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LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO Art. 7º. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. O princípio domiciliar é o que mais atende à conveniência nacional, visto ser o Brasil um país onde o fluxo de estrangeiros é considerável, eliminando o inconveniente da dupla nacionalidade ou da falta de nacionalidade.O começo e o fim da personalidade (as presunções de morte, o nome, a capacidade e os direitos de família, que constituem o estado civil, ou seja, o conjunto de qualidades que constituem a individualidade jurídica de uma pessoa, terão suas questões resolvidas através do direito domiciliar, de acordo com o que determina o art. 7º da LINDB. A lex domicilii, para ser aplicada, deverá ser precedida da análise do aplicador acerca da lei do país onde estiver domiciliada a pessoa para, a partir daí, obter a qualificação jurídica do estatuto pessoal e dos direitos de família a ela pertinentes. Assim, o juiz brasileiro deverá qualificar o domicílio de acordo com o lugar no qual a pessoa estabeleceu seu domicílio com ânimo definitivo (C, art. 70), qualificando-o segundo o direito nacional e não de conformidade com o direito estrangeiro, estabelecendo a ligação entre a pessoa e o país onde está domiciliado, aplicando a partir daí as normas de direito cabíveis. § 1º. Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. A lex loci celebrationis impõe que o casamento seja celebrado de acordo com a solenidade imposta pela lei do local onde o mesmo se realizou, não importando se a forma ordenada pela lei pessoal dos nubentes seja diversa. Isso significa que, em relação às núpcias contraídas no Brasil, no que diz respeito à habilitação matrimonial e às formalidades do casamento, a lei a ser observada é a brasileira, devendo seguir-se o disposto nos arts. 1.525 a 1.542 do Código Civil, mesmo que os nubentes sejam estrangeiros.As causas suspensivas da celebração do casamento,

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LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

Art. 7º. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

O princípio domiciliar é o que mais atende à conveniência nacional, visto ser o Brasil um país onde o fluxo de estrangeiros é considerável, eliminando o inconveniente da dupla nacionalidade ou da falta de nacionalidade.O começo e o fim da personalidade (as presunções de morte, o nome, a capacidade e os direitos de família, que constituem o estado civil, ou seja, o conjunto de qualidades que constituem a individualidade jurídica de uma pessoa, terão suas questões resolvidas através do direito domiciliar, de acordo com o que determina o art. 7º da LINDB.

A lex domicilii, para ser aplicada, deverá ser precedida da análise do aplicador acerca da lei do país onde estiver domiciliada a pessoa para, a partir daí, obter a qualificação jurídica do estatuto pessoal e dos direitos de família a ela pertinentes. Assim, o juiz brasileiro deverá qualificar o domicílio de acordo com o lugar no qual a pessoa estabeleceu seu domicílio com ânimo definitivo (C, art. 70), qualificando-o segundo o direito nacional e não de conformidade com o direito estrangeiro, estabelecendo a ligação entre a pessoa e o país onde está domiciliado, aplicando a partir daí as normas de direito cabíveis.

§ 1º. Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

A lex loci celebrationis impõe que o casamento seja celebrado de acordo com a solenidade imposta pela lei do local onde o mesmo se realizou, não importando se a forma ordenada pela lei pessoal dos nubentes seja diversa. Isso significa que, em relação às núpcias contraídas no Brasil, no que diz respeito à habilitação matrimonial e às formalidades do casamento, a lei a ser observada é a brasileira, devendo seguir-se o disposto nos arts. 1.525 a 1.542 do Código Civil, mesmo que os nubentes sejam estrangeiros.As causas suspensivas da celebração do casamento, que estão dispostas no art. 1.523, I a IV, não interessam à ordem pública internacional, e desta forma, regerão os casamentos realizados no Brasil por pessoas não domiciliadas no exterior, mesmo que lei alienígena os contrarie. No que diz respeito aos casamentos celebrados no exterior, quando de acordo com as formalidades legais do Estado onde foi celebrado, serão reconhecidos como válidos no Brasil, ressalvados os casos de ofensa à ordem pública brasileira e de fraude à lei nacional, se não se observarem os impedimentos matrimoniais fixados pela lei24.

Importante ressaltar que, no que tange à capacidade matrimonial e aos direitos de família, os mesmos serão regidos pela lei pessoal dos nubentes, ou seja, a lei do seu domicílio e desta forma, uma vez o casamento tendo sido consumado, seus efeitos e limitações serão submetidos à lei domiciliar.

§ 2º. O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.

O disposto no art. 7º, § 2º, da LINDB, permite que os estrangeiros, ao contraírem casamento fora de seu país, possam fazê-lo perante o agente consular ou diplomático de seu país, no consulado ou fora dele.

O cônsul estrangeiro é competente para realizar casamento quando a lei nacional o atribuir tal competência e somente quando os nubentes forem co-nacionais e ele mesmo (o cônsul) tenha a mesma nacionalidade. Acerca do tema, Kahn25 afirma que “quanto aos limites, nos quais esses Estados reconhecerão os casamentos, celebrados pelos agentes diplomáticos e consulares estrangeiros, no seu território, serão determinados pela extensão normal que a doutrina e a legislação interna conferem à instituição do casamento diplomático ou consular. Assim, todos os Estados que atribuem aos seus agentes, no estrangeiro, competência para celebrar um casamento sob a condição de serem seus súditos os dois contraentes, só reconhecerão, como válidos, os casamentos contratados, por estrangeiros, no seu território, diante dos agentes diplomáticos e consulares, no caso em que ambos os esposos serão do Estado a que pertence o agente, que procedeu à celebração”.

No que tange ao casamento de brasileiros no exterior, mesmo que domiciliados fora do Brasil e quando ambos nubentes sejam brasileiros, poderá ser celebrado perante a autoridade consular brasileira, verificando-se a impossibilidade de um casamento diplomático entre uma brasileira e um estrangeiro ou apátrida.

O matrimônio contraído perante agente consular, será provado por certidão do assento no registro do consulado (RT, 207:386), que faz as vezes do cartório do Registro Civil. Na hipótese de ambos os nubentes virem para o Brasil, o assento de casamento para surtir efeito em nosso país, deverá ser trasladado dentro de 180 dias contados na volta ao nosso país, no cartório do respectivo domicílio ou, na sua, falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir (art. 1.544 do C)26.

§ 3º. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.

O § 3º da LINDB dispõe que a invalidade do casamento será apurada pela lei do domicílio comum dos nubentes ou pela lei de seu primeiro domicílio conjugal.

