável ao recurso judicial.

6 SAnToS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 11 ed. rev. e atual. São paulo: Saraiva, 2006, p. 629, v. 1

7 SAnToS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 10 ed. rev. e atual. São paulo: Saraiva, 2006, p. 166, v. 3

8 AMARAl, Antônio carlos Rodrigues. A arbitragem no Brasil e no âmbito do comércio internacional. disponível em: <http://www.hottopos.com/harvard4/ton.htm>.

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E o próprio Supremo Tribunal Federal, na sua qualidade de guar-dião do Texto constitucional, tem em seus anais o denominado “caso lAGE”, precedente muito expressivo no qual a união submeteu-se ao juízo arbitral para a resolução de pendência com a organização lAGE, um pool formado por empresas privadas para a exploração da navegação, estaleiros e portos.

Eis a Ementa do julgamento do AI-52181/GB – Guanabara, sob a relatoria do Min. Bilac pinto:9

EMEnTA: IncoRpoRAÇÃo, BEnS E dIREIToS dAS EMpRESAS oRGAnIZAÇÃo lAGE E do ESpÓlIo dE hEnRIQuE lAGE. juÍZo ARBITRAl. cláuSulA dE IR-REcoRRIBIlIdAdE. juRoS dE MoRA. coRREÇÃo Mo-nETáRIA. 1. LeGALidAde do JuÍZo ARBitRAL, Que o nosso diReito seMpRe AdMitiu e ConsAGRou, AtÉ MesMo nAs CAusAs ContRA A FAZendA. pRe-Cedente do supReMo tRiBunAL FedeRAL. 2. Le-GitiMidAde dA CLÁusuLA de iRReCoRRiBiLidA-de de sentençA ARBitRAL, Que não oFende A noRMA ConstituCionAL. 3. juRoS dE MoRA con-cEdIdoS, pElo AcÓRdÃo AGRAVAdo, nA FoRMA dA lEI, ou SEjA, A pARTIR dA pRopoSITuRA dA AÇÃo. RAZoáVEl InTERpRETAÇÃo dA SITuAÇÃo doS Au-ToS E dA lEI n. 4.414, dE 1964. 4. coRREÇÃo MonE-TáRIA concEdIdA, pElo TRIBunAl A Quo, A pARTIR dA puBlIcAÇÃo dA lEI n. 4.686, dE 21.6.65. dEcISÃo coRRETA. 5. AGRAVo dE InSTRuMEnTo A QuE SE nE-Gou pRoVIMEnTo. (grifo nosso)

o precedente do Supremo Tribunal Federal que reconhece a legalidade da submissão da união ao juízo Arbitral, é a decisão da Turma Especial proferida em 13/06/1969, no julgamento do RE – 56.851 – Guanabara, sob a relatoria do Ministro Moacir Amaral Santos.10 Vejamos trechos do voto definidor, à unanimidade de votos:

9 publicação no DJ de 15/02/1974.10 publicação no DJ de 24/09/1969.

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eMentA: Ação de indenização pelo torpedeamento dos navios plave, Araraquara e itagibá, durante a guerra proposta pelo Es-pólio de henrique lage. Recurso extraordinário conhecido e pro-vido para julgar procedentes a ação. o acórdão recorrido ofendeu o art. 9º do decreto-lei n. 9.521/46.” (grifos no original)

(...)E mais, como resultado do acórdão entre os interessados, se esta-beleceu no art. 9º do mesmo decreto-lei n. 9.521, de 1946:As importâncias que couberem às Emprêsas e ao Espólio na distri-buição do Fundo de Indenização criado pelo decreto-lei nº 4.166, de 14 de março de 1942, a título de reparação pelos navios de pro-priedade dos mesmos que foram perdidos ou danificados em con-seqüência da guerra, servidão de garantia ao pagamento do saldo a que alude o § 2º, do art. 8º, caso se verifique a hipótese alí prevista, não podendo, assim, ser levantadas até que seja proferida a sen-tença do Juízo Arbitral.(...)2. o referido decreto-lei n. 9.521, no art. 12, ‘instituiu o Juízo Arbitral para o fim especial de julgar, em única instância e sem recurso, as impugnações oferecidas pelo espólio de Henrique Lage, sua herdeira e legatários, aos decretos-leis ns. 4.648, de 2 de setembro de 1942, e 7.024, de 6 de novembro de 1944, ‘traçan-do-lhes as atribuições’. entre as atribuições do Juízo Arbitral se achava a de ‘decidir sôbre as avaliações dos bens e direitos’ referidos nos arts. 2º e 4º, do mesmo decreto-lei. (grifo nosso)no exercício das funções para as quais foi instituído, o juízo Arbitral procedeu à avaliação dos bens e direitos incorporados ao patrimônio nacional, deixando de incluir nessa avaliação, em virtude do art. 9º acima transcrito, o valor das indenizações pe-los três navios sinistrados antes do decreto de incorporação, já mencionados.(...)3. A sentença arbitral tinha caráter de irrecorrível, ‘constituindo decisão final e definitiva, que será executada independentemente de homologação’ (decreto-lei n. 9.521, art. 16).(...)Mas, sobretudo, olvidaram o disposto no art. 9º do mesmo decre-to-lei, que julgo prudente reproduzir:

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‘Art. 9º As importâncias que couberam às Emprêsas e ao Espólio na distribuição do Fundo de Indenização criado pelo decreto-lei n. 4.166, de 11 de março de 1942, a título de reparação pelos navios de propriedade dos mesmos que foram perdidos ou danificados em conseqüência da guerra servirão de garantia ao pagamento do saldo a que alude o § 1º do artigo 8º, caso se verifique a hipótese alí prevista, não podendo, assim, ser levantadas até que seja proferida a sentença do Juízo Arbitral’.(...)5. Atendendo a que, como se viu, a decisão no juízo Arbitral, que é sentença, e transitou em julgado, reconheceu ser o Es-pólio credor, e não devedor, da união, sendo por isso caso de aplicar-se o parágrafo 2º do art. 8º do mesmo decreto-lei n. 9.521, cabe à união pagar ao Espólio ou às Empresas o que a cada um fôr devido. (...)

destaca-se a importância da lei n. 9.307/96 porque havia a ne-cessidade de internalização da arbitragem como mecanismo de so-lução de controvérsias, haja vista que no âmbito internacional, em especial nas relações comerciais, é constante a existência de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos.

nas negociações internacionais, o Brasil há tempo tem-se submetido ao compromisso de discussão das controvérsias por esse mecanismo de solução. por tratar-se de situação bem próxima e de importância para o Brasil em face da crescente cultura de re-lacionamento comunitário de nações, vale destacar a presença da arbitragem no âmbito do MERcoSul.

originariamente, os Estados-partes, República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do paraguai e a Re-pública oriental do uruguai, pelo Tratado de Assunção assinado em 26 de março de 1991, acordaram a constituição de um Mercado comum, fundado na reciprocidade de direitos e obrigações. pelo Tratado, as controvérsias decorrentes de sua aplicação, caso não resolvidas por negociações diretas entre os Estados partes, haverá submissão da controvérsia à consideração do Grupo Mercado co-mum, que formulará recomendação para a solução no prazo de 60 dias. Também houve proposição para criação de Sistema de Solução de controvérsias.

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Assim, por intermédio do protocolo de ouro preto, de 17 de dezembro de 1994, adicional ao Tratado de Assunção sobre a estrutura institu-cional do MERCOSUL, reafirmou os princípios e objetivos do Tratado de Assunção.

Afirmou o Grupo Mercado Comum, já mencionado, como ór-gão executivo do MERcoSul, coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores, constando representantes destes Ministérios, dos Ministérios da Economia e dos Bancos centrais.

o art. 7º do procedimento Geral Anexo ao protocolo de ouro preto11 prevê a utilização do Tribunal Arbitral para a solução de controvérsias.

Artigo 7º

Se não for alcançado consenso na comissão de comércio do MERcoSul e, posteriormente, no Grupo Mercado comum, ou se o Estado reclamado não observar, no prazo previsto no Artigo 6º, o disposto na decisão alcançada, o Estado reclamante poderá recorrer diretamente ao procedimento previsto no capítulo IV do protocolo de Brasília, fato que será comunicado à Secretaria Ad-ministrativa do MERcoSul.o Tribunal Arbitral, antes da emissão de seu laudo, deverá se as-sim solicitar o Estado reclamante, manifestar-se, no prazo de até 15 (quinze) dias após sua constituição, sobre as medidas provi-sórias que considere apropriadas, nas condições estipuladas pelo Artigo 18 do protocolo de Brasília.

o protocolo de Montevidéu sobre comércio de serviços no Mercosul12, formalizado em 23 de julho de 1998, tratou da solução de controvérsias em seu art. 24.

Artigo 24Solução de controvérsias

11 BRASIl. Ministério das Relações Exteriores. Representação brasileira na comissão permanente conjunta do Mercosul. procedimento Geral Anexo ao protocolo de ouro preto. Mercosul: legislação e textos básicos. 4. ed. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2005, p. 49.

12 Op. cit. p. 94.

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As controvérsias que possam surgir entre os Estados partes em re-lação à aplicação, interpretação ou ao não cumprimento dos com-promissos estabelecidos no presente protocolo, serão resolvidas em conformidade com os procedimentos e mecanismos de solução vigentes no MERcoSul.

Finalmente, com o protocolo de olivos, assinado em 18 de fevereiro de 2003, na cidade que lhe deu o nome, na província de Buenos Aires, República da Argentina, considerando a evolução do processo de integração no âmbito do MERcoSul, foram es-tabelecidas as regras de aperfeiçoamento do Sistema de Solução de Controvérsias, a fim de consolidar a segurança jurídica no seu âmbito.

Ficou previsto no protocolo de olivos13 que não alcançando acordo em negociações diretas, os Estados-partes poderão iniciar di-retamente o procedimento arbitral previsto em seu capítulo VI, que regula o procedimento Arbitral Ad hoc.

no art. 18 do protocolo regula-se a composição do Tribunal Arbitral Ad hoc e, considerando a possibilidade de recurso de revisão do laudo arbitral, foi constituído o Tribunal Arbitral permanente de Revisão, com sede na cidade de Assunção.

os arts. 18 e 20 regulam a composição e o funcionamento do Tribunal.

Artigo 18composição do Tribunal permanente de Revisão

1. o Tribunal permanente de Revisão será integrado por 5 (cinco) árbitros.2. cada Estado parte do MERcoSul designará 1 (um) árbitro e seu suplente por um período de dois (2) anos, renovável por no máximo dois períodos consecutivos.

(...)

13 ARGEnTInA. protocolo de olivos, op. cit. p. 139.

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Artigo 20Funcionamento do Tribunal.1. Quando a controvérsia envolver dois Estados partes, o Tri-bunal estará integrado por 3 (três) árbitros. dois árbitros serão nacionais de cada Estado parte na controvérsia e o terceiro, que exercerá a presidência, será designado mediante sorteio a ser realizado pelo diretor da Secretaria Administrativa do MERcoSul, entre os árbitros restantes que não sejam na-cionais dos Estados partes na controvérsia. A designação do presidente dar-se-á no dia seguinte à interposição do recurso de revisão, data a partir da qual estará constituído o Tribunal para todos os efeitos.2. Quando a controvérsia envolver mais de 2 (dois) Estados partes, o Tribunal permanente de Revisão estará integrado pelos 5 (cinco) árbitros.3. Os Estados Partes, de comum acordo, poderão definir outros cri-térios para o funcionamento do Tribunal estabelecido neste artigo.

para concluir quanto à submissão do Estado às soluções de con-trovérsias contidas nos laudos dos Tribunais Arbitrais, destaca-se o art. 33 do protocolo14 a respeito da jurisdição dos Tribunais.

Artigo 33jurisdição dos Tribunais

os Estados partes declaram reconhecer como obrigatória, ipso facto e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição dos Tri-bunais Arbitrais Ad Hoc que em cada caso se se constituam para conhecer e resolver as controvérsias a que se refere o presente pro-tocolo, bem como a jurisdição do Tribunal permanente de Revisão para conhecer e resolver as controvérsias conforme as competên-cias que lhe confere o presente protocolo.

Ademais, vale destacar que, após aprovação pelo Senado Fede-ral, de onde é originária, encontra-se em tramitação na câmara dos deputados uma proposta de Emenda constitucional n. pEc 358-A

14 Op. cit. p. 144.

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– Reforma do judiciário15 que, além de pretender alterar a redação de alguns artigos da constituição Federal de 1988, propõe acrescentar um terceiro parágrafo ao art. 98 da cF.

Eis a proposição:

Art. 98 A união, no distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:I – juizados especiais, providos por juizes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a exe-cução de causas cíveis de menor complexidade e infrações pe-nais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juizes de primeiro grau;(...)§ 3º Os interessados em resolver seus conflitos de interesse pode-rão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei.

na proposta de Emenda constitucional n. 29/2000, que foi aprovada e transformada na Emenda constitucional n. 45, de 08/12/2004, publicada no DOU de 31/12/2004, constava a propo-sição dos parlamentares no sentido de excluir da utilização da ar-bitragem os contratos em que figurassem como partes entidades de direito público.

certamente foi alvo de pressão, tanto que a Ec 45/2004 não consumou a pretensão de excluir as entidades de direito público. Per-missa venia, seria um contra-senso manter tal restrição, haja vista que o Estado tem muito interesse em incrementar as ppp – parcerias pú-blico-privadas, nas quais os contratos adotam as cláusulas compro-missórias de arbitragem.

A pEc n. 358-A/2005 não faz qualquer restrição à utilização da arbitragem no setor público. houve aprovação de parecer da comis-são Especial e tem sido alvo de requerimentos de alguns parlamen-tares à presidência da câmara para que haja sua inclusão na ordem do dia, sob o argumento de tratar-se de matéria de interesse nacional, relativos à reforma do judiciário.

15 BRASIl. câmara dos deputados. projeto de Emenda constitucional n. 358-A, de 2005, do Senado Federal. disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes>. Aces-so em: 23 jul. 2007.

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4 espeCiFiCAMente eM ReLAção Às soCiedAdes de eConoMiA MistA, HÁ ALGuM iMpediMento de oRdeM LeGAL À utiLiZAção dA Convenção de ARBitRAGeM?

Se não há impedimento para a administração pública direta, como já decidido pela Suprema corte, não há que se argumentar so-bre entraves em relação às empresas integrantes da administração pública indireta. Ainda mais porque não são dotadas de qualquer pri-vilégio como ressaltado no art. 173, § 1º, II, da constituição Federal, estabelecendo a sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias.

Saliente-se, ainda, que as sociedades de economia mista não se enquadram na previsão do art. 475, I, do cpc.

Tanto não há qualquer empecilho para que uma sociedade de economia mista adote a convenção de arbitragem e insira em seus contratos a cláusula compromissória, que existem precedentes do E. Superior Tribunal de justiça, onde foi analisada tal possibilidade.

destaque-se que fora submetido à apreciação do Superior Tri-bunal de justiça um mandado de segurança impetrado pela empresa TMc – Terminal Multimodal de coroa Grande – SpE – S/A, contra ato do Ministro de Estado da ciência e Tecnologia, ante a publicação da portaria Ministerial n. 782, publicada no dia 07/12/2005, que anuiu com a rescisão contratual procedida pela empresa nuclEBRáS Equipamentos pesados S/A – nuclEp.

As razões da impetração do mandado de segurança deu-se com apoio nas cláusulas 21.1 e 21.2 do contrato de Arrendamento para Administração, Exploração e operação do Terminal portuário e de área Retroportuária, que prevê o uso da arbitragem. Eis a transcrição dos aspectos definidores constantes da ementa do julgamento do pro-cesso n. AgRg no MS. 11.308/dF; Agravo Regimental no Mandado de Segurança 2005/0212763-0,16 da primeira Seção do Superior Tri-bunal de justiça:

16 publicação no dj de 14/08/2006, p. 251.

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cláusula 21.1 – para dirimir as controvérsias resultantes deste contrato e que não tenham podido ser resolvidas por negociações amigáveis, fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, RJ, em detrimento de outro qualquer, por mais privilegiado que seja.

cláusula 21.2 – Antes de ingressar em juízo, as partes recorrerão ao processo de arbitragem previsto na lei 9.307, de 23.09.06. 3. Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contra-to administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.4. o STF, sustenta a legalidade do juízo arbitral em sede do po-der público, consoante precedente daquela corte acerca do tema, in ‘da Arbitrabilidade de litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de cláusula compromissó-ria’, publicado na Revista de direito Bancário do Mercado de capitais e da Arbitragem, Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro – dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, e de autoria do Ministro Eros Grau, esclarece às páginas 398/399, in litteris:‘Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inú-meras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente, à Administração.’Um pesquisador atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos tribunais arbi-trais por agentes do Estado.Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como ‘caso lage’, no qual a própria união submeteu-se a um juízo arbitral para resolver questão pendente coma organi-zação lage, constituída de empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos.A decisão nesse caso unanimemente proferida pelo plenário do STF é de extrema importância porque reconheceu especificamente ‘a legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda.’ Esse acór-dão encampou a tese defendida em parecer da lavra do eminente castro nunes e fez honra a acórdão anterior, relatado pela autori-zada pena do Min. Amaral Santos. não só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da adminis-tração, como, antes é recomendável, posto que privilegia o interes-se público, (...) (grifou-se)

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5. contudo, naturalmente não seria todo e qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles conhecidos como ‘disponíveis’, porquanto de natureza contratual ou privada. 6. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-fi-losófica entre o interesse público primário e o interesse da admi-nistração, cognominado ‘interesse público secundário’. lições de carnelutti, Renato Alessi, celso Antônio Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau.7. o Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao ‘interesse público’. Ao revés, quan-do visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.8. deveras, é assente na doutrina e na jurisprudência que indispo-nível é o interesse público, e não o interesse da administração.9. nesta esteira, saliente-se que dentre os diversos atos praticados pela Administração, para a realização do interesse público primá-rio, destacam-se aqueles em que se dispõe de determinados direi-tos patrimoniais, pragmáticos, cuja disponibilidade, em nome do bem coletivo, justifica a convenção da cláusula de arbitragem em sede de contrato administrativo.10. nestes termos, as sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inci-so II, da constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem conven-ções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres. 11. destarte, é assente na doutrina que ‘Ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse públi-co, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses pú-blicos, Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o ár-bitro deve decidir com imparcialidade, o interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda

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pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da justiça’. (grifou-se) (In ar-tigo intitulado ‘da Validade de convenção de Arbitragem pactua-da por Sociedade de Economia Mista’, de autoria dos professores Arnold Wald, Atlhos Gusmão carneiro, Miguel Tostes de Alencar e Ruy janoni doutrado, publicado na Revista de direito Bancário do Mercado de capitais e da Arbitragem, nº 18, ano 5, outubro-dezembro de 2002, página 418).12. Em verdade, não há que se negar a aplicabilidade do juízo arbitral em litígios administrativos, em que presente direitos pa-trimoniais do Estado, mas ao contrário, até mesmo incentivá-la, porquanto mais célere, nos termos do artigo 23 da lei 8987/95, que dispõe acerca de concessões e permissões de serviços e obras públicas, que prevê em seu inciso XV, entre as cláusulas essenciais do contrato de concessão de serviço público, as rela-tivas ao ‘foro e ao modo amigável’ de solução de divergências contratuais. 13. precedentes do Supremo Tribunal Federal: SE 5206 AgR / Ep, de relatoria do Min. SEpÚlVEdA pERTEncE, publicado no dj de 30-04-2004 e AI. 52.191, pleno, Rel. Min. Bilac pinto. in RTj 68/382 – ‘caso lage’. cite-se ainda MS 199800200366-9, con-selho Especial, TjdF, j. 18.05.1999, Relatora desembargadora nancy Andrighi, dj 18.08.1999.14. Assim, é impossível desconsiderar a vigência da lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do cpc, que se aplicam inteiramente à matéria sub judice, afastando definitivamente a jurisdição estatal no caso dos autos, sob pena de violação ao princípio do juízo natural (artigo 5º, lII da constituição Federal de 1988). 15. É cediço que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitu-cional do juiz natural, ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma coercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o ‘risco’ de serem derrotadas na arbitragem. precedente: Resp nº 450881 de relatoria do Ministro castro Filho, publicado no dj 26.05.2003. 16. deveras, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbi-tral, será um árbitro o juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96, o que signifi-

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ca dizer que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência. 17. outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naque-la pública, o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a respeito de sua competência. 18. consequentemente, o fumus boni iuris assenta-se não apenas na cláusula compromissória, como também em decisão judicial que não pode ser infirmada por Portaria ulterior, porquanto a isso corresponderia verdadeiro ‘atentado’ (art. 880 do cpc) em face da sentença proferida pelo juízo da 42ª Vara cível da comarca do Rio de janeiro.19. Agravo Regimental desprovido.

não há impedimento de ordem legal ou desaconselhamento de-vido à construção jurisprudencial contrária à utilização de cláusula arbitral em contratos em que figure como parte sociedade de econo-mia mista.

5 ConsideRAçÕes FinAis

Quanto às sentenças arbitrais estrangeiras não é demasiado ressaltar que o controle judicial para sua homologação pelo Superior Tribunal de justiça, não aprecia o mérito da arbitragem, devendo limitar-se aos aspectos formais. Impõe-se a sua homologação des-de que atendidos os requisitos essenciais, verificada a ausência de ofensa à soberania nacional, aos bons costumes e à ordem pública.

Em referência ao objeto específico da pesquisa, sobre a utiliza-ção da arbitragem pela administração pública em geral, o acórdão de relatoria do Ministro luiz Fux, de elogiável percuciência, analisou a questão sob vários aspectos, procurando de forma clara embasar o conhecimento do leitor com a sua doutrina, com citações de posi-ções expostas por outros doutrinadores de primeira linha, além do enriquecimento em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Extrai-se do entendimento do Superior Tribunal de justiça que não há impedimento no ordenamento jurídico nacional para a utili-zação da arbitragem nos contratos da administração pública, espe-

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cialmente quando contrata como qualquer particular, mesmo porque o interesse público é que se considera indisponível, e não o interesse da administração, como muito bem frisado no texto do acórdão men-cionado. Ademais, enfatizou-se a realidade de que as sociedades de economia mista nivelam-se às empresas privadas nas suas relações comerciais.

Em relação à administração pública, não há que se cogitar de que ao optarem pela arbitragem os contratantes públicos estejam tran-sigindo com o interesse público.

o que importa é o fato de que não há subtração da garantia constitucional do juízo natural, o que poderia ser um entrave em relação aos entes da administração pública direta. Tal preocupa-ção não diz respeito às sociedades de economia mista e empresas públicas.

o fato de a arbitragem não ser utilizada pela administração pública com a freqüência desejada pelos incentivadores dos meca-nismos alternativos de solução de conflitos, deve-se à deficiência da difusão cultural a respeito do seu processamento e suas van-tagens, bem como pela falta de interesse e/ou conveniência das empresas, certamente por temer as vantagens do mecanismo da arbitragem, como a celeridade e impossibilidade de interposição de numerosos recursos.

Importa ter sempre presente que o uso da arbitragem não é defesa aos agentes da administração pública, haja vista que nosso direito, como reconhecido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, sempre admitiu e consagrou a aplicação, inclusive, em relação à Fazenda pública.

6 ReFeRÊnCiAs BiBLioGRÁFiCAs

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Endereços eletrônicos visitados:

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REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 47-62 2007

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dIREIToS dA pERSonAlIdAdE do nAScITuRo

SIlMA MEndES BERTI

sumário1. Introdução. 2. direitos da personalidade e o código civil de 2002. 3. o nascituro. 4. dignidade da pessoa humana. 5. Fundamentos da dignidade da pessoa humana. 6. direito à vida. 7. A integridade física. 8. A integridade moral. 9. conclusão. 10. Referências bibliográficas.

ResumoEste artigo analisa os direitos da personalidade. Inicia-se com uma

visão histórica do tema, com destaque para o princípio da dignidade da pessoa humana. Analisa-se a legislação civil atual sobre os direitos da personalidade e sua relação com os fundamentos do instituto jurídico. o foco principal são os direitos da personalidade do nascituro.

pAlAVRAS-chAVES: direitos da personalidade. nascituro. digni-dade da pessoa humana.

AbstractThis article analysis the rights of personality. The text begins

with a historical review of the issue and the principle of the dignity of the human being. The article addresses the contemporary civil legis-lation applicable to the rights of personality and its relation with the basis of the legal institution. The main focus is the study of the rights of personality of the unborn.

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KEYWoRdS: Rights of personality. unborn. dignity of the human being.

1 intRodução

Após os direitos do homem do século XVIII, e o direito subjetivo no século XIX, eis que se apresentam no século XX, no arsenal de defesas do indivíduo-sujeito, os direitos da perso-nalidade.

por certo, não surpreenderá a ninguém saber que essa nova construção jurídica tenha sido objeto de debates análogos àqueles que se desenvolveram em relação a figuras mais antigas.

Falar de direitos da personalidade é evocar uma matéria de sistematização recente, com a certeza de que suas origens podem ser buscadas na Grécia antiga. É também falar do crescente in-teresse pelo seu estudo e da preocupação com sua defesa, nota-damente após a Segunda Guerra. A constatação das atrocidades então cometidas pelos alemães e também por povos de outras nações envolvidas no conflito, como americanos e russos, des-pertou nas pessoas um sentimento de desconforto e quem sabe de revolta, levando-as a tomar medidas para evitar a repetição de tais abusos.

A partir de então, tem início um movimento de retorno à busca de fundamentos superiores ao direito, fundamentos que deveriam ser respeitados, sob pena de, não o fazendo, converter-se em um conjunto de regras injustas, as quais de modo algum podem ser consideradas constitutivas do verdadeiro direito.

Ressalte-se que esse retorno ao direito natural deu-se, então, de forma bastante diferente de movimentos verificados em outra época, quando os jusfilósofos buscavam encontrar fundamentos imutáveis e estáveis para o direito em elementos, como a natureza ou a razão humana.

Dificilmente se falará de direitos da personalidade sem uma re-ferência aos direitos do homem. Em doutrina já se referiu mais de uma vez à correspondência que existe entre os direitos do homem e os

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dIREIToS dA pERSonAlIdAdE do nAScITuRo

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direitos da personalidade. Tratar-se-ia apenas de uma perspectiva dife-rente a propósito de um mesmo conteúdo? há quem diga que sim.1 para os direitos do homem é a relação do sujeito ao poder que é tocado. para os direitos da personalidade, a relação dá-se entre os sujeitos de direito, na ordem privada.

Se os direitos do homem situam o indivíduo como sujeito universal de direito em relação a toda particularidade política, os direitos da per-sonalidade apresentam, principalmente, a questão das relações privadas entre os cidadãos, e o indivíduo é protegido como sujeito, especialmente particular, pelo direito vigente em uma sociedade determinada.

para nerson foi a tendência de transportar para o plano civil a teoria dos direitos do homem que levou os juristas à descoberta dos direitos da personalidade.2

Apesar de a noção de direitos da personalidade ter aparecido na doutrina francesa pela primeira vez, sob a influência germânica, no início do século XX, mais precisamente, em 1909, com o estudo de perreau,3 a glória de ser considerado o pai francês dos direitos da personalidade coube a Boistel. Afirmam-no os juristas europeus.

para Boistel, cada uma das faculdades intelectuais, volitivas e sensitivas da pessoa, faz objeto de um direito puramente interno. E, se é assim, é porque a pessoa, ela própria, é a forma de todo direito.

Sobre os direitos internos, mais precisamente os prolonga-mentos da personalidade, Boistel escreveu: os direitos que o homem traz consigo ao nascer são inicialmente sua pessoa mesma; trata-se de um direito formal e vivo, do qual derivam todos os demais direi-tos, acrescentando que o princípio moral que protege o direito é a inviolabilidade da pessoa humana; sagrada e inviolável em face de qualquer outra pessoa.

Se, para os juristas europeus, a paternidade dos direitos da personalidade, na França, deve ser atribuída a Boistel, entre nós, pode-se falar da paternidade plural desses mesmos direitos, pater-

1 hEnnAuX, jean-Marie.hEnnAuX, jean-Marie. Le droit de l’homme à la vie. Buxelles: Institut d’ÉtudesBuxelles: Institut d’Études Théologiques, 1993, p. 8.

2 nERSon, Roger. la protection de la vie privée en droit positif français.nERSon, Roger. la protection de la vie privée en droit positif français.la protection de la vie privée en droit positif français. Revue Interna-tionale de Droit Comparé, oct.-.dec., 1971, p. 749.

3 pERREAu, E. h. les droits de la personnalité.pERREAu, E. h. les droits de la personnalité. Revue Trimestrielle de Droit et Jurispru-dence, 1909, p. 513.1909, p. 513.

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nidade em que se envolveram Walter Moraes, Milton Fernandes e Antonio chaves.

O primeiro com seus inúmeros e preciosos escritos, especifica-mente, sobre o direito à imagem, e o segundo com sua incomparável e clássica proteção civil da Intimidade. Antonio chaves, demons-trando a preocupação constante de tornar conhecida a teoria, que, embora nova entre nós, evoluía e ocupava espaço nas reflexões dos juristas, na evolução da doutrina e no labor jurisprudencial, como que, aperfeiçoando-se para figurar no texto de futuras leis. E assim se fez. por muito tempo ausente das leis brasileiras, os direitos da personalidade erigiram-se em preceito constitucional, em 1988. Sua proteção parte, então, do tronco comum da árvore jurídica, a lei Maior, que fez da dignidade da pessoa humana um dos seus funda-mentos, com a terminologia publicista, aplicando-se-lhes a denomi-nação direitos fundamentais.

2 diReitos dA peRsonALidAde e o CÓdiGo CiviL de 2002

o código civil de 2002 traz como novidade a inserção em seu texto de um capítulo, disciplinando os direitos da personalidade, hoje considerados estáveis e consolidados em nosso ordenamento jurídico, o que não significa dizer que sejam devidamente respeitados.

na verdade, pode parecer contraditório, pois quanto mais evoluem mais são desrespeitados tais direitos, sobretudo em razão da evolução da técnica e das descobertas científicas que, embora tenham aberto vas-tas perspectivas ao desenvolvimento, também apresentam grandes ris-cos ao homem, possibilitando interferências estranhas sobre sua vida, sua esfera de intimidade e sobre os demais bens de sua personalidade.

Sabe-se que os direitos da personalidade, categoria idealizada para satisfazer exigência da tutela da pessoa, determinada pelas con-tínuas mutações das relações sociais, marcam sua passagem na histó-ria e são mutáveis no tempo e no espaço. portanto, se o agravar das possibilidades de escutas, gravações não-autorizadas, fotografias com teleobjetivas, e assim por diante, deu uma nova dimensão aos direitos

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da personalidade, a partir do século passado, hoje, é a intromissão informática que representa o grande problema.4

É também esse o pensamento de diogo leite de campos, para quem os direitos da personalidade, no discurso do jurista e nas re-presentações sociais, têm, nos dias atuais, sua natureza adulterada. dos instrumentos de defesa do ser humano contra a onipotência do soberano e contra a agressão dos outros estão sendo transformados em expressão da onipotência do indivíduo, da sua soberania absoluta sobre o eu e os outros.5

Afirmá-los e protegê-los é tarefa primordial do direito, pois o homem está sempre ameaçado pela atuação invasiva de seus seme-lhantes, dos grupos sociais e do Estado.

3 o nAsCituRo

Toda a reflexão que aqui se desenvolveu sobre os já conhecidos

direitos da personalidade perderá certamente seu encanto se não for aplicada à proteção dos seres mais frágeis. nossos eleitos são os que se encontram no ventre materno, em preparação para nascer, os nas-cituros, como quer a linguagem jurídica. Embora não nascidos seus direitos de personalidade devem ser preservados e respeitados?

os direitos da personalidade se apresentam sempre em enume-ração exemplificativa e não exaustiva. Mas o ponto de partida para todos eles está centrado no princípio da dignidade da pessoa humana, que, desde sua inserção no texto constitucional, não cessa de difundir-se por todos os ramos do direito.

4 diGnidAde dA pessoA HuMAnA

A dignidade da pessoa humana implica que a cada homem se-jam atribuídos direitos, por ela justificados e que assegurem essa dig-

4 AScEnSÃo, josé de oliveira. Direito Civil: teoria geral. coimbra: coimbra, 1997, p. 65, v. 1.

5 cAMpoS, diogo leite de. Reapreciação da categoria dos direitos da personalidade.cAMpoS, diogo leite de. Reapreciação da categoria dos direitos da personalidade. Re-vista da Faculdade de Direito Milton Campos, v.1, n.1, p. 35-36, 1994.

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nidade na vida social. Esses direitos devem representar um mínimo que crie o espaço no qual cada homem poderá desenvolver sua per-sonalidade.6

Mas há quem sustente que a dignidade da pessoa humana constitui um conceito novo, possui uma autonomia em relação aos direitos do homem. Em síntese, os direitos do homem repousariam sobre uma valorização da liberdade do homem, enquanto a digni-dade designaria o homem como pertencente à humanidade.

5 FundAMentos dA diGnidAde dA pessoA HuMAnA

Qual o fundamento da dignidade humana? pode-se buscar nos preceitos bíblicos uma resposta radical e em poucas palavras: o fun-damento da dignidade da pessoa humana não repousa apenas sobre o homem, mas também sobre o laço existente entre a criatura e o criador. E por quê? porque o homem é um ser sagrado, criado à ima-gem e semelhança de deus, inspirado e chamado por deus, portan-to, pode-se afirmar com Junqueira que o que diferencia os homens dos outros seres vivos é a capacidade de amar, a possibilidade de re-conhecer em cada um dos outros homens um igual e de amá-lo, por essa simples razão. Apenas o homem é capaz de tal reconhecimento, do verdadeiro amor, que não advém do instinto, mas da alma.7

pois bem, se os direitos da personalidade daqueles que podem defendê-los têm sido tão ameaçados, o que dizer das ameaças que pairam sobre os direitos dos que ainda não foram dados à luz?

6 diReito À vidA

direito à vida: pode-se perguntar se o direito subjetivo, o mais importante de que o não-nascido poderia ser titular, não seria o direito à vida? de fato, que aspiração pode ser maior que a vida? “A vida

6 AScEnSÃo. Op. cit., p. 64.7 AZEVEdo, Antonio junqueira de. caracterização jurídica da dignidade da pessoa hu-

mana. Revista dos Tribunais, ano 91, v. 797, p. 12-13, março 2002.

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exige um compromisso de amor, de acolhida e de respeito por toda criatura humana a partir de sua concepção”.

A vida é um continuum, pode ser comparada a um texto, corta-do por vírgulas, mas não tem, até seu término, qualquer ponto. Ela é uma “frase única”. A vida é um bem que, entre nós, a constituição da República Federativa do Brasil se obriga a proteger, de modo que não sofra atentados.

Tratado em todas as legislações, explícita ou implicitamente, o direito à vida não pode ser apartado do próprio conceito de civilização e de acatamento da pessoa humana. o respeito à vida e aos demais diretos correlatos decorre de um dever absoluto, por sua própria natu-reza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer.

A convenção Americana dos direitos do homem, de 1969, es-tabelece que “toda pessoa tem direito ao respeito de sua vida. Este di-reito deve ser protegido pela lei, e, em geral, a partir da concepção”.

A convenção Internacional de nova York relativa aos direitos da criança de 1990, considerada a mais célebre das convenções inter-nacionais precisa no preâmbulo que “a criança [...] tem necessidade de proteção especial e de cuidados especiais, notadamente de uma proteção jurídica apropriada, antes como após o nascimento”.

Também o faz a declaração dos direitos da criança que lhe reconhece igualmente o direito à vida, estende sua proteção a toda criança, antes como após seu nascimento.

pode-se ainda ver uma proteção à vida do ser simplesmente concebido na proibição de executar uma sentença de morte de uma grávida, estabelecida pelo pacto relativo aos direitos civis e políticos [art. 6, al 5]. Essa regra era igualmente prevista na França e na Bélgica antes da supressão da pena de morte.

A constituição da República Federativa do Brasil assegura, no enunciado básico do art. 5º, a inviolabilidade do direito à vida, dis-pondo que todos, indistintamente, são dele titulares, e que o conceito de vida em plenitude deve abarcar não apenas a vida dos que já nas-ceram mas também a vida intra-uterina.

Apesar de certos documentos internacionais afirmarem que a vida é protegida por lei, inexiste definição jurídica de vida. O jurista parece hesitar em penetrar os mistérios de ordem biológica e assim

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não se julga competente para definir vida nem morte. É claro que o vivo está no direito [no direito civil, no direito penal], a vida não está em suas definições, apenas em suas conseqüências.

