· Web viewOpção que levantou já vozes críticas por parte da doutrina, que entende esta ser...

22
DIREITO DA FAMÍLIA O regime português do divórcio: Partilha, créditos compensatórios e obrigação de alimentos Acta da aula do dia 14/03/2011 • Professora Doutora Cláudia Trabuco • • Orador - Doutor Rui Alves Pereira (Advogado, PLMJ) •

Transcript of  · Web viewOpção que levantou já vozes críticas por parte da doutrina, que entende esta ser...

DIREITO DA FAMÍLIA

O regime português do divórcio:

Partilha, créditos compensatórios e obrigação de alimentos

Acta da aula do dia 14/03/2011

• Professora Doutora Cláudia Trabuco •

• Orador - Doutor Rui Alves Pereira (Advogado, PLMJ) •

Ana Ramalho (1563)

Isabel Caiado (1530)

Índice

1. Introdução

2. Principais Alterações introduzidas pela Nova Lei do Divórcio

3. Aspectos regulados no processo de divórcio

3.1. Partilha

3.2. Créditos compensatórios

3.3. Obrigação de alimentos

4. Regulação da partilha, créditos compensatórios e obrigação de alimentos no decorrer das diferentes modalidades do divórcio

4.1. Divórcio por mútuo consentimento

4.1.1. Conservatória

a) Uso e destino da casa de morada de famíliab) Pensão de alimentosc) Relação especificada dos bens comuns do casald) Regulação do exercício das responsabilidades parentais

4.1.2. Tribunal

4.2. Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges

4.2.1. Análise dos pressupostos

4.2.3. Trâmites Processuais

4.2.3. Partilha e compensação patrimonial

4.2.4. Responsabilidades parentais

5. Problemáticas levantadas pelos alunos

Bibliografia

2

1. Introdução

A aula de 14 de Março de 2011 contou com a honrosa intervenção do Dr. Rui Alves Pereira na exposição da matéria do regime português do divórcio, focando nomeadamente os aspectos concernentes aos efeitos patrimoniais do divórcio: a partilha, créditos compensatórios e obrigação de alimentos no âmbito do processo de divórcio.

Dada a área de exercício profissional do Dr. Rui Alves Pereira foi possível tomar contacto com a perspectiva do advogado ao lidar com processos de divórcio, sendo de frisar a componente humana necessária ao advogado ao manejar situações sociologicamente tão delicadas como as de divórcio.

Nesta acta, optar-se-á, em harmonia com o ocorrido na aula em questão e por razões de contextualização, por introduzir brevemente as modalidades, questões processuais, principais efeitos do regime do divórcio.

3

2. Principais Alterações introduzidas pela Nova Lei do Divórcio

A nova lei trouxe como pontos de destaque a questão dos créditos compensatórios, o conceito de que as responsabilidades parentais devem ser conjuntas e a possibilidade de haver processo-crime caso haja incumprimento das obrigações parentais, e a eliminação da relevância do instituto da culpa1 para efeitos de acção de divórcio.

Na prática tal significa por exemplo que o cônjuge que deu causa à ruptura matrimonial possa pedir a dissolução do casamento, ao contrário do que anteriormente estava previsto, o que não se reconduz aliás a uma situação de maior fragilidade patrimonial já que não se nega direito a alimentos ao cônjuge que deles. A nova lei encurtou, ainda, todos os prazos para concessão do divórcio, sem consentimento de um dos cônjuges. É também alargada a protecção ao cônjuge lesado, afirmando o seu direito a uma indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil e a arbitrar nos tribunais comuns.

A alteração do regime pretende essencialmente afirmar que o casamento não deve ser um contrato meramente patrimonial, e incide essencialmente nas condições para a concessão do divórcio, e as próprias consequências patrimoniais desse mesmo (pelo que se as partes casaram em regime de comunhão geral sabem já que se divorciam como se vigorasse o regime de comunhão de adquiridos)2. São portanto modificados por extensão, os regimes da responsabilidade e das responsabilidades parentais.

Conclui-se que surge a NLD como mais liberal e mais facilitadora das causas do divórcio, que apesar das incongruências3 que lhe foram já apontadas, agrada em geral aos aplicadores do Direito, contrariamente às iniciais expectativas criadas em torno da sua aplicação.