No caso de os nubentes terem domicílio internacional, a lei do primeiro domicílio conjugal estabelecido após o casamento é que prevalecerá para os requisitos intrínsecos do ato nupcial e para as causas de sua nulidade, absoluta ou relativas, inclusive no que diz respeito aos vícios de consentimento.

Desta forma, é a lex domicilii quem vai esclarecer se determinado casamento é válido ou não, mesmo que estrangeira e de conteúdo diverso da norma brasileira, e não a norma de direito internacional privado.

Maria Helena Diniz27, ao tratar sobre o tema, salienta que a lex domicilii, quando for repugnante à ordem pública, não deverá ser aplicada e indica os meios para facilitar sua aplicabilidade, sendo necessário: a) a indicação pelos nubentes, no processo do casamento, de onde será o domicílio conjugal (no caso dos casamentos realizados no Brasil em que os nubentes tiverem domicílio internacional diverso, os mesmos deverão declarar onde pretendem estabelecer o primeiro domicílio conjugal, pois na falta desta declaração, presume-se que o mesmo se dará no Brasil); e b) reajuste da situação jurídica da capacidade matrimonial, de acordo com a lei daquele primeiro domicílio conjugal, que é o estabelecido pelo marido, salvo exceções especiais de acordo com os dados contidos na lei territorial. Nas relações pessoais dos cônjuges e nas entre pais e filhos prevalecerá a lei domiciliar.

Assim, o § 3º do art. 7º da LINDB dispõe apenas sobre os requisitos intrínsecos ou substanciais do casamento regidos pela lei domiciliar comum aos nubentes, ou, no caso de terem os os mesmos domicílio internacional diverso, pela lei do primeiro domicílio conjugal28.

§ 4º. O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

O presente parágrafo visa a regular as relações patrimoniais entre os cônjuges, impondo como elemento de conexão a lex domicilii dos nubentes à época do ato nupcial ou do primeiro domicílio conjugal, tendo em vista os efeitos econômicos admitidos legalmente ao casamento e aos pactos antenupciais.Assim, observar-se-á o direito brasileiro no caso de ter sido aqui estabelecido o primeiro domicílio conjugal, se os nubentes tiverem domicílios internacionais diferentes; ou o direito estrangeiro, no caso de ambos tiverem, por ocasião do ato nupcial, domicílio comum fora do Brasil.

Em relação à capacidade para celebração de pacto antenupcial, cada um dos interessados fica submetido à sua lei pessoal ao tempo da celebração do contrato (lex domicilii), observando a existência de preceito de ordem pública internacional vedando a celebração ou modificação de pactos antenupciais na constância do casamento ou alteração do regime de bens por mudança de nacionalidade ou de domicílio posterior ao casamento, de nada importando que o domicílio se transfira de um país a outro. No que tange ao regime matrimonial de bens, prevalece a lei do domicílio que ambos os nubentes tiverem no momento do casamento ou a do primeiro domicílio conjugal, na falta daquele comum, salientando que de nada adianta a mudança domiciliar com intuito de subtrair o regime matrimonial submetido anteriormente.

No caso de duas pessoas casarem aqui, domiciliadas no Brasil, e possuírem bens em diversos países, a lei brasileira não poderá se aplicar em relação a estes, em Estados onde impera a lex rei sitae, por respeito à mesma.

§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.

O novo Código Civil, em seu artigo 1.639, § 2º, dispõe que qualquer modificação após a celebração do ato nupcial é permitida, desde que haja autorização judicial atendendo a um pedido motivado de ambos os cônjuges, verificadas as razões por eles invocadas e a certeza de que tal mudança não venha a causar qualquer gravame a direitos de terceiros, obedecendo ao princípio da mutabilidade justificada do regime adotado.

O § 5º do art. 7º da LINDB permite ao estrangeiro naturalizado brasileiro, com a expressa anuência de seu cônjuge, a adoção da comunhão parcial de bens, que é o regime matrimonial comum no Brasil, resguardados os direitos de terceiros anteriores à concessão da naturalização, ficando os mesmos inalterados, como se o regime não tivesse sofrido qualquer alteração. De acordo com o princípio da mutabilidade justificada do regime adotado, disposto no Código Civil, que visa a garantir terceiro de qualquer surpresa que advenha de um regime matrimonial de bens mutável, é exigido o registro da adoção do regime da comunhão parcial de bens, funcionando como meio de publicidade da alteração feita pelo brasileiro naturalizado29.

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separarão judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no País. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.

O divórcio de cônjuges estrangeiros domiciliados no Brasil é reconhecido em nosso país, mas tratando-se de divórcio realizado no estrangeiro, quando um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será aqui admitido após um ano (art. 226, § 6º, da CF/8) da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação terá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país (art. 49 da Lei 6.515/7).

Uma vez homologado o divórcio obtido no estrangeiro, é permitido novo casamento no Brasil, exigindo-se para isso a prova da sentença do divórcio na habilitação matrimonial, que é a certidão da sentença de divórcio proferida no estrangeiro, devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (EC 45/2004).

O estrangeiro ou apátrida, cuja sentença de divórcio ainda não tenha sido homologada, e que deseje contrair novas núpcias no Brasil, está sujeito à anulação de casamento caso sua sentença de divórcio seja negada pelo STJ. Washington de Barros Monteiro esclarece ainda que a homologação de sentença pode ser negada quando estrangeiros aqui domiciliados se dirigem à justiça de outro país para obter a sentença de divórcio, burlando a soberania nacional, sendo isso apenas tolerado se o divórcio foi pronunciado no foro dos cônjuges. No caso de a sentença for proferida em país onde jamais os cônjuges residiram ou de onde não são naturais, a homologação tem sido denegada, podendo ser apenas concedida, com restrições, para fins patrimoniais31.

§ 7º. Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

De acordo com o critério da unidade domiciliar, mantido § 7º do art. 7º da LINDB, no que diz respeito às relações pessoais entre os cônjuges, seus direitos e deveres recíprocos, e aos direitos e obrigações decorrentes da filiação, aplicar-se-á a lei do domicílio familiar, que se estende aos cônjuges e aos filhos menores não emancipados.

Maria Helena Diniz salienta que “Preciso será esclarecer que não mais se considera a pessoa do marido em si, mas o domicílio da família, ou seja, de ambos os consortes, ou melhor, o do País onde o casal fixou domicílio logo após as núpcias, com intenção de constituir família e o seu centro negocial”, respeitando assim o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges, representando um sistema familiar em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre marido e mulher (arts. 1.567 e 1.569 do C)32.

