ligacaoconcurso.files.wordpress.com€¦  · Web viewCom o advento do Novo Código Civil ... O...

91
1

Transcript of ligacaoconcurso.files.wordpress.com€¦  · Web viewCom o advento do Novo Código Civil ... O...

Módulo CEPADJaneiro de 2003

Professor: Sylvio CapanemaAluno: Wedsblay Day Hey

1

Com o advento do Novo Código Civil (NCC), suas normas produzirão impacto em todos os outros institutos jurídicos.

O NCC jamais pretendeu ser uma lei exaustiva de todo o direito privado. Isto seria impossível.

O NCC pretendeu atualizar os princípios fundamentais consagrados ao longo da vigência do Antigo Código Civil (ACC). Manteve toda a legislação criada e existente ao longo desses quase 90 anos.

O NCC não pretende disciplinar matérias novas, contratos novos tais como os de Clonagem e de fertilização in vitro. Estes assuntos, devido a sua relevância e a sua especificidade, devem ser tratados em leis especiais, haja vista a facilidade com que se poderá proceder à mudança de seus textos ao longo dos anos, em virtude dos avanços bio-tecnológicos que vêm se verificando com tanta rapidez.

O NCC também não pretendeu modificar relações jurídicas já existentes. Como exemplo, podemos citar o do contrato de locação, que tem que ser previsto em lei especial, de mais fácil modificação.

O NCC não é um Código meramente do Direito Privado. Ele é um alicerce doutrinário, consagrando as relações jurídicas da sociedade como um todo.

Há uma corrente que entende que não deveríamos ter um Código em si, que regule genérica e com tamanha abrangência os temas/matérias do Direito Privado, mas sim micro-Códigos. Essa corrente sustenta que ou Código Civil já perdeu a sua função (a sua unidade, alicerce doutrinário de uma sociedade).

De certa forma, esta corrente encontra amparo nos inúmeros Códigos existentes (micro-sistemas), tais como o Código de propriedade, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Código das Águas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e etc..

A outra corrente, que prevaleceu, entende que devemos ter um Código Civil servindo como alicerce de toda a ordem jurídico-social. O NCC servirá como a base de princípios de todo o ordenamento jurídico que lhe segue e lhe seguirá.

No entanto, a corrente majoritária está mais alinhada com a evolução social: a abolição do código civil, conquanto toda a matéria civil seja regulada em micro-Códigos, micro-sistemas autônomos.

O NCC cria princípios e inovadores e também técnica judiciárias, conferido maiores poderes aos juízes. Ele tem como uma de suas grandes inovações o fato de delegar aos juízes uma gama maior de poderes discricionários para decidir acerca de determinadas matérias.

Questão pertinente: o NCC teria revogado o CDC?

2

Exemplo: artigo 931 do NCC (Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.). Este artigo refere-se à chamada Teoria do Risco. Alguns vislumbram o afastamento do CDC, pois estar-se-ia prevendo a responsabilidade integral do fornecedor, não fundada na culpa.

Entende o professor que seria uma leviandade se o NCC revogasse o CDC.

Para cumprir a determinação da lei complementar 95/98 (Art. 9o A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.), o deputado Ricardo Fiúza, em seu anteprojeto, elenca uma série de leis que estariam sendo revogadas pelo NCC. Ele expressamente só prevê a revogação do ACC e do livro I Código Comercial (Art. 2.045. Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850.) Nesse rol de leis, não consta o CDC.

O art. 931 do NCC quis fazer foi estender a regra do CDC para qualquer outra relação não tipificada como relação de consumo, por não haver habitualidade ou consumidor final, tal como disciplinado pelo CDC. Ao invés de afastar o CDC, o NCC veio a consolidá-lo.

O NCC estabelece a função social do contrato, o princípio da boa-fé objetiva, a desconsideração da personalidade jurídica, etc.

Muitos vislumbram uma influência do CDC sobre o NCC. O professor diz que o NCC faz mudanças paradigmáticas. Como o projeto do NCC tramitou desde 1975, na realidade, foi o CDC que se inspirou no projeto do NCC. Como foi aprovado antes (1990), muitos entendem (erroneamente) que o NCC copiou os dispositivos do CDC.

Há uma absoluta sintonia entre ambas as leis. Na verdade, as duas leis se complementarão.

Pelo fato de o NCC reproduzir dispositivos do CDC, muitos entendem que aquele estaria revogando este, o que não é verdade. Pelo princípio da especialidade (aplicado quando estamos diante de um conflito de leis, uma antinomia jurídica), o CDC é lei especial (específica em relação de consumo), enquanto o NCC é lei geral, disciplinando as relações gerais não abrangidas na seara do consumo.

A gênese do CDC está na 1ª metade do séc. XIX, quando começou-se a mudar, a oxigenar os contratos. Mudança do individualismo: interesse individual; contrato relativo aos contratantes, e só a eles interessava. Estávamos no período do Estado Liberal Clássico: princípio da liberdade de contratar/autonomia da vontade e o pacta sunt servanda. No Estado Liberal Clássico, a idéia de contrato foi levada ao extremo. Todas as relações econômicas deveriam ser reduzidas à forma de contrato. Rosseau e sua Teoria do Contrato Social: homem e Estado.

3

Contrato e a liberdade de contratar. A função do Estado Liberal era a de garantir a liberdade das partes para que pudessem ajustar o contrato que melhor atendesse aos seus interesses. “Tudo o que é contratual é justo, desde que as partes sejam livres para contratar”. “Disse contrato, disse justo”. Eram essas as máximas da época do séc XIX. O Estado Liberal somente assistia à formação dos contratos.

*Autonomia da vontade: liberdade de contratar. A liberdade das partes asseguraria a segurança e a justiça dos contratos;

*Força obrigatória dos contratos: pacta sunt servanda.

O equilíbrio da sociedade se ajusta no contrato, através do princípio da força obrigatória dos contratos, princípio da imutabilidade. O Estado Liberal entendia que nem o Judiciário poderia modificar o contrato, pois estaria violando o princípio da imutabilidade, fragilizando o equilíbrio social. Passou-se a dizer que o contrato era “lei entre as partes”. Ressuscitou-se a máxima romana “pacta sunt servanda”: os contratos e as obrigações devem ser cumpridos.

Esses eram os dogmas que inspiraram o Estado Liberal Clássico (criado após a Revolução Francesa), inclusive o nosso ACC. Na verdade, o nosso ACC é de 1896, sofrendo as influência desse individualismo que se observa, precipuamente no Livro das Obrigações e no Livro de Contratos.

No Estado Liberal, o equilíbrio repousaria na idéia da obrigatoriedade daquilo que se ajustou nos contratos. Somente um novo consenso livre entre as partes poderia alterar as cláusulas do contrato.

A partir da 2ª metade do século XIX, passou-se a temperar esses dogmas. O excesso de Liberalismo foi fatal para a continuação dos dogmas do Estado Liberal Clássico.

A liberdade das partes, por si só, não garantia (e não garante) a igualdade e o equilíbrio perfeito dos contratos. Passou-se a entender que a igualdade das partes é fundamental para o equilíbrio e a justiça dos contratos, a despeito da liberdade. As partes podem ser livres, mas suas condições econômicas, sociais, culturais, e etc., influenciavam negativamente neste equilíbrio.

Observou-se em um primeiro momento que os contratos de trabalho, a despeito da liberdade das partes, impunham aos trabalhadores péssimas e desproporcionais condições de trabalho, acarretando-lhes os mais diversos e intensos abusos: jornada de trabalho excessiva, trabalho em condições insalubres, baixíssimos salários. Não eram trabalhadores; na verdade, eram semi-escravos. Desde então, vislumbrou-se uma ausência de igualdade entre as partes. Percebeu-se que a igualdade é condictio sine quae non para o contrato justo e equilibrado.

Na prática, os homens não são iguais. Cada qual possui a sua idiossincracia. Os homens diferem em cor, estatura, aparência, condições físicas, e etc.

4

Os homens devem ser iguais quando celebram os contratos. Mas eles nunca serão iguais. Como o Estado Moderno resolveu a questão?

Através do “Dirigismo Contratual”.

O Estado passou a dirigir, interferir nos contratos para proteger a parte que, naquele contrato, era a mais fraca. O Estado compensa a parte economicamente mais fraca, tornando-a juridicamente mais forte. O Estado passa a atuar, protegendo o mais fraco na relação contratual. Daí o Estado Liberal Clássico enfraqueceu, sendo substituído pelo Estado Intervencionista.

Maneiras de agir do Estado Intervencionista:

1ª) O Estado impõe aos contratantes certas cláusulas, ainda que as partes não as quisessem (Ex.: Contrato de Trabalho). Ora ele impõe, ora proíbe certas cláusulas, fulminando-as de nulidade (Ex.: art. 51 do CDC “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:” );

2ª) Vedação de certas cláusulas. Elas não existem pois nascem mortas. O Estado proíbe, sob pena de nulidade, certas cláusulas.

Esse Dirigismo só pode haver quando as partes estejam desniveladas, seja economicamente, seja tecnicamente. Há percepção de uma vulnerabilidade de uma das partes. As legislações trabalhistas foram as primeiras a sofrerem essa nova leitura.

O Dirigismo Estatal não pode ser confundido com paternalismo demagógico (que engessa os mercados econômicos). O paternalismo é quase tão grave quanto a omissão Estatal. Exemplo de excesso de Dirigismo que transmudou em paternalismo é a lei 1300/50, da Era Vargas, que versava sobre locações urbanas, que inviabilizou quase que por completo as relações locatícias, face ao excesso de proteção conferida aos inquilinos, que beirava a quase conferir a eles a propriedade absoluta do imóvel em detrimento do seu legítimo proprietário, que não poderia, além de reajustar anualmente os aluguéis em um período de inflação galopante, reavê-lo do inquilino.

O Dirigismo mitigou o princípio da autonomia das vontades, presente na fase anterior do Estado Clássico.

O princípio do pacta sunt servanda também passou a sofrer mitigações. Face a esse princípio, não há no nosso ACC qualquer referência à Teoria da Imprevisão, à onerosidade excessiva, pois isto fragilizava um dos pilares/valores do Estado Liberal. A jurisprudência (construção doutrinária e pretoriana) é que reconhecia essas Teorias, que passaram a ser expressamente previstas no NCC.

Esse princípio da força obrigatória dos contratos passou a ser reinterpretado através da cláusula rebus sic standibus (contratos devem ser interpretados enquanto as condições permanecerem iguais às condições verificadas à

5

época da sua celebração. A onerosidade excessiva está calcada nesta cláusula). Passou-se a denominar este fato de “Teoria da Revisão”. Essa cláusula foi sepultada (esquecida) com a Revolução Francesa.

Essa cláusula ressurgiu a partir da decadência do Estado Liberal Clássico, que se verificou na França a partir do final da 1ª Grande Guerra Mundial.

Essa cláusula ressurgiu com mais evidente força na República do Weimar, que sucedeu à Alemanha Imperialista. Não só fez ressurgi-la, bem como reformulou-ª

Teoria da Pressuposição: condições econômicas se mantém razoavelmente iguais à data da celebração do contrato. Rompimento das relações econômicas por um fato superveniente. Quando as partes celebram o contrato, partem da pressuposição de que as condições econômicas então vigentes, se manterão razoavelmente iguais. Rompendo-se a pressuposição, admite-se a resolução ou a modificação do contrato.

O Direito passou do individualismo para a sua função social.

Relações de consumo. O consumidor é triplamente vulnerável em relação ao fornecedor:

1º) Vulnerabilidade Econômica: Esta é a regra, até porque há casos em que o contrário se verifica (Ex: Roberto Marinho frente a uma concessionária). Na maioria das vezes, o consumidor é economicamente mais fraco em relação ao fornecedor.

2º) Vulnerabilidade Fática: O consumidor precisa de um produto ou de um serviço, e o fornecedor lhe impõe condições. Essa vulnerabilidade decorre do fato da necessidade do consumidor precisar do produto ou do serviço.

3º) Vulnerabilidade Técnica: O consumidor não dispõe de informações técnicas sobre o produto ou serviço que adquiriu. O consumidor adquiria um produto que não atendia às suas finalidades, e etc., porque os fornecedores não davam informações a respeito do produto. Esta é a regra que também comporta exceções.

Até 1988, o consumidor brasileiro assumia os riscos do consumo. Em 1940, a Itália já tinha seu próprio Código do Consumidor.

No Brasil, somente a partir da Constituição de 1988, o consumidor passou a ser tutelado em seus direitos. A Constituição incluiu em suas disposições programáticas, a previsão de uma legislação infraconstitucional que passasse a regular as relações de consumo (CDC), dando-lhe prazo para a sua elaboração (CRFB , “Art. 5º XXXII. O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”; ADCT, “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”).

6

Esse CDC é uma extensiva intervenção (Dirigismo Contratual) do Estado nas relações de consumo. O que justifica essa intervenção? A vulnerabilidade tríplice que em regra se verifica em relação ao consumidor.

Alguns poucos entenderam que o CDC já nascera inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia nas relações de consumo, por tratar de forma diferente os dois pólos desta relação. A lei 8078/90 foi a materialização de uma legislação eivada de inconstitucionalidade em virtude da proteção demasiada conferida ao consumidor. Outrossim, esses doutrinadores criticaram o termo “Código de Defesa do Consumidor”, por ensejar, literalmente, uma ampla e expressa violação ao princípio da igualdade.

No entanto, tais argumentos não procedem: enquanto o consumidor for diferente do fornecedor (vulnerabilidade tríplice), deverá também ser tratado legalmente de forma diferente. Ademais, para rechaçar qualquer argumento contrário ao CDC, o legislador foi deveras perspicaz: quando da criação da lei 8078/90, sua ementa evitou mencionar a expressão “Código de Defesa do Consumidor”, in verbis: “Dispõe sobre a proteção ao consumidor e dá outras providências”. Todavia, toda e qualquer menção posterior, tratada no texto da lei para se referir aos objetivos da lei, refere-se expressamente ao “Código de Defesa do Consumidor”. O legislador teve por escopo “fugir” ao controle feroz destes opositores do CDC quando da análise do Projeto de Lei e sua ementa.

Passaremos à uma análise mais acurada do CDC, em comparação ao que dispõe o NCC.

O CDC admite a modificação de cláusulas que já tenham nascido desiguais (Art. 6º São direitos básicos do consumidor:   V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;). Ele fala na modificação, e não anulação do contrato (e de suas cláusulas). A lesão acarreta a modificação da cláusula.

O NCC, em seu art. 157 (Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.), previu a Teoria da Lesão, estabelecendo a anulação do negócio jurídico.

A lesão, no NCC, é defeito do negócio jurídico, que enseja a nulificação/desconstituição do negócio.

Questão que se impõe: em relação ao NCC, pode a parte lesada optar pela manutenção do contrato, ao invés da sua anulação?

7

Sim, se a parte lesada pode pedir a anulação do contrato, poderá pedir a modificação da cláusula, reeqüilibrando o contrato. “Quem pode o mais, pode o menos”. Faz-se uma interpretação analógica segundo o CDC.

Atenção: Art. 157 Art. 478, ambos do NCC

Da Lesão

        Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

        § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

        § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

A lesão antecede ao contrato. É um vício do negócio jurídico que leva à anulação do contrato. O contrato já nasce desequilibrado.

Da Resolução por Onerosidade Excessiva

        Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Trata da onerosidade excessiva. É superveniente ao contrato. Decorre de um fato imprevisível que rompe o equilíbrio econômico, levando à resolução. Não é um vício.

Atenção: Arts. 157 e 478 do NCC X art. 6º, V do CDC

Dos Direitos Básicos do Consumidor

        Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

O art. 6º, V, do CDC funde os arts. 157 e 478 do NCC. Na sua 1ª parte, trata da Teoria da Lesão (art. 157 NCC), enquanto a sua 2ª parte trata da Teoria da

8

Onerosidade Excessiva, aludindo à modificação da cláusula e à revisão das cláusulas que se tornaram onerosas.

O CDC não alude à imprevisibilidade. O art. 478 do NCC é expresso: só pode alegar a onerosidade excessiva se decorrer de fato extraordinário e imprevisível.

Tem se tornado majoritário, de acordo com o art. 478, o entendimento de que a parte poderá pedir a resolução ou a modificação (interpretação extensiva) do contrato.

Art. 478: “fato extraordinário e imprevisível”.

Para o CDC, somente importa se houve onerosidade excessiva superveniente ao contrato para modifica-lo.

Para o NCC, não basta haver onerosidade excessiva e superveniente; é preciso que ela decorra de um fato imprevisível.

O STJ tem um enunciado interpretativo acerca da matéria. O que vem a ser um fato extraordinário e imprevisível? Há uma diferença tênue entre causa e efeito.

Art. 478 do NCC: a resolução ou a modificação do contrato pode ser pedida pela parte ainda que a onerosidade excessiva seja causada por fato previsível, desde que os efeitos desse fato sejam imprevisíveis.

Ex.: contrato de leasing atrelado à prestação do dólar. O Governo libera o câmbio. Fato previsível, de conhecimento de qualquer homem comum. Imprevisível era que, em razão da especulação financeira verificada a partir da crise das bolsas asiáticas e da quebra da economia Russa (1997), a cotação do dólar dobrasse da noite para o dia.

***

O CDC estabelece alguns princípios fundamentais.

O primeiro deles diz respeito ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor. Vulnerabilidade esta que se manifesta triplamente. Pode ser uma vulnerabilidade:

a) Econômica; b) Fática; c) Técnica.

Em razão dessa tríplice vulnerabilidade é que se justifica uma legislação de ao consumidor. Não podendo igualar exatamente as pessoas, o Estado moderno procura então compensar a vulnerabilidade de uma parte contratual, protegendo-a, tornando-a juridicamente mais forte que a outra. Isso fica muito nítido no CDC.

9

Essa idéia da vulnerabilidade do consumidor (necessidade de ser ele protegido) também é recepcionada no NCC: função social do contrato e acima de tudo, a boa-fé objetiva ensejam essa proteção. E mais ainda: no NCC a todo momento se permite a intervenção judiciária para reeqüilibrar contrato que se tenha tornado excessivamente oneroso para uma das partes, principalmente para aquela mais vulnerável.

Um outro princípio do CDC é o princípio da segurança. O consumidor tem direito básica à proteção de sua vida e de sua saúde; ou seja, o fornecedor não pode colocar no mercado, produtos que possam oferecer risco à vida e à saúde do consumidor. E aqueles produtos que tenham risco inerente, v. g., garfos, armas, utensílios agrícolas, os riscos deles advindos devem ser claramente advertidos ao consumidor, inclusive com orientações seguras de como minimizar esses riscos.