1 “A opção do legislador, em linha com a tendência dogmática europeia, pelo corte com o princípio da culpa, é claramente assumida na exposição de motivos das alterações ao regime jurídico do divórcio (Projecto de Lei nº509/X), segundo a qual «sendo a ruptura conjugal, com muita frequência, um processo emocionalmente doloroso, a tendência tem sido também, ao nível legislativo e nos países europeus que nos vão servindo de referência, para retirar a carga estigmatizadora e punitiva que uma lógica de identificação da culpa só pode agravar», em convergência com o regime jurídico de partilha do ideário consagrado pela Commission on European Family Law. “ - In: O NOVO REGIME DO DIVÓRCIO EM AVALIAÇÃO, w ww.portugal.gov.pt/pt/GC18/.../MJ/Regime_Divorcio_Avaliacao.pdf 2 Lógica de, independentemente da culpa, que nenhum dos cônjuges poderá receber mais na partilha do que receberia se tivessem escolhido o regime supletivo. Opção que levantou já vozes críticas por parte da doutrina, que entende esta ser uma total subversão do sistema, e que ainda que cada vez mais raramente, subsistem ainda casais em regime de comunhão geral de bens (porque optaram pelo afastamento do regime supletivo) e que vêem eliminado assim este regime de bens, como se não existisse na prática para efeitos da cessação dos efeitos do casamento.3 Essencialmente formais, pela não actualização de artigos conexos.

4

3. Aspectos regulados no processo de divórcio

Para que um divórcio se processe exige-se que uma série de aspectos da vida do casal fiquem regulados.

3.1. Partilha

A partilha consiste no processo que permite obter a divisão dos bens comuns da sociedade conjugal, mediante a aplicação do princípio geral de que ninguém é obrigado a permanecer na contitularidade indivisa de uma coisa, expresso no artigo 1412º do Código Civil. Representa a cessação de relações patrimoniais entre os cônjuges ou separação superveniente de bens.

3.2. Créditos compensatórios

No contexto dos efeitos patrimoniais do casamento, a compensação é o meio de prestação de contas da transferência entre valores respectivos ao património do casal, i.e, o património comum e os dois patrimónios próprios dos cônjuges. A lei não clarifica o procedimento a seguir para determinação do crédito compensatório, sempre que não haja acordo quanto a ele.

3.3. Obrigação de alimentos

A obrigação de alimentos consiste, em princípio, numa soma pecuniária mensal, destinada a prover ao sustento, habitação e vestuário do alimentado, adicionando-se instrução e educação, no caso de este ser menor.

5

4. Regulação da partilha, créditos compensatórios e obrigação de alimentos no decorrer das diferentes modalidades do divórcio

O divórcio assume diferentes modalidades: o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges4. O pressuposto para que o casal opte pela primeira modalidade consolida-se no acordo de ambos quanto à dissolução do casamento, enquanto na segunda é suficiente a vontade de um dos cônjuges nesse sentido.

Em qualquer das modalidades devem as entidades estatais assegurar que os cônjuges conhecem a existência e objectivos da mediação familiar.5

4.1. Divórcio por mútuo consentimento

O processo de divórcio por mútuo consentimento pode decorrer junto da conservatória do registo civil ou junto do tribunal, conforme o casal tenha atingido consenso ou não relativamente aos acordos acessórios exigidos para o divórcio, respectivamente.6

4.1.1. Conservatória

Antes de mais, para que se inicie o processo, exige-se que ambos os membros do casal tenham a intenção de se divorciar. Verificando-se esse requisito, avançar-se-á para a análise das questões relacionadas com a partilha, os créditos compensatórios e a obrigação de alimentos, relativamente às quais o casal deve também ter atingido acordo sob a totalidade dos aspectos para que o processo de divórcio prossiga.

e) Uso e destino da casa de morada de família

Nestes termos, deve o casal apresentar documentação relativamente à habitação em causa (importa, nomeadamente, informação relativamente à localização), e comunicar a qual dos cônjuges caberá habitar o espaço, de futuro. Como o cônjuge a quem o uso da casa de morada de família pode não coincidir com aquele ao qual a propriedade da mesma cabe, é conveniente estabelecer um limite temporal para esse uso (v.g., o direito de uso extinguir-se-á com a alienação do imóvel)7.