7 A inteGRidAde FÍsiCA

A integridade física da pessoa humana constitui valor uni-versal, conhecido no tempo e no espaço. o respeito ao corpo, me-diador da alma, porta-voz necessário de toda vida espiritual, inte-lectual, afetiva, artística, sensorial, profissional ou material, tem, com efeito, raízes ontológicas profundamente fixadas em todas as civilizações.

Entretanto, a integridade do corpo humano está hoje particu-larmente ameaçada, diante do progresso, produto do avanço, talvez malcompreendido, das ciências e da tecnologia.

Que papel vem o direito desempenhando na proteção da pessoa contra os perigos e os abusos das técnicas maltrabalhadas, malcontro-ladas de uma “ciência sem consciência”?

E qual o dizer do direito no que concerne à proteção da integridade física do ser ainda no útero materno? É admissível a falta de controle, notadamente de experimentos sobre seres hu-manos?

A utilização de novas técnicas pelos pesquisadores comporta, certamente, perigos de caráter individual e coletivo. Assim, perten-ce, de um lado, ao poder judiciário, conforme sua vocação, exercer algum controle sobre experimentos com seres humanos sem afrontar os segredos científicos, e, de outro lado, ao legislativo, elaborar uma deontologia fundada sobre o respeito de todo foetus humano, espe-cialmente em vida.

A integridade do filho concebido tem, sem dúvida, conexão ne-cessária com a integridade da mãe, e, na maioria dos casos, o que atin-ge a integridade física daquele estará também atingindo a integridade física desta.

Sabe-se, entretanto, que, por uma intervenção cirúrgica, o mé-dico pode fazer chegar ao interior do corpo da mulher um produto

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de utilidade terapêutica ao feto, e que não seja nefasto à integridade física da mãe.

Sabe-se também da possibilidade de intervenções cirúrgicas bem-sucedidas, entre nós, em seres em desenvolvimento no útero materno.

8 A inteGRidAde MoRAL

direito à integridade moral: no conceito geral de direito à in-tegridade moral, inserem-se diferentes direitos da personalidade, tais como: direito ao respeito à vida privada, direito à imagem e direito à honra de uma criança apenas concebida. É possível admitir a violação de atingir tais direitos de um não-nascido, portanto, direitos distintos do direito à honra ou à vida privada da mãe?

Imaginemos que um periódico sensacionalista recolha imagens obtidas pela ecografia de um ser concebido por uma mulher célebre. o jornal, sem consentimento da mãe, publica e reproduz tais imagens e essas revelam ser a criança portadora de má formação, ou portadora de alguma enfermidade. parece evidente um atentado à vida privada e ao direito à imagem do não-nascido. Teria este, o não-nascido, direito de demandar reparação do dano que lhe foi causado, por aplicação da regra infants conceptus? A solução a essa questão é e, certamente, sempre será controvertida em direito. pode-se constatar que nenhum texto legal em direito nacional ou internacional regula claramante essa matéria. E por quê? porque, embora as questões envolvendo os direitos do ser ainda no útero materno ainda não encontraram respos-tas satisfatórias nos dias atuais.

Mas, o direito ao respeito à vida privada e o direito à intimidade são, entre nós, consagrados constitucionalmente, e assentados na dou-trina e na jurisprudência brasileiras que lhes dão amplo alcance, levan-do em conta as constantes mutações da sociedade contemporânea.

A vida privada não pode ser compreendida sem se levar em con-ta as exigências da vida social.

A noção de vida privada, tendo em vista sua proteção, é noção de dimensões variáveis. É tanto relativa quanto evolutiva.

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Relativa, tendo em vista a pessoa a que concerne. lembremo-nos da expressão francesa: le mur de la vie privée, quanto mais frágil o titular, mais alto deve ser o muro de proteção da sua vida privada.

Evolutiva, pela época em que é considerada. As ameaças que pesam sobre a vida privada são profundamente renovadas pelas tec-nologias modernas, pelo progresso... Além do mais, o conteúdo da vida privada, a percepção do que cobre ou não, flutua segundo as conveniências do momento, a percepção comum do que o cidadão acredita ser justo e bom, segundo a ordem pública e os bons costu-mes. ordem pública e bons costumes: isto também se chama virtude que desenha a felicidade material e a harmonia social da humanidade. Mas progresso, mas virtude, como muitas das realidades humanas, não são isentos de efeitos perversos.8

Vale repetir: os direitos da personalidade, categoria idealizada para satisfazer exigência da tutela da pessoa, determinada pelas contí-nuas mutações das relações sociais, marcam sua passagem na história e são mutáveis no tempo e no espaço.

portanto, se o agravar das possibilidades de escutas, gravações não-autorizadas, fotografias com teleobjetivas, e assim por diante, deu uma nova dimensão aos direitos da personalidade, a partir do século passado, hoje, é também a intromissão da informática que representa o grande problema e leva a efeito as violações mais sofisticadas.

O progresso incita-nos a diversificar nossas preferências, nos-sos hábitos, nosso modo de viver.

nossas listas de presentes incluem: computadores, internet, te-lefone celular, câmeras numéricas, entre tantas outras invenções má-gicas e tentadoras. Quanta novidade a abrir-nos as portas do perigo! Que dizer aqui dos seus efeitos, perversos, tantas vezes? de fato, só depois do deslumbramento dos primeiros contatos, é que nos damos conta do real problema que pode advir das amplas formas de invasão da vida privada, proporcionadas pelo uso inadequado da informática.

Mas é preciso pensar também. A informática, apesar dos fabu-losos benefícios, comporta, por outro lado, um efeito preocupante: a memória total, instantânea, de informações dos usuários, colhidas de

8 SoYER, jean-claude. l�avenir de la vie privée. In:SoYER, jean-claude. l�avenir de la vie privée. In:l�avenir de la vie privée. In: L´avenir du droit – Mélanges en hommage a François Terré. paris: puF, 1999, p. 345.

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sua vida quotidiana, logo, especialmente reservada, acrescida da pos-sibilidade sem limites não só de conservação, mas também da trans-ferência imediata desses mesmos dados.

9 ConCLusão

Antes de tratar de questões, ainda não bem resolvidas, concer-

nentes à saúde dos não-nascidos, parece ser prudente os interrogar so-bre o sentido, a finalidade e os meios de que se vale a Medicina. Qual o papel da Medicina? Quando deve ela intervir? Quais os limites de seu domínio? o que se compreende por saúde, sofrimento, depressão, palavra tão próxima de todos nós, de uso atual e que, por razões não muito claras, passou a integrar o quotidiano das pessoas?

comecemos, então, por repetir o pensamento de jean-Marie Thévoz: a Medicina tem por objetivo lutar contra a doença e restaurar a saúde.9 Mas não é fácil definir a saúde; seu conceito abarca largo campo de significações práticas e subjetivas, o que propicia situações criticáveis, não apenas quanto ao ponto de partida escolhido, como também quanto ao aspecto a ser investigado. A partir de então duas questões se apresentam: a que se refere à extensão do conceito de saú-de e aquela referente à sua articulação com a Medicina. Examinemos, então, duas definições de saúde, uma holística e aquela formulada pela organização Mundial de Saúde [oMS]. As duas propõem uma concepção muito larga da saúde, mas articulam diferentemente o pa-pel da Medicina.

A abordagem holística10 define a saúde positivamente como um estado favorável, melhor dizendo, ideal em todas as dimensões da vida humana, como um estado adaptado às condiçõesde vida e às fun-ções que a pessoa deve assumir, como um estado de equilíbrio e de desenvolvimento harmonioso da personalidade.

9 ThÉVoZ, jean-Marie.ThÉVoZ, jean-Marie. Entre nos mains l’embryon. Geneve: labor et Fides, 1990, p. 97.Geneve: labor et Fides, 1990, p. 97.10 Holismo, termo derivado do grego holos, que significa inteiro e que entrou para a lingua-

gem corrente em 1939. diz-se da teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível que não pode ser explicado por seu diferentes componentes [físico, fisiológico, psíquico] considerados separadamente, sendo, pois, um sistema de explicação global.

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Assim compreendida, a partir da noção de equilíbrio psico-cor-poral da pessoa, a saúde passa a ser responsabilidade do indivíduo que deve dela ocupar-se, organizando com prudência sua existência de modo a tirar o máximo proveito da situação que lhe cause bem-estar.

na visão holística, a saúde é responsabilidade de cada um; a Medicina, quando solicitada, tem aí lugar modesto de intervenção temporária. É um meio dentre tantos outros, de manter ou de recupe-rar a saúde.

nos dizeres de Guttmacher: a caracterísitica essencial de uma pessoa saudável é marcada por um sentimento de bem-estar. A con-dição preliminar à boa saúde é a integração das diversas dimensões fisiológicas, sociológicas, psicológicas e espirituais do indivíduo.11

neste quadro que acentua o papel e a responsabilidade pessoais, a articulação da saúde e da Medicina é tênue. Ela repousa sobre a idéia que a saúde é um bem que o indivíduo pode gerar por si mesmo, fora, evidentemente, certas crises de elevada gravidade, impossíveis de serem afrontadas sem ajuda especializada.

A Medicina se apresenta, então, como um socorro temporário e ocasional, uma vez que a pessoa é considerada como sendo geral-mente mestre de seu estilo de vida e de suas forças necessárias para continuar saudável.

Mas a oMS dá à Medicina um papel bem diferente, apresen-tando uma definição de saúde que engloba também todas as dimen-sões da pessoa e da sociedade: A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consiste somente em ausên-cia de doença ou enfermidade. Trata-se da definição mais ampla que se possa conceber.

Pode-se definir o direito à saúde como o direito de cada um à proteção e às condições de desenvolvimento completo de suas poten-cialidades sanitárias, adaptadas às suas próprias necessidades e aos riscos aos quais é exposto, assim como a igual acesso aos melhores cuidados. Trata-se, pois, de um direito fundamental, reconhecido a toda pessoa humana,12 embora não se garanta estado de saúde igual para todos.

11 GuTTMAchER, Saly.GuTTMAchER, Saly. Whole in Body, Mind, and Spirit: holistic health and the limits of Medicine, p. 55.

12 constituição da República Federativa do Brasil, art. 196.

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Trata-se de um direito que deve ser visto em sua relação com os outros direitos do homem, necessários à sua realização, tais como o direito aos alimentos, ao vestuário, à habitação, à liberdade, ao res-peito à vida privada, e não visto isoladamente.

na verdade, o setor da saúde nunca foi considerado domínio prioritário pela política governamental brasileira. com o advento da constituição de 1988 é que a saúde passou a ser reconhecida como um direito de todos e não apenas como benefício para os trabalhado-res, resultante do contrato de trabalho firmado com um empregador.

Estabelece também o texto constitucional a proteção à saúde do nascituro, ao dispor que a mulher terá acompanhamento médico durante a gravidez. A Medicina disponibiliza, mediante recursos do Sistema Único de Saúde (SuS), as mais modernas técnicas à mulher grávida.13

Vê-se, pois, que o fato de o não-nascido ainda não ter um estatu-to jurídico não constitui motivo para ser ele privado de proteção. jus-tifica-se, destarte, ser-lhe assegurada a proteção, notadamente quanto ao direito à saúde, traduzido pelos cuidados pré-natais apropriados.

Idéias recentes fizeram emergir uma nova questão atinente ao direito à saúde do filho por nascer e que permite e até sugere uma reflexão sobre seus fundamentos.

o feto tem direito à saúde? Que princípios determinariam a pro-teção desse direito?

Os progressos médico-científicos, a par de tantos benefícios, permitiram ao ser concebido, durante muito tempo considerado fora das preocupações do mundo exterior, a possibilidade de ser visto, de ser tratado, de ser explorado. o mesmo ser, antes, entregue à sor-te, distante dos olhos do mundo, guardado, às vezes até escondido, a que já se denominou “recluso médico no seio do útero materno”, é verdadeiro paciente, ao qual o médico precisa dispensar assistência e proteção adequadas. É, sim, um paciente, mas um paciente especial, que ainda está longe de ser independente. não expressa seu consenti-mento no tratamento a que é submetido, não sabe se ele é adequado e eficiente; e desconhece, por completo, suas conseqüências.

13 Art. 201, III, constituição da República Federativa.

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Sabe-se também que esse paciente, mesmo em face de sua con-dição que o torna diferente dos demais, é um consumidor,14 consu-midor muito especial que requer atenção toda particular da parte do pessoal da área de saúde, da parte dos poderes públicos prestadores de serviços e até da parte dos demais consumidores de cuidados.

Trata-se de um ser in fieri, já se disse, indivíduo não completa-mente formado, que não dispõe de autonomia, nem biológica, nem le-gal. na verdade, a situação em que se apresenta é única na Medicina: a coexistência de dois pacientes, mãe e filho, a princípio fisicamente indissociáveis, embora podendo cada um ser considerado dentro de sua individualidade.

nunca é demais repetir que para os médicos o feto é hoje um paciente; mas, sempre filho para os pais.

10 ReFeRÊnCiAs BiBLioGRÁFiCAs

AScEnSÃo, josé de oliveira. Direito Civil: teoria geral. coimbra: coimbra, 1997, v. 1.AZEVEdo, Antonio junqueira de. caracterização jurídica da digni-dade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, ano 91, v. 797, p. 11-26, março 2002.BERTI, Silma Mendes. o cdc e os direitos da personalidade. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo horizonte, v. 3, n. 3, 1996.cAMpoS, diogo leite de. Reapreciação da categoria dos direitos da personalidade. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, v.1, n.1, 1994, p. 35-36.hEnnAuX, jean-Marie. Le droit de l’homme à la vie. Buxelles: Institut d’Études Théologiques, 1993. nERSon, Roger. la protection de la vie privée en droit positifla protection de la vie privée en droit positif français. Revue Internationale de Droit Comparé, oct.-.dec., 1971.

14 BERTI, Silma Mendes. o cdc e os direitos da personalidade. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo horizonte, n. 3, v. 3, 1996, p. 117.

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pERREAu, E. h. les droits de la personnalité. Revue Trimestrielle de Droit et Jurisprudence,1909..SoYER, jean-claude. l�avenir de la vie privée. In:l�avenir de la vie privée. In: L´avenir du droit – Mélanges en hommage a François Terré. paris: puF, 1999.

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REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 63-74 2007

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A EFETIVIdAdE do pRocESSo dE EXEcuÇÃo FREnTE ÀS REcEnTES AlTERAÇÕES do

cÓdIGo dE pRocESSo cIVIl

MARY lucY cARVAlho

sumário

1. Introdução. 2. o processo de execução como caminho para a satisfação do direito. 3. princípios processuais aplicáveis. 4. Alterações relevantes. 5. conclusão. 6. Referências bibliográficas.

Resumo

A efetividade processual tem sido tema de grande preocupação, considerando que a atuação do Estado na distribuição da justiça produz profundos reflexos sociais. Nessa busca de resultados surgiram as novas leis n. 11.232, de 23/12/2005, e 11.382, de 7/12/2006, que alteraram o código de processo civil, especialmente, na parte que trata da execução do título judicial e extrajudicial, fazendo surgir o cumprimento de sentença para os títulos judiciais, que tornou despiciendo o processo autônomo da execução, devendo os embargos do devedor adotar forma de peça impugnatória, também nos próprios autos. Embora tenha mantido a autonomia do processo de execução, a nova alteração procedimental trouxe importantes modificações, como a ausência de suspensão da execução pelos embargos opostos pelo devedor, a indicação de bens pelo credor, a possibilidade de busca de ativos e sua indisponibilização através de ofício à autoridade

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supervisora das instituições financeiras, a possibilidade de intimação da penhora na pessoa do advogado. nesse patamar, o que importa ver e analisar são os princípios aplicáveis à execução no âmbito do objetivo estatal e a conseqüente solução de conflito entre normas com objeto tutelar colidente, tais como, a necessidade de proteção ao crédito, perante o desenvolvimento da execução da forma menos gravosa ao devedor, a fim de traçar o novo e adequado direcionamento à execução, de tal forma que contribua para que o Estado cumpra sua importante função de distribuir a Justiça de forma eficaz e hábil a garantir uma sociedade organizada e harmônica, capaz de instaurar o estado de paz social.pAlAVRAS-chAVE: código de processo civil. processo de execu-ção. Título judicial.

Abstract

The effectiveness procedural issue has been of great concern, considering that the performance of the state in the distribution of justice produces profound social consequences. In that search results appeared in the new laws n. 11.232, and 11.382 of 23/12/2005, from 07/12/2006, which amended the code of civil procedure, particularly the part that deals with the implementation of judicial and extrajudi-cial title, making appear to meet the qualifications for judicial verdict, which became autonomous bearing the process of implementation, and the embargoes of the debtor take form of challenge, we also own cars. Although it maintained the autonomy of the implementation pro-cess, the new procedural changes brought major changes, such as the absence of any stay of execution by embargoes opposed by the debtor, an indication of goods by the creditor, the ability to search for his as-sets and disabling through letter the supervisory authority of financial institutions, the ability to subpoena the attachment in the person’s la-wyer. In this step, which should see and analyze the principles are ap-plicable for implementation within the state goal and the consequent settlement of conflict between different supervisory standards with object, such as the need for credit protection, development front of the implementation of a lesser burdensome to the debtor, in order to track the new and appropriate direction for implementation, so that contri-butes to the state fulfills its important function to distribute the courts

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efficiently, and skilful to ensure a society organized and harmonious, capable of creating the state of social peace.

KEYWoRdS: code of civil procedure. Execution proceeding. judgment debt.

1 intRodução

Recentemente, entraram em vigor as leis n. 11.232, de 23 de dezembro de 2005, e n. 11.382, de 7 de dezembro de 2006, que trou-xeram consideráveis alterações em nosso código de processo civil, especialmente, no tocante ao processo de execução, dentre outras mo-dificações que também integraram novo texto legal.

Essas alterações nos remetem à reflexão sobre o direito e, con-sequentemente, a respeito dos princípios que nos direcionam no difí-cil caminho da efetividade jurisdicional.

Sem nenhuma dúvida, referidas alterações legais guardam em si, como objeto certo e determinado, o direcionamento tendente à efe-tivação do processo.

como sabemos, o Estado chamou para si a responsabilidade de ordenar a sociedade também sob o aspecto jurisdicional, incum-bindo-se-lhe, pois, a distribuição da justiça, com exclusividade, salvo exceções previstas em lei.

por sua vez, o instrumento do qual se vale o Estado para prestar o serviço jurisdicional, ou seja, a distribuição da justiça, se concretiza por meio do processo.

não é sem razão que o processo constitui importante instrumen-to do direito, na medida em que se presta a realizá-lo. justamente por isso, o resultado de frustração da tutela ao direito declarado pelo Es-tado, comumente se encontra vinculado à inefetividade do processo, incapaz de possibilitar sua realização concretamente.

E inefetividade do processo, conseqüentemente gerando a ine-ficácia do direito, significa medida de lastimável injustiça, especial-mente corrosiva da ordem social, na medida em que instaura o próprio descrédito na instituição da justiça.

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Os profissionais que militam diuturnamente perante o Judiciá-rio, participantes da difícil busca do direito na representação dos seus clientes, sentem, verdadeiramente, o ônus da malsinada inefetividade jurisdicional.

não é incomum aliás, depararmos com grande número de pro-fissionais do direito, completamente desencorajados, diante da frus-tração gerada pela própria inefetividade do processo como caminho para se tutelar o direito do cidadão.

E é interessante notar que o cidadão, quando procura um advo-gado, ainda acredita na justiça e na efetivação do seu direito. Entre-tanto, com o passar do tempo, e a ausência de resultados efetivos, ou mesmo diante da perda do direito pela própria ação infalível do tem-po, sem a intervenção efetiva do Estado, deparamos com o questiona-mento, primeiro dirigido ao advogado, e seguidamente ao judiciário, no sentido de que a iniciativa de se socorrer ao judiciário somente lhe onera e não traz resultados reais, fazendo crer que a sociedade possui duas alternativas, ou se conformar com a lesão a direitos, ou resolver pela própria força, sentimento de gravidade incomensurável.

E reiteramos que, somente quem lida diuturnamente com os processos judiciais pode dimensionar a frustração causada ao profis-sional que acompanha pari passo a lesão ao direito, e assiste a sua perda, acompanhada do sentimento de abatimento e desesperança do cidadão, e assim vislumbra a conclusão por um Estado ineficaz, pro-pulsor de uma situação de injustiça social que se espraia por todo o corpo social.

A análise em tela sequer abrange a questão concernente à qua-lidade da nossa prestação jurisdicional, com relação à adequação téc-nica das decisões do judiciário que trazem em seu bojo, certamente, muitas decisões brilhantes, mas também, e comumente, decisões de teor jurídico lamentável.

o objeto principal de nossa análise busca uma correlação direta en-tre o tempo, como elemento corrosivo do processo e de sua efetividade, na qualidade de instrumento indispensável à concretização do direito.

E nesse panorama recebemos as recentes alterações legislativas dirigidas especialmente à fase processual correspondente à satisfação do direito, qual seja, a execução.

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2 o pRoCesso de eXeCução CoMo CAMinHo pARA A sAtisFAção do diReito

Em nosso sistema possuímos, em síntese, o processo de conhe-cimento que busca conhecer o direito alegado pela parte e declará-lo, e o processo de execução, que envida a satisfação desse direito reco-nhecidamente lesionado.

A partir daí, acertado o direito, seja porque o Estado declarou a sua existência por meio de um processo de conhecimento, seja em decorrência da declaração da lei com relação à certeza do direito, como acontece em relação aos títulos de crédito, imperativa a sua efetivação.

Nesse patamar verificamos a relevância e importância das mu-danças ocorridas no processo de execução dos títulos judiciais e ex-trajudiciais, na medida em que se encontram, exatamente, numa fase específica de satisfação do direito lesionado.

ora, é sabido de longa data que a coercibilidade consta como elemento indispensável à consecução do direito, na medida em que, “como espada pendente sobre cada um de nós”, nos cientifica de que o descumprimento de uma norma jurídica implicará conse-qüente sanção.

A viabilidade, pois, de uma estrutura social organizada, ou seja, a ordem e harmonia de uma sociedade dependem da ordenação propugnada pelo direito, em outras linhas, depende de que o Estado garanta ao cidadão o direito que declara, e assim, o tutele.

portanto, as obrigações se encontram no alicerce de toda a nos-sa base social, assim, por via de conseqüência, o descumprimento das obrigações pelos cidadãos impõe a competente coerção Estatal, a fim de restabelecer essa estrutura social.

desta feita, quando alguém deixa de cumprir uma obrigação nesse contexto, violando o direito de outrem, e o Estado não atua efi-cazmente, deixa o vácuo muito perceptível, nos canais de viabilidade social, disseminando a descrença em nossa importante instituição da justiça, aliás, um dos principais pilares do Estado.

na parte correspondente à satisfação de um direito violado, para o seu cumprimento por meio de uma obrigação de fazer, ou de pagar,

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encontramos o processo de execução, agora com modificações impor-tantes que objetivamos analisar.

como dito, o processo de execução, como instrumento de satis-fação do direito, se desenvolve para restaurar a lacuna social gerada pela violação de um direito, que o Estado coercitivamente restabelece na tutela do jurisdicionado, em face daquele que resiste ao interesse de outrem, detentor do direito violado.

3 pRinCÍpios pRoCessuAis ApLiCÁveis

Todo esse processo de satisfação do direito, delimitado nas exe-cuções, é marcado por princípios jurídico-processuais.

É sem dúvida pois, que estando o direito reconhecido, seja por uma sentença judicial, seja por uma lei, que atribui esse grau de cer-teza, não se há, por isso mesmo, falar em defesa no processo de exe-cução, donde invariavelmente necessitávamos de um processo autô-nomo, de conhecimento, denominado embargos, para que o devedor pudesse fazê-lo, ou seja, apresentar sua oposição à certeza do direito em fase de satisfação.

A incoerência havida, a partir daí, resulta que, interpostos os embargos à execução, seja em face de título judicial ou extrajudicial, consequentemente, o ato processual do devedor que abria uma discus-são incerta gerava a conseqüência imediata de suspensão do processo de execução, ou seja, a prevalência da dúvida em detrimento da cer-teza do direito.

Assim, ajuizados embargos à execução, o processo se suspen-dia, indefinidamente, até que se chegasse a uma decisão final, transi-tada em julgado, nesse processo de embargos que possui natureza de conhecimento, com todas as suas veias de amplitude.

Indagamos, então, nessa conjuntura, onde se encontrava a força da certeza estatal em relação ao direito que foi violado, e a conseqüen-te tutela ao cidadão lesionado.

na prática forense deparávamos com o direito do cidadão, reco-nhecido por uma decisão judicial, ou por uma lei que o declarava ser

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líquido, certo e exigível, perante os embargos, não raras vezes, prote-latórios que, principiologicamente, prevaleciam para tornar ineficaz, pela ação do tempo, a obrigação descumprida.

por via de conseqüência, essa forma procedimental gerava sempre a indagação com relação ao tempo necessário à efetivação do direito, ou seja, em termos práticos, ao cumprimento da obrigação inadimplida, de fazer ou de pagar, frente a resposta marcada por uma afirmação de incerteza quanto ao recebimento, ou de sua previsão no tempo.

nesse sistema processual, como demonstramos, encontrávamos a incerteza em primazia diante do direito reconhecido pelo Estado.

Com as modificações introduzidas, os pilares foram dispostos em seus respectivos lugares, ou seja, busca-se a efetividade do direito, em primazia, pelo instrumento de que dispomos para tanto, qual seja, o processo, no caso, de execução.

4 ALteRAçÕes ReLevAntes

Com relação a execução de título judicial, a modificação proces-sual instituída pela lei n. 11.232, de 2005, trouxe o cumprimento de sentença, nos próprios autos, ou seja, independentemente de processo autônomo, assim, dando celeridade à efetividade da decisão judicial que reconheceu a existência do direito, que não dependerá de um pro-cesso autônomo, ou de citação do devedor, como ato de chamamento inicial ao processo, posto que a execução, nessa hipótese, passa a ser apenas uma fase do processo em andamento.

por outro lado, tanto no cumprimento de sentença, como na exe-cução dos títulos extrajudiciais, a impugnação, na primeira hipótese, ou os embargos do devedor, no segundo caso, como meios de defesa, não mais suspendem a execução, que se desenvolverá regularmente, sem interrupção ou suspensão, até final satisfação do direito.

portanto, apesar da discussão aberta pelo devedor, o processo de execução tramitará rumo à satisfação do direito, inclusive culmi-nando com a expropriação do bem, se for o caso, em leilão ou hasta pública, e a entrega dos valores de direito ao credor, mesmo que ainda se encontre pendente a discussão apresentada pelo devedor, nos em-

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bargos ou na impugnação, apreciando alegado direito, ainda pendente de declaração estatal.

desta feita, caso venha ser reconhecido o direito alegado pelo devedor, total ou parcialmente, a partir daí, aludido reconhecimento o colocará então, na posição de credor, quanto à parte reconhecida na discussão apresentada nos embargos ou na impugnação, conforme a natureza do título (judicial ou extrajudicial), portanto, invertendo as posições de interesse.

constatamos que, sob essa nova égide, interessará ao devedor a celeridade do processo, quando ajuizar embargos, ou apresentar impugnação, devidamente fundamentados, assim, modificando-se as diretrizes no contexto atual, quando não mais interessa ao deve-dor procrastinar os embargos, a fim de frustrar a execução, outrora imediatamente suspensa em decorrência do seu ajuizamento, ainda que fossem as razões de direito irrelevantes ou descabidas jurídica ou faticamente, ou conhecidamente pacificadas por reiteradas decisões correntes em casos similares, ou mesmo sumuladas.

como mencionado, nesse contexto, as posições foram ajustadas no sentido de garantir a efetividade do direito, dando primazia à certe-za comportada em sentença ou declaração legal de sua existência.

poderíamos pensar que, assim, estaria sendo violado o princí-pio que determina o desenvolvimento da execução de maneira menos gravosa ao devedor, mas não é o caso, pois, na atual conjuntura legal, assegura-se a prevalência do direito do credor, que impõe a conti-nuidade do processo, sem deixar de resguardar, por sua vez, a menor gravosidade dos procedimentos, pois, ao devedor é facultado alterar o bem penhorado, quando não implique em detrimento da execução, e desde que comprove, diante da segunda opção de penhora apresenta-da, que o processo se lhe será, assim, menos gravoso.

Além do mais, ao devedor agora se apresenta a oportunidade de substituir o bem penhorado por seguro judicial ou fiança, o que pode reduzir o ônus processual da constrição judicial instituída pela penho-ra, além da faculdade de ajuizar os embargos independentemente de garantia do juízo.

E acresce-se ao mais que, excepcionalmente, quando o devedor requerer, e demonstrar o risco de dano grave ou de difícil reparação

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na hipótese de prosseguimento do processo, poderá o juiz suspender a execução, desde que esteja garantido o juízo.

como se vê, resguardam-se sim, direitos do devedor, todavia, sem se esquecer da ordem de primazia que deve ser adotada, especial-mente, em atenção à segurança jurídica como fator de contribuição para a indispensável credibilidade da instituição da justiça.

E, nesse contexto, várias outras novidades foram trazidas à execução, dentre as quais, podemos citar, a possibilidade de o credor obter certidão da distribuição da execução, constando as partes e o valor, para fins de noticiar a existência do processo perante registros públicos de bens, tais como, cartórios imobiliários, departamento de trânsito, dentre outros.

Acresce-se a isso a possibilidade de requerimento dirigido à autoridade supervisora do Banco central do Brasil, objetivando lo-calizar ativos do devedor em qualquer instituição financeira, com a possibilidade de sua indisponibilização.

Mais uma vez, vislumbra-se a primazia do interesse de pro-teção ao crédito, sem a perda do equilíbrio necessário em favor da proteção do devedor, pois, na hipótese de bloqueio de valores im-penhoráveis, tais como, salários, poderá o executado desconstituir a restrição, todavia, competindo-se-lhe o ônus da iniciativa e da prova nesse sentido.

Ainda no tocante aos prazos e sua forma de contagem nas exe-cuções de títulos extrajudiciais, também houve modificação com clara tendência à efetividade, na medida que, em havendo litiscon-sortes, o prazo se desenvolverá independentemente para cada uma das partes, a partir da juntada aos autos dos respectivos mandados de citação, salvo a hipótese de cônjuges, e, além do mais, não será aplicado aos embargos a benesse da contagem do prazo em dobro.

Agora temos também a execução definitiva dos títulos extraju-diciais, salvo quando o recurso de apelação interposto for recebido com efeito suspensivo em face da decisão de improcedência dos embargos.

E, em busca de arrefecer o ânimo procrastinatório do execu-tado, o legislador instituiu penalidade para a hipótese dos embargos protelatórios, e a redução, pela metade, dos honorários fixados inicial-

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mente, para a hipótese de pronto pagamento, mais uma vez, em busca da tão sonhada efetividade do processo de execução.

na parte concernente ao cumprimento de sentença, a ausência de pagamento voluntário, no prazo de quinze dias, em decorrência do efeito condenatório da sentença, importará em multa percentual de 10% sobre todo o valor devido, inclusive, despesas processuais.

com essas considerações, trazemos à baila importantes aspectos das recentes alterações processuais relativas à execução, com especial atenção voltada para a análise principiológica que envolve o direito em sua fase de satisfação, de tal forma a tornar compreensível o obje-tivo do legislador, e nossa função como responsáveis pela efetivação da justiça capaz de garantir a ordenação social, não deixando sempre de consignar que, em todo esse processo, a participação e contribui-ção de cada profissional do direito será decisiva.

5 ConCLusão

Importa notar que as alterações legislativas emergem de fatos

sociais geradores da necessidade de novos parâmetros de proteção a ser outorgada a importantes valores sociais, no âmbito da contempo-rânea conformação e contextualização da sociedade.

por isso mesmo, diante das recentes alterações do processo de execução, precisamos perquirir e ter em mente o objetivo perseguido do legislador.

com respeito ao processo de execução, como instrumento de sa-tisfação do direito, as medidas que efetivam esse importante instrumen-to processual de alcance da tutela jurídica, apontam no sentido de uma busca nítida de proteção às obrigações, especialmente, ao crédito.

não é fácil dimensionar, mas a experiência, especialmente his-tórica, nos mostra que o cumprimento das obrigações tem correlação direta com a organização e harmonia social, donde a extrema relevân-cia da tutela ao direito.

por sua vez, a tutela ao direito exige a efetivação dos instru-mentos estatais necessários à sua consecução, assim, invariavelmen-

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te, precisamos criar mecanismos de eficácia para o desenvolvimento de todos os procedimentos de execução.

Sem sombra de dúvida que, para trilhar esse caminho e solu-cionar os conflitos que hão de vir em seu percurso, precisamos com-preender o objetivo que se delineia e, a partir daí, traçar os princípios aplicáveis, tendentes à sua realização.

Concluímos, pois, pela flagrante busca da efetividade, como dito, no sentido de proteção das obrigações, em especial, do crédito, para cujo intento todos os princípios processuais deverão ser aplica-dos no sentido de sua garantia, em primazia, que envolve a realiza-ção dentro da maior celeridade processual, sem olvidar à proteção do devedor, como cidadão que faz jus ao acesso à jurisdição, à ampla defesa e ao contraditório, todavia, obedecendo à gradação protetiva direcionada pelo princípio prevalente a imperar nas execuções.

6 ReFeRÊnCiAs BiBLioGRÁFiCAs

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An EAST-WEST conTRAST oF FoREIGn dIREcT InVESTMEnT on SMAll BuSInESS dEVElopMEnT

dAVId FloYdSAndhlA SuMMAn

sumário1. Introduction. 2. historical perspective: FdI. 3. current and Future Trends. 4. Analysis and Application of the literature on Foreign direct Investment. 5. The Future and current observations. 6. conclusion. 7. References.

AbstractForeign investment continues to play a greater role in business

activity across the globe. It is therefore important to assess the main trends and reasons behind this increased activity so that business can make effective decisions on how they wish to engage in further glo-bal expansion. The paper further explores the importance of country specific legislation in determining the decision whether to invest. FDI can also have positive benefits on employment and enterprise which will also be considered. This article sets out to contrast the investment flows taking place in both East and Western countries and considers the main determinants of activity in these countries. Theories of in-ternationalisation will be drawn upon as well as the use of investment data in order to explain investment behaviour. A Business history perspective will also be drawn upon. The article then considers future possible trends in light of these recent developments.

REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 75-86 2007

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KEYWoRdS: Foreign investment. Business law. comparative law. East-West law.

Resumo Investimento estrangeiro continua a ter grande importância em

atividades empresariais no mundo. É, portanto, importante, estudar as maiores tendências e as razões por trás desta atividade crescente de forma que as empresas possam tomar deciões efetivas sobre como elas decidirão entrar na expansão global. Este artigo explora a impor-tância do direito de cada país para se determinar a decisão de se in-vestir. Investimento estrangeiro direto também pode ter benefícios em empregos e nas atividades empresariais. Este artigo apresenta os con-trastes entre fluxos de investimentos que ocorrem nos países do Leste e do oeste e considera os determinantes principais das atividades em tais países. Teorias da internacionalização serão apresentadas, assim como dados sobre os investimentos para explicar o comportamento. uma perspectiva histórica dos negócios também será apresentada. Este artigo considera possíveis tendências futuras sob a luz dos desenvolvi-mentos recentes.

pAlAVRAS-chAVE: Investimento estrangeiro. direito Empresarial. direito comparado. direito do leste e do oeste.

1 intRoduCtion

The role of foreign investment in business activity has conti-nued to increase across the globe. This increased activity necessitates an investigation into and identification of the main trends and reasons underlying this increased activity so that business’ can make strategic decisions on how they wish to engage in further global expansion. There is also a need to examine how FDI can have positive benefits on employment and enterprise.

This article sets out to contrast the investment flows taking pla-ce in both East and Western countries and considers the main deter-minants of this activity in these countries. To this end, analysis will draw upon theories of internationalisation which will be supported

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An EAST-WEST conTRAST oF FoREIGn dIREcT...

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by investment data in order to explain investment behaviour. More specifically, a ‘Business History’ perspective will also be utilised. The article will also consider future potential trends in light of these recent developments.

2 HistoRiCAL peRspeCtive: Fdi

Foreign direct investment first became prominent in Western Europe after 1945.