Esse princípio da segurança, por sua vez gerou aquela mudança de postura no que se refere à responsabilidade civil do fornecedor, que no CDC outrora é informada pela Teoria do Risco. O risco de causar dano ao consumidor agora é assumido pelo fornecedor, quando antigamente recaía sobre os ombros do consumidor. Exatamente porque agora o fornecedor tem o dever jurídico de proteger o consumidor dos riscos decorrentes dos produtos e serviços que presta, ele tem que assumir esse risco, indenizando aqueles danos que os seus produtos causarem, salvo, é claro, quando não houver nexo causal.

A adoção da Teoria do Risco decorre necessariamente do princípio da segurança. O sistema do consumidor afastou definitivamente a discussão sobre a culpa.

A culpa era o elemento central da responsabilidade civil, no sistema do CC/1916. Toda a discussão sobre a responsabilidade civil girava em torno da culpa. Na Teoria Subjetiva, a culpa teria que ser provada pela vítima. A vítima do dano é que teria que desincumbir-se do ônus, e provar a culpa do autor do dano. E na Teoria Objetiva, a culpa se presumia, cabendo ao autor do dano fazer a prova da não culpa.

Mas reparemos: tanto na Teoria Subjetiva, quanto na Teoria Objetiva, a culpa continuava sendo o ponto central da discussão; o elemento primordial da responsabilidade civil era a culpa.

O CDC deslocou essa discussão para a idéia do nexo causal. O que importa agora nas relações de consumo é identificar o nexo causal, ou seja, se o dano apresentado pelo consumidor decorreu do produto ou do serviço fornecido. Ao consumidor, basta portanto fazer essa prova: do dano e do nexo causal.

E o fornecedor não vai discutir se teve culpa ou não. Ele não vai fazer a prova da não culpa. O fornecedor só se exonerará da obrigação de indenizar se provar fato capaz de romper o nexo de causalidade. Exemplo: provar que não foi ele que colocou aquele produto no mercado, ou provar que o produto que ele colocou no mercado não tinha qualquer defeito, e conseqüentemente não poderia ter causado aquele dano. Ou então provar que o dano apresentado pelo consumidor decorreu de um fato exclusivo do consumidor ou de terceiro.

10

Para o leigo, não haverá muita diferença. Se o fornecedor provar que não existe o nexo causal, ele não estará também provando que não teve culpa? Claro, o resultado final é o mesmo. Mas qual é a vantagem da Teoria do Risco sobre a Teoria da Culpa?

É que o conceito de culpa é eminentemente subjetivo. Portanto, tanto na discussão da Teoria Subjetiva da culpa provada quanto da Teoria da Objetiva da culpa presumida, de qualquer maneira, seja para provar a ocorrência de culpa e de não culpa, a discussão resvala sempre para o escorregadio terreno da subjetividade. O que é a culpa, senão a violação de um dever geral de cautela. E aí será preciso ver a intenção da parte, o seu comportamento, etc. Então essa discussão sobre a culpa e a não culpa é sempre angustiante, fazendo com que as ações de responsabilidade civil se arrastem por muitos anos.

Já a discussão sobre o nexo causal é absolutamente objetiva. O conceito de nexo causal é objetivo, não é jurídico. O nexo causal se afere pelas regras da experiência comum da vida, e não por regras jurídicas. O juiz tem que ver, pela experiência comum dos fatos da vida, se aquele dano decorreu de uma determinada conduta. Portanto, é muito mais fácil aferir-se se houve ou não nexo causal do que aferir-se se houve ou não culpa. Essa é a única razão pela qual se explica a preferência do direito moderno pela chamada Teoria do Risco, que afasta a culpa.

Para o consumidor lograr receber indenização pelo dano que lhe causou o produto ou o serviço, fica muito mais fácil. Agora vejamos a repercussão disso no NCC. O objetivo do curso é esse: ver as correspondências ou eventuais divergências entre o CDC e o NCC.

O CC/1916, Código de Bevilacqua, adota a Teoria Subjetiva, da culpa provada, o que é perfeitamente compreensível. O nosso CC/1916 foi concluído em 1896. É um Código do séc. XIX, quando dominava indiscutivelmente a Teoria Subjetiva. Isto não quer dizer que o Código Bevilacqua só tenha adotado a Teoria Subjetiva. Ele a adotou como regra geral para a chamada responsabilidade extra-contratual, aquiliana. Mas adotou a Teoria da Culpa Presumida em alguns territórios, como o da culpa contratual. Na responsabilidade contratual, o CC/1916 adotou a Teoria da culpa presumida. Mas como regra geral, a culpa provada.

Aos poucos é que a Teoria Objetiva foi ganhando espaço, como p. ex. , a lei de acidente de trabalho, depois a responsabilidade civil do Estado. Foram surgindo algumas leis complementares que adotavam a Teoria Objetiva da culpa Presumida, que foi ocupando maiores espaços. Mas é indiscutível que no sistema do CC/1916, a Teoria Subjetiva ainda continua sendo a regra geral. Isso nos colocava anos luz atrasado em relação aos sistemas modernos.

Agora, o NCC, em evidente inspiração no CDC, mudou o sistema. Vejamos o art. 927, in verbis:

        Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

11

        Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O seu caput trata da regra geral. A conseqüência jurídica do ato ilícito é a obrigação de reparar o dano. Esse art. 927 do NCC faz uma remissão expressa aos arts. 186 e 187, que são aqueles que definem o que é ato ilícito (art. 186) e equipara ao ato ilícito o abuso de direito (art. 187):

        Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

        Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O parágrafo único do art. 927 do NCC é surpreendente. Quem o lê, lembra-se imediatamente do CDC: obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa.

Esta expressão independentemente de culpa está, ipisis litteris no CDC, no art. 12 e 14:

        Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

        Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Só há uma explicação para essa ressalva (responderá pelo dano, independentemente de culpa): o legislador quer afastar a discussão sobre a culpa para não dificultar o pagamento da indenização, retardá-lo. Daí a referência expressa: “independentemente de culpa, nos casos especificados em lei”.

Entre os casos especificados em lei está o CDC, portanto, nas relações de consumo. É isto que o NCC quis dizer com os casos previstos em lei. Você admite que já haja lei estabelecendo a Teoria do Risco, e o exemplo mais perfeito é o CDC.

12

E continua o parágrafo único do art. 927 do NCC: ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Pode haver alguma dúvida, mesmo ao leitor mais desatento, que o NCC mudou radicalmente a postura diante da responsabilidade civil? Essa última ressalva refere-se à Teoria do Risco Criado, expressamente recepcionada pelo NCC. Agora, observem: normalmente desempenhada. Não é portanto uma atividade esporádica, uma única vez exercida. Exemplo de atividade normalmente desenvolvida: atividade de transporte de pessoas ou de utilizar-se de energia nuclear.

O que o juiz agora terá que verificar, para aplicar a Teoria do Risco, afastando a discussão sobre a culpa é se aquela atividade, normalmente desenvolvida/desempenhada pelo autor do dano, é uma atividade de risco, e aí o juiz aplicará a Teoria do Risco, cabendo ao autor do dano o fato capaz de romper o nexo causal, pois como antes dito, a Teoria do Risco se assenta na idéia do nexo causal.

Como se não bastasse (profunda identidade entre o CDC e o NCC no que tange à responsabilidade civil), veio o art. 931 do NCC, que alguns autores chegam até a dizer que é inútil, e não deveria estar reproduzido:

        Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Alguns acham que esse dispositivo é dispensável, e pode até gerar perplexidade. Ele estaria reproduzindo o art. 12 do CDC. Alguns poderiam perguntar-se se este dispositivo estaria derrogando o art. 12 do CDC, porque ele se refere também aos produtos colocados em circulação, dizendo que os empresários ou as empresas respondem, independentemente de culpa por esses danos.

Mas a verdade é que o art. 931 do NCC é importante porque ele tem a função de estender essa regra do art. 12 do CDC àquelas relações que não sejam especificamente de consumo, ou seja, que não haja um destinatário final, porque, como cediço, só se tipificará uma relação de consumo quando em uma de suas pontas tivermos um destinatário final daquele produto. É aquele que retira o produto não só da cadeia de produção, como também da cadeia econômica, ou seja, aquele que se utiliza do produto para o seu próprio uso ou da sua família, não o usando para produzir receita.

Portanto essa teoria prevista no CDC só se aplica a respeito daquelas hipóteses em que há uma relação de consumo. Mas agora não. O art. 931 do NCC estende essa Teoria do Risco, mesmo que não haja um destinatário final. Basta que alguém, como empresário individual, ou basta que uma empresa coloque no mercado um produto que cause dano, mesmo que adquirido por quem não seja o destinatário final.

13

Segundo Capanema, o art. 931 do NCC não é tão desnecessário quanto possa parecer à primeira vista. A sua finalidade é a de alargar essa regra do CDC.

Um outro princípio fundamental do CDC está no art. 6º, entre os direitos básicos do consumidor, que é o direito à informação e também à proteção contra a publicidade enganosa:

        Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

        IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

Por sua vez, o art. 46 do CDC preceitua o seguinte:

        Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Este artigo diz que serão inoponíveis ao consumidor todas as cláusulas do contrato de consumo que não tenham sido apresentadas ao consumidor, expostas ao consumidor, no momento da celebração do contrato. Era muito freqüente no passado que as propostas fossem extremamente concisas e que depois o contrato viesse recheado de cláusulas absolutamente surpreendentes para o contratante. Isso no contrato de seguros era uma constante: nesse contrato fazia-se uma proposta muito concisa, apenas com o prazo do seguro e o valor do prêmio e indenização e somente depois o segurado recebia pelo correio a famosa apólice do seguro com um cem número de cláusulas. E aí é que ele iria ler uma série de restrições e cláusulas das quais não fora avisado no momento da celebração do negócio. E também no contrato não constavam muitas informações técnicas. O art. 46 do CDC veio resolver esse problema.

Houve um caso que se tornou famoso, uma espécie de leading case, em São Paulo, quando um casal da alta sociedade carioca foi à SP para um evento social, hospedou-se em hotel de luxo, a mulher deixou na mesa de cabeceira algumas jóias e, quando voltou do evento, não as encontrou, tendo-as sido furtadas. Reclamou do hotel que eximiu-se da responsabilidade, alegando que no regulamento do hotel havia uma advertência clara de que ele não se responsabilizaria por furtos ocorridos nos quartos já que ele disponibilizava cofres de segurança aos hóspedes, gratuitamente, na portaria do hotel.

14

Antes do CDC, certamente este hotel venceria a causa. Mas o TJ/SP, pioneiramente, condenou o hotel a pagar a indenização porque ficou provado que esse regulamento estava na parte detrás da porta do apartamento, e a celebração do contrato se dera na portaria, quando preenchida a ficha de hospedagem e recebida a chave. Ninguém vai ler o regulamento do hotel que está preso na parte detrás da porta do apartamento. Então, como aquela cláusula não fora apresentada ao consumidor no momento da celebração, não lhe era oponível. Por isso, a partir daí os hotéis passaram a fazer essa advertência claramente na portaria, sendo que os mais importantes obrigam os seus clientes a assinarem uma declaração quando os mesmos recusam o cofre. O cliente declara que foi advertido da existência do cofre e decidiu recusá-lo por entender que nada tem de maior valor para guardar nele.

A publicidade enganosa também foi vedada, o que pela primeira vez, acabou com aquela velha discussão doutrinária entre o dolus bônus e o dolus malus.

A velha teoria civilista faz a distinção entre ambos os dolos. O dolus bônus seria tolerável. Não traduziria um vício do negócio jurídico, já que necessário à economia moderna de consumo. O que seria esse dolus? Seria o exacerbar das qualidades de um produto para incrementar a sua venda. Seria o instrumento de trabalho dos marketeiros, publicitários, dos vendedores que procuram, é claro, aumentar as qualidades de um produto que estão vendendo.

Já o dolus malus é quando você atribui a um produto ou serviço, um efeito ou uma qualidade que ele não tem. Quer dizer que no dolus bônus você exacerba, aumenta. No dolus malus, você atribui uma qualidade que o produto não tem, ou um efeito que jamais poderá ser alcançado.

Só que o CDC acabou com essa distinção. Pelo CDC, traduzirá publicidade enganosa tanto o dolus bônus quanto o dolus malus .

Transplantemos esses princípios para o NCC.

Encontraremos esses princípios quando da formação do contrato:

        Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Alguns autores criticam essa redação, dizendo que ela significa um retrocesso em relação ao CDC, porque ela estaria ungida apenas à conclusão do contrato, omitindo-se na fase das tratativas ou da publicidade, tanto que uma das emendas do anteprojeto Ricardo Fiúza é exatamente neste artigo, para incluir os princípios de probidade e boa-fé tanto na fase de conclusão do contrato, quanto na fase pré-contratual, preliminar, nas tratativas. Vejamos o que dispõe essa emenda, constante do anteprojeto 6960/2002, acompanhado de sua respectiva justificativa:

15

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade”. (NR)

“O dispositivo apresenta, conforme aponta o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES, insuficiências e deficiências, na questão objetiva da boa-fé nos contratos. As principais insuficiências convergem às limitações fixadas (período da conclusão do contrato até a sua execução), não valorando a necessidade de aplicações da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento.”

Mas é claro que a jurisprudência, com raríssimas exceções, mesmo que esse projeto não seja aprovado, estenderá essa boa-fé objetiva também para a fase das tratativas.

Veremos que quando o NCC trata da formação dos contratos, um artigo muito interessante (é novidade), e que tem uma nítida inspiração no CDC, que é o art. 429, que não tem nenhum correspondente no CC/1916:

        Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.

        Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.

Trata da oferta ao público. Antigamente o consumidor não gozava de uma proteção eficaz, podendo o ofertante retirar a oferta. Entendia-se que a oferta ao público não tinha força vinculante, e que o ofertante/policitante poderia retirá-la, porque ela não era dirigida a uma determinada pessoa, e sim, genericamente, a toda sociedade.

Mas agora, equiparou-se a oferta ao público à proposta, ou seja, atribuiu-se à oferta ao público força obrigatória, salvo é claro, se as circunstâncias do fato resultarem o contrário. Mas a regra geral passa a ser agora que a oferta pública passa a ter força vinculante.

O parágrafo único traz os pressupostos para a revogação da oferta pública. Vejam como a questão da informação se fortalece no NCC. Temos agora uma oferta ao público equiparada à proposta, com a mesma força obrigatória e que só poderá ser retirada com a mesma divulgação e se na oferta se tiver feito essa ressalva.

Como já mencionado, no contrato de seguro era muito freqüente esse problema. Contratos feitos sem se apresentar ao segurado uma idéia, ainda que aproximada, do conteúdo/cláusulas do contrato. Em razão dos princípios que foram

16

recepcionados do CDC (pelo NCC), há um capítulo específico no NCC que trata do contrato de seguro, que diz que agora a proposta de seguro deve conter todas as informações essenciais sobre o contrato, tornando-o muito mais transparente/seguro/franco e real, porque o segurado, desde a proposta, saberá quais são as condições essenciais (prêmio, limites da cobertura, restrições ao risco, limitações, etc.):

        Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.

        Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador.

Prosseguindo à análise do CDC, vejamos o seu inciso V do art. 6º:

        Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

O CDC, em disposição pioneira, incluiu entre os direitos básicos do consumidor, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou a sua revisão em razão de fato superveniente que as torne excessivamente onerosas. Esse inciso V está se referindo à duas situações diferentes.

Na primeira parte, ele se refere à cláusulas que já nascem excessivamente onerosas., desequilibradas. O contrato já nasce com prestações e contraprestações desproporcionais. Portanto esse desequilíbrio antecede ao contrato, e aí se assegura ao consumidor o direito de modificar essas cláusulas. Ele pode assinar o contrato hoje e amanhã ingressar no Judiciário para modificar essas cláusulas que já tenham nascido desproporcionais.

A segunda parte do inciso V refere-se a uma desproporção que decorra de um fato superveniente ao contrato. Ou seja, o contrato nasceu com a sua equação econômica equilibrada, justa, mas em razão de um fato superveniente, esta equação rompeu-se, e aí, o consumidor tem o direito básico de pedir a revisão dessas cláusulas.

Reparem que num primeiro momento fala-se da modificação, e na segunda parte fala-se na revisão dessas cláusulas. Em nenhum momento se fala da anulação do contrato ou na sua resolução. Não se diz no CDC que o consumidor pode pedir a anulação do contrato que já tenha nascido desproporcional, desequilibrado, como também, em nenhum momento diz-se que o consumidor pode pedir a resolução do contrato que se tenha tornado excessivamente oneroso, após a sua celebração por um fato superveniente.

17

E sabe por que não se diz isso?

Porque ao consumidor, salvo raríssimas exceções, não interessa dissolver ou extingüir o contrato. O consumidor celebra o contrato de consumo porque precisa do produto ou do serviço. Não teria nenhuma lógica que ele então fosse pedir a anulação do contrato, tendo portanto que devolver o produto, ou a sua resolução, quando também cessariam os seus efeitos. O que o consumidor quer, na verdade, é modificar essas cláusulas que já tenham nascido desequilibradas, ou revê-las para restaurar o seu equilíbrio inaugural.

Por isso, o CDC só se referiu à modificação e à revisão de cláusulas, e omitiu-se inteiramente quando da anulação ou resolução desses contratos, e isso gera, como não poderia deixar de ser, uma polêmica. Uns entendem que o consumidor não pode pedir a anulação do contrato ou a sua resolução, mas tão somente a sua modificação ou a sua revisão. Seria uma interpretação literal do dispositivo.

Outros acham que não, e o professor prefere adotar essa posição. Se o contrato, em razão desse desequilíbrio, tornou-se insustentável, inviável, não havendo como corrigi-lo, fazendo retornar aos seus contornos originais, não vê o professor motivo para que o consumidor não possa pedir a resolução, anulação do contrato.

Vejamos onde essas idéias foram se alinhar no NCC, e a essa altura já dá para perceber a perfeita simetria entre os dois diplomas legais. Esse inciso V do art. 6º do CDC está onde no NCC? Em dois dispositivos diferentes: artigos 157 e 478, in verbis:

        Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

        § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

        § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

        Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Há algumas diferenças entre os dispositivos constantes do CDC e do NCC.

18

O art. 157 do NCC trata da primeira parte do art. 6º, inciso V do CDC, e dá-lhe o nome de lesão. o CDC não se refere expressamente à lesão, só diz que o consumidor tem o direito de modificar as cláusulas que já nasçam desproporcionais, mas ele não diz que isso é lesão. O NCC dá nome aos bois, dizendo o que isso representa: lesão. Dá-se a lesão quando alguém, aproveitando-se da premente necessidade de outrem, ou da sua inexperiência, lhe impõe uma prestação manifestamente desproporcional à contraprestação, ou seja, o contrato já nasce com a sua equação econômica rompida, e em razão de dolo de aproveitamento de uma das partes (aproveitamento da inexperiência da outra ou da sua premente necessidade de contratar).