4 Artigo 1773º nº1 do Código Civil5 Artigo 1774º do Código Civil6 As regras processuais desta modalidade de divórcio encontram-se nos artigo 1775º-1778º-A do Código Civil, artigos 271º-274º do Código de Registo Civil, artigo 14º do DL nº272/2001, de 13 de Outubro, e artigos 1419º-1424º do Código de Processo Civil.7 A importância de regular estas situações revela-se quando levam a complicações inesperadas e a controvérsia. Também pela mesma razão, se torna preferível dotar o mesmo cônjuge do direito de uso e do direito de propriedade da casa de morada de família, no caso de esta ser bem comum do casal, ao proceder à partilha dos bens.

6

f) Pensão de alimentos

A atribuição de pensão de alimentos reveste carácter excepcional sob o regime estabelecido pela nova lei do divórcio8. Extinto o elemento da culpa no processo de divórcio, qualquer um dos cônjuges pode requerir a atribuição desta pensão. Conforme se retira do disposto no artigo 2016º-A do Código Civil, que estabelece as condições em que uma pensão deve ser atribuída9, a atribuição duma pensão de alimentos ao ex-cônjuge destina-se sobretudo aos casos em que um dos membros do casal abdica duma carreira profissional em favor do casamento ou vida familiar, não estando em condições favoráveis de ingresso no mundo do trabalho, por altura do divórcio. Seria o caso da esposa que se dedica exclusivamente a cuidar dos filhos do casal e do lar, enfrentando uma situação de divórcio aos 50 anos.

Refira-se, ainda, que o cônjuge credor de alimentos não terá direito a exigir que os mesmos tenham por objectivo a manutenção do padrão de vida de que beneficiou durante o casamento.

No caso de não se estabelecer acordo entre o casal acerca desta questão, uma pensão de alimentos só será atribuída mediante requerimento do cônjuge interessado, competindo ao juiz determinar o montante da mesma. Tal pedido pode ser formulado mesmo antes de decorrer a acção, tomando a forma de providência cautelar.10

g) Relação especificada dos bens comuns do casal11

O casal deve apresentar documentos relativos ao património activo e passivo originado no decorrer do casamento, no caso de o mesmo ter sido realizado sob o regime da comunhão de bens12 ou de comunhão de adquiridos13.

Em sede de partilha de bens, uma das grandes e controversas alterações é a que determina que, na partilha, nenhum dos cônjuges receba mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado nos termos do regime de comunhão de adquiridos14. Saliente-se que esta regra, no regime anterior, apenas vigorava para os casos em que um dos cônjuges era considerado o cônjuge culpado.

8 Artigo 2016º nº1 do Código Civil. A anterior versão do artigo 2016º do Código Civil, alterada em 2008, estabelecia como requisitos para a atribuição de pensão de alimentos (i) a necessidade por parte do cônjuge requerente e (ii) manutenção do padrão de vida.9 O artigo 2016º-A do Código Civil estipula que, na fixação dos alimentos, o tribunal deverá tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde de cada cônjuge, as qualificações profissionais e a possibilidade de emprego, os rendimentos próprios, o tempo que dedicarão aos filhos, bem como todas as circunstâncias que determinem a necessidade de quem os recebe e de quem os presta, incluindo um novo casamento ou união de facto.10 Normalmente ambos os cônjuges prescindem (90% dos casos, segundo com o orador).11 Em bom rigor, não se trata de um acordo.12 Artigos 1732º ss do Código Civil13 Artigos 1722º ss do Código Civil14 Artigo 1790º do Código Civil

7

Possibilitam-se aqui várias situações. No caso de haver acordo relativamente à partilha de bens, o casal pode também entregá-lo ao conservador. Podendo este acordo ser ou não homologado pelo último, conforme acautele os interesses de ambos os cônjuges. Por outro lado, também se possibilita ao casal pedir ao conservador do registo civil que elabore um acordo de partilha15.

Não atingindo o casal concordância nesta questão, deverá apresentar a relação de bens comuns do casal na conservatória, após o que o divórcio poderá registar-se, seguindo-se a partilha em momento posterior, mediante elaboração por parte da conservatória de registo civil. Ou seja, conforme expresso no nº4 do artigo 272º-A do Decreto-lei nº324/2007, de 28 de Setembro, a falta de acordo entre o casal quanto à partilha não impede que o processo de divórcio prossiga.

