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CURSO POPULAR DE FORMAÇÃO BÍBLICA Primeira Etapa Assessoria Luiz José Dietrich

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CURSO POPULAR DE FORMAÇÃO

BÍBLICAPrimeira Etapa

Assessoria Luiz José Dietrich

Casa do TrabalhadorCuritiba, 13 a 22 de julho de 2007.

Curso Popular de Formação Bíblica - CEBI

Apresentação

Este texto é um resumo do conteúdo desenvolvido na primeira etapa do Curso

Popular de Formação Bíblica promovida pelo CEBI – Centro de Estudos Bíblicos – do

Paraná, com assessoria de Luiz José Dietrich.

Tem por objetivo principal servir de auxílio aos participantes do curso, como guia de

estudos e memória dos principais tópicos abordados durante os dez dias de estudo.

Seu desenvolvimento não segue a seqüência dos dias do curso, pois entendemos que a

retomada e revisão de diversos assuntos que ocorreu no desenrolar das atividades não se faz

necessária no texto escrito. Desta forma os assuntos foram reunidos por temas, objetivando

criar uma seqüência o mais próximo possível da seqüência histórica dos fatos, baseando-se na

linha do tempo apresentada pelo assessor.

Foi elaborado com base nas anotações dos relatores também participantes do curso,

portanto não tem como fonte a pesquisa literária, mas sim o que foi tomado nota da

explanação do assessor por parte dos relatores. Somente os tópicos Características do Projeto

Tribal e Grupos que fizeram o Êxodo (pp 14,15 e 16) foram retirados diretamente do Curso de

Bíblia por Correspondência.

A todos que fizerem uso deste material, e a todos que estão na caminhada de

construção do Reino, desejamos que a luz do Deus Libertador ilumine seus trabalhos.

“CEBI me abriu os olhos para ver o que está por trás das palavras.” (Dietrich)

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A REDAÇÃO DA BÍBLIA

- A redação da Bíblia demorou em torno de 1200 anos.- Foi escrita em Hebraico, Grego e Aramaico- Grande é a diversidade de lugares onde se deu esta redação- Milhares são os autores, mulheres e homens, que colaboraram nesta obra

“A Bíblia é um livro feito em mutirão” (Carlos Mesters)

Tradição OralAs histórias bíblicas não surgiram diretamente no papel. Primeiro elas eram contadas

nas famílias, passadas de pais para filhos. E foi assim durante muito tempo. A esta prática se dá o nome de tradição oral.

A tradição oral guarda pequenas histórias com começo meio e fim. Elas estavam ligadas a lugares, santuários, poços... explicavam o nome destes lugares e de pessoas, a origem de grupos, etc. A maior diferença com a tradição escrita é que a tradição oral não pode guardar um grande conjunto de informações. O texto bíblico então surge de uma costura destas pequenas histórias colocadas numa seqüência que traga alguma lógica.

As pequenas histórias, ao serem costuradas pelos redatores dos textos bíblicos, adquirem um caráter mágico. Isto se vê no relato da travessia do Mar Vermelho, no qual o núcleo histórico não fala de um mar que se abre pela ação poderosa de Deus através de Moisés. Este aspecto poderoso e mágico de Deus, mediado por um líder da comunidade legitimava o poder do rei e de sacerdotes que se colocavam como mediadores da ação de Deus.

No início a escritura não era sagrada Os livros não nasceram da forma como estão colocados hoje: começaram a ser escritos

por volta de 1000 a.C. e terminaram +ou- 200 d.C.É importante notar que não foram escritos originalmente como livros sagrados. Em

400 a.C. houve a primeira canonização – é neste ano que a Torá (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) foi considerada livro sagrado.

Dizer que são sagrados significa dizer que a partir daquele momento fica proibida qualquer alteração em seu conteúdo.

Antigo Testamento

1) Torá = Lei: Gn, Ex, Lv, Nm e Dt. 2) Nebiim = Profetas

3) Ketubim = Escritos Sapienciais: Jó, Sl, Pr.

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Anteriores

Posteriores: Is,Jr,Ez...

HistóricosJs, Jz, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs

CanonizaçõesTorá: + - 400 a.CNebiim: + - 200 a.CKetubim: + - 50 a.C

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Antes de canonizados os livros eram: memórias, orações, cânticos, leis, histórias. E por não possuírem caráter sagrado podiam ser alterados. Por isso, muitas vezes foram feitas várias modificações: inclusões, alterações, exclusões.

No tempo de Cristo havia discordâncias: os saduceus acreditavam somente na Torá, enquanto os fariseus acreditavam em todo o resto.

Nos dias de hoje muitas são as discordâncias. Ao todo são sete livros sagrados diferentes para o cristianismo: Bíblia evangélica, Bíblia católica, Bíblia ortodoxa... E ainda devemos levar em consideração as outras tradições, como os muçulmanos ( Alcorão), o hinduísmo (Baghavad Gita – Vedas), e outros.

Quando dizemos, por exemplo, que a Torá é a palavra de Deus, podemos estar afirmando que outros livros não são. Ao mesmo tempo podemos estar legitimando uma fonte de poder. Cada tradição tem um livro sagrado. E isso é fruto de um processo histórico.

Revelação e inspiração

Dizer que algo é revelado ou inspirado por Deus é uma convenção – alguns grupos aceitaram o texto como inspirado, o que também pode ocorrer por decreto

Ser canonizado significa preencher os requisitos necessários exigidos para ser considerado como tal.

A Torá como ordenamento oficialEsd 7,25-26: a Lei de Deus (Torá) passa a ser ordenamento oficial do rei, imposto pelo

império persa.

Diferenças de CânonO cânon evangélico (das Igrejas Evangélicas) só considera, no Antigo Testamento, os

textos escritos originalmente em hebraico. Daí surge uma diferença de sete livros que estão na Bíblia católica e não estão na Bíblia evangélica.

Já a Bíblia ortodoxa possui, a mais, os livros de 3º e 4º Macabeus.

A Palavra de DeusOs indígenas, quando da comemoração dos 500 anos de evangelização, devolveram ao

papa a Bíblia, como forma de protesto, assim como feito pelos Zulus na África na década de 40.

Um conjunto de textos em si, só por ter sido canonizado, não é Palavra de Deus. Ele será ou não somente a partir da maneira como funcionar na realidade da vida das pessoas.

Quando os missionários trouxeram a Bíblia aos povos nativos, ela era Palavra de Deus para eles – missionários. Porém, para os povos nativos a Bíblia não funcionou como tal.

O momento da revelaçãoNo Antigo Testamento o principal momento da revelação de Deus é a experiência de

Libertação que foi o Êxodo e as Tribos.No Novo Testamento o grande momento é a Ressurreição como confirmação da vida

de Jesus como modelo a ser seguido.Estes são os dois grandes momentos de revelação de Deus na história do povo da

Bíblia. Porém existe a seguinte questão: quem vai fazer a leitura destes acontecimentos à luz da fé? Quem fez a leitura da fé no Êxodo foram os escravos e camponeses que vivenciaram aquela experiência. Da mesma forma, com Jesus, quem o reconheceu como Filho de Deus

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foram os pobres e marginalizados – ao mesmo tempo em que as autoridades o viam como subversivo.

Os textos bíblicos nasceram da reflexão teológica que foi feita a respeito dos fatos que se deram na história. Não foram escritos com a intenção de fazer uma descrição pormenorizada dos acontecimentos, mas sim de trazer uma mensagem de vida que revele a presença do Deus Vivo na história do povo.

A revelação não está na letra, que é morta, mas sim no Espírito, que nos inspira e vivifica – nos inspira a vivermos de acordo com o projeto de Libertação de Deus (cf. 2Cor 3,6).

Revelação é a manifestação da Ação Libertadora de Deus, a qual não será definida por quem traz a palavra, mas por quem viveu a experiência. Quem leva a boa-nova não pode defini-la como tal, mas somente quem a receberá. Por exemplo, os índios receberam algo que era chamado de Boa-Nova (Evangelho), mas que para eles, na experiência vivida, não foi boa-nova.

“Nós devemos ser ecumênicos até a raiz” (Dietrich)

Inspiração Literal e Leitura Fundamentalista

É incabível a idéia de inspiração literal da Bíblia considerando que a língua original do texto já não é falada há muito tempo, e é impossível, em muitos casos, efetuar uma tradução fiel devido à diferença de época e de linguagem. Poderíamos perguntar: por que a inspiração não chegaria então até as línguas faladas hoje?

A leitura fundamentalista torna impossível a compreensão de textos que tiveram seu conteúdo original modificado.

Contradições teológicasAlém disso, as contradições teológicas também vêm de encontro a este tipo de leitura:

comparar 2Sm 24,1 com 1Cr 21,1, onde é contada a mesma história com uma gritante contradição no que se refere ao protagonista. Neste exemplo há uma diferença de 400 anos de reflexão teológica. Na época de 2Sm acreditava-se que tanto as coisas boas quanto as ruins vinham de Deus. No pós-exílio já havia a compreensão de que Deus só faria coisas boas, sendo as ruins atribuídas a seu opositor.

Quem matou Golias? 1Sm 17 é a história da luta. Neste texto 23 vezes o adversário de Davi é chamado “filisteu” e somente duas vezes se dá a ele o nome de Golias: comparar 1Sm 17 com 2Sm 21,19.

O texto de 1Crônicas 20,5 resolve a questão de Davi e Elcanã, no qual Elcanã matou o irmão de Golias; isto para manter a versão de 1Sm.

Se a Bíblia tivesse sido inspirada literalmente não ocorreria esse tipo de contradição.

A leitura fundamentalista está mais adaptada à visão individualista de nossa sociedade (eu contra o mundo). Isto dá margem ao crescimento do cristianismo individualista (Deus é fiel comigo) que é pregado e difundido nas igrejas atualmente. O Cristo deste modelo de igreja é aquele que diz: “eu vim para que todos tenham ritos, sacramentos e igrejas em abundância”.

Num texto como Mt 25, a leitura fundamentalista passa a ser espiritualista. A construção do Reino, nesta visão, acontece apenas no “agir” espiritual – espiritualiza os desafios, porém materializa a recompensa.“O que se chama de cristianismo hoje tem muito mais a ver com o império romano que com

Cristo”.(Dietrich)

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Como a Bíblia nos conta a história desde a Criação até Salomão?

