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Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 4 Ano II Abril de 2006 periodicidade semestral ndash Ediccedilatildeo Especial Dossiecirc Marx ndash ISSN 1981-061X
A USINA ONTO-SOCIETAacuteRIA DO PENSAMENTO[1]
Ester Vaisman
Peccedila fundamental da obra marxiana o complexo da determinaccedilatildeo onto-
praacutetica e societaacuteria do pensamento natildeo recebeu e nem tem recebido o devido
tratamento por parte de grande nuacutemero de inteacuterpretes a ponto de ser tomado na
grande nuacutemero dos casos em sentido predominantemente negativo agrave la
Durkheim Vale dizer o social concebido como exterioridade que constrange as
operaccedilotildees da consciecircncia Sendo assim esse efeito externo teria o poder de
deformar obstaculizar ou mesmo impedir a produccedilatildeo do conhecimento Natildeo eacute agrave
toa portanto que Marx tenha sido reduzido nas matildeos de um certo tipo de
hermenecircutica da desconstruccedilatildeo a um dos mestres das teorias da suspeita
Embora natildeo se trate aqui de reconstruir as vicissitudes que acompanharam
o pensamento de Marx em nosso seacuteculo eacute de vital importacircncia apontar para a
exacerbada perversidade do destino teoacuterico de seu pensamento que teve como
resultado principal a descaracterizaccedilatildeo e perda da revoluccedilatildeo teoacuterica realizada por
Marx (CHASIN 198929) E sem duacutevida nenhuma tal descaracterizaccedilatildeo atinge
noacutedulos centrais da obra marxiana dentre os quais o tema das complexas
relaccedilotildees entre pensamento e sociabilidade
Como veremos a seguir o decurso analiacutetico marxiano eacute bem distinto
daquele que frequumlentemente lhe eacute atribuiacutedo Para tanto basta considerar o
conjunto de seus escritos de modo atento e rigoroso e seraacute faacutecil constatar que
sua caracteriacutestica principal eacute o reconhecimento da consciecircncia como atributo
insuperaacutevel do ser dos homens e enquanto tal possui caraacuteter necessariamente
social Ou seja Marx afirma a produccedilatildeo da consciecircncia como momento da praacutetica
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constituiacutedo no interior da proacutepria sociabilidade Desse modo a fundamentaccedilatildeo
onto-praacutetica e societaacuteria do pensamento natildeo eacute uma postulaccedilatildeo mecacircnico-
economicista acerca das relaccedilotildees entre ser e pensar mas ao contraacuterio ao
evidenciar seus processos geneacuteticos indica tanto as possibilidades quanto os
impedimentos de efetivaccedilatildeo das formaccedilotildees ideais
Para uma aproximaccedilatildeo adequada dessa questatildeo eacute preciso antes de mais
nada identificar alguns complexos categoriais relevantes e que se encontram
diretamente relacionados com a questatildeo em tela em primeiro lugar o da atividade
sensiacutevel e a presenccedila da subjetividade e da objetividade e em segundo o da
produccedilatildeo social da consciecircncia
1 - A CENTRALIDADE DA ATIVIDADE SENSIacuteVEL
Nos Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos de 1844 contrapondo-se
claramente ao ser da abstraccedilatildeo da filosofia especulativa Marx afirma
enfaticamente ldquoUm ser natildeo-objetivo eacute um natildeo-ser (Unwesen)rdquo Ou seja ldquoum ser
natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel mas apenas pensado isto eacute
apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeordquo (MARX 1969137-8) Nestas passagens
aleacutem de um claro rechaccedilo do modo pelo qual o ser comparece no interior da
especulatividade Marx enuncia a identificaccedilatildeo entre ser e objetividade
argumentando do seguinte modo
ldquoSuponha-se um ser que nem eacute ele proacuteprio objeto nem tem objeto Tal seria
em primeiro lugar o uacutenico ser natildeo existiria nenhum ser fora dele existiria solitaacuterio
e sozinho Pois tatildeo logo haja objetos fora de mim tatildeo logo natildeo esteja soacute sou um
outro uma outra efetividade diferente do objeto fora de mim Para esse terceiro
objeto eu sou pois uma outra efetividade diferente dele isto eacute sou seu objeto
Um ser que natildeo eacute objeto de outro ser supotildee pois que natildeo existe nenhum ser
objetivo Tatildeo logo eu tenha um objeto este objeto me tem a mim como objeto
Mas um ser natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel somente pensado
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isto eacute apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeo Ser sensiacutevel isto eacute ser efetivo eacute
ser objeto dos sentidos eacute ser objeto sensiacutevel e portanto ter objetos sensiacuteveis
fora de si ter objetos de sua sensibilidade Ser sensiacutevel eacute padecerrdquo (MARX 1969
137-8)
No trecho acima fica evidenciado que Marx contrapondo-se agrave especulaccedilatildeo
natildeo apenas identifica ser agrave objetividade mas tambeacutem procura demarcar o caraacuteter
relacional da mesma vale dizer da constante interaccedilatildeo objetivamente existente
entre seres efetivos enquanto tais ressaltando ao final o seu caraacuteter de
padecimento ou seja de carecimento do outro Ainda nas proacuteprias palavras do
autor
ldquoUm ser que natildeo tenha sua natureza fora de si natildeo eacute um ser natural natildeo
faz parte da essecircncia da natureza Um ser que natildeo tem nenhum objeto fora de si
natildeo eacute um ser objetivo Um ser que natildeo eacute por sua vez objeto para um terceiro ser
natildeo tem nenhum ser como objeto seu isto eacute natildeo se comporta objetivamente seu
ser natildeo eacute objetivordquo (MARX 1969 137)
Em A Sagrada Famiacutelia Marx a propoacutesito de um pequeno artigo sobre O
Amor desfere aguda criacutetica a Edgar Bauer um dos ldquoconsortesrdquo de Bruno Bauer
que representam ldquouma reproduccedilatildeo caricatural da especulaccedilatildeordquo (MARX amp
ENGELS sd7) No referido artigo ldquoa propoacutesito dos romances da Sra von
Paalzow Edgar condena o amor por consideraacute-lo um deus cruel ao qual o
homem se sacrifica por inteiro Entretanto diz Marx para poder converter o amor
em Moloch num diabo de carne e osso o Sr Edgar comeccedila por fazer dele um
deus substituindo ao homem que ama ao amor do homem o homem do amor
destacando do homem o Amor do qual faz um ser particular e a quem confere
uma existecircncia independente (MARX sd31)
Eis a denuacutencia de Marx E Bauer converte o amor em diabo destacando
separando abstraindo o sentimento do homem que o sente e tornando-o uma
entidade existente em separado Por este simples processo prossegue Marx
por esta metamorfose do atributo em sujeito pode-se criticamente transformar
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todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser
(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito
invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os
criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades
monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos
reais
Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se
transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem
de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel
que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele
converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)
por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX
sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em
que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro
homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute
interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual
materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)
O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um
outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale
dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da
existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele
proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo
especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo
porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um
desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo
(MARX sd33)
A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as
determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o
ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em
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primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como
ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um
ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que
padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de
seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX
1969136)
Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade
que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa
pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a
necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute
indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX
1969 137)
Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave
objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo
humana
Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no
entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser
geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em
seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento
geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico
do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute
que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida
constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)
O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu
objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele
mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo
como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo
atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das
determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras
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respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias
palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade
fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo
(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza
permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem
faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)
A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave
universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em
produccedilatildeo do proacuteprio homem
Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de
objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da
objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos
humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o
sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana
objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza
imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)
Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim
como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o
homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto
objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os
sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se
tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem
que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas
subjetiva e objetiva de sua existecircncia
Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que
os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo
pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo
Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto
aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo
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(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
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determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
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Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
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praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
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Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
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Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
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A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
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na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
constituiacutedo no interior da proacutepria sociabilidade Desse modo a fundamentaccedilatildeo
onto-praacutetica e societaacuteria do pensamento natildeo eacute uma postulaccedilatildeo mecacircnico-
economicista acerca das relaccedilotildees entre ser e pensar mas ao contraacuterio ao
evidenciar seus processos geneacuteticos indica tanto as possibilidades quanto os
impedimentos de efetivaccedilatildeo das formaccedilotildees ideais
Para uma aproximaccedilatildeo adequada dessa questatildeo eacute preciso antes de mais
nada identificar alguns complexos categoriais relevantes e que se encontram
diretamente relacionados com a questatildeo em tela em primeiro lugar o da atividade
sensiacutevel e a presenccedila da subjetividade e da objetividade e em segundo o da
produccedilatildeo social da consciecircncia
1 - A CENTRALIDADE DA ATIVIDADE SENSIacuteVEL
Nos Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos de 1844 contrapondo-se
claramente ao ser da abstraccedilatildeo da filosofia especulativa Marx afirma
enfaticamente ldquoUm ser natildeo-objetivo eacute um natildeo-ser (Unwesen)rdquo Ou seja ldquoum ser
natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel mas apenas pensado isto eacute
apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeordquo (MARX 1969137-8) Nestas passagens
aleacutem de um claro rechaccedilo do modo pelo qual o ser comparece no interior da
especulatividade Marx enuncia a identificaccedilatildeo entre ser e objetividade
argumentando do seguinte modo
ldquoSuponha-se um ser que nem eacute ele proacuteprio objeto nem tem objeto Tal seria
em primeiro lugar o uacutenico ser natildeo existiria nenhum ser fora dele existiria solitaacuterio
e sozinho Pois tatildeo logo haja objetos fora de mim tatildeo logo natildeo esteja soacute sou um
outro uma outra efetividade diferente do objeto fora de mim Para esse terceiro
objeto eu sou pois uma outra efetividade diferente dele isto eacute sou seu objeto
Um ser que natildeo eacute objeto de outro ser supotildee pois que natildeo existe nenhum ser
objetivo Tatildeo logo eu tenha um objeto este objeto me tem a mim como objeto
Mas um ser natildeo objetivo eacute um ser natildeo efetivo natildeo sensiacutevel somente pensado
2
isto eacute apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeo Ser sensiacutevel isto eacute ser efetivo eacute
ser objeto dos sentidos eacute ser objeto sensiacutevel e portanto ter objetos sensiacuteveis
fora de si ter objetos de sua sensibilidade Ser sensiacutevel eacute padecerrdquo (MARX 1969
137-8)
No trecho acima fica evidenciado que Marx contrapondo-se agrave especulaccedilatildeo
natildeo apenas identifica ser agrave objetividade mas tambeacutem procura demarcar o caraacuteter
relacional da mesma vale dizer da constante interaccedilatildeo objetivamente existente
entre seres efetivos enquanto tais ressaltando ao final o seu caraacuteter de
padecimento ou seja de carecimento do outro Ainda nas proacuteprias palavras do
autor
ldquoUm ser que natildeo tenha sua natureza fora de si natildeo eacute um ser natural natildeo
faz parte da essecircncia da natureza Um ser que natildeo tem nenhum objeto fora de si
natildeo eacute um ser objetivo Um ser que natildeo eacute por sua vez objeto para um terceiro ser
natildeo tem nenhum ser como objeto seu isto eacute natildeo se comporta objetivamente seu
ser natildeo eacute objetivordquo (MARX 1969 137)
Em A Sagrada Famiacutelia Marx a propoacutesito de um pequeno artigo sobre O
Amor desfere aguda criacutetica a Edgar Bauer um dos ldquoconsortesrdquo de Bruno Bauer
que representam ldquouma reproduccedilatildeo caricatural da especulaccedilatildeordquo (MARX amp
ENGELS sd7) No referido artigo ldquoa propoacutesito dos romances da Sra von
Paalzow Edgar condena o amor por consideraacute-lo um deus cruel ao qual o
homem se sacrifica por inteiro Entretanto diz Marx para poder converter o amor
em Moloch num diabo de carne e osso o Sr Edgar comeccedila por fazer dele um
deus substituindo ao homem que ama ao amor do homem o homem do amor
destacando do homem o Amor do qual faz um ser particular e a quem confere
uma existecircncia independente (MARX sd31)
Eis a denuacutencia de Marx E Bauer converte o amor em diabo destacando
separando abstraindo o sentimento do homem que o sente e tornando-o uma
entidade existente em separado Por este simples processo prossegue Marx
por esta metamorfose do atributo em sujeito pode-se criticamente transformar
3
todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser
(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito
invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os
criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades
monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos
reais
Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se
transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem
de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel
que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele
converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)
por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX
sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em
que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro
homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute
interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual
materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)
O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um
outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale
dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da
existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele
proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo
especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo
porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um
desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo
(MARX sd33)
A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as
determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o
ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em
4
primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como
ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um
ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que
padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de
seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX
1969136)
Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade
que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa
pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a
necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute
indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX
1969 137)
Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave
objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo
humana
Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no
entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser
geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em
seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento
geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico
do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute
que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida
constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)
O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu
objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele
mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo
como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo
atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das
determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras
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respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias
palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade
fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo
(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza
permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem
faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)
A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave
universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em
produccedilatildeo do proacuteprio homem
Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de
objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da
objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos
humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o
sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana
objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza
imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)
Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim
como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o
homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto
objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os
sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se
tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem
que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas
subjetiva e objetiva de sua existecircncia
Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que