Pode-se ponderar uma certa desadequação formal deste regime na medida em que num só acto se procede à partilha dos bens do casal, quando esta pode depender de terceiros, como credores. Havendo dívidas conjuntas do casal, é necessário que o credor exonere um dos cônjuges para que a partilha possa prosseguir. Como esta exoneração pode prejudicar o credor, este poderá não consentir na mesma. Ou seja, apesar de a partilha ser determinada em certos moldes, a concretização dos mesmos pode ver-se comprometida por circunstâncias externas e não tomar os contornos planeados. Por outro lado, a celeridade do processo de divórcio nestes moldes acaba por se ver comprometida na questão da partilha.

h) Regulação do exercício das responsabilidades parentais

Cabe aqui regular dois aspectos muito importantes, no caso de haver filhos do casal: residência da(s) criança(s) e responsabilidades parentais16.

Em regra, o exercício das responsabilidades parentais será partilhado por ambos os progenitores (ao contrário de anterior legislação, que tendia a atribuir ao mesmo progenitor a “guarda” e o “poder paternal”). A ambos caberá gerir as questões de particular importância relativas à vida da(s) criança(s). No âmbito destas encontram-se, ainda que não especificadas na lei, educação, actividades extra-curriculares, orientação religiosa, saúde, mudança de residência, saídas do país, direito de visita17, entre outras.

15 De acordo com o Decreto-lei 324/2007, de 28 de Setembro, esclarecendo o preâmbulo “Conforme referido, o presente decreto -lei permite que todos estes actos, formalidades e diligências [a habitual partilha dos bens imóveis do casal separado ou divorciado] se possam fazer nas conservatórias do registo civil.”16 Responsabilidades Parentais consistem nos poderes-deveres atribuídos aos pais para proverem à saúde, educação e alimentação dos filhos menores não emancipados, assim como à administração dos seus bens, sendo estes direitos irrenunciáveis.17 Relativamente ao direito de visita, é preferível regular esta situação, ainda que subsidiariamente, sob pena de os progenitores não chegarem a acordo no futuro, sem que esteja prevista solução para o conflito. Exemplificando um acordo nesta área: nos anos ímpares cabe ao pai preferência na escolha do período de férias que passará com o filho, estabelecendo-se o oposto nos anos pares.

8

Quanto à pensão de alimentos a ser atribuída à criança, consiste num direito da mesma, não sendo por isso prescindível. Para determinar o montante da pensão, procede-se a uma estimativa das despesas da criança contraposta ao rendimento de cada progenitor, ponderando a possibilidade de cada um contribuir.

O acordo dos progenitores acerca desta questão deverá acautelar devidamente os interesses do menor, sob pena de o processo de divórcio não prosseguir, conforme determina o artigo 1776º e 1776º-A do Código Civil. Este acordo específico segue uma tramitação diferente dos restantes, já que é apreciado separadamente, e previamente à conferência de divórcio, pelo Ministério Público. Caberá a este certificar que o acordo acautela os interesses do(s) menor(es) em causa ou sugerir alterações do acordo nesse sentido. Quando o parecer for positivo ou as modificações tiverem sido acatadas, os trâmites processuais do divórcio poderão prosseguir, não cabendo ao conservador pronunciar-se mais acerca deste aspecto acessório.

No caso de ter havido prévia regulação judicial das responsabilidades parentais, será suficiente apresentar certidão da referente sentença judicial.

Após o requerimento de divórcio por mútuo consentimento, cabe ao conservador analisar o caso, com vista a homologar os acordos sobre os aspectos acessórios ao divórcio já escrutinados acima, emitindo depois parecer (geralmente no espaço de 15 dias). Pretende-se aqui assegurar a protecção dos interesses de ambos os membros do casal, assim como dos menores que eventualmente dependam do casal. Sendo o parecer favorável (80% dos casos), o conservador convoca uma conferência de cônjuges em que o divórcio é decretado.18 A competência para decretar o divórcio nestes moldes é exclusiva da conservatória do registo civil.

Quando os aspectos acessórios ao divórcio não merecerem aprovação, o conservador convida os cônjuges a alterá-los de modo a irem de encontro com as exigências próprias. No caso de o casal aceitar as alterações, haverá homologação dos acordos e decreta-se o divórcio.

