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:: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências Humanas. Nº 4, Ano II, Abril de 2006, periodicidade semestral – Edição Especial: Dossiê Marx – ISSN 1981-061X. A USINA ONTO-SOCIETÁRIA DO PENSAMENTO [1] Ester Vaisman* Peça fundamental da obra marxiana, o complexo da determinação onto- prática e societária do pensamento não recebeu e nem tem recebido o devido tratamento por parte de grande número de intérpretes, a ponto de ser tomado, na grande número dos casos, em sentido predominantemente negativo, à la Durkheim. Vale dizer, o social concebido como exterioridade que constrange as operações da consciência. Sendo assim, esse efeito externo teria o poder de deformar, obstaculizar, ou mesmo impedir a produção do conhecimento. Não é à toa, portanto, que Marx tenha sido reduzido, nas mãos de um certo tipo de hermenêutica da desconstrução, a um dos mestres das "teorias da suspeita". Embora não se trate aqui de reconstruir as vicissitudes que acompanharam o pensamento de Marx em nosso século, é de vital importância apontar para a exacerbada perversidade do destino teórico de seu pensamento que teve como resultado principal a "descaracterização e perda da revolução teórica realizada por Marx". (CHASIN, 1989:29) E, sem dúvida nenhuma, tal descaracterização atinge nódulos centrais da obra marxiana, dentre os quais o tema das complexas relações entre pensamento e sociabilidade. Como veremos a seguir, o decurso analítico marxiano é bem distinto daquele que freqüentemente lhe é atribuído. Para tanto basta considerar o conjunto de seus escritos de modo atento e rigoroso, e será fácil constatar que sua característica principal é o reconhecimento da consciência como atributo insuperável do ser dos homens e, enquanto tal, possui caráter necessariamente social. Ou seja, Marx afirma a produção da consciência como momento da prática, 1

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Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 4 Ano II Abril de 2006 periodicidade semestral ndash Ediccedilatildeo Especial Dossiecirc Marx ndash ISSN 1981-061X

A USINA ONTO-SOCIETAacuteRIA DO PENSAMENTO[1]

Ester Vaisman

Peccedila fundamental da obra marxiana o complexo da determinaccedilatildeo onto-

praacutetica e societaacuteria do pensamento natildeo recebeu e nem tem recebido o devido

tratamento por parte de grande nuacutemero de inteacuterpretes a ponto de ser tomado na

grande nuacutemero dos casos em sentido predominantemente negativo agrave la

Durkheim Vale dizer o social concebido como exterioridade que constrange as

operaccedilotildees da consciecircncia Sendo assim esse efeito externo teria o poder de

deformar obstaculizar ou mesmo impedir a produccedilatildeo do conhecimento Natildeo eacute agrave

toa portanto que Marx tenha sido reduzido nas matildeos de um certo tipo de

hermenecircutica da desconstruccedilatildeo a um dos mestres das teorias da suspeita

Embora natildeo se trate aqui de reconstruir as vicissitudes que acompanharam

o pensamento de Marx em nosso seacuteculo eacute de vital importacircncia apontar para a

exacerbada perversidade do destino teoacuterico de seu pensamento que teve como

resultado principal a descaracterizaccedilatildeo e perda da revoluccedilatildeo teoacuterica realizada por

Marx (CHASIN 198929) E sem duacutevida nenhuma tal descaracterizaccedilatildeo atinge

noacutedulos centrais da obra marxiana dentre os quais o tema das complexas

relaccedilotildees entre pensamento e sociabilidade

Como veremos a seguir o decurso analiacutetico marxiano eacute bem distinto

daquele que frequumlentemente lhe eacute atribuiacutedo Para tanto basta considerar o

conjunto de seus escritos de modo atento e rigoroso e seraacute faacutecil constatar que

sua caracteriacutestica principal eacute o reconhecimento da consciecircncia como atributo

insuperaacutevel do ser dos homens e enquanto tal possui caraacuteter necessariamente

social Ou seja Marx afirma a produccedilatildeo da consciecircncia como momento da praacutetica