os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo
pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo
Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto
aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo
6
(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
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determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
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Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
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Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
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Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
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Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
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do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
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isto eacute apenas imaginado um ser da abstraccedilatildeo Ser sensiacutevel isto eacute ser efetivo eacute
ser objeto dos sentidos eacute ser objeto sensiacutevel e portanto ter objetos sensiacuteveis
fora de si ter objetos de sua sensibilidade Ser sensiacutevel eacute padecerrdquo (MARX 1969
137-8)
No trecho acima fica evidenciado que Marx contrapondo-se agrave especulaccedilatildeo
natildeo apenas identifica ser agrave objetividade mas tambeacutem procura demarcar o caraacuteter
relacional da mesma vale dizer da constante interaccedilatildeo objetivamente existente
entre seres efetivos enquanto tais ressaltando ao final o seu caraacuteter de
padecimento ou seja de carecimento do outro Ainda nas proacuteprias palavras do
autor
ldquoUm ser que natildeo tenha sua natureza fora de si natildeo eacute um ser natural natildeo
faz parte da essecircncia da natureza Um ser que natildeo tem nenhum objeto fora de si
natildeo eacute um ser objetivo Um ser que natildeo eacute por sua vez objeto para um terceiro ser
natildeo tem nenhum ser como objeto seu isto eacute natildeo se comporta objetivamente seu
ser natildeo eacute objetivordquo (MARX 1969 137)
Em A Sagrada Famiacutelia Marx a propoacutesito de um pequeno artigo sobre O
Amor desfere aguda criacutetica a Edgar Bauer um dos ldquoconsortesrdquo de Bruno Bauer
que representam ldquouma reproduccedilatildeo caricatural da especulaccedilatildeordquo (MARX amp
ENGELS sd7) No referido artigo ldquoa propoacutesito dos romances da Sra von
Paalzow Edgar condena o amor por consideraacute-lo um deus cruel ao qual o
homem se sacrifica por inteiro Entretanto diz Marx para poder converter o amor
em Moloch num diabo de carne e osso o Sr Edgar comeccedila por fazer dele um
deus substituindo ao homem que ama ao amor do homem o homem do amor
destacando do homem o Amor do qual faz um ser particular e a quem confere
uma existecircncia independente (MARX sd31)
Eis a denuacutencia de Marx E Bauer converte o amor em diabo destacando
separando abstraindo o sentimento do homem que o sente e tornando-o uma
entidade existente em separado Por este simples processo prossegue Marx
por esta metamorfose do atributo em sujeito pode-se criticamente transformar
3
todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser
(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito
invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os
criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades
monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos
reais
Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se
transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem
de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel
que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele
converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)
por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX
sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em
que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro
homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute
interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual
materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)
O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um
outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale
dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da
existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele
proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo
especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo
porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um
desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo
(MARX sd33)
A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as
determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o
ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em
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primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como
ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um
ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que
padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de
seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX
1969136)
Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade
que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa
pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a
necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute
indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX
1969 137)
Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave
objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo
humana
Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no
entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser
geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em
seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento
geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico
do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute
que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida
constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)
O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu
objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele
mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo
como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo
atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das
determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras
5
respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias
palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade
fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo
(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza
permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem
faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)
A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave
universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em
produccedilatildeo do proacuteprio homem
Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de
objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da
objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos
humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o
sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana
objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza
imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)
Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim
como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o
homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto
objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os
sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se
tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem
que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas
subjetiva e objetiva de sua existecircncia
Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que
os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo
pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo
Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto
aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo
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(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
7
determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
8
Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
10
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
todas as determinaccedilotildees essenciais do homem em monstros e alienaccedilotildees do ser
(MARX sd31) Transformando por conseguinte o atributo - amor - em sujeito
invertendo a relaccedilatildeo entre eles eacute possiacutevel para Edgar Bauer e para todos os
criacuteticos criacuteticos ao generalizarem este procedimento tomar por entidades
monstruosas e alienadas as caracteriacutesticas ou atributos de indiviacuteduos humanos
reais
Eacute neste sentido que a proacutepria criacutetica - atributo e atividade humanos - se
transfigura nas matildeos dos Criacuteticos num sujeito particular (MARX sd31) Aleacutem
de transformar o amor numa entidade autocircnoma e concebecirc-la como um deus cruel
que escraviza o homem a Criacutetica tambeacutem se volta contra o Amor pelo fato dele
converter o homem na categoria de objeto para outro homem (MARX sd32)
por ensinar ao homem a acreditar no mundo objetivo exterior a ele (MARX
sd31) A hostilizaccedilatildeo da Criacutetica ao amor culmina no entanto no momento em
que ela constata que natildeo apenas o amor converte o homem num objeto para outro
homem mas que se trata de um objeto determinado real exterior natildeo soacute
interior confinado no cereacutebro mas manifesto nos sentidos um objeto sensual
materialista natildeo-criacutetico e natildeo-cristatildeo (MARX sd32)
O que a Criacutetica combate no amor eacute justamente o fato dele fazer de um
outro ser humano o objeto exterior de sua afetividade (MARX sd32) Vale
dizer o amor revela aos olhos da ldquoCriacuteticardquo que a objetividade eacute um atributo da
existecircncia humana e o repuacutedio que a ldquoCriacuteticardquo manifesta em relaccedilatildeo a ele
proveacutem exatamente do fato desta objetividade especiacutefica contestar a pretensatildeo
especulativa de construir um desenvolvimento a priori da ldquopaixatildeo do amorrdquo
porque como diz Marx enquanto objetividade ldquoo seu desenvolvimento eacute um
desenvolvimento real que se opera no mundo sensiacutevel e entre indiviacuteduos reaisrdquo
(MARX sd33)
A partir dessa referecircncia ao texto O Amor fica evidente que as
determinaccedilotildees relativas agrave objetividade do ser em geral satildeo vaacutelidas tambeacutem para o
ser do homem em que pesem eacute claro as suas diferenccedilas especiacuteficas Em
4
primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como
ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um
ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que
padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de
seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX
1969136)
Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade
que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa
pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a
necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute
indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX
1969 137)
Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave
objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo
humana
Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no
entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser
geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em
seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento
geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico
do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute
que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida
constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)
O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu
objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele
mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo
como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo
atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das
determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras
5
respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias
palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade
fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo
(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza
permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem
faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)
A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave
universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em
produccedilatildeo do proacuteprio homem
Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de
objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da
objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos
humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o
sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana
objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza
imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)
Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim
como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o
homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto
objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os
sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se
tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem
que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas
subjetiva e objetiva de sua existecircncia
Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que
os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo
pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo
Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto
aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo
6
(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
7
determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
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Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
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Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
15
No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
primeiro lugar ldquoo homem eacute imediatamente ser natural Como ser natural e como
ser natural vivo estaacute em parte dotado de forccedilas naturais de forccedilas vitais eacute um
ser natural ativo como ser natural corpoacutereo sensiacutevel objetivo eacute um ser que
padece condicionado e limitado tal qual o animal e a planta isto eacute os objetos de
seus instintos existem exteriormente como objetos independentes delerdquo (MARX
1969136)
Ou seja o caraacuteter objetivo do ser do homem se expressa na necessidade
que ele tem de objetividades exteriores ldquoA fome eacute um carecimento natural precisa
pois uma natureza fora de si para satisfazer-se para acalmar-se A fome eacute a
necessidade confessa que meu corpo tem de um objeto que estaacute fora dele e eacute
indispensaacutevel para sua integraccedilatildeo para sua exteriorizaccedilatildeo essencialrdquo (MARX
1969 137)
Mas ao lado da identidade com o ser em geral no que diz respeito agrave
objetividade o homem apresenta traccedilos constituintes proacuteprios da ldquoatividade vitalrdquo
humana
Eacute o que se pode constatar na seguinte afirmaccedilatildeo de Marx ldquoO homem no
entanto natildeo eacute apenas ser natural mas ser natural humano isto eacute um ser
geneacuterico que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em
seu saberrdquo (MARX 1969 138) A atividade consciente se potildee como o fundamento
geneacuterico do homem ou seja ldquoa atividade livre consciente eacute o caraacuteter geneacuterico
do homemrdquo que o distingue ldquoda atividade vital dos animais Soacute por esta razatildeo eacute
que ele eacute um ser geneacuterico Ou melhor soacute eacute um ser consciente quer dizer a vida
constitue para ele um objeto porque eacute um ser geneacutericordquo (MARX 196963)
O homem ldquofaz do gecircnero (tanto de seu proacuteprio como das outras coisas) seu
objetordquo o que implica em reconhecer que o homem ldquose comporta diante dele
mesmo como diante do gecircnero atual vivose comporta diante dele mesmo
como diante de um ser universal portanto livrerdquo (MARX 196961) Desse modo
atividade vital humana diferentemente da que eacute proacutepria aos animais eacute livre das
determinaccedilotildees puramente naturais porque seus resultados natildeo satildeo meras
5
respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias
palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade
fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo
(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza
permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem
faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)
A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave
universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em
produccedilatildeo do proacuteprio homem
Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de
objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da
objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos
humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o
sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana
objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza
imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)
Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim
como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o
homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto
objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os
sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se
tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem
que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas
subjetiva e objetiva de sua existecircncia
Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que
os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo
pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo
Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto
aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo
6
(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
7
determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
8
Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
10
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
respostas limitadas a necessidades naturais imediatas De acordo com as proacuteprias
palavras de Marx o animal ldquoproduz unicamente sob o dominio da necessidade
fiacutesica imediata enquanto o homem produz quando livre de tal necessidaderdquo
(MARX 196963-4) Tal situaccedilatildeo distintiva em relaccedilatildeo ao resto da natureza
permite assim que o homem se torne sujeito de sua atividade pois ldquoo homem
faz da atividade objeto da vontade e da consciecircnciardquo (MARX 196963)
A produccedilatildeo humana transcende a mera singularidade para se alccedilar agrave
universalidade que a transforma em produccedilatildeo de e para o gecircnero em suma em
produccedilatildeo do proacuteprio homem
Mas a produccedilatildeo de si enquanto homem por meio dos processos de
objetivaccedilatildeo que lhe satildeo caracteriacutesticos implica simultaneamente a produccedilatildeo da
objetividade e da subjetividade adequadas ao ldquohumanordquo pois ldquonem os objetos
humanos satildeo os objetos naturais tais como se oferecem imediatamente nem o
sentido humano tal como eacute imediata e objetivamente eacute sensibilidade humana
objetividade humana Nem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza
imediatamente presente ao ser humano de modo adequadordquo (MARX 1969138)
Assim quando Marx afirma que ldquoo olho fez-se um olho humano assim
como seu objeto se tornou um objeto social humano vindo do homem para o
homemrdquo (MARX 196992) significa que o mundo humano tanto subjetiva quanto
objetivamente eacute resultado da produccedilatildeo humana que torna sociais tanto os
sentidos que apropriam quanto os objetos apropriados na medida em que se
tornam adequados ao homem Em suma tendo em vista o caraacuteter ativo do homem
que constroacutei seu mundo efetivo tem-se simultaneamente a produccedilatildeo das esferas
subjetiva e objetiva de sua existecircncia
Em A Ideologia Alematilde contrapondo-se agrave especulatividade Marx afirma que
os pressupostos de que partimos natildeo satildeo arbitraacuterios nem dogmas Satildeo
pressupostos reais de que natildeo se pode fazer abstraccedilatildeo a natildeo ser na imaginaccedilatildeo
Satildeo os indiviacuteduos reais sua accedilatildeo e suas condiccedilotildees materiais de vida tanto
aquelas por eles jaacute encontradas como as produzidas por sua proacutepria accedilatildeo
6
(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
7
determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
8
Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
10
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
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Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
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do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
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(MARX amp ENGELS 1977a26) Ou ainda estes pressupostos satildeo os homens
natildeo em qualquer fixaccedilatildeo ou isolamento fantaacutestico mas em seu processo de
desenvolvimento real em condiccedilotildees determinadas empiricamente visiacuteveis
(MARX amp ENGELS 1977a38)