Sendo o parecer desfavorável por não ter o conservador homologado a totalidade dos acordos acessórios ao divórcio, o processo será remetido para o tribunal, ao qual competirá decretar o divórcio, de acordo com o disposto no artigo 1778º do Código Civil. Remetem-se, então, os trâmites processuais a seguir para a modalidade de divórcio por mútuo consentimento apresentado no tribunal, que em seguida analisamos.

Os efeitos produzidos pela decisão proferida pelo conservador do registo civil são semelhantes às de sentença judicial equivalente.

4.1.2. Tribunal

18 O custo desta modalidade de divórcio para o casal ronda os 250€.

9

O requerimento de divórcio por mútuo consentimento em que há consenso relativamente ao término do casamento, mas não relativamente a todas as matérias complementares 19, deve ser apresentado junto do tribunal.

O artigo 1778º-A do Código Civil estabelece os trâmites processuais a seguir nesta modalidade de divórcio. Também aqui caberá a avaliação pelo juiz das matérias acessórias nas quais o casal tenha chagado a acordo, no sentido de garantir a protecção dos interesses de ambos os membros do casal, assim como dos seus filhos menores, havendo-os. O juiz orientara as modificações necessárias aos acordos, nesse sentido. Relativamente às questões acessórias sobre as quais não haja consenso, tentará o juiz promovê-lo, em alternativa a estabelecer as consequências unilateralmente. Finalmente, decreta-se o divórcio.

Sendo esta modalidade uma inovação introduzida pela nova lei do divórcio, ainda não encontrou significativo eco na resolução de processos de divórcio. Na opinião expressa pelo Dr. Rui Alves Pereira, acaba por não revestir grande interesse prático já que quando o casal não atinge acordo, prossegue geralmente para processo em tribunal. Em adição, opina que se trata de um regime duvidoso na medida em que parece sugerir que se concede o divórcio, mantendo, ao mesmo tempo, pendentes relevantes questões no âmbito do mesmo, questionando, por isso, o interesse prático desta inovação.

4.2. Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges

Ao contrário do tipo de divórcio anteriormente descrito, a figura do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é a principal novidade material20 do novo regime trazido pela Lei 61/2008, enquanto nova modalidade de dissolução do casamento. A possibilidade de divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges é a consagração no ordenamento jurídico português de alguns dos Princípios do Direito da Família Europeu relativos a Divórcio e Alimentos entre Ex-Cônjuges, (princípio 1.3, pela aprovação do novo artigo 1773º n.º1 e nº3 do Código Civil e subsequente regime) os quais não haviam sido ainda adoptados, assim dado o passo para uma maior uniformização legislativa no âmbito da União Europeia.

Apesar de subsistir na lei um catálogo de deveres conjugais, contrariamente à revogada figura do divórcio litigioso, não é aqui exigível declaração de culpa21 entre os cônjuges,

19 Excepcionando, como já se explicou, a falta de acordo acerca da partilha ou pedido de elaboração do mesmo.20 Entendida pelo Professor Jorge Pinto Duarte como divórcio litigioso strictu sensu, que altera então a noção conceptual de divórcio: “ O divórcio é uma causa de dissolução do casamento decretada pelo tribunal ou pelo conservador do registo civil, a requerimento de um ou dos dois cônjuges”. Cf . DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, 2ª edição, AAFDL, pp.640, 643.21 O princípio da culpa, no qual se baseia o modelo francês, é substituído pelo princípio da ruptura, no qual se baseia o modelo alemão, sendo agora usado como inspiração para o regime português. Assim, em vez da verificação de uma violação culposa dos deveres conjugais por um dos cônjuges, ao qual seria imputável o suporte das consequências patrimoniais negativas da dissolução do casamento, a lei exige puramente a verificação de causas objectivas, eliminando assim a responsabilidade na ruptura.

10

bastando o requerimento com fundamento em causas objectivas amplas, algumas tipificadas entre os fundamentos do artigo 1781ºCC.

4.2.1. Análise dos pressupostos

A modalidade de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, implica, como a própria designação o indica, a vontade do outro cônjuge – autor - de interromper a relação matrimonial, mesmo que o outro cônjuge – réu - não o queira. Como já referido, é esta uma possibilidade que em momento anterior à aprovação do referido diploma não se afigurava possível à luz do ordenamento jurídico português.22 Nestes termos, cabe então analisar sob que condições poderá então recorrer-se a esta figura.