There had, however, been some early activity tracing back to 1900 though this often involved large multinationals resource seeking in former colonies. The post war period saw the emergence of the ma-rket seeking multinational where substantial tariff barriers still existed and firms looked for avenues of entering new markets as the home markets became saturated. Table one shows the early period of FdI development.

With respect to the uK, the data shows the uK’s dominant posi-tion prior to and after the Second World War. After this period America begins to take the lead. The uK predominance, as Yannopoulos 1990 suggests, may partly be explained by the fact that japanese multinatio-nals were setting up in the uK in an attempt to penetrate the Eu market. This was possible because, in many cases, japanese goods assembled in the UK could be classified as EU goods and subject to zero tariffs.

The 1970s and 1980s witnessed japan emerging as a major player in FdI activity. This was possible because japan, at this time, had the advantage of a low cost production; was focused on the pro-duction of reliable but good quality products. japan’s labour force was also well focused on the ‘firm’ and employees were very prepared to work a large number of hours. Efficiency seeking then became more important than market seeking in Western Europe as tariffs started to fall due to the work of the WTo.

Much FdI went into the uK in the 1980s and 1990s and small centre of excellence were formed such as silicon Glen. There were further multiplier effects from the establishment of large foreign in-vestors and the creation of technology parks in Wales, The Midlands

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and the north East in both the car and electronics sectors. local en-trepreneurs arrived to serve these local markets. Floyd 2002 shows how the number of supplier linkage varies depending on the type of investment and industry according to a study of MnES operating in poland during the late 1990s.

In the 1990s however, costs rose in japan due to a stronger currency and Europe and uSA began to close the productivity gap to some extent. The years since 2000 have seen china and Korea also emerge with a cost advantage. These countries are also star-ting to create global firms in the top 500 FT index such as Samsung and haier.

3 CuRRent And FutuRe tRends

Advances in free trade and the expansion of WTo membership have led to further increases in FdI activity. Firms entering Eastern countries, however, are still adopting resource seeking and market seeking strategies in many cases due to the barriers to trade that still exist. These barriers will mean that progress for new members joining the WTo will still take some time to be realised.

Foreign investment in Western Europe was dominated by uSA until the emergence of japanese FdI. Asia on the other hand has been influenced by foreign investment from Japan, USA and Europe (see Table 2). There is also a greater focus on foreign investment in the tertiary sector in Western Europe. It is only recently, for example, that china has allowed its banking sector to be open up. In addition, liu 1997 found the international competitiveness of the manufacturing sector to be based on low cost advantage by his application of the porter dunning diamond model. park 2006 suggests that china’s success is due to institutional reform that has encouraged foreign investment particularly in certain regions of the country. The World Investment Report 2006 shows china to now be producing more scientists and engineers than many developed countries and in the future china will be able to compete with japan in the higher value added manufacturing products. There is also a regional focus for the

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largest investors, for example in china, hong Kong and japan and the top 10 Asian countries account for almost 60% of FdI in china in 2006, see UNCTAD and Invest in China figures. The EU accounts for 17% and the uSA accounts for 11%.

4 AnALYsis And AppLiCAtion oF tHe LiteRAtuRe on FoReiGn diReCt investMent

during earlier periods, such as the 1980s, the uSA accounted for a much larger share of the total investment; this was also true in central and Eastern Europe. Investment here, however, is now more dominated by European firms due the importance of the distance factors in deter-mining investment decisions, see Floyd 1996. In terms of entrepreneur-ship, chinese entrepreneurs tend to be more export focused than those in other countries. private enterprise now accounts for over half the wealth in China. In terms of entrepreneurship small firms are growing and now lay alongside large foreign investors in regions along the pearl River delta. In Beijing an area has been named Silicon Alley due to the build up of expertise in electronics and computing.

The uSA’s foreign investment has been aimed towards Europe rather than Asia. For instance, 41% of foreign direct investment in the uK is from uSA despite the physical distance factor compared with only 11% investment in china. Some of the reasons for this may be historical in that the uSA has been open to trade with the uK for hundreds of years due to its colonial past as well as being a political ally in the last two major world wars.

The main motives for foreign direct investment activity have been analysed by many scholars however historical and cultural fac-tors as those suggested above have often been neglected. Theories of FDI stem firstly from Dunnings OLI paradigm. Ownership advantages firstly include management skill, foreign firms with these advantages may wish to bring in these skills to compete against the local firms. This has been true for both Eastern and Western countries though skill levels in Western countries have been of a higher level in many cases but of late skills in Eastern countries have also improved.

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This would be the similar case for the additional ownership ad-vantage of technology. Marketing is seen as another advantage. More sophisticated marketing has taken place in Western countries. More recently Eastern countries are opening up to foreign trade and seeing a greater variety of products.

Firms may also bring into a foreign country the further owner-ship advantage of capital. This helps explain why both Eastern and Western countries are happy to see foreign investment since they wel-come money brought into the country and hope that foreign firms can then contribute to taxation revenues, providing firms do not avoid this by using transfer pricing mechanisms.

The final ownership advantage includes economies of scale; it is true to say that there are more opportunities for this in Eastern countries since there is a present a larger supply of low cost labour and a larger market size.

location factors are often suggested to be most important in emer-ging markets. These include factors such as market size and labour costs and studies such as Floyd 2002; Meyer 1995. Market access depends both on population and income; countries such as china have larger populations than Western Europe though many Western countries have greater purchasing power. Both Eastern and Western countries offer go-vernment incentives such as low taxes to increase foreign investment and in this field the motives for Eastern and Western countries are simi-lar. The final location factor includes political and economic stability; here investors in Eastern countries have often cited infrastructure and corruption as being the main barriers to increasing investment activity see Bitzenis 2006. In addition, china and India also suffer from a lack of patent protection which puts off foreign investors. This is something which needs to be tackled by the WTo in future years.

Internalisation advantages include choosing the best method of entering a foreign market. Williamson 1981 suggests Greenfield is the most favourable entry mode due to lower transaction costs and greater certainty. Root 1987 suggests that firms first export then try mergers or joint ventures and finally move on to Greenfield. In Western countries Greenfield is most popular see Williams 1999, however in countries such as china mergers and joint ventures have been more popular, this

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could be due to the fact it is better to work with a local partner in an uncertain market see Freeman 2006. The resource based view of pen-rose 1959 also suggests that the entry mode decision will depend on the resources available. In the case of Eastern countries more resources are now available due to industrialisation and therefore more advanced forms of entry mode including Greenfield is becoming more popular.

More recently, more integration is taking place in China as firms are taking over suppliers as well as integrating in a forward direction in order to link in more with the distribution chains. Furthermore governments in Eastern countries have been less dictatorial on the choice of entry mode available to foreign firms of late so in this domain the motives for foreign investment are becoming similar for both Eastern and Western countries.

other theories include Vernons product life cycle. This is more ap-plicable to Eastern countries where low cost labour is in abundance and there is a great deal of low cost manufacturing investment at the later stages of the product life cycle. however, recently research and develo-pment at the early stages of the product life cycle is now taking place in both Eastern and Western countries though more applied research is evi-dent in the West, see pearce 1990. Finally Flowers theory of oligopolistic interaction suggests that multinationals often adopt the same strategies of rival firms and follow the same entry decisions into new markets. Indeed this is the case in both Eastern and Western countries alike. In the auto-mobile sector for example the big six have now entered most markets shortly after the first foreign firm has made a presence in the market.

5 tHe FutuRe And CuRRent oBseRvAtions

FdI in china has now surpassed uSA, though on a per capita level it is lower than Singapore. A large proportion, 70% is in manu-facturing and this may increase further as china manufactures a wider range of products. There tends to be less merger activity in china com-pared with Eastern Europe. china is also moving up the value chain according to lall 2005 and has the lion share of exports in electronics as well as increasing its research activity. china is also now beginning

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to make links with African countries for both resource seeking activities as well as seeking potential for future low cost manufacturing. china di-ffers to European countries in that the whole Asia region is growing fas-ter than Europe and consequently there is less substitution taking place. The age of the population is also lower in Asia compared with Europe. The shift from agriculture into manufacturing has been much more dra-matic in china compared with Eastern Europe see Sakwa 2006. china also has fewer resources than other countries such as Indonesia

Finally most FdI is likely to come from chinese speaking countries although early investors included some Western large firms wishing to gain a first mover advantage. For example Hong Kong undertook twice the amount of FdI as all the developed countries shown in the most recent trends in FdI activity. FdI from japan was similar to the levels of the uSA indicating that this is very different from Eastern European countries where there is a greater share of European based activity. Some Western firms may have been put off by the political aspects of doing business in Asia as well as the higher levels of corruption. Cuervo-cazurra (2006) suggests that firms expe-riencing higher levels of corruption in their countries are more willing to engage in FdI in countries that also experience corruption.

6 ConCLusion

It has been shown that foreign investment in Eastern and Wes-tern countries shows some similar characteristics. Firstly all countries are seeing an increase in such activity due to the globalisation process and the expansion of world trade. There is also a more regional focus of investment taking place. The regions differ in that there is more manufacturing investment taking place in Eastern countries and chi-na. There is also huge potential for economies of scale in this domain. There is also more high tech investment taking place in the West. Fur-thermore there is more market and resource seeking activity taking place in Eastern countries and more efficiency seeking taking place in the West. This could be a consequence of Eastern countries joining the WTo at a later date than Western countries. It has also been suggested

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that many Eastern countries experience higher rates of corruption and poorer infrastructure. Finally investment from the uSA accounts for a much smaller percentage of total investment in Eastern countries such as china compared with European countries such as the united Kingdom. It is therefore not the distance factor but historical and political factors that may have influenced this. In the future it has also been shown by applica-tion of internationalisation theory and investment data that firms are more likely to invest in Eastern countries for higher value added manufacturing products as these ownership advantages become more developed. Thus additional components of internationalisation theory will therefore be-come more important when applied to Eastern country cases. In terms of entrepreneurship it has also been pointed out that entrepreneurs in Eastern countries such as china tend to be more export focused than those in the West. This could be due to the fact that countries like china have opened up to globalisation at a later period as well as viewing the West as of great potential resource to increase local wealth. In the West there has been more focus on supplying local firms for employment as more firms see greater potential in serving local markets. Entrepreneur-ship has the potential to become more important in china since foreign investment has begun to occur in higher value adding manufacturing activi-ties though investment has been targeted more on specific regions. Histo-rically, Eastern Europe has had greater involvement in manufacturing but china has now quickly caught up. Whereas, with Western Europe’s good local infrastructure, there may have been less need to focus on overseas markets, however, Eastern Europe is now catching up in this domain. For the future, globalisation of business and increased activity in the de-veloping countries will mean that entrepreneurs in the West may have to consider investment abroad and realise the potential of foreign investor firms in order to compete more successfully.

7 ReFeRenCes

BITZEnIS, A (2006) decisive FdI Barriers that affect business in a transition country, Global Business and Economics Review, v. 8, n. 1e 2, Inderscience.

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Table Two utilisation of Foreign Investment in china Year 2005

country number of projects

percentage

Total 44001

Ten Asian nations30671

70.18

hong Kong 14831 33.71

Indonesia 128 0.29

japan

3269 7.43

Singapore 1217 2.77

South Korea 6115 13.9

Malaysia 371 0.84

Thailand 147 0.33

Eu 2846 6.47

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uSA 3741 8.5

Germany 650 1.48

uK 553 1.26

Source Foreign Investment department of chinatable one

Estimated Stocks of FdI 1914-1978

1914$m 1960 $m 1978 $m

developed countries 14,302 66.0 380.3

uSA 2,652 32,5 162.7 canada 150 2,5 13.6 uK 6,500 10,8 50.7

France 1,750 4,1 14.9

West Germany 1,500 0.8 28.6

netherlands 1,250 7,0 28.4 Sweden - 0.4 6.0

Russia 300 - -

japan 200.5 26.8

Source dunning j 1993 The Globalisation of Business, Routledge

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REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 87-100 2007

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AÇÃo dE conSIGnAÇÃo EM pAGAMEnTo: A QuESTÃo doS lIMITES dA coGnIÇÃo E dA conTESTAÇÃo

ARoldo plÍnIo GonÇAlVESRIcARdo AdRIAno MASSARA BRASIlEIRo

sumário

1. Considerações preliminares: natureza e finali-dades da consignação em pagamento. 2. A questão dos limites da cognição e da contestação na ação de consignação em pagamento. 3. conclusão. 4. Refe-rências bibliográficas.

ResumoO estudo trata da natureza e das finalidades do procedimento de

consignação em pagamento, após a inovação legal de 1994, tratando da questão da extensão da matéria cognoscível pelo juiz e argüível pelo réu na defesa.pAlAVRAS-chAVE: consignação em pagamento. Finalidades. cogni-ção judicial. Resposta do réu.

AbstractThe study approaches the nature and of goals of the consign

procedure, after legal innovation of 1994, as treating the question of the extension of the judicial cognition and the extension of the defendant’s answer. KEYWoRdS: consign procedure. Goals. judicial cognition defendant’s answer.

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1 ConsideRAçÕes pReLiMinARes: nAtuReZA e FinALidAdes dA ConsiGnAção eM pAGAMento

A consignação em pagamento é um instituto de direito material, disciplinado no código civil e no código Tributário nacional.

o código civil de 1916 tratava do pagamento por consignação nos artigos 972 a 984. o código civil de 2002 o regula nos artigos 334 a 345, enquanto o cTn o disciplina nos artigos 156, VIII, e 164. Esses preceitos regulam, também, certos aspectos procedimentais da ação consignatória.

o pagamento por consignação é uma das modalidades especiais de pagamento, admitidas pelo ordenamento jurídico, em determinadas circunstâncias, nos casos e formas legais. “A consignação é um meio de liberação do devedor, uma forma substitutiva do adimplemento” (couTo E SIlVA, 1977, p. 19-25).1

Como modalidade de pagamento, sua finalidade é de possibili-tar a extinção da obrigação e, conseqüentemente, a liberação do deve-dor da obrigação assumida.

consiste no depósito, pelo devedor ou por terceiro, da quan-tia ou coisa devida, nos casos previstos em lei, que, em geral, en-volvem recusa do credor ao recebimento, dúvida razoável sobre a identidade do credor e situações que dificultam o pagamento ou o tornam impossível.

conforme elucida oRlAndo GoMES,

o pagamento por consignação tem força de cumprimento, se concorrem, em relação às pessoas, ao objeto, ao modo e ao tempo, todos os requisitos de validade. cabe ao juiz verificá-los. É evidente que se o devedor consigna coisa diversa, ou não efetua o pagamento total, não está cumprindo exatamente a obrigação; por conseguinte, o credor não pode ser compeli-do a receber.2

1 couTo E SIlVA, clóvis do. Comentários ao Código de Processo Civil. São paulo: RT, 1977, v. XI, artigos 890 a 1045, p. 19-25.

2 GoMES, orlando. Obrigações. 8. ed. Rio de janeiro: Forense, 1986, p. 139.

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A ação de consignação em pagamento, correlata ao direito do devedor de obter a liberação da obrigação pelo depósito e a quitação, é tratada pelo código de processo civil, nos artigos 890 a 899, entre os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.

Várias inovações foram introduzidas, no código de 1973, pela lei 8.951, de 13.12.1994, que alterou profundamente o antigo modelo da ação de consignação em pagamento.

na ação de consignação e pagamento, o objeto do pedido é a declaração de liberação do devedor.

não se confunde com o objeto do depósito, que é a coisa de-vida, quantia em dinheiro ou outro bem móvel, que coincida com o objeto da prestação.

Em relação à eficácia da sentença de procedência, a ação de consignação em pagamento tem natureza declaratória.

AdRoAldo FuRTAdo FABRÍcIo esclarece que,

o que a sentença de procedência faz é, precisamente, declarar que o depósito preenche e satisfaz os requisitos legais para substituir o pagamento como forma de liberação do devedor. o ato judicial constata e afirma que a consignação produziu esse efeito.3

no entanto, com as alterações introduzidas pela lei 8.951, de 13.12.1994, a ação de consignação em pagamento passou a comportar, também, sentença condenatória, em favor do réu. A ele foi assegurada não somente a faculdade de levantar, em caso de insuficiência do depósito alegada na contestação, a quantia oferecida, com o prosseguimento do processo pelas diferenças controvertidas (art. 899, § 1o), mas, também, a de obter título executivo pelo valor das diferenças que forem determinadas pela sentença (art. 899, § 2o).

Em sua atual disciplina, a ação de consignação em pagamento tem natureza dúplice, permitindo que o réu também apresente sua pre-tensão, na própria contestação.

3 FABRÍcIo, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de janei-ro: Forense, 1995, v. VIII, t. III, artigos. 890 a 945, p. 37.

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A sentença que nela for proferida declara a liberação do autor, pelo depósito efetuado, se verificar que ele produziu o efeito liberató-rio. E, se constatar que o depósito foi insuficiente, declara o direito do réu, condenando o autor ao pagamento da diferença apurada, sempre que ela puder ser determinada.

Por isso, pode-se afirmar, de modo unificado, que a finalidade da ação de consignação em pagamento é a extinção da obrigação que se alcança, alternativamente, com a declaração da eficácia do depósito ou com a execução da sentença condenatória proferida em favor do réu, fixando a diferença entre o valor do depósito e o valor do débito.

2 A Questão dos LiMites dA CoGnição e dA ContestAção nA Ação de ConsiGnAção eM pAGAMento

Em doutrina já superada, a ação de consignação em pagamen-to foi considerada uma “execução pelo avesso”, o que fazia pressupor que o objeto do depósito fosse uma quantia determinada líquida e certa.

Firmou-se, sobre aquele falso pressuposto, o entendimento de que a ação de consignação em pagamento não se prestaria à pre-tensão de acertamento de relações jurídicas, de que a matéria da contestação estaria limitada a determinados temas, de que não seria possível ampla discussão a respeito do débito, de que estava interdi-tado o exame da validade de cláusulas contratuais, de que relações complexas não poderiam ser nela discutidas, de que não comportava questões de “alta indagação” e de que somente dívida líquida e certa poderia ser objeto dela.

As restrições que se atribuíam à matéria da defesa estavam intrin-secamente vinculadas ao problema dos limites da cognição judicial.

na linha da antiga concepção restritiva (couTo E SIlVA, 1977, p. 34)4 escrevendo sobre o tema antes do advento da lei 8.951,

4 couTo E SIlVA, op. cit., 1977, p. 19-25.

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de 13.12.1994, entendia que na consignação em pagamento “não há cognição plena”.

Todavia, embora afirmasse que o restrito âmbito da ação não permitia que as questões de “alta indagação” fossem discutidas, já repelia as assertivas de que nela não se podia discutir o “mérito da dívida”. (couTo E SIlVA, 1977, p. 34, 36)5

A doutrina que afirmava as limitações da cognição na ação de consignação em pagamento falava em sentença “sob reserva”, de modo a possibilitar que o réu argüisse, em outro procedimento espe-cífico, as pretensões que ultrapassassem os limites do procedimento.

Essa posição está, hoje, totalmente superada tanto no campo doutrinário como no jurisprudencial.

FABRÍcIo (1995, p. 37) aponta, com extrema propriedade, a absoluta falta de fundamento nas tentativas de se restringir a matéria da defesa que, na verdade, acabavam por restringir o próprio objeto do processo.

Conforme afirma, as únicas restrições ao objeto da ação de con-signação em pagamento são as decorrentes de sua própria finalidade. Toda matéria estranha ao objetivo de liberação do devedor é imper-tinente e o requisito da liquidez e certeza, que jamais foi exigido por qualquer preceito legal, é falso e colide com as disposições legais que admitem a alegação da insuficiência do depósito como matéria de contestação. não há, entretanto, razão para se afastar a discussão da origem, da natureza e do valor do débito, que pode ser indispensável ao convencimento do juiz (FABRÍcIo, 1977, p. 38-39).6

o processualista rejeita as restrições decorrentes da limitação da cognição, aduzindo:

hoje, em face da claríssima posição tomada quanto ao tema pelo legislador de 1973, a ponto de, após definir os limites do caso jul-gado, arrolar as declarações ou resoluções judiciais que não fazem res iudicata (código, arts. 468 e 469), já não parece subsistir explicação alguma para a insistência em restringir-se o objeto da discussão e da cognição na ação consignatória. Ele pode

5 Id. Ibid., p. 34 e 36.6 FABRÍcIo, op. cit. p. 38-39.

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ter a mesma extensão que teria em qualquer outra ação: o que importa restringir, e por princípio legal e geral está perfeita-mente delimitado, é o conteúdo autoritativo da sentença. não há porque aceitar-se, nessa perspectiva, a idéia de não ser plena a ‘cognição sobre o mérito’, ou de ser a sentença proferida ‘sob reserva’.7

As restrições à matéria da defesa estiveram equivocadamente vinculadas à natureza do procedimento da ação de consignação em pagamento.

A cognição limitada foi relacionada ao procedimento especial, enquanto a cognição plena seria sempre assegurada no procedimento ordinário.

Cognitio plena – conforme esclarece joSÉ FREdERIco MARQuES,

é a que incide sobre o litígio, sem restrições, propiciando, por isso, ao juiz, que examine a lide que vai compor, em toda sua extensão e profundidade, dentro, é claro, dos limites demarca-dos no pedido. Quando plena a cognitio, a pretensão do autor é confrontada com a defesa do réu, em pesquisa ampla e total: o juiz terá em conta todas as alegações das partes quanto à pretensão, e a defesa do réu quanto às condições de admissibi-lidade da tutela jurisdicional, e quanto ao mérito, para decidir a lide de modo definitivo.8

contrariamente, a cognição limitada é a que não se estende ao exame completo da lide, que sofreria limitações em sua projeção processual.

Essas concepções não podem ser transportadas para a ação de consignação em pagamento sem o risco de se incorrer em inadmissí-vel incoerência.

AdRoAldo FuRTAdo FABRÍcIo (1995, p. 37) pondera, com razão, que, em regra, o problema de ser completa ou não a cog-

7 FABRÍcIo, op. cit., p. 41.8 MARQuES, josé Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São paulo: Saraiva,

1985, v. 2, p. 7.

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nição pode influir nas formas sumárias, mas não está envolvido com o rito especial.9

Realmente, não há razão para se pretender extrair, automatica-mente, a limitação da cognição do procedimento especial.

o procedimento, no direito processual, foi amplamente enten-dido como rito, ordem ou forma dos atos que se encadeiam com o ob-jetivo de obtenção de um provimento judicial. Quando se realiza em contraditório, o procedimento assume as características do processo.

o código de processo civil empregou a palavra procedimento no sentido de “forma de proceder”.

Em seu sistema, os procedimentos estão ordenados em duas grandes classes: a dos procedimentos comuns e a dos procedimentos especiais. A classe dos procedimentos comuns se subdivide em proce-dimento ordinário e procedimento sumário.

o procedimento ordinário é o procedimento padrão, o modelo fundamental, aplicável ao maior número de causas.

nos aspectos em que o procedimento especial e o procedi-mento sumário não estiverem disciplinados por disposições espe-cíficas, as regras do procedimento ordinário a eles se aplicam sub-sidiariamente, conforme prevê a disposição do parágrafo único, do art. 272, do cpc.

os procedimentos especiais são instituídos para determinadas pretensões que apresentam peculiaridades que requerem tratamento diferenciado. Geralmente, o direito material oferece elementos que su-gerem a necessidade ou a conveniência do rito especial para que as pre-tensões a ele correspondentes sejam apreciadas e decididas em juízo.

o código de processo civil tratou, distintamente, os procedi-mentos de jurisdição contenciosa e os de jurisdição voluntária. Mas, como observa o professor celso Agrícola Barbi (1992, p. 5) em sua sistemática, não reservou uma parte geral para as normas aplicáveis a todos os processos. colocou-as no livro que trata do processo de co-nhecimento e determinou sua aplicação subsidiária ao procedimento Especial.10

9 FABRÍcIo, op. cit., p. 5.10 BARBI, celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de janeiro: Fo-

rense, 1992, v. I, artigos 1o a 153. p. 5.

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BARBoSA MoREIRA (1986, p. 8-9) entende que os procedi-mentos especiais “de jurisdição contenciosa”, disciplinados no códi-go de processo civil, quanto à estrutura, podem ser reunidos em três classes: a) “a dos que, a despeito de particularidades quase sempre iniciais, recaem, sob certas circunstâncias, no procedimento ordiná-rio”; b) “a dos que, sob certas circunstâncias, passam a seguir o rito característico do processo cautelar”; c) “a dos que não se deixam re-duzir a qualquer denominador comum”.11

A ação de consignação em pagamento está, juntamente com ou-tras, na primeira classe, a dos procedimentos especiais que, sob certas circunstâncias, recaem no procedimento ordinário.

AdRoAldo FuRTAdo FABRÍcIo (1995, p. 116) lembra que no código de processo civil revogado havia norma expressa (art. 317, § 2º) estabelecendo que o oferecimento da contestação fazia ado-tar-se, na ação de consignação, o rito ordinário.

no atual código, não existe essa regra explícita, mas o rito ordi-nário se impõe pelo próprio sistema que faz dele um modelo geral a se aplicar supletivamente a todos os procedimentos especiais. como ex-plicita, “a adoção do rito ordinário a partir da contestação é, contudo, um imperativo lógico. As normas relativas ao rito-padrão, ainda uma vez se repete, são supletivamente aplicáveis a todos os procedimentos especiais, naquilo em que não estejam especialmente regrados”.12

É claro que, se a contestação conduz a ação para o rito ordi-nário, não tem, absolutamente, sentido afirmar-se que a produção de prova, ou a resolução de questões complexas, não têm lugar, na ação de consignação em pagamento, por serem incompatíveis com o pro-cedimento especial.

nos termos do art. 899, do código de processo civil, quando, na contestação, o Réu alegar a insuficiência do depósito, é permitido ao Autor complementá-lo. Se o Autor não o complementa, é permi-tido ao Réu que tenha alegado a sua insuficiência, levantar a quantia ou coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do Autor e o prosseguimento do processo quanto à parcela controvertida.

11 MoREIRA, Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 7. ed. Rio de janeiro: Forense, 1986, p. 8-9.

12 FABRÍcIo,FABRÍcIo, op. cit., p. 116.

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Após a contestação, aplicando-se as normas do procedimento ordinário, terão lugar as providências preliminares, tratadas nos arts. 323 a 328, do cpc, o julgamento conforme o estado do processo, previsto nos arts. 329 a 331, do cpc, ou, se não houver conciliação, a instrução e julgamento da lide.

deve, ainda, ser lembrado, que há expressa previsão de con-versão do processo ao rito ordinário no art. 898, código de processo civil, que trata da hipótese de se fundar a consignação em dúvida sobre quem deva legitimamente receber e comparece mais de um pre-tendente. nesse caso, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os cre-dores, caso em que se observará o rito ordinário.

não há, portanto, nenhuma pertinência no argumento de que as questões ditas complexas ou de alta indagação seriam incom-patíveis com o procedimento especial da ação de consignação em pagamento.

Tal argumento é destituído de sentido, porquanto a ação de con-signação em pagamento pertence à classe das ações especiais que, sob circunstância prevista em lei, e depois de contestadas, podem ser convertidas ao rito ordinário.

A construção jurisprudencial percebeu que não há razão para se restringir a matéria da defesa, pelo afastamento do âmbito da ação de consignação em pagamento das mais amplas discussões so-bre o débito, sua natureza, sua origem e seu quantum e rechaçou, definitivamente, a restrição à cognição e a limitação à contestação.

Hoje, a jurisprudência admite, pacificamente, que, na ação de consignação em pagamento, é possível ampla discussão acerca do dé-bito, inclusive com o exame de cláusulas contratuais que incide sobre sua validade e seu alcance e com ampla análise sobre as questões suscitadas pelos litigantes, de que depende a verificação do direito do devedor à quitação do débito e do direito do credor de receber o que lhe é devido. (cf. STj RESp 226994-BA, RESp 401708-MG; RESp 150425-MG, RESp 299171-MS, RESp 195752-Sp, RESp 489792-RS, RESp 241172-Sc, RESp 242321-RS, RESp 600469-RS, RESp 495705-Rj, RESp 264592-RS, RESp 345568-Sp, RESp AGA 556146-RS, AGA 432140-dF).

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A disposição do art. 899, do código de processo civil, ao per-mitir que o Autor complete o depósito quando, na contestação, o Réu alegar que ele não é integral, não se ajusta à regra geral da imutabili-dade do litígio.

É o autor, escreve lIEBMAn,

quem com seu pedido indica e fornece a matéria sobre a qual deverá incidir o exame do juiz. Mas o processo deve correr em contraditório e o réu, ao deduzir a sua defesa, pode por sua vez ampliar a matéria que deverá constituir objeto do conhecimento do juiz.13

com a citação, o litígio se torna imutável, nos termos do que dispõe o art. 264, do cpc.

Se é o pedido que delimita a res in iudicium deducta, citado o Réu, o processo se estabiliza.14

Esse princípio não pode ser transportado para a ação de consig-nação em pagamento.

AdRoAldo FuRTAdo FABRÍcIo (1995, p. 139-140) ob-serva que, no caso de complementação do depósito pelo Autor, tem-se a quebra do princípio da impossibilidade de alteração do pedido ou de sua causa pelo Autor, após a contestação. A complementação, nos ter-mos da objeção do Réu, impede o prosseguimento do processo, que é extinto com julgamento do mérito, porque a sentença declara liberado o devedor e faz coisa julgada material. Mas é claro que não há acolhi-mento do pedido formulado na inicial e contestado. Se acolhimento há, é de um pedido modificado. Admite-se, assim, uma modificação do pedido, após a contestação e em razão dela. deve ser ressaltado que o objeto da ação consignatória não é o valor da quantia ofertada pelo Autor, mas a liberação do devedor, com a extinção da obrigação. o depósito é o objeto da prestação devida.15

13 lIEBMAn, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. cândido R. dina-marco. Rio de janeiro: Forense, 1984, v. 1, p. 168.

14 MARQuES, op. cit., p. 14-16.15 FABRÍcIo, op. cit., p. 139-140.

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Todavia, se o devedor não deposita o valor integral, não esta-rá cumprindo a obrigação. E a complementação do depósito importa nesse reconhecimento, e em modificação do pedido.

os §§ 1o e 2o, acrescentados ao art. 899, do cpc, pela lei 8.951, de 13.12.94, introduziram importantes inovações na ação de consig-nação em pagamento.

o § 1o permitiu que, alegada a insuficiência do depósito, o Réu levante, desde logo, a quantia ou coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do Autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida.

É claro que, não havendo disposições específicas disciplinan-do o prosseguimento do feito, a ação de consignação em pagamento prosseguirá no rito ordinário.

As partes têm, assim, o direito de produzir provas, com a garan-tia do contraditório e da ampla defesa.

Não há, portanto, nenhum fundamento a sustentar a afirmação de que a ação de consignação em pagamento, em razão do proce-dimento especial, exige restrições na matéria da defesa e cognição limitada.

o § 2º conferiu natureza de actio duplex à ação de consignação em pagamento, ao estabelecer que, concluindo pela insuficiência do depósito, a sentença determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, cuja execução o Réu poderá promover nos mesmos autos.

Foi, assim, atribuída eficácia executiva à sentença, em favor do Réu.

Assumindo o caráter de ação dúplice, a ação de consignação em pagamento possibilitou não somente que o Autor deduza pedi-do para se liberar da obrigação, mas que também o Réu, ao alegar a insuficiência do depósito, tenha sua pretensão, de receber o que entende devido, deduzida na própria defesa, apreciada e decidida pela sentença.

Em face dessa natureza dúplice, as afirmações quanto a ser de-feso ao juiz decidir fora do pedido inicial e quanto ao momento da estabilização da demanda devem ser examinadas com muito cuidado. Elas podem se aplicar às hipóteses em que não há contestação, ou em

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que, sendo oferecida a contestação, nela não se alega a insuficiência do depósito, mas, não sendo esses os casos, perdem, totalmente, a consistência.

o § 1º, do art. 899, do cpc, não estabeleceu prazo para o levan-tamento da quantia depositada. Tratou-o como uma faculdade do Réu, da qual ele poderá se valer a qualquer tempo, ao longo do processo.

É a conclusão que se pode tirar da falta de estipulação legal quanto ao prazo.

nesse sentido, AdRoAldo FuRTAdo FABRÍcIo, referin-do-se ao § 1º, do art. 899, afirma:

sem embargo do silêncio, é imperioso admitir que (...) a faculdade se mantém ao longo do processo: precisamente porque não se es-tipulou prazo, este se dilata por toda a duração do litígio judicial (...) Trata-se, de resto, de faculdade e não de obrigação do réu. Se o prefere, pode este deixar intocado o depósito enquanto se desen-rola o debate sobre a parcela a cujo respeito divergem as partes.16

3 ConCLusão

não se pode esquecer que o depósito é o objeto da prestação a que o devedor está obrigado, perante o credor.

Se o Réu pretender discutir a diferença entre o valor depositado e o valor devido, pode levantar o depósito, mas deverá fazê-lo após a contestação.

Em conformidade com a disposição do art. 897, do código de processo civil, se não contestar o pedido, naturalmente sofrerá os efeitos da revelia e, embora possa levantar o depósito, será condenado nas custas e honorários. o mesmo ocorrerá se o Réu receber a quantia depositada e der quitação.

Mas, em todas as hipóteses, o depósito feito pelo Autor, depois de citado o Réu, fica à sua disposição, cabendo-lhe a opção quanto ao

16 FABRÍcIo, op. cit., p. 141-142.

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momento de levantá-lo, no curso do processo, salvo em caso de dispu-ta de credores que ainda devam provar, no processo, o seu direito.

4 ReFeRÊnCiAs BiBLioGRÁFiCAs

BARBI, celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de janeiro: Forense, 1992, v. I, artigos 1º a 153.couTo E SIlVA, clóvis do. Comentários ao Código de Processo Ci-vil. São paulo: Revista dos Tribunais, 1977, v. XI, artigos 890 a 1045.FABRÍcIo, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de janeiro: Forense, 1995, v. VIII, t. III, artigos 890 a 945.lIEBMAn, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. cândido R. dinamarco. Rio de janeiro: Forense, 1984, v. 1. MARQuES, josé Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São paulo: Saraiva, 1985, v. 2.MoREIRA, Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 7. ed. Rio de janeiro: Forense, 1986.

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VIRTuAl MEETInG oF ShAREholdERS And ITS IMMEdIATE REWARdS

h. jAAp VAn dEn hERIKSVETlA pEnchEVA

sumário

1. Introduction. 2. A Model of a Virtual Meeting. 3. dutch Amendments. 4. Recent delaware Amendments. 5. A comparison. 6. Future Expectations. 7. conclusions. 8. References.

AbstractWe introduce a theoretical model of a virtual shareholders’

meeting along with the dutch and delaware perceptions that are incorporated in laws. From our analysis, we may conclude that a virtual meeting of shareholders has a large prospective. For instance, we see that the use of it will enhance corporate governance so that the latter attracts more investors, and improves cross-border shareholding. KEYWoRdS: corporate law. Shareholders. Meeting. Virtual shareholders. Meeting. delaware law, dutch law.

Resumonós introduzimos um modelo teórico da assembléia virtual de

acionistas de sociedades anônimas sob uma ótica comparada do direito holandês e do estado norte-americano de delaware. podemos con-cluir, da nossa análise, que uma assembléia virtual de acionistas tem grande perspectiva. Entendemos que o uso de tecnologia da informa-

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ção irá incrementar a governança corporativa de forma a poder atrair mais investidores e aumentar a participação de acionistas de outras fronteiras.

pAlAVRAS-chAVE: direito empresarial. Assembléia de acionistas. Assembléias virtuais. direito de delaware e holandês.

1 intRoduCtion

At the end of the 20th century, our society entered a new sta-ge in its development and was labelled by Machlup (1962) as an “information society”. The central characteristic of the informa-tion society is the significance of information, widely recognized as having a high economical and cultural value. In the 21st cen-tury, developments in information technology rapidly transformed our daily life into a “knowledge economy” and subsequently into a “knowledge society”.1

of course, this transformation should be completed by a new regulatory legal framework since the technology does not take into account what is and what is not allowed. Within that process, IT is deeply rooted in various types of relationships. The developments are facing the old legislation, which is no longer applicable. Testing the legislation with respect to the new type of relationships should be executed in a different environment. For instance, there should be emphasis on knowledge items. The value of exchanged knowledge is extremely high and appreciated by the knowledge society. The pro-ductivity of the knowledge exchange is crucial for corporate gover-nance. Therefore, many law scholars perceive that it can facilitate and improve corporate governance (cf. Krans, 2006).

however, there are opposite views, too. In the last decade, we witnessed many corporate accountancy manipulations (e.g., Enron, parmalat, and Ahold) that roused the mistrust of corpora-te-governance companies and contributed to the apathy of sharehol-

1 Authors can be reached at: h. jaap van den herik [email protected] e SvetlaAuthors can be reached at: h. jaap van den herik [email protected] e Svetla pencheva [email protected].