- CRIAÇÃO: dos céus; Terra; Adão e Eva - Caim e Abel (Gn 5,1-5 eles não aparecem)- Filhos de Deus e filhas dos homens (Gn 6,1-4 = texto enigmático)- Dilúvio- Descendência de Noé (vai até Sem)- Descendência dos filhos de Noé (Gn 10)- Torre de Babel (Gn 11)- Descendência de Sem (dos semitas), em Gn 11,10. Vai até Taré, pai de Abraão.- Abraão: Sara, mãe de Isaac e Agar, mãe de Ismael, aquele que deu origem aos árabes (ismaelitas).- Isaac: Rebeca, mãe de Esaú (pai dos edomitas) e Jacó.- Jacó trabalha 7 anos por Raquel e lhe foi entregue Lia.- Jacó, com Lia e Raquel, teve 12 filhos e 1 filha.- Com José (filho de Jacó) todos vão para o Egito, e permanecem lá por 430 anos (Gn 12,40).- Saíram do Egito 600 mil homens (pelo menos mais de um milhão de pessoas).- Moisés e Aarão: as Pragas; passagem no Mar Vermelho...- 40 anos no deserto: toda a Torá se refere a este período, não tendo nada em sua literatura sobre os 430 anos no Egito.- Josué comanda a segunda geração (da geração que saiu do Egito morreram todos) e a Entrada na Terra Prometida.- Para entrar em Canaã tiveram que matar todos os cananeus – todos eles foram massacrados (Js 10).- Na Assembléia de Siquém abandonaram os deuses estrangeiros e optaram pelo Deus YHWH.- Fixam-se na terra e a distribuem: época dos JUÍZES.O livro de Rute foi escrito como se fosse dessa época, mas não é.- Saul é o primeiro rei - Davi é o segundo rei: conquista Jerusalém e une as 12 tribos.- Salomão sucede Davi: constrói o Templo de Jerusalém.

Toda esta história é contada como se fosse coordenada por YHWH. Ele manda os massacres, ordena a construção do Templo... Tudo em nome de YHWH.

“...a Bíblia diz que Jacó era analfabeto, pois ele amava Raquel e não Lia.”

Dificuldades e problemas que a história da Bíblia nos apresenta Criação: em seis dias X teoria do evolucionismo. Caim e Abel: a mulher de Caim veio de onde? Gn 5: não aparece Eva nem Caim e Abel. Quem são os filhos de Deus e as filhas dos homens e os gigantes? Deus se arrepende do que faz (dilúvio). Toda a humanidade descendente de uma única família? Exagero nas idades dos personagens. 600 mil homens saindo do Egito (assim como os outros números) matança ordenada por Deus. Monarquia, que traz sofrimento ao povo, sendo abençoada por YHWH.

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Alguns mitos que aparecem da criação: todo Gn 1-11 é composto de narrativas míticas dilúvio: difundido entre outros povos mulher de Ló transformada em pedra torre de Babel Ismael Bezerro de Ouro cobra de ouro que cura picadas de cobras queda dos muros de Jericó Força de Sanção

Conseqüências da leitura fundamentalista e Como fazer Leitura Popular.

FUNDAMENTALISMO CONSEQÜÊNCIAS PASTORAIS

COMO FAZER LEITURA POPULAR

Não se chegará à verdade Deixa o povo com medo

da Palavra de Deus Aliena da vida concreta Visão equivocada de

Deus – valorizando apenas seu poder.

Dissociação entre o texto e sua realidade.

Preso à letra e sem ação. Visão mágica da ação de

Deus. Não faz leitura, mas

apenas recortes.

Paralisa a luta Favorece o moralismo e o

fanatismo. Cria preconceitos. Pastoral desfocada. Mata a diversidade. Distanciamento de Deus. Práticas opressoras,

baseadas em cumprimento de regras.

Fé superficial. Prática da teologia da

retribuição. Visão mítica do mundo. Fé como aceitação da letra

(dogmatismo). Ritualismo,

eclesiocentrismo.

Ver contexto histórico. Ler em comunidade. Trazer para nossa realidade. Celebrar. Ver a função social do texto

em seu contexto. Partilha – troca de vivências. Mudança de paradigmas. Análise de contexto. Leitura baseada na realidade

da comunidade. Não fazer leitura

individualista. Sair da instituição. Ecumenismo Igrejas domésticas

“Nós, no mundo de hoje, devemos ter uma fé que consiga, no mínimo, dialogar com a ciência”.(Dietrich)

Para não tomarmos os escritos de maneira fundamentalistas devemos considerar o seguinte:

MUNDO.......................4.500.000.000 anos (quatro bilhões e quinhentos milhões)HUMANIDADE....................600.000 anosCULTURA...............................25.000 anos

MITOS DE GÊNESIS 1-11

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ConsangüinidadeOs mitos de Gn 1-11 não tinham relação entre si. Eles circulavam separadamente e a

ligação entre eles ocorreu depois, principalmente através das genealogias que aparecem seguidamente no decorrer do texto.

É o fio da consangüinidade que torna a todos parentes entre si. Esse mesmo fio também continuará nos próximos capítulos de Gênesis. É importante lembrar que estas costuras se davam muito naturalmente devido a estes textos ainda não serem considerados sagrados na época.

A Criação

Todos os povos antigos têm suas histórias que explicam o surgimento do mundo. Na Bíblia temos duas histórias:

1º) a criação em seis dias- tudo cheio de água, então Deus separa as coisas

2º) a partir de Gn 2,4b- a terra está seca- muda a forma do nome de Deus: Javé Deus

Provavelmente o segundo mito é o mais antigo. O segundo, por falar da terra seca (deserto) tem mais a ver com Israel, e o outro lembra mais as cheias dos rios Tigre e Eufrates.

Função social do mitoCada povo tem sua história, e cada história tem sua função. Essas histórias devem ser

entendidas a partir da cultura na qual foram criadas.Um dos problemas que põe obstáculos ao ecumenismo é quando se desvaloriza o que é

de outra cultura por considerar a Bíblia como Palavra de Deus. E devemos lembrar que, quando estas histórias foram inseridas no texto bíblico, este texto não era considerado como sagrado.

O que estes mitos querem nos dizer é: a Vida vem de Deus. Se foi do barro ou de outra coisa não se sabe.

O rei feito à imagem de DeusNa Babilônia somente o rei era imagem de Deus. Somente ele poderia submeter a si

todas as coisas. Portanto este mito da Bíblia tem o valor da resistência contra a visão pregada na época, que legitimava o poder do rei.

Se a exegese já sabe dessas coisas há 80 anos, por que nossa catequese continua com a visão antiga? A visão fundamentalista legitima o poder supremo de Deus que é transmitido por seus mediadores (templo, sacerdote, etc.), o que legitima, em última instância, o poder destes mediadores.

“A leitura fundamentalista obriga a optar por uma coisa ou por outra. Ou Darwin ou a Bíblia”.(Dietrich)

O Dilúvio

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A história do dilúvio aparece devido a grupos se aproveitarem da situação do medo que o povo tinha de enchentes.

A história do dilúvio na Bíblia mostra que ele acontece devido à maldade e violência do homem, na Babilônia ele ocorre para acabar com o barulho e a bagunça que os homens estavam fazendo.

O mito a serviço do poderPara os babilônicos o dilúvio não aconteceria mais se continuassem fazendo sacrifícios

aos deuses. Aqui o mito babilônico está a serviço dos que são beneficiados pela estrutura dos sacrifícios.

Enquanto para o mito babilônico há uma imposição de condições (sacrifícios), para o mito da Bíblia é diferente, não há condições. Desta forma a história da Bíblia liberta o povo do medo que se sentia do dilúvio, ao mesmo tempo libertando da cobrança de impostos que existia para que não ocorresse a tal catástrofe: todo ano as cheias dos rios da Babilônia eram ocasião para que os sacerdotes do lugar cobrassem dos camponeses parte de suas colheitas, para que a cheia não se tornasse dilúvio.

Caim e Abel

Caim é agricultor sedentarizado (está fixado em um lugar). É desta agricultura sedentarizada que surgem as cidades. Antes da agricultura era impossível a instalação humana fixada em um local. - Provavelmente a agricultura foi descoberta pelas mulheres: existiam sociedades matriarcais.

Abel é pastor nômade: vivem entre a terra fértil e o deserto (estepes). Na terra fértil está o agricultor. O pastor, em sua vida nômade, por estar fora da estrutura da cidade, fica fora da cobrança dos tributos.

A história de Caim e Abel representa estes dois modos de vida: agricultores X pastores.

A catequese nos conta que Deus escolheu Abel porque sua oferta foi mais generosa. Porém a Bíblia conta que os dois deram do fruto de seu trabalho. Dependendo de quem conta muda-se a interpretação. Para favorecer o templo, a história é contada tendo como seu ponto principal a qualidade das ofertas.

Sodoma e Gomorra

Gn 18,22-33 – moral desta história: não havia nem dez justos na cidade. Os únicos justos eram uma família de pastores que foi salva. Era uma história passada de pastores para pastores com o seguinte ensinamento:

Os pastores devem continuar sua vida como pastores, pois a cidade é o local do mal e será destruída por Deus.

Os pastores, na época da seca, tinham que entrar nas terras do rei e passavam a pagar impostos. Isto significava entregar praticamente todo o rebanho, quando não, entregavam a própria família (Gn 12,10-13; 20,1-2; 26,1.7). Nestas histórias as mulheres não falam, porém nunca lhes acontece nada, pois Deus as defende. Eram histórias transmitidas pelas mulheres,

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pois demonstram a covardia dos homens (maridos) e a injustiça dos homens (reis). Estas histórias poderiam até oferecer proteção às mulheres, pois trazem o ensinamento de que Deus está a seu favor – não mexa com as mulheres, pois Deus está do lado delas.

O conflito: PASTORES x AGRICULTORES, hoje, pode ser representado pelo conflito AGRICULTURA ORGÂNICA x AGRO-NEGÓCIO.

“A gente tem que discernir por onde passa a vida” (Dietrich)

O poema da Criação

As Dez Palavras Criadoras de DeusGn 1 a 2,1-4a: Podemos fazer o exercício de “retirar” do texto a estrutura dos dias

excluindo o refrão “houve uma tarde e uma manhã (...) dia”. O que surgirá deste novo texto é um poema onde a criação ocorre a partir de Dez Palavras Criadoras de Deus. Isto terá sido determinante para o Decálogo. Deus criou o mundo com Dez Palavras e o povo de Israel foi formado a partir das Dez Palavras da Lei.