A lesão do art. 157 do NCC é sempre antecedente à celebração do contrato. Só há que se falar em lesão quando esse desequilíbrio econômico se verifica antes da celebração do contrato. Em outras palavras: o contrato já nasce contaminado pela lesão. E mais ainda: o NCC considera a lesão um vício de consentimento, equiparando-a ao erro, ao dolo e à coação, e ao estado de perigo.

Isso é importantíssimo que se perceba. Este é um dos pontos nevrálgicos do NCC. A lesão do art. 157 é um vício de consentimento e necessariamente antecede À celebração do contrato. O contrato nasce maculado pela lesão.

E é por isso mesmo que o NCC diz que são anuláveis os negócios jurídicos que contenham erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo. Então pelo NCC, a lesão conduz à anulabilidade do negócio jurídico.

Aí está uma diferença: enquanto o CDC não alude à anulação, mas tão somente à modificação dessas cláusulas, e por isso o CDC evitou falar em lesão (não interessa ao consumidor anular o negócio jurídico, porque ele precisa do produto ou do serviço). Inteligentemente, o CDC evitou caracterizar esse fato como vício do contrato. Mas o NCC preferiu dizer que isso é um vício do contrato, e como é um vício do contrato, ele pode levar à sua anulabilidade.

E aí tem uma discussão interessantíssima, que o STJ já vem enfrentando, formulando os seus primeiros enunciados interpretativos: por uma interpretação literal do art. 157 do NCC, a parte lesada só poderia pedir a anulação do contrato. Tudo isso é de suma importância. A idéia de lesão é nova no direito positivo brasileiro (não é nova na doutrina). No CC/1916 não há nenhuma referência à lesão. No CDC não há nenhuma referência expressa à lesão.

Pelo NCC, e numa interpretação literal, a parte lesada (a que sofreu a lesão em razão de sua premente necessidade ou de sua inexperiência) só poderia pedir a anulação do contrato:

        Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

        I - por incapacidade relativa do agente;

19

        II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

        Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

        I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;

        II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

        III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Só que o STJ já tirou um enunciado no sentido de que “quem pode o mais, pode o menos”. Se o NCC permite à parte lesada pedir a anulação do contrato, porque não poderia pedir o menos, ou seja, a modificação?

A situação, aqui, é oposta À do CDC. O CDC não fala em anulação, mas a jurisprudência entende que se o consumidor preferir, ele pode pedir a anulação. Já o NCC é o oposto. Ele só fala em anulação, mas a jurisprudência, sem dúvidas, se orientará no sentido de que ele também poderá pedir a modificação. E já há uma mudança na redação do artigo, proposta pelo deputado Ricardo Fiúza, para deixar isso claro.

E por que o professor assevera que a jurisprudência se firmará nesse sentido, sendo que o STJ já se manifestou neste sentido? Porque há um interesse social na manutenção dos contratos. O desfazimento do contrato é sempre traumático. Gera turbulências sociais, deixa seqüelas no tecido social. O ideal social é que os negócios jurídicos se preservem. O juiz não pode ter uma interpretação meramente literal, afastando a lesão, declarando anulado o negócio jurídico que ensejou o contrato. Se a parte preferir manter o contrato, simplesmente afastando a lesão, que lhe trouxe prejuízo, não se vê porque, ao contrário, o interesse social recomendaria isso.

O professor acha que esse art. 157 do NCC guarda uma profunda simetria com a primeira parte do inciso V do art. 6º do CDC. Ambos desaguarão na mesma praia. E a jurisprudência irá igualar esses dispositivos, podendo se pedir tanto a anulação do contrato, que já nasce maculado pela lesão, quanto a modificação das cláusulas que a tenham caracterizado.

Onde se encontra a segunda parte do inciso V, art. 6º do CDC? No art. 478 do NCC.

O art. 478 do NCC tem como título “Da onerosidade excessiva”. E é a primeira vez que o Código Civil brasileiro inclui expressamente a onerosidade excessiva entre as causas de resolução do contrato. O CC/1916 é absolutamente omisso quanto a isso. A jurisprudência e a doutrina é que há décadas já admitem a resolução do contrato por onerosidade excessiva. E sabem por que o Código de

20

Bevilacqua é omisso quanto à onerosidade excessiva como causa de resolução dos contratos? Porque ele é um Código individualista, que reflete o Estado Liberal Clássico, onde um dos pilares de sustentação é o princípio do pacta sunt servanda (Teoria da Autonomia da Vontade). E a Teoria da Onerosidade Excessiva (também conhecida como a Teoria da Imprevisão) fragiliza esses princípios.

Só que os tempos mudaram, e o NCC não elimina esses princípios, mas tempera-os, limitando-os. O NCC não afasta esses princípios, até porque poria em risco a Teoria dos Contratos e seus princípios. Esses princípios eram quase que absolutos. Agora, ao contrário, são bastante limitados pela função social do contrato e pela boa-fé objetiva. O professor entende que o NCC não mata os contratos. Ao revés, ele irá fortalecê-los, na medida em que os transformarem em instrumento da construção da dignidade do homem, do estado do bem-estar.

O fato é que pela primeira vez o Código Civil brasileiro expressamente admite a onerosidade excessiva como causa da resolução do contrato.

Esse artigo diz que se no curso do contrato, por fatos extraordinários e imprevisíveis, uma das prestações se tornar excessivamente onerosa para uma das partes, poderá ela pedir a resolução do contrato, e os efeitos da sentença que o decretar retroagirão à data da citação. Deduz-se daqui que o Judiciário fica autorizado a dissolver o contrato a pedido de uma das partes diante de uma excessiva onerosidade decorrente de fatos extraordinários e imprevisíveis.

O CDC não fala sobre a resolução do contrato. Fala na revisão das cláusulas que por fato superveniente tenham se tornado excessivamente onerosas. A razão é a mesma: não interessa ao consumidor resolver o contrato. Ele não quer devolver o produto. Ele quer continuar usando o serviço. Ele quer é restabelecer o equilíbrio econômico do contrato. Por isso ele pedirá em juízo a revisão dessas cláusulas que se desequilibraram. Já o NCC fala somente na resolução.

Um dos artigos do projeto Fiúza é para modificar a redação do art. 478 para expressamente dizer que a parte prejudicada poderá pedir a resolução ou a modificação (Projeto de Lei 6960/2002):

“Art. 478. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

§ 1º A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte;

§ 2º Se, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”. (NR)

Arts. 472, 473, 474, 475, 478, 479, e 480 : a atual redação dada ao art. 478 do NCC, torna-se impertinente, inclusive por eleger

21

a resolução do contrato como regra; convindo reconhecer, ainda, albergar o reportado dispositivo um sério equívoco doutrinário. A onerosidade excessiva da prestação de uma das partes, acha-se vinculada, “ratio legis”, ao resultado de extrema vantagem para a outra, para tipificar o desequilíbrio contratual. REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, com elevada atenção ao tema, discorda : “casos há em que a onerosidade excessiva para uma das partes não implica em lucro excessivo para a outra, mas, sim, até em algum prejuízo, por sofrer também as conseqüências da alteração das circunstâncias”, enfatizando preponderar a finalidade principal da teoria da imprevisão, a de socorrer o contratante que será lesado pelo desequilíbrio contratual. Sua discordância é escorreita. De fato, não se deve configurar a onerosidade excessiva, na dependência do contraponto de um grau de extrema vantagem. Isto significaria atenuar o instituto, sopesado por uma compreensão menor. Desinfluente ao tema, quando já fora de propósito, o atual artigo 478 deve ser redirecionado ao tratamento da revisão dos contratos, em presença da teoria da imprevisão. Assim como o atual 480 do NCC, por se referir à revisão contratual deve ser deslocado para a seção adequada, figurando como parágrafo 2º do dispositivo matriz de revisão do contrato. Em razão dessas considerações e sopesando também a necessidade de se reposicionar alguns dispositivos, proponho a alteração dos arts. 472, 473, 474, 475, 478, 479, e 480, bem como a renomeação do título e das Seções do Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial do Novo Código Civil, dada a impropriedade da nominação dada ao Capitulo II do Título V do Livro I da Parte Especial : “Da Extinção do Contrato”, já que contém dispositivos acerca da revisão contratual ( arts. 479 e 480 ), cumprindo-se-lhe renominá-lo : “Da Revisão e da Extinção do Contrato”. Torna-se , ainda, indispensável incluir seção própria acerca da Revisão, para melhor disciplinar o emprego da teoria da imprevisão .

Mas o professor entende que se o projeto Fiúza não for aprovado, isso será irrelevante. O professor não consegue imaginar um juiz de bom senso não vá admitir que a parte prejudicada pela onerosidade excessiva prefira apenas rever o contrato, ao invés de resolve-lo. Há um interesse social na preservação dos contratos. Quem pode o mais pode o menos. Se a parte prejudicada pela onerosidade excessiva pode pedir a resolução do contrato, com muito mais razão poderá pedir apenas a sua revisão.

Essa sutil diferença de redações entre o CDC e o NCC está gerando as maiores divergências.

O CDC é absolutamente silente quanto à imprevisibilidade. O CDC só fala em fatos supervenientes (art. 6º, inciso V). Não há qualquer menção à palavra imprevisível.

Mas o art. 478 do NCC menciona a imprevisibilidade como causa de resolução: “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”. Não olvidando, o NCC, a despeito de só mencionar a resolução do contrato, admite, em uma interpretação extensiva (jurisprudencial) a revisão/modificação dessas cláusulas.

22

Só que agora o NCC fala expressamente – e até no reforço – extraordinários e imprevisíveis. Há até pessoas que dizem que isso é um pleonasmo, porque tudo o que é extraordinário é imprevisível (exemplos: pequeno resumo; detalhe insignificante). Outros dizem que é até bom. Serve para mostrar que só se admitiria a resolução diante de um fato absolutamente extraordinário, que não pudesse ter sido previsto por um homem de prudência normal.

Daí, a doutrina começa a se dividir.

Uns acham que nas relações de consumo, regidas pelo CDC, não é preciso que o fato superveniente rompa a equação econômica do contrato de consumo, tornando-o excessivamente oneroso para o consumidor.

Então, nas relações de consumo, o juiz não precisaria aferir se o fato que rompeu o equilíbrio econômico do contrato é imprevisível ou não, porque a lei é silente quanto a isso.

Os que defendem essa tese, dizem com toda a razão: se o legislador do consumo falou em fato superveniente, não custava nada dizer que era imprevisível. Se ele deliberadamente omitiu a palavra imprevisível, sabendo que há uma Teoria chamada da Imprevisibilidade, é sinal de que ele não queria que essa Teoria da Imprevisibilidade se aplicasse às relações de consumo, e sim a Teoria da Onerosidade Excessiva, apenas.

O prof. Luís Roldão tem uma opinião diferente da esposada por Capanema. O professor sempre sustentou que nas relações de consumo é irrelevante saber se o fato é previsível ou não, porque o CDC só se refere a fatos supervenientes, e deliberadamente omitiu a referência aos fatos imprevisíveis.

O prof. Roldão acha que a imprevisibilidade está implícita, quando o CDC fala “que torne-a excessivamente onerosa”. Então ele acha que quando o CDC falou em excessivamente onerosa, ele estava se referindo à Teoria da Onerosidade Excessiva, que pressupõe a imprevisibilidade. Ele acha que a Teoria da Onerosidade Excessiva é o mesmo que a Teoria da Imprevisibilidade, só que com outro nome.

Mas a corrente majoritária, dos consumeiristas, como Ada Pellegrini, Hernon Benjamin e todos os outros grandes precursores do Direito do Consumo é no sentido de que realmente não é preciso a imprevisibilidade. Inclusive a jurisprudência diz que basta que o fato seja pouco provável. Existem vários acórdãos neste sentido. Pode-se mudar o contrato de consumo se o fato que rompeu a equação econômica é pouco provável. Não precisa ser imprevisível.

Já no NCC, nas relações que não sejam de consumo, será absolutamente necessário aferir se o fato é imprevisível ou não, porque o NCC diz expressamente fatos extraordinários e imprevisíveis. Por isso o NCC estaria sinalizando claramente em direção à Teoria da Imprevisibilidade.

Essa distinção entre os diplomas legais é questão certa em concurso.

23

E como o STJ está se posicionando? O STJ já percebeu essa diferença de redação e já começa a se movimentar para encontrar uma interpretação que melhor adéqüe o NCC aos seus objetivos e aos novos tempos.

Um dos enunciados interpretativos que o STJ já tirou desse art. 478 diz que o fato pode ser previsível. Ele não precisa ser imprevisível, como diz o art. 478 NCC. Ele pode ser previsível, mas desde que os seus efeitos sejam imprevisíveis . Neste caso, poderá a parte pedir a resolução do contrato. Essa interpretação do STJ sobre o art. 478 NCC vai aproximá-lo ao CDC. Não podemos olvidar que essa interpretação não é vinculante/obrigatória. Nenhum juiz é obrigado a segui-la. Todavia, não há dúvidas de que esses enunciados orientarão a jurisprudência nos primeiros tempos de aplicação ao NCC, embora não tenham força vinculante. Mas os juízes de 1º grau irão perceber que não adianta remar contra a maré. O que adianta interpretar um artigo de maneira diferente do STJ, para depois ser reformada a sua decisão.

Vejamos um exemplo concreto, para a perfeita distinção entre o fato previsível com efeitos imprevisíveis de um fato imprevisível:

Fato imprevisível que justificaria a resolução do contrato é um acontecimento que escapa à previsão do homem normal. Exemplo: o governo Collor, durante toda a campanha eleitoral, jurava que a poupança popular era sagrada. Ninguém tocaria na poupança popular. Todavia, a primeira coisa que o governo Collor fez foi congelar a poupança, só permitindo às pessoas retirarem uma soma em dinheiro (CR$50.000,00). Isto é um típico fato imprevisível. Um homem de prudência normal jamais poderia prever que um candidato que fez toda a sua campanha baseada no respeito sagrado à economia e às próprias poupanças populares, e a primeira coisa que faria seria congelá-las, metendo a mão na poupança popular. A jurisprudência cansou de resolver contratos com base nisso.

A prima do professor passou por este problema. Ela vendeu o apartamento dela porque iria comprar um novo. Para não correr o risco de perder o dinheiro, depositou-o na caderneta de poupança. Só que foi exatamente neste interregno. Ela estava tirando as certidões negativas quando congelaram as poupanças. Ela não pôde cumprir a promessa; pagar o preço no dia da escritura, pois seu dinheiro estava retido. O promitente vendedor queria as perdas e danos, pois ela não havia cumprido o contrato. Mas ela não teve culpa. A justiça resolveu o contrato, mandando-o devolver o sinal, desfazendo o contrato. Aplicação integral da Teoria da Imprevisão (que não é feita para gênios, mas sim, para homens médios). Isto é um fato imprevisível e que justifica a resolução do contrato. Todos aqueles que provaram que não puderam cumprir o contrato em virtude da retenção do dinheiro na poupança, tiveram resolvidos os seus contratos.

Exemplo de um fato previsível mas com efeitos imprevisíveis: mudança do câmbio, que levou os locatários dos contratos de leasing ao desespero. A mudança da política cambial era um fato imprevisível ao homem médio? Não, não era. O homem comum há de saber que as políticas financeiras/monetárias são voláteis. Mudam de acordo com as conjunturas até internacionais. Basta um banco de segunda linha de Hong Kong quebrar para a bolsa aqui despencar. As políticas econômicas dependem de uma série de fatos, por isso elas são fluidas: um dia o câmbio é liberado, outro dia

24

ele é monitorado. O homem comum preveria que o câmbio poderia ser liberado, e ao aceitar veicular a prestação ao câmbio já deveria prever que isso poderia variar.

E o governo realmente mudou a política econômica da noite para o dia. O país dormiu com um câmbio monitorado e acordou com o câmbio liberado. Isto é um fato previsível. Então porque as Câmaras Cíveis modificaram os contratos, desatrelando as prestações ao dólar?

Porque os efeitos desse fato é que foram imprevisíveis, ou seja, em razão da mudança da política econômica, o dólar dobrou a sua cotação em 48 horas. Isso era imprevisível porque não repercutia a inflação do país. O país não teve inflação de 100% em dois dias. Isso, um homem comum, não poderia prever. O que o homem comum poderia prever é que, com o câmbio liberado, o dólar aumentaria 8 a 10%, que era a previsão da inflação. Não poderia prever um aumento de 100% em dois dias. Então com base nisso, a jurisprudência, em sua esmagadora maioria admitiu a revisão desse contratos, desatrelando a prestação ao dólar, atrelando a outro índice (INCC ou qualquer outro índice que melhor refletisse a inflação). O raciocínio era o seguinte: a escolha do dólar foi feita como indexador da inflação, para preservar o conteúdo econômico do contrato. Se o dólar não mais representa isso, tem que botar outro índice. O dólar não refletia mais a inflação. O dólar refletia a especulação financeira selvagem.

Então, segundo Capanema, o art. 478 do NCC será temperado por essa oportuna interpretação que o STJ já vem dando a ele.

Agora, claro que teremos juízes mais conservadores, mais legalistas, que dirão que a lei fala somente em fatos extraordinários e imprevisíveis, não dando azo a qualquer outra interpretação. Mas o professor espera que seja a minoria. O professor espera que os juízes adotem a interpretação do STJ, temperando esse dispositivo. Espera também que o projeto Fiúza seja aprovado, para mudar-se a redação e nela se incluir expressamente a possibilidade de modificação do contrato e não apenas a resolução. Outrossim, também espera que se o projeto não for aprovado, a jurisprudência majoritária chegue a esta conclusão.

Indo adiante na análise dos dispositivos legais.

O art. 479 do NCC já mostra a intenção de modificação, e não resolução dos contratos que passaram a sofrer a incidência dos fatos elencados no art. 478 NCC. Ele é uma porta de salvação do contrato, porém, por iniciativa do outro contratante. Ele só se aplicará se o contratante que foi beneficiado pelo fato superveniente e imprevisível, se oferecer para reduzir a vantagem. O art. 479 NCC trata da iniciativa do que foi beneficiado pela mudança:

        Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

A modificação do art. 478 NCC é tentar essa iniciativa a quem foi prejudicado. Quem foi prejudicado poderá pedir a modificação. Mas de qualquer maneira, o art. 479 NCC já sinaliza na direção de que há um interesse de se preservar

25

o contrato. Se poderá então evitar essa resolução se a parte beneficiada pela modificação da equação econômica do contrato, oferecer-se para reduzir esse benefício, restaurando-se portanto o equilíbrio inaugural.