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ders for participation and attendance of shareholders’ meetings (cf. Adams, 2004).

Below, we will demonstrate that IT as a modern means of com-munication will increase the shareholders’ participation and enhance corporate governance. For instance, IT is a fast, efficient, and low-cost approach (compared to the other types of communication and with respect to human travelling). nowadays, corporate governance legislation allows the communication process to be performed by electronic means of communication in all phases of the operations. Many corporations maintain websites, where they (1) provide infor-mation on their annual financial reports, (2) make announcements on their policy, (3) list their goals, and (4) announce the general meeting of shareholders. Moreover, the corporations use the communication via e-mails as a tool for a fast and efficient virtual venue of informa-tion to be transmitted to shareholders, investors, and unions. Based on the above considerations, the problem statement of the article re-ads as follows:

What are the immediate rewards for no physical attendance at a general meeting of shareholders?

We believe that a virtual meeting of shareholders will lead to immediate rewards. our ideas and observations on the application of IT for an arbitrary shareholders’ meeting are given below.

In section 2, we describe a model of a virtual meeting of sha-reholders by listing the main points which have to be taken into ac-count before and during a virtual meeting of shareholders. In section 3, we discuss the new dutch law that prescribes how a virtual meeting of shareholders can be conducted under dutch legislation. In section 4, we outline the significant amendments of the Delaware Corpora-te Governance Law that allowed for the first time a general meeting of shareholders to be held via remote communication. Moreover, we give an example of the first corporation that benefited from the new laws. Section 5 briefly compares and comments on these two models (dutch and delaware) of a virtual meeting of shareholders. Section 6 provides our future expectations. Finally, in section 7, we conclude as to what extent a virtual meeting of shareholders may improve corpo-rate governance and subsequently list the immediate rewards.

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2 A ModeL oF A viRtuAL MeetinG

A virtual meeting of shareholders is on the one hand a meeting with an attendance in a virtual reality, and on the other hand, a meeting with some physical attendance. When a corporation considers conduc-ting a shareholders’ meeting assisted by IT, it is advisable to take into account some legal considerations in advance (cf. Boros, 2004). The main legal consideration is the legal admissibility of holding a mee-ting using an electronic means of communication. once it has been established that the by-laws of the corporation permit such a method of conducting a shareholders’ meeting, the corporation has to inquire whether the shareholders would like to attend the meeting either using an with electronic means of communication or by physical presence, since we would like to give some room for shareholders who prefer the “old fashioned” physical attendance. When the majority of sharehol-ders prefer virtual attendance and only a minority requests for physical one, it would be considered inappropriate for the management board to organize a meeting according to the majority’s preference. The corpo-ration has to satisfy both groups and should make both possible. Every shareholder who possesses shares has to participate on the meeting of shareholders because the shares he owns give him the right to attend and participate at the meeting of shareholders.

Below, we define a model of a virtual communication. It con-sists of three stages: (1) pre-meeting communication, (2) organizing a virtual meeting, and (3) a voting process.

Ad 1. Before conducting actually a meeting of shareholders there is a process of pre-meeting communication. In the process of pre-meeting communication, the management board has to provide the shareholders with all necessary information, concerning annual financial reports, proposals for the agenda of the meeting, all pre-mee-ting requests by shareholders, and their proposals for changes in the agenda. The pre-meeting communication process can be performed (1) by revealing all the information on the website of the corporation, (2) by e-mail, and (3) by regular mail.

The web site method is the most efficient and fastest method to spread the necessary information. But here we would like to focus on

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the website liability. For instance, some of the information could be misleading or even wrong; or the hyperlinks to web sites of a third party may be broken. In these cases, we would like to emphasize that the corporation is obliged to provide correct and reliable information and to be able to maintain a website with reliable and correct working hyperlinks. This might technologically be difficult.

communication by e-mails has also some disadvantages. In brief, they are: (1) the law requires a proof of receipt for any message sent and (2) the condition that an e-mail is to be reliable (what criteria should be imposed for achieving this?).

once the shareholders have received all the information by pre-meeting communication, it is a sign that transparent corporate governance has started well. Then the management may announce how the shareholder’s meeting will be conducted. Subsequently the management board has to step forward and organize the actual meeting.

Ad 2. The set-up for a virtual shareholders’ meeting can be per-formed by using (1) satellite broadcasting, or (2) web broadcasting, or (3) a web-based channel where all shareholders can simultaneously follow the meeting. All these versions imply that every shareholder is able to communicate with the management board, with the chairman, with the supervisory, and with the other shareholders. The virtual me-eting requires fulfilling the terms to provide a correct flow of com-munication. While providing these interactions at the same time, the corporation has to secure the flow of communication and information from third parties’ obstructions and invasions.

The corporate company can secure the flow of communication by supplying all shareholders with a code, which can be also the au-thentication number for the shareholders. This authentication code re-cognizes each shareholder as owner of shares and it will protect them from aggressive violation of privacy and communication.

Ad 3. Election and votes by shareholders can be arranged by providing a special virtual ballot pool. Even if there are some sha-reholders who attend the meeting in person; such a ballot will not be a problem, because many corporations use a remote control at the physical meeting to vote. once the voting process is over, the chair-

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man of the meeting can announce the result. This result can be posted on the web site of the corporation.

A virtual meeting of shareholders with a physical venue as des-cribed above is neither a problem from a financial and technical point of view. The virtual meeting might actually wake up shareholders from their apathy and increase their attendance and participation. We perceive five advantages of the virtual meeting: (1) low-cost for a corporation (2) reducing paper work (3) efficient and easy way to set up a meeting of shareholders (4) increasing shareholders’ participa-tion and 5) sufficient communication process. All these advantages would improve the present corporate governance, the involvement of the shareholders, and the attraction for investors.

having given our view on a virtual meeting of shareholders, we would now try to answer the following three questions.

Is it possible to formulate an appropriate legislation for a virtual meeting of shareholders?

What is the impact of a new legal framework of a virtual mee-ting of shareholders?

What are the future expectations?

3 dutCH AMendMents

The netherlands can be considered as one of the leading trading countries in Europe. It is not surprising that the netherlands is one of the first countries to enhance its corporate governance and comply with the Eu regulations, as well as with the new regulations of the other leading countries, such as the u.S., the u.K., and japan.

In december 2003, the dutch corporate governance committee issued the dutch corporate governance code which was enforced in january 2004. The code is applicable to (1) all companies that have registered offices in the Netherlands and (2) all so-called listed com-panies. This committee has a long-term monitoring function and pro-posed 40 recommendations (cf. corporate governance committee (known as the “Tabaksblat committee”, 2003)). Moreover, the com-mittee was influenced by the Combined Code of the U.K. which was

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adopted in 2003. The new dutch code is replacing the recommenda-tions by peter’s committee (cf. peter’s committee, 1997).

Since the beginning of 2007, a new law was enforced in the netherlands that allows a virtual meeting of shareholders. The latest amendments of the Burgerlijk Wetboek prescribe that shareholders may request to attend a meeting using electronic means of communi-cation. Moreover, the article 2:113 states: “Shareholders (and equals) can be called together by electronic means (which has to be eligi-ble and reproducible) unless the statutes state otherwise. Statutes can allow shareholders to be called together through electronically publi-shed and publicly accessible means” [1].

In addition, every shareholder may decide how to attend the meeting, virtually or by physical presence. once the shareholders have provided the management board with their consent regarding how they will attend the meeting, the management board may start to organize the meeting. In addition, in order for the dutch legislation to be valid (i.e., in force) with respect to future shareholders’ mee-tings conducted by electronic means of communication, it has to be precisely prescribed in the statute of the corporation. “Statutes may allow every shareholder to take part in a general meeting by electronic means, and may cast his vote as such. It is required that they can be digitally identified, and can obtain direct information on what takes place at the meeting and cast his vote. The statutes can allow the sha-reholder to take part in the meeting by electronic means.” “Statutes can restrict the above; such restrictions have to be made known in advance. A written mandate can also be given by electronic means.” (Article 2:117a Wet Boek)

This adequately determines the flexibility of law. The corpora-tion and its shareholders can decide whether they want to conduct a shareholders’ meeting by electronic means of communication. This can be explicitly written in the statute, which means they know in advance what they can expect.

Such a manner of legislating a virtual meeting of shareholders shows that the State does wish to be involved and over regulate the re-lations. We may not conclude on the legality of this method. We have to see how Dutch corporations will benefit from this legislation. We

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believe that within a few years we can have some empirical data to conclude. We expect that many European countries would copy such a method of legislating a virtual meeting of shareholders.

4 ReCent deLAWARe AMendMents

The Delaware legislation was the first legislation in the world to enforce a virtual meeting of shareholders. Below we do not dismiss its anguish and its consequences. However, for these specific topics we refer to the general framework of the delaware corporate Governan-ce law and focus on the recent amendments.

In general, the delaware legislation differs from other legis-lations by its flexibility. Delaware is a phenomenon in the corpo-rate world. The latest technological amendments in delaware Ge-neral corporation law (dGcl) show the dominance of delaware in the u.S. one prominent aspect is the periodic evaluation and updating of delaware’s General corporate law (the dGcl) (cf. Easmunt, 2004).

The july 2000 amendments to the dGcl are the most impor-tant areas of the last decade, primarily owing to their practical im-pact. They describe the nature of the future of corporate governance by using information technologies and pursuing corporate gover-nance (1) in a new direction and (2) in a different virtual venue. The Delaware amendments are quite significant, not only for the U.S. corporate governance system, but also for the European corporate governance. In Europe, the amendments evoked some interesting discussions on the virtual venue in corporate governance and metho-ds of communication.

Below we discuss the alleged ‘technological amendments’ that bring the dGcl directly into the 21st century. The amendments ena-ble corporations to employ modern technology supporting their cor-porate affairs. For example, an amendment to Section 211 (Meetings of Stockholders) places the ruling for the use of IT in the hands of the board of directors to permit shareholders to attend and participate in meetings by remote communication.

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nowadays, shareholders’ meetings according to dcGl are held (1) only by remote communication, without a physical venue, or (2) only by physical presence. The board’s actions may be taken by using a variety of modern technologies, such as consents of directors by means of an “electronic transmission” (cf. dcGl, 2000).

The amendment of section 211 of the corporation law expli-citly gives the main decision in the hands of the board to decide how to hold and conduct the shareholders meeting via remote communica-tion or only by physical attendance. Therefore, we may conclude that a shareholders’ meeting can be held only in its virtual venue without any physical presence. So far, it is a matter of a choice (physical pre-sence or virtual presence). This implies that the laws provide only one option for conducting a meeting without any possibility to combine the two venues, i.e., to combine the physical and virtual presence at one shareholders’ meeting.

In section 211(a) and section 141(f), we perceive that the meeting of shareholders conducted via remote communication does not requi-re for the participants to hear each other. We assume that the meeting may be conducted via remote communication also in chat rooms, chat sites or any type of known internet communication which does not include the venue of hearing or seeing each other, and still must fulfil the requirement for communication (cf. Goldman, pittenger, and Sa-lomone, 2005).

Below, we provide some history showing how these amendments were used in practice for the first time. In April 2001, a small com-pany incorporated in delaware, Inforte, became the first company to benefit from Delaware’s new laws to conduct an electronic sharehol-ders’ meeting with no physical counterpart. under the new Section 211 of the delaware General corporation law, the board can hold a meeting ‘by means of remote communication’ and allow remote stockholders/proxy holders to be considered ‘present’ for quorum and voting purposes, if the company has the ability to: implement ‘reaso-nable measures’ to verify that each person is a shareholder or a proxy holder. Inforte was prepared to receive e-votes by fax.

here we may conclude that with the amendments of the de-laware general corporate law, the corporate governance in the u.S.

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initiated a new direction of conducting a shareholders’ meeting. The significant amendments challenged the other legislative bodies in the world. consequently, with such amendments, it is not surprising that many legislators opine that the best facilitation of corporate go-vernance at the moment is IT. The delaware corporate governance clearly suggests that IT may guarantee the transparency in corporate governance along with the imposition of a new role of the shareholders and their meetings in corporate governance.

5 A CoMpARison

comparing the dutch and the delaware amendments, we have to take into account (1) the differences in the legal regimes and (2) the different corporate governances. We must position the dutch corporate governance as an insider system and the delaware corporate governance as an outsider. From the many main diffe-rences, we focus on the nature of the meeting. Both systems have different regimes for conducting a virtual meeting. According to the dutch laws, a virtual meeting of shareholders can be held com-bining both venues, i.e., the virtual venue and the physical one. The delaware corporate law prescribes only one venue to be used when a meeting is held. The dutch legislation requires that every shareholder may decide which venues for attending a meeting will be used – virtual or physical. contrarily to this, delaware legis-lators gave their choice in the hand of the Board of directors to decide which venue will be used.

6 FutuRe eXpeCtAtions

obviously, the new communication technologies facilitate the shareholders’ participation. using the new modern means of com-munication, the participation at the General Meeting of shareholders gives the opportunity for rational decisions made by the sharehol-ders. It may help see the importance of exercising the shareholders’

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rights, avoiding the accountancy manipulations of managers and the Board of directors, and reducing any distrust in the idea of corpo-rate governance.

We hope that the legislators will see the importance of this new form of exercising the shareholders’ rights. clearly, the vir-tual meeting has also to cope with the understanding of software problems and cannot just transform the present legal requirements to a “virtual” environment. The new environment has a different understanding of the legal terms, the physical assumptions, and the physical presumptions. At first, this difference may lead to mi-sunderstanding in the communication process. Therefore, the right direction is to reach a common meeting point of legal expertise, technical approaches and new developments. It will be a waste of time if the legislation is trying to adapt the old legislation to the new demands of the knowledge society. The corporate governance has to articulate their needs in a proper way. The following factors have to be taken into account when considering the complete revi-sion of legislation.

Software and hardware developmentsMonopoly on the market of some software and hardware

companiesUnification of termsconcentration of power in decision-making bodiesAvoiding technical slangAccess to the electronic facilities, proper software and har-

dwareShareholders should be able to vote in absence using modern

means of communicationUnification of legal termsAvoiding legal conflicts on national and international level We definitely expect that many legislative bodies will enforce

new suitable legislations on one of the first virtual meetings of sha-reholders. This will strengthen and improve corporate governances and also cross-border shareholding. The virtual world provides us with an inexhaustible amount of knowledge and information and par-

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ticipation of a meeting of shareholders is easy accessible. Therefore, IT will facilitate corporate governance.

7 ConCLusions

conducting a virtual meeting of shareholders has great po-tentials and benefits. Shareholders may exercise their rights from a distance and will see that it improves their participation. A virtual meeting of shareholders is a real opportunity for corporations with shareholders widely spread all over the world. Such a meeting will alert the management and the cEos in formulating and delineating a better policy. It will also improve the communication process between shareholders and the corporation. Moreover, the virtual meetings will prevent – at least that is what we expect – previously experienced accountancy manipulations. Engaging IT will enhance the corporate governance and will attract more investors from abroad.

So, we may consider that a virtual meeting of shareholders has at least four advantages, viz. (1) low costs to organize the meeting, (2) efficient and fast communication, (3) less paper work, and (4) easy to attend. These advantages are desired by many corporations. We belie-ve that in the future a virtual meeting of shareholders will increase the shareholders’ attendance and participation. This, in turn, will lead to a better corporate governance and transparent corporate finance.

So far, we have seen how the netherlands and delaware enfor-ced their legislation on the possibility of a virtual meeting of sharehol-ders. A few Delaware corporations clearly benefited from the Delaware amendments, although some did not report a big success owing to the old fashioned method of a physical attendance- i.e. the meeting of sha-reholders was limited to one venue. It is interesting to see how a corpo-ration residing in the netherlands will use the possibility of conducting a virtual meeting of shareholders with also a physical presence.

8 ReFeRenCes

AdAMS, R. Enron to Parmalat: now Europe needs to declare war on fraud, 14 january, herald Tribune, 2004.

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BoRoS, E. Virtual shareholder meetings: who decides how compa-nies make decisions, 2004.coRpoRATE governance committee [known as the “Tabaksblat committee”], 2003. <http://www.commissiecorporategovernance.nl/Information%20in%20English>. dElAWARE General corporate law, 2000.GoldMAn, M. pittenger M.; Salomone, j. 2005. Modern communi-cation technologies and corporate governance: a practitioner’s guide to the 2000 amendments to the delaware general corporation law, potter & Anderson carroon llp. <http://www.potteranderson.com/news-publications-0-58.html>.EASMunT B. Delaware’s dominance in the field of corporate law: actual superiority, or merely the assumption there of?, 2003.<www.vsb.state.va.us/sections/cc/docs/bruceeasmunt.doc>.MAchlup. The Production and Distribution of Knowledge in the United States, 1962. KRAnS. The virtual shareholders meeting: how to make it work? Journal of International Commercial Law and Technology, v. 2, n. 1, 2007.

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o podER locAl no BRASIl: A AlTERnATIVA dA dEMocRAcIA pARTIcIpATIVA

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sumário

1. A crise da democracia representativa. 2. como democratizar a democracia: democracia e territó-rio, espaço e tempo na construção da democracia. 2.1 o federalismo. 2.1.2 o estado federal brasileiroo estado federal brasileiro centrífugo de dois níveis e formalmente simétrico. 3. orçamento participativo e democracia dialógica. 3.1 poder local e resgate da democracia social. 3.2 poder local e defesa da democracia. 3.3 poder local: o Brasil não pode esperar a efetividade de um estado social para ser democrático. 4. conclusão. 5. Refe-rências bibliográficas.

ResumoEm face da crise de legitimidade da democracia liberal e social e

à insuficiência da democracia representativa – influenciada pelo poder econômico privado e pelo controle da mídia global –, o poder local, inserido em uma democracia representativa dialógica, aparece como nova alternativa para enfrentamento dos desvios e perigos das pseu-dodemocracias contemporâneas por meio de um efetivo exercício da cidadania dialógica e participativa. contexto e exemplo da experiên-cia brasileira: orçamento participativo, sociedade civil organizada e discussão sobre o federalismo brasileiro.

REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 115-146 2007

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pAlAVRAS-chAVE: democracia liberal. democracia social. de-mocracia representativa – insuficiência. Orçamento participativo.

RésuméFace à la crise de légitimité de la démocratie libérale et sociale

et à l’insuffisance de la démocratie représentative – influencée par le pouvoir économique privé et par le contrôle des médias mondiaux –, le pouvoir local, inséré dans une démocratie représentative dialogique, surgit comme une nouvelle alternative pour faire face aux détourne-ments et aux dangers qui guettent de les pseudo-démocraties contem-poraines par le biais d’un exercice effectif de la citoyenneté dialogi-que et participative. contexte et exemple de l’expérience brésilienne: budget participatif, société civile organisée et débat sur le fédéralisme brésilien.

KEYWoRdS: démocratie libérale. démocratie sociale. démocratie représentative – insuffisance. Budget participatif.

1 A CRise dA deMoCRACiA RepResentAtivA

um dos temas mais discutidos no âmbito das ciências sociais é a democracia. podemos no decorrer da história encontrar uma grande e rica viagem do seu sentido, desde sua inicial construção no pensamento e na prática da antiguidade até as sofisticadas e va-riadas discussões sobre a democracia participativa, a democracia dialógica e a construção do Estado democrático de direito.

Assistimos nestes tempos de profundas transformações à cri-se da democracia liberal, da democracia social e a insuficiência da democracia representativa, além da apropriação do discurso demo-crático pelo poder econômico privado, concentrado nas mãos de pou-cos, incluindo o importante poder de controle e manipulação da mídia global.1 no mesmo momento, entretanto, percebemos claramente o

1 Sobre o tema: FIGuEIREdo, Rubens. Marketing Político e persuasão eleitoral. São paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000; KucInSKI, Bernardo. A Síndrome da antena parabólica – ética no jornalismo brasileiro. São paulo: Fundação perseu Abramo, 1998.

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surgimento e fortalecimento de alternativas. A globalização das co-municações, a Internet, a mídia alternativa, as TVs comunitárias, os jornais locais, as rádios comunitárias, enfim toda uma gama de infor-mação democrática alternativa, que, uma vez organizadas em rede (e obviamente não me refiro aqui às falsas redes meramente reproduto-ras de um conteúdo produzido por uma única fonte, mas em uma rede democrática, sem centro, multiparadigmática, uma rede de comunica-ções entre diversas culturas, que se unem em torno de princípios – e não conceitos – comuns) o mundo pode ser transformado em direção a um processo dialógico de construção permanente de uma grande democracia global.

partindo de um conceito de democracia participativa e dialó-gica, podemos ir percebendo outros impasses contemporâneos. um desafio muito claro está na necessidade de democratizar o que no senso comum ainda é aceito como democracia, ou seja, desenvolver mecanismos que possam fazer com que a democracia representativa, vítima do marketing, da concentração econômica e da opinião pública possa ser mais democrática do que ela já conseguiu ser no passado. os exemplos do comprometimento e da necessidade de adaptar essa democracia representativa de forma que ela possa ser democratizada estão claros a nossa volta, pois se acentua nos momentos de graves conflitos de interesses como no caso da segunda guerra do Golfo. Vá-rias indagações surgem a partir da constatação de fatos:

I – na Espanha, o primeiro-Ministro Aznar decide contra mais de 85% da opinião pública espanhola apoiar a guerra e os espanhóis se perguntam se vivem em uma democracia;

II – nos Estados unidos, o presidente manipulando uma mídia concentrada e controlada pelo poder econômico privado consegue o apoio de 70% da população para uma guerra injustificada perante a opinião pública mundial. os norte-americanos, em sua maioria, têm certeza de que vivem em uma democracia (na realidade americana percebemos como é mais importante a crença na democracia do que sua efetividade);

III – nos países islâmicos, governos alinhados com os EuA são obrigados pelas manifestações públicas a mudar seu discurso para

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acalmar os ânimos que podem, se mais exaltados, ameaçar o seu po-der não-democrático.

diante desses três fatos da história contemporânea podemos nos perguntar: democracia e opinião pública são conceitos comple-mentares? Responder sim a essa questão seria de uma insuportável simplificação, ao passo que ao justificar o não, poderemos sempre parecermos parciais.

Entretanto, há um ponto central nos três fatos acima enumera-dos: o atendimento da opinião pública não é sinal de democracia, não se confunde com democracia e pode ser usado contra a democracia, enquanto de outro lado a opinião pública pode forçar a democrati-zação e limitar o autoritarismo. A construção de uma sociedade de-mocrática e o funcionamento de processos democráticos dialógicos exigem uma análise extremamente mais complexa da sociedade, das instituições, da cultura, da história e do momento histórico vivido, do que simplesmente a sua redução ao normal funcionamento de um par-lamento, de eleições periódicas e da realização de consultas populares por meio de referendos e plebiscitos, ou pesquisas de opinião.

um outro aspecto referente à construção do senso comum sobre democracia está no discurso econômico: a cultura jornalística ociden-tal como a construção teórica simplificadora de alguns manuais de Direito, reproduzem, ainda hoje, o conflito do pós-Segunda Guerra de maneira simplificada e parcial. Desta forma, é comum encontrarmos afirmativas de que países onde não há a adoção de uma economia capitalista2 não podem ser democráticos, mesmo que tenham eleições periódicas com grande participação popular.

Situações grotescas surgem a partir desta manipulação dos meios de comunicação: os leitores devem se recordar dos discursos recorrentes dos presidentes norte-americanos no sentido de recuperar a democracia e os direitos humanos em cuba. Este discurso foi re-petido pelo presidente George W. Bush em 2003, quando afirmou que o seu governo não poupará esforços para resgatar os direitos huma-

2 Remeto o leitor à leitura do capítulo 2 do meu livro Direito Constitucional, tomo I, e dos capítulos 1, 2 e 9 do Direito Constitucional, tomo II, Belo horizonte: Mandamen-tos, 2002.

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nos nas ilhas cubanas. ora, se procurarmos os dados divulgados pela ONU anualmente vamos verificar que Cuba detém os melhores índi-ces na América latina no que diz respeito ao oferecimento de direi-tos sociais como saúde e educação, com um índice de criminalidade muito baixo e uma população carcerária pequena. de forma diferente os EuA oferecem índices alarmantes, com uma população carcerá-ria que ultrapassa 2.700.000 (dois milhões e setecentos mil detentos), população permanente entre os milhões que entram e que saem do sistema carcerário, com um número de condenações a morte só su-perado pela china. Segundo dados divulgados3 em artigo do sociólo-go da london School of Economics, Megan comfort, dos 9.000.000 (nove milhões) de detentos liberados no curso do ano 2002, mais de 1.300.000 (um milhão e trezentos mil) eram portadores do vírus da hepatite c, 137.000 (centro e trinta e sete mil) portadores do vírus da AIdS e 12.000 (doze mil) com tuberculose, o que representa respec-tivamente 29%, 13% a 17% e 35% do número de norte-americanos tocados por estas doenças.4

o presidente norte-americano ao se referir à situação dos di-reitos humanos em cuba talvez se referisse aos mais de 600 presos na base militar dos Estados unidos em Guantanamo (território sob ocupação norte-americana na ilha principal de cuba), sem direito a advogado, a um processo com ampla defesa e contraditório, sem sequer direito a uma acusação formal e submetidos a torturas so-fisticadas diariamente, como a supressão dos seus cinco sentidos e a perda da referência de tempo e espaço. Muitas dessas pessoas se encontram nesta situação há mais de dois anos, inclusive cidadãos norte-americanos.

Segundo o patriot Act II nomeado de domestic Security Enhan-cement Act, proposto pelo governo dos EuA, e mais duro que o uSA Patriot Act, está previsto o fichamento do DNA de estrangeiros sus-peitos ou de cidadãos norte-americanos suspeitos de terrorismo, pre-vendo ainda os pontos seguintes:

3 coMFoRT, Megan. Mani�re Voir, n.71, bimestriel, octobre-novembre 2003,coMFoRT, Megan. Mani�re Voir, n.71, bimestriel, octobre-novembre 2003, Lê Monde diplomatique, p. 66.

4 national comission on correctional health care, The health status of soon-to-be-re-national comission on correctional health care, The health status of soon-to-be-re-leased imates, chicago, 2002.

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I – um cidadão norte-americano pode ser expulso dos Estados unidos. Isso se com a intenção de se desfazer da sua nacionalida-de, um cidadão norte-americano se torna membro ou fornece aporte material a um grupo que os Estados Unidos tenham qualificado de organização terrorista;

II – um juiz poderá decidir que um norte-americano não merece mais ser cidadão, se sua conduta demonstrar sua intenção de não sê-lo;

III – abandono dos procedimentos judiciais que enquadram as ativi-dades de segurança nacional permitindo detenções secretas.

Esses são alguns exemplos da nova lei proposta que, entretanto, encontra alguma resistência desde a esquerda do partido democrata à direita do partido Republicano.

um exemplo recente de como a democracia representativa se torna intolerável quando esta afeta os interesses da elite econômica minoritária é o caso da Venezuela, de hugo chaves, que, guardadas as diferenças históricas, nos faz lembrar do golpe de 1964 no Brasil ou do golpe de 1973 no chile. o atual governo da Venezuela foi elei-to democraticamente com amplo apoio da população, embora tivesse contra si a grande mídia privada, o que mostra que o poder da mídia é grande, entretanto não infalível. Após o governo ser eleito (primeira eleição), convocou um processo constituinte democrático como raros na história. Foi eleita (segunda eleição) uma assembléia constituinte, a constituição foi votada e aprovada, depois submetida a referendo popular (terceira eleição). A assembléia foi dissolvida (pois se trata de poder temporário) e foram convocadas eleições para o parlamento e novamente para presidente da República (quarta e quinta eleição). Após todo este processo, o governo eleito começou a promover mu-danças na economia e na sociedade que afetaram interesses de uma elite que sempre se beneficiou de privilégios, deixando 80% da popu-lação na pobreza ou abaixo da linha de pobreza. Esta elite, então, em nome da democracia, patrocina um golpe de estado com apoio de par-te das Forças Armadas, depois de campanha da mídia, de sua proprie-dade, desmoralizando o governo. o golpe fracassou e seguiu-se uma greve na estatal de petróleo (principal fonte de recursos da Venezuela) com a intenção de inviabilizar economicamente o governo. A greve foi superada com enormes prejuízos econômicos. Agora, depois de tudo, a

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oposição tenta um plebiscito para tirar o governo, que não pôde gover-nar como devia diante de tamanha instabilidade, mas que mesmo assim apresenta resultados sociais e econômicos positivos. A quem pertence a palavra democracia? Quem procura deter o monopólio da construção e divulgação do conceito de democracia? os mesmos que, quando a democracia, que lhes é favorável, se torna desfavorável, em nome da democracia, acaba ou tenta acabar com a democracia.

A democracia não é um lugar aonde se chega. não é algo que se possa alcançar e depois se acomodar pois é caminho e não chegada. É processo e não resultado. dessa forma, a democracia existe em perma-nente tensão com forças que desejam manter interesses, os mais diversos, manter ou chegar ao poder para conquistar interesses de grupos especí-ficos, sendo que muitas vezes essas forças se desequilibram, principal-mente com a acomodação da participação popular dialógica, essência da democracia que defendemos, e o desinteresse de participação no proces-so da democracia representativa, pela percepção da ausência de represen-tatividade e pelo desencanto com os resultados apresentados.

desta forma, os que detêm determinados poderes transformam os processos a seu favor. já trabalhamos a transformação de mecanis-mos que serviram à democracia norte-americana como financiamento de campanha, colégio eleitoral, bipartidarismo, imprensa privada, em mecanismos de controle e perpetuação de poder e remetemos o leitor aos nossos livros Direito Constitucional, tomo I e II, da editora Man-damentos (Belo horizonte, 2002). Esse desvirtuamento do processo democrático se aprofunda com a concentração econômica do final do século XX. Emanuel Todd, que combate a visão economicista do mundo, observa o fenômeno no paradoxo da democratização de esta-dos que viveram autoritarismos históricos enquanto antigas democra-cias se desvirtuavam em novas oligarquias populistas e ou belicistas:

no exato momento em que começa a ser implantada na Eurásia5, a democracia enfraquece onde ela nasceu: a sociedade norte-ameri-cana transforma-se num sistema de dominação fundamentalmente desigual, fenômeno perfeitamente conceituado por Michael lind em The next American Nation. Encontramos em especial, neste

5 podemos mencionar também da democratização dos estados nacionais da América lati-na e diversas novas democracias africanas.

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livro, a primeira descrição sistemática da nova classe dirigente americana pós-democrática, the overclass.

Mas não há que ter inveja. A França está quase tão avançada quan-to os Estados unidos neste caminho. curiosa democracia, esses sistemas políticos nos quais se defrontam elitismo e populismo, nos quais subsiste o sufrágio universal, mas as elites de direita e de esquerda entendem-se para impedir qualquer reorientação da política econômica que levasse a uma redução das desigualdades. universo cada vez mais absurdo no qual o jogo eleitoral deve con-duzir, ao cabo de um titânico confronto nos meios de comunicação de massa, ao status quo.6

Todd se refere na França atual a um mecanismo sociológico e político de bloqueio no qual as aspirações dos 20% de baixo são bloqueadas pelos 20% de cima, que controlam ideologicamente os 60% do meio. o resultado é que o processo eleitoral não tem qual-quer importância prática, sendo que o índice de abstenção avança de maneira sensível.

2 CoMo deMoCRAtiZAR A deMoCRACiA: deMoCRACiA e teRRitÓRio, espAço e teMpo nA ConstRução dA deMoCRACiA

Muitas outras questões podemos formular a respeito do confli-to em torno da palavra democracia. Muitos foram os sentidos do seu conceito, mas a democracia em que acreditamos neste momento de transformação da sociedade é a democracia que se constrói do diá-logo livre, no livre pensar no seio de um sociedade em que a cons-trução de espaços de comunicação sejam possíveis, o que depende da construção da cidadania como idéia de dignidade, libertação da miséria e respeito humano. não há efetiva liberdade sem meios para exercê-la, e esses meios são os direitos que libertam o ser humano da miséria e da ignorância.

A seguir, procuraremos demonstrar a importante relação en-tre as alternativas democráticas e o poder local. para isso vamos

6 Todd, Emanuel. Depois do Império. Rio de janeiro: Record, 2003, p. 28.

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estudar a experiência brasileira conhecendo primeiro a organi-zação territorial do Estado brasileiro para depois estudarmos as experiências locais de democracia participativa, especialmente o orçamento participativo, mecanismo de democracia que permite a superação da velha dicotomia liberal entre estado e sociedade civil pela criação de mecanismos de participação que permitem a permeabilidade ou porosidade do poder do estado, o que só é pos-sível ocorrer, de maneira efetiva e eficaz, no nível local, onde está o menor espaço territorial.

o tema da organização territorial dos Estados contemporâneos é hoje de grande importância para a construção da democracia parti-cipativa e do conceito de cidadania compreendido a partir da teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais.

Mais do que nunca, é fundamental que encontremos soluções efetivas de implementação de uma democracia participativa, fun-dada na cidadania, e, para que isso ocorra no Brasil, não podemos aguardar a construção de um estado social avançado que crie as ba-ses da participação consciente da população, uma vez que, com a globalização neoliberal, não só o estado social, mas o estado nacio-nal está em crise.

não podemos, também, simplesmente abandonar a estrutura e o papel do estado, em vários níveis de organização territorial, apenas afirmando que toda a solução passa pela sociedade civil organizada. Se essa afirmativa é hoje considerada por alguns autores europeus, sem dúvida ela não se aplica aos países que não se enquadram na realidade da união Européia.

2.1 o Federalismo

Existem várias formas de estados federais no mundo contem-porâneo. o federalismo não é hoje a única forma descentralizada de organização territorial, sendo que, a partir da década de 70 do século XX, assistimos a um grande movimento em direção a uma acentuada descentralização, com inspirações políticas e econômicas diferencia-das, mas que marcam um caminho trilhado pelos estados democrá-

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ticos, sendo que as formas meramente desconcentradas, com poder centralizado subsistem hoje praticamente em estados autoritários, nas suas variadas formas ainda encontradas.

o federalismo clássico formou-se a partir da experiência histórica norte-americana, formado por duas esferas de poder, a união e os estados (federalismo de dois níveis), e de progressão histórica centrípeta, o que significa que surgiu historicamente de uma efetiva união de estados anteriormente soberanos, que abdica-ram de sua soberania (ou de parcelas de sua soberania) para formar novas entidades territoriais de direito público, ou seja: o Estado federal (pessoa jurídica de direito público internacional) e a união (pessoa jurídica de direito público interno). A união constitui-se numa das esferas de poder, ao lado dos estados-membros, dian-te dos quais não se coloca em posição hierarquizada. Importante ressaltar, neste ponto, alguns aspectos importantes a respeito das formas descentralizadas de estado em relação ao federalismo. o federalismo clássico de dois níveis diferencia-se de outros estados descentralizados, como o estado autonômico, regional ou unitário descentralizado, pelo fato de ser o único cujos entes territoriais autônomos detêm competência legislativa constitucional, ou, em outras palavras, um poder constituinte decorrente. Assim:

a. no estado unitário descentralizado, as regiões autônomas re-cebem por lei nacional competências administrativas, caracterizando a descentralização pela existência de uma personalidade jurídica pró-pria e eleição dos órgãos dirigentes. Essa descentralização de, apenas, competências administrativas, pode ocorrer em nível municipal, de-partamental (provincial) ou regional, em um nível ou em vários níveis simultaneamente.

b. no estado regional, as regiões autônomas recebem compe-tências administrativas e legislativas ordinárias, elaborando o seu es-tatuto, mas sempre com o controle direto do estado nacional. neste caso, a descentralização avança para, além de competências admi-nistrativas, geralmente, em quatro níveis, também de competências legislativas ordinárias, em dois níveis.

c. no estado autonômico, o interessante modelo espanhol da constituição de 1978, vemos outro modelo altamente descentraliza-

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do. neste modelo ocorre uma descentralização administrativa em qua-tro níveis e legislativa ordinária em dois níveis, diferenciando-se este modelo de estado regional pela forma ímpar de constituição das autono-mias, em que a constituição espanhola de 1978 permitiu que a iniciati-va partisse das províncias para constituírem comunidades autonômicas autorizando que estas elaborassem seus estatutos, que, para terem vali-dade, devem ser aprovados pelo parlamento nacional (as cortes Gerais – câmara de deputados e Senado), transformando-se em lei especial, que só poderá ser alterada por iniciativa das comunidades autônomas a cada cinco anos, pelo mesmo processo legislativo.

d. no estado federal, os entes descentralizados detêm, além de competências administrativas e legislativas ordinárias, também competências legislativas constitucionais, o que significa que os estados-membros elaboram suas constituições e as promulgam, sem que seja possível ou necessária a intervenção do parlamento nacional para aprovar esta constituição estadual (como é necessário em relação aos estatutos das regiões autônomas no estado regional e no estado autonômico). Essa constituição dos estados-membros sofrerá apenas um controle de constitucionalidade a posteriori, o que é um controle técnico que não caracteriza, juridicamente, hierarquia entre os estados-membros e a união.

e. não estamos considerando, como característica diferencia-dora entre estes tipos de estados, a descentralização de competências jurisdicionais, que pode ou não ocorrer sem descaracterizar os mode-los acima mencionados.

f. o grau de descentralização ou o número de competências legislativas e administrativas transferidas aos entes descentraliza-dos também não é hoje mais elemento diferenciador entre o es-tado federal e as outras formas descentralizadas de estado, pois há estados federais centrífugos, onde o número de competências legislativas e administrativas dos estados-membros é inferior ao das regiões autônomas na Espanha, por exemplo. o nosso federa-lismo é ainda um dos modelos menos descentralizados, bastando, para confirmar essa afirmativa, ler a distribuição de competências legislativas e administrativas nos artigos 21 a 24 da constituição Federal de 1988.