Um dia para o descansoA história original da criação é a da estrutura das Dez Palavras, porém, no exílio, o

esquema dos dias veio para favorecer o povo escravizado que não tinha descanso. Vem daí o sétimo dia para o descanso.

O rosto do Deus Libertador aparece no fato de todos serem criados como sua imagem e semelhança - para os babilônicos apenas o rei era imagem de Deus, o que legitimava sua dominação sob todo o povo. Por isso, na Bíblia, Deus dá poder a toda a humanidade para dominar sobre a criação.

A expressão “façamos o homem” explica-se na origem do mito no Egito, onde a assembléia dos deuses diz “façamos”. A forma plural continuou no texto, até porque era uma época em que Israel não era monoteísta.

A HISTÓRIA DE ISRAEL COMEÇA COM O ÊXODO

Antes do Êxodo Israel não existe. Ele é a experiência fundante do povo organizado como tal. Fazer a leitura de Êxodo 12 até 13,14 e procurar as diferentes denominações para a

experiência do Êxodo. Neste exercício podemos perceber quatro grupos:

1) Fugiram (Ex 14,5)2) Saíram (Ex 14,8) de braços erguidos / bem armados (Ex 13,18).3) Foram expulsos (Ex 12,33.39)4) YHWH os tirou com braço forte, ou, YHWH os fez sair (é uma leitura

teológica)

O Êxodo como modelo A história do Êxodo se tornará modelo para contar todas as outras histórias de

libertação do povo. Assim, a cada experiência de opressão e libertação ocorria uma releitura do Êxodo e possíveis alterações no texto – até o ano 400 a.C.

Provavelmente o núcleo histórico - a história mais antiga - seja a dos que fugiram. Isto teria se dado com um grupo pequeno. Certamente não ocorreu da maneira grandiosa e de uma só vez como conta a visão literal.

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O Êxodo como ação mágica de DeusPara nós, a perspectiva que mais nos foi passada é a que demonstra o poder de Deus.

O que mais impressiona são as manifestações como: pragas do Egito, abertura do Mar Vermelho...

O caráter mágico da ação de Deus esconde a resistência e a luta dos grupos oprimidos. Além disso, a visão do Deus Poderoso reforça o poder da mediação entre Deus e os homens, pois são os mediadores que têm a autoridade e exercem este poder em nome de Deus.

Leis coerentes com a vidaNo Decálogo, em seu cabeçalho, Deus se apresenta como aquele que tirou o povo da

casa da servidão. Portanto as leis ali descritas devem criar uma sociedade coerente com esse Deus que quer a liberdade do seu povo.

“Os dez mandamentos a gente pode esquecer. A gente só não pode esquecer o que é mais importante: que Deus quer seu povo livre.” (Dietrich)

Releituras do Êxodo

O grupo que conta o Êxodo como saída de um exército bem armado e de braços erguidos está fazendo uma releitura a partir de 1Rs 11 e 12, onde o povo se revolta contra a opressão do rei Salomão. Foi o que deu ocasião à divisão do Reino (1Rs 12,11). A experiência vivida naquela época foi vista a partir da experiência do Êxodo.

O que o texto conta sobre a opressão imposta pelo faraó, quando eram obrigados a trabalhar e construir mesmo sem tijolos é, na realidade, uma releitura dos trabalhos forçados impostos por Salomão

Os expulsos fizeram a releitura a partir da experiência do Exílio. Compare Ex 12,35-36 com Esd 1,6.

“O Êxodo é como um grande baú, onde foram colocadas as experiências de opressão e libertação vividas pelo povo.”

A TERRA DE CANAÃ

Cidades-EstadoSitua-se no Crescente Fértil (rios Nilo, Tigre e Eufrates). É importante por ser

passagem que liga os grandes impérios. Era um grande corredor militar, comercial, político. Quem comandasse a área poderia cobrar o “pedágio”.

Antes de existir Israel, viviam em Canaã os cananeus: eteus, eveus, jebuseus, fereseus, amorreus... Cada um desses povos estava organizado em uma CIDADE-ESTADO.

Cidade-Estado é uma cidade fortificada (cercada por uma muralha) rodeada de vilas camponesas.

Dentro da cidade estavam o rei e sua família, os chefes militares, sacerdotes, o templo. Era uma grande concentração de poder em um grupo pequeno de pessoas.

Tributos e produçãoO rei (e a estrutura da cidade) vivia dos tributos cobrados dos agricultores: produtos do

campo como trigo, cevada, azeite e vinho; e produtos da pecuária: cabras e ovelhas.

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O tributo também poderia ser pago em serviços: no palácio, nas construções e nas guerras. Era um trabalho não remunerado onde o trabalhador ficava responsável inclusive pelo próprio sustento. Ex: Davi que vai levar a comida para seus irmãos no campo de batalha.

As Cidades-Estado eram autônomas e independentes entre si, inclusive no que se referia à religião.

Todas elas eram dominadas pelo faraó, o qual prometia proteção a elas em troca de “presentes” que lhes eram entregues freqüentemente.

A produção era toda vinda das vilas camponesas que rodeavam a cidade. Portanto estas vilas é que pagavam a conta do luxo do rei e dos “presentes” do faraó. Além disso, sofriam também com as guerras, pois a roça era o primeiro local a ser atacado.

A religião em Canaã

A religião dos cananeus é muito parecida com a do reino de Ugarit, onde não havia monoteísmo, mas havia o culto ao deus El.

As divindades estavam ligadas a todos os aspectos da vida: ciclos das colheitas, fenômenos climáticos, profissões, etc.

O deus El era o deus supremo no panteão dos deuses. Assim, este deus também era o deus do rei. Esse mesmo deus passa a ser o deus do povo em Isra-El.

Deuses e deusas que aparecem no Antigo TestamentoEl, Elohim, YHWH, Baal, Dagon (dos filisteus), Marduk (dos babilônios) Moloc (dos

sacrifícios humanos), Astarte, Anat, Asherá, Rainha dos Céus.Todos esses deuses e deusas serão cultuados em Canaã e também em Israel até

próximo à época do Exílio.Os cultos eram realizados tanto nas cidades como nos campos.Ainda não havia influência dos deuses gregos.

Monolatria e monoteísmoSomente em 600 a.C. é que o rei Josias irá instituir a monolatria (culto a um único

deus – sem negar a existência de outros deuses).No ano 400 a.C. será implantado o monoteísmo (afirmação de que existe um único

deus). Até então NÃO havia monoteísmo em Israel, porém, sua implantação não deve ter acabado com a devoção a outros deuses, principalmente no interior das famílias.

A briga de Elias com os profetas de Baal NÃO é pelo monoteísmo, mas pela supremacia do Deus Javé.

Baal sempre teve força por ser o deus da chuva, portanto muitos israelitas seguiam a Baal.

Dentro do santuário de YHWH acontecia o ritual da prostituição sagrada, e lá estavam também todos os objetos destinados ao culto a outros deuses.

Formação de Israel

Raça pura

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Na história da formação de Israel que encontramos na Bíblia, onde todos os cananeus foram mortos, há o pano de fundo da raça pura. As mortes ocorreram para justificar a idéia de que não pode acontecer a mistura de raças. Porém, a preocupação com a raça pura e com as genealogias era da família de Davi – por conta da dinastia – e da família de Sadoc.

Invasão dos povos do marHistoricamente, o que ocorreu foi uma invasão dos Povos do Mar, que acelerou o

processo. Eles dominavam o ferro e eram militarmente superiores.Estes povos foram atacando e enfraquecendo as Cidades-Estado até tentarem entrar no

Egito, porém sem sucesso nesse caso. Então, não conseguindo entrar no Egito, se fixam e formam as cidades dos filisteus. Fixaram-se na porta do Egito, de modo que não podiam sair dali e nem os egípcios podiam sair do Egito para Canaã. Esta tensão imobilizou tanto filisteus quanto egípcios, e isto favoreceu a formação de Israel.

A formação de Israel foi então um processo de transformação da sociedade cananéia. O grupo que havia saído do Egito reuniu-se a grupos locais para tal empreendimento.

Houve violência na destruição das cidades, só não se tem certeza de quem efetuou esta destruição.

LibertaçãoA nova estrutura acabou com as muralhas e, conseqüentemente com o rei, o exército

permanente e toda a concentração de poder. Além de se libertarem do rei, também se libertaram do Egito. Todos fizeram a experiência da Libertação: tanto os fugitivos do Egito, quanto os camponeses de Canaã.

Surgem então as tribos, as quais se chamam Israel.A maior parte do povo de Israel era composta de cananeus.Israel surge de um grande movimento de camponeses.Israel = Deus, homem que luta.

Grupos do Egito e de Canaã

HebreusHebreu, em hebraico é Hapiru, que significa MARGINALIZADO, ou seja, aquele que

não estava integrado no sistema das cidades-Estado: nem nas cidades nem nas vilas.Gn 14,13 mostra que Abraão era um hapiru.Os 400 descontentes que Davi congregou eram hapirusA palavra hebreu não indica um povo que está ligado entre si pela raça, mas indica

uma condição social comum.

“Hapiru é o povo que vende o almoço para comprar a janta.” (Dietrich)

Se escondem nas montanhasO grupo que fugiu do Egito deve ter se estabelecido nas montanhas de Canaã. Isto por

ser o local ocupado pelos marginalizados, a partir de onde começaram a se integrar com os grupos locais.

Na época estas montanhas eram cobertas pelo mato e estavam fora do alcance dos exércitos das cidades.

Da mesma forma, muitos CAMPONESES CANANEUS, para fugirem da guerra promovida pelos filisteus, vão para as montanhas. Pode ter ocorrido aí a troca de experiências entre eles que possibilitaria a descida das montanhas de forma conjunta entre os grupos cananeus e egípcios.

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Pequeno grupo vindo do EgitoCertamente os FUGITIVOS DO EGITO formavam um grupo pequeno, seja pela

dificuldade de locomoção, seja pela dificuldade de alimentação, haja visto que a rota de fuga distanciava-se das estradas – que eram vigiadas - onde havia água e provimentos.