Um outro princípio fundamental do CDC é a facilitação dos direitos do consumidor em juízo. E isso por quê? Porque o legislador do consumo, em muito boa hora, percebeu que de nada adiantaria criar todos esses direitos do consumidor (informação, segurança, proteção contra publicidade enganosa) se o consumidor não tivesse como reclamar e exercer esses direitos em juízo, de nada adiantaria. Seria uma frustração a mais.

Então o CDC percebeu que era preciso tornar o consumidor mais forte na hora de contratar e na hora da execução do contrato, bem como na hora de litigar contra o fornecedor.

E vocês dirão: mas aí professor, em juízo, não precisaria, porque há em juízo um princípio maravilhoso que fala sobre a isonomia das partes. Elas são tratadas igualmente. Se as partes são tratadas igualmente, não precisa o CDC interferir, porque aí a vulnerabilidade do consumidor não prejudicará. Só que isto só existe na teoria. Quem advoga sabe que o princípio da igualdade das partes é uma balela, é uma falácia perversa. As partes não são tratadas iguais e não é porque o juiz é corrupto, está de má-fé, protegerá o mais rico, mas é pelas circunstâncias.

Reparem bem: um chefe de família de classe média, que tenha economizado por 10 anos para realizar o seu mais acalentado sonho de consumo, que é ter um carro. Então juntou dinheiro e comprou um carro popular da Ford. Só que o mesmo veio com defeito, causando um dano. Então o consumidor pleiteará uma indenização perante o fornecedor, que é uma multinacional poderosíssima. Como ele gastou todo o dinheiro comprando um carro, não tem como contratar um advogado famoso. Então ele vai se valer de um primo que acabou de se formar na faculdade de Quixamorambin, e será a primeira causa que o primo irá defender. Ele compra um livro sobre prática forense da Yara Milher para elaborar a peça.

Citada a multinacional, vem a contestação assinada pelo Sérgio Bermudes, Humberto Theodoro Júnior, Siqueira Castro, ou qualquer outro super-advogado. Ela vem com 18 preliminares: ilegitimidade disso, daquilo, falta de interesse de agir, prescrição, inadequação do rito, incompetência do foro, etc. Quando chega ao mérito, a Ford junta o laudo do Instituto Tecnológico de Massasshucets. O advogado do consumidor nem sabe como proceder na réplica.

Aí vem a prova: como o consumidor alega o defeito, ele deverá provar. O juiz nomeia perito, cujos honorários remontam R$10.000,00. Aí vem a Audiência. Às vezes o juiz nem lê o memorial apresentado pelas partes. O próprio Capanema afirma que nem os lê. Às vezes lhe chega às mãos memoriais de grandes advogados. Não influenciam no seu julgamento, que costuma sempre ser favorável ao consumidor. Todavia, ele não deixa de afirmar que esses memoriais despertam, às vezes, grande curiosidade.

26

O que Capanema quer dizer é que não existe igualdade em juízo. O que há é igualdade formal: assegurar o mesmo prazo, abrir vista para as partes, etc. Mas igualdade fática é balela. O rico tem muito mais chance de ganhar a causa. E não porque corrompe, mas sim porque tem maiores chances de contratar um bom advogado, melhor; faz melhor prova; junta parecer, etc.

O CDC foi brilhante. O maior acerto do CDC foi aqui, ao perceber que era preciso proteger o consumidor em juízo. E aí criaram alguns instrumentos que fortalecem o consumidor (o foro competente é o do consumidor: “Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:   I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;”):

        Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

A inversão do ônus da prova representou uma ruptura de séculos de tradição. Aquele que alega não está mais obrigado a fazer a prova. Quando não é o consumidor a fazer a prova e o réu. O CDC estendeu as ações coletivas às relações de consumo ( Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.); proibiu a reconvenção; proibiu a denunciação à lide (Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.), em suma fez uma série de mudanças no processo para fortalecer o consumidor. Proibiu a denunciação (o fornecedor denunciava até o final da cadeia de montagem e de produção e circulação de mercadorias, o que arrastava o processo) e vedou também a possibilidade de reconvenção (tentativa de inibir o consumidor a litigar em juízo).

O NCC faz a mesma coisa. O NCC tem um compromisso com a efetividade do processo, do direito. Eliminaram-se burocracias inúteis que só retardam o processo e criou-se a técnica de cláusulas abertas, que permitem ao juiz adotar a medida necessária para realizar o direito da parte, principalmente quando ela é economicamente mais frágil. Esse novo Código liberta as mãos do juiz para que ele possa diante do caso concreto realmente realizar o direito da parte.

O professor Capanema faz uma ressalva: isso não é Direito Alternativo. O NCC permite ao juiz adotar as medidas necessárias, mas obviamente dentro do ordenamento jurídico. Não pode adotar uma medida ilegal, arbitrária. O juiz não pode

27

aplicar 50 chibatadas no réu por estar convencido de que é a maneira ideal para ele não repetir aquela ofensa ao autor. No Direito Alternativo, o juiz faz a lei para o caso concreto, mesmo tendo lei para aquele caso. Ele não gosta daquela lei e faz outra. Na opinião do professor, o Direito Alternativo é uma opinião autoritária do juiz (o juiz acha que o seu senso individual de justiça é melhor do que o dos outros). Ele criaria uma tamanha instabilidade nas relações jurídicas, porque o senso individual de justiça muda de pessoa para pessoa.

O NCC não entroniza o Direito Alternativo. Ele entroniza o Direito Comprometido com a Função Social. Dentro do ordenamento jurídico o juiz agora tem uma maior autonomia para encontrar a solução dentro do ordenamento jurídico que melhor realize a função social do Direito. São as chamadas cláusulas abertas.

Exemplo disso é a redação do próprio art. 478 do NCC. É o juiz quem irá decidir se o fato era extraordinário e imprevisível. E o que será que significa (sobrevier) manifesta desproporção? Quem decidirá é o juiz. Essa preocupação do NCC com a efetividade do direito, o direito que de fato realize o interesse da parte, que lhe dê uma resposta útil (Judiciário entregar à parte uma prestação jurisdicional que ainda lhe seja útil). Exemplo: pelo sistema do CC/1916, você faz um contrato preliminar, que não seja promessa de compra e venda de imóveis. E aí a parte que prometeu celebrar o contrato definitivo resolve não faze-lo. O que resta à outra parte? Perdas e danos. Só que isto frustra a parte (ele não quer as perdas e danos; ela quer o contrato que lhe foi prometido).

E o que diz o NCC? Diz expressamente que nos contratos preliminares, desde que revestidos os elementos essenciais do contrato definitivo, a parte pode pedir ao juiz uma sentença que simplesmente confira definitividade ao contrato preliminar.

Seção VIIIDo Contrato Preliminar

        Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.

        Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

        Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

        Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

28

        Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.

        Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.

E qual é o nome que se dá a isso? Efetividade do direito. O juiz transformará, nestes casos, o que é promessa em definitivo. Isto irá favorecer inclusive os consumidores.

Não podemos olvidar que o NCC padece de vícios a serem sanados pela jurisprudência e eventuais reformas. No entanto, segundo Capanema, a despeito de todas as críticas o NCC representa um grande avanço no campo das obrigações e no campo dos contratos. A sua Parte Geral é quase que uma obra-prima, estando à frente de diversas outras legislações atuais. Ele é moderníssimo. Todavia, ele é péssimo no campo de Famílias e Sucessões, no campo de Direito de Empresa. O professor entende que o NCC poderá vir a se tornar o fator de redenção ética da sociedade brasileira, de um novo modelo ético da sociedade brasileira.

Onde mais se aproxima o CDC com o NCC é no que se refere à responsabilidade civil do fornecedor. Agora pode-se observar que há uma perfeita simetria entre os dois diplomas legais.

Uma das grandes conquistas do CDC, sempre louvada e aplaudida, foi a adoção da Teoria do Risco para aferir a responsabilidade civil do fornecedor. Com isso abandonamos finalmente a tradicional Teoria Subjetiva, também conhecida como da Culpa Provada, que atirava sobre os ombros da vítima o pesado fardo do ônus da prova, da culpa do agente causador do dano.

Todos sabemos que o Código passado adotava como regra geral a Teoria Subjetiva. E a Teoria Objetiva da culpa presumida só se aplicava excepcionalmente nos casos da responsabilidade contratual e na responsabilidade do Estado.

Portanto, na responsabilidade extracontratual, a Teoria que se aplicava era a Subjetiva. Reparem que tanto a Teoria da Culpa Provada (Subjetiva), quanto a Teoria Objetiva da Culpa Presumida, ambas fazem da culpa o centro das preocupações no que se refere à responsabilidade civil. Em ambas as vertentes, o núcleo central da responsabilidade civil é a culpa.

A única diferença entre essas duas Teorias é que na Teoria Subjetiva, o ônus da prova da culpa do agente recai sobre os ombros da vítima. E na Teoria Objetiva, essa culpa, como é presumida, faz com que o autor do dano só se exonere da obrigação de indenizar se provar a não culpa, ou seja, que não teve culpa no dano, atribuído a um fortuito ou a uma circunstância de força maior ou qualquer outra circunstância a ele não imputável.

29

O grande inconveniente de ambas as vertentes é exatamente fazer da culpa o elemento nodal da responsabilidade civil, porque toda e qualquer discussão sobre a culpa e a não culpa é sempre torturante, angustiante, tendo componente subjetivo de que se reveste a culpa.

Tanto é difícil provar a culpa do agente quanto é difícil ele provar que não teve culpa, porque toda a culpa repousa em um elemento subjetivo. Por isso, modernamente se criou a Teoria do Risco, e segundo alguns, é uma vertente da Teoria Objetiva.

Outros acham que é uma Teoria autônoma. Teríamos então as Teorias Objetiva, Subjetiva e a do Risco. Mas o professor prefere achar que a Teoria do Risco é apenas mais uma vertente, um outro ângulo da Teoria Objetiva.

Segundo a Teoria do Risco, o elemento central da responsabilidade civil não é mais a culpa, e sim, o nexo causal.

O que se precisa saber, para responsabilizar o autor do dano é se esse dano decorreu da conduta do agente. Não interessa discutir se o agente teve ou não culpa. O que se quer saber é se há o liame, uma ligação entre o dano e a conduta do agente (se o dano decorreu dessa conduta do agente).

O agente, autor do dano só se alforriará da obrigação de indenizar se provar, não que não teve culpa, mas se provar um fato capaz de romper o nexo causal. Um fato que demonstre que o dano não decorreu da sua conduta.

Para o leigo é difícil de entender a diferença. Para o leigo, “se eu provar que o dano não decorreu da minha conduta, estarei provando que não tive culpa”. Claro, e isso é óbvio. Mas qual é a vantagem da Teoria do Risco sobre a Teoria da Culpa Presumida

Como Capanema já falou, se estamos discutindo culpa ou não culpa, nós temos que mergulhar no elemento subjetivo que envolve a culpa, o que é sempre difícil. Já o nexo causal é um conceito objetivo que se afere pelas chamadas regras da experiência comum da vida. Repetindo: o conceito de nexo causal não tem o elemento subjetivo. Ao contrário: o nexo causal é um elemento objetivo e que se afere objetivamente, e segundo não as regras jurídicas, segundo as regras da experiência comum dos fatos da vida. Ora, portanto é mais fácil para o juiz aferir se há ou não nexo causal do que se há ou não culpa. Foi por isso que se criou a Teoria do Risco; exatamente para afastar da aferição da responsabilidade civil a sempre angustiante discussão sobre a culpa. Na Teoria do Risco, repetindo, cabe ao juiz apenas examinar o dano e o nexo causal, e à vítima cabe apenas prová-los (o dano e o nexo causal).

Muitos confundem essa Teoria com a do Risco Integral. Não é isso. No Risco Integral, o autor do dano sempre indenizará a vítima, sem qualquer margem para a discussão. Já temos no Brasil, por incrível que isso possa parecer ao leigo, alguns exemplos da adoção da Teoria do Risco Integral. É o caso, v. g., dos danos decorrentes da atividade nuclear, ou seja, o uso da energia atômica é tão perigoso,

30

mas é tão potencialmente gerador de risco/dano, que quando o governo resolveu adotá-la, assumiu o risco integral de reparar qualquer dano decorrente dessa atividade nuclear.

Da mesma maneira, a recente lei de proteção ao meio ambiente, que define inclusive os crimes contra o meio ambiente, também adota a Teoria do Risco Integral: quem vem a poluir o meio ambiente responderá pelo dano, tenha ou não culpa, em suma, seja lícito ou ilícito o seu comportamento.

Quer dizer: no Risco Integral se admite o dever de indenizar, mesmo decorrente de ato lícito (isso é que é o mais interessante). Imaginemos que uma mineradora obtenha autorização de lavra para explorar determinado mineral, e que passa a exercer essa atividade dentro dos mais rigorosos padrões técnicos, e dentro dos limites da autorização, o que significa dizer que não está cometendo nenhum ato ilícito, nem está exercendo nenhuma atividade proibida. Ao contrário, está cumprindo rigorosamente a autorização de lavra e com as cautelas exigíveis a essa atividade.

Mas se apesar de todos esses cuidados, sendo inerente a essa atividade extrativa um dano ao meio ambiente, essa mineradora (que não cometeu nenhum ato ilícito) terá que indenizar esse dano ao meio ambiente, seja restaurando o status quo anterior, seja contribuindo para o fundo de conservação do meio ambiente, que é uma maneira de indenizar o dano.

Essa Teoria do Risco Integral não se confunde com a Teoria do Risco da Atividade, adotada pelo CDC (Risco do Consumo). Qual é a diferença

Pela Teoria do Risco (CDC), não se discute a culpa do fornecedor. O que se discute é se o dano sofrido pelo consumidor decorreu do produto/serviço que o fornecedor colocou no mercado. E o fornecedor só se exonerará do dever de indenizar se provar um fato capaz de romper esse nexo causal.

E o CDC se antecipa elencando quais seriam esses fatos capazes de romper o nexo causal (artigos 12 e 14):

        Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

        Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

31

Aliás, a redação dos artigos 12 e 14 não deixa margem à menor dúvida quanto à adoção da Teoria do Risco.

O art. 12 diz que o fornecedor de produto responderá independentemente de culpa. O legislador de consumo fez questão de fazer expressamente esta ressalva.

Há uma explicação para esta ressalva: o legislador quis mostrar que nas relações de consumo não se precisa perder um minuto sequer discutindo se houve culpa ou não do fornecedor. Isto acelera extraordinariamente a solução do conflito no que tange aos danos sofridos pelo consumidor, porque basta ao consumidor provar o dano e esse nexo causal, ou seja, que o dano foi produzido/causado pelo produto ou pelo serviço fornecido.

Para que o fornecedor se exonere, o que ele tem que provar Ele é quem tem que provar, primeiro, que não foi ele que colocou o produto no mercado. Aí é lógico que rompe-se o nexo causal. Ex.: consumidor que pleiteia indenização em face da Philco em virtude da explosão de uma televisão recém-adquirida, o que ocasionou queimaduras em seu corpo. Em sua defesa, a Philco demonstra que a televisão que explodiu, causando dano ao autor, foi fabricada pela Phillips. Está rompido o nexo causal, pois não há nenhuma relação entre produto colocado no mercado pela Philco e o dano sofrido pelo consumidor. Aí ficará o fornecedor exonerado da obrigação de exonerar. Aqui o fato é objetivo, e não subjetivo (a culpa é a violação de um dever geral de cautela. Ela não deverá ser provada).

Ou então, nesse exemplo, o fornecedor provará que foi ele que colocou o produto no mercado, mas que ele não tinha defeito. Se o produto não tinha defeito, não pode ter causado dano. Só causa dano indenizável aquele que decorre de defeito de produto. Isto também é critério objetivo. É matéria de prova: será o perito que dirá se o produto tinha defeito ou não. Mais uma vez não se está no pantanoso e escorregadio terreno da subjetividade. Ao contrário: estará no terreno sólido, objetivo. Há ou não defeito. Isto é matéria de prova, matéria fática.

Ou então, segundo o CDC, se o fornecedor provar que o dano decorreu de culpa exclusiva do próprio consumidor ou de terceiro. Aí também se rompe o nexo de causalidade. E aí o CDC cometeu um lamentável equívoco, o que só demonstra a condição humana de seus autores.

O CDC, num ato falho de seu legislador, fala em “culpa” exclusiva do consumidor ou de terceiro. Como uma lei que afasta deliberadamente a discussão sobre a culpa fala em culpa exclusiva do consumidor. Esta referência pode o leitor desavisado a supor que o CDC estaria retornando ao leito antigo da Teoria da Culpa. Só pode ter sido um ato falho. Vai ver que o legislador está tão condicionado a idéia da culpa, que aí resvalou, enunciando culpa exclusiva do consumidor, quando teria que dizer “fato exclusivo” do consumidor, que se imputa exclusivamente ao consumidor. Mas é claro que toda doutrina consumerista entendeu que isso foi um ato falho e interpreta culpa exclusiva do consumidor como um fato exclusivo do consumidor.

32

Por exemplo: o aparelho elétrico é entregue com uma tarja na embalagem dizendo que só pode ser usado em 110 volts. E aí, apesar dessa referência em letras garrafais o consumidor põe em 220 volts e o aparelho explode, queimando-lhe as mãos. Isso é um fato exclusivo da vítima/consumidor, pois usou o aparelho em desobediência a expressa recomendação do fornecedor.

Ou então de terceiro. O transportador fica obrigado de entregar o passageiro incólume no ponto de destino. Só que no curso de uma viagem, uma criança postada na calçada atira uma pedra contra o ônibus, vindo a atingir um passageiro do ônibus, ferindo-o. O transportador não indenizará porque o dano, embora decorrente do serviço oferecido pelo fornecedor, se deve a um fato exclusivo de terceiro.

Duas questões terríveis se levantam: a primeira é saber se o caso fortuito se inclui entre os fatos capazes de romper o nexo causal, porque se vocês lerem os artigos 12 e 14, vocês verão que eles não fazem a menor referência ao caso fortuito. Eles elencam os fatos capazes de romper o nexo causal, exonerando o fornecedor, mas entre eles não inclui o caso fortuito. Duas correntes se formaram:

!ª) E mais radical. Diz que esse elenco dos artigos 12 e 14 deve ser interpretado como em numerus clausus. Só esses fatos que estão aí referidos expressamente nesses artigos seriam capazes de romper o nexo de causalidade, aforriando o fornecedor do dever de indenizar. Os consumeristas mais radicais, que mais se preocupam com a proteção ao consumidor, assim sustentam.

2ª) E maciçamente majoritária (a qual Capanema se filia) entende que o caso fortuito obviamente rompe o nexo causal, até porque a doutrina sempre assim entendeu. E há um outro argumento mais forte: o CDC alude a fato exclusivo de terceiro (quando o CDC refere-se a culpa). Ora, o fato de terceiro é um equivalente a um caso fortuito. Fato de terceiro é uma espécie de fato fortuito. Então não teria lógica admitir-se uma espécie do caso fortuito, e não admitir-se integralmente.