Assume especial novidade no novo diploma a figura da “ruptura do casamento”, que indica como fundamentos23 do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:

a) A separação de facto por um ano consecutivo;

b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;

c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;

d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.

Cumpre, neste contexto, dar especial importância à análise da alínea a) do artigo 1781º, que admite a ruptura do casamento baseada na “separação de facto24 por um ano consecutivo”. Ora é este, segundo a opinião do orador, um conceito de difícil definição já que não poderá não implicar exactamente a quebra do vínculo de co-habitação do casal em residências autónomas, tendo de ser analisados portanto outros elementos subjectivos25. Esta previsão já existia porém anteriormente è aprovação do regime de 2008 era necessária a concordância do casal.

22 À excepção do extinto regime do divórcio litigioso, porém a grande alteração é a abertura à possibilidade de qualquer um dos cônjuges (mesmo o considerado “culposo”) poder requerer o divórcio, independentemente da violação dos deveres conjugais, agora irrelevante à luz do sistema jurídico. 23 Artigo 1781º do Código Civil.24 Artigo 1782º do Código Civil25 Foi oportunamente apresentada, a título exemplificativo uma situação algo perplexa elucidando o quão difícil poderá ser interpretar estes conceitos. Partindo para a análise subjectiva da “ruptura da vida comum” - conceito ao qual se poderá recorrer para a concretização da alínea a) do referido artigo, e do artigo 1782º do Código Civil – foi apresentada a situação de uma senhora A que havia requerido ao tribunal o divórcio do seu marido B alegando como causa do divórcio a ruptura definitiva da vida em comum, prevista no artigo 1781.º, d) do Código Civil e assim separação de facto há mais de três anos, como exigido no regime anterior a 2008. O juiz encarregue considerou a acção improcedente já que o casal partilhada ainda refeições. A optou então por interromper esse vínculo com B, o qual mantinha exclusivamente com propósitos económicos, voltando mais tarde a interpor a acção, que nessa altura terá já então sido considerada procedente, tendo-lhe sido concedido o divórcio. A decisão ou acórdão deste caso não foram referidos. Importante neste caso, a discricionariedade do juiz, e a sua própria margem pessoal de flexibilidade.

11

4.2.3. Trâmites processuais

Analisando agora da perspectiva oposta, o cônjuge que deseja manter a relação matrimonial actuará portanto no sentido de uma tentativa de conciliação. Neste contexto , o juiz, assumindo uma posição mediadora, marcará uma reunião de tentativa de reconciliação26. O tribunal deverá ainda segundo o disposto no artigo 1774º CC informar o cônjuge que requereu a dissolução do casamento sobre a existência e objectivos dos serviços de mediação familiar, levados a cabo pelo Sistema de Mediação Familiar. Alternativamente, perante a impossibilidade de alcançar acordo, pode ainda o juiz, se for essa a vontade dos cônjuges, proceder à conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo27. Se for esse o caso, ou se em qualquer momento do processo as partes assim o decidirem, serão afastados os restantes momentos processuais, e seguir-se-á o processo nos termos do processo de divórcio por mútuo consentimento. O réu, cônjuge que não deseja a ruptura do casamento é chamado para contestar. Nesta fase, todos os factos terão que ser provados alegados terão que ser provados (artigo 342º n.º1 do Código Civil).

Através desta breve exposição dos momentos processuais, como sublinhou o Doutor Rui Alves Pereira há ainda que referir que não é esta uma figura que possibilite um divórcio unilateral, nem se revela prática tão simples ou rápida como poderá parecer à primeira vista. Há que obedecer a tramitação processual, devendo dar-se lugar à prossecução de direitos indisponíveis, como os que naturalmente estarão em causa numa situação de divórcio, ao mesmo tempo que se prossegue o mais correcto e justo possível preenchimento dos conceitos indeterminados de que a lei dotou este regime. Neste contexto, a alínea d), causa geral objectiva para o divórcio - “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento" – enquanto conceito indeterminado, será um dos melhores exemplos da perícia necessária para o manejamento do novo regime. Na verdade, poder-se-á entender a introdução desta alínea como uma manifestação do espírito liberalizador da lei, um fechamento ao positivismo pela salvaguarda de questões morais, nas quais deverá influir a sensibilidade do juiz.28

4.2.3. Partilha e compensação patrimonial

Só há lugar à partilha quando haja bens comuns do casal. Ou seja, se vigorar o regime de separação de bens29, não existe necessidade de recurso a este instituto.