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2.1.2 o o estado Federal brasileiro centrífugo de dois níveis e formalmente simétrico

o federalismo centrípeto dirige-se ao centro, pois historica-mente é originário de estados soberanos que formaram, no caso norte-americano, uma confederação (1777) e, posteriormente, uma federação (1787). A história norte-americana mostra que nos mais de duzentos anos de existência da federação, a união vem gradual-mente centralizando competências, incorporando competências dos Estados lentamente e de maneira não constante, todos estes anos. Entretanto, ao contrário do que uma leitura apressada possa sugerir, o federalismo centrípeto, justamente por esses motivos, é o mais descentralizado, pois se originou historicamente de estados sobe-ranos que se uniram e abdicaram de parcelas de sua soberania. por esse motivo os estados-membros mantêm um grande número de competências administrativas, legislativas ordinárias e legislativas constitucionais. Essa terminologia com freqüência causa confusão e, por vezes, é empregada de maneira equivocada.

desta forma, o grau de descentralização é muito grande, repre-sentado pelo grande número de competências administrativas, legis-lativas e jurisdicionais dos estados-membros, que ainda transferem diversas competências para os municípios, ou outros entes territoriais menores assemelhados. Embora caminhe em direção ao centro, esse movimento não é uniforme, uma vez que, em momentos de crise, há um fortalecimento do centro enquanto, nos momentos de crescimento e estabilidade, há um fortalecimento dos estados-membros; tampouco se pode afirmar até quando permanecerá uma tendência ao fortaleci-mento do centro (embora com momentos de menor duração de ten-dência contrária), tomando-se o movimento histórico global.

Importante, portanto, lembrar que o federalismo centrípeto (como são exemplos os Estados unidos e Suíça) são formados a par-tir de estados soberanos que formaram uma confederação e depois uma federação. por esse motivo, percebe-se uma tensão típica desses modelos, onde o movimento constitucional é centrípeto para resistir a uma matriz de poder e cultura política centrífuga, movimento exata-mente oposto ao nosso modelo.

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o federalismo brasileiro, ao contrário do norte-americano, é um federalismo centrífugo (movimento constitucional em tensão com um movimento político e cultural centrípeto em nossa história indepen-dente até os dias de hoje) e absolutamente inovador ao estabelecer um federalismo de três níveis, incluindo o município como ente fede-rado, e, portanto, com um poder constituinte decorrente. A partir da constituição de 1988, os municípios brasileiros não só mantêm sua autonomia como conquistam a posição de entes federados, poden-do, portanto, elaborar suas constituições municipais (chamadas pela constituição Federal de leis orgânicas), auto-organizando os seus po-deres executivo e legislativo e promulgando sua constituição sem que seja possível ou permitida a intervenção do legislativo estadual ou federal para a respectiva aprovação. o que ocorrerá com as constitui-ções municipais será apenas o controle a posteriori de constituciona-lidade, o mesmo que ocorre com os estados-membros.

Alguns autores têm rejeitado a idéia do município como ente fe-derado (que caracteriza o federalismo de três níveis, criado pela cons-tituição de 1988), por ser uma idéia nova, mas seus argumentos (ausên-cia de representação no Senado, impossibilidade de falar-se em união histórica de municípios, ausência de poder judiciário no município) são frágeis ou inconsistentes diante da característica essencial do federalis-mo, que difere essa forma de Estado de outras formas descentralizadas, ou seja, a existência de um poder constituinte decorrente ou de compe-tências legislativas constitucionais nos entes federados.

o processo histórico de união de estados soberanos não existiu no Brasil, assim como em vários estados federais, e, quanto à inexis-tência de representação no Senado, existem estados federais unicame-rais (Venezuela), assim como existe o bicameralismo em estados uni-tários (França), regional (Itália), autonômico (Espanha), sendo que, no caso brasileiro, o nosso Senado, na realidade, não cumpre um pa-pel de uma casa de representação dos estados (isto é apenas formal), mas sim uma casa extremamente conservadora que, pela ausência de distinção constitucional ou infraconstitucional de competências entre as duas casas, distorce a representação popular e a simetria constitu-cional buscada formalmente no Senado por meio da representação igualitária (três senadores por estado).

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Quanto ao aspecto centrífugo do nosso federalismo, ele é extre-mamente importante para a interpretação da constituição e rejeição de aspectos inconstitucionais presentes em recentes medidas provisórias, leis, atos de governo e até emendas inconstitucionais, que tendem a abolir o federalismo ao centralizar competências, movimento contrá-rio à lógica federal constitucional centrífuga de busca de descentrali-zação, caminho para aperfeiçoamento do nosso modelo federal.

o nosso estado federal surgiu a partir de um estado unitário, criado pela constituição de 1824. o seu processo de formação é, portanto, exatamente o inverso do norte-americano, o modelo ini-cial, com o qual não pode ser equiparado. A constituição brasileira de 1891, copiando várias instituições norte-americanas, copia deles o federalismo, mas, como a história não pode ser copiada e o modelo norte-americano, tanto de Suprema corte como de presidencialismo, bicameralismo, e federalismo são modelos históricos, a nossa cópia tem muitas diferenças se comparada com o modelo original.

A visão de nosso federalismo como federalismo centrífugo ex-plica a federação extremamente centralizada, que, para aperfeiçoar-se, deve buscar constantemente a descentralização. Somos um Estado federal que surgiu a partir de um Estado unitário, o que explica a tradição centralizadora e autoritária que devemos procurar abandonar para construir uma federação moderna e um Estado democrático de direito. A constituição de 1891 construiu um modelo federal descen-tralizado (em comparação com os outros modelos federais das cons-tituições de 1934 e 1946 e os federalismos meramente nominais das constituições de 1937, 1967 e 1969), mas artificial, pois não houve união de estados soberanos, mas sim uma divisão para se criar uma união artificial, que, por esse mesmo motivo, recuou nas Constitui-ções brasileiras posteriores. não se pode negar a história, mas sim trabalhar com ela para fazer evoluir o nosso estado para modelos mais descentralizados e, logo, mais democráticos. por isto, um federalismo de três níveis teria que surgir no Brasil para fazer avançar a democra-cia em um país de tradição municipalista, como ocorreu com a cons-tituição democrática de 1988.

A federação descentralizada de 1891 recua no grau de descen-tralização em 1934 e 1946, sendo que, na constituição de inspiração

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social-fascista de 1937, a federação foi extinta. A conexão entre auto-ritarismo e centralização é muito forte na nossa história. nas constitui-ções de 1967 e principalmente de 1969 (a chamada Emenda n.1), temos uma federação nominal, sendo que de fato o Brasil retorna a um Estado unitário descentralizado, sendo, portanto, esta descentralização quase que exclusivamente administrativa. lembremos que os requisitos básicos de um Estado unitário descentralizado não estavam presentes em 1969: per-sonalidade jurídica própria dos entes descentralizados com eleição dos administradores regionais. no Brasil da ditadura que se instalou pós-64 e com a constituição de 69, os governadores não eram eleitos, assim como os senadores. Uma ditadura mais sofisticada que outras ditaduras latino-americanas, pois dava-se ao trabalho de eleger um novo general de quatro em quatro anos, em um sistema de eleição indireta e bipartidário, muito semelhante ao modelo presidencial norte-americano.

A constituição de 1988 restaura a federação e a democracia, procu-rando avançar um novo federalismo centrífugo (que deve sempre buscar a descentralização) e de três níveis (incluindo uma terceira esfera de po-der federal: o município). Entretanto, apesar das inovações, o número de competências destinadas à união em detrimento dos estados e municípios é muito grande, fazendo com que nós tenhamos um dos estados federais mais centralizados do mundo. Isto ainda é uma grave distorção, que tem raízes no autoritarismo das “democracias formais constitucionais”, que tomaram conta da América latina na década de 90, com a penetração do perverso modelo neoliberal: os neo-autoritarismos ou o neo-presidencia-lismo autoritário, segundo o constitucionalista Friedrich Müller.7

A compreensão do nosso federalismo como federalismo cen-trífugo é de fundamental importância para sua leitura constitucional-mente correta e para que se exerça uma leitura constitucionalmen-te adequada das regras infraconstitucionais, assim como um correto controle de constitucionalidade, coibindo contratos, medidas provisó-rias, atos administrativos e emendas à constituição inconstitucionais, pois tendentes a abolir a nossa forma federal (centrífuga), limite ma-terial expresso ao poder de emenda à constituição, e, logo, restrição a qualquer ação contrária à forma federal centrífuga. não é necessário lembrar que, se uma emenda centralizadora, tendente a abolir a forma

7 MüllER, Friedrich. Quem é o povo. São paulo: Max limonad, 1998.

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federal, é inconstitucional, logo inconstitucional também será qual-quer outra medida neste sentido.

Dessa forma, o reflexo de tal compreensão ocorre, por exemplo, na leitura correta das limitações materiais previstas no artigo 60, § 4º, quando dispõe que é vedada emenda tendente a abolir a forma federal. Alguns autores referem-se a esse dispositivo como cláusula pétrea. não acreditamos que essa terminologia seja a mais adequada para nomear as limitações materiais do poder de reforma na atual consti-tuição, uma vez que não estamos nos referindo a cláusulas imutáveis, mas sim a cláusulas não-modificáveis em um certo sentido. No caso específico da vedação de emendas tendentes a abolir a forma federal, esta limitação só pode ser compreendida a partir do sentido do nosso federalismo, no caso um federalismo centrífugo.

Isto quer dizer que:

1. o artigo 60 não veda emendas sobre o federalismo, mas emendas tendentes a abolir a forma federal.

2. Ao vedar emendas tendentes a abolir a forma federal, no nos-so caso específico, em um federalismo centrífugo, que tem um movi-mento constitucional em direção à descentralização, só serão permi-tidas emendas que venham a aperfeiçoar o nosso federalismo, ou, em outras palavras, que venham a acentuar a descentralização.

3. Emendas que venham centralizar, em um modelo federal his-toricamente originário de um estado unitário e altamente centralizado, são vedadas pela constituição, pois tenderiam à extinção do estado federal brasileiro. Centralizar mais o nosso modelo significa transfor-má-lo de fato em um estado unitário descentralizado.

4. logo, qualquer emenda que centralize mais competência na união é inconstitucional e deve sofrer o controle de constitucionalidade.

5. Finalmente, o modelo centrífugo (federalismo que tende constitucionalmente à descentralização) é princípio constitucional que se impõe não apenas ao legislativo e ao constituinte derivado, mas também a toda a atuação dos poderes da união e, obviamente, também ao Executivo.

podemos concluir que toda e qualquer atuação do legislativo e do Executivo da união, que tenda a centralizar competências, centra-

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lizar recursos, centralizar poderes, uniformizar ou padronizar entendi-mentos direcionados aos estados-membros e/ou municípios, é conduta inconstitucional e deve ser combatida, além de não ser de observância obrigatória para os estados e municípios, pois inconstitucional.

3 oRçAMento pARtiCipAtivo e deMoCRACiA diALÓGiCA

discutimos a democracia e a organização territorial do estado brasileiro. Agora é importante discutirmos a fascinante experiência de construção da democracia participativa no Brasil, para, então, verifi-carmos a importância de continuarmos em direção à descentralização coordenada e concertada.

o Brasil vem vivendo experiência muito importante de demo-cracia participativa, que se iniciou com a primeiro orçamento par-ticipativo municipal em pelotas, Rio Grande do Sul, sendo depois levada para administração de porto Alegre. É importante lembrar que a organização da sociedade civil, que permite o avanço do poder local democrático participativo, encontra suas bases nos movimentos de resistência à ditadura civil-militar de direita (1962–1985), no movi-mento de formação das comunidades eclesiais de base e no movimen-to sindical no final da década de 70, movimentos que estão na base da criação do partido dos Trabalhadores, hoje no poder federal, em alguns estados-membros e em diversos municípios.

o orçamento participativo é um importante mecanismo de demo-cracia direta e de participação direta do cidadão e de grupos de cida-dãos, na construção da democracia local do Brasil.8

8 há uma vasta literatura sobre o tema da qual citamos: SAnchEZ, Félix. Orçamento Par-ticipativo – teoria e prática, Editora cortez, São paulo, 2002; GEnRo, Tarso e SouZA, ubiratan de. Orçamento Participativo – a experiência de porto Alegre, Editora fundação perseu Abramo, São paulo, 4 edição, 2001; cAldERÓn, Ignácio, chAIA, Vera (orga-nizadores). Gestão Municipal: descentralização e participação popular, Editora cortez, São paulo, 2002; MARIcATo, Ermínia. Brasil, cidades – alternativas para a crise urba-na, Editora Vozes, petrópolis Rj, 2 edição, 2001; dAnIEl, celso e outros. Poder Local e Socialismo, Editora Fundação perseu Abramo, São paulo, 2002; doWBoR, ladislaw. A reprodução social – propostas para uma gestão descentralizada, Editora Vozes, 2ª edição,

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discutimos um pouco a questão da crise da democracia repre- a questão da crise da democracia repre-sentativa e o fortalecimento de uma nova democracia representativa a partir do fortalecimento da participação popular ou da democracia participativa. podemos perceber, na experiência brasileira, que uma forma para se resgatar e fortalecer a democracia representativa é o fortalecimento da participação popular pela criação de mecanismos que ofereçam permeabilidade ao poder do estado, criando canais de participação cada vez maiores, superando gradualmente a velha dicotomia liberal entre estado e sociedade civil. Essa participação popular desejada, que resulte em decisão, mais democracia e contro-le social efetivo ocorrerá de maneira efetiva e eficiente, justamente, no poder local.

no Brasil, observamos a busca de uma maior descentraliza-ção e o fortalecimento do poder local integrado em uma federação. É importante ressaltar que não basta descentralizar, é fundamental que o processo de descentralização leve em consideração a demo-cracia participativa local e que busque um desenvolvimento terri-torial equilibrado reduzindo as desigualdades sociais e regionais. para que isto ocorra é necessária uma correta distribuição de com-petências entre as diversas esferas de poder no território, desde a união, passando pelos estados-membros, chegando aos municí-pios. As esferas de coordenação de políticas macro de desenvol-vimento equilibrado têm de permanecer com os entes territoriais maiores, que poderão dessa forma produzir o equilíbrio por meio de políticas de compensações tributárias para as diferentes realida-des regionais e municipais.

petrópolis, 1999; TEIXEIRA, Elenaldo. O Local e o Global – limites e desafios de parti-cipação cidadã, Editora cortez, 2ª edição, São paulo, 2001; SAnToS, Milton. Território e Sociedade, Editora Fundação perseu Abramo, 2ª edição, São paulo, 2000; cAMpoS FIlho, candido Malta. Reinvente seu Bairro, Editora 34, São paulo, 2003; FREITAG-RouAnET, Bárbara e outros. Cidade e Cultura – esfera pública e transformação urbana, Editora liberdade, São paulo, 2002; cASTEllS, Manuel. cidade, democracia e socia-lismo, Editora paz e Terra, 2ª edição, Rio de janeiro, 1980; ToToREllo, luiz olinto (organizador). Retratos Metropolitanos – A experiência do Grande ABc em perspectiva comparada, Editora Fundação Konrad Adenauer, São paulo, 2002; duTRA, olívio e BEnEVIdES, Maria Vitória. Orçamento Participativo e Socialismo, Editora Fundação perseu Abramo, São paulo, 2001.

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3.1 poder local e resgate da democracia social

para nós, no Brasil, que não vivemos um Estado Social efetivo, que fosse capaz de oferecer saúde, educação e previdência de quali-dade para todos, o caminho para a inclusão e efetiva participação do nosso povo como cidadãos é o da fragmentação coordenada do poder, a descentralização radical de competências fortalecendo os estados e principalmente os municípios, assim como tornar permeável o poder, com a criação de canais de participação popular permanentes, como os conselhos municipais, o orçamento participativo e outros meca-nismos de participação, assim como o incentivo permanente à orga-nização da sociedade civil e o fortalecimento dos meios alternativos de comunicação, como as rádios, jornais e televisões comunitárias. podemos, e assim estamos fazendo, construir uma democracia social e participativa a partir do poder local.

no Brasil, menos de um ano após a promulgação da constitui-ção democrática e social de 1988, assistimos ao início do desmonte da nova ordem econômica e social prevista pela constituição. nes-se mesmo momento, como suporte teórico do desmonte do estado social, cresceu a crítica simplificadora e reducionista, importada dos Estados unidos e de alguns autores europeus, proveniente do novo pensamento neoliberal e neoconservador e ratificada por parte nova esquerda (como o novo trabalhismo de Tony Blair). Essa crítica ao estado social, que vem dar suporte ao seu desmonte, aponta o cará-ter assistencialista como gerador de um exército de clientes que se amparam no estado, não mais produzindo, não mais criando, enfim, o estado social de caráter autoritário, por retirar espaços de escolha individual é gerador de não-cidadãos, ao incentivar as pessoas a vive-rem às custas do estado. Essa crítica extremamente simplificadora e parcial, que toma uma parte de um problema pontualmente localizado no tempo e no espaço como sendo regra para explicar a crise do esta-do social, ganhou força inclusive à esquerda, o que muito contribuiu para a desconstrução do estado de bem-estar social em diversas partes do globo. o estado não deve sustentar os que não querem trabalhar, pois essa postura do estado incentiva a expansão dos não-cidadãos e sobrecarrega os que trabalham e o setor produtivo com uma alta carga tributária. o pobre deve trabalhar para ter acesso ao que necessita

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e como não há trabalho para todos (nem mesmo o trabalho indese-jável e malpago destinado a esses excluídos) aumenta a população carcerária. o estado social assistencialista é substituído pelo estado penal da era neoliberal. o criticado cliente do assistencialismo da segurança social foi transformado em cliente do sistema penal da segurança policial.

nesse novo paradigma a pobreza não decorre das barreiras sociais e econômicas, mas sim do comportamento do pobre. o Es-tado não deve atrair as pessoas a uma conduta desejável pelo re-conhecimento, mas deve punir os que não agem como o desejado. o não-trabalho passa a ser um ato político que exige o recurso a autoridade. o estado social passa a ser visto como permissivo, pois não exigia uma obrigação de comportamento a seus beneficiários. A direita conservadora mais reacionária e a autoproclamada vanguar-da da nova esquerda dão eco a vozes como a de charles Murray, que afirma que as uniões ilegítimas e as famílias monoparentais seriam a causa da pobreza e do crime e, por sua vez, o estado social com sua política permissiva incentivava estas práticas. Além disso, a classe média produtiva se revoltava cada vez mais com a obrigação de pagar tributos para sustentar essas práticas.9 Essa absurda tese sem nenhuma base científica defendia cortes radicais nos orçamentos so-ciais e a retomada por parte da polícia dos bairros antes operários, hoje ocupados pelos clientes preferenciais do sistema social que tem de deixar de existir.

o resultado dessas políticas (tanto da direita conservadora como da nova esquerda) é conhecido nosso no século XXI: mais exclusão, mais concentração econômica, mais violência, mais controle social, mais desemprego, menos estado de bem-estar e mais estado policial. o mais grave é o fato de que, ainda hoje, vozes que se dizem demo-cráticas e a esquerda, continuam sustentando o mesmo discurso con-tra o estado social, defendendo uma sonhada e desejável democracia dialógica construída pela sociedade civil livre, sem perceber que os novos excluídos sociais e econômicos estão excluídos do diálogo de-mocrático, passando a fazer parte da crescente massa de clientes do sistema penal em expansão.

9 Esta crítica está muito bem construída no livro de loIc WAcQuAnT, Prisões da Misé-ria, jorge Zahar editor, Rio de janeiro, 2001.

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Importante notar que essa sociedade civil que hoje se organiza em nível local e global e se comunica, organiza e age local e global-mente, em muitas manifestações resiste ao desmonte do estado de direito, das conquistas dos direitos sociais e busca uma nova ordem econômica em que não haja exclusão econômica.

com menos vigor e contundência que os movimentos sociais, mas com importante papel no cenário de resgate de um paradigma social, o discurso e a prática de novos governos de centro-esquerda na América latina, como no Brasil, Venezuela, Equador e Argentina de-monstram uma retomada do papel do estado na economia e na questão social, abandonando gradualmente o modelo neoliberal.

no Brasil, o caminho para a construção de uma democracia par-ticipativa e dialógica, de resistência ao desmonte do estado social e democrático de direito pára pela questão local.

3.2 poder local e defesa da democracia

como já mencionamos anteriormente, a crise da democracia re-presentativa tem demonstrado como é possível a utilização de meca-nismos, que foram criados para a democracia, a favor da perpetuação do poder.

As constantes reconstruções conceituais históricas da idéia democrática e a manipulação da opinião pública pela propaganda e da criação de sentimentos comuns com o fortalecimento da emoção sobre a razão, não é um tema novo e, para aprofundar a questão, é importante conhecer a obra de carl Schimitt e a crítica que se tem construído sobre essa obra.

citando Márcia Felicíssimo,10 entre hitler e Schmitt existem acordos significativos, mas a teoria de Schmitt é mais ampla, pois está adequada a diversas situações de controle e de construção da inclu-são e da exclusão, portanto, teoria que pode se revestir de diferentes formas e estéticas, sendo clara a sua vivência até os dias de hoje. nas palavras da pesquisadora:

10 FElIcISSIMo, Márcia Regina. O conceito de representação política na teoria de Carl Schimitt, Belo horizonte, 2001, uFMG.

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para Schmitt este (a questão da superioridade da raça em Mein Kampf) é apenas um expediente, dentre muitos outros possíveis, a idéia de povo ou nação deve ser trabalhada, manipulada pelo líder, tal como hitler estava a fazer dentro da herança germânica específica que recebeu, identificando o inimigo que possibilitaria a união de pessoas tão diversas e de interesses tão distintos quanto as que compunham a Alemanha de então, pra torná-la uma uni-dade, uma totalidade política, mediante a exclusão de alemães da própria condição de alemães. A teoria schimittiana não tem bases biológicas e nem o anti-semitismo é o seu centro, pelo contrário, para Schimitt é importante apenas que o líder seja hábil o bastante para manipular os ódios e idiossincrasias herdadas na construção do inimigo que poderá politizar as relações11 e criar o ambiente totalitário da comunidade política orgânica, unitária do povo ver-dadeiramente alemão contra outros alemães considerados agora inimigos infiltrados.12

Em outro momento, a autora ressalta que se pode ver o influxo da teoria de Schmitt diretamente na concepção de hitler na unidade do povo:

Se para hitler a unidade do povo se funda no sangue, é apenas por-que o inimigo eleito pela tradição requeria e tornava plausível essa escolha. para Schmitt o elemento determinante é que o sentimento de pertinência seja trabalhado de forma ativa pelo líder, valendo-se concretamente da herança recebida, capaz de fornecer um sen-timento de naturalidade e de enraizamento no passado da noção de povo, estratégia autoritariamente reconstruída. A Gemeinschaft, a

11 A realidade política do Estados unidos da América pós 11 de setembro retrata a utiliza-ção de todos esses mecanismos, como a criação do inimigo (o radical islâmico e não mais o comunista, embora as referências à esquerda continuem muito presentes), a restrição da liberdade de imprensa com a crítica aos não-patriotas como sendo todos os que criticam a nação, criando uma unidade, excluindo todos os norte-americanos que se coloquem contra a posição do governo, do líder, fato bem marcante no já referido Ato patriótico II antes mencionado. Em documento intitulado Em defesa da civilização, publicado nos EuA após o atentado de 11 de setembro, encontramos o seguinte escrito: os ataques a nova York e ao pentágono reacenderam o respeito por nosso país. Acadêmicos que ignorem isso arriscam-se a tornar-se tão irrelevantes quanto os sovietólogos do passa-do(...) A América é mais do que a soma de seus problemas. A alguns dos intelectuais da nação pode faltar esta perspectiva sobre o 11 de setembro, mas é uma preciosa parcela de sabedoria que podemos tirar do atentado. (ScoWEn, peter. O livro negro dos Estados Unidos, editora Record, São paulo, 2003).

12 FElIcISSIMo, Márcia Regina. Op. cit., p. 15.

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comunidade orgânica, surge na medida em que se criam politica-mente as condições de plausibilidade para opor drasticamente o compartilhamento de valores13, o cultivo das tradições e a comu-nhão da forma de vida existencial da maior parcela da população às das minorias, pintando-as como inimigas. Esses são os ele-mentos que, para Schmitt podem e devem ser manipulados para promover a integração e que podem permitir a constituição do povo-nação pelo líder, núcleo da verdadeira democracia. como hitler, Schmitt duvida radicalmente da utilidade da discussão pa-cífica. Contra a discussão ele propõe a decisão.14

A crise da democracia representativa se agrava com a cada vez maior influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e a re-sistência a que assistimos vem com a força dos fóruns populares dia-lógicos e democráticos, onde a partir de organizações que surgem em torno de questões locais, ganha-se a perspectiva da indissociabilidade dos níveis territoriais das soluções, ou seja, a construção de um novo ser humano, que perceba a precariedade do materialismo, do consu-mismo e do desenvolvimentismo capitalista diante das necessidades ambientais, ecológicas e espirituais

hoje, em várias democracias representativas, vende-se um re-presentante como se vende um sabão em pó. Quem fabricar melhor seu representante, tiver mais dinheiro para contratar uma boa empresa de marketing e conseguir muito tempo de mídia, conquista e man-tém o poder. nos Estados unidos, um senador democrata gastou 60 milhões de dólares para se eleger nas eleições de 2000. nos EuA, o salário de um senador é de 150.000 dólares ano, para um mandato de seis anos (informação disponível no site “cnnenespanol.com”, em dezembro de 2000). Quais interesses sustentam esse senador? Quem ele representa? o povo? hoje se sabe que na “grande democracia do

13 Geralmente essa homogeneidade de valores é simplificada da massa de absolutamente iguais, mas pode ser construída numa massa de absolutamente diferentes. A igualdade de todos reside no fato do egoísmo de cada um na construção de sua vida segundo os valores comuns baseados no egoísmo, materialismo, individualismo e na negação do comunita-rismo e de todo aquele que negue estes valores. portanto, os diferentes são incluídos des-de que passem a se adequar ao que pode ser tolerado como diferente. os diferentes iguais (segundo o paradigma vigente) são aceitos, os diferentes que negam esse paradigma de diferença não são aceitos, sendo portanto, excluídos.

14 FElIcISSIMo, Márcia Regina. Op.cit. p.16.

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norte”, só tem oportunidade de chegar ao poder quem tem atrás de si os milhões de dólares das megacorporações da indústria armamentis-ta, da indústria de tabaco, da indústria farmacêutica e outras.

Qual a alternativa para esse megapoder global? podemos dizer que a resistência ocorre hoje em dois flancos: a sociedade global e a sociedade local, duas faces de uma mesma moeda. o cidadão é hoje global e local. A sociedade de comunicação deve fincar sua bases em um território, núcleo de organização social e de criação de modelos econômicos e sociais alternativos capazes de gerar novos valores alter-nativos ao materialismo da sociedade de consumo e à lógica perversa da concorrência. o núcleo local é o principal na transformação de va-lores e de realização de justiça social e econômica. Simultaneamente, o núcleo local deve estar em comunicação permanente com outros nú-cleos (organizações sociais; onGs, municípios, comunidades de bair-ro, rádios, jornais e televisões comunitárias, etc.) de todo o mundo. A inserção desses núcleos na comunicação global garante seu arejamento e evolução constante, afastando o perigo ultranacionalista, a exclusão étnica, racial, religiosa, cultural ou a mais sofisticada forma de exclusão ainda nascente mas não menos assustadora, a exclusão genética.

o contato com o diferente, com valores e fórmulas de busca da felicidade diferentes, ou seja, o pluralismo e a diversidade cultural nos permitem evoluir e resistir à massificação das empresas globais, onde em qualquer parte do globo se come o mesmo sanduíche, a mesma pizza ou o mesmo frango frito.

A pergunta que se segue é a seguinte: como criar uma sociedade reflexiva no Brasil? Essa pergunta pode ganhar diversas formas diferen-tes com o mesmo sentido, mudando-se entretanto, o referencial teórico: como possibilitar um agir comunicativo efetivo? como construir uma democracia dialógica? Como construir uma democracia radical? Enfim, qual caminho devemos seguir para efetivar no Brasil a democracia parti-cipativa efetiva?

3.3 poder local: o Brasil não pode esperar a efetividade de um estado social para ser democrático

A construção de uma democracia dialógica, radical, participa-tiva no Brasil passa, por esse motivo, por uma discussão territorial, e

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especialmente no nosso caso pela discussão do pacto federativo. Só no nível local conseguiremos incluir uma população que deseja e luta por justiça.

o povo sabe o que quer e aos poucos está aprendendo a dife-renciar o discurso da prática política. Todos os discursos podem ser iguais, mas poucos têm um projeto e uma prática de libertação polí-tica e de libertação da miséria. o povo simples pode não saber ainda a diferença teórica entre neoliberalismo e socialismo, mas sabe a di-ferença entre ser escravo e ser dono da sua própria vida. Se a discus-são teórica a respeito do neoliberalismo está distante da compreensão de muitos no Brasil, ao trazermos essa discussão para a concretude do município, ela fica clara para todos: neoliberalismo significa a má qualidade do ensino ou a falta da escola; a má qualidade da saúde ou a falta do posto de saúde e do hospital; a falta de saneamento etc. no município as teorias ganham concretude.

o caminho que tem sido trilhado tem sido até o momento o da busca da descentralização radical. Entretanto, essa descentralização de nada adianta sem a mudança das bases de poder no município, criando mecanismos de participação popular, como os conselhos mu-nicipais ou o orçamento participativo.

A democracia participativa no Brasil não pode esperar a cons-trução de um Estado Social, improvável, se não for construído de ma-neira participativa.

um conjunto de reformas que afastem os problemas da demo-cracia representativa no Brasil, como a proposta pelo atual governo, se faz necessária para facilitar o processo de transformação social e econômica e o fortalecimento da sociedade civil organizada com a busca da superação da dicotomia estado e sociedade civil.

Esse conjunto de reformas, entretanto, por si só não tem a força de transformação da realidade, uma vez que elas são principalmente es-truturais. nada ocorrerá sem uma sociedade civil ativa e organizada, o que vem ocorrendo de maneira crescente na história recente do Brasil.

Em porto Alegre, a democracia local começou a ser construída a partir da administração do pT, com a importante experiência do or-çamento participativo. Excluindo-se os recursos constitucionalmente vinculados a determinados serviços, como saúde, educação e o paga-

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mento do funcionalismo público, todos os outros recursos da prefei-tura eram destinados para discussão popular.

A peculiaridade da experiência de porto Alegre foi o fato da existência de uma sociedade civil com grau de organização já bastan-te desenvolvido. Existia, portanto, uma comunidade de moradores já organizada que realizou o diálogo com o Executivo municipal nessa primeira experiência.

Existia por parte da associação dos moradores e dos setores do partido dos Trabalhadores uma proposta da formação de conselhos populares. A nova administração local, entretanto, apresentou uma proposta fechada. neste ponto, a proposta das associações dos mora-dores rejeitando o modelo pronto e propondo a construção do proces-so de participação a partir dos próprios morados foi fundamental para se evitar um equívoco inicial. Se a proposta é participação popular, como já chegar com tudo pronto, estabelecendo a forma como o povo deve participar? Esse é um dado importante na história da construção do orçamento participativo. A partir dessa experiência, a forma de ini-ciação do processo é por meio do diálogo que permita atrair a popula-ção para participar na construção das regras que servirão para norma-tizar o próprio processo de participação popular. Em outras palavras, a população irá dizer como se dará a sua participação. É o processo de construção das regras que regulamentam o processo participativo da construção do orçamento.

Nessa primeira experiência e a partir desse conflito inicial, foi estabelecida uma das mais importantes características do orçamento participativo de porto Alegre: as comunidades populares devem se auto-regulamentar. não existe um regulamento previamente elabora-do pela prefeitura, nada é imposto. Em cada regional será organizada uma Assembléia popular, convocando o povo para o debate de criação das regras de funcionamento do processo de orçamento participativo. portanto, são as assembléias populares que fazem o regulamento para seu próprio funcionamento. Eles se auto-regulamentam, sendo dever da prefeitura fornecer os dados técnicos, indicando o recurso disponí-vel e as carências de cada região do município.

Em muitos casos, na votação popular o governo não dispõe de representante. Entretanto, há experiências diferenciadas. no que diz

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respeito ao processo de auto-regulamentação, um novo regulamento será elaborado todo ano, iniciando-se o processo em dezembro e ja-neiro, no final do ano fiscal e início do outro ano.

Após esse processo inicial, em março será o momento em que o Governo, por meio de uma Secretaria (pode-se criar uma secretaria especial para o orçamento participativo, ou pode o orçamento estar a encargo da Secretaria de planejamento, ou na Secretaria da Fazenda) levará às diversas regionais, às diversas assembléias populares, a dis-ponibilidade de recursos, as obras necessárias, as obras em curso, o custo para cada obra, enfim, os dados técnicos para a tomada de deci-são popular. Serão, então, discutidos quais os critérios para se repartir recursos entre as diversas regiões. posteriormente, serão escolhidos os conselheiros em cada uma dessas regiões para participar de uma reunião específica para a discussão da repartição dos recursos entre as diversas regionais. os critérios têm que observar os aspectos técnicos e democráticos.

os critérios normalmente adotados levam em consideração as-pectos demográficos, a carência territorial de bens, a existência ou não de uma estrutura de saneamento melhor, existência de estrutura de saúde e educação e, por fim, é observada a exeqüibilidade da de-manda, ou seja, se o que a população deseja é possível ser feito.

É necessária, portanto uma assessoria técnica por parte da pre-feitura com relação à exeqüibilidade da obra. no município de Belo horizonte inseriu-se, a partir de 1993, o novo mecanismo chamado de caravana do orçamento participativo, quando os conselheiros es-colhidos em cada regional15 discutiram a repartição dos recursos entre as regionais. A decisão da divisão de recursos é precedida de visitas às várias regiões e bairros da cidade, verificando-se de perto as carên-cias, necessidades e infra-estrutura existentes.

Esse mecanismo tem-se mostrado eficaz, permitindo aos conse-lheiros, originários de diferentes regiões, que conheçam a realidade do todo (lembrem-se de que estamos falando de cidades de doze milhões

15 As regionais são divisões admininstrativas geralmente desconcentradas, portanto sub-metidas hierarquicamento ao executivo municipal. Entretanto, começam experiências de descentralização da administração, o que implica criação por lei de um ente territorial autônomo com competências administrativas próprias.