A posiccedilatildeo especulativa parte segundo Marx de pressupostos ilusoacuterios A
investigaccedilatildeo marxiana por seu turno natildeo eacute destituiacuteda de supostos Natildeo obstante
diferenciam-se radicalmente na medida em que Marx pretende distinguir
nitidamente os processos reais do ser dos processos subjetivos do pensar Ou
seja tem-se de um lado o plano ideal onde se encontram as representaccedilotildees e
de outro o plano onde se desenvolve o processo de vida real O procedimento
correto aquele metaforicamente aludido como um caminho que ascende da terra
ao ceacuteu parte de pressupostos identificados na vida real de homens reais e ativos
Ou seja natildeo se parte daquilo que os homens dizem imaginam ou representam e
tampouco dos homens pensados imaginados e representados para a partir daiacute
chegar aos homens em carne e osso parte-se dos homens realmente ativos
(MARX amp ENGELS 1977a37)
Eacute reconhecida portanto a prioridade do processo objetivo real em relaccedilatildeo
agraves representaccedilotildees do pensamento Tal reconhecimento conduz a tomar como
ponto de partida a existecircncia de indiviacuteduos humanos reais que por sua atividade
modificam os proacuteprios fundamentos naturais (MARX amp ENGELS 1977a27)
Ainda segundo estes a proacutepria diferenciaccedilatildeo humana em relaccedilatildeo aos animais se
daacute exatamente no momento em que os homens comeccedilam a produzir seus meios
de vida e sua proacutepria vida material (MARX amp ENGELS 1977a27)
No centro do processo objetivo real por conseguinte emerge a atividade
objetiva a partir da qual os homens modificando a natureza produzem seus
meios de vida e por via de consequumlecircncia a si proacuteprios Mas a produccedilatildeo dos
meios de vida resultante da atividade de indiviacuteduos humanos reais ou seja natildeo
abstraiacutedos das suas condiccedilotildees efetivas de existecircncia natildeo eacute considerada apenas
do ponto de vista de sua reproduccedilatildeo fiacutesica Trata-se muito mais de uma
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determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
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Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
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Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
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Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
determinada forma de atividade dos indiviacuteduos determinada forma de manifestar
sua vida determinado modo de vida dos mesmos (MARX amp ENGELS 1977a27)
Eacute importante observar que nessa passagem Marx natildeo restringe ou reduz a
produccedilatildeo dos meios de vida agravequeles diretamente necessaacuterios agrave produccedilatildeo fiacutesica
propriamente dita mas entende os indiviacuteduos produzindo seu modo de vida vale
dizer produzindo todas as dimensotildees da vida tomada em seu conjunto em
sentido amplo e natildeo apenas aqueles aspectos voltados agraves suas necessidades
materiais Ao referir consequumlentemente que os indiviacuteduos produzem seu modo
de vida Marx identifica o caraacuteter efetivante da atividade humana por meio da qual
os homens produzem a si proacuteprios no sentido abrangente do termo ou seja
entificam o seu proacuteprio modo de vida no contexto de dada materialidade especiacutefica
isto eacute histoacuterico-social que possui assim caraacuteter real
A produccedilatildeo de si proacuteprios como modo de vida significa produccedilatildeo dos traccedilos
caracteriacutesticos da vida social que traduzem essencialmente o que esses
indiviacuteduos satildeo Ou seja eles satildeo o que produzem(e) o modo como produzem
(MARX amp ENGELS 1977a28) Em outros termos tal como os indiviacuteduos
manifestam sua vida assim eles satildeo (MARX amp ENGELS 1977a 27) isto eacute a
manifestaccedilatildeo de sua vida eacute a sua produccedilatildeo O que os indiviacuteduos satildeo possui
portanto caraacuteter objetivo possiacutevel de ser identificado a partir da resultante efetiva
de sua proacutepria accedilatildeo Consequumlentemente eles natildeo satildeo aquilo que pensam ou
imaginam que sejam mas o que eles efetivamente satildeo passa pelo
reconhecimento da resultante objetivada de sua proacutepria atividade cuja
caracteriacutestica baacutesica eacute a efetivaccedilatildeo de sua materialidade especiacutefica Em suma
diferentemente da postura neo-hegeliana segundo Marx a identificaccedilatildeo do ser do
indiviacuteduo humano eacute algo possiacutevel de ser determinado objetivamente ou seja a
partir da resultante objetiva da atividade humana efetiva Ou como diz Marx o
que os indiviacuteduos satildeo portanto depende das condiccedilotildees materiais de sua
produccedilatildeo (MARX amp ENGELS 1977a28)
8
Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
10
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
Mal traduzidas e fortemente mal interpretadas as Teses ad Feuerbach
onze aforismos lanccedilados por Marx sobre uma folha de papel no interior de uma de
suas cadernetas de anotaccedilotildees cotidianas natildeo foram referidas por ele em
nenhuma outra oportunidade Natildeo haacute na verdade nenhum outro texto marxiano
conhecido que apresente as mesmas caracteriacutesticas Embora agraves vezes natildeo
sejam muito claras possuem a vantagem de serem sinteacuteticas o que permite uma
visualizaccedilatildeo de conjunto dos lineamentos ontoloacutegicos de Marx como nenhum
outro escrito seu
Nesse momento a anaacutelise aqui desenvolvida se restringiraacute agrave primeira tese
na qual Marx utiliza trecircs termos para indicar com precisatildeo o materialismo a que ele
se refere concreto (gegenstand) efetividade (wirklichkeit) e sensiacutevel (sinnlichkeit)
Vejamos a primeira parte da mesma
O defeito capital (hauptmangel) de todo materialismo ateacute agora (incluiacutedo o
de Feuerbach) eacute que o concreto a efetividade o sensiacutevel eacute captado apenas sob a
forma de objeto (form des Objekts) ou de intuiccedilatildeo (Anschauung) natildeo poreacutem como
atividade humana sensiacutevel praacutexis natildeo de modo subjetivo (nicht subjektiv)[2]rdquo
(MARX 1977b11)
Ao utilizar os termos concreto efetividade sensiacutevel provavelmente mais do
que simples sinocircnimos Marx se refere agrave coisidade do mundo humano na
variedade de suas objetivaccedilotildees possiacuteveis que eacute captada pelo materialismo
anterior apenas sob a forma de objeto ou de intuiccedilatildeo ou seja o materialismo
anterior capta a realidade ou como objeto coisa concreta exterior ao sujeito ou
como interioridade do sujeito como conhecimento imediato intuiccedilatildeo Mas
segundo Marx o materialismo anterior natildeo capta a realidade como atividade
humana sensiacutevel praacutexis natildeo como forma subjetiva vale dizer natildeo capta a
dimensatildeo subjetiva da efetividade
A criacutetica marxiana do materialismo anterior vai portanto no sentido de
evidenciar que o mesmo natildeo consegue reconhecer a proacutepria coisidade do mundo
humano como coisa da atividade como resultante da atividade humana de uma
9
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
10
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
praacutetica como exterioridade posta pelo sujeito Em suma o velho materialismo natildeo
reconhece o aspecto subjetivo ou praacutetico da WirklichKeit
Por via de consequumlecircncia para Marx a efetividade o concreto o sensiacutevel
natildeo eacute apenas exterioridade ou intuiccedilatildeo (enquanto conhecimento empiacuterico
imediato) mas eacute sobretudo atividade humana sensiacutevel o que implica em
subjetividade sensiacutevel em subjetividade efetivada
Eacute no plano ontoloacutegico que Marx situa sua criacutetica ao velho materialismo pois
o mesmo desconhece a determinaccedilatildeo fundamental do mundo objetual dos
homens isto eacute sua natureza de efetividade sensiacutevel posta pela atividade humana
Em outras palavras ldquoo materialismo antigo ignora por completo a qualidade da
objetividade social isto eacute sua eneacutergeia sua atualizaccedilatildeo pela atividade sensiacutevel
dos homens ou simplesmente desconhece sua forma subjetiva Para esse
materialismo a realidade eacute apenas exterioridade multiverso contraposto ao sujeito
que este pode mentalizar natildeo havendo qualquer outro viacutenculo entre objetividade e
subjetividade que restam oclusas e imobilizadas no isolamento de suas distintas
esferasrdquo (CHASIN 1995 396)
A atividade humana sensiacutevel emerge portanto no pensamento de Marx
como a matriz fundante do mundo dos homens De modo que se no velho
materialismo criticado por Marx a ontologia subjacente eacute a de um mundo bipartido
entre objetos e intuiccedilotildees que desconhece a atividade na instauraccedilatildeo ontoloacutegica
marxiana o mundo humano eacute reconhecido na unidade de sua atividade objetiva
que funde objetividade e subjetividade e a praacutetica emerge como o momento que
confere unidade agraves referidas dimensotildees
Mas se o velho materialismo desconhece a atividade o idealismo por seu
turno conhece apenas a atividade abstrata ou como diz Marx Daiacute em oposiccedilatildeo
ao materialismo o lado ativo ser desenvolvido de um modo abstrato pelo
idealismo que naturalmente natildeo conhece a atividade efetiva e sensiacutevel como tal
(MARX 1977b11)
10
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
15
No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
Por via de consequumlecircncia ldquoa criacutetica marxiana potildee em evidecircncia
simultaneamente a radical insuficiecircncia de todo o leque filosoacutefico de seu tempo
no que tange agrave acuidade na identificaccedilatildeo do cerne da efetividade social enquanto
o antigo materialismo desconhece a atividade inclusive Feuerbach o idealismo
soacute a apreende unilateralmente como atividade abstrata espiritualrdquo (CHASIN
1995396)
Marx censura portanto no idealismo o tratamento abstrato da atividade
isto eacute a identificaccedilatildeo da atividade com o comportamento teoacuterico com o
movimento da razatildeo Ou seja Marx reivindica o reconhecimento da atividade
humana enquanto atividade concreta Por conseguinte quando Marx afirma que o
idealismo naturalmente desconhece a atividade real sensiacutevel como tal e que por
isso tematiza abstratamente a atividade recrimina em primeiro lugar um certo
modo de tratar a atividade ou seja a maneira abstrata de o fazer Tratamento que
considera parcial incompleto e portanto falsificador Em outros termos a
atividade das ideacuteias natildeo eacute afirmada como falsa o que eacute falso ou falsificador eacute
considerar a atividade das ideacuteias como a uacutenica atividade autenticamente humana