A questão da partilha é posterior à sentença de divórcio. Poderá ser feita mediante duas formas. A primeira, e mais frequentemente utilizada, é por via de acordo, em Cartório

26 Artigos 1779º - nº1 do Código Civil e 1407º - nº1 do Código de Processo Civil27 Artigos 1779º - nº2 do Código Civil e 1704º - nº2 do Código de Processo Civil28 Por exemplo, na abertura à ponderação (ou não) de argumentos como “fim do amor entre o casal” para a dita “ruptura definitiva do casamento”.29 No entender do Doutor Rui Alves Pereira, será por evolução natural da actualização do sistema, futuramente o novo regime supletivo de bens.

12

Notarial, portanto por via extrajudicial.30 A segunda, é feita mediante requerimento de partilha judicial, à qual se recorre excepcionalmente, mais ainda porque gera a abertura de um novo momento processual tendencialmente moroso. É nomeado um “cabeça de casal”, designada uma conferência de cônjuges, e no caso de não se encontrar solução de procede a uma licitação de bens entre o casal. A lei passou a prever que, na partilha por divórcio, os cônjuges não poderiam receber mais do que receberiam se estivessem casados segundo o regime da comunhão de adquiridos31. Como tal, todos os casos de divórcio, decretados após a entrada em vigor desta nova lei, ficam reduzidos à situação da comunhão de adquiridos para efeitos de partilha, o que como já anteriormente referido, pode revelar-se problemático dado que ainda existem casamentos em regime de comunhão geral.

O novo regime prevê também a atribuição de uma compensação ao cônjuge mais tenha contribuído para os encargos da vida familiar, por ter renunciado de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, nomeadamente, à sua vida profissional32. Sob a epígrafe “Dever de contribuir para os encargos da vida familiar” diz o nº2 do artigo 1676º que “se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número anterior,33 porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação. “O crédito de compensação é exigível no momento de partilha dos bens do casal, excepto nos casos em que vigore o regime da separação34.

4.2.4. Responsabilidades parentais

Em harmonia com os Principles of European Family Law Regarding Parental Responsabilities, exercício conjunto das responsabilidades parentais é outro elemento material inovador trazido pela nova lei.35 As responsabilidades parentais devem ser exercidas por ambos os cônjuges depois do divórcio36.

Embora à partida as terminologias assim o possam fazer pressupor, as responsabilidades parentais conjuntas não equivalem à guarda conjunta37. São objecto do primeiro regime a

30 Artigo 272º-A, nºs 1 e 3, do CRC, na redacção do Decreto-Lei nº 247-B/2008, de 30 de Dezembro31 Artigo 1790º do Código Civil – “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.” Já na anterior versão de 1977: “ O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.”32 Opção do legislador em protecção do papel da mulher, em eventuais assimetrias de coloção socio-profissional, que pudessem originassem “prejuízos patrimoniais importantes”. Discutível pela doutrina.33 Artigo 1676º, nº1 – “O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.”34 Artigo 1676º - nº2 do Código Civil35 Vem também alterar o regime da Organização Tutelar de Menores.36 Princípios 3.11, 3.12, 3.13 e 3.14 e artigo 1906º do Código Civil37 Pressupõe acordo entre os pais, a onerar ou validar pelo Tribunal.

13

partilha de decisões importantes38, já no segundo está em causa a alternância da residência pelo menor39. Não é esta uma solução que convenha à criança, segundo o Doutor Rui Alves Pereira, sob o forte risco de prejudicar o superior interesse do menor,40 o qual deve ser salvaguardado em primeiro plano.

5. Problemáticas levantadas pelos alunos

Tendo esta sido uma das aulas de Direito da Família mais dinâmicas, a parte final da aula foi dedicada ao levantamento de questões e dúvidas e posterior resposta por parte do orador convidado. Estando em causa matérias delicadas, que não se limitam à discussão puramente dogmático-teórica do Direito, mas se coadunam com a sua concretização prática no dia-a-dia e levantam questões socialmente pertinentes, as dúvidas colocadas relacionaram-se essencialmente com indagações pessoais relativas à aplicação do regime do divórcio, em particular no que toca às responsabilidades parentais e aos seus “porquês”. Eis os pontos considerados mais relevantes:

- Quais as consequências para as violações relativas a responsabilidades parentais de acordos feitos em âmbito de divórcio amigável?