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de habitantes, como São paulo; dois e meio milhões de habitantes, como Belo horizonte ou dois milhões como porto Alegre). os conse-lheiros, que representam regiões distintas, podem com isso conhecer a realidade de todas as regiões do município, processo que tem tido resultados interessantes, pois gera conhecimento e sensibilidade dos problemas locais, permitindo a superação de um sentimento egoísta. no momento da votação é costume estabelecerem-se três prioridades de intervenção do estado municipal.

os representantes do Executivo municipal são em geral asses-sores técnicos com direito a voz, mas sem direito a voto. Toda a deli-beração é uma deliberação popular. Após tomadas as decisões, estas são encaminhadas para o Executivo, para que técnicos possam montar a lei orçamentária, que será encaminhada no final do ano para a câ-mara dos Vereadores (o legislativo municipal).

não é necessário que haja uma vinculação obrigatória do Exe-cutivo municipal em relação às decisões populares no momento da montagem da lei orçamentária, uma vez que surge, com o crescimento da participação popular, uma clara vinculação eleitoral. Aquele pre-feito (ou governador), que não respeitar o que o povo deliberou, di-ficilmente será eleito para qualquer cargo, pelo menos naquele nível territorial. ocorre, portanto, um controle social.

outra questão pode surgir: o legislativo é obrigado a aprovar o projeto de lei proposto pelo Executivo a partir da deliberação popu-lar? É claro que não. É uma proposta do Executivo para o legislativo segundo a constituição do município (a lei orgânica), ou seja, o Exe-cutivo não está obrigado a observar as deliberações populares nem o legislativo está obrigado a aprovar o projeto de lei orçamentária. Mas vale o mesmo raciocínio: se a câmara não aprovar a deliberação da po-pulação, deve ter explicações convincentes para o seu eleitorado. nesse mecanismo podemos perceber uma revalorização da democracia repre-sentativa a partir do funcionamento dessa democracia representativa.

4 ConCLusão

pode-se perceber nas experiências relatadas que o orçamento participativo atua de forma complementar à democracia representati-

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va, ele não substitui a democracia representativa: existe o prefeito, os legisladores, a aplicação de recursos públicos por meio da pro-posta de uma lei orçamentária por parte do Executivo que deverá ser aprovada pelo legislativo, ou seja, a democracia participativa não substitui a democracia representativa, mas contribui para seu aper-feiçoamento. Em outras palavras, a democracia participativa garan-te que a democracia representativa seja mais democrática. depois da implementação do orçamento participativo em porto Alegre e com o fato de o governo de porto Alegre ter sempre implementado com sucesso a grande maioria das decisões populares, o pT (partido dos Trabalhadores) administra há quatro mandatos a prefeitura de porto Alegre. dentro em breve serão completados 16 anos de poder. o sucesso do orçamento participativo é demonstrado pelo crescente interesse de municípios brasileiros e em todo o mundo pela adoção desse mecanismo. no Brasil, entre 1989 e 1992, 12 municípios rea-lizaram o orçamento participativo. de 1993 a 1996 foram 36 muni-cípios. de 1997 a 2000 foram 103 municípios e, de 2001 até hoje, início de 2004, estima-se que cerca de 300 municípios adotam o orçamento participativo.

durante esse tempo, ocorreram algumas experiências intermediá-rias, ou seja, algumas experiências de orçamento participativo mera-mente consultivo, o que não resultou em muito sucesso. por exemplo, na prefeitura de Recife, em pernambuco, foi criado um orçamento participativo de caráter consultivo. Eram realizadas reuniões com a população, ouvia-se a população e depois o executivo fazia as suas próprias escolhas e remetia isso para a câmara.

Essa experiência resultou numa correspondência entre aquilo que o povo queria em termos de orçamento participativo e o que real-mente era efetivado em torno de 30% a 40%, enquanto, no sistema deliberativo, o resultado de efetivação das obras escolhidas pelo povo tem a média de 87% das deliberações populares, ou seja, 87 % do que o povo escolhe se concretiza em obras públicas para a população do município. Esse resultado pequeno do sistema consultivo em relação ao sistema deliberativo tem afastado o povo das assembléias consul-tivas, o inverso do que ocorre no sistema deliberativo que a cada ano recebe mais participação popular.

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A democracia participativa tem de se inserir dentro das reflexões sobre a resistência ao poder econômico global, ao neoliberalismo, uma vez que o grande capital, as grandes corporações globais detêm um enorme poder de propaganda; elas detêm os meios de comunica-ção, detêm o poder econômico e impõem aos estados nacionais uma situação de exclusão, de miséria e de humilhação insuportável.

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cláuSulAS GERAIS, concEIToS juRÍdIcoS IndETERMInAdoS E REAlIZAÇÃo do dIREITo

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sumário 1. Introdução. 2. Interpretação, integração e reali-zação do direito. 3. limites à criação normativa? 4. Interlúdio: certezas e incertezas. 5. Referências bi-bliográficas.

Resumo A incidência crescente de modelos normativos de maior mobi-

lidade e abertura, como as cláusulas gerais e conceitos jurídicos in-determinados, representa um desafio maior ao intérprete e aplicador do direito. o trabalho desenvolve essa problemática e aponta alguns caminhos a partir da candente discussão sobre os possíveis limites da atividade criadora desse intérprete.

pAlAVRAS-chAVE: Modelos normativos. Modelos normativos – limites.

AbstractThe increasing incidence of normative models from bigger

opening and mobility, like general clauses and indeterminate legal con-cepts, represents a larger challenge towards the interpreter and the law applier. The work develops this problematic and points some paths

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from this turbulent discussion about the possible limits of the creative activity from this interpreter.

KEYWoRdS: normative models. normative models – limits

1 intRodução

Tudo aquilo que visualizamos, percebemos e aplicamos é re-sultado de processos dinâmicos de interpretação contextualizados no tempo e no espaço.

A hermenêutica, segundo hAnS-GEoRG GAdAMER,1 “tem a missão de adaptar o sentido de um texto para e dentro da situação concreta à qual a mensagem se dirige”.

o legislador e o intérprete selecionam realidades. E o jurista, ultrapassado o mito da neutralidade, de que forma observa e se integra nessa realidade? E, por que não, quais as formas pelas quais interfere nessa realidade, porquanto não se pode aceitar produção de conheci-mento dissociado das necessidades sociais.

como bem acentua phIlIpp hEcK:

o escopo da jurisprudência e, em particular, da decisão judicial dos casos concretos, é a satisfação de necessidades da vida, de desejos e aspirações, tanto de ordem material como ideal, exis-tentes na sociedade. São esses desejos e aspirações que chama-mos interesses e a jurisprudência dos interesses caracteriza-se pela preocupação de nunca perder de vista esse escopo nas várias operações a que tem de proceder e na elaboração de conceitos.2

Existe um único método na prevenção e resolução de proble-mas? Existe um plano de certeza na interpretação, aplicação e realiza-

1 GAdAMER, hans-Georg.GAdAMER, hans-Georg. Vérité et méthode: les grandes lignes d�une herméneutique philosofique. Tradução de Étienne Sacre, jean Grondin e pierre Fruchon. paris: Éditions du Seuil, 1996, p. 330.

2 hEcK, philipp. Interpretação da lei e jurisprudência dos interesses. Tradução de josé osório. São paulo: livraria Acadêmica, 1947, p. 13.

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ção do direito? o ordenamento jurídico é pautado por uma plenitude lógica?

os questionamentos são pertinentes a partir do paradigma da incidência crescente de modelos normativos de maior mobi-lidade e abertura como as cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.

no código civil de 2002, são freqüentes as referências, por exemplo, à função social do contrato e da propriedade, usos e costumes do lugar, boa-fé, interesse social e econômico relevante, justa indeniza-ção, extensa área, justa causa, número considerável de pessoas.

Se limitarmos o ordenamento jurídico a conteúdos ou expres-sões normativas dessa natureza, evidentemente verificaremos lacunas ou vazios, relações da vida, de hoje e do amanhã, que não encontram soluções prontas e acabadas. Alguns entendem que não se trata, a ri-gor, de lacunas legais e, sim, defeitos.

defeitos que são colmatados pelo próprio ordenamento jurídi-co, que é aberto, dinâmico e completo, superada a concepção monista do direito e a doutrina da estatalidade que consideram o Estado como fonte exclusiva da produção normativa.

para KARl lAREnZ,

é manifesto que ao juiz não é possível em muitos casos fazer decorrer a decisão apenas da lei, nem sequer das valorações do legislador que lhe incumbe conhecer. Este é desde logo o caso em que a lei lança mão dos denominados conceitos indeterminados ou de cláusulas gerais. Aqui, apresenta-se somente um quadro muito geral que o juiz, no caso concre-to, terá de preencher mediante uma valoração adicional. 3

Em verdade, todas as situações da vida em relação encon-tram respostas em valores, princípios, costumes e as próprias nor-mas legais que integram e reciprocamente se relacionam em nosso ordenamento jurídico. A plenitude se apresenta como realidade, como bem asseverado pelo disposto no art. 126 do código de pro-cesso civil:

3 lAREnZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de josé lamego. 3. ed. lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1997, p. 164.

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o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. no julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Veda-se, portanto o non liquet.o direito é expressão inseparável da vida, manifesta-se, diu-

turnamente, por valores, usos e costumes, práticas sociais que se modificam e se alteram segundo legítimas expectativas e necessida-des da pessoa humana. o direito, a partir de uma concepção cons-trutivista, não pode ser reduzido a um conjunto de regras isoladas, acabadas e perfeitas ou formas preestabelecidas, e, sim, deve ser visto como uma realidade constante e dinâmica, em permanente e crítica formação.

nessa perspectiva de impossibilidade de separação do ser e do dever ser, surge o questionamento, se diante dos conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais, é possível a atividade criadora do intérprete e aplicador do direito e quais seriam os seus limites?

2 inteRpRetAção, inteGRAção e ReALiZAção do diReito

diante do paradigma dos conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais, a aplicação e a realização do direito pressupõem a inter-pretação e integração de normas que são estruturas lingüísticas abertas, cujo significado requer conexão silogística com os fatos da vida em relação.

Interpretação e integração não se confundem, conquanto se relacionem mutuamente. Interpretar é mais que revelar todo o con-teúdo, significado e alcance de qualquer norma jurídica. A interpre-tação é sempre produtiva. o ato de interpretar resulta na produção da norma, mediante a compreensão que o intérprete lhe empresta. nessa atividade de construção, é imprescindível a integração, o pre-enchimento das estruturas abertas. para lEnIo luIZ STREcK,

fazer hermenêutica jurídica é realizar um processo de compreen-são do Direito. Fazer hermenêutica é desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar de soslaio, rompendo-se com (um)a

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hermé(nêu)tica jurídica tradicional-objetificante prisioneiro do (idealista) paradigma epistemológico da filosofia da consciência. 4

Questiona-se, ainda, se o intérprete deve buscar a vontade da lei (teoria objetiva) ou do legislador (teoria subjetiva).

Relevante a contribuição do trabalho de phIlIpp hEcK. Se-gundo o autor,

a forma de interpretação das leis que melhor satisfaz os interesses práticos é constituída pela investigação histórica dos interesses. (...) A antiga expressão ‘vontade do legislador’ tem conteúdo real, simplesmente o conceito de vontade não é psicológico, mas nor-mativo – é um conceito de interesse. 5

não se investiga, pois, a expressão meramente subjetiva do legisla-dor, mas os interesses determinantes da lei, os seus interesses causais.

A interpretação e a aplicação do direito pressupõem uma in-vestigação histórica, objetivando a incidência presente de interesse, previamente, instituído, com a produção de efeitos futuros. Segundo hEcK,6 “a verdadeira vontade, em sentido normativo, não é vontade histórica, mas a vontade presente”.

O grande desafio da aplicação do direito é, a partir do reco-nhecimento do interesse presente, efetivá-lo, garantindo a produção de efeitos futuros, resguardando, igualmente, os interesses das ge-rações vindouras.

É essa a contribuição do direito, segundo FRAnÇoIS oST,7 ligar e desligar o tempo.8 A missão do juiz é dizer “o sentido atual dos textos e a versão contemporânea dos acontecimentos dos fatos de ontem”.

4 STREcK, lenio luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. porto Alegre: livraria do Advogado, 1999, p. 200.

5 hEcK,hEcK, op. cit., p. 10.6 hEcK,hEcK, op. cit., p. 60.7 oST,oST, op. cit., p. 146.8 oST, François.oST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: universidade

do Sagrado coração, 2005, p. 17.

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Em verdade, a investigação dos interesses causais é somente a primeira parte da atividade do aplicador do direito, porquanto não pode ser dissociada da realidade social.

A toda evidência, sendo a norma uma realidade dinâmica e plu-ral, uma vez inserida no ordenamento jurídico, adquire vida própria, desvincula-se do seu idealizador ou idealizadores. Toda norma con-tém virtualidades de expansão e renovação, segundo o contexto social em que é aplicada. como próprio adverte hEcK,9 “a compreensão da vida não se obtém nunca através somente das palavras. há sempre que ter em conta as circunstâncias a que se referem”.

E, ainda, segundo ARThuR KAuFMAnn,10 a norma não contém em si a decisão que pode ser obtida ou deduzida a partir dela. Não é correta a afirmação muito difundida de que a investiga-ção jurídica é um processo puramente dedutivo. A norma é sempre um critério para muitos casos possíveis, mas não é nunca a decisão de um caso real. o direito provém da lei que, contudo, precisa ser complementada.

para KAuFMAnn,11 o sentido da lei não se deixa averiguar sem a “natureza” das situações da vida a julgar. o raciocínio analó-gico, por ele defendido, não é uma comparação entre duas situações de fato, mas o cotejo de uma situação de fato com uma norma.o direito é, originariamente, analógico, ser e dever ser não são idên-ticos nem diferentes, mas sim análogos, correspondentes. o direito vive e cresce em razão dessa polaridade entre a situação da vida e o pressuposto normativo.

Atribuindo-se uma função social à ciência jurídica, como bem preceitua o professor TÉRcIo SAMpAIo FERRAZ jÚnIoR,12 não se pode desconsiderar que a interpretação pressupõe a concreção do significado normativo segundo a realidade vivenciada, adequando-o aos valores sociais vigentes.

9 hEcK, op. cit., p. 165.10 KAuFMAnn, Arthur.KAuFMAnn, Arthur. Analogia y ´naturaleza de la cosa´: hacia una teoria de la com-

prension juridica. Tradução de Enrique Barros Bourie. Santiago: Editorial jurídica doTradução de Enrique Barros Bourie. Santiago: Editorial jurídica do chile, 1976, p. 47.

11 KAuFMAnn,KAuFMAnn, op. cit., p. 47. p. 47. 12 cf. FERRAZ jR, Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São paulo: Max

limonad, 1998.

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dessarte, surge a controvérsia se a jurisprudência é fonte nor-mativa do direito; se o juiz, ao interpretar e aplicar o conteúdo norma-tivo legal, cria direito.

A busca dessa definição, considerando notadamente a dificul-dade anunciada das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indetermi-nados, orienta-se por duas correntes de pensamento, a saber: a ju-risprudência como fonte ativa de produção ou criação normativa ou, simplesmente, como fonte de interpretação e resolução de conflitos mediante uma hermenêutica puramente lógica.

de acordo com a segunda posição, ao magistrado, em um juízo de dedução silogística ou de mera interpretação cognoscitiva, aplica a norma legal ao caso concreto. Sustenta-se, nesse legalismo formal e juízo de abstração divorciado da realidade, a proeminência da norma, resultado de um processo legislativo como técnica perfeita e acabada de composição de conflitos, não se podendo atribuir ao julgador um poder-dever de interpretação autêntica.

de sua vez, a jurisprudência, como fonte ativa de criação nor-mativa, atribui ao juiz poder de inovar no ordenamento jurídico.

Segundo phIlIpp hEcK,

o juiz não é simples aparelho de subsunção em que por um lado se metam a hipótese de facto e a norma jurídica e de onde saia pelo outro lado a sentença, sem qualquer valoração pessoal. É também, pelo contrário, criador das normas a aplicar, auxiliar, portanto, o legislador, embora subordinado.13

para FRAnÇoIS oST,

a teoria da linguagem demonstrou a inevitabilidade da interpre-tação; a teoria do direito apropriou-se do caráter normativo da produção jurisprudencial. Se se tornou claro, portanto, que o juiz não se limita a repetir uma norma preexistente, mas contribui para configurá-la (adaptando-a, às vezes criando-a), então se recoloca o problema da retroatividade.14

13 hEcK,hEcK, op. cit., p. 24.14 oST,oST, op. cit., p. 180.

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A interpretação requer investigação histórica, objetivando apli-cação presente dos interesses causais, com a produção de efeitos fu-turos. “A verdadeira vontade, em sentido normativo, não é a vontade histórica, mas a vontade presente.”15

Em verdade, não se pode reduzir a jurisprudência como fonte de interpretação e resolução de conflitos mediante uma hermenêutica puramente lógica. há muito restou superado o reducionismo da Escola da Exegese. já advertia jhERInG,

em manifesta crítica a jurisprudência dos conceitos, que a vida não é conceito; os conceitos é que existem por causa da vida. não é o que a lógica postula que tem acontecer; que a vida, o comércio, o sentimento jurídico postulam é que tem de acontecer, seja isso logicamente necessário ou logicamente impossível.16

Segundo MÔnIcA SETTE lopES,

mesmo que, do ponto de vista da teoria, se negue a força criadora da atividade do juiz e sua intervenção direta na vida das pessoas, há uma faixa em que ele atua com margem significativa de liberdade, especialmente quando se trata da dimensão do fato e complemen-tação dos modelos normativos de maior mobilidade. Isto é uma dificuldade para qualquer postura baseada na força de retenção exclusiva da lei.17

na maior parte dos casos, como bem adverte hEcK,18 não é possível definir com precisão a norma jurídica a aplicar a uma situa-ção fática. É preciso construir:

A premissa maior pode existir já, na forma em que é usada, como comando legal ou como norma consuetudinária e, nesse caso, a

15 hEcK,hEcK, op. cit., p. 60.16 lAREnZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de josé lamego. 3. ed.

lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1997, p. 5817 LOPES, Mônica Sette. Ética judicial e codificação entre relevância e contingência. Revis-

ta Jurídica, v.8, n. 83, fev./mar., 2007, p. 58.18 hEcK, op. cit., p. 98.

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actividade do juiz limita-se à subsunção, à verificação de que as características da previsão hipotética existem na situação de facto provada no processo. na maior parte dos casos, porém, a premissa maior não existe, pelo menos com a precisão com que é empregada. Tem então o juiz de a construir.

A determinação da norma jurídica compreende dois momentos: o conhecimento histórico dos comandos legais existentes e dos inte-resses legislativos e a elaboração desses conhecimentos em ordem à formação dos comandos necessários para a decisão.19

A interpretação dos conceitos manifestamente abertos não pode ser resultado de um processo meramente lógico-formal, axiologicamente neutro. É preciso contextualizar. Segundo lEnIo luIZ STREcK,

o intérprete do direito é um sujeito inserido/jogado, de forma ine-xorável, em um (meio) ambiente cultural-histórico, é dizer, em uma tradição. Quem interpreta é sempre um sujeito histórico concreto, mergulhado na tradição. para ter acesso a um texto (e compreendê-lo), é impossível ao intérprete fazê-lo como se fosse uma mônada psíquica, utilizando o cogito herdado da filosofia da consciência. O intérprete é já, desde sempre, integrante de um mundo lingüístico. Entretanto, como bem lembra Fernandez-largo, simultaneamente, esse sujeito/intérprete não está atado indefectivelmente a uma com-preensão, pois entender é sempre uma atitude de abertura de ante-sala a algo criador e complementário do passado.20

Em magnífica síntese, escreveu HECK21 que o “juiz pode então comparar-se ao apreciador dum quadro, que, ora se aproxima para exa-minar um detalhe, ora se afasta para colher o efeito de conjunto”. A ló-gica jurídica é analógica, pressupõe o ir e o vir do olhar do intérprete.22

A investigação do juiz deve, pois, ultrapassar a determinação do sentido subjetivo e alcançar os interesses causais da norma,

19 hEcK, ohEcK, op. cit., p. 98-99.20 STREcK, lenio luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica

da construção do direito. porto Alegre: livraria do Advogado, 1999, p. 234.21 hEcK, op. cit., p. 102.22 cf. KAuFMAnn, Arthur. Analogia y ´naturaleza de la cosa´: hacia una teoria de la

comprension juridica. Tradução de Enrique Barros Bourie. Santiago: Editorial jurídicaTradução de Enrique Barros Bourie. Santiago: Editorial jurídica do chile, 1976.

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contextualizando-os, sem nunca perder a dimensão de ordenamento jurídico.

É preciso construir, constantemente, o direito. “A possibilidade da mera subsunção da situação de facto a uma norma existente é, em matéria civil, sempre rara: em regra é necessária prévia elabo-ração.”23

o Civil Law, ao contrário do Common Law, formou-se muito a partir de abstrações, o que, no mais das vezes, distancia o intérprete dos múltiplos problemas vivenciados. É fato que a determinação do Direito encerra um coeficiente de incerteza. Então, é preciso suprir muitos desses vazios, mas seria possível construir certezas?

conquanto se reconheça, como ThIBAuT, a relevância do mo-vimento de codificação, não se pode desconsiderar a perspectiva his-tórica do direito defendida por SAVIGnY. A ciência jurídica é tam-bém histórica, a experiência de um povo deve ser considerada fonte do direito.

A codificação, entretanto e a despeito da crítica de SAVIGNY, “não é obra da decadência, os códigos, prenhes de conceitos jurídi-cos indeterminados e cláusulas gerais, podem e devem acompanhar a dinamicidade e complexidade da vida”. O desafio é do intérprete, que deve compreender que toda norma possui certo grau de incerteza, preenchido pela sua historicidade e finalidade social. A temporalidade do direito requer a coexistência crítica da jurisprudência dos concei-tos, dos interesses e, também, dos valores. É preciso ligar e desligar passado e futuro na realização do presente.

A afirmação de KIRCHMANN,24 segundo a qual a jurisprudên-cia não tem valor como ciência, merece ser recebida com reservas. A jurisprudência não se restringe ao que está, previamente, estabeleci-do, ao revés deve estar voltada para os problemas de hoje e do amanhã sem perder a sua historicidade. E isso não reduz o direito a um jogo, a uma relação de meras probabilidades.

como bem contestou jhERInG, em sua primeira das três gran-des conferências realizadas na universidade de Viena intitulada É o

23 hEcK,hEcK, op. cit., p. 109. 24 KIRchMAnn, julio Germán Von.KIRchMAnn, julio Germán Von. El carácter a-científico de la llamada ciencia del

derecho. Tradução de Werner Goldschmidt. primera edición castellana: 1949.

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Direito uma ciência ?,25 a cientificidade do Direito decorre desde a pers-pectiva da Filosofia do Direito, da História do Direito até a perspectiva dogmática. É o Direito uma ciência que reflete os seus três aspectos: jurí-dico como ordem jurídica estabelecida, histórico como produto histórico, e filosófico como expressão das formas de vida das pessoas. O positivis-mo, como acentua jhERInG, é o inimigo mortal da ciência do direito.

contudo, jhERInG, em sua inconclusa obra Der Zweck im Recht (O fim no Direito) reduziu o Direito, em uma perspectiva de utilitarismo social, àquilo que é considerado socialmente útil em cada época. Ainda que toda proposição jurídica tenha um fim social, não se pode dissociar esses fins de uma ordem jurídica axiologicamente orientada, pois, como adverte lAREnZ,26 “jhERInG não previa que no final da total deseticização do Direito a lei não ficaria a ser mais do que um puro instrumento da política do poder e o jurista mais do que um técnico do exercício do poder.”

Ainda que a procura da decisão para um caso concreto, quanto à interpretação e à integração da lei por parte da ciência do direito, sejam, efetivamente, atividades criadoras, é preciso definir limites para não cor-rer o risco do reducionismo do jurista a um técnico do exercício abusivo e desviante do poder. o puro subjetivismo favorece o autoritarismo perso-nalista, sendo paradigmático, na época do nazismo, o fundamento de que as normas fossem interpretadas de acordo com a vontade do Führer.27

MAchAdo dE ASSIS,28 magistralmente, acentuava que a “justiça, porém, requer alguma coisa menos precária, mais certa; não se pode fiar de hipóteses, de casualidades, de temperamentos”.

como adverte lAREnZ,29 “não existe uma concretização do direito pura e simplesmente livre, porque isso seria arbítrio, e portan-to o contrário do direito”.

25 cf. jhERInG, Rudolf Von.cf. jhERInG, Rudolf Von. Es el derecho una ciencia? Tradução de Frederico Fernán-dez-crehuet lópez. Granada: colmares, 2002.

26 cf. lAREnZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de josé lamego. 3. ed. lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1997, p. 62, nota 27.

27 cf. SchMITT, carl. O führer protege o direito. In: MAcEdo jR., Ronaldo porto. Tra-dução de peter naumann. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São paulo: Max limonad, 2001.

28 MAchAdo dE ASSIS. Crônicas escolhidas. São paulo: Editora ática, 1994, p. 26.29 lAREnZ, olAREnZ, op. cit., p. 150.

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A propósito, reconhecendo hEcK a função criadora do direito, insiste na necessidade de limites, porquanto não existe acordo entre os ideais de vida de cada um.

desde sempre tenho defendido a função criadora do direito, tenho-a praticado há muito tempo e cada vez me convenço mais da sua dificuldade. Esta incerteza de resultados, por falta de pontos de apoio legais, explica-se facilmente pela consideração de que os resultados das nossas valorações pessoais são condicionados por factores individuais e de que não existe acordo entre os ideais de vida de cada um. As necessidade da vida não podem satisfazer-se, porém, com essa incerteza e antes exigem uma jurisprudência o mais uniforme possível.

É possível estabelecer limite na atividade de construção do di-reito? Essa uniformidade é um ideal possível diante da complexidade e mutabilidade dos fenômenos sociais? ou, ao contrário, a mera e pura subjetividade do julgador é uma realidade intransponível?

3 LiMites À CRiAção noRMAtivA?

É certo que, há muito, está superada a lógica da proeminência da norma, resultado de um processo legislativo como técnica perfeita e acabada de composição de conflitos, segundo o qual não se pode atribuir ao julgador um poder-dever de interpretação autêntica.

de outro lado, a absoluta subjetividade do julgador pode con-duzir a incertezas de resultados ou, até mesmo, a resultados em des-conformidade com a realidade dos próprios fatos ou dissociados até mesmo da condição humana.

Quanto a esses desvios, pelo manifesto caráter simbólico, so-bressaem os famosos julgamentos de EIchMAnn em jerusalém e dREYFuS na França.

o processo a que foi submetido, em 1960, otto Adolf Eichmann, burocrata especialista em questão judaica durante o nazismo, foi o re-sultado de explosões de ódio contra o réu-inimigo. Ainda que não se questione a gravidade da conduta do acusado que contribuiu para o extermínio coletivo de judeus, são manifestas as irregularidades dos

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procedimentos que culminaram com a sua condenação. o ambiente, contudo, era para condená-lo, independentemente, da forma. os inte-resses de ocasião não poderiam ser contrariados.

E, aí, a advertência de hAnnAh AREndT30 contra os exces-sos no julgamento-espetáculo de EIchMAnn, “a justiça não admite coisas desse tipo; ela exige isolamento, admite mais a tristeza do que a raiva, e pede a mais cautelosa abstinência diante de todos os praze-res de estar sob a luz dos refletores”.

o caso dREuFuS, capitão do Exército francês, é mais emble-mático, porquanto, inocente da acusação da prática de espionagem e de alta traição, foi condenado duas vezes. Interessante que a repercussão midiática do caso dividiu o povo francês em dreyfusistas31 e antidreyfu-sistas. Esses julgamentos são resultados da vitória da retórica vazia em detrimento de um conjunto probatório insuficiente para as condenações.

como, então, contestar a intervenção direta da atividade cria-dora do juiz na vida das pessoas? E, mais difícil, como limitá-la? É o dilema apontado por MÔnIcA SETTE lopES,32 “como impedir a discricionariedade ou como limitá-la se as frestas compõem estrutu-ralmente as regras, como um mecanismo para torná-las passíveis de aplicação a um número mais abrangente de situações?”

Quais, pois, os limites da tarefa de dizer o direito? como preencher o conteúdo de modelos normativos gravados pela mobilidade e abertura?

Sem a pretensão de solução final, pode-se afirmar que os li-mites da interpretação contemporânea perpassam pela hermenêutica existencial, é preciso defender que todas as teorias da compreensão e interpretação têm por fim a realização última da pessoa humana. Não é a manutenção da ordem, como defendia cARl SchMITT,33 o obje-tivo do direito, mas a realização da pessoa.

A realização normativa está fundada no valor fundamental da tutela à pessoa humana.

30 AREndT, hannah.AREndT, hannah. Eichmann em Jerusalém. Tradução de josé Rubens Siqueira. São paulo: companhia das letras, 1999, p. 16.

31 Essa linha é muito externada no estudado J´accuse de Emílio Zola.32 LOPES, Mônica Sette. Ética judicial e codificação entre relevância e contingência. Revis-

ta Jurídica, v.8, n. 83, fev./mar., 2007, p. 68.33 cf. MAcEdo jR., Ronaldo porto. Carl Schmitt e a fundamentação do Direito. São pau-

lo: Max limonad, 2001, p. 136.

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dignidade da pessoa humana que é fundamento da República Federativa do Brasil, e, também, um valor consagrado em diversos instrumentos internacionais, especialmente, na declaração univer-sal dos direitos do homem, na convenção Européia de proteção dos direitos do homem e das liberdades Fundamentais, na declaração Americana dos direitos e deveres do homem, e, no dizer do jean-jacques Israel, professor da université de paris XII, é “a própria es-sência da concepção humanista da consciência universal originária de uma exigência ética fundamental”.34

A rigor, não se trata de limite à concreção normativa, mas de valor a orientar a realização do direito. lembrando, sempre, que a lógica ju-rídica é analógica, pressupõe o ir e o vir do olhar crítico do intérprete.

4 inteRLÚdio: CeRteZAs e inCeRteZAs

como acentua FRAnÇoIS oST,35 “nada de final, nem de ponto final”.

Esses são os desafios de um projeto inacabado, de uma realidade em constante construção, da “epistemologia da incerteza”.

É preciso questionar sempre as certezas do senso comum. A imutabilidade ou a única certeza é a condição humana como fundamento de todas as realidades e necessárias mudanças de paradigmas.

A grande tarefa dos nossos dias é, pois, construir uma norma-tividade a partir do valor fundamental do livre desenvolvimento da pessoa humana.

5 ReFeRÊnCiAs BiBLioGRÁFiCAs

AREndT, hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a bana-lidade do mal. Tradução de josé Rubens Siqueira. São paulo: compa-nhia das letras, 1999.

34 ISRAEl, jean-jacques.ISRAEl, jean-jacques. Direito das liberdades fundamentais.Direito das liberdades fundamentais. Tradução de carlos Souza. Barueri: Manole, 2005, p. 388.

35 oST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: universidade do Sagrado coração, 2005, p. 399.

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AREndT, hannah.. A condição humana. Tradução de Roberto Rapo-so. 10. ed. Rio de janeiro: Forense universitária, 2000.FERRAZ jR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São paulo: Max limonad, 1998.GAdAMER, hans-Georg. Vérité et méthode: les grandes lignes d�une herméneutique philosofique. Tradução de Étienne Sacre, jean Gron-din e pierre Fruchon. paris: Éditions du Seuil, 1996.hEcK, philipp. Interpretação da lei e jurisprudência dos interesses. Tradução de josé osório. São paulo: livraria Acadêmica, 1947.ISRAEl, jean-jacques. Direito das liberdades fundamentais. Tradu-ção de carlos Souza. Barueri: Manole, 2005.Barueri: Manole, 2005.jhERInG, Rudolf Von. Es el derecho una ciencia? Tradução de Fre-derico Fernández-crehuet lópez. Granada: colmares, 2002.Granada: colmares, 2002. KAuFMAnn, Arthur. Analogia y ´naturaleza de la cosa�: hacia una teoria de la comprension juridica. Tradução de Enrique Barros Bou-Tradução de Enrique Barros Bou-rie. Santiago: Editorial jurídica do chile, 1976.lAREnZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de josé lamego. 3. ed. lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 1997.LOPES, Mônica Sette. Ética judicial e codificação entre relevância e contingência. Revista Jurídica, v.8, n. 83, fev./mar., 2007.MAcEdo jR., Ronaldo porto. Carl Schmitt e a fundamentação do Direito. São paulo: Max limonad, 2001.MAchAdo dE ASSIS. Crônicas escolhidas. São paulo: ática, 1994.oST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: universidade do Sagrado coração, 2005.REAlE, Miguel. Exposição de motivos da comissão revisora e elaboradora do Código Civil. Janeiro de 1975. publicação da Secretaria Especial de Editoração e publicações do Senado Federal. Brasília, 2003.RIchARd, paul. Os grandes processos da história. Tradução de Ar-geu Ramos. 2. ed., v. XI. porto Alegre: livraria do Globo, 1945.SchMITT, carl. O führer protege o direito. In: MAcEdo jR., Ro-naldo porto. Tradução de peter naumann. Carl Schmitt e a fundamen-tação do direito. São paulo: Max limonad, 2001.

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STREcK, lenio luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma explo-ração hermenêutica da construção do Direito. porto Alegre: livraria do Advogado, 1999.

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ThE dEVElopMEnT oF MARITIME lAWS In MAlAYSIA – SElEcTEd ISSuES

FAIZAh nAZRI ABd RAhMAn

sumário

1. Introduction. 2. legislative Background. 3. Viability of Admiralty court. 4. outdated Maritime laws. 5. International conventions. 6. conclusion. 7. References.

AbstractMalaysia is fast developing in terms of development of infras-

tructure, including the development of modern ports which facili-tate efficient container handling. Malaysia has also invested a large amount of money to enhance its shipping fleet. All this forms part of the aspiration of Malaysia to become a maritime nation in the true sense. nevertheless, part and parcel of a true maritime nation is the regulation of shipping matters to support the shipping industry. This paper examines the available substantive maritime laws in Malaysia and their suitability in the light of the existing modern character of shipping and international trade law.

KEYWoRdS: Maritime law, International trade law, Malaysia law.

ResumoA Malásia tem apresentado um rápido desenvolvimento em ter-

mos de infraestrutura, incluindo o desenvolvimento de portos modernos que facilitam um eficiente tratamento dos contâiners. A Malásia também

REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 163-176 2007

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tem investido uma expressiva quantidade de recursos na melhora da sua frota da marinha mercante. Tudo isto forma parte da aspiração da Malá-sia em se tornar uma nação marítima no sentido verdadeiro. Entretanto, parte e parcela de uma nação verdadeiramente marítima é a regulação dos assuntos que dão suporte à indústria de navios. Este artigo examina o caráter moderno do direito internacional do comércio marítimo.

pAlAVRAS-chAVE: direito marítimo, direito do comércio Inter-nacional, direito da Malásia.

1 intRoduCtion

The aim of this paper is to have a summary overview of the available key maritime laws in Malaysia. In the light of the call of Malaysia’s government to make Malaysia a maritime nation in its 3rd Malaysia plan in the 1970s, it is essential to have a status check of the current position relative to developments made since then. Malaysia’s maritime industry has grown tremendously since then in various areas including having its own shipping fleet and modern ports which can handle vast amounts of transhipments. However, equally strong efforts do not seem to be reflected in the legal support system and regulation of the maritime activities. ne-vertheless the realization of this coupled with fervent encourage-ment by various interest groups are slowly getting changes and improvements to be made.

Malaysia has for a long time aspired to become a maritime na-tion because of many reasons. Although it was only in the 1970s when the government of Malaysia declared this aspiration, early history has proven that geographically, Malaysia is an ideal location to become a centre for international trade between the East and the West and the Straits of Malacca provided the ideal route for many trading ships to ply and berth because it is a long stretch of coastline protected from the elements by peninsular Malaysia on the eastern side and the is-land of Sumatra on the western side. In the old days, international merchant ships would be well acquainted with the Malacca Empire and its busy port.1

1 Author can be reached at [email protected] can be reached at [email protected]@um.edu.my.

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2 LeGisLAtive BACKGRound

In assuring proper regulation of the maritime activities and sea trade which contribute towards 95% of the total trade of Malaysia today, many laws have been passed and adopted for this purpose. They include:

1) Merchant Shipping ordinance 1952 [1] and various regula-tions made under it

2) Merchant Shipping Act (oil pollution) 1994 [2]3) ports Authorities Act 1963 [3]4) ports (privatisation) Act 1990 [4]5) carriage of Goods by Sea Act 1950 [5]6) order 70 Rules of the high court 1980

Malaysia also adopts the Marine Insurance Act 1906 and Bills of lading Act 1855 of the united Kingdom. In terms of Admiralty jurisdiction, Malaysia also follows the united Kingdom’s Supreme court Act 1981 by virtue of Malaysia’s courts of judicature Act 1964. The list goes further and will not be exhausted here. Suffice to say, Malaysia has made many attempts to make sure that almost every aspect of the maritime activities in which she is involved is properly regulated to ensure its smooth running and efficiency in an orderly manner.