Diremos que a TV que eu comprei explodiu. Não porque tivesse um defeito, e sim porque um raio caiu no prédio e caprichosamente transitou pelas instalações elétricas e desembocou na televisão, fazendo-a explodir. O professor não vê como condenar o fornecedor a indenizar. O caso fortuito rompeu o nexo de causalidade. O dano não decorreu de defeito do produto.

Outros alegam que o caso fortuito estaria incluído na prova de que não havia defeito, porque aí o dano foi causado pelo caso fortuito e não por um defeito do produto.

Esses danos são exclusivamente patrimoniais Não, abrangendo qualquer dano.

Obs.: ônus da prova. A vítima é que tem que provar o dano no caso fortuito. O que a lei permite, naquelas hipóteses especiais é a inversão do ônus da prova. Em princípio, essa prova é do consumidor, que é o autor da ação indenizatória. Ele fica dispensado de provar a culpa do réu, mas ele tem que provar o dano e o nexo

33

causal. Agora, quem tem que provar o rompimento do nexo causal é o fornecedor. Quem teria que provar que o dano decorreu do fortuito é o fornecedor. O consumidor tem que provar o dano e o nexo causal. Já o fornecedor tem que provar o fato capaz de romper o nexo causal.

O professor foi bem claro que adotou-se a Teoria do Risco do consumo, que é baseado no nexo causal. E a primeira discussão é essa: se o caso fortuito romperia o nexo causal A corrente dominante entende que sim.

A outra questão torturante é a de se saber é qualquer caso fortuito que é considerado capaz de romper o nexo causal.

Quando o professor estudou Direito, só havia o conceito de caso fortuito. Caso fortuito era todo o acontecimento inesperado, imprevisível. A idéia de fortuito estava umbilicalmente ligada à de imprevisibilidade, enquanto que a de força maior estava ligada à idéia de irresistibilidade. Força maior é o acontecimento que pode ser previsto mas não pode ser evitado, enquanto que caso fortuito é um acontecimento imprevisto.

Só que com o CDC cresceu uma noção nova envolvendo caso fortuito, chamado fortuito interno e fortuito externo.É uma noção absolutamente moderna, com a qual não se sonhava no passado. O professor nunca ouviu no seu curso qualquer referência que seja a fortuito interno e externo.

Firmou-se um entendimento hoje de que só o fortuito externo é capaz de romper o nexo causal, ou seja, se o dano decorreu de um fortuito interno, apesar de ser caso fortuito, o fornecedor responderá. E qual é a diferença O fortuito interno é aquele acontecimento imprevisível, sem o qual não seria fortuito, mas que se insere no risco normal da atividade desenvolvida pelo fornecedor. Ou seja, é um imprevisto mas inerente à atividade. Portanto o fornecedor tem que estar preparado para a sua eventualidade. Embora não possa precisar quando ocorrerá.

Por exemplo: o estouro do pneu de um ônibus, fazendo com que se desgoverne e colida com um poste, ferindo os passageiros. Trata-se de um caso fortuito: como é que o transportador vai prever a hora, o dia e o local que o pneu irá estourar. Mas é claro que isso é inerente à atividade do transportador, não há empresa de transporte que um dia não tenha o pneu de um de seus veículos estourado. A colisão do veículo com outro, ainda que sem culpa alguma do motorista, por exemplo, o ônibus vai sendo conduzido pelo seu motorista dentro das mais rigorosas regras da prudência e respeito às leis de trânsito, e que ao fazer um cruzamento venha a colidir com um caminhão dirigido por um bêbado que não tenha carteira de motorista, vindo a ferir vários passageiros. O transportador terá que indenizar os passageiros, um a um. Por quê Isso é um caso fortuito. Isso é inerente à atividade de transporte. Quem se propõe a transportar passageiros tem que estar preparado para a eventualidade de uma colisão, mais cedo ou mais tarde. Outro caso tipicamente fortuito, mas interno: a derrapagem do ônibus numa poça de óleo.

Já o fortuito externo, este sim capaz de romper o nexo causal e exonerar o fornecedor do dever de indenizar, seria aquele acontecimento imprevisível e

34

que não se insere no risco normal da atividade. E um exemplo já foi dado: a pedra atirada por uma criança postada na calçada. É uma situação tão rara que evidentemente não se insere no risco normal da atividade. O transportador não pode vigiar todo o trajeto, procurando impedir qualquer dano em potencial.

Claro que na prática nem sempre é fácil distinguir se o acontecimento é fortuito interno ou externo. É uma zona híbrida, intermediária, em que a doutrina está muito vacilante. E o exemplo tradicional é o assalto no curso da viagem.

Uma corrente defendida inclusive por Sérgio Cavalieri, entende que o assalto é fortuito externo e que por isso exonera o transportador; não lhe cabe assegurar a proteção do passageiro contra atos de terceiro, e sim ao Estado. Quem estaria faltando ao seu dever seria o Estado, e não o fornecedor de serviço, o transportador.

Já outra corrente, pela qual o professor Capanema já se filiou, entende que pela reiteração desses fatos, e nenhuma providência das transportadoras para mitigá-lo, já teria inserido o assalto no risco normal da atividade, então seria um fortuito interno pelo qual também responderia o transportador. Claro que cada caso é um caso. Mas em princípio o assalto no curso da viagem não exoneraria o transportador do dever de indenizar. Isso depende de cada julgador. A jurisprudência está muito dividida. Para a grande alegria do professor, o STJ, em suas mais recentes decisões, tem adotado essa Segunda corrente, a não ser que a transportadora prove que adotou todas as medidas de proteção razoáveis para resguardar seus passageiros.

Uma exceção em relação à Teoria do Risco, é quanto à responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, que está no artigo 14, parágrafo 4º, quando se diz que a responsabilidade pessoal dos profissionais profissionais liberais continuará aferida pela Teoria Subjetiva da Culpa Provada.

        Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

        § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

        I - o modo de seu fornecimento;

        II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

        III - a época em que foi fornecido.

        § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

35

        § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

        I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

        II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

        § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Vozes maliciosas chegaram a dizer que essa exceção foi produto de um lob poderoso da máfia de branco, ou então dos advogados que conseguiram essa proteção legal. Quanto aos profissionais liberais (advogados, médicos, dentistas, etc.) a sua responsabilidade continua sendo a subjetiva, o que significa dizer que para que o cliente do médico, do advogado, possa obter a indenização do dano decorrente de um defeito do serviço prestado pelo advogado, pelo médico, é ele o cliente que terá que provar a culpa do médico, advogado. E aí voltamos à Culpa (provada). Mas só quando se trata de profissional liberal que prestou serviço nesta qualidade. Exemplo: o médico no seu consultório; o advogado na sua banca. É claro que quando esses profissionais liberais prestam o serviço como integrantes ou representantes de pessoas jurídicas, não. Aí a responsabilidade da pessoa jurídica é pela Teoria do Risco.

Vejam a diferença: se o cliente vai ao consultório particular do Dr. José, que é médico, e alega Ter sofrido um dano, ele terá que provar que o médico foi culpado, que cometeu um erro profissional. Agora, se ele vai a uma clínica e é atendido pelo mesmo médico, e move ação indenizatória contra a clínica onde ele foi atendido, aí a Teoria a ser aplicada é a do Risco.

Se o sujeito presta o serviço como profissional liberal, a Teoria é a da Culpa Provada; se há uma sociedade civil, a responsabilidade seria pela Teoria do Risco. Qual a razão da diferença Por que um médico, um advogado deverão responder, nestes termos, subjetivamente

Porque trata-se de uma obrigação de meio. Mas quando o médico atende numa clínica, por que há adoção de outra Teoria para justificar a responsabilidade objetiva Há quem não consiga ver a distinção: se o médico atende no seu consultório é a Teoria Subjetiva, se atende numa clínica é a Teoria do Risco Quem está atendendo não é a clínica. A clínica não atende ninguém. Quem atende é o médico da clínica. Mas há uma explicação facílima:

É que as pessoas jurídicas presumem-se com uma infra-estrutura administrativa e econômica que lhes permita suportar uma responsabilidade civil exacerbada, pela Teoria do Risco. Por quê Presume-se que na maioria das vezes uma pessoa jurídica tem mais respaldo econômico, administrativo, por isso é mais fácil para uma pessoa jurídica responder pela Teoria do Risco.

36

Já o profissional liberal também se presume que não tenha essa mesma estrutura e, conseqüentemente, para um profissional liberal seria praticamente um suicídio exercer a sua atividade se tivesse que responder pela Teoria do Risco.

Como se não bastasse, essa exceção foi aberta porque a obrigação que se estabelece entre o profissional liberal e o cliente é uma típica obrigação de meio (ou de meios, como dizia Venosa).

E nos casos de uma indicação de médico feita pelo plano de saúde Chegaremos lá.

Poderá (ou deverá) a vítima acionar tanto o médico quanto o hospital/plano de saúde para figurarem no pólo passivo Aqui vale a habilidade do advogado. Quase todos os advogados procuram desviar a discussão para a pessoa jurídica. Mais vale lançar mão da Teoria do Risco do que se valer da Teoria Subjetiva. O advogado acionará a clínica que, se for condenada, poderá repetir contra o médico (culpado). Nem pode denunciar à lide, porque nas relações de consumo não esse instituto. A clínica é que depois teria que repetir contra o médico que pertencesse ao seu staff. Continuando.

A obrigação dos profissionais liberais é uma obrigação de meio. Eles não se vinculam ao êxito, eles não garantem e nem podem garantir ao cliente o êxito. Como o médico garantirá ao cliente que irá curá-lo, se o médico lida com uma matéria prima imponderável que é a natureza humana Como o advogado pode garantir ao cliente que irá ganhar a causa, se isto não depende só do advogado; depende do direito da outra parte, do entendimento doutrinário do juiz sobre aquele tema. Então seria uma temeridade que os médicos e os advogados respondessem pela Teoria do Risco. Todo o cliente que não se curasse moveria uma ação contra o médico que teria que romper o nexo causal.

Todo o cliente que perdesse uma causa acionaria o advogado depois para lhe pedir perdas e danos, cabendo ao advogado provar o rompimento do nexo causal. Isso seria uma loucura. Os médicos viveriam mais nas salas de audiência se defendendo do que nas salas de operação; os advogados viveriam mais se auto defendendo que defendendo os clientes.

E no caso de cirurgiões plásticos

Da mesma maneira que antes dito que na prática às vezes é difícil distinguir se o caso fortuito é interno ou externo, também é difícil distinguir se a responsabilidade deve ser pela Teoria do Risco ou Subjetiva, por quê Porque há zonas híbridas também entre as obrigações de meio e as obrigações de resultado.

A pessoa jurídica/clínica assume uma obrigação de resultado, mas o profissional assume uma obrigação de meio. Mas há zonas intermediárias. A jurisprudência dominante entende que há certas especialidades médicas que traduzem obrigação de resultado, e aí mesmo que o médico atenda como profissional liberal, responderá pela Teoria do Risco, o que é o caso da cirurgia plástica, dos exames laboratoriais, da anestesia e da ortodontia. A corrente dominante atribui a essas

37

especialidades médicas ou odontológicas a natureza de obrigação de resultado e, conseqüentemente, ainda que o médico tenha atuado como profissional liberal, responderá pela Teoria do Risco.

Quanto aos Planos de Saúde (pergunta anterior), a jurisprudência dominante é no sentido que eles respondem, tanto o plano de saúde, quanto cooperativa médica (tipo UNIMED). Todos que indicam aos seus associados ou segurados médicos respondem pelos danos por eles causados, mas por outro princípio, que é o da solidariedade. É lícito ao associado (da Amil, Golden Cross, UNIMED) supor que se essas empresas selecionaram e credenciaram certos médicos seriam os melhores do país e conseqüentemente imunes a cometerem erros. Então haveria uma solidariedade, em que o art. 7º do CDC diz que todos aqueles que contribuem para o dano responderão por ele:

        Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

        Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Essa posição é moderna. Nos primeiros acórdãos era o oposto: a cooperativa médica nenhuma responsabilidade teria quanto ao dano causado por um dos médicos cooperativados, assim como as administradoras dos planos de saúde, porque a escolha do médico era do associado e o médico atendia como profissional liberal. Mas depois a jurisprudência mudou e hoje o STJ entende que eles respondem porque eles teriam participado, ainda que remotamente, ao fazer o credenciamento e a indicação.

E no caso do advogado, traçando um paralelo entre essas especialidades médicas

No caso do advogado, o raciocínio, em tese, é o mesmo. Nada impede que o devedor de uma obrigação de meios a transforme voluntariamente numa obrigação de resultado. Então há advogados, principalmente aqueles que atuam no Direito Administrativo, que condicionam o pagamento de seus honorários ao êxito, aí eles estão se vinculando ao êxito. O que aliás, a OAB não recomenda. A OAB sempre diz (e o professor está de acordo) que nunca o advogado deve condicionar os seus advogados a ganhar a causa. E por uma razão óbvia: isso tira a isenção e a tranqüilidade do advogado, porque ele passa a ser sócio do cliente no êxito, e isso pode levar o advogado a violar a ética e até perder a própria técnica, porque na paixão de ganhar a causa, e seus honorários dependem disso, o advogado pode ultrapassar os limites da ética, como pode perder a necessária isenção para decidir quais os melhores caminhos.

38

Mas uma coisa é o advogado autônomo. Digamos que esse advogado se associa na qualidade de sócio. Acontecendo uma situação como essa, como procederá o cliente Acionará essa sociedade.

O professor relatou que num Congresso Médico no qual ele participou, um dos médicos perguntou-o se ele havia feito uma besteira ao constituir uma pessoa jurídica para clinicar. Sob o ponto de vista tributário, foi uma maravilha. Houve uma redução tributária enorme. Todavia, o professor disse-lhe que a economia saiu caro: se sob o ponto de vista tributário ele economizou, como pessoa jurídica, a sua responsabilidade civil passou a ser uma catástrofe: passou da Teoria Subjetiva para a Teoria do Risco.

Esse é o quadro da responsabilidade civil no CDC. O objetivo do CDC foi o de reforçar a defesa do consumidor. Como se não bastasse, o CDC criou até mecanismos processuais para acelerar o pagamento da indenização, entre eles o de vedar a denunciação da lide. Antigamente se movia uma ação contra a clínica e esta poderia denunciar o médico que atendeu o paciente. Agora não, porque depois ela poderá regredir contra o médico, mas numa ação autônoma. A única exceção que o CDC fez foi quando há seguro de responsabilidade civil feito pelo fornecedor:

        Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

        I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

        II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

Aqui não haverá denunciação à lide, mas sim, haverá o chamamento da seguradora ao processo. Sob esta ótica, o médico poderia chamar ao processo a clínica caso o dano ocasionado ao paciente fosse oriundo de um aparelho/equipamento da clínica.

Entre as medidas de proteção ao consumidor está prevista a inversão do ônus da prova. É claro que essa inversão não é um direito absoluto. O fato de ser uma relação de consumo não quer dizer que se tenha que inverter o ônus da prova. Mesmo nas relações de consumo, a inversão do ônus da prova está condicionada a

39

dois pressupostos: a verossimilhança da alegação do autor e a hiposuficiência do autor:

        Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Dois são os requisitos/pressupostos. Se um deles, ao menos, não estiver presente, o juiz não pode conceder a inversão ao ônus da prova é uma brutal exceção ao princípio clássico de que o ônus da prova incumbe a quem alega o fato gerador de seu direito. Se o autor, que é o consumidor, alega que sofreu um dano em decorrência do produto do réu, é ele que tem que provar esse nexo causal, e não o réu.

Mas é evidente que em situações especialíssimas, e essa é mais uma proteção do consumidor, se admite inverter esse ônus. Quando verossímil a alegação do autor e/ou demonstrada a sua hiposuficiência. Essa hiposuficiência não precisa ser econômica. Pode ser apenas fática ou técnica.

Imaginemos que um paciente alegue sofrer um dano e move uma ação contra o médico, que o atendeu como profissional liberal. Face à relação de consumo, segundo o paciente, ele requer a inversão do ônus da prova. Pode até ser que ele atenda aos requisitos: sua versão é verossímil e há hiposuficiência. Pergunta-se: pode o juiz, nesse caso, inverter o ônus da prova? Há duas correntes:

Uma corrente entende que sim, porque o CDC não faz nenhuma distinção. Ele diz que o ônus da prova será invertido quando presentes os dois pressupostos. Se os dois requisitos estão presentes, o juiz não só pode, como deve inverter o ônus da prova.

O professor (e muitos outros) entende que não. Neste caso a inversão do ônus da prova torna inócuo o dispositivo do art. 14, § 4 º, do CDC, porque se eu inverto o ônus da prova eu torno a responsabilidade do médico pela Teoria do Risco, porque ele que terá que romper o nexo causal.

Então o professor entende que nos casos do art. 14, § 4º, em que a lei expressamente diz que a responsabilidade é subjetiva, o juiz não poderá inverter o ônus da prova porque transformará a responsabilidade subjetiva em objetiva.

A primeira corrente entende que onde o legislador não distingue, não cabe ao juiz distinguir. E se ele diz que a inversão nessas hipóteses, suprimindo uma eventual ressalva (“a não ser que se trate da hipótese do art. 14, § 4º, CDC”), a inversão seria sempre possível desde que atendidos os seus pressupostos.

40

O professor sempre sustentou que essa inversão transformaria a responsabilidade do profissional liberal, que por lei é subjetiva, em objetiva, e o juiz não poderia contrariar a determinação da lei.

Esse quadro da responsabilidade civil, previsto no CDC é completamente distinto daquele apresentado pelo Código Civil de 1916. E o que diz o NCC sobre responsabilidade civil?

        Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Primeira observação: o NCC alude expressamente ao ato ilícito, fazendo uma remissão expressa aos artigos 186 e 187

        Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.       

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

E por quê? Porque são esses artigos que definem o que é ato ilícito. E aí houve uma mudança extraordinária. Pelo Código antigo, o ato ilícito estava definido só no art. 159, e não se aludia à hipótese de abuso de direito. Também não se aludia ao dano moral:

Art. 159.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.

Agora o art. 186 do NCC corresponde ao art. 159 do ACC, mas com duas importantes mudanças:

1ª)Fala-se agora expressamente no dano moral. Nem seria mais preciso porque a Constituição já sepultou essa discussão ao dizer que o dano puramente moral é indenizável (Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;). O NCC deixa claro que a matéria de reparação é matéria eminentemente civil, e não de Constituição. Lugar adequado para dizer que o dano moral é indenizável é o Código Civil, e não a Constituição. Então foi bom que o art. 186 do NCC fizesse essa referência expressa que o dano pode ser puramente moral.;

2ª)O art. 159 do ACC não dizia só o que era ato ilícito. Ele referia-se muito mais à conseqüência do ato ilícito. Na verdade, esse artigo estava se referindo à conseqüência “fica obrigado a reparar o dano”, não dizendo que isso era ato ilícito. O

41

art. 159 estava aludindo à conseqüência do ato ilícito. Só que reparar o dano é uma obrigação. O NCC corrigiu isso, porque ele se limita a definir o que é ato ilícito, no art. 186, sem qualquer referência à sua conseqüência jurídica.