No que tange aos tutelados e curatelados, depois de assumido o encargo tutelar, em virtude de estarem sob sua guarda, submeter-se-ão à lei domiciliar de seus tutores e curadores.

Importante lembrar que anteriormente vigorava no Brasil o instituto do usufruto vidual, que admitia, nos casos de casamento entre brasileiro com estrangeira, a sucessão no usufruto de

cônjuge supérstite. Hoje admite-se a sucessão no direito real de habitação, de acordo com o art. 1.831 do C, no imóvel destinado à residência, quando este for o único do gênero a ser inventariado, em qualquer dos regimes de bens e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança. § 8º. Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.

O Código Bustamante, em seu artigo 26, preleciona que aquele que não tiver domicílio conhecido, considerar-se-á domiciliado no local de sua residência acidental ou naquele em que se encontrar, impossibilitando a hipótese de dupla residência.

Na falta do critério do domicílio, que é a conexão principal, a lei indica critérios de conexão subsidiários, ou seja, o lugar da residência ou daquele em que a pessoa se achar, aplicados sucessivamente na medida em que o anterior não possa preencher sua função, não se tratando de concurso cumulativo, mas sim sucessivo.

Art. 8º. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

A lei territorial é a que se aplica somente no território nacional, atendendo a interesses internos relativos à nação de origem, obrigando unicamente dentro do território, ou seja, o órgão judicante somente poderá aplicar no território nacional aquela norma. A lei é extraterritorial quando permite que o magistrado possa aplicar lei diversa de seu ordenamento jurídico, em relação a fatos ocorridos no seu território ou no estrangeiro, como por exemplo nas hipóteses em que o próprio art. 8º, § 1º e 2º da LINDB dispõem.

O artigo 8º da LINDB define a qualificação dos bens como territorial, já que a eles se aplicam as leis do país onde estiverem situados.

Sendo assim, o critério jurídico que visa a regular coisas móveis de situação permanente, incluindo as de uso pessoal ou imóveis (ius in re) é o da lex rei sitae, que importa na determinação do território, que é o espaço limitado no qual o Estado exerce competência. No que diz respeito ao regime da posse, da propriedade e dos direitos reais sobre coisa alheia, nenhuma lei poderá ter competência maior do que a do território onde se encontrarem os bens que constituem seu objeto33.

É importante ressaltar que a lex rei sitae regulará apenas os bens móveis ou imóveis considerados individualmente (uti singuli), pertencentes a nacionais ou estrangeiros, domiciliados no país ou não; enquanto que os bens uti universitas, como p. ex. o espólio e o patrimônio conjugal, são regidos pela lei reguladora da sucessão (lex domicilii do autor da herança), excetuando-se as hipóteses de desapropriação de imóvel de tutelado ou da massa falida, ocasiões em que os bens uti universitas também poderão ser disciplinados pela lex rei sitae.

Nas hipóteses de mudança de situação de um bem móvel, a lei que disciplina a nova situação deverá ser aplicada, respeitados os direitos adquiridos. Acerca do tema, Pillet e Neboyet afirmam que “todo o direito adquirido sobre um móvel corpóreo, na conformidade das disposições da lei do lugar da sua situação, deve ser respeitado no segundo país, para o qual tenha sido transportado, até que nasça um direito diferente, segundo a lei deste último país”34.

Em relação aos navios e aeronaves, os mesmos serão regidos pela lei do pavilhão, ou seja, pela lei do país em que estiverem matriculados e cuja competência só será afastada nos casos em que a ordem pública o exigir.

§ 1º. Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

O § 1º do art. 8º da LINDB prevê a aplicação da lex domicilii do proprietário no que tange aos bens móveis que o mesmo trouxer consigo, para uso pessoal ou em razão de negócio mercantil, que podem transitar por vários lugares até chegar ao local de destino.

Em função da instabilidade de localização ou mesmo da mudança transitória de tais bens, afasta-se aqui a aplicação da lex rei sitae,aplicada aos bens localizados permanentemente, e aplica-se a lex domicilii de seu proprietário, ou seja, o direito de Estado no qual o mesmo tem domicílio, visando a atender interesses econômicos, políticos e práticos.

§ 2º. O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.

No que tange ao penhor, a LINDB dispõe que a lei do domicílio do possuidor da coisa empenhada é que será aplicada, tanto no que diz respeito ao objeto sobre o qual recairá o direito real e quais seus efeitos, quanto nas questões atinentes à publicidade, à necessidade ou dispensa de tradição real para sua validade.

Importante salientar que pouco importará a localização do bem dado em penhor, pois pela lei este estará situado no domicílio do possuidor (fictio iuris) no momento de ser constituído o direito real de garantia, resguardando assim a segurança negocial, e garantindo direitos de terceiros.

Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.

No que diz respeito às obrigações, o art. 9º da LINDB dispõe que a lei do país onde se constituírem as mesmas é que serão aplicadas para qualificá-las e regê-las.

Em se tratando de obrigações ex lege, o art. 165 do Código Bustamante afirma que as mesmas serão regidas pelo direito que as estiver estabelecido, já que são conseqüência de uma relação jurídica principal, da qual são acessórias. Devido ao fato de não serem autônomas, acabam reguladas pela mesma lei que disciplina a relação principal.

As obrigações ex delicto, que são as decorrentes da prática de um ato ilícito, são regidas pela lei do lugar onde o delito foi cometido (lex loci delicti commissi), solucionando questões sobre causas justificativas e dirimentes, culpabilidade, qualificação do ato como ilícito, etc. No caso de o ilícito ter sido praticado em vários lugares, levar-se-á em conta o local onde ocorreu o último fato necessário para a caracterização da responsabilidade do lesante.

Em relação às obrigações convencionais (civis e comerciais) e as decorrentes de atos unilaterais, as mesmas se regerão a) quanto à forma ad probationem tantum (simplesmente para provar) e ad solemnitatem (para a solenidade) pela lei do local onde se originaram, ou seja, deve ser apreciada a forma da manifestação volitiva pelo direito vigente no local onde o ato for realizado.