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constituiacutedo no interior da proacutepria sociabilidade Desse modo a fundamentaccedilatildeo

onto-praacutetica e societaacuteria do pensamento natildeo eacute uma postulaccedilatildeo mecacircnico-

economicista acerca das relaccedilotildees entre ser e pensar mas ao contraacuterio ao

evidenciar seus processos geneacuteticos indica tanto as possibilidades quanto os

impedimentos de efetivaccedilatildeo das formaccedilotildees ideais

Para uma aproximaccedilatildeo adequada dessa questatildeo eacute preciso antes de mais

nada identificar alguns complexos categoriais relevantes e que se encontram

diretamente relacionados com a questatildeo em tela em primeiro lugar o da atividade

sensiacutevel e a presenccedila da subjetividade e da objetividade e em segundo o da

produccedilatildeo social da consciecircncia

1 - A CENTRALIDADE DA ATIVIDADE SENSIacuteVEL

Nos Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos de 1844 contrapondo-se

claramente ao ser da abstraccedilatildeo da filosofia especulativa Marx afirma

enfaticamente ldquoUm ser natildeo-objetivo eacute um natildeo-ser (Unwesen)rdquo Ou seja ldquoum ser

natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel mas apenas pensado isto eacute

apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeordquo (MARX 1969137-8) Nestas passagens

aleacutem de um claro rechaccedilo do modo pelo qual o ser comparece no interior da

especulatividade Marx enuncia a identificaccedilatildeo entre ser e objetividade

argumentando do seguinte modo

ldquoSuponha-se um ser que nem eacute ele proacuteprio objeto nem tem objeto Tal seria

em primeiro lugar o uacutenico ser natildeo existiria nenhum ser fora dele existiria solitaacuterio

e sozinho Pois tatildeo logo haja objetos fora de mim tatildeo logo natildeo esteja soacute sou um

outro uma outra efetividade diferente do objeto fora de mim Para esse terceiro

objeto eu sou pois uma outra efetividade diferente dele isto eacute sou seu objeto

Um ser que natildeo eacute objeto de outro ser supotildee pois que natildeo existe nenhum ser

objetivo Tatildeo logo eu tenha um objeto este objeto me tem a mim como objeto

Mas um ser natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel somente pensado

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isto eacute apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeo Ser sensiacutevel isto eacute ser efetivo eacute

ser objeto dos sentidos eacute ser objeto sensiacutevel e portanto ter objetos sensiacuteveis

fora de si ter objetos de sua sensibilidade Ser sensiacutevel eacute padecerrdquo (MARX 1969

137-8)

No trecho acima fica evidenciado que Marx contrapondo-se agrave especulaccedilatildeo

natildeo apenas identifica ser agrave objetividade mas tambeacutem procura demarcar o caraacuteter

relacional da mesma vale dizer da constante interaccedilatildeo objetivamente existente

entre seres efetivos enquanto tais ressaltando ao final o seu caraacuteter de

padecimento ou seja de carecimento do outro Ainda nas proacuteprias palavras do

autor

ldquoUm ser que natildeo tenha sua natureza fora de si natildeo eacute um ser natural natildeo

faz parte da essecircncia da natureza Um ser que natildeo tem nenhum objeto fora de si

natildeo eacute um ser objetivo Um ser que natildeo eacute por sua vez objeto para um terceiro ser

natildeo tem nenhum ser como objeto seu isto eacute natildeo se comporta objetivamente seu

ser natildeo eacute objetivordquo (MARX 1969 137)

Em A Sagrada Famiacutelia Marx a propoacutesito de um pequeno artigo sobre O

Amor desfere aguda criacutetica a Edgar Bauer um dos ldquoconsortesrdquo de Bruno Bauer

que representam ldquouma reproduccedilatildeo caricatural da especulaccedilatildeordquo (MARX amp

ENGELS sd7) No referido artigo ldquoa propoacutesito dos romances da Sra von

Paalzow Edgar condena o amor por consideraacute-lo um deus cruel ao qual o

homem se sacrifica por inteiro Entretanto diz Marx para poder converter o amor

em Moloch num diabo de carne e osso o Sr Edgar comeccedila por fazer dele um

deus substituindo ao homem que ama ao amor do homem o homem do amor

destacando do homem o Amor do qual faz um ser particular e a quem confere

uma existecircncia independente (MARX sd31)

Eis a denuacutencia de Marx E Bauer converte o amor em diabo destacando

separando abstraindo o sentimento do homem que o sente e tornando-o uma

entidade existente em separado Por este simples processo prossegue Marx

por esta metamorfose do atributo em sujeito pode-se criticamente transformar

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todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser

(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito

invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os

criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades

monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos

reais

Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se

transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem

de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel

que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele

converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)

por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX

sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em

que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro

homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute

interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual

materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)

O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um

outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale

dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da

existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele

proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo

especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo

porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um

desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo

(MARX sd33)

A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as

determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o

ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em

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primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como

ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um

ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que

padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de

seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX

1969136)

Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade

que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa

pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a

necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute

indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX

1969 137)

Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave

objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo

humana

Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no

entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser

geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em

seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento

geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico

do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute

que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida

constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)