No caso de incidentes de incumprimento, a consequência será a condenação e multa. Foi levada a cabo uma criminalização dos comportamentos violadores dessas responsabilidades, e dos direitos das crianças. A violação da obrigação de prestar alimentos, esta constitui crime contra a família, já anteriormente previsto, agora alterado substancialmente. Pretende graduar-se a responsabilidade: a violação até dois meses não será penalizada, sendo superior poderá dar lugar a multa até 120 dias41. A prática reiterada deste crime pode ser punível com pena de prisão até um ano.42

De ressalvar ainda que os incumprimentos em sede de responsabilidades parentais passam a ser alvo de sistemática queixa-crime, tipo previsto no novo artigo 249º do Código Penal, cuja aplicação se aguarda com interesse e expectativa.

- O papel do pai. A forte tendência de atribuição da “guarda” da criança à mãe.

O tribunal decidirá sempre de harmonia com o superior interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

A Recomendação R (84) 4 sobre as responsabilidades parentais, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28 de Fevereiro de 1984 defende a igualdade entre os pais bem como o princípio da não discriminação (Princípio 2). Porém teleologicamente, o 38 Artigo 1906º, nº1 do Código Civil39 Deve o conceito de Menor ser substituído por referência à Criança no ordenamento jurídico nacional, como sublinhado pelo orador em vários momentos da exposição.40 De acordo com o Princípio 3:12 do referido diploma e com o artigo 18º da CRP.41 Artigo 250º, nº1 do Código Penal, na redacção da Lei 61/200842 Artigo 250º, nº2 do Código Penal, na redacção da Lei 61/2008

14

exercício das responsabilidades parentais deve ter em conta o superior interesse da criança. Ora este exige na maioria das vezes, a atribuição da guarda da criança à figura materna, não porque se atribua à mãe maior responsabilidade ou competência, mas sim pelo reconhecimento do vínculo biológico que une a criança à figura materna. Muitas vezes, dada a morosidade dos processos, quando a questão da guarda é decidida, estão já os laços entre progenitor e criança de tal forma sedimentados que, em nome do superior interesse da criança, a guarda acaba por ser atribuída a mãe.43

Não quererá isto dizer que seja sempre este o cenário mais benéfico para a criança. Existem situações, e hoje em dia cada vez mais frequentemente, em que são ao pai atribuídas a guarda e responsabilidades parentais, em condições mais estáveis e favoráveis à criança que as oferecidas pela situação oposta.44

- Modificação do conceito “Poder Paternal” para “Responsabilidades Parentais”

A alteração terminológica visa acentuar a separação entre a natureza de uma relação conjugal e de uma relação parental. A palavra “poder”, apontava para um sentido de posse dos pais sobre os filhos, quando se pretende sublinhar o dever para com os filhos, pois este é um verdadeiro poder/dever, que deve ser garantido em nome do interesse da criança, sobretudo após uma situação de divórcio.

43 Crianças de tenra idade por exemplo, que ficam com as mães desde o período de amamentação e por aí adiante, até findar o processo em Tribunal.44 No entanto, como frisado pelo Doutor Rui Alvares Pereira, o pai normalmente sobrepondo o interesse da criança ao seu, aceita a atribuição da guarda à mãe.

15

Bibliografia

PERDIGÃO, Ana; PINTO, Ana Sotto-Mayor, Guia dos Direitos da Criança , 3ªEdição 2009, Centro de Estudos, Documentação e Informação sobre a Criança do Instituto de Apoio à Criança (IAC)

PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito da Família Contemporâneo, 2ª Edição, AAFDL, 2009

PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, Almedina, 2008

RAMIÃO, Tomé D’Almeida, O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Actual, Lisboa, Quid Júris - Sociedade Editora, 2009;

Netografia

O NOVO REGIME DO DIVÓRCIO EM AVALIAÇÃO, w ww.portugal.gov.pt/pt/GC18/.../MJ/Regime_Divorcio_Avaliacao.pdf

16