Importante ressaltar que essa norma somente vigorará no fórum que aceitar que o ato seja realizado no exterior, pela forma estabelecida no ius loci actus; b) quanto à capacidade, pela lei pessoal das partes (art. 7º) que é a lei domiciliar, observandose a ressalva em relação à ordem pública, uma vez que a lex fori não admitirá que produza efeito o ato que tiver conteúdo contrário à lei, à moral e ordem pública do país. Na hipótese de as partes estiverem domiciliadas em Estados diferentes, a capacidade de cada uma obedecerá à sua lei domiciliar35.

Necessária se faz a delimitação da norma que disciplina as condições intrínsecas dos atos jurídicos decorrentes da declaração de vontade, antes de analisar qual a lei competente para reger os efeitos das obrigações deles resultantes. Quando se tratar de ato unilateral, prevalecerá a lei pessoal do declarante, enquanto que nos atos bilaterais, como nos contratos, p. exemplo, existem cinco correntes doutrinárias: a) competência da lei pessoal dos contratantes, através da qual as declarações de vontade devem ser examinadas separadamente, cada uma de acordo com a lei do declarante (Frankenstein, Dreyfus, J. Aubry e Audinet); b) competência da lei do local da celebração negocial (Pillet e Neboyet); c) competência da lei que rege a relação constituída pelo ato jurídico (Machado Villela); d) competência da lei escolhida internacionalmente pelos contratantes para reger o acordo (proper law of the contractI ou applicable law dos ingleses) e e) competência da lex fori nos conflitos de lei que surjam entre o Brasil e os países signatários do Código Bustamante (art. 177) e a da lei do local da constituição da obrigação entre os demais Estados que não o ratificaram36.

Em se tratando da forma extrínseca do ato, é a locus regis actum, norma de direito internacional privado, que é aceita pelos juristas para indicar a lei aplicável. Através dessa norma, o ato, revestido de forma externa prevista pela lei do lugar e do tempo onde foi celebrado, será válido e poderá servir de como prova em qualquer local onde tiver que produzir efeitos.

Em se tratando de contratos internacionais, o princípio da autonomia da vontade não é acolhido como elemento de conexão para reger contratos na seara do direito internacional, preconizando a liberdade contratual dentro das limitações fixadas em lei, ou seja, a mesma só prevalecerá quando não for conflitante com norma imperativa ou ordem pública, ressaltando-se a previsão que a própria LINDB faz em seu artigo 17 quando considera ineficaz qualquer ato que ofenda a ordem pública interna, a soberania nacional e os bons costumes. Isso não significa que o art. 9º afasta a autonomia da vontade, pois a manifestação da livre vontade dos contratantes é admitida pela LINDB quando o for pela lei do contrato local, desde que observada a norma imperativa.

Nos casos em que a intenção do agente for de burlar a lei nacional, praticando negócio em país estrangeiro com o intuito de fugir às exigências da lei pátria, ou seja, tal ato não subsistirá, por tratar-se de fraude.

Observar-se-ão algumas exceções ao disposto no art. 9º da LICC, nas seguintes hipóteses:

a) quando se tratar de contrato de trabalho, o mesmo deverá obedecer à lei do local da execução do serviço ou trabalho. O art. 6º da Convenção de Roma, de 1980, afirma que em se tratando de contrato individual de trabalho, a aplicação da lei escolhida não poderá privar o trabalhador da proteção que lhe for conferida pela lei: a) do país onde o trabalhador, ao executar o trabalho, habitualmente exerce seu ofício; b) do Estado em cujo território se encontra situada a empresa que contratou o empregado, que não realiza de modo habitual seu trabalho no mesmo país.

b) nas hipóteses dos contratos de transferência de tecnologia, pois nesses casos verificarse-á competência absoluta do direito pátrio interno, em consonância com o art. 17 da LINDB e com

os princípios de direito internacional econômico defendidos pelo Brasil, por tratarse de normas de ordem pública, garantindo interesses nacionais.

c) nos atos relativos à economia dirigida ou aos regimes de Bolsa e Mercados, que serão subordinados à lex loci solutionis (place of performance), filiando-se à lei do país de sua execução.

§ 1º. Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

De acordo com o disposto no § 1º do art. 9º da LINDB, a obrigação contraída no exterior e executada no Brasil será observada segundo a lei brasileira, atendendo as peculiaridades da lei alienígena em relação à forma extrínseca.

Isto significa que a lei da constituição do local da obrigação mantém-se, pois admitidas serão suas peculiaridades, como a validade e a produção de seus efeitos, enquanto a lei brasileira será competente para disciplinar os atos e medidas necessárias para a execução da mesma em território nacional, tais como a tradição da coisa, forma de pagamento ou quitação, indenização nos casos de inadimplemento, etc.

Em relação aos contratos não exeqüíveis no Brasil, mas aqui acionáveis, não se aplicará o disposto no art. 9º, § 1º, da LINDB, mas sim o locus regis actum, ou seja, a lei local é que regerá o ato.

§ 2º. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

O lugar onde se tem por concluído o contrato é de fundamental importância para o direito internacional privado, já que através dele emanará qual a lei deverá ser aplicada para a disciplinar a relação contratual e também a apuração do foro competente.

O art. 9º, § 2º da LINDB afirma que a obrigação resultante do contrato se constitui no lugar em que residir o proponente, sendo aplicável quando os contratantes estiverem em Estados diversos, enquanto que o art. 435 do Código Civil reputa celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

Maria Helena Diniz38 afirma que o verbo “residir” significa “estabelecer morada” ou “achar-se em”, “estar”, e é nessa última acepção que vem sendo empregado o disposto no § 2º, do art. 9º da LINDB, significando que o lugar em que residir o proponente seja o lugar onde estiver o proponente, afastando assim o critério domiciliar por entender que a adoção do elemento “residência” daria mais mobilidade aos negócios, já que não raro os mesmos se efetivam fora do domicílio dos contratantes.

Assim, de acordo com a LINDB, a obrigação contratada entre ausentes será regida pela lei do país onde residir o proponente, não importando o momento ou local da celebração contratual, aplicando-se a lei do lugar onde foi feita a proposta. Em relação aos contratos entre presentes, no que diz respeito ao direito internacional, serão regidos pela lei do lugar em que foram contraídos, desconsiderando-se a nacionalidade, domicílio ou residência dos contratantes.

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

O art. 10 da LINDB abrange tanto a sucessão causa mortis (seja ela legítima ou testamentária) como também a sucessão por ausência.