Outro aspecto que permite afirmar que era um grupo pequeno é o fato de que, se realmente fossem 600 mil homens como conta o texto bíblico, o Egito certamente entraria numa grande crise devido à evasão de mão-de-obra. Entretanto esta crise não ocorreu.

AS TRIBOS

Experiência contada muito tempo depois

A experiência das tribos durou aproximadamente 300 anos.Na época da Libertação e formação das tribos existia a TRADIÇÃO ORAL, não tendo

escritos produzidos neste período. Os escritos sobre este período surgirão com Salomão em 930 a.C.

Quem coloca as histórias por escrito não são as pessoas que passaram pela experiência.

Na época dos escritos o culto do rei é o culto a YHWH, porém cabe perguntar se é o mesmo YHWH da sociedade tribal igualitária. São duas formas de organização opostas: de um lado o poder partilhado em um sistema igualitário; do outro (monarquia) o poder centralizado num sistema opressor e excludente. A grande complicação para a leitura bíblica é que o texto liga YHWH às duas experiências.

O que há, na verdade, são duas grandes linhas que percorrem toda a Bíblia: a linha oficial (do rei) e a linha popular.

Na escrita do texto, por parte da corte do rei Salomão, manteve-se a linha popular para não ocorrer uma rejeição pelo povo. A linha popular é assimilada e transformada ao gosto do poder do rei. O Deus YHWH, será assumido, na monarquia, no culto oficial. Desta forma, temos YHWH representando, antagonicamente, as duas linhas que aparecem na Bíblia.

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CIDADEMURADA

VILASCAMPONESAS

CIDADES - ESTADO

LIBERTAÇÃO

TRIBOS

Características do Projeto Tribal

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SOLIDARIEDADE ECONÔMICA

PODER PARTILHADO

LEIS A SERVIÇO DA VIDA

EXÉRCITO DE DEFESA

FÉ NO DEUS LIBERTADOR

Solidariedade econômicaEx 16,1-30.Havia autonomia na produção. Não havia tributação, nem acúmulo de bens. A partilha era a palavra de ordem e acontecia nas grandes festas.

Poder partilhadoEx 18,13ss.Não havia rei, nem palácio, nem burocracia hierarquizada.Nm 1,1-46; 11,10-30.Dt 1, 9-18. 17,14-20 comparar com 1Sm 8,10-17.Jz 8,23. “O rei de vocês será Javé” (Reino de Deus)

Leis a serviço da vidaÉpoca dos Juízes (Jz 10,1-5; 12,8-15)As tribos são governadas por chefes com cargo vitalício - juízes menores; nos momentos de grande dificuldade surgem chefes carismáticos – juízes maiores.Código da Aliança: Êxodo 20,22 – 21,27 período tribal

21,28 – 22,16 período de transição 22,17 – 23,19 período da monarquia

Comparar Ex 20 com Dt 5, no que se refere à justificação do sábado.

Fé no Deus LibertadorJz 10, 6-16. Javé é o Deus que liberta.Não havia templo com culto e sacerdotes. A arca da aliança ia à frente do povo e era sinal da presença de Deus.

Exército popular de defesaNão havia exército permanente, o qual gera muitas despesas. As guerras eram muito mais de defesa que de conquista. Os líderes surgiam espontaneamente com o intuito de proteger o povo e não de conquistar cargos e privilégios.No livro de Juízes: Otoniel 3, 7-11; Aod, 3, 12-30; Débora (mulheres), 4-5; Gedeão, 6-8; Jefté 11-12; Sansão 13-16.

Grupos que fizeram o Êxodo

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O projeto do Reino de Deus engloba todos os aspectos da vivência humana, na família e na sociedade.

EconomiaPolíticaJustiça

ResistênciaReligião

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Camponeses de Canaã : empobrecidos, endividados e escravizados. Provavelmente foram eles que entraram com o maior número de pessoas e foram os primeiros a organizar assentamentos de camponeses nas montanhas. Melhor que os grupos que vinham de fora, eles conheciam a região. Eram da redondeza. Tinham também rica experiência de resistência contra a tributação e escravização dos reis cananeus. Além disso, do ponto de vista teológico, de experiência com as divindades das forças na natureza, herança da religião cananéia, passam a vivenciar a fé num Deus histórico, que agem em meio ao cotidiano.

Pastores seminômades de Canaã: Possivelmente, foram os primeiros a fugir da opressão das cidades-estado cananéias para as estepes, isto é, para a faixa de terra que se estendia entre as terras cultiváveis e o deserto, regiões não controladas pelos reis. Sua principal contribuição teológica foi sua fé num Deus do grupo, próximo, companheiro, que guia, protege e abençoa. É o Deus dos pais.

Trabalhadores forçados que vieram do Egito: Sua marca forte foi a histórica libertação do centro da escravidão, com a força da fé no Deus que liberta historicamente os hebreus das mãos dos faraós. Marcou também sua experiência a presença das mulheres na resistência e articulação dos hebreus, como as parteiras, Miriam e outras.

Pastores seminômades que viviam no Sinai e em Madiã: O traço que os distinguia dos demais grupos foi seu culto a YHWH. Inicialmente, é um Deus da montanha, ligado a fenômenos vulcânicos. Mas essa experiência de fé evoluiu na medida em que os pastores madianitas migraram em busca de terra livre.

Fontes de pesquisa falam sobre a origem do culto a YHWH na África, haja visto a proximidade de Canaã com este continente. Outra constatação é a presença de deusas, inclusive Asherá, a qual seria a companheira de YHWH. Porém, a cultura da Bíblia suprimiu a presença feminina.

O que eles têm em comum? Sua condição sócio-econômica os unia Fizeram oposição às cidades-estado Fizeram seu êxodo, sua libertação da dominação dos reis Tiveram uma forte experiência de Deus no processo histórico de libertação.

PASSAGEM PARA A MONARQUIA

Causas Internas

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Nas tribos existiam santuários (locais de culto). Cada tribo possuía seus locais próprios de culto.

Os lugares altos eram onde se trabalhava e armazenava os grãos no trabalho familiar (eira). Ali também eram feitos os cultos. Os grãos eram armazenados num lugar comum, de onde cada família retirava o que era necessário para cada dia.

Corrupção dos sacerdotes1Sm 2,12-17. Alguns grupos sacerdotais no meio das tribos começaram a expropriar o

que era dos camponeses. No texto os sacerdotes, que já tinham direito a uma porção da oferta, exigem a carne crua, a qual poderia ser comercializada depois de seca.Primeira experiência de monarquia

Jz 9,1-6: primeira experiência de monarquia dentro das tribos, onde houve alegação de que seria melhor ser governado por um só homem e que fosse parente deles. Com a prata do templo de Baal-Berit, Abimelec contratou homens para matar os 70 líderes de então, para que ele fosse instituído como rei. Seu reinado durou muito pouco tempo.

A prata que existia neste templo vinha do comércio, ou seja, alguma coisa da produção da tribo estava sendo acumulada para poder ser comercializada, o que era contra as leis tribais, pois possibilitava a manipulação do poder. O texto também fala dos senhores de Siquém (ou proprietário de Siquém) mostrando assim que há uma formação de grupos que começam a centralizar o poder.

Juizes acumulam poderJz 10,3-5: o texto mostra um juiz (Jair) ligado a 30 pessoas, com 30 jumentos e 30

cidades. Isto pode ser visto como uma rede de comércio, pois os jumentos serviam para o transporte.

Jz 12,8-13: outros juízes também se organizando em redes e acumulando poder. Não se trata de dominação sobre todas as tribos, porém já são atitudes que fogem do propósito das tribos.

Causas externas

As causas externas constituem-se, basicamente, dos ataques estrangeiros por parte dos que queriam dominar Israel (1Sm 11,1-3)

A entrada do boi

A entrada do boi influirá diretamente na relação com a produção, a qual, auxiliada pelo ele, formará o excedente necessário para manter a estrutura monárquica, ou seja, é o boi que vai possibilitar a monarquia através da produção excedente.

Quatro versões para o início da monarquia

1) Pedido (1Sm 8)2) Unção (1Sm 9,1-10,16)3) Eleição (1Sm 10,17-27)4) Aclamação (1Sm 11,1-15)

Pedido – cap. 8Versículos 1 a 4: causas internas

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Versículo 5: causa externa – As monarquias possuíam um exército permanente e uma vocação para a conquista, o que pode ter deixado as tribos com medo. Assim pediram um rei para governá-los.

Versículos 10 a 17: trata-se de um texto posterior a Saul. Os aspectos da monarquia aqui apresentados se referem ao período de Salomão.

O que mais caracteriza este texto como antimonárquico é a afirmação de que “eles estão rejeitando a mim (Javé)”. Pois na sociedade tribal o rei é YHWH.

“Nem eu nem meu filho seremos reis de vocês. O rei de vocês será Javé” (Jz 8,23)

Unção 9,1 – 10,16Não há nada neste texto que transpareça uma crítica à monarquia.A menção da unção é posterior à época do acontecimento. Esta unção pode não ter

acontecido, pois não aparece posteriormente. Além disso, na época de Saul não havia estrutura para uma unção: templo, sacerdotes, etc.

O texto não fala de rei, mas de um chefe do povo. A palavra NAGUID significa chefe.

Eleição 10,17-27Dificilmente se entregaria à sorte a escolha de um rei.O texto também traz a perspectiva de que escolher um rei é o mesmo que rejeitar a

Javé (v 19).

Na Bíblia existem dois tipos de sorteio: um para escolher a porção da terra que cada tribo ocupará, e outro é o sorteio para encontrar o culpado por algum fato ocorrido. O caráter do sorteio neste texto de 1Sm é o segundo, que servia para encontrar o culpado. Talvez, por isso, Saul estaria escondido. Ele seria o culpado por tomar o lugar de YHWH no reinado. Isto mostra que o texto é antimonárquico.

Aclamação 11,1-15Provavelmente este texto é o que mais se aproxima do que ocorreu efetivamente.A convocação para a guerra não foi dirigida a todo o Israel, mas somente aos donos

dos bois. Assim já se formava um exército a serviço dos donos de bois, e não apenas um exército de defesa formado por camponeses.

A junta de bois que Saul destruiu pode representar duas coisas. Primeiro: pode representar o que os inimigos fariam com os bois deles em um possível ataque. Segundo: o que o próprio Saul faria com os bois daqueles que ele convocou para a guerra caso não fossem para a guerra com ele.