Em uma palavra falsificador segundo Marx eacute o procedimento que estabelece
identidade entre ideacuteia e atividade Dito de modo mais preciso o autor natildeo nega na
atividade concreta a presenccedila do pensamento de ideacuteias mas condena o
idealismo na medida em que nele a atividade eacute reduzida agrave atividade teoacuterica ou
espiritual De modo que se eacute redutora a concepccedilatildeo de atividade no interior do
materialismo o mesmo tambeacutem deve ser afirmado em relaccedilatildeo ao idealismo
ambas satildeo redutoras embora com sinais trocados
Referindo-se a Feuerbach ainda na primeira tese Marx afirma que ele
quer objetos sensiacuteveis - efetivamente diferenciados dos objetos de pensamento
mas natildeo capta a proacutepria atividade humana como atividade objetiva Por isso
considera na Essecircncia do Cristianismo apenas como autenticamente humano o
comportamento teoacuterico enquanto a praxis soacute eacute captada e fixada em sua forma
fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso o significado da atividade
revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica (MARX 1977b11)
11
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
15
No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
Marx inclui Feuerbach no materialismo antigo exatamente em funccedilatildeo do
mesmo pretender o sensiacutevel em oposiccedilatildeo agrave especulatividade no entanto
quando se trata da atividade Feuerbach permanece preso aos esquemas dos
quais pretende se diferenciar isto eacute continua concebendo apenas como
autenticamente humano o comportamento teoacuterico Consequentemente
Feuerbach de um lado eacute materialista mas de outro compartilha da concepccedilatildeo
idealista de atividade Desse modo diz Marx em Feuerbach a praxis soacute eacute
captada e fixada em sua forma fenomecircnica judia e suja Natildeo compreende por isso
o significado da atividade revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Portanto natildeo eacute casual
que Feuerbach apenas consiga reter da atividade concreta a sua forma
fenomecircnica judia e suja vale dizer a sua forma pragmaacutetica e mercantil e natildeo
sua forma revolucionaacuteria praacutetico-criacutetica Tais dimensotildees efetivantes e
transformadoras da atividade lhe escapam em virtude do natildeo reconhecimento da
atividade humana-sensiacutevel como matriz fundante da mundaneidade humana
Dado que em Feuerbach o autenticamente humano eacute o comportamento teoacuterico
em contrapartida o comportamento praacutetico-sensiacutevel enquanto tal aparece como
portador de caraacuteter necessariamente pejorativo indigno do homem
O que importa reter da primeira tese eacute que a atividade humana sensiacutevel
reuacutene na mundaneidade humana subjetividade e objetividade de modo que
interioridade e exterioridade ideacuteia e realidade satildeo enlaccediladas na praacutetica
Enquanto atividade efetivante eacute na praacutetica que se daacute articulaccedilatildeo entre ideal e real
De acordo com a postulaccedilatildeo de Marx em outras palavras ldquoobjetividade e
subjetividade satildeo resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma
transpassa ou transmigra para a esfera da outra de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo
da realidade humano-societaacuteriardquo (CHASIN 1995397)
2 - SER SOCIAL E CONSCIEcircNCIA A PRODUCcedilAtildeO SOCIAL DA
CONSCIEcircNCIA
12
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
15
No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
A auto-entificaccedilatildeo dos homens e de sua mundaneidade especiacutefica por
meio da atividade praacutetica remete assim ao ponto central do presente artigo a
sociabilidade enquanto condiccedilatildeo de possibilidade do pensamento Os Manuscritos
Econocircmico-Filosoacuteficos de 44 comparecem aqui novamente como uma das fontes
mais importantes para o exame dessa questatildeo
A existecircncia social se apresenta para Marx como jaacute foi visto no item
anterior enquanto instacircncia decisiva para a transformaccedilatildeo da proacutepria natureza em
natureza humana eacute o que se pode observar na seguinte passagem dessa obra ldquoA
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem social pois somente
assim existe para ele como viacutenculo com o homem como modo de existecircncia sua
para o outro e modo de existecircncia do outro para ele como elemento vital da
efetividade humana soacute assim existe como fundamento de seu proacuteprio modo de
existecircncia humano Soacute entatildeo se converte para ele seu modo de existecircncia natural
em seu modo de existecircncia humano e a natureza se torna para ele humana A
sociedade eacute pois plena unidade essencial do homem com a natureza a verdadeira
ressureiccedilatildeo da natureza o naturalismo acabado do homem e o humanismo
acabado da naturezardquo (MARX 196989)
A natureza se converte em natureza humana entatildeo na medida em que ela
natildeo se presta apenas a reproduzir a existecircncia singular dos indiviacuteduos tomados
isoladamente mas passa a existir para o homem ldquocomo viacutenculo com o homemrdquo
ldquocomo fundamento de seu proacuteprio modo de existecircncia humanordquo vale dizer social
A sociedade realiza assim a ldquoplena unidade do homem com a naturezardquo a
natureza se torna humana e a humanidade natural e o homem se afirma
efetivamente enquanto tal na relaccedilatildeo com os demais homens Em suma ldquoa
essecircncia humana da natureza existe somente para o homem socialrdquo pois apenas
para o homem social a vida individual eacute ao mesmo tempo vida geneacuterica
Desse modo haacute que frisar a impossibilidade de ldquofixar a lsquosociedadersquo como
outra abstraccedilatildeo frente ao indiviacuteduordquo nesse sentido Marx afirma ldquoo indiviacuteduo eacute ser
social A exteriorizaccedilatildeo de sua vida (Lebensaumlusserung) - ainda que natildeo apareccedila
13
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
15
No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
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Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
na forma imediata de uma exteriorizaccedilatildeo da vida coletiva realizada em uniatildeo ao
mesmo tempo com outros - eacute pois uma manifestaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da vida
socialrdquo (MARX 196990)
A atividade do indiviacuteduo qualquer que ela seja enquanto meio de
exteriorizaccedilatildeo de vida implica a mediaccedilatildeo da sociabilidade Vale dizer a
exteriorizaccedilatildeo individual implica e confirma a sociabilidade pois a atividade
individual se daacute em sociedade que se evidencia como oacutergatildeo de exteriorizaccedilatildeo de
vida na medida em que todo modo de efetivaccedilatildeo individual - praacuteticoteoacuterico - se
daacute na trama da interatividade humano-social Enquanto tal essa efetivaccedilatildeo eacute
apropriaccedilatildeo de vida humana Em suma ldquoo indiviacuteduo natildeo pode se apropriar das
forccedilas materiais e espirituais historicamente produzidas a natildeo ser atraveacutes da
coletividade humana do intercacircmbio com outros homensrdquo (MARKUS 197429)
Conveacutem acentuar que em Marx a existecircncia individual em si mesma eacute
atividade social pois ldquoo homem - por mais que seja um indiviacuteduo particular e
justamente eacute sua particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social
individual real - eacute na mesma medida a totalidade a totalidade ideal a existecircncia
subjetiva da sociedade pensada e sentida para si tanto como contemplaccedilatildeo e
gozo da existecircncia social quanto como totalidade de manifestaccedilatildeo de vida
humanardquo (MARX 196990)
Cada individualidade eacute assim expressatildeo efetiva sensiacutevel da totalidade da
vida humana ou seja cada ser social individual real em sua especiacutefica
particularidade enquanto indiviacuteduo eacute ao mesmo tempo essecircncia geneacuterica sensiacutevel
ldquoexistecircncia subjetiva da sociedade pensada e sentida para sirdquo e capacidade de
efetivaccedilatildeo objetiva
O homem como ser social emerge a partir de sua proacutepria atividade concreta
e o caraacuteter social se efetiva cotidianamente no interior de um processo de
engendramento do mundo humano social e de si mesmo enquanto homem Eacute
desse modo que segundo Marx ldquotoda assim chamada histoacuteria universal nada
mais eacute do que a produccedilatildeo do homem pelo trabalho humano o vir-a-ser da
14
natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
15
No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
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natureza para o homem tem assim a prova evidente irrefutaacutevel do seu
nascimento de si mesmo de seu processo de origemrdquo (MARX 196999)
A sociabilidade eacute portanto condiccedilatildeo de possibilidade para a proacutepria
efetivaccedilatildeo individual mas a mediaccedilatildeo social natildeo se faz presente apenas nessa ou
naquela forma de atividade humana individual ao reveacutes ela penetra em todas as
suas formas de exteriorizaccedilatildeo inclusive - eacute o que importa salientar aqui - na
constituiccedilatildeo de seu pensamento Pois ldquomesmo quando atuo cientificamente etc
uma atividade que raramente posso levar a cabo em comunidade imediata com
outros homens tambeacutem sou social porque atuo enquanto homem Natildeo soacute o
material de minha atividade - como a proacutepria liacutengua na qual o pensador eacute ativo -
me eacute dado como produto social porque o que eu faccedilo de mim o faccedilo para a
sociedade e com a consciecircncia de mim enquanto ser social Minha consciecircncia
universal eacute apenas a forma teoacuterica daquilo cuja figura viva eacute a comunidade real o
ser social enquanto hoje em dia a consciecircncia universal eacute uma abstraccedilatildeo da vida
efetiva e como tal a enfrenta como inimiga Por isso tambeacutem a atividade de minha
consciecircncia universal - como tal - eacute minha existecircncia teoacuterica enquanto ser social
Como consciecircncia geneacuterica o homem confirma sua vida social real e natildeo faz
mais que repetir no seu pensar seu modo de existecircncia efetivo assim como
inversamente o ser geneacuterico se confirma na consciecircncia geneacuterica e eacute para si na
sua generalidade enquanto ser pensanterdquo (MARX 196989-90)
O aspecto mais importante a ressaltar nessa linha reflexiva eacute que
ldquoatividade ideal eacute atividade social O pensamento tem caraacuteter social porque sua
atualizaccedilatildeo eacute a atualizaccedilatildeo de um predicado do homem cujo ser eacute igualmente
atividade social Na universalidade ou na individualidade de cada modo de
existecircncia teoacuterica - cientista pensador etc - o pensamento eacute atividade social