O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu

objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele

mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo

como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo

atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das

determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras

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respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias

palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade

fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo

(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza

permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem

faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)

A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave

universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em

produccedilatildeo do proacuteprio homem

Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de

objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da

objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos

humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o

sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana

objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza

imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)

Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim

como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o

homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto

objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os

sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se

tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem

que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas

subjetiva e objetiva de sua existecircncia

Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que

os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo

pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto

aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo

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(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

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determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

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Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

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praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

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Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

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Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

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A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

constituiacutedo no interior da proacutepria sociabilidade Desse modo a fundamentaccedilatildeo

onto-praacutetica e societaacuteria do pensamento natildeo eacute uma postulaccedilatildeo mecacircnico-

economicista acerca das relaccedilotildees entre ser e pensar mas ao contraacuterio ao

evidenciar seus processos geneacuteticos indica tanto as possibilidades quanto os

impedimentos de efetivaccedilatildeo das formaccedilotildees ideais

Para uma aproximaccedilatildeo adequada dessa questatildeo eacute preciso antes de mais

nada identificar alguns complexos categoriais relevantes e que se encontram

diretamente relacionados com a questatildeo em tela em primeiro lugar o da atividade

sensiacutevel e a presenccedila da subjetividade e da objetividade e em segundo o da

produccedilatildeo social da consciecircncia

1 - A CENTRALIDADE DA ATIVIDADE SENSIacuteVEL

Nos Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos de 1844 contrapondo-se

claramente ao ser da abstraccedilatildeo da filosofia especulativa Marx afirma

enfaticamente ldquoUm ser natildeo-objetivo eacute um natildeo-ser (Unwesen)rdquo Ou seja ldquoum ser

natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel mas apenas pensado isto eacute

apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeordquo (MARX 1969137-8) Nestas passagens

aleacutem de um claro rechaccedilo do modo pelo qual o ser comparece no interior da

especulatividade Marx enuncia a identificaccedilatildeo entre ser e objetividade

argumentando do seguinte modo

ldquoSuponha-se um ser que nem eacute ele proacuteprio objeto nem tem objeto Tal seria

em primeiro lugar o uacutenico ser natildeo existiria nenhum ser fora dele existiria solitaacuterio

e sozinho Pois tatildeo logo haja objetos fora de mim tatildeo logo natildeo esteja soacute sou um

outro uma outra efetividade diferente do objeto fora de mim Para esse terceiro

objeto eu sou pois uma outra efetividade diferente dele isto eacute sou seu objeto

Um ser que natildeo eacute objeto de outro ser supotildee pois que natildeo existe nenhum ser

objetivo Tatildeo logo eu tenha um objeto este objeto me tem a mim como objeto

Mas um ser natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel somente pensado

2

isto eacute apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeo Ser sensiacutevel isto eacute ser efetivo eacute

ser objeto dos sentidos eacute ser objeto sensiacutevel e portanto ter objetos sensiacuteveis

fora de si ter objetos de sua sensibilidade Ser sensiacutevel eacute padecerrdquo (MARX 1969

137-8)

No trecho acima fica evidenciado que Marx contrapondo-se agrave especulaccedilatildeo

natildeo apenas identifica ser agrave objetividade mas tambeacutem procura demarcar o caraacuteter

relacional da mesma vale dizer da constante interaccedilatildeo objetivamente existente

entre seres efetivos enquanto tais ressaltando ao final o seu caraacuteter de

padecimento ou seja de carecimento do outro Ainda nas proacuteprias palavras do

autor

ldquoUm ser que natildeo tenha sua natureza fora de si natildeo eacute um ser natural natildeo

faz parte da essecircncia da natureza Um ser que natildeo tem nenhum objeto fora de si

natildeo eacute um ser objetivo Um ser que natildeo eacute por sua vez objeto para um terceiro ser

natildeo tem nenhum ser como objeto seu isto eacute natildeo se comporta objetivamente seu

ser natildeo eacute objetivordquo (MARX 1969 137)

Em A Sagrada Famiacutelia Marx a propoacutesito de um pequeno artigo sobre O

Amor desfere aguda criacutetica a Edgar Bauer um dos ldquoconsortesrdquo de Bruno Bauer

que representam ldquouma reproduccedilatildeo caricatural da especulaccedilatildeordquo (MARX amp