Many of the laws are borrowed or passed down to Malaysia from its colonial history. For example the Merchant Shipping ordi-nance 1952 was inherited from the Merchant Shipping Act 1894 of the united Kingdom whilst the carriage of Goods by Sea Act 1950 applies the hague Rules which used to be implemented by the united Kingdom in its carriage of Goods by Sea Act 1924. After its inde-pendence in 1957, Malaysia had severed the pipeline through which the common law, rules of equity and statutes of the united Kingdom had been continuously supplied. The laws which have been passed or decided after the cut-off date have been barricaded from automa-tically applying or having definitive influence over Malaysia’s laws [6]. Malaysia now only applies the common law and rules of equity

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administered in England until 1956 in West Malaysia [7], whereas in Sabah, the common law, rules of equity as well as statutes of general application administered in England until 1951 [8] is applied. In Sa-rawak the cut of date for the three types of laws is 1949 [9]. Even so, none of them will apply if Malaysia has already legislated on the matter and they are also subject to suitability of the English laws to the local circumstances and inhabitants. local conditions may also require that certain qualifications to them be made. This is a matter left to the interpretation and wisdom of the learned local judiciary to peruse and decide.

The Merchant Shipping ordinance 1952 is the single largest legislative provision in Malaysia on various aspects of maritime law. It contains 15 parts which deal with inter alia matters dealing with the Malaysian Ship Registry, the domestic Shipping licencing Board, the International Ship Registry, certification of masters and seamen, sa-fety of passenger ships, safety in navigation and generally, pollution, load line and loading, procedure for inquiries into shipping casualties, goods delivery, shipowners’ liability, wreck and salvage, lighthouses, pilotage, and ports.

There have been many amendments made to it and one of the important ones is the Merchant Shipping (Amendment) Act 1966 [10] which gave legal effect to the International convention for the Safe-ty of life at Sea 1960 (SolAS) and the International Regulations for Preventing Collisions at Sea 1960. Malaysia then ratified SOLAS 1974 in 1983 and in order to fulfil its obligation, entrusted the Marine department of Malaysia to provide the services of maritime search and rescue (SAR).

The latest enactments in Malaysia include the Malaysian Mariti-me Enforcement Agency Act 2004 [11] and the Baselines of Maritime Zones Act 2006 [12]. Also in july 2005 an Admiralty court [13] was established in the commercial division of the high court of Malaya for the first time in Kuala Lumpur, the capital of Malaysia. Another premier for Malaysia is the practice directions for Admiralty Actions [14] brought into effect on the 1st of February 2007 in the high courts of Malaya.

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3 viABiLitY oF AdMiRALtY CouRt

There have been many debates going on between the judicial and legal practice as well as feedback from the maritime industry as to the viability of having an admiralty court dealing exclusively with admiralty matters. Most of the debates revolve around the problem of getting enough cases to sustain the workload of such a court and justify resources diverted towards its setting up. on the other hand, the reason why Malaysia has not been able to attract enough maritime law cases is said to be due to the unavailability of such a court.

Between 1997 to 2003, about 371 admiralty cases were filed but the number which actually went to trial was almost non-existent [15]. According to a report made by a judge in the high court of Malaya [16], for the period between September 2006 until February 2007, the total number of pending admiralty cases in the West Malaysia [17] courts is 75, whereas in East Malaysia [18], the total number of pending cases is only 7. his learned experience also indicates that only 20% will end up in trial whilst the others usually expire. (Khoay, 2007). nevertheless there is a lot of optimism in the advocated idea of setting up an Admiralty court that is specialized in dealing with admiralty cases in order for Malaysia to become more competitive in seizing jurisdiction in comparison with more popular jurisdiction for settling disputes like london and in the context of Asia, Singapore and hong Kong.

other than the obvious pre-requirements of training judges in admiralty law and procedure, it is also advocated that practitioners could also act as ad-hoc judges especially during the weekends when the offices and courts are closed. (Khoay, 2007). This could overcome the problem of the fly-by-night incidents of ships avoiding arrest by berthing in the ports during the weekends when it is not possible at the moment in Malaysia to obtain a writ in rem to arrest the ship. This is because Malaysia does not as yet have a system where the sheriff can see the judge at his home during the weekends to obtain the warrant of arrest in the way that it is practiced in the united Kingdom and also Singapore. The speed by which such a warrant is obtained on any day

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is also very critical [19] as the sheriff has to catch the ship before it leaves port.

The issue of the practice direction no. 2/2007 for Admiralty Actions is hoped to achieve greater efficiency in overcoming delay. In clause 2 of the Registry heading, it is recommended that the writ of summons in actions in rem be issued within the same day of filing if the urgency of the matter in indicated with the writ in a Certificate of urgency. under clause 4 a) of the same heading, the warrant of arrest and/or service of a writ of summons by the sheriff shall also be effected on the same day it was issued, either by the sheriff himself or an appointed officer appointed by him. Clause 4 b) provides that the sheriff must also issue the instrument of release within the same day of filing for release from arrest and may allow the plaintiff’s or defendant’s solicitor to attend to the service of the instrument on behalf of the sheriff.

A significant provision in the Practice Direction is clause 5 whi-ch deals with the situation where the Registry is closed, but the there is an urgent need to obtain the warrant of arrest, writ of summons or the release instrument. It enables the Registrar to immediately process the issue and direct the sheriff to effect the required service, execution or release if the there is an undertaking by the solicitors of the appli-cant to file in the required documents and effect payment on the next working day of the Registry.

In relation to writ of summons and warrant of arrest issued by any registry which is not situated in the same jurisdiction in which service or execution is to be effected, clause 7 makes cer-tain provisions to expedite the matter. clause 7(i) provides that the sheriff of the issuing court may request the assistance of the sheriff in the jurisdiction effecting service or execution. The writ of summons and warrant of arrest may also be faxed by the issuing court with a letter requesting for assistance to the executing court whilst the original is dispatched for immediate service and execu-tion [20]. If the sheriff of the executing court is not available, the sheriff of the issuing court or his officer may travel at the expense of the arresting party to effect service and execution outside the jurisdiction of the issuing court [21].

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A list of matters which must be expedited in being heard, dis-posed of by the registrar and/or judge and returned in not more than three working days have been enlisted in clause 8. They include matters relating to conditional appearance, bail bond, quantum of security, setting aside of writ, release of res from arrest, interven-tion, inspection of ship, judgment by default, appraisement and sale of res, discharge of cargo, and order of directions arising out of or in relation to the res under arrest, including matters pertaining mas-ter and crew. In order for the three working days rule to apply, the urgency of the matters has to be indicated in that the applications or motions in relation to the above matter must be filed together with a Certificate of Urgency.

In relation to hearing and disposal of the matters enlisted in clause 8, the head judge may direct any judge or registrar of the high court to hear and dispose of the matter if the assigned judge or regis-trar is unavailable [22]. other matters in the practice direction deal with language of the court papers [23], deposit and undertaking for the sheriff’s fees and expenses for the arrest and custody of the ship and its contents, the ability of the sheriff to effect service outside port limits, and to deal with the ship appropriately [24].

4 outdAted MARitiMe LAWs

It is also suspected that the lack of popularity of Malaysia as a jurisdiction to settle maritime disputes is because of the apparently ou-tdated maritime laws currently in use. As mentioned above, Malaysia’s Merchant Shipping ordinance 1952 as well its carriage of Goods by Sea Act 1950 is already half a century old. Also reliance is also made to archaic English law provisions which have since been further amended or abolished to deal with inherent problems. Since Malaysia has seve-red the pipeline as mentioned above, she no longer receives these de-velopments in the law. There are many aspects of Malaysia’s maritime laws which are still trapped in the ‘past’ but the discussion in this paper will be limited to two main statutes which are the Merchant Shipping ordinance 1952 and the carriage of Goods by Sea Act 1950.

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The Merchant Shipping ordinance as stated above is a volumi-nous act which encompasses several aspects of maritime regulation. however what will be focused upon here is part IX of the ordinance which deals with liability of ship-owners. part IX provides for the adoption of the International convention relating to the limitation of the liability of owners of sea-going ships 1957 or also known as the limitation convention of 1957. This convention deals with the exclu-sion or limitation of liability of ship-owners. The shipowners’ ability to limit liability for loss of or damage to goods, or loss of life or injury is dependent upon them proving the absence of actual fault or privity [25]. The concept of actual fault and privity has been criticized as cau-sing difficulties to ship-owners relying on the limitation of liability provision because of the burden upon them to prove that there was no personal fault on the part of the controlling mind of the company in the management of the vessel which includes training of officers and crew of the ship as well as its repair and maintenance.

5 inteRnAtionAL Conventions

It was partly on this basis that the 1976 limitation of liability convention was created which is said to be more certain in the de-termination of the right to limit liability. under this convention, the person seeking to break the limitation has to prove that the loss resul-ted from the shipowner’s act or omission committed with the intent to cause loss, or recklessness and with the knowledge that loss would probably result.

In the case of Liong Ung Kwong v Kee Hin (M) Sdn Bhd & Anor [26] a ship was in the final stages of loading when it began to list towards the port side and continued rolling until it capsized and sank, cargo and all. Fortunately just before capsizing the mast of the ship was caught by the wharf momentarily and the master managed to order his crew to abandon ship before the mast broke and the ves-sel shifted away from the berth. The cargo owners then commenced action for the loss of their cargo due to breach of contract and negli-gence of the ship-owner and his servants or agents. The ship-owner

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in this case sought to rely on section 360 of the Merchant Shipping ordinance 1952 which provides as follows [27]:

Section 360. limitation of owner’s liability in certain cases of loss of life, injury or damage.

(1) The owner of a Malaysian or foreign ship shall not, where all or any of the following occurrences take place without his actual fault or privity, namely:

(b) where any damage or loss is caused to any goods, merchan-dise or other things whatsoever on board the ship;

(d) where any loss or damage is caused to any property, other than any property mentioned in paragraph (b), or any rights are infrin-ged through the act of any person, whether on board the ship or not, in the navigation or management of the ship, or in the loading, carriage or discharge of her cargo, or in the embarkation, carriage or disemba-rkation of her passengers, or through any other act of any person on board the ship, be liable to damages beyond the following amounts:

(bb) in respect of such loss, damage or infringement as is men-tioned in paragraphs (b) and (d), whether there is in addition loss of life or personal injury or not, an aggregate amount not exceeding an amount equivalent to one thousand gold francs for each ton of the ship’s tonnage.

The main issue for the court was to determine whether the sinking of the MV hua leong had occurred without the shipowner’s actual fault or privity, as this determines the availability of the s.360 protection to the shipowner. In this case, the day-to-day management of the ship had been delegated to a management company. It was ar-gued by the plaintiff’s counsel that it is the absence of actual fault on the part of the managers then that has to be established.

The court held that the onus is on the shipowner to prove that the event occurred without his fault because the requirement is ‘without his actual fault or privity’. These words imply personal blamewor-thiness which is distinct from constructive fault or privity. The latter relates to the fault of his servants or agents. This was the principle laid down in lennard’s carrying co ltd v Asiatic petroleum co ltd [28]. A shipowner’s personal duty is an obligation of the shipowner which is not relinquished simply by delegating performance of the duty to

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someone else, unless the shipowner was not privy to the actual fault of the person employed by him. It is not approached in the positive sense in that pointing the finger to the fault of his servants or agents is insufficient. It must be negative in the sense it was not his fault. This, the court held, can take two forms.

The first relates to seaworthiness of the ship where the shipowner fails to provide safe equipment, qualified personnel and a safe system of work. The second relates to instructions to those using the equi-pment and system, and instructions in the proper method. In this case the vessel was found to be in a seaworthy condition physically, as well as having qualified and competent master and crew. The court also held that even if the master was negligent, it cannot be imputed to the shipowner where there is no history of negligence of the master known to the shipowner. Also, where the master or owner is not aware of objects on the seabed which could damage the ship’s bottom, fault or privity of the shipowner was not what caused the ship to sink.

Another point noted by the court was that there was no need to make any admission of liability before an application for a declaration of the limitation of liability of the shipowner under s.360. The finding of the court in this case was that the shipowner was entitled to the protection of s.360.

The other statute which will be discussed is the carriage of Goods by Sea Act 1950. This Act implements the hague Rules [29] in West Malaysia whilst in East Malaysia, the rules are implemented by the Merchant Shipping (Applied Subsidiary legislation) Regula-tions 1961 in Sabah, and the Merchant Shipping (Implementation of convention relating to carriage of Goods by Sea and to liability of Shipowners and others) Regulations 1960 in Sarawak.

The Hague Rules was the first attempt to balance the rights and obligations of ship-owners and shippers and was suitable in those days when it was first passed because of the prevailing circumstances when operations in shipping was less complicated. later, international trading became more complex with layers of intermediate traders and this, coupled with enhancement of navigational technology commonly caused the bill of lading to arrive later than the cargo. There was also the introduction of containerization and evolution in bulk carriage.

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(Selvaratnam, 2007). The inherent weaknesses of the hague Rules became apparent and the move to improve it was called for. hence the making of the hague-Visby Rules [30] in 1968, and later the ham-burg Rules [31] 1979.

Malaysia has not adopted any of these later conventions, al-though a draft bill was made in 1970 to amend her laws to incorpo-rate the hague-Visby Rules. The bill was never passed until today. Since Malaysia still, despite efforts to boost Malaysia’s fleet of ships, remains predominantly a shipper nation rather than a shipowning na-tion, the choice to remain with the hague Rules does not seem to be appropriate. For example the limit of liability of 100 pounds sterling per package had been interpreted by the case of Sebor (Sarawak) Tra-ding v Syarikat cheap hin [32] to mean exactly that instead of the value of the gold content of 100 pounds sterling. (Selvaratnam, 2007). By adopting the hague-Visby Rules, not only the shippers will be more protected, the Malaysian fleet will also grow because shippers no longer have a reason to avoid Malaysia’s port of call.

6 ConCLusion

In conclusion, in line with Malaysia’s quest to become a mari-time nation, it is important to identify the building blocks that make it such, not only in terms of the technological and infrastructural ad-vances but also in the development of adequate and useful laws which acknowledge and addressee the needs brought about by changes in the character of international trade by sea.

notes:

[1] ord 70/1952 during the time Malaysia was known as the Federa-tion of Malaysia.[2] Act 515.[3] (Revised 1992) Act 488.[4] Act 422.

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FAIZAh nAZRI ABd RAhMAn

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[5] (Revised 1994) Act 527.[6] S. 3 of the civil law Act 1956.

[7] S. 3(1)(a) of the civil law Act 1956.

[8] S. 3(1)(b) of the civil law Act 1956.

[9] S. 3(1)(c) of the civil law Act 1956.

[10] Act 15/ 1966.

[11] Act 633.

[12] Act 660.

[13] court 3 of the commercial division.

[14] practice direction no. 2/2007 Admiralty Actions.

[15] “new court for Admiralty cases”, Sharidan M. Ali, MIMA Newsflash (July 2005).

[16] YA dato’ Vincent ng Kim Khoay who heads the commercial division of the high courts in Kuala lumpur.

[17] peninsular Malaysia.

[18] Which comprises of the states of Sabah, Sarawak, and the Fede-ral Territory of labuan.

[19] In Singapore this can be achieved in a mere couple of hours.

[20] clause 7(ii) of the practice direction no. 2/2007 for Admiralty Actions.

[21] clause 7(iv) of the practice direction no. 2/2007 for Admiralty Actions.

[22] clause 9 of the practice direction no. 2/2007 for Admiralty Ac-tions.

[23] clause 11 – 12 of the practice direction no. 2/2007 for Admi-ralty Actions.

[24] clause 15 – 17 of the practice direction no. 2/2007 for Admi-ralty Actions.

[25] S. 359 – 360 of the Merchant Shipping ordinance 1952.

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[26] [1998] 1 AMR 368.

[27] only the relevant parts are cited here.[28] [1915] Ac 705.[29] The International Convention for the Unification of Certain Rules of law relating to Bills of lading, Brussels, 1924.[30] Protocol to amend the International Convention for the Unifi-cation of certain Rules of law relating to Bills of lading, Brussels, 1968.[31] The united nations convention on the carriage of Goods by Sea 1978.[32] [2003] 2 clj 381.

7 ReFeRenCes

KhoAY, V.n.K. (2007, March). Admiralty Court – The need and The Viability. paper presented at the national Maritime conference, Malaysia As A Maritime nation: Meeting Expectations, Kuala lumpur, Malaysia.AlI, S.M. (july 2005). New Court for Admiralty cases (MIMA news-flash). Kuala Lumpur, Malaysia : Maritime Institute of Malaysia. SElVARATnAM, S. (2007, March). Particular Aspects of Legal Re-form In Malaysia: Some comparative Studies. paper presented at the national Maritime conference, Malaysia As A Maritime nation: Mee-ting Expectations, Kuala lumpur, Malaysia.

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o EFEITo dA doTAÇÃo (“EndoWMEnT EFFEcT”) E A RESponSABIlIdAdE cIVIl

lEAndRo MARTInS ZAnITEllI

sumário

1. Introdução. 2. o efeito da dotação: considerações gerais. 2.1 causas do efeito da dotação. 2.2 Vdp ou VdA? Soluções para a dificuldade suscitada pelo efeito da dotação. 3. o efeito da dotação e a responsabilidade civil. 4. conclusões. 5. Referências bibliográficas.

Resumo

costuma-se pressupor que o máximo que alguém está disposto a pagar por algo (valor da disposição a pagar – Vdp) e o mínimo que exigiria para se desfazer do mesmo bem (valor da disposição a aceitar – VdA) coincidem. Estudos realizados nos últimos anos, contudo, indicam que há, por vezes, uma divergência entre Vdp e VdA. Essa divergência tem sido designada como efeito da dotação (“endowment effect”). o artigo trata das causas do efeito da dotação, da sua importância para a análise econômica do direito (e da respon-sabilidade civil em particular) e de algumas tentativas de solução para o problema que ele suscita.

pAlAVRAS-chAVE: efeito da dotação. Endowment effect. AnáliseEndowment effect. AnáliseAnálise econômica do direito. Responsabilidade civil.

REV. FAc. dIR. MIlTon cAMpoS noVA lIMA n. 15 p. 177-202 2007

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AbstractEconomic analysis assumes in general that willingness to pay

(WTp) and willingness to accept (WTA) are the same. Recent work, however, suggests that it’s not always true. This article concerns the dis-parity between WTp and WTA, known as endowment effect, its causes, importance to economic analysis (emphasis on the economic analysis of tort law), and some attempts to solve the problem it gives rise.KEYWoRdS: Endowment effect. Economic analysis of law. Torts.

1 intRodução

A análise econômica do direito se baseia em um estudo de Ronald coase (“The problem of social cost”) a respeito dos custos de transa-dos custos de transa-ção. São custos de transação os suportados para realizar um contrato (como o custo do tempo perdido para a estipulação das cláusulas) e obter seu cumprimento (como os custos para a propositura de uma ação judicial). Segundo coase, se os custos de transação forem iguais a zero e as partes puderem dispor dos direitos que lhes são legalmente confe-ridos, chegar-se-á a um resultado eficiente,1 independentemente do que a lei determinar.2

Imagine-se, por exemplo, que A esteja descontente com seu vi-zinho, B, o qual costuma tocar saxofone durante as tardes, perturban-do o sossego de A. diante de um caso como esse, em que algo tem de ser sacrificado (ou a prática do instrumento por B ou o sossego de A), a análise econômica do direito recomenda que se prefira, entre os bens desejados, o de maior valor, a fim de proporcionar à sociedade a maior riqueza possível. o valor de um bem, por sua vez, mede-se pela disposição a pagar ou a aceitar. desta maneira, o valor de tocar

1 Eficiência se entende neste caso como máxima riqueza social. Um resultado eficiente é,Eficiência se entende neste caso como máxima riqueza social. Um resultado eficiente é, portanto, um em que haja máxima riqueza possível. não se pressupõe aqui que a riqueza (ao invés, por exemplo, do bem-estar) seja o propósito último da análise econômica do direito, mas que constitua, de todo o modo, um objetivo a ser alcançado.

2 Essa é uma das versões do que se designa como teorema de coase. V. cEssa é uma das versões do que se designa como teorema de coase. V. coASE, “The problem of social cost”, p. 2-7; cooTER; ulEn, Law and Economics, p. 85-89. out-ras versões desse teorema são encontradas em MEdEMA; ZERBE jR., “The coase theorem”, p. 837-838.

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saxofone em casa às tardes para B é estimado com base no máximo que ele estaria disposto a pagar para exercer essa atividade (valor da disposição a pagar – Vdp) ou no mínimo que exigiria para se abster dela (valor da disposição a aceitar – VdA). Suponha-se que esse valor para B seja igual a $ 50, isto é, que $ 50 seja o máximo que ele pagaria para tocar saxofone e o mínimo que aceitaria para deixar de fazê-lo. É, portanto, $ 50 o valor para B das suas horas de estudo. o valor do silêncio para A se mede do mesmo modo, isto é, pelo que A estaria disposto a pagar para que B deixe de tocar (Vdp) ou pelo que exigiria para abrir mão do seu sossego (VdA). Se o valor do silêncio para A é inferior ao da prática do saxofone para B (admita-se que o valor do silêncio para o primeiro seja de $ 30), a solução eficiente, que fará a sociedade mais rica, é permitir que B siga tocando.

observe-se, a partir do exemplo, em que consiste a suposição de coase. Se não há custos de transação e a lei confere para A o direito de não ser incomodado pelo saxofone, é de esperar que B ofereça àquele até $ 50 para abrir mão do direito que lhe foi legalmente conferido. como $ 30 é a soma mínima que A aceitaria para tolerar a música, os dois celebrarão um contrato pelo qual B pagará alguma quantia entre $ 30 e $ 50 pela permissão de praticar o instrumento. Se, ao contrário, B tiver legalmente o direito a tocar saxofone, nenhum contrato será realizado (A não estará disposto a pagar mais do que $ 30 para que B faça silêncio, e esse, por sua vez, não abrirá mão de tocar por menos de $ 50), e os ensaios prosseguirão. Embora a situação final de cada uma das partes seja diferente nas duas hipóteses (B ficará mais pobre se tiver de pagar ao vizinho para ensaiar, o que só aconteceria no pri-meiro caso), em ambas B continuará tocando, o que, como visto, é a solução eficiente.

Aceitando-se a suposição de coase, chega-se à conclusão de que a legislação, no caso em que se almeje unicamente a eficiência (isto é, a máxima riqueza social), só é importante porque os custos de transação são, de fato, geralmente superiores a zero. Quando os custos de transação são altos, um resultado eficiente depende do que a lei estabelece. Suponha-se que esses custos, no exemplo dado, sejam maiores do que $ 50. Se a lei proibir B de tocar, não é provável que ele obtenha por contrato o direito respectivo, já que, para tanto, precisaria

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suportar custos de transação superiores ao máximo que está dispos-to a pagar pelos ensaios. Em casos como esse, só se logrará uma solução eficiente quando o direito for legalmente atribuído àquele que lhe der mais valor. como o direito a praticar saxofone tem mais valor para B do que o direito ao silêncio para A, o objetivo da efi-ciência só será atendido (admitindo-se que os custos de transação impeçam a realização de um contrato entre A e B) se a lei conferir a B o referido direito.

custos de transação altos exigem, portanto, que a lei conceda direitos àqueles que estejam dispostos a pagar mais por eles. Repa-re-se como a única (embora não desprezível) dificuldade para obe-decer ao critério da eficiência seria, portanto, a de verificar qual das partes dá mais valor aos direitos em disputa. como o custo para obter informação a respeito do valor de um direito pode se mostrar considerável, a melhor solução será, muitas vezes, procurar redu-zir os custos de transação a fim de que as partes celebrem acordos que, de outro modo, não ocorreriam. Sempre, no entanto, que fosse possível determinar a quem certo direito seria contratualmente atri-buído se os custos de transação desaparecessem, alcançar-se-ia a eficiência facilmente.

note-se, entretanto, como a suposição de coase depende da equivalência entre o que se está disposto a pagar por um direito (Vdp) e o que se exigiria para abrir mão dele (VdA). Se Vdp e VdA forem diferentes, o que a legislação determina pode ser importante ainda que os custos de transação sejam nulos. no caso antes narra-do, imagine-se, ao contrário do afirmado, que a quantia mínima pela qual A renunciaria ao seu direito ao silêncio seja de $ 55 (VdA para A, ou VdA[A], = $ 55), embora $ 30 seja o máximo que o mesmo A pagaria por esse direito na hipótese de não o possuir (Vdp para A, ou Vdp[A], = $ 30). Admitindo-se que Vdp e VdA para B sejam ambos iguais a $ 50, o resultado dependerá agora do que a lei prescrever. Se ela instituir o direito ao silêncio para A, B permanecerá proibido de ensaiar mesmo que não haja custos de transação, já que, para adquirir o direito a tocar, B não pagará mais do que $ 50, quantia inferior a que exige A ($ 55). Se, ao contrário, se conceder a B o direito a ensaiar durante as tardes, tal direito continuará em suas mãos, pois A não se

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dispõe a pagar (lembre-se de que Vdp[A] = $ 30) o mínimo que B exigiria ($ 50) para fazer silêncio.

uma disparidade entre Vdp e VdA como a recém-cogitada não só contraria a suposição de coase, porque leva a crer que a legislação influa sobre o resultado inclusive se os custos de transação se mos-trarem iguais a zero, como também põe dúvida sobre como satisfazer ao objetivo da eficiência quando os custos de transação forem altos e a estratégia escolhida for a de atribuir direitos àqueles para os quais esses mesmos direitos possuam maior valor. A fim de seguir o critério da eficiência, deve-se considerar VDP ou VDA? Constatada, como no último exemplo, uma disparidade entre Vdp e VdA, a resposta a tal pergunta se revela crucial. Se o cálculo se basear em Vdp, a solução eficiente será reconhecer a B o direito a praticar seu instrumento: como os custos de transação impedem a realização de um contrato entre A e B, a lei deve beneficiar àquele para o qual o direito tenha maior valor medido por Vdp, ou seja, B, pois Vdp(B) ($ 50) > Vdp(A) ($ 30). Se, ao contrário, considerar-se VDA, e não VDP, a solução eficiente será a de conceder o direito ao silêncio para A, uma vez que VdA(A) ($ 55) > VdA(B) ($ 50).

A disparidade entre Vdp e VdA é conhecida como efeito da dotação (“endowment effect”).3 o presente estudo é dedicado a esse efeito, com dois propósitos. o primeiro é o de enfrentar a questão formulada no parágrafo anterior, que consiste em determinar qual das duas medidas, Vdp ou VdA, há de ser empregada sempre que se constata alguma divergência entre elas. Tratar-se-á disso na primeira parte, na qual, depois de algumas das causas do efeito da dotação, serão examinadas soluções para o dilema criado por esse efeito.

3 A expressão foi usada inicialmente por Richard Thaler, “Toward a positive theory of consumer choice”. Ao exame do “endowment effect” se dedicam estudos de uma área atualmente conhecida como “behavioral law and economics”, ocupada em salientar ca-racterísticas do comportamento humano ignoradas pela análise econômica tradicional. V., a esse respeito, jollS, SunSTEIn; ThAlER. “A behavioral approach to law and economics”, p. 1.473 e 1.483-1.484.

Em MEdEMA; ZERBE jR. “The coase theorem”, p. 849, indica-se o efeito da dotação (“endowment effect”) como uma das causas da divergência entre Vdp e VdA (a da aversão à perda), sem equipará-lo, pois, a essa divergência. com o mesmo sentido docom o mesmo sentido do texto (isto é, equivalendo à disparidade entre Vdp e VdA), a expressão é usada por KoRoBKIn. “The endowment effect and legal analysis”.

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Este trabalho é resultado de uma pesquisa na área da responsa-bilidade civil. por isso, sua segunda parte se vale dessa área do direito para ilustrar as implicações do efeito da dotação e das considerações feitas a tal respeito na primeira parte.

2 o eFeito dA dotAção: ConsideRAçÕes GeRAis

Korobkin tem sustentado que o modo de superar a dificuldade suscitada pelo efeito da dotação deve variar de acordo com a causa da disparidade entre Vdp e VdA.4 Admitindo-se que ele esteja certo, faz-se indispensável conhecer as causas dessa disparidade.

2.1 Causas do efeito da dotação

Sobre o efeito da dotação pairam ainda muitas dúvidas. Embora uma diferença entre Vdp e VdA seja percebida por vários estudos,5 faltam conclusões sobre o que a determina e, em conseqüência, sobre os casos em que é possível constatá-la. Algumas virtuais causas são, não obstante, apontadas:

a) riqueza

A disposição a pagar ou a exigir certa quantia por algo é influen-ciada pela riqueza. Voltando ao exemplo apresentado anteriormente, uma possível causa para que B esteja disposto a pagar $ 50 para tocar saxofone durante as tardes, mais do que o máximo ($ 30) que A paga-ria para ter silêncio, é que B seja mais rico do que A. provavelmente, B não estaria disposto a pagar tanto se fosse mais pobre do que é, e talvez concordasse em pagar uma soma superior a $ 50 se possuísse ainda mais recursos.

4 KoRoBKIn. policymaking and the offer/asking gap, p. 683; KoRoBKIn. The endow-ment effect and legal analysis, p. 1.229.

5 Sobre esses estudos, v. KoRoBKIn, op. cit., p. 1.232-1.242; hoFFMAn; SpITZER, op. cit., p. 66-85. no Brasil, evidências a respeito do efeito da dotação são relatadas porno Brasil, evidências a respeito do efeito da dotação são relatadas por BEllo, AlVES; AVIlA, “julgamento e tomada de decisão”.

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A relação entre riqueza e disposição a pagar explica como Vdp e VdA podem variam para um indivíduo em relação ao mesmo di-reito. Quando se pergunta pelo mínimo que alguém exigiria para se desfazer de um certo bem (VdA), trata-se aquele a quem a pergunta é endereçada como titular desse mesmo bem. Ao ser questionado, por exemplo, sobre quanto demandaria para renunciar ao direito ao silên-cio, A é considerado, ao menos no que concerne à situação imaginada pela pergunta, como titular desse direito. o oposto ocorre quando o que se indaga é o máximo que alguém pagaria por algo (Vdp). nesse caso, o perguntado se encontra na posição (hipotética ou não, não importa) de alguém a quem falta a titularidade do direito em jogo. Assim, quando se busca determinar o máximo que A pagaria para B deixar de tocar, pressupõe-se que A não tenha direito ao silêncio.

A diferença entre as duas situações imaginadas no parágrafo anterior é uma diferença de riqueza. A riqueza de A varia de acordo com a pergunta feita. Quando se inquire sobre VdA, adiciona-se aos demais bens de A o direito ao silêncio; quando o que se quer descobrir é Vdp, subtrai-se do patrimônio de A, ao menos hipoteticamente, o mesmo direito. como A é mais rico na primeira hipótese, VdA ter-mina por se mostrar superior a Vdp. A disparidade entre Vdp e VdA seria, assim, um efeito da riqueza (“wealth effect”);6

b) aversão à perda

outra causa do efeito da dotação indicada freqüentemente é a aversão à perda.7 os seres humanos revelariam uma especial aversão a se desfazerem do que é seu, devido a uma diferença no valor em utilidade da aquisição e perda de um mesmo bem. Se o ganho em utilidade ou bem-estar8 com a aquisição de um bem é menor do que a redução de utilidade associada à sua perda (é o que se costuma supor a fim de explicar a aversão à perda), VDA deve ser superior a VDP. A mencionada diferença de utilidade (e a conseqüente resistência à per-

6 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.248; hoFFMAn; SpITZER, op. cit., p. 85-86.7 A idéia da aversão à perda é parte da teoria sobre o comportamento humano em situa-A idéia da aversão à perda é parte da teoria sobre o comportamento humano em situa-

ções de risco (“prospect theory”) desenvolvida por daniel Kahneman e Amos Tverski. V. cuRRAn, “The endowment effect”, p. 821-822.

8 utilidade e bem-estar são empregados no texto indistintamente.utilidade e bem-estar são empregados no texto indistintamente.

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da) é explicada, por sua vez, de várias maneiras, as quais correspondem, portanto, a causas de segunda ordem do efeito da dotação. São elas:9

b.1) circunstâncias evolutivas

A aversão à perda poderia se dever às circunstâncias da evolução da espécie humana, nas quais perdas ameaçavam a subsistência mais do que o insucesso em obter ganhos10. Em resposta a essas circunstâncias, ter-se-ia desenvolvido nos seres humanos a tendência a atribuir maior importância a perdas, o que explicaria a diferença entre o acréscimo de utilidade proporcionado pela aquisição de um bem e a redução prove-niente da sua perda, que dá origem ao efeito da dotação.

b.2) redução de utilidade ao “vender”

A perda de utilidade que alguém sofre ao se desfazer de um bem pode ser superior ao ganho decorrente da aquisição do mesmo bem em razão de um mal-estar relacionado à “venda”.11 Em algu-mas ocasiões, pôr-se na posição de “vendedor”, isto é, na posição de abrir mão de algo mediante uma remuneração, é, em si mesmo, motivo de desagrado. É o que pode ocorrer quando o bem “vendi-do” (por exemplo, a vida, a saúde ou o meio ambiente) não é tido, habitualmente, como comercializável. Em casos como esses, além da diminuição de utilidade advinda da perda do bem em si, tem-se a decorrente da prática de algo considerado aviltante pelo próprio agente. por causa disso, a perda total de utilidade com a “venda” de certos bens é, por vezes, maior do que o aumento de utilidade que os mesmos bens, ao serem adquiridos, proporcionam, dando origem à aversão à perda.

9 Além das a seguir descritas no texto, uma causa cogitada para a aversão à perda é a do especial apego aos próprios bens (KoRoBKIn, op. cit., p. 1.251; hoFFMAn; SpITZER, op. cit., p. 90). Esse apego explicaria por que alguém pode demandar mais para vender seuEsse apego explicaria por que alguém pode demandar mais para vender seu automóvel do que aceitaria pagar por um outro similar. A particular afeição ao que se tem não esclarece, todavia, como Vdp e VdA podem variar em relação ao mesmo bem. Se o valor de um carro é aumentado, por exemplo, pelas lembranças que ele é capaz de evocar, o valor dessas lembranças não deveria se refletir apenas sobre a quantia exigida para venda desse carro, mas também sobre o que se pagaria, caso necessário, para reavê-lo.

10 hoFFMAn; SpITZER, op. cit., p. 89-90.11 KoRoBKIn, op. cit. p. 1.252-1.253.

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b.3) temor do arrependimento

Quando se renuncia a algo, corre-se o risco do arrependimen-to. uma explicação para a aversão à perda está relacionada a uma suposta estratégia para fazer frente a esse risco e à diminuição de utilidade que o arrependimento traz consigo.12 As pessoas exigiriam mais para se desfazer do que possuem a fim de obter uma compen-sação antecipada pelo eventual decréscimo de utilidade ocasionado pelo arrependimento.13

o temor do arrependimento só pode explicar a aversão à perda, e, por conseguinte, o efeito da dotação, se for mais forte nas ocasiões de perda. do contrário, seus efeitos sobre VdA seriam anulados pelo temor contrário, do arrependimento por não vender. Além disso, é preciso que o dissabor oriundo do arrependimento seja, geralmente, superior ao ganho em bem-estar conseguido ao se constatar que uma transação foi proveitosa, já que a perspectiva de um aumento de utili-dade devido ao sucesso da transação, se equivalente ao mal-estar cau-sado pelo arrependimento, faria também desaparecer os efeitos desse último sobre VdA.14

2.2 VDP ou VDA? Soluções para a dificuldade suscitada pelo efeito da dotação

Examinam-se, a seguir, algumas tentativas de superar a difi-culdade criada pela eventual disparidade entre Vdp e VdA. Quan-do o máximo que alguém está disposto a pagar pela aquisição de um direito não é igual ao mínimo que exigiria para abrir mão dele, por qual das duas medidas deve se guiar a análise econômica do direito?