Perante a teoria da unidade sucessória, que é a adotada pela LINDB, a sucessão causa mortis deverá ser regida pelo lei do domicílio do de cujus, desprezando-se a nacionalidade do autor da herança e a de seu sucessor e a natureza e a situação dos bens, unificando a jurisdição do último domicílio do de cujus para apreciação de todas as questões relativas à sucessão e, desta forma, simplificando as questões oriundas da mesma.

Mesmo nos casos em que o finado tiver mais de uma residência (C, art. 71), competente será o foro onde o inventário foi requerido primeiro.

Maria Helena Diniz39, ao tratar sobre o tema, afirma que a lei do domicílio do de cujus, no momento de sua morte, determinará: a) a instituição e a substituição da pessoa sucessível; b) a ordem de vocação hereditária, quando se tratar de sucessão legítima; c) a medida dos direitos sucessórios dos herdeiros ou legatários, sejam eles nacionais ou estrangeiros; d) os limites da capacidade de testar; e) a existência e a proporção da legítima do herdeiro necessário; f) a causa da deserdação; g) a colação; h) a redução das disposições testamentárias; i) a partilha dos bens do acervo hereditário; j) o pagamento das dívidas do espólio.

O art. 10 da LINDB não faz menção expressa à comoriência ou morte simultânea, e nesses casos, observar-se-ão as leis de domicílio de cada um dos finados relativas à sucessão, de acordo com o disposto no art. 29 do Código Bustamante que dispõe que nos casos de presunções de sobrevivência ou de morte simultânea, quando não houver prova, as mesmas serão reguladas pela lei pessoal de cada um dos falecidos em relação à sua respectiva sucessão. Desta forma, tendo os comorientes domicílios diversos, a sua sucessão será regida pela lei pessoal de cada um.

Nos casos de morte presumida ou ausência, a lei domiciliar do ausente será aplicada, seja qual for a natureza e a localização dos bens que compõem seu patrimônio, no que diz respeito às condições da declaração de ausência e seus efeitos e aos direitos eventuais do ausente (Código Bustamante, arts. 73-83). Sendo assim, não é possível que a pessoa seja declarada ausente por juiz brasileiro quando a mesma não tiver tido seu domicílio em nosso país, assim como não será possível proceder à sucessão provisória, processar inventário e partilha e declarar presunção de morte, nos casos de sucessão definitiva.

§ 1º. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

Nos casos aventados pelo § 1º, em relação à sucessão de bens de estrangeiro situados no País, observa-se exceção à variação da ordem de vocação hereditária determinada pelo art. 1829 do Código Civil, não se aplicando o princípio de que a existência de herdeiro de uma classe exclui da sucessão os herdeiros da classe subseqüente.

A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXI, também prevê que “a sucessão de bens de estrangeiro situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal dode cujus”.

A exceção se dá em relação à possibilidade de alteração da ordem da vocação hereditária pois, nos casos em que, se tratando de bens existentes no Brasil, de propriedade de estrangeiro falecido e casado com brasileira ou com filhos brasileiros, é aplicada a lei nacional dode cujus quando for mais vantajosa aos sucessores do que a lei brasileira.

Assim, estará a sucessão sujeita à aplicação da lei brasileira quando: a) os bens estiverem no Brasil; b) houverem cônjuge ou filhos brasileiros, ou quem os represente e c) quando a lei pessoal do de cujus não lhes for mais favorável.

§ 2º. A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

A interpretação do § 2º, do art. 10 da LINDB, deve ser feita com cuidado no que diz respeito à capacidade para suceder.

Assim, importante reconhecer que o § 2º do art. 10 da LINDB diz respeito à capacidade de exercer o direito de suceder, que é reconhecido pela lei domiciliar do autor da herança e regido pela lei pessoal do sucessor, enquanto que a capacidade para suceder é disciplinada pela lei do domicílio do falecido.

Art. 11-. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

O artigo 1 da LINDB impõe que a lei do Estado em que as pessoas jurídicas de direito privado se constituírem é que irá determinar as condições de sua existência ou do reconhecimento de sua personalidade jurídica, sendo o seu fórum competente para versar sobre sua criação, funcionamento e dissolução, pouco importando o lugar onde se dá o exercício de sua atividade.

A nacionalidade das pessoas jurídicas não é mencionada expressamente pela LINDB, mas entende-se prevista implicitamente no art. 1 da LINDB e expressamente nos arts. 1.126 a 1.141 do Código Civil, quando é determinada pela lei na qual tem sua origem, pelo princípio locus regit actum.

§ 1º. Não poderão, entretanto. ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

O § 1º do art. 1 da LINDB condiciona a abertura de filiais, agências ou estabelecimentos de pessoa jurídica estrangeira no Brasil à aprovação de seu estatuto social ou ato constitutivo pelo governo brasileiro, com o intuito de evitar fraudes à lei e fazendo com que a mesma se sujeite à lei brasileira, uma vez que adquirirá domicílio no Brasil (C, arts. 1.134 a 1.141).

Não será necessária a autorização governamental nos casos em que a pessoa jurídica estrangeira não pretenda fixar no Brasil agência ou filial, pois obedecerá à lei do país de sua constituição, sendo possível exercer atividade no Brasil desde que não contrária à nossa ordem social.

A competência para decidir e praticar os atos de funcionamento no Brasil de organizações estrangeiras destinadas a fins de interesse coletivo, incluindo-se aqui alterações de estatuto e cassação de autorização de funcionamento, ficou delegada ao Ministro de Estado de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sendo vedada a subdelegação.

§ 2º. Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação.

O § 2º do art. 1 da LINDB versa sobre as restrições submetidas às pessoas jurídicas de direito público em relação à aquisição, gozo e exercício de direito real no território brasileiro.

Tal posição se justifica pelo entendimento que a ausência de tais restrições representariam um perigo à soberania nacional, através da possível ocorrência de problemas diplomáticos. Maria Helena Diniz, ao tratar do tema, afirma que “as pessoas jurídicas de direito público externo, serão, por lei, absolutamente incapazes para adquirir a posse e a propriedade de imóvel situado no Brasil ou de bens suscetíveis de desapropriação, como direitos autorais, patentes de invenção, direitos reais sobre coisa alheia de fruição, ações de sociedade anônima, etc”42.

Tal impedimento dar-se-á não somente via testamento, como também através de qualquer título, como compra e venda, doação, permuta, etc.

§ 3º. Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

O § 3º do art. 11 da LINDB trata de exceção ao disposto no parágrafo anterior quando permite que as pessoas jurídicas de direito público possam adquirir prédios para sede de representantes diplomáticos ou agentes consulares, assegurando o livre exercício de funções diplomáticas e de atividades consulares.