O texto também mostra que a concentração de poder leva os poderosos a se voltar tanto contra os inimigos quanto contra os próprios membros da tribo, desde que sejam contra este poder (v 12).

O rei Saul

Saul NÃO teve: palácio; capital; tributos; templo; culto oficial.

O “culto oficial” na época de Saul era a religião tribal. Isso limitava sua ação, pois as normas tribais não permitiam o saque dos despojos de guerra.

Saul foi praticamente um juiz. Ficou no poder 30/40 anos.Saul era de família poderosa e dono de bois (1Sm 9,1-2 e 11,5).

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A maior novidade de Saul foi o EXÉRCITO, que era formado e mantido pelos donos de bois. Era um exército permanente (1Sm 14,52). Ser permanente significa ser profissional. Assim este exército precisava ser mantido por alguém - neste caso, eram os donos de bois, pois conseguiam acumular sua produção. E eram justamente os grandes proprietários que necessitavam de proteção, pois as rotas comerciais deveriam ser seguras. O exército não estava lá para defender direitos, mas sim para defender a propriedade – assim como acontece na sociedade de hoje.

“O exército brasileiro já gastou muito mais bala contra os próprios brasileiros do que para protegê-los” (Dietrich)

Quem conta a históriaA história de Saul não chega na Bíblia contada por ele ou por seus aliados, mas sim

por aqueles que querem mostrar que o fim do seu reinado era vontade de Deus, ou seja, a família de Davi. Eles ganhavam com isso, pois Davi assumiu o poder de maneira muito suspeita, por isso, os textos que falam de Saul o fazem de maneira pejorativa.

O único texto que fala bem de Saul é 1Sm 14,46-51.

Proteção aos reisOs textos que mostram Davi tendo oportunidade de matar Saul e não o faz refletem o

medo vivido pelos reis, pois a frase colocada na boca de Davi é “longe de mim fazer algo contra o ungido do Senhor”, e tem como intenção formar as pessoas para se intimidarem frente ao rei.

Filho de SaulO nome do filho de Saul, Isbaal, foi mudado para Is-Bosete. Isbaal significa homem de

Baal e Is-Bosete significa filho da vergonha. Certamente o nome original era Isbaal, porém, na época da redação evitava-se o nome Baal, então trocaram para Boset. Isto explica a diferença entre algumas traduções bíblica (2Sm 2,8).

Morte de SaulSaul se joga em cima de sua espada para morrer antes de ser pego vivo pelos filisteus e

ser torturado (1Sm 31). Os filisteus, encontrando o cadáver de Saul, cortam sua cabeça, retiram suas armas e enviam por todo seu território, para que se espalhe o Evangelho (boa notícia).

Três histórias do início de Davi (1Sm 16,1-18,15)

1º) UNÇÃO → 1Sm 16,1-13Semelhante à unção de Saul, esta unção não será mencionada novamente. Além disso,

assim como Saul, na época de Davi também não havia a estrutura necessária para o ritual da unção.

Somente Salomão será ungido. As unções que aparecem antes dele servem para legitimar a prática posterior: a unção de Saul e Davi legitimam a unção de Salomão.

“Para legitimar o que está acontecendo hoje, inventa-se uma história que teria acontecido no passado, já que o povo não lembra nem o que aconteceu com o F.H.C..”

2º) Davi tocador de harpa

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Davi entra na corte como harpista e torna-se escudeiro (aquele que carrega as armas do rei).

3º) Davi contra GoliasO filisteu gigante coberto de bronze representa um exército que dominava a tecnologia

do ferro. E Davi, pequeno e frágil, representa um exército que lutava numa posição bem inferior por não ter armas de metal devido a não ter acesso a esta tecnologia. Desta forma o grande feito de Davi foi, neste contexto de inferioridade, vencer o exército inimigo comandando um exército pequeno.

O texto conta que Davi teria levado a cabeça de Golias até Jerusalém, porém esta cidade ainda não havia sido conquistada. É uma contradição do texto. Somente depois é que Davi irá conquistar Jerusalém.

Dos três textos sobre o início de David este é o que tem maior densidade histórica.Após esta vitória Davi tornou-se conhecido e ficou próximo de Saul, como um dos

chefes de seu exército. Assim, Davi chegou à corte como guerreiro e continuou se destacando, pois venceu todas as batalhas que disputou.

Ao mesmo tempo em que Davi se destacava, Saul sentia-se ameaçado com esta situação. Não se sabe exatamente o que Davi fez para deixar Saul com este receio, haja visto que os textos que nos chegaram foram escritos pelos grupos a favor de Davi, e colocam sempre Saul com inveja dele.

A costura das históriasPara costurar as três histórias, os escribas acrescentaram o v.15 que diz que Davi ia e

vinha, pois no capítulo anterior Davi deveria ficar com Saul, como seu escudeiro. Além disso, o segundo texto vai dizer que Davi tinha sua tenda entre os guerreiros, ou seja, o NÚCLEO HISTÓRICO coloca Davi como um guerreiro de Saul.

Davi pastorNo Oriente Médio sempre existiu a ideologia do “rei pastor”, então era interessante

mostrar Davi como pastor, sendo tirado das ovelhas para ser pastor do povo – Jesus também assumiu o papel de rei pastor.

Estratégias de Davi

O exércitoDavi precisa fugir e se une a um exército de marginalizados (1Sm 22,1-5), o que

contrasta com o exército de Saul que era mantido pelos donos de bois.

O texto acaba mostrando também que já havia vários grupos que estavam “sobrando” na sociedade tribal: endividados e descontentes.

O problema de Davi com relação a seu exército era como sustentá-lo. Isto será resolvido da forma descrita em 1Sm 25, onde ele cobra a proteção que dá aos ricos proprietários que ficavam mais longe da atuação de Saul.

Mercenário dos filisteus1Sm 27 mostra Davi se juntando aos filisteus tornando-se um de seus mercenários.

Vale lembrar que Saul foi escolhido como rei justamente para combater estes mesmos

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filisteus. Há muita credibilidade histórica neste texto, pois foi escrito pelos grupos de Davi, que poderiam ter omitido o fato dele ter se juntado ao povo inimigo.

Uma séria acusação2Sm 16,5-9: Semei, que é benjaminita (do lado de Saul), acusa Davi de ter assassinado

Saul. Não há como ter certeza do que ocorreu de fato. Porém é uma séria acusação, que, certamente não viria gratuitamente.

Davi - História da Ascensão: 1Sm 16 – 2Sm 6

Defesa de DaviEste bloco de textos foi escrito para negar as acusações contra Davi. O texto sempre

mostra que todos amavam Davi e se afeiçoavam dele (as mulheres, o povo, os generais), e que Saul era um homem confuso.

Javé com DaviOutro aspecto que se repete, com a função de defender Davi, é em relação ao espírito

de Deus, que estava sempre com Davi ao mesmo tempo que rejeitava Saul. 1Sm 16,13-14: o espírito de Deus afasta de Saul e precipita-se em Davi.1Sm 18,10.12.14: legitimação teológica para o reinado de Davi.1Sm 28,6: Saul abandonado até por Javé.

Foi construído um contraste entre uma imagem muito positiva de Davi e outra muito negativa de Saul. Este tipo de construção textual na Bíblia torna-se uma grande armadilha para a leitura fundamentalista.

Davi rei de Judá - Sul2Sm 2: enquanto Davi reina no Sul, no Norte quem reina é o filho de Saul (Isbaal)

junto com seu comandante Abner.Davi ficará em Hebron por sete anos, onde se casará e terá vários filhos (2Sm 3,2-5).

Na época, um rei ter várias mulheres significava ter vários acordos, tratados e alianças com reinos e clãs importantes. Cada um destes tratados era selado com um casamento. A mulher do lado mais fraco era dada em casamento para a parte mais forte e ficava como garantia do cumprimento do acordo. Em caso de quebra de contrato era a mulher que sofria as conseqüências sendo morta.

É interessante notar que Davi, enquanto mercenário dos filisteus, mandava presentes aos anciãos de Judá (1Sm 30,26-30). É como se ele estivesse preparando o caminho para sua chegada.

Caminho para a unificação2Sm 3,6-ss é o início do caminho para a UNIFICAÇÃO DO PODER. No v.12 Abner,

que é o homem forte das tribos do Norte, vai negociar com Davi e nessas negociações acaba sendo assassinado. Depois será assassinado Isbaal (2Sm 4,1-ss) o filho de Saul e rei das tribos do Norte. Desta forma ficou aberto o caminho para Davi assumir o reinado no Norte.

Davi nas doze tribosDavi alcançará o controle das doze tribos, terá uma cidade murada (Jerusalém) e

levará a Arca da Aliança para dentro dos muros desta cidade passando a controlar também a religião.

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A base de apoio de Davi está em Hebron e Jerusalém. Havia um sacerdote e um general para cada uma destas cidades.

Conquista de Jerusalém2Sm 5 – Davi conquista Jerusalém, uma cidade-estado dos cananeus que havia

resistido até então. Foi uma conquista estratégica, e não militar, pois a cidade tinha uma localização privilegiada que tornava difícil o ataque militar e fácil a defesa.

Jerusalém, enquanto cidade-estado, possuía uma religião a serviço do rei, ao passo que os outros santuários estavam a serviço da religião tribal. Além disso, a cidade de Jerusalém tinha 500 anos de experiência de monarquia, a qual faltava a Davi da mesma forma que faltou a Saul. Portanto, a tomada de Jerusalém foi o passo fundamental para a consolidação da monarquia.

Outro aspecto de Jerusalém que favorecia Davi é o fato de que ela não fazia parte nem das tribos do Norte nem do Sul, não desagradando nenhum dos dois pólos.

A cidade passará a se chamar Cidade de Davi.

TributosDavi mantém seu reinado cobrando impostos dos povos vizinhos, o que agradava

muito seu povo, pois desta forma eles tinham um rei e um exército e não sofriam com alta carga tributária. Isto foi tão bom para eles que Davi tornou-se o protótipo de MESSIAS. Era um rei que trazia segurança e ordem a seu país às custas de conquistas de povos estrangeiros.

RevoltasApesar da satisfação com seu reinado, não deixaram de acontecer revoltas contra Davi.2Sm 14-18 mostra a revolta de ABSALÃO que era de sua própria família. Era um dos

filhos nascidos em Hebron (2Sm 3,3) e recebia apoio muito forte dos camponeses do Norte, a ponto de Davi fugir a pé de Jerusalém.