12 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.254; hoFFMAn e SpITZER, op. cit., p. 94-95. A sugestão de que o temor do arrependimento é causa da disparidade entre Vdp e VdA se coaduna com experimentos que revelam um aumento dessa disparidade em situações de incerteza. V. KoRoBKIn, op. cit., p. 1.237-1.238.

13 Assim, a aversão à perda não teria como causa uma diferença entre o aumento e a reduçãoAssim, a aversão à perda não teria como causa uma diferença entre o aumento e a redução de utilidade que a aquisição e perda de um bem, respectivamente, de imediato provocam, mas sim a expectativa de um mal-estar futuro.

14 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.254-1.255.

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a) A solução de hovenkamp: VdA

para hovenkamp,15 quando Vdp e VdA diferem, esse último é que deve ser considerado. Ele usa o exemplo de Alice, a mãe de uma criança doente que não admite pagar $ 1.000 mensais pelo tratamento médico de seu filho, mas que, se tivesse direito a esse tratamento, não disporia dele sequer por $ 2.000. hovenkamp propõe que o valor do direito ao tratamento para Alice seja o do mínimo que ela exigiria para renunciar a tal direito, isto é, VdA.

A razão apresentada por hovenkamp para que, em casos como o de Alice, o valor a considerar seja o do mínimo que alguém exigiria para abrir mão de um direito (isto é, VdA), e não o do máximo que pagaria pelo mesmo direito (Vdp), é a de que só desta maneira se al-cançará o maior bem-estar social16 possível. nas ocasiões em que, de-vido ao efeito da dotação, a busca pela eficiência conduza, de acordo com o modo como a riqueza se meça (por Vdp ou VdA), a soluções contraditórias, dever-se-ia preferir a solução que proporcione maior bem-estar ou utilidade.17

A solução proposta por hovenkamp para o problema do efeito da dotação parece admitir que a riqueza seja causa (ou, ao menos, uma das causas) da disparidade entre Vdp e VdA.18 Voltando ao exemplo do saxofonista e de seu vizinho, se a razão para que Vdp(A) ($ 30) seja substancialmente inferior a VdA(A) ($ 55) forem os poucos re-cursos de A, então é possível que, ao serem medidos os custos em questão por VdA, e não Vdp, chegue-se a solução que trará maior bem-estar (supondo-se que VdA[B] = $ 50, essa solução seria a de proibir os ensaios).

15 “Marginal utility and the coase theorem”, p. 804.16 compreenda-se por bem-estar social o bem-estar individual agregado, atribuindo-se aotribuindo-se ao

bem-estar de cada um dos indivíduos considerados o mesmo peso.17 hoVEnKAMp. “Marginal utility and the coase theorem”, p. 809-810: “(...) entitlements

should be assigned to the person in whom they create the greatest utility, for that is the way they would be assigned in a market in which units of utility could be measured and exchanged. (...) The notion of declining marginal utility suggests that the state should feel relatively free to give entitlements to the poor so long as it can be relatively sure that the poor ‘value’ the entitlements by their cost, with value measured by willingness to accept money for foregoing the entitlement, rather than willingness to pay for the entitlement in the first place.”

18 KoRoBKIn. “policymaking and the offer/asking price gap”, p. 680.

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Além de sugerir que a riqueza seja causa da disparidade entre Vdp e VdA, a solução defendida por hovenkamp um caso como o descrito depende de que B não seja mais pobre do que A, isto é, de que aquele cujo VdA é menor não seja o mais pobre. Se isso acontecer, nada assegura que o emprego de VdA terá como resultado a máxima utilidade. A riqueza não influi apenas sobre o que alguém está dispos-to a pagar por algo (Vdp), mas também sobre o que é capaz de exi-gir para renunciar ao que é seu (VdA). Admitindo-se uma utilidade marginal decrescente19 para o dinheiro, o VdA de um indivíduo mais pobre pode ser inferior ao de um outro com mais recursos, não porque o direito em questão tenha menos importância para o primeiro, mas, sim, porque, para ele, qualquer quantia em dinheiro porventura ofe-recida terá maior utilidade.20 Assim, se B for mais pobre do que A, a diferença entre o VdA de ambos (VdA[A] = $ 55 > VdA[B] = $ 50)21 não permite concluir que o silêncio tenha mais valor (no sentido de utilidade) para A do que a música para B. Em conseqüência, a escolha

19 A utilidade marginal de um bem é decrescente quando cada unidade adquirida desse bemA utilidade marginal de um bem é decrescente quando cada unidade adquirida desse bem tem utilidade menor do que a anterior. Para o dinheiro, por exemplo, isso significa que, quanto mais unidades monetárias forem adicionadas ao patrimônio de alguém, menor será o valor-utilidade de cada uma delas.

20 Se VDP e VDA são ambos influenciados pela riqueza, a sugestão de Hovenkamp pres-Se VDP e VDA são ambos influenciados pela riqueza, a sugestão de Hovenkamp pres-supõe também que o efeito da dotação provocado pela riqueza seja maior em indivíduos mais pobres, já que, sendo a disparidade entre Vdp e VdA advinda da riqueza a mesma para todas as pessoas, a escolha de VdA em lugar de Vdp seria inócua. É provável, no entanto, que o efeito da dotação aumente entre os mais pobres, uma vez que o incremento patrimonial decorrente da atribuição de um direito é proporcionalmente maior para os que dispõem de menos recursos. Se o patrimônio de A é de $ 100, e o de B de $ 10.000, o acréscimo de um direito com valor estimado em $ 30 traz maior elevação proporcional de riqueza ao primeiro do que ao segundo e, em conseqüência, acarreta maior variação no valor em utilidade de cada $ 1 pertencente a A, supondo-se que o descréscimo da utilidade marginal do dinheiro seja aproximadamente linear para A e B. como o efeito da dotação decorrente da riqueza se deve a uma diferença na utilidade do dinheiro, é de se esperar que a disparidade entre Vdp e VdA seja maior para A neste caso. logo, um cálculo que se valha da comparação entre o mínimo que A e B exigiriam para renunciar ao referido direito se mostra preferível, por ser menos influenciado pela diferença de riqueza entre as partes.

Contrariando o aqui afirmado, v. KoRoBKIn, op. cit., p. 681: “(...) generally, there is no reason to think poverty depresses an individual’s WTA for an entitlement any less than it depresses her WTp. (...) The WTA measure is no better or worse than the WTp measure at avoiding the theoretical problem of substituting dollar values for utility.”

21 nesta hipótese, o máximo quenesta hipótese, o máximo que B pagaria pelo direito a tocar saxofone seria provavel-mente inferior aos $ 50 antes indicados.

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de VdA como base de cálculo não levará, necessariamente, a uma solução com máximo bem-estar.22

A escolha de VdA também pode não se prestar à obtenção do máximo bem-estar quando a causa da divergência entre Vdp e VdA não é a riqueza.23 Se A for bastante rico, por exemplo, pode-se supor que a diferença entre o máximo que está inclinado a pagar pelo silên-cio de B e o mínimo que exigiria para permitir que os ensaios ocor-ram não se relacione com a riqueza. como A dispõe de uma grande quantidade de recursos, o aumento da riqueza oriundo do acréscimo do direito ao silêncio ao seu patrimônio é ínfimo, revelando-se, deste modo, incapaz de explicar o efeito da dotação.

Imagine-se agora que A more com uma avó doente e que resida aí o único motivo pelo qual pagaria a B pelo fim dos ensaios, já que a música não o incomoda (ele trabalha fora), mas enerva a avó. A razão para que A esteja disposto a pagar apenas $ 30 pelo silêncio de B, mas não aceite abrir mão dele por menos de $ 55, pode, então, dever-se à perda de utilidade que A sofreria por praticar algo que julga condená-vel, isto é, “vender” o sossego da sua avó doente. dos $ 55 exigidos, $ 25 serviriam, então, para compensar a perda de utilidade que adviria para A da realização de um ato que considera reprovável. Admitindo-se que não haja essa mesma perda na hipótese em que B tenha direito a tocar saxofone e A não lhe pague o suficiente para renunciar a esse direito (isto é, que A não se atormente por não pagar pelo silêncio como se atormentaria ao aceitar dinheiro para permitir que os ensaios ocorram), explicar-se-ia por que Vdp(A) < VdA(A).24

nas ocasiões em que o efeito da dotação não se deva à riqueza, mas a uma outra causa (como a diminuição de utilidade que a posição de “vendedor” acarreta), a idéia de distribuir recursos de acordo com VdA para, deste modo, alcançar maior utilidade pode perder seu atra-tivo. no caso do parágrafo anterior, a relação entre o mínimo (VdA)

22 A máxima utilidade tampouco seria assegurada por um cálculo de custos apoiado emA máxima utilidade tampouco seria assegurada por um cálculo de custos apoiado em Vdp. Assim, poder-se-ia dizer que VdA é ainda preferível a Vdp porque em um maior número de hipóteses (todas aquelas em que o indivíduo com maior VdA não é o mais rico) induz a uma distribuição ótima dos recursos envolvidos.

23 KoRoBKIn. Op. cit., p. 1.258.24 note-se como o teorema de coase voltaria a valer para esse caso se a perda de utilidade

ao “vender” fosse considerada parte dos custos de transação.arte dos custos de transação.

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que A e B exigiriam para abrir mão dos direitos em conflito não indica de modo mais confiável do que VDP qual dos dois terá maior ganho em utilidade ao lograr o que deseja. VdA(A) é artificialmente elevado, pode-se dizer, pela perda de utilidade que A enfrentaria ao renunciar ao direito ao silêncio, uma perda de utilidade que não precisa, contudo, ser considerada quando se cogitar em conferir legalmente a B o direito a ensaiar. Se a lei reconhecer a B esse direito, A não terá a redução de utilidade que a posição de “vendedor” lhe traria. Embora também não assegure máximo bem-estar, pois é influenciado pela riqueza das partes, um cálculo baseado em Vdp tem, neste caso, a vantagem de ser imune ao efeito que uma eventual “venda” surtiria sobre a utilidade de A.

b) Korobkin e a solução conforme à causa

Russell Korobkin tem insistido em que a solução para o problema da divergência entre Vdp e VdA deve variar de acordo com a causa dessa divergência.25 A exemplo de hovenkamp, Korobkin pensa que a medida a ser empregada tem de ser a mais apta a indicar o “real valor” dos direitos ou recursos envolvidos, isto é, seu valor-utilidade. o que se procura obter, desta maneira, é uma distribuição de recursos que, além de eficiente (isto é, com máxima riqueza), proporcione, tanto quanto possível, máximo bem-estar social. Segundo Korobkin, entretanto, a fim de que esse objetivo seja atingido, a solução para o problema do efeito da dotação não pode ser a mesma em todos os casos.

Sendo a causa do efeito da dotação a riqueza, Korobkin, assim como hovenkamp, considera VdA preferível a Vdp.26 Quando, po-rém, a disparidade entre Vdp e VdA se deva a uma perda de utilida-de decorrente da “venda” ou ao temor do arrependimento, Korobkin defende o uso de Vdp.27 A razão para tanto já foi apresentada no item anterior, ao se examinar a solução proposta por hovenkamp perante a redução de utilidade que certos contratos acarretam para o “ven-dedor”. O mesmo lá afirmado vale para a outra causa do efeito da dotação recém-citada, o temor do arrependimento. Tanto esse temor,

25 KoRoBKIn, op. cit., p. 683; KoRoBKIn, op. cit., p. 1.229. 26 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.257.27 KoRoBKIn, op. cit., p. 694-697; KoRoBKIn, op. cit., p. 1.258.

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e a elevação de preço que ele desencadeia como modo de assegurar, antecipadamente, compensação pelo arrependimento, quanto o desa-grado provocado pela “venda” só se relacionam com o decréscimo de utilidade decorrente de um contrato por força da posição em que se encontra um dos envolvidos, nada tendo a ver, portanto, com os recursos a serem transferidos de parte a parte. para que o valor-utilidade desses recursos seja medido, é preciso escapar à influência dessas duas causas da divergência entre Vdp e VdA, o que se faz mediante o emprego de Vdp.

Pode haver, por fim, casos em que a divergência entre VDP e VdA seja explicada pelo diferente efeito da aquisição e perda de um bem, em si mesmas, sobre a utilidade. como se viu atrás, o efeito da dotação talvez decorra de uma inata propensão a conferir maior im-portância a perdas do que a ganhos. Sendo essa a razão para que VdA seja superior a Vdp, a solução legal acerca do direito em questão dependerá de como ele é encarado pelos envolvidos.28 Se um direito é reconhecido como tal por aquele a quem se cogita conferi-lo, como ocorrerá, por exemplo, se o saxofonista tratar como parte do direito que tem sobre o imóvel em que habita o direito de tocar durante as tardes, a decisão contrária a esse direito (no exemplo, a que proíba os ensaios) terá, ao que tudo indica, o efeito de uma perda. nesta hipótese, a utilidade será mais adequadamente estimada por VdA. Quando, ao contrário, alguém se considera desprovido de um direito (imagine-se, ago-ra, que o próprio saxofonista julgue ilícito ensaiar no local e horário mencionados), uma decisão que o recuse provavelmente não parecerá impor perda alguma. o custo em utilidade de uma decisão como essa deverá, então, ser medido por Vdp.29

28 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.264.29 As afirmações do texto deverão ser ligeiramente modificadas caso se conclua que a idéia

da “propriedade” de um bem, que leva alguém a considerar como uma perda o efeito daeva alguém a considerar como uma perda o efeito da decisão pela qual esse mesmo bem lhe é negado, não está relacionada à crença acerca da titularidade de um direito, mas, simplesmente, ao uso. Assim, se alguém se vale habitual-mente de um recurso ao qual sabe não ter direito (por exemplo, o invasor de má-fé) de maneira tal que uma alteração no status quo, embora reconhecidamente devida, seja vista como uma perda, o custo em utilidade dessa alteração se medirá mais adequadamente por VdA. Isso não impede que o titular do mesmo direito trate o recurso correspondente como seu e, por conseguinte, que o custo para ele de uma decisão favorável ao mero pos-suidor também tenha de ser apurado por meio de VdA.

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A atenção à causa do efeito da dotação pode, por fim, levar a uma solução mista, pela qual se atribua a um bem um valor interme-diário, superior a Vdp e inferior a VdA. É o que poderá ocorrer nos casos em que se constate mais de uma causa para a divergência entre Vdp e VdA. Admitindo-se que A revele a disposição de pagar pelo silêncio no máximo $ 30 e não aceite renunciar ao direito respectivo por menos de $ 55, é possível que parte dessa diferença seja impu-tável à riqueza e parte à perda de utilidade que A experimentaria ao se desfazer de um direito que assegura o descanso da avó. com base nas considerações feitas nos últimos parágrafos, chegar-se-ia, nesta hipótese, à conclusão de que o valor do direito ao silêncio para A deve ser maior do que $ 30, mas não igual ou superior a $ 55. A fim de atenuar a influência da riqueza sobre o cálculo, tem-se, como visto, de preferir VdA a Vdp. da quantia que A demandaria para permitir os ensaios, entretanto, uma parcela corresponde à redução de utilidade determinada pela “venda” de um direito. portanto, para que o cálculo de custo-benefício se apóie apenas no valor-utilidade do direito ao silêncio para A, é conveniente que se confira a esse direito um valor um pouco inferior a $ 55.

A estratégia sugerida por Korobkin para enfrentar o problema suscitado pelo efeito da dotação é superior à de hovenkamp. Acei-tando-se, tal como fazem ambos, que o critério a aplicar seja o da máxima utilidade agregada, a solução de Korobkin tem a vantagem de atentar para as diferentes causas do efeito da dotação e para a relação de cada uma delas com a utilidade. convém observar, entretanto, que tal solução, mesmo se seguida à risca, não conduz, necessariamente, ao mais elevado bem-estar social possível. como, em maior ou menor medida, VDP e VDA são sempre influenciados pela riqueza, corre-se sempre o risco de conferir direitos a pessoas às quais esses direitos não proporcionem máximo bem-estar.

Além disso, como reconhece o próprio Korobkin,30 há também a dificuldade de estabelecer o que provoca, em cada caso, o efeito da dotação. os estudos realizados até agora indicam que Vdp e VdA nem sempre são distintos. Quanto às ocasiões em que uma divergên-cia é constatada, os mesmos estudos não permitem tirar conclusões

30 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.259.

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seguras sobre suas causas. Diante de tal dificuldade, Korobkin chega mesmo a sugerir que o problema do efeito da dotação seja por vezes resolvido segundo algum outro critério que não o do máximo bem-estar.31 dessa sugestão se ocupará o próximo item.

c) soluções baseadas em critérios não-utilitaristas

como visto, a divergência entre os dois autores citados, ho-venkamp e Korobkin, acerca do modo de lidar com o efeito da dota-ção não se refere ao critério a empregar a fim de eleger VDP ou VDA, o qual, para ambos, deve ser o do máximo bem-estar social, mas, tão-somente, às conseqüências do uso desse critério. neste item, dois outros critérios, diferentes do da máxima utilidade, serão avaliados. o primeiro, aqui designado como critério de preferências, determina que a escolha entre Vdp e VdA procure favorecer certas preferências em lugar de outras.32 o segundo critério, da igualdade, requer que essa escolha ocorra de maneira a promover um ideal de igualdade.

Pode-se exemplificar o uso do critério de preferências com o mesmo caso já examinado. conforme indicado inicialmente, a análise econômica dá ao problema dos dois vizinhos respostas contraditórias. Se a comparação entre o valor dos ensaios para B e do silêncio para A se realizar com base em VDP, a solução suficiente será a favorável ao primeiro. o efeito da dotação, no entanto, faz com que VdA(A) > VdB(B). logo, se a análise levar em conta VdA, chegar-se-á à con-clusão oposta, de que os ensaios devem ser proibidos. Em casos como esse, o critério de preferências ordena que a escolha entre Vdp e VdA se dê de acordo com as preferências em jogo. Se, por alguma razão, a preferência de B pela música se considerar superior à de A pelo silêncio (por exemplo, pela importância reconhecida à música na educação), deve-se adotar a medida (neste caso, VDP) mais benéfica à primeira.

Trata-se de um critério estranho à análise econômica do direi-to, que busca a satisfação das preferências independentemente de seu conteúdo.33 para a análise econômica, não importa, por exemplo, se

31 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.259.32 V. SunSTEIn. “Switching the default rule”, p. 132.33 o que não quer dizer que a análise econômica ajude a realizar na mesma medida asa medida as

preferências de todas as pessoas.

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B é saxofonista ou carpinteiro, nem se A preza o silêncio para dormir ou estudar álgebra, mas, sim, o quanto cada um deles está inclinado a pagar pelo (ou exigiria para renunciar ao) que deseja.

Embora estranho, o critério de preferências não é incompatível com a análise econômica. É possível, em certas áreas, submeter essa análise a restrições relacionadas com o julgamento das preferências envolvidas.34 o problema é que, se essas restrições se fazem conve-nientes, é difícil entender por que subordiná-las à riqueza.

Admita-se, por exemplo, que o direito de vizinhança seja uma área na qual o Estado deve intervir a fim de estimular determinadas preferências, e que, entre essas, esteja a preferência pela música. con-cluir-se-ia, desta maneira, que o conflito entre os vizinhos tem de ser resolvido em favor de B. Aplicando-se, entretanto, o critério de prefe-rências para resolver o problema do efeito da dotação, a realização de uma preferência tida como desejável passa a depender do cálculo de custo-benefício. pode-se pensar que, se a preferência de B é superior à de A, aquela deveria ser satisfeita independentemente do quanto A e B se disponham a pagar pelo (ou a aceitar para abrir mão do) que desejam. Quando, porém, invoca-se o critério de preferências a fim de superar a dificuldade levantada pelo efeito da dotação, dá-se a en-tender que, não fosse essa dificuldade, o juízo acerca das preferências de A e B não possuiria importância alguma, e a solução, na hipótese de A revelar VdA e Vdp maiores do que os de B, seria a de proibir os ensaios.

Para se justificar, portanto, o critério de preferências necessita um argumento, nada fácil de formular, segundo o qual, embora uma preferência seja valiosa, somente se deve realizá-la quando assim se obtiver também um aumento da riqueza ou se, devido ao efeito da dotação, houver dúvida quanto à solução eficiente.

observações similares valem para o critério da igualdade. A su-gestão de que razões igualitárias influam sobre o cálculo de custos, recomendando o uso de Vdp ou VdA, só é de se aceitar se, ao menos

34 As conclusões obtidas com a análise econômica podem ser rejeitadas quando influencia-As conclusões obtidas com a análise econômica podem ser rejeitadas quando influencia-das por preferências indesejáveis, tais como as preferências externas (preferências acerca de outras pessoas) referidas por dworkin (Taking rights seriously, p. 234) em sua crítica ao utilitarismo.

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em certos casos, conferir-se à igualdade um valor limitado (o que é diferente de não lhe reconhecer valor algum, mas também não é o mesmo que atribuir à igualdade valor superior ao da eficiência). Do contrário, ou o problema do efeito da dotação deve ser resolvido de modo a conseguir máxima utilidade, ou (quando o importante for a igualdade, e não a riqueza ou o bem-estar agregados) a diferença entre Vdp e VdA será destituída de interesse.35

3 o eFeito dA dotAção e A ResponsABiLidAde CiviL

A fim de satisfazer ao objetivo da eficiência, as normas acer-ca da responsabilidade civil devem proporcionar máxima redução de custos. custos a combater são, principalmente, os de eventos danosos (que calabresi designa como custos primários) e os que se suportam para prevenir tais eventos (custos de prevenção).36

Um exemplo simples de aplicação do critério da eficiência à responsabilidade civil é o da fórmula de hand,37 elaborada para aferi-ção da culpa. Segundo essa fórmula, um agente deve ser considerado culpado e, em conseqüência, legalmente responsável pelo dano cau-sado a outrem se o custo da prevenção (isto é, o custo que o agente

35 Considerações igualitárias podem influir sobre a legislação quando os custos de transaçãoConsiderações igualitárias podem influir sobre a legislação quando os custos de transação não sejam altos o suficiente para impedir a realização de um contrato. Em casos como es-ses, embora um resultado eficiente seja alcançado independentemente do estabelecido em lei, a escolha da norma pode ter efeitos distributivos. nos E.u.A., por exemplo, a reforma da legislação trabalhista, com a substituição das tradicionais regras de livre dissolução do vínculo empregatício por outras que exijam justa causa para a despedida, ainda que admi-tida disposição negocial em contrário, é defendida em razão da melhora que propiciaria na situação dos trabalhadores (v. WARd. “The endowment effect and the empirical case for changing the default employment contract from termination ‘at-will’ to ‘for-cause’ dis-charge”, p. 214). o uso do critério da igualdade para a distribuição legal de direitos nas áreas em que os custos de transação são comparativamente baixos não tem particular rela-ção com o efeito da dotação e com as estratégias para resolver o problema dele advindo.

36 Para uma classificação de custos mais abrangente, que inclui, além dos mencionados no texto,Para uma classificação de custos mais abrangente, que inclui, além dos mencionados no texto, custos judiciais e administrativos, v. cAlABRESI. The costs of accidentes, p. 26-28.

37 A fórmula foi proposta pelo juiz learned hand emA fórmula foi proposta pelo juiz learned hand em United States v. Carroll Towing Co., 159 F.2d 169, 173 (2d cir. 1947). V., a respeito, poSnER. Economic analysis of law, p. 167-168.

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poderia ter suportado a fim de evitar o dano) for inferior ao do evento danoso multiplicado pela chance que esse evento possuía de ocorrer. Assim, por exemplo, se o custo para o condutor X de diminuir a ve-locidade de seu automóvel de 80 para 60km/h em determinada via é de $ 50, e a alteração da velocidade reduzir em 1% (de 3% para 2%) a probabilidade de um acidente com custo estimado de $ 10.000, X será tido como culpado pelo acidente que causar à velocidade de 80km/h, já que o custo da prevenção ($ 50) é menor do que o do acidente que a redução da velocidade poderia ter evitado ($ 10.000 x 0,01 = $ 100)38.

Instituindo-se a responsabilidade do condutor pelos danos causados por seu automóvel nas condições descritas no parágrafo anterior, dá-se a X um incentivo (aceitas certas suposições,39 sufi-ciente) para agir de modo eficiente, diminuindo a velocidade do carro de 80 para 60km/h, já que o custo correspondente à redução da velocidade é inferior ao da indenização que, do contrário, terá de pagar.40

o emprego da fórmula de hand permite constatar a importância do efeito da dotação para a análise econômica da responsabilidade civil. A disparidade entre VDP e VDA dificulta o cálculo de custos, tanto no que se refere à prevenção (isto é, aos custos de prevenção), quanto em relação aos danos oriundos de acidentes. o valor para X trafegar a 80km/h pode variar conforme se atribua ou não a ele o direito respectivo (ele pode estar disposto a pagar $ 50 para andar à velocidade desejada, mas exigir mais para abrir mão do direito res-pectivo), o mesmo se podendo afirmar quanto às perdas ocasionadas por um acidente. considere-se que um acidente sofrido por X tenha provocado estragos no carro e uma cicatriz no rosto da vítima, Y. o valor do dano dependerá, provavelmente, do cálculo realizado, sendo, ao que tudo indica, menor caso se considere o máximo que Y pagaria para conservar sua face e automóvel intactos (isto é, Vdp), ao invés

38 como o exemplo deixa claro, o que importa, para a fórmula de hand, é o custo da pre-como o exemplo deixa claro, o que importa, para a fórmula de hand, é o custo da pre-venção marginal e a redução das chances de acidente que ela acarreta.

39 V. cV. cooTER e ulEn. Law and Economics, p. 350-361.40 para as razões pelas quais a responsabilidade baseada na culpa deve ser preterida, oca-para as razões pelas quais a responsabilidade baseada na culpa deve ser preterida, oca-

sionalmente, pela responsabilidade objetiva, v. ShAVEll. “Strict liability versus negli-gence”, p. 2-3; poSnER. Economic analysis of law, p. 178.

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do mínimo que exigiria para se submeter a um acidente com as con-seqüências descritas.

Os experimentos realizados com o propósito de verificar o efeito da dotação sugerem, como já observado, que esse efeito nem sempre tem lugar e, nos casos em que é constatável, não exibe sempre a mes-ma intensidade. A partir do que sugerem esses experimentos, pode-se supor quais as dificuldades mais sérias criadas pela divergência entre Vdp e VdA para a análise econômica da responsabilidade civil.

Imagina-se, em primeiro lugar, que o efeito da dotação seja maior entre consumidores41 do que entre empresários, pois há evidências de que a disparidade entre Vdp e VdA cresça em relação a bens mais di-ficilmente substituíveis, o que é em geral o caso de bens destinados ao uso quando comparados a bens de troca.42 Quando o possível respon-sável é um empresário, acredita-se, portanto, que o cálculo dos custos de eventos danosos dependa do efeito da dotação em maior medida do que o dos custos de prevenção. O mesmo não se pode afirmar, todavia, quanto às ocasiões em que todos os envolvidos se comportam como consumidores, tal como aconteceria se X, no exemplo oferecido linhas atrás, estivesse usando seu automóvel a passeio.

no que respeita o cálculo dos custos de eventos danosos (isto é, a liquidação do dano), a solução para o problema do efeito da dotação pode ter especial importância quando se tratar do que se designam como “bens da personalidade”, isto é, quando do acidente resultam morte, perda ou lesão de partes do corpo, danos à saúde, abalo psíqui-co ou prejuízo à reputação.43 A análise econômica sugere que o valor

41 Consumidor tem, aqui, o significado empregado na economia. Os agentes econômicos sãoConsumidor tem, aqui, o significado empregado na economia. Os agentes econômicos são empresários, proprietários de recursos e consumidores. os primeiros se ocupam com a produção de bens e serviços destinados ao público em geral, enquanto que os proprietários de recursos são os fornecedores de bens usados para a produção (insumos). nos demais casos, os agentes são classificados como consumidores. V. FERGuSon. Microeconomia, p. 17.

42 KoRoBKIn, op. cit., p. 1.239; ARlEn, SpITZER E TAllEY, “Endowment effect within corporate agency relationships”, p. 9-10. o efeito da dotação de uma caneca, por exemplo, pode ser maior em um consumidor do que em um empresário que a utiliza para servir fregueses em um café. convém frisar, no entanto, que nem todos os bens destina-dos a uso são de difícil substituição.

para Korobkin (id., p. 1.241), os estudos realizados até agora não permitem, porém, con-cluir que empresários estejam a salvo do efeito da dotação.

43 A lesão a bens da personalidade pode ter conseqüências para as quais a diferença entreA lesão a bens da personalidade pode ter conseqüências para as quais a diferença entre Vdp e VdA não seja de grande importância, como, por exemplo, a da redução de renda

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da ofensa a bens não habitualmente comercializados, como a vida, o corpo ou a honra, se calcule à base das preferências manifestadas pelas vítimas perante o risco. Se, por exemplo, para reduzir em 1% a chance de um acidente fatal, toma-se certa precaução, o custo dessa precaução (digamos, $ 50) dividido pela redução percentual na proba-bilidade de um acidente que ela propicia (1%) dá-nos uma informação acerca do valor da vida (que, neste caso, é de, ao menos, $ 50/0,01, ou seja, $ 5.000).44

Esse modo de aferir perdas possui vários inconvenientes,45 dei-xados de lado aqui para tratar exclusivamente do que concerne ao efeito da dotação. há várias razões pelas quais VdA e Vdp relativos ao risco de lesão a bens da personalidade podem se mostrar bastante distintos. Em primeiro lugar, como já observado, experimentos feitos até agora acerca do efeito da dotação indicam que esse efeito é maior para bens de difícil substituição, como é o caso dos bens da persona-lidade. Segundo, a importância comumente atribuída a esses bens faz com que eles correspondam a uma parte considerável da riqueza de cada um. por isso, é de se esperar uma maior disparidade entre Vdp e VdA como conseqüência da diferença de riqueza, o que é ilustra-do pelo caso de Alice comentado anteriormente. para Alice, a saúde do filho é, sem dúvida, de imenso valor. O direito ao tratamento, ao lhe ser reconhecido, causa um significativo aumento de riqueza, o que pode explicar (em boa parte, ao menos) a diferença entre Vdp e

decorrente de homicídio ou ofensa à honra. As observações do texto se referem, sobre-tudo, ao “dano moral” provocado pela violação de um direito da personalidade.

44 do contrário, se a mesma precaução é evitada, pode-se inferir que o valor da vida édo contrário, se a mesma precaução é evitada, pode-se inferir que o valor da vida é menor do que o da razão do custo da prevenção pela redução percentual da probabilidade de lesão que com a prevenção se lograria. V. poSnER, Economic analysis of law, p. 197-199; cooTER e ulEn, Law and Economics, p. 369-370.

45 Entre eles, são de citar ao menos os seguintes: o custo para angariar informações precisasEntre eles, são de citar ao menos os seguintes: o custo para angariar informações precisas sobre o comportamento perante o risco faz com que seja preciso se contentar com infor-mações a respeito do comportamento médio, que não necessariamente condizem, por-tanto, com as preferências de cada uma das vítimas; a quantia que alguém está disposto a pagar para se ver livre do risco de um dano (ou que exigiria para se submeter a esse risco) pode variar desproporcionalmente de acordo com as chances de o dano ocorrer (v. poSnER, Economic analysis of law, p. 198-199); finalmente, as informações sobre a probabilidade de um dano, sobretudo quando ínfima, são também difíceis de obter para as possíveis vítimas, de maneira que uma suposição de racionalidade se revela, para estes casos, bastante frágil.

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VdA imaginada por hovenkamp.46 Por fim, para a maioria dos bens da personalidade é possível supor ainda que uma perda de utilidade associada à “venda” contribua para a elevação de VdA e, por conse-guinte, para um aumento do efeito da dotação. Bens como vida, honra e saúde não são tidos como incomercializáveis apenas juridicamente. Pode-se conjeturar, pois, que alguém exija mais a fim de submeter a si próprio (ou a outrem)47 ao risco de perda ou à privação de um bem da personalidade para, deste modo, compensar-se pelo decréscimo de utilidade que a prática de um ato reprovável acarreta.48

para o cálculo da indenização devida por lesão a bem da per-sonalidade, a solução conforme a causa, tal como propõe Korobkin, poderia ser a de considerar VdA, e não Vdp, como base para a apura-ção das perdas, com um desconto correspondente à parcela do efeito da dotação atribuível à diminuição de utilidade ao “vender”, contanto, evidentemente, que se admita o máximo bem-estar social como obje-tivo a alcançar mediante a responsabilidade civil.

4 ConCLusÕes

Apresentam-se, a seguir, as conclusões mais importantes deste trabalho:

1) A diferença entre o máximo que alguém está disposto a pa-gar por algo (valor da disposição a pagar, Vdp) e o mínimo que exigiria para se desfazer do mesmo bem (valor da disposição a acei-tar, VdA), designada como efeito da dotação (“endowment effect”), contraria uma das implicações da suposição de coase, a de que, se os custos de transação forem iguais a zero e as partes puderem re-

46 Tal como visto antes (nota 20), o efeito da dotação também será provavelmente maior,Tal como visto antes (nota 20), o efeito da dotação também será provavelmente maior, neste caso, se Alice for pobre.

47 por vezes, a renúncia ao bem da personalidade pode ser considerada imoral somentepor vezes, a renúncia ao bem da personalidade pode ser considerada imoral somente quando tem efeito sobre outra pessoa. Lembre-se, para exemplificar, da hipótese, cogi-tada anteriormente, em que o saxofone de B incomoda a avó doente de A.

48 observações similares às encontradas no texto a respeito dos direitos da personalidadeobservações similares às encontradas no texto a respeito dos direitos da personalidade valem para o meio ambiente. parte dos estudos que indicaram, pioneiramente, diferenças consideráveis entre Vdp e VdA se referia a perdas ambientais e à sua avaliação pelo público. V. KoRoBKIn. “The endowment effect and legal analysis”, p. 1.232.

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nunciar aos direitos que lhes forem legalmente conferidos, chegar-se-á sempre ao mesmo resultado, independentemente do que a lei determine;

2) a solução proposta por hovenkamp para o problema do efeito da dotação, de empregar VdA para o cálculo de custo-bene-fício, é adequada aos casos em que o efeito da dotação seja primor-dialmente um efeito da riqueza, admitindo-se como objetivo o de alcançar o máximo bem-estar social. o uso de VdA não assegura, todavia, a realização desse objetivo quando a parte com maior VdA for a mais rica;

3) a solução defendida por Korobkin para o problema da diver-gência entre Vdp e VdA é superior à de hovenkamp, porque atenta para as diferentes causas dessa divergência. Acatando-se, como fazem esses dois autores, que a eleição de VdA ou Vdp (ou, ainda, de um valor intermediário) deva ocorrer de maneira a que a análise econô-mica indique, tanto quanto possível, o resultado com maior bem-estar, VdA se mostrará preferível quando o efeito da dotação for um efeito da riqueza ou refletir uma diferença entre a redução de utilidade ad-vinda da perda de um bem e o aumento de utilidade proporcionado pela sua aquisição, enquanto, nas hipóteses em que o mesmo efeito decorre de um decréscimo de utilidade associado à “venda” de um direito ou do temor do arrependimento, deve-se utilizar Vdp;

4) o uso de critérios não-utilitaristas para resolver o problema da divergência entre Vdp e VdA depende de que se reconheça a esses mesmos critérios uma importância limitada em certas áreas, já que seu emprego teria lugar, então, apenas quando o critério da eficiência conduzisse ao mesmo resultado ou, por força do efeito da dotação, levasse a soluções contraditórias;

5) o efeito da dotação é relevante para a análise econômica da responsabilidade civil, já que pode levantar dificuldades para o cálcu-lo, tanto das perdas decorrentes de acidentes, como dos custos para a sua prevenção;

6) quando agente e vítima são, respectivamente, empresário e consumidor, supõe-se que a disparidade entre Vdp e VdA crie maio-res embaraços para a liquidação do dano do que para a aferição dos custos de prevenção;

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7) o problema suscitado pelo efeito da dotação é particularmente importante para o cálculo das perdas ocasionadas por eventos lesivos a direitos da personalidade. Em razão das diversas causas da dispari-dade entre Vdp e VdA no que concerne a bens como vida, saúde e honra, a melhor solução, freqüentemente, será apurar custos segundo uma medida intermediária, superior a Vdp e inferior a VdA.

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