Assim, o direito de propriedade imobiliária de um Estado estrangeiro ficará restrito ao edifício de sua embaixada, consulado e legações, necessários à prestação de serviços diplomáticos, e aos prédio residenciais dos agentes consulares e diplomáticos, mesmo que neles não se encontre a chancelaria.

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

O art. 12 da LINDB fixa a competência da autoridade judicial brasileira nos casos em que o réu, seja ele brasileiro ou estrangeiro, tenha domicílio no Brasil, podendo aqui ser intentada qualquer ação que lhes diga respeito. Nas hipóteses em que dois sejam réus e apenas um deles esteja aqui domiciliado, admite-se a competência do juiz que vier a tomar conhecimento da causa em primeiro lugar, de acordo com o princípio da prevenção.

Admite-se assim que o estrangeiro, aqui domiciliado ou não, possa comparecer, como autor ou réu, perante o tribunal brasileiro quando haja alguma controvérsia de seu interesse, desde que sua capacidade para estar em juízo obedeça à lex domicilii e com a ressalva da lex fori no que diz respeito a preceito de ordem pública (art. 7º da LINDB).

Nos casos em que a obrigação for exeqüível no Brasil, competente será a autoridade brasileira, visto tratar-se de competência especial, prevalecendo sobre a competência do local onde a obrigação foi constituída e sobre a competência da lei domiciliar.

Alguns entendem que tal competência é obrigatória, enquanto parte da doutrina entende apenas que o seja em relação ao § 1º do art. 12, nas hipóteses de ações concernentes aos bens imóveis

situados no Brasil, afirmando que o art. 12 da LINDB c.c. os arts. 314 e 316 do Código Bustamante, contém norma supletiva, na medida que entende permitida a competência estrangeira nos casos em que o réu não for domiciliado no Brasil, se a obrigação não tiver que ser aqui executada e nos casos em que a ação não verse sobre imóveis situados no território brasileiro43.

§ 1º. Só à .autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações, relativas a imóveis situados no Brasil.

O § 1º do art. 12 da LINDB diz respeito não só às ações reais imobiliárias mas sim a todas as ações que tratem de imóveis situados no Brasil e trata-se de norma compulsória, na medida que impõe a competência judiciária brasileira para processar e julgar ações que versem sobre imóveis situados no território brasileiro, competindo a nossa justiça fazer a qualificação do bem e a natureza da ação intentada.

Nas hipóteses de o imóvel estar localizado em países diversos, cada Estado será competente para julgar ação relativa à parcela do bem que se encontrar em seu território.

No que diz respeito às ações que versem sobre bens móveis, as mesmas deverão ser propostas no foro do domicílio do réu (CPC, art. 94) e quando tratarem sobre bens móveis que venham a se deslocar após proposta a demanda, será competente o foro do domicílio das partes no momento em que a ação foi proposta (CPC, art. 87).

§ 2º. A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.

A previsão do § 2º do art. 12 da LINDB diz respeito ao cumprimento, pela autoridade judiciária brasileira, das cartas e comissões rogatórias com a finalidade de investigação, e das diligências deprecadas pelas autoridades locais competentes, satisfazendo o que lhes foi requerido pela autoridade estrangeira.

As cartas rogatórias são pedidos feitos pelo juiz de um país ao de outro solicitando a prática de atos processuais, sem caráter executório, e subordinam-se à lei do país rogante, no que tange ao conteúdo ou matéria de que são objeto e, em relação ao procedimento, são disciplinadas conforme a lei do país do rogado. As diligências de caráter executório, como por exemplo, arresto e seqüestro, não poderão ser objeto de carta rogatória (RTJ, 72:659,93:517 e 103:536).

Mesmo se referindo apenas à competência em sentido estrito, poderá o juiz levantar o conflito de jurisdição a ser decidido na forma da lei brasileira, pois o próprio art. 17 da LICC impede o cumprimento de rogatória quando a mesma for ofensiva à ordem pública e aos bons costumes, já que os atos processuais estão sujeitos à lex fori, sendo inadmitidos os que atentem contra a legislação brasileira.

A carta rogatória é remetida através da via diplomática e ao Procurador-Geral da República é dado vista da mesma para que possa impugná-la nos casos de contrariedade da ordem pública, soberania nacional ou falta de autenticidade. Uma vez concedido o exequatur ou “cumpra-se”, a rogatória é enviada ao juiz da comarca onde deverá ser cumprida a diligência, observado o direito estrangeiro quanto ao seu objeto. Tendo sido cumprida, a rogatória é devolvida à justiça rogante através do Ministério da Justiça.

No que diz respeito ao tema, Maria Helena Diniz afirma que oexequatur ou sua denegação não produzirão coisa julgada formal, motivo pelo qual os pedidos poderão ser renovados e as concessões revogadas quando se perceber, por exemplo, que para processar e julgar a causa, apenas a justiça brasileira é competente, pois o juiz rogado poderá resolver sobre sua própria competência ratione materiae para o ato que se lhe atribui (Código Bustamante, art. 390)4.

Tendo sido concedido o exequatur à carta rogatória, não será necessária a homologação da sentença que vier a ser prolatada por autoridade estrangeira no mesmo processo.

Sendo indispensável para o encerramento da instrução, a carta rogatória deverá ser devolvida, quando requerida antes do despacho saneador, suspendendo o processo até que seja devolvida. Nas outras hipóteses não terá efeito suspensivo, podendo ser pronunciada decisão sem a devolução da carta devidamente cumprida.

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

O art. 13 da LICC diz respeito à prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro, preconizando que a mesma será regida pela lei do lugar onde ocorrer (lex loci), enquanto que o ônus e meio de produzi-la serão regidos pela lex fori, não sendo admitida, no curso da ação, qualquer prova não autorizada pela lei do juiz, sob pena de contrariar o sistema da territorialidade da disciplina do processo.

No que diz respeito à apreciação das provas, a mesma dependerá da lei do juiz (Código Bustamente, art. 401), devendo o mesmo basear-se nas prescrições legais de seu país, averiguando:

a) a ilicitude do ato ou contrato; b) a capacidade das pessoas que se obrigaram; c) a observância das formas extrínsecas ou solenidades requeridas pela lei do lugar da celebração do ato (locus regit actum); d) autenticidade do documento, que deverá estar traduzido no idioma usado no país da lex fori e legalizado pelo cônsul.