Qual o objetivo dessa regra constante do art. 186 do NCC? É dizer o que é ato ilícito: quem age assim comete ato ilícito. Agora a conseqüência disto, onde está? No Livro das Obrigações. Aí sim, e aí o art. 927 do NCC diz que “aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a reparar”.

Então a conseqüência agora não está mais na parte geral, mas sim no direito das obrigações. E nem poderia deixar de ser. Isto é uma obrigação de reparar o dano. O local adequado é o Livro das Obrigações, e não a Parte Geral.

Então essas são as duas mudanças percebidas no art. 186: a referência expressa ao dano moral e a omissão expressa quanto à conseqüência jurídica. O art. 186 se limita a definir o que é ato ilícito.

A outra diferença é que o art. 187 equiparou ao ato ilícito o abuso de direito. E quando ocorrerá o abuso de direito? Quando o seu titular o exercer ultrapassando os limites manifestamente determinados pelo seu fim social/econômico ou pela boa-fé.

Havia uma discussão danada no ACC: o abuso de direito seria ou não ato ilícito. Uma corrente entendia que não porque o ACC não fazia nenhuma referência a isso. A outra corrente entendia que era por um raciocínio a contrario sensu do art. 160, I, in fine do ACC:

Art. 160.  Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

Depreendia-se que o exercício irregular, a contrario sensu, que seria o abuso de direito, seria ato ilícito. Não constituía ato ilícito o exercício regular. O irregular seria ato ilícito.

Mas isso era uma dedução. Agora o NCC não permite deduções, porque ele diz expressamente que também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico, e etc. Agora pelo NCC não pode haver a menor margem de dúvida de que o abuso de direito é ato ilícito, gerando a obrigação de indenizar. Agora, quem vai dizer se houve ou não abuso de direito será o juiz. E incorre aí a discricionariedade que o NCC dá ao juiz. Só quem pode dizer se foi “manifestamente excedido” (nos termos do art. 186 do NCC) é o juiz. O que se deduz aí? Você pode até ter excedido estes limites, mas se o juiz não considerar que foi manifestamente, não considerará ato ilícito. Aqui há mais um exemplo da técnica do NCC que aumenta a discricionariedade do juiz: deixará que ele decida o conflito de interesses de acordo com o caso concreto.

E o que o NCC fala sobre responsabilidade civil.

42

Passamos àquele sistema antigo de que a regra geral da responsabilidade civil era pela Teoria Subjetiva, para um novo sistema que diz o seguinte:

        Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

        Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei...”. Essa é a mesma expressão que consta do CDC, e que ressalva a plena vigência do CDC.

“...ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” O que o legislador quer dizer com isso? Não sendo relação de consumo, ainda assim se aplicará a Teoria do Risco, mas desde que a atividade se subsuma à essa previsão legal.

O que se deduz aí? Que o NCC adota como regra geral agora a Teoria do Risco. O professor entende, bem como o desembargador Sérgio Cavalieri, que agora inverteu-se a posição: pelo NCC, a regra geral é a Teoria Objetiva, a Teoria do Risco, e a exceção é a Teoria Subjetiva.

Atividade normalmente desenvolvida. Passemos à sua análise:

Um particular está dirigindo o seu automóvel de passeio, vindo a atropelar um pedestre. Ele irá responder independentemente de culpa? Poder-se-ia dizer: quem dirige automóvel deve saber que é uma atividade que causa risco, dano à terceiro. O professor sabe que haverá quem entenda que agora quem quer que atropele outrem, dirigindo o seu carro particular, responderá pela Teoria do Risco, porque essa é uma atividade que cria risco inerente a terceiro.

Outros vão dizer que não, pois o preceito legal refere-se à atividade normalmente desenvolvida. Esse normalmente não está se referindo ao risco, mas sim à atividade. Então se você dirige um carro eventualmente e atropela um pedestre, não se aplicaria a Teoria. Mas se é uma pessoa que exerce essa atividade como sendo atividade normal, inclusive com fim lucrativo, inclusive se aplicaria a Teoria do Risco. Isto dará margem à confusão, porque o dano se refere à uma atividade normalmente desenvolvida pela pessoa. O dano não é uma atividade esporádica.

O professor já leu comentários de que o juiz teria que ver se essa atividade do causador do dano lhe é normal, comum, ou se ao revés, foi ali desenvolvida esporadicamente, episodicamente. Se foi episodicamente, seria a Teoria Subjetiva. Se ao contrário, é normal, seria a Teoria do Risco.

43

O que Capanema quer ressaltar é a profunda semelhança entre os sistemas. Agora, tanto o CDC quanto o NCC, privilegiam a Teoria do Risco. E mais ainda.

O art. 931 do NCC também tem suscitado controvérsias. Uns entendem que o legislador teria sido muito infeliz ao inclui-lo no NCC. E outros, ao contrário, aplaudem. E o que ele diz?

        Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Uma corrente diz que não havia nenhuma necessidade de se incluir esse artigo, porque se você é empresário ou empresa, é fornecedor de serviço, portanto é o CDC que diz que você responderia pela Teoria do Risco, independentemente de culpa. A inclusão desse dispositivo, além de ser inútil, pode gerar a impressão de que o NCC estaria revogando o CDC, ou derrogando-o em seus artigos 12 e 14, porque a matéria aqui tratada passaria a ser tratada pelo NCC, e como o NCC é lei posterior, teria revogado a lei que instituiu o sistema de proteção ao consumidor – CDC. Não é verdade. Essa corrente carece de fundamento:

Em primeiro, O NCC é uma lei geral, enquanto que o CDC é uma lei especial. Portanto nada impede que haja uma responsabilidade civil para determinadas pessoas e outra para o fornecedor, regido pelo CDC. E por que se colocou o art. 931 no NCC? Porque nem todo o fornecimento de serviço ou de produto tem na outra ponta um consumidor. É isso que o CDC quis dizer. Se você entrega um produto ou presta um serviço a alguém que não é consumidor – não é o seu destinatário final – e para não haver dúvidas, o NCC disse isso: independentemente de ser ou não relação de consumo (de haver ou não um consumidor na outra ponta), aplicar-se-á a Teoria do Risco.

Só que mais uma vez o professor diria: a rigor também não haveria necessidade disso porque o próprio CDC, no art. 17 equipara a vítima do dano a consumidor para efeito de responsabilidade civil (é o chamado Consumidor Equiparado):

        Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Aquele que sofre um dano em decorrência de um produto ou de um serviço seria equiparado ao consumidor para efeito de indenização. Então esse art. 931, caso não estivesse presente no NCC, não traria qualquer prejuízo. O que o professor quer dizer é que esse artigo terá pouca aplicação prática, porque ele está repetindo o que o CDC diz: se na outra ponta houver um consumidor típico, um destinatário final, aplica-se o CDC. Se não for consumidor o destinatário final, mas se houve um dano, ele está equiparado a consumidor, então da mesma maneira poderia invocar o CDC.

44

Vejamos outros aspectos. Também no que diz respeito à prescrição e à decadência, muito se aproximou o NCC do CDC.

O ACC confundia os institutos da prescrição e da decadência. Tratava-os englobadamente. O ACC não fazia uma clara distinção entre prescrição e decadência. Os dois institutos eram tratados como fatos extintivos. Tanto que o art. 178 referia-se à prescrição e depois seguiam-se inúmeros casos extintivos que o leitor desavisado seria capaz de jurar se tratarem de prescrição, quando era de decadência (mais da metade dos prazos). O leitor é que teria que ir identificando em cada um daqueles prazos quais os que eram de prescrição e quais os que eram de decadência. Por outro lado o ACC na verdade só falava da decadência no título do capítulo “Da prescrição e da Decadência”, mas depois não tinha uma palavra sobre decadência, só falando em prescrição.

Quando o ACC falava em prescrição, ele estava falando englobadamente, incluindo a prescrição propriamente dita e a decadência. O CDC foi o primeiro a fazer essa distinção.

O CDC trata da decadência no art. 26, e ao fazê-lo diz expressamente “Caducar”, verbo que se refere à decadência (decai):

        Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

        I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

        II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

Quem lê o art. 26 não pode ter a menor dúvida de que o prazo para reclamar pelos vícios é decadência, e não de prescrição. O CDC enumera esses prazos, e não há a menor dúvida de que esses prazos são de decadência. O próprio CDC diz “caduca em...”.

No art. 27 o CDC diz que prescrevem em 5 anos. aqui não há a menor dúvida de que o prazo é de prescrição:

        Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

O professor sempre comentou que o CDC não permite qualquer dúvida quanto à natureza do prazo extintivo. Se é para reclamar de vícios do produto ou do serviço, o prazo é o de decadência (e são aqueles prazos previstos no art. 26 do CDC). Agora, se é para reclamar contra um dano que o consumidor sofreu. Aqui fala-se em dano, e não vício. Há uma diferença entre vício e fato do produto. Vício é apenas um

45

defeito que afeta o desempenho de uma coisa ou a qualidade de um serviço, mas não chega a causar um dano ao consumidor.

Isso é que é um vício do produto: é um defeito que afeta a qualidade/quantidade da coisa, mas sem causar um dano. Ele apenas frustra a justa expectativa do consumidor quanto ao desempenho do produto ou do serviço. Por exemplo: comprei uma TV colorida que só transmite em preto e branco. Mas ela não queimou a minha vista, as minhas mãos. Isso é um vício do produto, e haverá um prazo decadencial para reclamar desse vício. O que pode haver sim, é o cabimento de um dano moral, jungido ao prazo prescricional de 5 anos, e não decadêncial. Pode sim haver um vício de um produto que também ocasione um dano moral: exemplo é o de um sujeito que compra um carro O Km que apresenta inúmeros defeitos. Poder-se-á configurar um dano moral pela frustração da legítima expectativa do consumidor, que prescreverá em 5 anos. No entanto, para reclamar do vício do produto, o prazo será o de decadência.

Agora, se a TV explodiu em razão do defeito, e eu queimei a mão, aí eu estarei reclamando não só contra o vício, mas sim, estarei também reclamando contra o dano, o chamado fato do produto ou do serviço. E aí o prazo é de prescrição.

Nas relações de consumo não há como confundir os prazos de decadência com os prazos de prescrição. Agora, no ACC era uma loucura fazer essa discriminação. Era preciso muito experiência da doutrina para fazer a distinção. Daí porque surgiu aqueles métodos práticos para distinguir, o método de Câmara Leal, o método de San Tiago Dantas, o método de Agnela Amorim Filho. Em suma, havia vários métodos para se identificar se o prazo era de prescrição ou de decadência.

Com o advento do NCC, isso tudo deixou de ter importância. O NCC segue a orientação do CDC. Separa nitidamente a prescrição da decadência, inclusive, pela primeira vez, dedicando todo um capítulo exclusivo para a decadência (passando a gozar de um status mais importante). Essa é mais uma semelhança entre as leis.

Em relação ao dano moral, à sua concessão em juízo, o professor é bem comedido. Entende que há uma indústria do dano moral em formação. Estamos mergulhados numa frenética busca do dano moral. Muito brasileiro está vislumbrando no dano moral fator de enriquecimento fácil. O professor entende que os juízes devem ter a maior prudência quanto ao dano moral pelo inadimplemento de obrigação contratual.

O professor sustenta que a violação da obrigação contratual, por si só, não gera dano moral. E sabem por quê? Porque quem contrata, seja qual for o contrato, tem que estar psicologicamente preparado para a eventualidade de seu inadimplemento, ou seja, todo contrato tem uma dose de álea quanto ao seu cumprimento. Conseqüentemente o inadimplemento não pode causar surpresa, indignação, angústia, porque a parte já tem que estar preparada. E por outro lado, a violação da obrigação contratual se resolve em perdas e danos, que é uma questão eminentemente patrimonial. Então não se justificaria alegar sofrimento moral pelo inadimplemento do contrato, quando a parte contratante já deve estar preparada para

46

essa eventualidade, e será ressarcida integralmente de todos os prejuízos que esse inadimplemento lhe causou.

Só que aí o professor faz uma ressalva: entretanto, no Direito, não há verdades absolutas. Há casos e casos, ou seja, há violações contratuais que ultrapassam os limites patrimoniais para repercutir nos sentimentos d’alma. O professor, neste caso , vem freqüentemente condenando em dano moral por violação de um dever contratual. Exemplo é o de um chefe de família de classe média que acalenta com seus filhos um velho sonho de consumo: levá-los à Disneyworld. Aí ele leva 5 anos economizando tostão por tostão para realizar esse sonho, até que consegue amealhar essa poupança e avisa à família que neste ano eles irão à Disney.

Vai a uma empresa de turismo e compra um pacote (incluindo passagens, estadia, traslados e ingressos). Só que chegando lá constata que no hotel não foi feita a reserva, os ingressos não existem e ele não tem dinheiro sequer para comprá-los novamente. Nesse caso, evidentemente cabe dano moral. Aqui não se trata apenas de um prejuízo patrimonial; trata-se de um sonho frustrado, o que por si só causa angústia. Essa violação contratual produziu danos patrimoniais e danos morais, porque repercuti no sentimento d’alma.

Outro exemplo: o professor tem condenado a Carvalho Roskes a pagar dano moral para aqueles infelizes compradores de apartamentos da encol. Isso é muito divergente. Há câmaras que não dão o dano moral porque entendem que os compradores já estão sendo ressarcidos por tudo o que pagaram, com correção. Mas o professor entende que além disso tudo cabe dano moral, pois acha que aquilo foi a frustração de um sonho. Você não estaria comprando um automóvel, um liqüidificador. Você está comprando um apartamento pelo qual você lutou a vida inteira.

Voltando ao ponto acerca da prescrição e da decadência:

Como primeira semelhança é o fato de que o NCC e o CDC, ambos fazem a distinção entre os institutos. Vamos à segunda semelhança.

Quando o CDC foi promulgado, causou um impacto extraordinário na doutrina, porque ele, no art. 26 elenca duas hipóteses em que se admite interromper a fluência do prazo decadencial:

        Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

        I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

        II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

        § 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

47

        § 2° Obstam a decadência:

        I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

        II - (Vetado).

        III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

        § 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Nestas duas hipóteses, não ocorrerá a decadência. O prazo não correrá. Isto causou um terremoto na doutrina clássica, que dizia que os prazos decadenciais não podem ter qualquer causa preclusiva: não podem ser interrompidos, não podem ser suspensos, não podem ser impedidos. Mas o professor lança mão do seguinte argumento: onde está previsto na lei que os prazos de decadência não podem ter qualquer causa preclusiva? Onde está escrito na lei que o prazo de decadência não pode ser interrompido?

O que fala o NCC? Ao tratar da decadência, ele diz o seguinte:

        Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

O que o NCC quis dizer? Que a regra geral é a de que não se interrompe nem se suspende nem se impede a decadência. Continua sendo a regra geral, só que não mais absoluta, porque colocou o NCC “salvo disposição expressa em lei”. E com isso, o que faz o NCC? Está validando o CDC. Essas duas causas previstas no CDC são perfeitamente válidas porque estão previstas em lei. O que não se pode é interromper a decadência por uma causa que não esteja prevista em lei expressamente. Isso não pode. Agora a regra não é mais absoluta. O NCC se aproxima do CDC também nessa parte, porque agora admite que a lei possa criar causa preclusivas da decadência, exatamente como fez o art. 26 do CDC.

Devemos ressalvar que o CDC encontrou como fonte principiológica o Projeto do NCC, de 1975. O CDC e o NCC deverão ser interpretados/aplicados conjuntamente, e destarte, servirão para oxigenar o sistema jurídico, social e econômico de nossa sociedade. Ao invés de revogar o CDC, o NCC deu-lhe um novo implemento de força. O CDC sai extremamente fortalecido.

O NCC somente revogou expressamente o ACC e a Primeira Parte do Código Comercial, não se referindo ao CDC. Em segundo lugar, ressalvando o CDC, o NCC diz expressamente que não pretende ser uma lei exaustiva, mantendo em pleno

48

vigor as leis especiais. As demais leis especiais continuam regendo aquelas relações jurídicas que estão sujeitas ou à constantes modificações ou à turbulências sociais ou econômicas.

E o professor dará um exemplo: porque o NCC expressamente preserva a lei do inquilinato? Porque o mercado de locação do mercado de imóvel urbano é extremamente volátil. Ele reflete rapidamente as turbulências econômicas do país. Então seria uma temeridade disciplinar essa matéria no NCC. É muito mais prudente deixar que essa matéria seja regulada por lei especial, porque lei especial é mais fácil de ser mudada rapidamente.

        Art. 2.036. A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida.

Passemos à análise de mais dispositivos do NCC que se afinam com o CDC.

Os artigos 46 e 47 do CDC referem-se ao chamado princípio da informação e da interpretação mais favorável:

        Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

As cláusulas contratuais só serão oponíveis ao consumidor se tiverem sido informadas no momento da celebração do contrato. As que só chegarem ao conhecimento do consumidor, posteriormente, não lhe serão obrigatórias. Por isso é que se convencionou chamar princípio da informação, que se conjuga com o princípio da transparência.

O NCC segue esta mesma orientação, quando falamos das disposições gerais dos contratos e na formação dos contratos. Inclusive quando se torna obrigatória a proposta quando também agora feita com oferta ao público. É o que diz o art. 429 NCC:

        Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.

E lá no contrato de seguros, isto já veio causar uma repercussão. Nos contratos de seguros era muito freqüente que se dirigisse à seguradora uma proposta de seguro. A seguradora aceitava essa proposta, celebrava-se portanto um contrato, mas as suas cláusulas e condições só chegavam ao conhecimento do segurado às vezes um mês depois, quando ele recebia em casa a apólice do seguro, e nessa apólice do seguro constariam dezenas de cláusulas que não lhes eram comunicadas no momento da proposta. Isto era uma tradição no mercado de seguros, porque se alegava, e com razão, que no contrato de seguro, a proposta, ao contrário do que

49

muitos imaginam, não emana da seguradora. Ao contrário, emana do segurado, que propõe à seguradora garantir o risco ao qual ele está exposto, então ele declara as circunstâncias desse risco, para que a seguradora decida se lhe convém ou não assumir essa garantia. Por isso que se admitia que essas condições do seguro viessem quando o contrato fosse reduzido a termo através da apólice.