inclusive pelos materiais e instrumentos empregados Em siacutentese consciecircncia
saber pensamento etc sob qualquer tipo de formaccedilatildeo ideal das gerais agraves mais
especiacuteficas da mais individualizada agrave mais geneacuterica dependem do ser da
atividade sensiacutevel socialmente configurado ao qual confirmam por sua atividade
abstrata igualmente socialrdquo (CHASIN 1995405)
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
16
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
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No item anterior vimos que de acordo com Marx tambeacutem nos Manuscritos
de 44 ldquonem objetiva nem subjetivamente estaacute a natureza imediatamente presente
ao homem de forma adequadardquo (MARX 1969138) e que ao mesmo tempo os
proacuteprios sentidos que satildeo originariamente naturais tornam-se por meio da
atuaccedilatildeo especiacutefica sentidos humanos Aleacutem disso Marx tematiza ao mesmo
tempo como se verifica a transformaccedilatildeo dos sentidos originariamente naturais
em sentidos humanos Eacute quando afirma que o ldquoo olho fez-se um olho humano
vindo do homem para o homemrdquo (MARX 196992) isto eacute tanto os sentidos que
apropriam quanto os objetos apropriados se tornam sociais na medida em que
passam a ser adequados ao homem por meio de sua atividade
No interior desse processo de humanizaccedilatildeo - dos objetos e dos sentidos
ldquoos sentidos se fizeram assim imediatamente teoacutericos em sua praacutetica Relacionam-
se com a coisa por amor agrave coisa mas a coisa mesma eacute uma relaccedilatildeo humana
objetiva para si e para o homem e inversamente soacute posso me relacionar na
praacutetica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona
humanamente com o homemrdquo (MARX 196992)
Eacute na atividade praacutetica - que eacute e soacute pode ser social - que os sentidos se
transfiguram em racionalidade se tornam conceituaccedilatildeo ou abstraccedilatildeo Isto eacute ao
mesmo tempo em que se tem na atividade praacutetica a afirmaccedilatildeo central da
reciprocidade entre o objeto e a atividade humana ocorre tambeacutem que ldquoos
sentidos se fizeram teoacutericos em sua praacuteticardquo porque em cada relaccedilatildeo sujeito-
objeto os sentidos se apropriam da coisa humanamente ou seja atraveacutes da accedilatildeo
de seu ser que compreende e produz saber ou seja configuraccedilotildees teoacutericas
Desse modo a proacutepria capacidade humana de abstraccedilatildeo se desenvolve no
interior da atividade apropriadora dos objetos constituindo um dos resultados no
devir humano da proacutepria subjetividade Ainda na mesma linha de reflexatildeo Marx
afirma que ldquoo objeto se apresenta ao olho de maneira diferente do objeto ao ou-
vido A particularidade de cada forccedila essencial eacute justamente sua essecircncia
particular logo tambeacutem o modo particular de sua objetivaccedilatildeo de seu ser objetivo
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real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
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produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
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e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
real vivo Por isso o homem se afirma no mundo natildeo apenas no pensar mas em
todos os sentidosrdquo (MARX 196993)
De modo que o ser do homem se manifesta objetivamente atraveacutes de todos
os sentidos ldquoque se tornam teoacutericos em sua praacuteticardquo e o pensamento enquanto tal
eacute reconhecido por Marx como uma forma de expressatildeo e apropriaccedilatildeo humana
mas natildeo a uacutenica Vale dizer eacute apenas uma das forccedilas essenciais que
caracterizam os vaacuterios modos de apropriaccedilatildeo humana do mundo Enquanto tal ela
possui como as demais uma especificidade que lhe eacute proacutepria uma essecircncia viva
e efetiva pois somente em sua especificidade essencial o homem eacute real vivo
Marx reconhece que haacute uma multiplicidade de possiacuteveis apropriaccedilotildees dos
objetos ao afirmar que ldquocada uma das suas relaccedilotildees humanas com o mundo - ver
ouvir cheirar saborear sentir pensar observar perceber querer atuar amar -
em resumo todos os orgatildeos de sua individualidade como orgatildeos que satildeo
imediatamente sociais em sua forma satildeo em seu comportamento objetivo em seu
comportamento para com o objeto a apropriaccedilatildeo de efetividade humana seu
comportamento frente ao objeto eacute a manifestaccedilatildeo da efetividade humana eficaacutecia
humana e sofrimento humano pois o sofrimento humanamente entendido eacute o
gozo proacuteprio do homemrdquo (MARX 196991)
Ao lado das possiacuteveis apropriaccedilotildees dos objetos Marx ressalta ao mesmo
tempo a apropriaccedilatildeo do homem de suas proacuteprias ldquoforccedilas essenciaisrdquo ldquocomo
oacutergatildeos que satildeo imediatamente sociaisrdquo Ou seja toda a gama de possiacuteveis
relaccedilotildees com objetos todas elas de caraacuteter social satildeo formas do homem se
apropriar natildeo soacute dos objetos mas tambeacutem de si mesmo pois o seu
comportamento objetivo ou como Marx denomina ldquoo seu comportamento para
com o objetordquo eacute a essecircncia da efetivaccedilatildeo humano-social Tal comportamento para
com o objeto ldquoeacute tatildeo muacuteltiplo como satildeo as determinaccedilotildees essenciais e as
atividades humanasrdquo (MARX 196991-nota de rodapeacute)
Nesse sentido o pensar dentre a multiplicidade de formas de apropriaccedilatildeo
possiacuteveis enquanto ldquooacutergatildeo imediatamente social em sua formardquo se consubstancia
17
como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
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correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
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histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
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Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
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como uma ldquoforccedila essencialrdquo especiacutefica de apropriaccedilatildeo de objetos por meio de sua
reproduccedilatildeo ideal
Ademais os sentidos humanos podem expandir as suas proacuteprias
possibilidades no interior mesmo desse processo de apropriaccedilatildeo objetivo-subjetiva
que tem por centro o mundo objetual ldquoEacute somente graccedilas agrave riqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humana que a riqueza da sensibilidade subjetiva eacute
inicialmente desenvolvida e produzida que um ouvido se torna musical que o olho
percebe a beleza da forma em resumo que os sentidos tornaram-se capazes de
gozo humano tornaram-se sentidos que se confirmam como forccedilas essenciais
humanas Pois natildeo soacute os cinco sentidos mas tambeacutem os sentidos ditos
espirituais os sentidos praacuteticos (a vontade amor etc) em uma palavra o sentido
humano a humanidade dos sentidos se formam graccedilas agrave existecircncia de seu objeto
por obra da natureza humanizada A formaccedilatildeo dos cinco sentidos eacute obra de toda
histoacuteria transcorridardquo (MARX 196993-4)
Mais uma vez Marx assevera que a humanizaccedilatildeo dos sentidos se daacute
concomitantemente agrave humanizaccedilatildeo dos objetos agrave ldquoriqueza objetivamente
desenvolvida da essecircncia humanardquo pois os proacuteprios sentidos se enriquecem a
cada nova e distinta apropriaccedilatildeo do mundo objetual
Em suma tanto a objetividade quanto a subjetividade em todas as suas
possiacuteveis figuraccedilotildees inclusive o pensar satildeo socialmente constituiacutedas no interior
do complexo e contraditoacuterio processo de superaccedilatildeo de sua naturalidade isto eacute no
processo de humanizaccedilatildeo do homem nas suas dimensotildees constitutivas objetiva e
subjetiva
A fundamentaccedilatildeo onto-praacutetica do pensamento passiacutevel de ser observada
no decorrer das raacutepidas referecircncias feitas a alguns trechos dos Manuscritos de 44
encontra base de sustentaccedilatildeo tambeacutem em outros textos de Marx como veremos a
seguir especialmente em A Ideologia Alematilde Mas antes de prosseguir na anaacutelise
dessa obra eacute imperioso advertir para o fato de que grande parte das anaacutelises
sobre o tema que se serviram do livro em questatildeo abordaram a problemaacutetica da
18
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
produccedilatildeo social da consciecircncia e da determinaccedilatildeo social do pensamento de modo
simplificador e por vezes unilateralizante ldquoacomodadas por leituras fragmentaacuterias e
extratos seletivamente viciados que redundam em versotildees roboacuteticas sobre os
nexos que entrelaccedilam sociedade e pensamentordquo (CHASIN 1995405)
No item anterior ressaltamos que em A Ideologia Alematilde os autores
buscam questionar de modo contundente as bases de sustentaccedilatildeo da propositura
neohegeliana mas que ao mesmo tempo estabelecem o perfil geral de seu
proacuteprio modo de pensar Nesse sentido haacute vaacuterias passagens que ilustram de
modo irretorquiacutevel as relaccedilotildees entre o ser dos homens e a consciecircncia enquanto
seu atributo e por via de consequumlecircncia o caraacuteter social da mesma
Os autores ldquodepois de terem examinado quatro momentos quatro
aspectos das relaccedilotildees histoacutericas originaacuteriasrdquo constatam de modo irocircnico ldquoque o
homem tem tambeacutem lsquoconsciecircnciarsquo Mas ainda assim natildeo se trata de consciecircncia
lsquopurarsquo Desde o iniacutecio pesa sobre o lsquoespiacuteritorsquo a maldiccedilatildeo de estar lsquocontaminadorsquo
pela mateacuteria que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento de
sons em suma de linguagem A linguagem eacute tatildeo antiga quanto a consciecircncia - a
linguagem eacute a consciecircncia real praacutetica que existe tambeacutem para mim mesmo e a
linguagem nasce como a consciecircncia da carecircncia da necessidade de
intercacircmbio com os outros homens A consciecircncia portanto eacute desde o iniacutecio
um produto social e continuaraacute sendo enquanto existirem homensrdquo (MARX amp
ENGELS 1977a43)
Eacute em funccedilatildeo da necessidade de interrelacionamento social que o espiacuterito
se encontra ldquocontaminadordquo pela mateacuteria isto eacute pela linguagem que enquanto
ldquoconsciecircncia praacuteticardquo evidencia o enraizamento social das formas espirituais
enquanto produtos histoacuterico-sociais determinados
Vimos tambeacutem que os autores de A Ideologia Alematilde reconhecem os