Importante ressaltar que mesmo o modo de produção de provas sendo de competência da lex fori, não pode-se em hipótese alguma, permitir quaisquer meios probatórios não autorizados pela lei do órgão judicante, ou seja, a prova do fato ocorrido no estrangeiro deve ser produzida por meio conhecido do direito pátrio, caso contrário não será aplicável por juiz local.

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.

Estando o magistrado diante de um caso de direito internacional privado, o mesmo deverá decidir se é aplicável o direito brasileiro ou o estrangeiro, e, verificando a inaplicabilidade da norma brasileira, determinará qual a legislação estrangeira aplicável àquele caso concreto. A aplicação da lei estrangeira pelo juiz pode ser dar ex officio, quando dela tenha conhecimento e mesmo sendo esta contra a vontade das partes.

Nos casos em que desconhecer a norma estrangeira, já que não é obrigado a conhecê-la e nem tem o dever de prová-la, é permitido ao juiz, pelo art. 14 da LINDB, reclamar a prova do direito

estrangeiro de quem a alega, tendo o juiz o dever de inteirar-se das normas mesmo quando não fornecida pelas partes.

Maria Helena Diniz, ao discorrer sobre o tema, dispõe que, a observância do direito estrangeiro, seja ex officio pelo juiz ou quando invocado pela parte litigante, poderá se dar das seguintes formas: a) o magistrado deverá aplicar a lei estrangeira, mesmo sem alegação e prova da parte interessada, sempre que o direito privado (lex fori) julgar competente aquela lei; b) se o juiz não conhecer o direito estrangeiro poderá exigir prova da parte a quem aproveita (CPC, art. 337); c) o interessado, sem a provocação do juiz, poderá alegar a lei que lhe é aplicável, propondo-se a provar sua sua existência e conteúdo e d) o órgão judicante poderá de ofício investigar a norma estrangeira alegada pela parte, se a prova apresentada não o convencer, não estando o mesmo adstrito às afirmações ou provas produzidas por ela.

Nos casos em que, mesmo tomando todas as providências necessárias, seja impossível determinar com segurança qual o direito alienígena deva ser aplicado, os juristas têm apontado algumas soluções, como: a) a conversão do julgamento em diligência; b) o julgamento do litígio contra a parte que alegou o direito estrangeiro e não demonstrou o mesmo; c) a aplicação do ius communis vigente no fórum, na falta de prova concludente do direito alienígena; d) rejeição da demanda fundada em tal lei, julgando a ação improcedentes; e) a decisão conforme a norma provavelmente em vigor no país em que se cogita e f) julgamento de acordo com os princípios gerais de direito, ou seja, com um direito comum a que a norma alienígena se coaduna45.

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que ,foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Parágrafo único. Não dependem de homologação as sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas.

A sentença de mérito proferida no estrangeiro é destituída tanto de obrigatoriedade quanto de força executória na jurisdição de outro país, em virtude da independência das jurisdições.

O art. 15 da LINDB versa justamente sobre a hipótese em que sentença estrangeira deva ser executada no Brasil, já que tal sentença, para ser aqui executada, necessita da aprovação do nosso órgão judiciário, constituindo o exequatur. O exequatur é o processo através do qual a jurisdição local aceitará a sentença como produto de um tribunal, mas indicará se ela poderá ou não ser aqui executada, submetendo-a a exame preliminar.

O critério utilizado adotado no Brasil em relação ao problema da eficácia jurídica e da força executiva da sentença estrangeira é o do juízo de delibação. O juízo de delibação é uma modalidade deexequatur, através do qual se reconhece a eficácia da sentença estrangeira para ser executada no território do Estado ou para atender aos direitos adquiridos dela recorrentes, constituíndo um prévio juízo, sem apreciação do mérito, limitado ao exame de requisitos extrínsecos (competência, regularidade da citação e respeito à ordem pública nacional) e da competência da autoridade prolatora da sentença. O processo de exequatur não admite a apresentação de novo pedido que não tenha sido apreciado pelo juiz estrangeiro, cabendo ao juiz

do exequatur somente a concessão ou a recusa da homologação, sem poder alterar o julgamento feito no exterior.

A execução de sentença estrangeira no juízo brasileiro somente se dará quando presentes determinados requisitos externos e internos.

Os requisitos externos são que a sentença seja formalmente válida em sua jurisdição de origem, que esteja traduzida na língua portuguesa por tradutor juramentado ou intérprete autorizado e que seja autenticada pelo cônsul brasileiro (Súmula 259 do STF), exceto se tiver sido requisitada por via diplomática. Os requisitos internos para que a sentença alienígena seja executada em nosso país são os seguintes: que tenha sido prolatada por juiz competente; citação válida das partes ou verificada sua revelia, de acordo com a lei do local onde tenha sido prolatada a decisão; trânsito em julgado da sentença proferida no estrangeiro (Súmula 420 do STF); sentença não contrária à ordem pública, soberania nacional e aos bons costumes e que tenha sido previamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a EC 45/2004 e com o art. 483, parágrafo único, do Código de Processo Civil, com ouvida das partes e do Procurador-Geral da República.

No que tange à sentença estrangeira meramente declaratória de estado de pessoa, a homologação é dispensada, em função de que este tipo de sentença independe de execução, pois por si só representa documento idôneo para determinar uma qualidade ou um fato, tendo mera eficácia documental.

Clóvis Bevilacqua, ao tratar do tema, ressalva que “Se, entretanto, a sentença sobre o estado envolve relações patrimoniais, a homologação é necessária, porque será o título executivo, que o indivíduo apresentará, invocando a coação do poder público, afim de lhe serem assegurados os direitos, que a sentença declara lhe pertencerem”46.

Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

As normas de direito internacional privado, vigentes nos diferentes Estados, não são uniformes a respeito dos critérios normativos, motivo pelo qual se justificam os conflitos entre as próprias normas de direito internacional privado.

O artigo 16 da LICC busca, através da corrente da referência ao direito material estrangeiro solucionar tais conflitos, pela qual a norma de direito internacional privado remete o aplicador para reger dada relação jurídica ao direito substancial alienígena, qualificador do fato sub judice, e não ao direito internacional privado estrangeiro. Essa teoria preconiza que o juiz atenda somente à norma de direito internacional privado de seu país, sem se preocupar com a de outro Estado, seja ela idêntica ou não47.