2Sm 20 mostra a revolta de SEBA.

Nas duas revoltas são os CAMPONESES DO NORTE que tomam parte, pois a descentralização do poder era mais forte no Norte. Lá a tradição mosaica (de Moisés) era preponderante.

Textos da época

1Sm 4, 5 e 6: Saul – histórias ligadas à tradição da Arca de YHWH e1Sm 17 e 2Sm 5 e 6 – história de Davi com a Arca.Depois surge o bloco de textos 1Sm 16 – 2Sm 6, o qual inclui os textos dos dois

blocos anterioresAs redações dos textos se deram em Jerusalém, o que explica por que eles mostram

todos que são do Norte fazendo o “mal aos olhos de YHWH porque prestou culto a outros deuses”. Porém nesta época não havia nem monolatria. É apenas uma maneira depreciativa de se referir às tribos do Norte.

Salomão – História da Ascensão: 2Sm 13-20 e 1Rs 1-2

A questão do sucessor de DaviEm 2Sm 3,2-5 há uma lista de filhos de Davi. Alguns nem serão citados

posteriormente na disputa pelo poder por falta de força política para reivindicar o direito á

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sucessão. Já ABSALÃO, que era neto de um rei e por isso tinha força política, foi citado - ele foi assassinado.

Adonias: é o último representante de Hebron, e sucessor legítimo de Davi naquele momento. Ele entra em entendimento com JOAB, chefe do exército de Davi, e com o sacerdote levita ABIATAR, o qual era responsável por acompanhar a Arca de javé.

Salomão: com ele estavam: SADOC, sacerdote de provável origem cananéia, o qual já deveria estar a serviço da religião de Jerusalém enquanto cidade-estado (vale lembrar que ele não era sacerdote de uma religião monoteísta), o profeta NATÃ, Betsabéia e também BANAIAS, o chefe da guarda.

Salomão toma o poder: (1Rs 1-2)

Diferença dos dois projetosA diferença entre os projetos de Adonias e Salomão se percebe no respeito à ordem da

primogenitura. Nas tribos o poder passa para o primogênito. Salomão desrespeitou esta ordem.

Outro aspecto é o local de asilo buscado. O grupo de Adonias busca asilo junto ao altar de YHWH, enquanto o grupo de Salomão não respeita nem o altar, não respeitando desta forma a lógica das leis tribais.

Salomão NÃO mandou matar Abiatar por ser ele o sacerdote da Arca, pelo qual o povo das tribos tinha grande respeito. Se tivesse matado este sacerdote talvez não conseguiria implantar seu reinado.

Inclusive o texto de 2Sm 13-20 e 1Rs 1-2 (sucessão de Davi para Salomão) parece não ter sido escrito pelo grupo de Salomão, mas sim pelo grupo de Abiatar, o único sobrevivente dos aliados de Adonias.

O Templo de Jerusalém

Persistem os santuáriosCom Salomão é construído o Templo de Jerusalém. Porém as tribos (que já cultuavam

YHWH antes disso) ainda continuavam com seus santuários. O templo foi feito nos moldes arquitetônicos dos templos de Baal, tendo somente o

nome de YHWH.Liturgias e sacrifícios

O templo não tinha vinculação nenhuma com as tribos. Ele estava, única e exclusivamente, a serviço do rei Salomão.

Este templo torna-se elaborador das liturgias que serão reproduzidas por grande parte das tribos que estavam a favor da monarquia. Também a arrecadação de tributos e os sacrifícios começam a ser canalizados pra o templo.

Teologia de resistência - profetasComo nem todos aceitavam a monarquia de Salomão, continuará existindo a teologia

de resistência por parte das tribos que não se tornaram adeptas à liturgia do templo de Jerusalém – é desses grupos que surgirão os profetas.

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Duas linhasSurgem duas grandes linhas teológicas deste conflito entre os que aceitam o templo de

Jerusalém e os que não aceitam:

1) do YHWH baalizado: linha oficial → do templo.2) do YHWH do Êxodo - Libertador: linha das tribos.

Por trás de uma linha há a experiência do poder, da centralização e do acumulo, do tributo, da dominação. Por trás de outra há a experiência da libertação, da distribuição, da defesa da vida.

Monarquia consolidada nas mãos de Salomão

Salomão possuía: exército; muralha; capital; palácio; templo; religião oficial; tributos; trabalhadores forçados...

O período de Saul até Salomão (1050 a.C até 930 a.C) constitui-se na TRANSIÇÃO entre o sistema tribal e a monarquia. Saul iniciou este processo, o qual só se consolidou efetivamente com o reinado de Salomão.

É no reinado de Salomão que se iniciam os primeiros escritos bíblicos.

Legitimação do reinado

Literatura oficial como forma de legitimaçãoSalomão precisava legitimar a tomada do poder em detrimento do primogênito. Para

as tribos o sucessor era o primogênito, porém Salomão NÃO ERA O PRIMOGÊNITO. Daí surgem os textos que farão esta legitimação: a história de Esaú e Jacó; sonhos de José, etc. Estas histórias já circulavam no meio do povo e Salomão as organizou no sentido da legitimação.

Gn 47 justifica a exploração e expropriação que aconteciam no seu reinado.Sempre os textos que legitimam Salomão o fazem colocando YHWH como a mola

propulsora destas histórias.Os personagens bíblicos (patriarcas, José, etc.) não foram inventados por Salomão.

Certamente eram heróis tribais, e suas histórias foram costuradas de modo a transmitir a mensagem que legitimasse seu reinado.

José é o protótipo do bom funcionário, colocado várias vezes tendo a oportunidade de trair o faraó em benefício próprio e não o faz.

O novo paraísoA seqüência que a redação de Salomão utiliza mostra o início de tudo no paraíso

(Gênesis), passando depois por diversos problemas e sofrimentos do povo até chegar ao novo paraíso (1Rs 4,20), o qual estaria acontecendo no seu reinado.

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Leitura Oficial

1Rs 4,20....shalom1Rs 5,5......segurança1Rs 9,22....não reduziu ninguém à servidão

Leitura Popular1Rs 12,1-4

Como é que dez tribos poderiam querer a mudança do rei e reclamariam da dura servidão se todos vivessem em paz e segurança?

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Escritos JavistasEstes escritos utilizam o nome YHWH (Javé) para se referir a Deus. São escritos da

época de Salomão.Cada tribo possuía suas histórias, mesmo sem ter nada escrito. Elas eram transmitidas

pela tradição oral. Salomão se apropriou destas tradições e escreveu a HISTÓRIA OFICIAL. Porém, esta será contada em Jerusalém, enquanto as histórias originais continuavam sendo contadas em muitas tribos. Ou seja, ocorria uma disseminação das histórias a partir templo de Jerusalém para as tribos, mas nem todas aceitaram esta forma de contar as histórias.

Gn 1,1-2,4a utiliza o nome Deus. A partir deste versículo será usado o nome YHWH. Vemos assim uma clara distinção de dois textos numa mesma seqüência.

Gn 16 e 21 também trazem a mesma história mas diferenciam-se pelas tradições de origem. O capítulo 16, da tradição javista – de Salomão – manda Agar voltar para sua patroa e ser submissa a ela (v.19). Coisa semelhante não aparece no capítulo 21.

Colocar Salomão como sábio autor de salmos e provérbios é uma das maneiras de legitimar seu reinado.

É fundamental reconhecer no texto bíblico a presença do Deus Libertador e do deus de Salomão.

“Temos que reconhecer estas diferenças para nos libertarmos da Bíblia. Deus não está preso na Bíblia” (Dietrich)

REINO DIVIDIDO

Monarquia de Salomão causa a divisão do reinoA monarquia consolidada, ao aparecer com toda sua força no reinado de Salomão,

causa revolta e gera a divisão do reino após sua morte. Por isso, esse modelo de monarquia irá durar apenas o reinado do próprio Salomão (+ - 20 anos).

1Rs 4,5-20 → TRIBUTOS1Rs 5,2-5 → GASTOS1Rs 9,15 → TRABALHOS FORÇADOSIsrael até suportava os tributos. O estopim da revolta foi os trabalhos forçados, pois,

quando aconteceu, o primeiro a morrer foi o chefe dos trabalhos forçados (1Rs 12,18)Divisão do reino → 1Rs 12,19-20

Uma releitura do ÊxodoCom a revolta contra Salomão e conseqüente Divisão do reino, será feita uma releitura

do Êxodo na qual se diz que “saíram com braços erguidos do Egito” (Ex 14,8). No livro do Êxodo, o faraó é chamado de rei do Egito, deve-se levar em consideração que o Egito nunca teve rei. O texto neste caso se refere, na verdade, ao rei Salomão.

Reino do norte – Israel

Escritos EloístasAs tribos do Norte influenciaram a escrita da Bíblia fazendo uma REVISÃO e

complementação nos escritos javistas do grupo de Salomão. Para isto eles substituem o nome YHWH por Elohim. Esta substituição aconteceu porque existia o Templo de YHWH que era dominado e colocado a serviço de Salomão. Então, para não haver confusão de seus textos

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com os da teologia oficial eles resolveram não utilizar o mesmo nome de Deus que era utilizado então.

O temor a Deus é uma característica dos escritos eloístas e significa não desobedecer às suas leis, pois Deus é o Rei.

Norte X SulNo Norte é muito mais forte a presença das tradições tribais. Não há, por parte dos

profetas do norte, acusações contra trabalhos forçados. Além disso, a troca de poder era muito mais freqüente do que no Sul. Também haviam muitas trocas de capitais.

No Sul a mesma família (dinastia de Davi) manteve-se no poder por muito tempo – fruto de uma forte dominação. E as acusações dos profetas eram muito mais duras contra os reis de Judá.

No reino do Norte o rei não mora em Betel – diferente do Sul onde o rei morava em Jerusalém. Somente com a Samaria (886 a.C.) é que Israel terá uma capital parecida com a capital de Judá. Mas, mesmo tendo esta capital, a influência das tribos continua forte porque não é a mesma família que permanece no poder. Isto aconteceu até porque o número de pessoas – que era muito maior (dez tribos no Norte e duas no Sul), dificultava a forte centralização do poder. Isto não quer dizer que não houve centralização em Israel. Ela ocorreu, porém no Sul foi muito mais forte.(ver no fim da apostila o ANEXO I: Linha do Tempo Comparativa – Norte e Sul)

Vale lembrar que a história do Norte chega até nós contada pelos grupos do Sul, por isso em todos os textos os reis do norte são colocados como fazendo o que era “mau aos olhos de YHWH.”