ENGELS sd7) No referido artigo ldquoa propoacutesito dos romances da Sra von

Paalzow Edgar condena o amor por consideraacute-lo um deus cruel ao qual o

homem se sacrifica por inteiro Entretanto diz Marx para poder converter o amor

em Moloch num diabo de carne e osso o Sr Edgar comeccedila por fazer dele um

deus substituindo ao homem que ama ao amor do homem o homem do amor

destacando do homem o Amor do qual faz um ser particular e a quem confere

uma existecircncia independente (MARX sd31)

Eis a denuacutencia de Marx E Bauer converte o amor em diabo destacando

separando abstraindo o sentimento do homem que o sente e tornando-o uma

entidade existente em separado Por este simples processo prossegue Marx

por esta metamorfose do atributo em sujeito pode-se criticamente transformar

3

todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser

(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito

invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os

criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades

monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos

reais

Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se

transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem

de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel

que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele

converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)

por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX

sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em

que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro

homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute

interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual

materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)

O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um

outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale

dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da

existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele

proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo

especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo

porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um

desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo

(MARX sd33)

A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as

determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o

ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em

4

primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como

ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um

ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que

padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de

seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX

1969136)

Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade

que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa

pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a

necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute

indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX

1969 137)

Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave

objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo

humana

Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no

entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser

geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em

seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento

geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico

do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute

que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida

constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)

O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu

objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele

mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo

como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo

atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das

determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras

5

respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias

palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade

fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo

(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza

permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem

faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)

A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave

universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em

produccedilatildeo do proacuteprio homem

Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de

objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da

objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos

humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o

sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana

objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza

imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)

Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim

como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o

homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto

objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os

sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se

tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem

que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas

subjetiva e objetiva de sua existecircncia

Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que

os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo

pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto

aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo

6

(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

7

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

isto eacute apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeo Ser sensiacutevel isto eacute ser efetivo eacute

ser objeto dos sentidos eacute ser objeto sensiacutevel e portanto ter objetos sensiacuteveis

fora de si ter objetos de sua sensibilidade Ser sensiacutevel eacute padecerrdquo (MARX 1969

137-8)

No trecho acima fica evidenciado que Marx contrapondo-se agrave especulaccedilatildeo

natildeo apenas identifica ser agrave objetividade mas tambeacutem procura demarcar o caraacuteter

relacional da mesma vale dizer da constante interaccedilatildeo objetivamente existente

entre seres efetivos enquanto tais ressaltando ao final o seu caraacuteter de

padecimento ou seja de carecimento do outro Ainda nas proacuteprias palavras do

autor

ldquoUm ser que natildeo tenha sua natureza fora de si natildeo eacute um ser natural natildeo

faz parte da essecircncia da natureza Um ser que natildeo tem nenhum objeto fora de si

natildeo eacute um ser objetivo Um ser que natildeo eacute por sua vez objeto para um terceiro ser

natildeo tem nenhum ser como objeto seu isto eacute natildeo se comporta objetivamente seu

ser natildeo eacute objetivordquo (MARX 1969 137)

Em A Sagrada Famiacutelia Marx a propoacutesito de um pequeno artigo sobre O

Amor desfere aguda criacutetica a Edgar Bauer um dos ldquoconsortesrdquo de Bruno Bauer

que representam ldquouma reproduccedilatildeo caricatural da especulaccedilatildeordquo (MARX amp

ENGELS sd7) No referido artigo ldquoa propoacutesito dos romances da Sra von

Paalzow Edgar condena o amor por consideraacute-lo um deus cruel ao qual o

homem se sacrifica por inteiro Entretanto diz Marx para poder converter o amor

em Moloch num diabo de carne e osso o Sr Edgar comeccedila por fazer dele um

deus substituindo ao homem que ama ao amor do homem o homem do amor

destacando do homem o Amor do qual faz um ser particular e a quem confere

uma existecircncia independente (MARX sd31)

Eis a denuacutencia de Marx E Bauer converte o amor em diabo destacando

separando abstraindo o sentimento do homem que o sente e tornando-o uma

entidade existente em separado Por este simples processo prossegue Marx

por esta metamorfose do atributo em sujeito pode-se criticamente transformar

3

todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser

(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito

invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os

criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades

monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos

reais

Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se

transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem

de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel

que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele

converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)

por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX

sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em

que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro

homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute

interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual

materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)

O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um

outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale

dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da

existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele

proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo

especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo

porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um

desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo

(MARX sd33)

A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as

determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o

ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em

4

primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como

ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um

ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que

padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de

seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX

1969136)

Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade

que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa

pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a

necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute

indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX

1969 137)

Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave

objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo

humana

Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no

entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser

geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em

seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento

geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico

do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute

que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida

constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)

O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu

objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele

mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo

como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo

atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das

determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras

5

respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias

palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade

fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo

(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza

permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem

faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)

A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave

universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em

produccedilatildeo do proacuteprio homem

Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de

objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da

objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos

humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o

sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana

objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza

imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)

Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim

como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o

homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto

objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os

sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se

tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem

que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas

subjetiva e objetiva de sua existecircncia

Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que

os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo

pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto

aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo

6

(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

7

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser

(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito

invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os

criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades

monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos

reais

Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se

transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem

de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel

que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele

converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)

por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX

sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em

que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro

homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute

interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual

materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)

O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um

outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale

dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da

existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele

proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo

especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo

porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um

desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo

(MARX sd33)

A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as

determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o

ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em

4

primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como

ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um

ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que

padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de

seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX

1969136)

Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade

que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa

pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a

necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute

indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX

1969 137)

Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave

objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo

humana

Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no

entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser

geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em

seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento

geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico

do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute

que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida

constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)

O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu

objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele

mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo

como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo

atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das

determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras

5

respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias

palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade

fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo

(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza

permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem

faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)

A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave

universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em

produccedilatildeo do proacuteprio homem

Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de

objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da

objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos

humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o

sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana

objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza

imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)

Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim

como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o

homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto

objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os

sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se

tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem

que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas

subjetiva e objetiva de sua existecircncia

Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que

os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo

pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto

aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo

6

(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

7

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como

ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um

ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que

padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de

seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX

1969136)

Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade

que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa

pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a

necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute

indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX

1969 137)

Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave

objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo

humana

Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no

entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser

geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em

seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento

geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico

do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute

que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida

constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)

O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu

objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele

mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo

como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo

atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das

determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras

5

respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias

palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade

fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo

(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza

permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem

faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)

A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave

universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em

produccedilatildeo do proacuteprio homem

Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de

objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da

objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos

humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o

sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana

objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza

imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)

Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim

como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o

homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto

objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os

sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se

tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem

que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas

subjetiva e objetiva de sua existecircncia

Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que

os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo

pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto

aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo

6

(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

7

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias

palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade

fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo

(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza

permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem

faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)

A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave

universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em

produccedilatildeo do proacuteprio homem

Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de

objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da

objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos

humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o

sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana

objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza

imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)

Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim

como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o

homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto

objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os

sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se

tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem

que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas

subjetiva e objetiva de sua existecircncia

Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que

os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo

pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo

Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto

aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo

6

(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

7

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens

natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de

desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis

(MARX amp ENGELS 1977a38)

A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A

investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante

diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir

nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou

seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e

de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento

correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra

ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos

Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e

tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute

chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos

(MARX amp ENGELS 1977a37)

Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo

agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como

ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade

modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)

Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se

daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios

de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)

No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade

objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus

meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos

meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo

abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas

do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma

7

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar

sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)

Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a

produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica

propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale

dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em

sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades

materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo

de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual

os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja

entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica

isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real

A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos

caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses

indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem

(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos

manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a

manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui

portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva

de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou

imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo

reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja

caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma

diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do

indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a

partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o

que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua

produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)

8

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach

onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de

suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em

nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano

conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo

sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma

visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum

outro escrito seu

Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese

na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele

se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)

Vejamos a primeira parte da mesma

O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o

de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a

forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como

atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo

(MARX 1977b11)

Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do

que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na

variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo

anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo

anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou

como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas

segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade

humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a

dimensatildeo subjetiva da efetividade

A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de

evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo

humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma

9

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo

reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit

Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel

natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico

imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em

subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada

Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois

o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos

homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana

Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da

objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel

dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse

materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito

que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e

subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas

esferasrdquo (CHASIN 1995 396)

A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx

como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho

materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido

entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica

marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva

que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que

confere unidade agraves referidas dimensotildees

Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu

turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo

ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo

idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal

(MARX 1977b11)

10

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia

simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo

no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto

o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo

soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN

1995396)

Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade

isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o

movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade

humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o

idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por

isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo

modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que

considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a

atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute

considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana

Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece

identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na

atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o

idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou

espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do

materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo

ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados

Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele

quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento

mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso

considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o

comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma

fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade

revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)