Ao tratar sobre o tema, Maria Helena Diniz afirma que “o princípio adotado pelo art. 16 é o de que a remissão feita pela norma brasileira de direito internacional privado a direito estrangeiro importará em remissão às disposições materiais substanciais do ordenamento jurídico estrangeiro (sachnormweisung) e não ao ordenamento jurídico em sua totalidade, inclusive às normas alienígenas de direito internacional privado (gesamtverweisung)”.

Assim, afirma ainda a autora, o art. 16 da LINDB admite tão-somente a aplicação de norma substancial brasileira aplicável ao caso vertente, por ordem da norma de direito internacional privado do fórum e na da norma de direito internacional alienígena, já que as únicas normas sobre conflito normativo que poderão ser levadas em conta, para a resolução de um dado fato interjurisdicional, serão as do fórum e não as de outro Estado48.

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

É sabido que o juiz é obrigado a aplicar a lei estrangeira no caso concreto quando o impuser a norma de direito internacional privado. O art. 17 da LINDB confere ao magistrado o poder-dever de afastá-la quando a mesma contrariar a soberania nacional, ordem pública e os bons costumes, visto que os mesmos constituem limites que visam a assegurar a ordem social.

Na prática, a análise da aplicação ou não da lei estrangeira dar-se-á no momento em que o órgão judicante apreciará o caso concreto, averiguando se sua aplicação não será contrária aos nossos princípios de organização política, jurídica e social.

Assim, através deste artigo, observa-se uma restrição ou limitação à aplicação de lei estrangeira no Brasil pois, quando contrária à nossa ordem social, mesmo quando regularmente aplicável a certo caso, terá sua competência normal afastada, acarretando a aplicação da lex fori.

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.

O artigo 18 da LINDB versa sobre a competência consular brasileira para redigir atos notariais em Estado alienígena, possibilitando aos brasileiros que estejam no exterior, domiciliados ou não no Brasil, possam se dirigir aos representantes consulares do Brasil para requererem a lavratura de atos de competência normal de juiz de casamento, de tabelião ou oficial do registro civil, de acordo com sua lei nacional, que é a brasileira.

Importante ressaltar que os atos consulares constituem exceção ao princípio locus regit actum, já que os cônsules, no exercício de seus cargos no exterior, devem seguir as formalidades prescritas em sua lei nacional, e não as do país onde estão a serviço do Brasil.

No que diz respeito ao casamento, o art. 18 da LINDB, com a alteração do art. 3º da Lei nº 3.238/57, permite que o mesmo seja celebrado no exterior perante cônsul brasileiro, ressaltando que ambos os nubentes devam ser brasileiros, já que no direito brasileiro exige-se a vinculação da nacionalidade dos contraentes à autoridade consular. Ou seja, quando os nubentes tiverem nacionalidades diversas, a cerimônia somente poderá ser realizada perante a autoridade local, não tendo o cônsul brasileiro competência para celebrá-la, não podendo fazê-lo quando apenas um dos cônjuges for brasileiro e o outro for estrangeiro ou apátrida.

Após a celebração do casamento pelo cônsul, é necessário o registro do mesmo no livro competente, no prazo de 180 dias contados da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no Cartório do respectivo domicílio ou, na falta deste, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir, expedindo a certidão do casamento. Se porventura o prazo de 180 dias não

for cumprido, o casamento não é invalidado, mas nova habilitação será necessária para retomar a possibilidade do registro49.

No caso de a lei do país em cujo território se realizou o casamento de brasileiros não reconhecer o casamento consular, o mesmo terá validade no Brasil50.

Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais.

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei.

O art. 19 da LINDB versa sobre a validade do casamento celebrado por cônsul brasileiro no estrangeiro, de nubentes de nacionalidade brasileira, mesmo que não sejam domiciliados no Brasil, ou seja, validando também as núpcias de brasileiros domiciliados no exterior.

O parágrafo único do artigo 19 determina um prazo de noventa dias para que se renove o pedido para a celebração do casamento quando a autoridade consular se recusar a celebrá-lo com fundamento no disposto no art. 18 da LINDB.

Oscar Tenório51 entende que o simples pedido de reconsideração no processo de habilitação, quando fundamentado legalmente, já obrigaria o cônsul a celebrar as núpcias, deixando de lado a exigência do domicílio no Brasil.

Assim, observa Maria Helena Diniz que a Lei nº 3.238/57 veio a alterar os arts. 7º, § 2º, e 18 da LICC, eliminando a exigência do domicílio e considerando apenas o elemento de conexão “nacionalidade”, motivo pelo qual brasileiros, domiciliados ou não no Brasil, poderão contrair núpcias no exterior perante autoridade consular brasileira52.

BIGAMIA. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. A decisão judicial proferida pelo STJ ( SEC 1303/JP, REL Ministro Fernando Gonçalves, Corte Especial, julgado em 05/12/2007, DJ 11/02/2008) discutiu acerca da homologação ou não de sentença estrangeira proferida por tribunal japonês. O requerente de nacionalidade japonesa casou-se com brasileira na cidade de Piracicaba, São Paulo, em 25 de julho de 1992. Após o casamento, os cônjuges estabeleceram domicílio no Japão. Posteriormente, o cônjuge virago revelou já ter contraído casamento na cidade de Eduardo Gomes, Rio Grande do Norte em momento anterior. Diante disso, foi requerido junto a tribunal japonês a anulação do segundo casamento em virtude do impedimento matrimonial. A justiça japonesa deferiu o pedido e decretou a anulação do casamento realizado no Brasil. Instado a manifestar-se a respeito da questão, o Superior tribunal de Justiça denegou o pedido de homologação da sentença japonesa. O argumento utilizado foi a norma contida no Art. 7º §1º da LINDB que preceitua: ” Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração”. Por ser o casamento de pessoa casada um dos impedimentos dirimentes previstos no Art. 1521 do Código Civil de 2002, pode-se afirmar que foi acertada a decisão do tribunal brasileiro. A corte utilizou-se das regras de conexão do Direito Internacional Privado. Segunda elas, diante de uma relação jurídica em que aparentemente será possível a aplicação de mais de um ordenamento jurídico, cabe ao Direito Internacional Privado do país determinar qual será o direito aplicável. Isso se fará a partir dos chamados elementos de conexão que tem o poder de atrair para determinado ordenamento jurídico a solução do

conflito. No caso em tela, este elemento foi o local de realização do casamento. Assim, como o casamento, objeto da discussão,realizou-se no Brasil a competência para sua anulação é da justiça brasileira, portanto, descabida a homologação de sentença estrangeira requerida.