LINHAGEM DO PROFETA JEREMIAS

1Sm 21,1-10 origem de Abiatar: origem dos sacerdotes que 1Sm 22,6-23 cuidavam da Arca de Javé → 1000 a.C.

2Sm 6,1-19 Arca

2Sm 8,15-18 Abiatar com Davi em Jerusalém

1Rs 2,26-27 Abiatar expulso para Anatot – de onde saiu Jeremias

Jeremias 1,1 7,1-15 26,1-24

Mateus 21,13

25

940 a.C.

630 a.C.

Reino do Norte – IsraelTradição Eloísta

Reino do Sul – Judá Tradição Javista

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Comentário aos textos1Sm 22,6-23 → Os sacerdotes de Nob que ajudaram Davi foram mortos por Saul. É

interessante notar que quem cumpriu a ordem de Saul foi um edomita (era estrangeiro). Os outros, que estavam ligados ao mundo tribal, não quiseram matar sacerdotes de YHWH. E Abiatar, o único sobrevivente procura Davi e encontra proteção.

2Sm 8,15-18 → Abiatar aparecerá como sacerdote em Jerusalém, junto com Davi, sendo sacerdote ao lado de Sadoc. Certamente, nesta época, havia nesta cidade um pequeno templo cananeu. O Templo de Jerusalém surgiu apenas com Salomão.

2Sm 6,1-19 → Micol é colocada como desprezando Davi em seu coração. Davi casou-se com ela para se colocar na linha de sucessão de Saul, porém não teve filhos com ela para não dar continuidade na linhagem de Saul (por isso mostrá-la desprezando Davi).

Davi, transportando a Arca, retira-a do poder das tribos e inicia o esboço de uma religião oficial.

Jr 36,21-26 → Se dependesse da teologia oficial da época de Jeremias o seu livro não teria chegado até nós. Uma parte do que Jeremias disse foi passada por escrito e caiu nas mãos do rei, o qual queimou o pergaminho. Isso mostra que as palavras de Jeremias não eram reconhecidas como profecia – oráculo de Javé – e ele, assim como os outros profetas, só foi considerado como tal depois que suas palavras se cumpriram.

Quando ocorreu a invasão da Babilônia, Jeremias encontrava-se preso. Acontece que Israel decidiu enfrentar a Babilônia militarmente. Então Jeremias se colocou contra esta decisão. Ele saiu pela cidade com uma canga nas costas dizendo que enfrentar a Babilônia traria a canga para o povo, e por isso foi preso.

Quem guardou as palavras dele foram as tribos que mantinham resistência, e isto também vale para os outros profetas.

O escrito profético é uma obra comunitária, relida e ampliada pelos grupos que guardaram suas palavras.

Jeremias

Abiatar foi destituído de Jerusalém por Salomão, substituído por Sadoc e banido para a cidade de Anatot, a cidade de onde veio Jeremias. Este profeta é descendente dos sacerdotes de Anatot (Jr 1,1). Pode-se ler, Jeremias um dos sacerdotes.

Jeremias aparece na porta do Templo fazendo denúncias de caráter social. Questões relacionadas à pureza ou ao sábado não aparecem – estas questões terão peso somente no pós-exílio.

Jeremias, fazendo memória de Silo que era considerada casa de Deus e mesmo assim foi destruída, quer dizer que Jerusalém também poderá ser destruída.

Representa uma linha teológicaJr 26 → Jeremias representa a linha do sacerdote Abiatar, ou seja, a religião tribal. É

importante notar que ele não vai sozinho a Jerusalém, mas existe todo um grupo que está com ele. Isto aparece em Jr 26, onde prendem Jeremias e tentam matá-lo mas ele é defendido por um grupo. Neste texto deve-se relativizar a expressão todo o povo, pois nem todos acusaram Jeremias. Outro aspecto a ser destacado no texto é que Jeremias não é chamado de profeta, pois o profeta da época estava a serviço da corte.

Quem se levanta a favor de Jeremias são os anciãos da terra, ou seja, as lideranças tribais camponesas (v.17). Eles lembram de um fato ocorrido no tempo do rei Ezequias, em

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740 a.C., quando atuava o profeta Miquéias. Ou seja, cem anos já haviam se passado e as palavras de Miquéias ainda se mantinham vivas.

A ligação entre as atuações de Miquéias e Jeremias mostram claramente a existência de uma linha teológica que falava da destruição do templo de Jerusalém em oposição à teologia oficial que pregava a perenidade deste templo. Esta corrente de oposição chegará até Jesus, provavelmente pela tradição oral originada nas tribos.

REINADO DE JOSIAS2Rs 22,1-23,30

Norte invadido

Invasão do império assírioEm 722 a.C. o Reino do Norte perde sua autonomia e é anexado ao império Assírio –

invasão e exílio. Porém o Reino do Sul não foi invadido, mas apenas ficou obrigado a pagar tributos aos assírios.

Quando a Babilônia se revolta contra a Assíria, os assírios são obrigados a desocupar Israel para defenderem sua capital. É neste momento, enquanto os assírios se retiram de Israel, que Josias (rei de Judá – Sul) entra em cena querendo dominar as 12 tribos, reunindo norte e sul como nos tempos de Davi.

Centralização do cultoJosias centraliza o culto em Jerusalém e em YHWH. Até então o culto não era

centralizado, o que havia era apenas a religião oficial (2Rs 23, 4-14)Para reconquistar as 12 tribos Josias precisa de um exército forte, o qual demanda

muitos gastos. Para cobrir estes gastos ele acaba com todos os santuários do sul e do norte – que estavam sendo usados pelos assírios para cobrança de tributos – deixando em pé apenas o santuário de Jerusalém. Desta forma o culto ficou centralizado nesta cidade e isto movimentou muito o comércio local. Até mesmo a Páscoa, que era celebrada nas casas, passou para Jerusalém (2Rs 23,23)

O comércio, agora aquecido pela iniciativa de Josias, e os tributos arrecadados no templo, irão gerar as riquezas necessárias para a manutenção do exército que irá retomar as tribos do norte.

Escritos da época

JustificativasPara a retomada das tribos do Norte, Josias precisou de uma justificativa que

legitimasse sua ação. Tal justificativa se constitui no seguinte bloco de textos: Dt, Js, Jz, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs. Estes textos começaram a ser escritos no Norte. Neles aparecem várias capitais de Israel: Siquém, Fanuel (Peniel), Tirsa (Tersa) e Samaria. Portanto não havia um lugar central, apenas falava-se do “lugar que Deus escolheu”. Como não havia sido escolhido um lugar único, e Jerusalém nunca havia sido destruída, Josias cria a ideologia de que Jerusalém era aquele “lugar que Deus escolheu”. Assim ele faz uso dos próprios textos do Norte para seus planos de dominação. Ele cria também a ideologia de que tudo o que ocorre fora de Jerusalém é idolatria. O núcleo destes textos é Dt 12-26 (essa é a parte que foi escrita no Norte).

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Em 722 a.C. ocorre a destruição da Samaria, o que faz com que muitas pessoas do Norte fujam para Judá, trazendo consigo as tradições tribais: Livro dos Libertadores (juizes e juizas), Deuteronômio do capitulo 12 ao 26.

JosuéA história de Josué é uma legitimação para a ação de Josias. Josué é colocado

destruindo tudo o que os cananeus tinham, assim como ele mesmo (Josias) estava fazendo com os santuários. A idéia de Josias era: um só povo, um só templo, um só rei.

Junção entre javistas e eloístas É no reinado de Josias que ocorre a primeira junção entre os textos javistas e Eloístas.

Nesta época surge a obra composta pelos livros Deuteronômio, Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis.

Os vinte anos que sucederam a Josias foi um período em que passaram vários reis que duraram pouco. Foi uma época na qual quem estava a favor da Babilônia automaticamente ficava contra o Egito e vice-versa. Na família de Davi sempre houve grupos contra e grupos a favor da Babilônia – posições advindas de laços comerciais (casamentos) com outros reinos. Estar mais ao lado da Babilônia ou do Egito era uma exigência para um país pequeno como Judá, que sempre precisava estar unido a uma nação mais forte.

EXÍLIODeportações

Primeira deportaçãoNo primeiro grupo de exilados estava a classe dominante, ou seja, aqueles que tinham

maior capacidade para organizar uma possível revolta contra a Babilônia (2Rs 24)O rei da Babilônia (Nabucodonosor) respeitou a dinastia davídica e colocou como rei

alguém da família de Davi.

Segunda deportaçãoAconteceu dez anos após a primeira. Houve nova rebelião contra a Babilônia, o que levou Nabucodonosor a voltar com seu

exército a Judá para destruir as cidades e levar a população restante – só deixando os mais pobres (2Rs 25,8-21)

Fim da monarquiaDepois da segunda deportação acabou a monarquia. O rei da Babilônia deixou como

governador GODOLIAS.Jeremias, que estava preso sob acusação de ser amigo dos babilônicos, será solto e a

ele será dada a opção de escolher se quer ficar em Jerusalém ou ir para a Babilônia (Jr 40, 1-6) Ele decide ficar e se junta a Godolias. Assim eles estabelecem a nova capital em Masfa, antiga localidade de assembléias tribais.

RetribalizaçãoJr 40,9-12→ Ocorreu como que uma retribalização: sem rei, sem templo, sem classe

dominante que precisa ser mantida com tributos. A estrutura voltou a ser mais parecida com as tribos e menos com as cidades.

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Josias já havia destruído os santuários e centralizado tudo em Jerusalém. Todos estes pontos eram arrecadadores de impostos, assim diminuiu – mas não acabou – a cobrança de impostos.

Uma última revoltaJr 41,1-3→ Um grupo mata Godolias e leva Jeremias para o Egito, onde ele irá

morrer.

PÓS-EXÍLIO

Em 530 a.C. a Babilônia foi derrotada por Ciro, rei da Pérsia.O profeta Isaías (Is 40-55), ao saber que um exército estava a caminho da Babilônia,

começa a preparar o povo.