11

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do

mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto

quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos

quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como

autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente

Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo

idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute

captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso

o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual

que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma

fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo

sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e

transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da

atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana

Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico

em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como

portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem

O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel

reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que

interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica

Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real

De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e

subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma

transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade

subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo

da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)

2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA

CONSCIEcircNCIA

12

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por

meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a

sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos

Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes

mais importantes para o exame dessa questatildeo

A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item

anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em

natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente

assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua

para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da

efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de

existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural

em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A

sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira

ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo

acabado da naturezardquo (MARX 196989)

A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela

natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados

isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo

ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social

A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a

natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma

efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa

essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas

para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica

Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como

outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser

social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila

13

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao

mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida

socialrdquo (MARX 196990)

A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de

exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a

exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade

individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de

vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se

daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute

apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das

forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da

coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)

Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute

atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e

justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social

individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia

subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e

gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida

humanardquo (MARX 196990)

Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da

vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica

particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel

ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de

efetivaccedilatildeo objetiva

O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta

e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de

engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute

desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada

mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da

14

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu

nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)

A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria

efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou

naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as

suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na

constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc

uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com

outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o

material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -

me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a

sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia

universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o

ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida

efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha

consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social

Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz

mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como

inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na

sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)

O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que

ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua

atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente

atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de

existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social

inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia

saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais

especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da

atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade

abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)

15

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos

de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente

ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os

proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da

atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo

tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais

em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano

vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que

apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que

passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade

No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos

ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-

se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana

objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na

praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona

humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)

Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se

transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao

mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da

reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos

sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-

objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo

de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas

Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no

interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no

devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx

afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-

vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia

particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo

16

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em

todos os sentidosrdquo (MARX 196993)

De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos

os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal

eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana

mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que

caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela

possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva

e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo

Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos

objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver

ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -

em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo

imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu

comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu

comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia

humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o

gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)

Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo

tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo

oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis

relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se

apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu

comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para

com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para

com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as

atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)

Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo

possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia

17

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua

reproduccedilatildeo ideal

Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias

possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva

que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute

inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho

percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de

gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais

humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos

espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido

humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto

por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda

histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)

Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute

concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente

desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a

cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual

Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas

possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior

do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no

processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e

subjetiva

A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada

no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44

encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a

seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise

dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises

sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da

18

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo

simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e

extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os

nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)

No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores

buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura

neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu

proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de

modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto

seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma

Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro

aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o

homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia

lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo

pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de

sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a

linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a

linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de

intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio

um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp

ENGELS 1977a43)

Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito

se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto

ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais

enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados

Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os

homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto

produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto

tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais

19

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves

suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)

As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e

estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E

ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua

realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que

determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS

1977a37)

Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo

reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute

os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente

determinada

Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa

consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)

como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se

desenvolve socialmente

Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a

produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles

conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas

de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua

totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)

No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma

formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o

autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute

resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo

social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas

necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que

20

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas

materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica

da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e

poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O

modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social

poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o

seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo

(MARX 1971a28-9)

O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da

consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da

proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo

economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas

anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir

condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos

geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto

cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita

remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o

desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do

eternordquo (CHASIN 1995409)

E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele

reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a

eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse

ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do

capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias

econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito

afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees

sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais

de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as

ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas

categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos

21

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas

produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de

imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX

1985a106)

O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo

ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que

produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam

tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas

relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)

Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da

economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como

ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo

de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo

pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O

procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo

mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo

movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar

que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou

universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar

a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)

Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir

dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais

uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de

que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca

mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda

igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees

idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais

estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183

vI)

22

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade

praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e

atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)

Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente

de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio

social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas

variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se

manifestamrdquo (CHASIN 1995406)

A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por

mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva

mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem

seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos

da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a

nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo

ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a

filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio

meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)

A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a

ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um

elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida

apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de

pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma

impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como

podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo

completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade

23

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24

do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a

vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e

falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos

que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao

obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas

formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de

sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em

suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)

[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash

Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem

Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa

Marxologia Filosofia e Estudos confluentes

2 Traduccedilatildeo de JChasin

24