Mas graças à influência do CDC, introduziu-se no NCC, no capítulo específico do contrato de seguro, o dispositivo que diz agora que a proposta do contrato de seguro será precedido de uma proposta da qual constarão as condições fundamentais do contrato. Essa é uma mudança substancial:

        Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.

Agora no contrato de seguro se exigirá, desde a proposta, pelo menos a enunciação expressa de suas condições fundamentais. Isto conferirá maior transparência ao mercado de seguros.

Haveria um retrocesso no art. 763 do NCC que prevê que o segurado em mora no pagamento não fará jus à indenização ( Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.)? O professor não acha um retrocesso. Dentro da técnica dos contratos isso está correto. Se você não está cumprindo a sua obrigação não pode exigir a contraprestação do outro. Até porque o contrato de seguro tem álea inerentemente aleatória. Então, se você autorizar o recebimento da indenização estando o segurado em mora no pagamento do prêmio, isto poderá favorecer a seguinte situação que levará à extinção dos contratos de seguro: imaginem que eu faça um seguro contra colisão de veículos que tem o prazo de 1 ano. O prêmio, ao invés de ser pago de uma só vez, para favorecer o segurado, é dividido em 10 parcelas mensais. Então o segurado paga a primeira parcela e não paga mais nada. Se ao final do 11º mês ele sofresse uma colisão, ele pagaria os atrasados e receberia uma indenização. Isto evidentemente liquidaria todas as seguradoras. Esse dispositivo visou assegurar a técnica do seguro, que ao contrário, é aleatória. Você tem que pagar um prêmio mesmo que não venha a sofrer nenhum sinistro. Isso que é a técnica do seguro (é um contrato aleatório). Se você não sofreu nenhum sinistro/prejuízo, será como se você tivesse posto aquele dinheiro do seguro fora. Mas em compensação, graças a isso, os que sofreram sinistro puderam ter os seus patrimônios restaurados.

Agora, é claro que dentro do princípio da boa-fé objetiva e da função social, cada caso é um caso. Se você está atrasado na nona parcela, alguns dias, não vai perder indenização por causa disso. Mas esse artigo foi colocado para evitar esse tipo de comportamento malicioso do segurado que só pagaria a primeira parcela e ficaria aguardando para ver se ocorrerá ou não sinistro. Mas é claro que os juízes irão temperar esse dispositivos exatamente em nome do princípio da boa-fé e da função social do contrato. Se o juiz verificar que o segurado está em mora por uma circunstância episódica de apenas um mês, evidentemente que ele não admitirá a exclusão da indenização.

50

Aliás o contrato de seguro saiu bastante reformulado no NCC. Muitas disposições que modificarão completamente o mercado de seguros. Inclusive aquele artigo que define de maneira absoluta a questão do suicídio no seguro de vida (que é uma questão tormentosa), quando no seguro de vida o segurado se suicidava. Antigamente se o segurado se suicidava, dando portanto por ato consciente, fazendo o sinistro ocorrer por ato consciente, perdia direito à indenização.

Até que evoluiu a jurisprudência, vindo à lume uma súmula do STJ no sentido de que se o suicídio é involuntário, a indenização será devida, ou seja, a seguradora só se exoneraria do dever de pagar a indenização pela morte do segurado se o suicídio fosse voluntário. E qual a distinção entre suicídio voluntário e suicídio involuntário? Para os leigos, todo o suicídio seria voluntário, pois o suicida quer por fim à sua vida. Todavia há diferença: o suicídio voluntário é aquele em que o segurado, ao fazer o contrato de seguro de vida, já tem a intenção pré-concebida de suicidar-se logo após. Ou seja, ele faz o seguro para garantir à família ou ao beneficiário uma indenização, muitas vezes para compensar os aborrecimentos e desgraças que causou à família, permitindo-lhe viver com maior conforto a partir daí.

Involuntário é o suicídio quando o segurado faz o seguro de vida sem sequer pensar em se matar (está numa fase muito boa), prevendo os azares do destino, um acidente, um atropelamento, uma doença repentina. Mas depois ocorre um fato superveniente em que ele mergulha numa depressão, vindo ele a se suicidar. Nesse caso o STJ sumulou que a seguradora terá que pagar indenização ao beneficiário porque o suicídio é involuntário.

A grande dificuldade para os magistrados pairava exatamente aí: como saber se o segurado, ao fazer o contrato, já tinha intenção de se suicidar. A essa altura o segurado já está morto. Não há como interrogá-lo. Os magistrados tinham que interrogar testemunhas para saber qual o comportamento do segurado à época em que celebrou o seguro, ver fotografias familiares, cartas pessoais, bilhetes, etc. A decisão sempre era sempre envolta em incerteza. Tinha que ser formada uma convicção absolutamente aleatória se havia ou não intenção de se suicidar quando o segurado celebrou o contrato.

O NCC resolveu isso, estabelecendo um critério objetivo e temporal, ou seja, se no seguro de vida o segurado se suicida antes de dois anos antes da celebração, o suicídio será sempre considerado voluntário. Se ele se suicida após dois anos da celebração do contrato, será sempre considerado suicídio involuntário e a indenização será devida. Sob o ponto de vista prático a solução é maravilhosa: basta cronologicamente examinar a data da celebração do contrato e a do suicídio. Mais de dois anos é involuntário. Menos de dois anos é voluntário.

Do ponto de vista ético, o professor tem as suas dúvidas, porque cria-se mais um prazo de carência em nossas vidas: agora teremos um prazo de carência para o suicídio, o que pode provocar modificações no comportamento familiar: até dois anos, o provável suicida será super bem tratado. Após o decurso desse prazo, a família dele o incentivará a suicidar-se.

51

        Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

        Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.

Também no seguro de vida criou-se uma novidade para tentar diminuir o prêmio: estabelecer uma carência. É como se fosse a franquia nos seguros de automóvel. É a franquia do seguro de vida. Significa o seguinte (isto não é obrigatório): você pode fazer o contrato de seguro de vida pagando um prêmio menor dizendo que se morrer nos primeiros dois anos a seguradora não pagará a indenização, limitando-se a devolver o prêmio aos herdeiros. Isto não é obrigatório. Se você acha que está muito bem de saúde, que é relativamente jovem, que as chances de morrer nos próximos dois anos são pequenas, então você pode estabelecer esse tipo de seguro, estabelecendo essa carência já sabendo que se tiver o azar de morrer nesses dois anos, o beneficiário não terá/receberá indenização. Com isso o prêmio cai significativamente.

Continuando...

        Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

No NCC iremos encontrar dispositivo semelhante, ainda que limitado aos contratos de adesão:

        Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Mas o professor não tem a menor dúvida de que essa regra se estenderá para as partes mais vulneráveis em qualquer contrato, ainda que não seja de adesão.

Razão desse dispositivo: nos contratos de adesão, o aderente é sempre mais vulnerável, porque a proposta não admite qualquer contraproposta, qualquer modificação por sugestão ou iniciativa do aderente. Então ele fica em posição de maior vulnerabilidade fática diante do proponente. Nem sempre é econômica a vulnerabilidade do aderente. Ele pode até ser mais forte economicamente do que o proponente, mas há uma vulnerabilidade fática, porque todas as condições do contrato são estabelecidas previamente pelo proponente.

Ora, se é o proponente que redige as condições do contrato, e se ele o faz de maneira ambígua, permitindo interpretações dúbias, é claro que então para compensar a vulnerabilidade do aderente, a interpretação deve ser sempre a que lhe

52

for mais favorável. Isso significa dizer que se o juiz tirar do contrato de adesão duas ou mais interpretações possíveis, ele preferirá aquela que melhor atender aos interesses do aderente.

Mas como isso é uma regra que visa compensar a vulnerabilidade do aderente, o professor tem certeza que a jurisprudência estenderá esse princípio a todo e qualquer contrato, mesmo que não seja por adesão, mas que se note uma vulnerabilidade maior de uma parte em relação à outra.

No que se refere ao Capítulo das Cláusulas Abusivas, nós vamos perceber uma absoluta simetria com os novos artigos 421 e 422 do NCC:

        Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

        Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O professor já teve a oportunidade de dizer que o CDC é uma verdadeira ode ao dirigismo contratual. Um eloqüente exemplo do temperamento do princípio da autonomia da vontade. Esse princípio sempre foi o pilar de sustentação de toda a Teoria Geral dos Contratos.

E no século XIX, quando ainda sopravam os ventos do Estado Liberal clássico, esse princípio era praticamente absoluto. O Estado Liberal entendia que a sua única função seria garantir a liberdade das partes para que elas pudessem ajustar como melhor lhes conviesse as condições do contrato. O Estado se comportava como grande Pôncio Pilatos, a lavar as mãos indiferente diante da formulação dos contratos. entendia o Estado Liberal que se as partes são maiores, capazes e livres, só assinariam o contrato quando ele atendesse aos seus interesses. E se o contrato atendesse ao interesse de ambas as partes, seria justo e equilibrado.

Percebeu-se com o tempo que isso é uma perversa falácia. Que não é a liberdade das partes que garante o equilíbrio do contrato, e sim a sua igualdade. E como os homens não são e nunca serão iguais, a única solução para esse desafio é proteger o mais fraco na relação contratual para compensar exatamente essa fragilidade maior.

Ou seja, numa espécie de justiça salomônica o estado moderno torna a parte economicamente mais fraca em juridicamente mais fraca. É a maneira de compensar a fraqueza econômica ou fática, tornando o mais fraco juridicamente mais forte, porque passar a contar com a proteção do Estado. E essa proteção se faz de duas maneiras diferentes: ora impondo às partes determinadas cláusulas, ainda que elas não as queiram; ora vedando determinadas cláusulas que elas queiram incluir no contrato. Exemplo: na legislação trabalhista, ainda que as partes declarassem que não queriam folgas semanais, o Estado obriga que essa cláusula assecuratória do descanso conste do contrato.

53

Por outro lado, o Estado proíbe a inclusão de certas cláusulas. Daí surge a noção das chamadas cláusulas abusivas (que os italianos chamam de vexatórias) e que estão elencadas no art. 51 do CDC. As cláusulas abusivas são aquelas que conferem ao fornecedor uma vantagem exagerada, e ao contrário, uma prestação desproporcional ao consumidor. Essas cláusulas restringem o direito do consumidor em favor do fornecedor. O grande mérito do CDC, no que tange às cláusulas abusivas, foi o de não as elencar em caráter exaustivo, ao contrário do que fez o Código italiano, que pagou o preço do pioneirismo: ao enunciar as chamadas cláusulas vexatórias/abusivas, ele o fez em numerus clausus. Nós não repetimos esse erro. O CDC, no art. 51 deixou bem claro que aquele elenco não era exaustivo, ao contrário, era meramente enunciativo.

        Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

A expressão “dentre outras” é que garante o caráter enunciativo da norma. O elenco inicial desse artigo já foi ampliado pelo advento de outras leis. O que é importante é saber que o juiz brasileiro não está engessado por esse elenco. Por isso o CDC deu um conceito de cláusula abusiva. Isso é fundamental.

O conceito de cláusula abusiva vem previsto no art. 51, § 1º, do CDC:

        § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

        I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

        II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

        III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

O que se depreende? Se o juiz encontrar num contrato de consumo uma cláusula que lhe pareça provocar essas conseqüências, o juiz então deverá fulminar essas cláusulas com a sanção da nulidade, considerando-a abusiva. Essa que é a nova vantagem do CDC: deixar o juiz com as mãos livres, deixando o juiz, diante do caso concreto, aferir a abusividade de uma cláusula inserida no contrato de consumo.

O NCC, no capítulo dos contratos, segue a mesma linha quando fala (nos artigos 421 e 422) na função social do contrato e na boa-fé objetiva. E mais ainda: no campo específico do contrato de adesão, o NCC insere um dispositivo novo que não está expressamente previsto no CDC, que é o art. 424:

54

        Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Era muito freqüente nos contratos de adesão o proponente, aproveitando-se da circunstância de que o oblato não pode alterar as claúsulas, ele inseria nessas cláusulas renúncias prévias a determinados direitos do aderente. Agora o NCC veda essa prática abusiva, porque considera nulas as cláusulas que prevejam renúncia prévia a um direito inerente ao contrato. Esse art. 424 do NCC parece inspirado na idéia das cláusulas abusivas.

O CDC dedica todo um capítulo, Seção aos contratos de adesão. O NCC não faz isso, mas dedica dois artigos sobre eles. O professor não tem dúvidas de que os dispositivos sobre os contratos de adesão que estão no CDC se aplicarão no NCC.

Por exemplo: o artigo do CDC que exige que as cláusulas restritivas de direito do aderente venham em destaque.

Aí vale a pena abrir um parênteses para diferenciar cláusula restritiva de direito e cláusula abusiva.

As cláusulas restritivas de direito são perfeitamente admissíveis. O CDC não as veda. Ao contrário, ele as autoriza. Tanto que ele diz que as cláusulas restritivas de direito tem que vir em destaque. O que ele exige é que elas venham em destaque. Mas ele não as veda inteiramente. Há certos contratos em que essas cláusulas restritivas de direito são inerentes ao contrato. O exemplo é o contrato de seguros, que é uma garantia de um risco o qual está exposto o segurado. A seguradora garante o interesse legítimo do segurado que esteja ameaçado por um risco. Se é uma garantia contra riscos, nada mais justo que a seguradora possa limitar esses riscos, entendendo por exemplo que eles sejam muito superiores à sua saúde econômica. Exemplo: quase todo o contrato de seguro de casa na Flórida exclui a cobertura sobre os riscos de furacão. Não paga, a não ser que pague um prêmio infinitamente maior. Uma seguradora cobrará por terremoto o décuplo do prêmio no Japão do que em relação ao Brasil, em virtude da imensa probabilidade de ocorrência do evento em terras japonesas. É evidente que as seguradoras podem limitar os riscos que assumem de acordo com o prêmio. Quanto mais alto o risco, maior o prêmio. A seguradora pode limitar os riscos.

Então o CDC não poderia vedar essas cláusulas limitativas de risco que são inerentes a determinados contratos, principalmente os de seguro. O que o CDC exige é que essas cláusulas restritivas de risco/direitos venham em destaque, porque vindo em destaque, o aderente tem a sua atenção despertada para ela, e aí melhor decidirá se lhe convém ou não aceitar o contrato. Se observou na prática que os contratos de adesão costumavam ser impressos em tipos minúsculos, geralmente em tinta verde, para dificultar a leitura (causa cansaço precoce na leitura) e eram contratos quilométricos. Na décima cláusula, o leitor mais paciente já desistia da leitura até porque já sabia de antemão que no fundo era inútil ler aquilo tudo porque não podia

55

ser mudado. Então para que ler? Se você está precisando daquele serviço ou daquele produto assina mesmo o contrato.

Agora, a cláusula abusiva é diferente. Ela não se confunde com a restritiva de direitos. Na cláusula abusiva há uma excessiva onerosidade para o oblato, uma vantagem exagerada para o policitante. Por exemplo: a limitação da responsabilidade da seguradora, na opinião do professor, é abusiva (porém a limitação do risco não o é). Exemplo: seguro de saúde. O professor entende perfeitamente lícito que a seguradora limite os tipos de doença que está disposta a excluir. Ela poderia excluir determinadas doenças a não ser que se pague um prêmio maior. Isso seria uma cláusula restritiva de risco, desde que venha claramente especificada. Agora, se o contrato abrange riscos coronarianos, doenças cardíacas, o professor acharia abusiva a cláusula que dissesse que você só pode ter dois enfartes ao ano, ou só pudesse ficar internado na CTI no máximo 10 dias por ano. Isso seria a limitação de uma responsabilidade, e não um risco. Aí entra o caráter aleatório do contrato para a seguradora.

Tudo isso fica muito claro no NCC se os juízes souberem manejar esses dois artigos (421 e 422) e depois, nos contratos de adesão (423 e 424).

O professor também acha muito importante o dispositivo do CDC que manda que os contratos de adesão sejam impressos em tipos de leitura confortável, que tem como escopo evitar aquele artifício astucioso de se imprimir os contratos de adesão em letras minúsculas.

Último ponto que iremos tratar não está diretamente ligado ao NCC, só indiretamente. É o capítulo que trata da defesa do consumidor em juízo. Um dos grandes méritos do CDC é exatamente a proteção do consumidor em juízo, com a criação de mecanismos para compensar a fragilidade do consumidor quando ele tivesse que litigar com o fornecedor.

Na relação processual, de um lado está o consumidor e de outro lado está o fornecedor. E na maioria das vezes o fornecedor, pelo menos em juízo, é muito mais forte que o consumidor por uma razão óbvia: o consumidor é um litigante eventual. Ele não tem nenhuma experiência em litigar em juízo. Não possui nenhum departamento jurídico permanentemente à sua disposição, nem ao menos de um advogado de confiança. Enquanto que do outro lado está um fornecedor que é um litigante habitual, porque tem várias ações que lhe são direcionadas. Por isso os fornecedores, mais poderosos, possuem departamento jurídico à sua disposição, montados para defendê-los. Pela sua pujança econômica, podem se valer de pareceres de juristas eminentes; laudos técnicos de institutos internacionais. E tudo isso rompe o princípio da igualdade das partes, que é muito mais teórico do que prático.

Então era preciso compensar essa vulnerabilidade fortalecendo o consumidor em juízo. E o CDC tem um dispositivo extraordinário que é a eleição do foro do domicílio do consumidor (autor competente para as relações de consumo), rompendo-se a velha tradição de competência pelo domicílio do réu. Aqui é pelo domicílio do autor.

56

A inversão do ônus da prova, rompendo uma tradição secular no processo, segundo a qual o ônus da prova recai sobre quem alega o fato. O ônus da prova dos fatos constitutivos do direito do autor é do autor, enquanto que do réu é o ônus da prova dos fatos que modificam, impeçam ou extinguem o direito invocado pelo autor. Mas nas relações de consumo, presentes aqueles pressupostos ora mencionados, o juiz pode inverter o ônus dessa prova. Isso é uma proteção extraordinária que se dá ao consumidor em juízo.

Outra proteção ao consumidor é dizer que as cláusulas de eleição de foro, mas não quando estabelecidas no evidente propósito de dificultar a defesa do consumidor. Tudo será uma questão de verificar se essa eleição do foro prejudica ou impede/dificulta a defesa do consumidor, quando então prevalecerá o foro de seu domicílio, que é o lugar onde teoricamente ele terá mais facilidade de litigar.