homens prioritariamente enquanto produtores de seus meios de vida enquanto
produtores de si proacuteprios atraveacutes de sua atividade praacutetico-material E enquanto
tais ldquosatildeo produtores de suas representaccedilotildees de suas ideacuteias mas os homens reais
19
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forccedilas produtivas e pelo intercacircmbio que a ele corresponde ateacute chegar agraves
suas formaccedilotildees mais amplasrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36-7)
As ideacuteias as representaccedilotildees satildeo resultado da atividade de homens reais e
estatildeo diretamente entrelaccediladas com a atividade material por eles desenvolvida E
ao transformarem a sua atividade concreta ldquotransformam tambeacutem com esta sua
realidade seu pensar e os produtos de seu pensar Natildeo eacute a consciecircncia que
determina a vida mas a vida que determina a consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS
1977a37)
Assim a compreensatildeo do caraacuteter social da consciecircncia passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraiacute-la dos seus portadores reais isto eacute
os sujeitos reais e concretos em sua atividade material historicamente
determinada
Marx partindo ldquodos proacuteprios indiviacuteduos reais e vivosrdquo considera ldquoa
consciecircncia unicamente como sua consciecircnciardquo (MARX amp ENGELS 1977a37-8)
como a consciecircncia de indiviacuteduos que tecircm uma atividade praacutetica que se
desenvolve socialmente
Como vimos eacute a partir da determinaccedilatildeo da ldquobase real da histoacuteriardquo isto eacute a
produccedilatildeo dos meios de vida e as diferentes formas de sociabilidade a eles
conectadas que Marx explica ldquoo conjunto dos diversos produtos teoacutericos e formas
de consciecircncia o que permite entatildeo naturalmente expor a coisa em sua
totalidaderdquo (MARX amp ENGELS 1977a55)
No Prefaacutecio de 59 Para a Criacutetica da Economia Poliacutetica encontramos uma
formulaccedilatildeo semelhante agravequela jaacute desenvolvida em A Ideologia Alematilde Eacute quando o
autor enuncia o roteiro de sua trajetoacuteria teoacuterica e as conclusotildees gerais daiacute
resultantes que vieram a servir de ldquofio condutorrdquo para seus estudos ldquona produccedilatildeo
social de sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees determinadas
necessaacuterias independentes da sua vontade relaccedilotildees de produccedilatildeo que
20
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forccedilas produtivas
materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui a estrutura econocircmica
da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juriacutedica e
poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas formas de consciecircncia social O
modo de produccedilatildeo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social
poliacutetica e intelectual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o
seu ser eacute o seu ser social que inversamente determina a sua consciecircnciardquo
(MARX 1971a28-9)
O esforccedilo de Marx se encaminha na direccedilatildeo de afirmar a produccedilatildeo da
consciecircncia como momento da praacutetica humana concreta constituiacutedo no interior da
proacutepria sociabilidade enquanto tal Natildeo se trata portanto de uma postulaccedilatildeo
economicista ou coisa que o valha como frequumlentemente eacute ventilado pelas
anaacutelises grosseiras e superficiais a respeito Trata-se antes de tudo de ldquodiscernir
condiccedilotildees possibilidades ou impedimentos de atualizaccedilatildeo eacute deslindar processos
geneacuteticos o que soacute eacute possiacutevel de elisatildeo em face do incondicionado do absoluto
cuja figura aliaacutes ao inverso de consagrar uma presenccedila de validade infinita
remete ao vazio pois basta desconhecer ou abstrair a origem e o
desenvolvimento de algo real ou ideal para que o mesmo assuma a maacutescara do
eternordquo (CHASIN 1995409)
E decididamente este natildeo eacute o procedimento de Marx Ao contraacuterio ele
reiteradamente denuncia por exemplo no ldquoponto de vista da economia poliacuteticardquo a
eternizaccedilatildeo das condiccedilotildees existentes sob a eacutegide do capital dado que esse
ldquoponto de vistardquo oblitera natildeo soacute a questatildeo das origens histoacutericas da formaccedilatildeo do
capital mas tambeacutem o caraacuteter histoacuterico e transitoacuterio das proacuteprias categorias
econocircmicas Jaacute em A Miseacuteria da Filosofia Marx se posicionara a respeito
afirmando que ldquoAs categorias econocircmicas satildeo expressotildees teoacutericas das relaccedilotildees
sociais de produccedilatildeoOs mesmos homens que estabelecem as relaccedilotildees sociais
de acordo com a sua produtividade material produzem tambeacutem os princiacutepios as
ideacuteias as categorias de acordo com suas relaccedilotildees sociais Assim estas
categorias satildeo tatildeo pouco eternas quanto as relaccedilotildees que exprimem Satildeo produtos
21
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
histoacutericos e transitoacuterios Haacute um movimento contiacutenuo de aumento das forccedilas
produtivas de destruiccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de formaccedilatildeo nas ideacuteias de
imutaacutevel soacute existe a abstraccedilatildeo do movimento - mors immortalisrdquo (MARX
1985a106)
O trecho acima estaacute voltado agrave criacutetica da ldquometafiacutesica da economia poliacuteticardquo
ou seja a Proudhon o qual segundo Marx natildeo compreende ldquoque os homens que
produzem as relaccedilotildees sociais de acordo com sua produtividade material criam
tambeacutem as ideacuteias as categorias ou seja as expressotildees ideais dessas mesmas
relaccedilotildees sociaisrdquo(MARX 1977d21)
Proudhon aparece aos olhos de Marx como o ldquoQuesnay da metafiacutesica da
economia poliacuteticardquo justamente por conceber as categorias econocircmicas como
ldquosomente ideacuteias pensamentos espontacircneos independentes das relaccedilotildees reaisrdquo
de sorte que ldquoa partir de entatildeo se eacute forccedilado a considerar o movimento da razatildeo
pura como a origem desses pensamentosrdquo (MARX 1985a102-3) O
procedimento de Proudhon eacute assim denunciado trata-se de uma aplicaccedilatildeo
mesquinha da dialeacutetica hegeliana pois ele ldquoacredita construir o mundo pelo
movimento do pensamentordquo (MARX 1985a106) Donde eacute importante lembrar
que ldquotatildeo logo emergiu com a Criacutetica de 43 o pensamento marxiano considerou
universalmente que autonomizar a razatildeo ou consciecircncia e seus produtos eacute operar
a sua transmutaccedilatildeo em lsquosubstacircncia miacutesticarsquordquo (CHASIN 1995409)
Do mesmo modo nos Grundrisse quando discute os pressupostos a partir
dos quais se formam as noccedilotildees de liberdade e igualdade Marx se expressa mais
uma vez acerca do lugar geneacutetico das formaccedilotildees ideais ldquoNatildeo se trata apenas de
que a liberdade e igualdade satildeo respeitadas no intercacircmbio de valores de troca
mas que o intercacircmbio de valores de troca eacute a base produtiva real de toda
igualdade e liberdade Estas como ideacuteias puras satildeo meras expressotildees
idealizadas daquele ao desenvolver-se em relaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas e sociais
estas satildeo somente aquela base elevada a outra potecircnciardquo (MARX 1971b183
vI)
22
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
Em suma totalmente enraizadas no tecido social onde vige a atividade
praacutetico-material dos indiviacuteduos as diferentes formas de pensamento ldquosatildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e
atividades Se a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultaramrdquo (MARX amp ENGELS 1977a36)
Assim as representaccedilotildees produzidas pelo indiviacuteduos independentemente
de serem falsas ou verdadeiras ldquobrotam sempre do terreno comum do intercacircmbio
social Corretas ou fantasiosas as ideaccedilotildees natildeo satildeo auto-engendradas
variando de um poacutelo a outro em funccedilatildeo do potencial societaacuterio em que se
manifestamrdquo (CHASIN 1995406)
A falsidade ou correccedilatildeo das representaccedilotildees natildeo satildeo motivadas assim por
mecanismos puramente ideais inerentes agrave proacutepria constituiccedilatildeo da esfera subjetiva
mas derivam da potecircncia ou dos limites do modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida ou seja os limites agrave devida apreensatildeo dos nexos constitutivos
da realidade satildeo postos socialmente Eacute nesse sentido que Marx afirma que a
nenhum dos filoacutesofos neohegelianos - que realizam como vimos a inversatildeo
ontoloacutegica entre ser e pensar - ldquoocorreu perguntar qual era a conexatildeo entre a
filosofia alematilde e a realidade alematilde a conexatildeo entre sua criacutetica e o seu proacuteprio
meio materialrdquo (MARX amp ENGELS 1977a26)
A interpretaccedilatildeo corrente desse tipo de formulaccedilatildeo acabou por generalizar a
ideacuteia de que a determinaccedilatildeo social do pensamento implicaria necessariamente um
elemento negativo restritivo ou mesmo inibidor que viria assim a impedir a devida
apreensatildeo do real Os indiviacuteduos se encontrariam posicionados sempre a partir de
pontos de vista particulares condicionados historicamente e dessa forma
impossibilitados ao exerciacutecio objetivo da produccedilatildeo do saber No entanto tal como
podemos verificar nos textos de Marx essa questatildeo eacute caracterizada de um modo
completamente distinto a sociabilidade emerge como condiccedilatildeo de possibilidade
23
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
24
do pensamento tanto no sentido negativo quanto no sentido positivo Vale dizer a
vida social ldquoresponde como fonte primaacuteria ou raiz polivalente pelas grandezas e
falaacutecias do pensamento De suas formas emanam carecircncias e constrangimentos
que impulsionam ao esclarecimento ou pelo contraacuterio conduzem ao
obscurecimento da consciecircncia em todos os graus e mesclas possiacuteveis De suas
formaccedilotildees que demarcam eacutepocas tempos de luz e afirmaccedilatildeo do homem ou de
sombra e negaccedilatildeo do mesmo se impotildeem e realizam abrangendo todo gecircnero em
suas tendecircncias peculiares e contraditoacuteriasrdquo (CHASIN 1995407)
[1] Artigo publicado em 1999 pela Revista Ensaios Ad Hominem Tomo I ndash
Marxismo Estudos e Ediccedilotildees Ad Hominem
Professora de Filosofia da UFMG coordenadora do Grupo de Pesquisa
Marxologia Filosofia e Estudos confluentes
2 Traduccedilatildeo de JChasin
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