O dispositivo que veda a denunciação da lide, porque ela é uma arma de dois gumes: ela tem uma extraordinária vantagem porque já traz para a relação processual aquele que ao final seria o responsável pelo pagamento da indenização, evitando-se com isso a ação de regresso. Mas por outro lado, a denunciação da lide tem um grande inconveniente: ela tumultua a lide. Ela retarda a entrega da prestação jurisdicional porque ela insere na relação processual uma nova relação processual. Passam a haver duas relações processuais: a primeira ligando o autor ao réu, litisdenunciante. E a segunda ligando o réu, litisdenunciante ao litisdenunciado. Então o juiz terá que decidir duas relações e não só uma, e isso atrasa a entrega da prestação jurisdicional. E como há um interesse obcessivo de acelerar a composição dos conflitos de consumo eliminou-se a denunciação da lide. Admitiu-se apenas quando se trata de seguro de responsabilidade civil que o segurado (fornecedor) chame ao processo a seguradora. Mas não é denunciação da lide, mas sim, chamamento ao processo só da seguradora, não se permitindo que a seguradora denuncie à lide ou chame ao processo o IRB. Muita gente não entende porque o CDC veda a inclusão do IRB na relação processual: porque sendo o IRB uma autarquia, deslocaria a competência de todas as ações de consumo para a justiça federal, e aí nem em 10 anos se resolveria a questão. A seguradora depois terá que regredir contra o IRB para receber a parte que lhe cabe em ação própria.

Nessa questão do chamamento ao processo da seguradora, há uma diferença que muitos advogados não perceberam, num primeiro momento, entre a denunciação da lide (que era clássica nos casos de seguro) e o chamamento ao processo. Antes do CDC a vítima movia ação indenizatória em face do autor do dano, e se esse tivesse seguro de responsabilidade civil denunciaria à lide a seguradora. A seguradora então citada, ingressava nos autos como litisdenunciada. Na denunciação da lide não há ligação direta entre o litisdenunciado e o autor da ação. Por isso que o autor da ação não pode diretamente exigir a indenização do litisdenunciado. O juiz condena o réu a indenizar o autor, julgando procedente a pretensão autoral e julgando procedente a denunciação da lide, condenando o litisdenunciado a indenizar aquilo que o litisdenunciante teve que pagar ao autor. É um negócio complicado, porque não se estabelece relação direta entre o autor e o litisdenunciado. São duas relações distintas, ainda que julgadas na mesma sentença. Materialmente é uma única sentença. No conteúdo são duas sentenças, envolvendo duas relações processuais distintas.

57

No chamamento ao processo não. Aquele terceiro que é chamado ao processo ingressa na relação como parte direta, passando a ser litisconsorte passivo. O chamamento ao processo é o fenômeno de terceria característico das obrigações solidárias (quando a obrigação é solidária e o credor move ação contra um só dos devedores solidários, este tem o direito de chamar ao processo os demais devedores solidários. Não é denunciar a lide aos demais devedores. Nessas obrigações, o co-devedor que é acionado isoladamente pelo credor chama ao processo os demais devedores solidários, e não denuncia a lide a eles). Esses co-devedores solidários ingressam na ação como parte (litisconsortes), estabelecendo-se portanto relação direta entre o autor e eles. Por isso é que se diz que o chamamento ao processo é característico da solidariedade.

O CDC, de maneira surpreendente, estabeleceu isso. O réu (fornecedor que causou dano ao consumidor mas que tenha seguro para cobrir esse dano) pode chamar ao processo a seguradora, quando tecnicamente seria denunciar à lide, porque a seguradora não é devedora solidária. Por isso é que se fazia denunciação à lide, mas sendo relação de consumo, o segurado (réu) chama ao processo a seguradora. Isto está expresso no art. 101, II, do CDC. A seguradora entra como parte no processo:

        Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

        II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

Qual a vantagem prática daí decorrente para o autor? Por que o CDC, arranhando a técnica processual, principalmente em relação à intervenção de terceiros, substituiu a denunciação da lide pelo chamamento ao processo?

Primeiro porque a denunciação da lide retarda a solução do conflito. Essa denunciação poderia fatalmente provocar o retardamento da entrega da prestação jurisdicional.

Segunda vantagem: entrando a seguradora como litisconsorte passiva, o autor poderá cobrar a indenização diretamente dessa seguradora na liquidação da

58

sentença (haja vista que ela virou co-devedora). Isto é extraordinário. É óbvio que só poderá cobrar até o limite do seguro. Pelo menos até aqui o autor está garantido. Pelo sistema antigo, o autor teria que cobrar do réu, com todas aquelas frustrações antigas (insolvência do réu, etc.).

Agora nas relações de consumo, a seguradora é chamada ao processo e passa a ser co-devedora, co-ré, litisconsorte passiva, e aí julgada procedente o pedido, o autor poderá cobrar diretamente da seguradora o valor do seguro nos mesmos autos, o que normalmente faz o autor (por apresentar melhor saúde financeira).

Outro exemplo de proteção do consumidor em juízo são as ações coletivas. O legislador do consumo percebeu que a luta do consumidor individualmente considerado contra o fornecedor seria uma reprodução do episódio bíblico da luta entre Davi e Golias. O consumidor isoladamente é um pequeno Davi. A experiência diz que se esse consumidor, em determinados casos, atuasse isoladamente acabaria massacrado pelo fornecedor.

Com a defesa coletiva, através das ações civis públicas, isso se resolveu, porque a ação civil pública tem peso/densidade política, que assusta o fornecedor, pelo espaço que conquista na mídia. A defesa coletiva emprestou peso político ao consumidor no embate contra o fornecedor. Exemplo foi a formação de uma associação para defender os consumidor de veículo automotor pálio (que pegavam fogo) e que moveu uma ação contra a FIAT para reclamar a indenização. Era uma ação civil pública com base em direitos individuais homogêneos. Não eram direitos coletivos ou difusos, mas são considerados pelo CDC como direitos coletivos, embora individuais homogêneos, que foi equiparado a direitos coletivos, e portanto suscetíveis de defesa pela via da ação civil pública.

O CDC, em seu art. 84, também deu às obrigações de fazer e de não fazer uma efetividade muito maior, porque o art. 84 permitiu ao juiz adotar as medidas que considerar necessárias para compelir o devedor a cumprir efetivamente a obrigação de fazer ou de não fazer, porque até então a execução dessas obrigações era frustrante para o credor, quase sempre resvalando para as perdas e danos. Não havia um mecanismo mais eficiente para levar o devedor a cumprir obrigação de fazer ou de não fazer.

        Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

        § 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

        § 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).

59

        § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

        § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

        § 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Depois do advento do CDC, com o seu milagroso art. 84, é que se fez a reforma do CPC, surgindo o art. 461, que nada mais é do que a reprodução do que contém o art. 84 do CDC. Só que o art. 461 CPC amplia àquelas regras do art. 84 do CDC para toda e qualquer obrigação de fazer, mesmo não decorrente de contrato de consumo. São esses artigos que permitem ao juiz a fixação de astreintes, até mesmo de ofício. Permite a busca e apreensão de coisas e pessoas. Permite a interdição de estabelecimento, a proibição de certas práticas.

O juiz, após o CDC, tem um verdadeiro arsenal de medidas/armas poderosíssimas a levar o devedor a efetivamente a cumprir a obrigação de fazer ou não fazer, a que se obrigou. E o NCC segue a mesma linha. Vejam que tudo está se juntando.

O NCC, no capítulo específico das obrigações de fazer e de não fazer traz uma mudança extraordinária, não só reproduzindo essa idéia de efetividade (que aliás está presente em todo o NCC, e o que significa dizer que o que se quer agora é um direito privado que realmente realize o direito da parte, que não seja apenas um repositório de regras abstratas, direitos abstratos que o titular não tem como realizar, tornar efetivo. Isso era a tônica do ACC. Faltava efetividade. Agora, com a técnica das cláusulas abertas, dos princípios indefinidos, os juízes terão muito maior discricionariedade para adotar as medidas que forem necessárias para a composição do conflito de interesses, a realização do direito da parte), mas passando a definir que em casos de urgência, o devedor poderá mandar realizar o serviço por outrem, independente de qualquer autorização judicial, para depois exigir o ressarcimento do devedor inadimplente.

Pelo ACC essa realização do serviço por outrem só era permitida ao credor mediante autorização prévia judicial, ou seja, o credor da obrigação de fazer tinha que ir juízo, fazer um pedido para que o devedor realizasse o serviço e, diante da sua recusa ou omissão, pedir ao juiz autorização para realizar por terceiro, às custas do devedor.

60

O objetivo desse artigo do NCC é esse: no caso de urgência, claro que mais uma vez competirá o juiz, na sua discricionariedade, examinar posteriormente se aquele era um caso de urgência e que não poderia esperar a manifestação judicial. De qualquer maneira já se abre mais essa porta ao credor da obrigação de fazer: em caso de urgência ele poderá realizar o serviço por terceiro, sem que isso faça com que ele não possa mais pedir indenização ao devedor. Será mais essa perspectiva de realização de um direito, independente de realização judicial. E no capítulo das obrigações de não fazer, se diz a mesma coisa, que o credor, em caso de urgência poderá mandar desfazer o ato por terceiro para depois ressarcir-se perante o devedor inadimplente.

No que tange à denunciação da lide (art. 88 e art. 13, parágrafo único do CDC): e nas hipóteses em que o comerciante coloca no mercado um produto que não tem indicação do fornecedor; ou então quando ele não obedece as regras de conservação indicadas pelo fabricante? Nesse caso o comerciante responde pelo fato do produto ou do serviço. Continuará vedada a denunciação da lide, nos termos expressos desses artigos. Porém, o direito de regresso prosseguirá nos mesmos autos, em execução de sentença, sempre para não permitir o tumulto processual.

Outra questão interessantíssima consta do art. 93 do CDC, que trata da competência do foro para as ações coletivas:

        Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

        I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

        II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Ressalva-se a competência da justiça federal, que poderá declarar-se competente, a depender do interesse.

O inciso I trata do dano de âmbito local. Então se o dano é de âmbito local, só no município do Rio de Janeiro, por exemplo, é lógico que a justiça competente é a estadual, na comarca do Rio de Janeiro.

O inciso II enseja diversos problemas. Por exemplo: incêndio dos veículos Fiat Tipo. Criou-se uma associação das vítimas do Tipo, para a defesa desses interesses individuais homogêneos dos adquirentes dos veículos incendiados, com sede no Rio de Janeiro (haja vista que a maioria dos associados eram do Rio de Janeiro). Entrou com a ação civil pública no Rio de Janeiro. A Fiat tem sede em Minas Gerais (Contagem).

O advogado da Fiat (Humberto Theodoro Júnior) levantou a preliminar de incompetência do foro do Rio de Janeiro com base no inciso II do art. 93 do CDC,

61

alegando que o dano era nacional, e não regional (dano local: única comarca; dano regional: dano ocorre em regiões diferentes; dano nacional: quando ocorre em vários Estados). Como o dano era nacional, o competente seria o foro do Distrito Nacional.

Esse argumento foi rejeitado por unanimidade. A referência ao Distrito Federal está aqui presente somente por uma cautela do legislador, porque o Distrito Federal é um Estado sui generis (não é um Estado membro da Federação). Então quando fosse no Distrito Federal, apenas quando o dano fosse no Distrito Federal, isso o equiparia à capital do Estado. Então não se quer levar para o Distrito Federal qualquer dano de origem nacional. Foi apenas para mostrar que o DF está equiparado a todos os demais Estados para efeito de competência do foro. Esse argumento do advogado não tinha nenhum fundamento lógico, até porque caso o foro fosse o do DF nos casos de danos nacionais, a própria defesa do fornecedor de produtos/serviços – além dos consumidores – poderia restar prejudicada. Exemplo: dano em SC e RS. Em presa com sede em SP, MG ou até num daqueles Estados. Foro no DF. Dificuldade também para a defesa.

O que o CDC quis dizer é que se o dano não é local (ocorre em diferentes Regiões/Estados), competente é o foro da capital do Estado. E que capital do Estado? Caberá ao autor escolhê-la. É direito do autor mover no Estado de sua preferência. E se forem movidas várias ações em diferentes capitais dos Estados (MG, RJ, SP, GO, RS, etc.)? Aí aplicaremos a regra constante da parte final do inciso II do art. 93: aos casos de competência concorrente, aplica-se o CPC. Várias ações em várias capitais, prevalecerá o foro naquela em que ocorreu o primeiro despacho positivo. E o que o juiz deve fazer nesses caos? O juiz deve oficiar ao réu procurando saber se já havia outras ações interpostas nos foros das outras capitais dos outros Estados.

Outra questão instigante sobre a defesa coletiva diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada, o que também é uma novidade. O princípio clássico do direito processual é que a coisa julgada só afete àqueles que foram parte na relação processual. Esses seriam os limites subjetivos da coisa julgada. Quem não foi parte da relação processual não está atingido pelos efeitos da coisa julgada. Mas nas ações coletivas rompeu-se essa regra.

        Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

        I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

        II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

62

        III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

        § 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

        § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

        § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

        § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

As ações coletivas que versam sobre direitos difusos, se o pedido for julgado procedente, ela terá força erga omnes. Exemplo do Tribunal: ação civil pública movida pelo MP quanto à prefeitura de Niterói para que se declarasse a inconstitucionalidade da cobrança da taxa de iluminação pública. Ação julgada procedente. Era direito difuso (classe indeterminada de pessoas ligadas pela mesma relação fática), pois interessava a todos os habitantes da cidade de Niterói. Milhares de consumidores de Niterói entraram com ação para cobrar da prefeitura a devolução das taxas que foram pagas. Milhares de ações individuais. O que a prefeitura sistematicamente alega na sua contestação? Ilegitimidade de parte, por não ter participado da ação civil pública. E nem podiam, haja vista que aquilo era uma ação coletiva de interesses difusos, como eles iriam participar? Aquela sentença produziu efeitos erga omnes contra todos aqueles que estavam na mesma situação invocada na ação. O autor não foi parte individual naquela ação civil pública. Quando a ação se refere à direitos difusos, a sentença tem força erga omnes.

E se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas? Aqui não há coisa julgada erga omnes. Qualquer consumidor, associação, ou MP, poderá ajuizar uma ação igual. No exemplo acima referido: se a ação civil pública movida pelo MP fosse julgada improcedente, por não ter o MP produzido uma prova adequada dos fatos, nada impediria que o consumidor de Niterói ingressasse com uma ação para argüir a inconstitucionalidade daquela taxa.

Se a ação coletiva versa sobre direitos coletivos (há uma diferença entre direitos difusos e direitos coletivos. Direito difuso é aquele do qual é titular uma coletividade indeterminada de titulares. Não é possível individualizá-los. Já o direito

63

coletivo propriamente dito é aquele que tem como titular uma classe de pessoas. Pertencem a uma classe que pode ser numerosa, porém é determinada – advogados, moradores de um conjunto habitacional, etc.), a sentença que julgar procedente vale para todos os membros da classe. Aí não é erga omnes a sentença. Ela só atingirá aqueles que pertencerem àquela determinada classe. É o que se chama força ultra partes, e não erga omnes. Mas da mesma maneira, se for julgada improcedente por insuficiência de provas, é possível a qualquer um dos membros dessa classe ajuizar uma outra ação.

Finalmente, se ação é de direito individual homogêneo, a sentença vale erga omnes, mas evidentemente para as vítimas ou seus sucessores.

O grande desafio que isso acarreta para os advogados é o seguinte: imagine você entrar com uma ação contra a prefeitura de Niterói, pedindo a inconstitucionalidade daquela taxa. Quando a ação está iniciada, você abre o jornal e lê que o MP entrou com uma ação civil pública com o mesmo fundamento, ou então, digamos, que um dos interessados tenha também entrado individualmente com a ação, para pedir indenização (neste caso, no exemplo da Fiat). Mal iniciada a ação ele toma conhecimento pelo jornal de que há uma ação civil pública com o mesmo fundamento. Ele terá dois caminhos a seguir, nos termos do art. 104 do CDC:

        Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

a)Pede a sustação do processo, a paralização do seu processo. É um direito dele e o juiz estará obrigado a deferir o pedido, até que se decida a ação civil pública. E qual a vantagem que ele terá? Se a ação civil pública for julgada procedente, ele será beneficiado pelo efeito erga omnes da sentença;

b)Mas nada impede que ele ignore a ação civil pública e continue a ação individual. Aí será uma faca de dois gumes: se a ação civil pública for julgada procedente mas a dele foi julgada improcedente, isso será possível (juízes diferentes; argumentos diferentes; provas diferentes, etc.). Neste caso, a pessoa não poderá se valer dos benefícios da coisa julgada na ação civil pública.

A despeito da lei nada mencionar, esse é o mesmo entendimento que decorre inclusive quanto aos legitimados constantes do art. 82 do CDC. Verifica-se a litispendência para evitar decisões contraditórias, nos termos também do art. 104 do CDC.

E quanto aos prazos prescricionais?

O NCC reduziu brutalmente todos os prazos prescricionais, tanto na prescrição ordinária, quanto na prescrição extraordinária. A prescrição ordinária, que no

64

ACC era de 20 anos para as ações pessoais e 10 anos para as ações reais entre presentes e 15 anos para as ações reais entre ausentes, o NCC reduziu o prazo para 10 anos para todas as ações, seja pessoal, seja real. Agora é 10 anos para tudo.

Quanto aos prazos extraordinários, a redução também foi abrupta: nos casos de responsabilidade civil, a redução foi de 20 anos para 3 anos; pensão alimentícia de 5 anos para 2 anos; aluguéis de 5 anos para 3 anos, etc. Uma das únicas exceções é quanto à ação de cobrança de honorários que permanece em 5 anos. Isso acarretará inevitavelmente um conflito intertemporal.

No entanto, o próprio NCC resolve essa questão no seu art. 2028, com base na doutrina de Câmara Leal, in verbis:

        Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Por ilação, em hipótese alguma alguém poderá dizer que foi inibido de propor a ação por causa da redução do prazo, nos termos do NCC. O prazo até pode ter sido reduzido; agora, essa redução em nada impedirá alguém de exercer o seu direito de ação. Se ainda não tiver decorrido a metade do prazo, ele terá integralmente o prazo do NCC a partir do dia 11 de janeiro de 2003. Se tiver decorrido mais da metade, é como se nada tivesse mudado, verificado.

Agora, quanto ao CDC, o professor entende que o mesmo continua em pleno vigor, embora haja opinião divergente, como lei especial e, portanto, aquele prazo especial de 5 anos para o fato do produto ou do serviço continua intacto.

Há quem entenda que como a ação de reparação civil baixou para 3 anos, isso teria reformado o CDC em seu art. 27:

        Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

O professor entende que não: como o CDC é um micro-sistema fechado, lei especial face à lei geral que é o NCC. Para as relações de consumo, fato do produto ou do serviço, o prazo será o de 5 anos.

E no tocante à redução dos prazos relativos à cobrança dos títulos de crédito, após o advento do NCC. Em que isso afetará o CDC? O professor tem o mesmo entendimento anterior. O CDC não foi modificado pelo NCC.

65