Quando um exército se movimentava em direção a algum lugar, a notícia deste deslocamento era levada por mercadores que viajavam de uma região para outra. É assim que o 2º Isaías ficou sabendo do exército de Ciro. Com Jeremias também foi assim.

Releitura do ÊxodoCiro domina os babilônios e os obriga a pagarem uma indenização aos exilados pela

destruição do Templo e da cidade. A partir deste fato foi feita uma releitura do Êxodo que mostra o povo saindo do Egito carregando tesouros que os egípcios teriam sido obrigados a entregar a eles (Ex 12,35; Esd 1,6).

Reconstrução de JerusalémO Templo foi reconstruído, porém estava no meio do nada. Somente em 450 a.C., com

Neemias, que as muralhas foram reerguidas e em 400 a.C. houve a reconstrução e repovoamento de Jerusalém.

Conflitos na reconstruçãoA demora de 130 anos na reconstrução de Jerusalém se deve ao grupo que ficou em

Jerusalém durante os 50 anos de exílio. Eles já estavam instalados, por isso não tinham interesse nessa reconstrução. Além disso, esses grupos tinham uma visão negativa com relação ao templo, então fizeram resistência e atrasaram sua reconstrução.

Durante todo este tempo o povo estava pagando tributo a Ciro.

Teologia do pós-exílio

Conceito de pecadoNo pós-exílio muda o conceito de pecado. Antes o pecado se relacionava com a

quebra da aliança - para as tribos - ou a adoração a outros deuses - para Josias. Agora o pecado se relaciona com as questões de PUREZA E IMPUREZA.

É no pós-exílio que estão sendo colocadas as bases da sociedade do tempo de Jesus: circuncisão, raça pura, sinagogas, etc.

As genealogias bíblicas criam uma linhagem única para desenvolver a ideologia da raça pura.

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Escritos SACERDOTAISSão uma releitura das tradições Javista e Eloísta feita no pós-exílio→Ex (24,12 em

diante), Levítico, Números: surge então o PENTATEUCO.Em Deuteronômio está a perspectiva tribal.

De libertação para opressãoA raça pura, a circuncisão, as leis da impureza e o sábado, nasceram no exílio como

forma de resistência e união entre o grupo dos exilados: mantinha a identidade do povo, garantiam um dia comum de descanso – que favorecia a organização popular – e estava a favor daquelas pessoas de um modo geral. Só no pós-exílio é que estas leis serão usadas pela teologia oficial para a justificação de suas práticas.

A impureza era transmissível, mas a pureza não. Jesus irá quebrar essa lógica, e não ficará impuro. Pelo contrário, ele transmitirá a pureza.

ResistênciaNo pós-exílio a resistência passa pelos livros de Jó, Rute, Jonas, e a corrente

apocalíptica. Esta corrente produziu uns 50 livros, mas somente três estão na Bíblia: Joel, Daniel (A.T.) e Apocalipse (N.T.). Como a palavra de Deus – o oráculo de Javé – ficou “presa” nos livros que foram canonizados, a resistência irá dizer que Deus estava se comunicando por sonhos e visões.

Teologia da Retribuição (+ - 400 a.C.)Ensina que Deus retribui com benção àqueles que lhe são fiéis. Esta bênção é a

prosperidade. Para esta visão teológica os ricos são os abençoados por Deus. Os pobres, pelo contrário, são considerados pecadores. Isto criava um círculo vicioso pois os trabalhadores não tinham tempo de cumprir todas as prescrições da Lei, inclusive a lei do sábado, ou seja, não conseguiam cumprir a lei por serem pobres e a explicação é que eram pobres por não cumprirem a lei e não serem abençoados.

Uma grande legitimação para esta teologia é a visão que os textos bíblicos trazem de Abraão. Ele, sendo apenas um pastor, é colocado como dono de várias posses e de muita riqueza, tudo por conta das bênçãos de Deus.

MonoteísmoSurgem as críticas a outros deuses. Lembre-se que com o rei Josias (+ - 600 a.C) a

questão mais forte era com relação à idolatria, contra a qual se defendia o culto somente a YHWH – monolatria.

Para que se implantasse o monoteísmo era preciso ensinar que todos formavam UM SÓ POVO. Por isso aparece tanto a expressão todo o povo nos textos bíblicos: Josué marchou com todo o povo... Todo o povo escolheu aquele juiz... Era uma forma de criar a ideologia de que todas as tribos pensavam da mesma forma com os mesmos objetivos e tinham um mesmo deus.

O monoteísmo, da forma como foi colocado, completava a idéia: um só povo, um só templo, um só rei e um só Deus.

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Até Josias

Vários deuses e deusas

Josias até o pós-exílio

Outros deuses são proibidos.

Imagens são idolatria; monolatria

Pós-exílio

Outros deuses não existem: monoteísmo

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CONCLUSÃO

O povo de Israel nasceu de uma experiência plural. Diversificada nas maneiras de se relacionar com Deus e nos diferentes grupos que a constituíram. Não foi um só povo, uma só etnia – descendente de Abraão – mas muitas pessoas de diversas origens. Todos clamavam com o mesmo grito pedindo por liberdade. Pequenos grupos que fizeram parte de uma grande história. De sua experiência chega até nós o exemplo de fé e coragem. Não foram poucos os que tentaram calar a voz dos profetas, não foram poucos que tentaram aprisionar o Deus Libertador em palácios e ideologias. Mas esse povo não desistiu de lutar. Eles e elas acreditaram - para que nós hoje continuemos acreditando - que um outro mundo é sempre possível.

Teu Nome é santificado naqueles que morrem defendendo a VidaTeu Nome é glorificado quando a Justiça é nossa medida

Teu Reino é de Liberdade, de Fraternidade, Paz e ComunhãoMaldita toda violência, que devora a Vida pela repressão.

(Pai Nosso dos Mártires – Cirineu Kuhn)

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ANEXO ILINHA DO TEMPO COMPARATIVA

- REINOS DO NORTE E DO SUL -

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Reino Unido

Divisão do Reino(1Rs 12, 1-24)

NORTEISRAEL

SULJUDÁ

931 – 722 a.C.

Dominação dos Assírios

931 – 586 a.C. Exílio da Babilônia

- 210 anos- 19 reis- 2 pequenas dinastias (Amri e Jeú)- Maior atuação dos profetas pré-literários- 10 tribosELIAS, ELISEU, AMÓS, OSÉIAS

- 345 anos- 20 reis- Dinastia de

Davi- Apenas 2 tribosMIQUÉIAS, ISAÍAS JEREMIAS

1040 – 931 a.C.

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ANEXO IILEITURA POPULAR DA BÍBLIA

MetodologiaLucas 24,13-35. Neste texto procura-se ver a metodologia de Jesus em sua conversa

com os discípulos no caminho para Emaús. O texto pode ser dividido em três partes: 1) REALIDADE,2) BÍBLIA 3) COMUNIDADE

Na primeira parte Jesus se aproxima dos discípulos querendo ouvir deles o que estava acontecendo. Então caminha com os dois para se dar conta da realidade que estão vivenciando naquele momento.

Na segunda parte Jesus faz uso das escritura. Note-se que as escritura não vêm por primeiro. Elas vêm como forma de iluminar a realidade, depois da aproximação, da escuta e da caminhada.

No terceiro momento ocorre a partilha em comunidade, pois sem a vivência comunitária as Sagradas Escrituras se tornariam estéreis.

AprofundandoA ceia que o texto apresenta é uma refeição. A maneira como ocorria a “ceia do

Senhor” era uma partilha que acontecias nas casas, na periferia do império greco-romano (na época das primeiras comunidades).

1Cr 11,17-ss mostra um conflito que estava acontecendo nas ceias que eles faziam. Para Paulo, na Ceia do Senhor, deveria acontecer verdadeiramente a partilha.

Gl 3,28 mostra como deveria ser a comunidade cristã. Ao redor da mesa se desfazem as hierarquias impostas pela sociedade (classista, sexista e racista).

O nome mais antigo dado às comunidades cristãs era ASSEMBLÉIA DE DEUS, em oposição à assembléia das cidades. A Assembléia de Deus estava aberta a todos, e dela participavam, majoritariamente, os pobres ou seja os excluídos das assembléias das cidades.

Enquanto muitos esperavam um MESSIAS DAVÍDICO, que viria com seu exército libertar a Palestina, as comunidades olhavam para a partilha que acontecia dentro das casas e percebiam ali a presença de JESUS RESSUSCITADO.

No texto de Emaús eles não reconheceram Jesus porque esperavam um Messias nos moldes de Davi. No momento da partilha do pão eles o reconhecem e desaparece a visão antiga que tinham de messias, por isso Jesus desaparece.

O PROJETO DE JESUS

Lucas e IsaíasComparar Lucas 4,16-21 com Isaías 61,1-9.

Ver o que Jesus não leu Comparar o contexto de Isaías 61 com o de Lucas O que isso nos ensina sobre Leitura Popular?

Jesus leu apenas os versículos 1 e 2a do livro do profeta Isaías.

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O texto de Lucas é do Antigo Testamento em grego (septuaginta), por isso há diferença entre seu texto e o texto de Isaías nos dois versículos lidos por Jesus. Acontece que o nosso Antigo Testamento está traduzido do hebraico.

Isaías 61

Para a visão da época, o messias seria aquele que libertaria da opressão, de modo que passassem da situação de dominados para a de dominadores.

Essa visão não foi compatível com a ação de Jesus. Por isso ele leu o texto de Isaías somente até a parte que fala do “ano da graça do Senhor”, deixando de ler o restante do texto.

Jesus apresentou assim um novo projeto, sem caráter nacionalista, mas com uma perspectiva universal.

JESUS COMO FILHO DE DEUS

Jesus foi reconhecido como Filho de Deus para: ano 50 Paulo → a partir da morte e ressurreição ano 70 Marcos → a partir do batismo ano 80 Mateus → a partir do nascimento ano 85 Lucas → antes do nascimento, pois a vinda de João Batista já estava ligada à

vinda do Filho de Deus ano 90 João → desde o princípio.

Na medida em que o tempo passa os escritos se aprofundam na Cristologia e demonstram uma compreensão diferente a respeito de Jesus.

A Cristologia que chegou até nós, pelo concílio de Nicéia, foi a de João.Em Mateus, Marcos e Lucas, tudo o que se atribui a Jesus está em consonância com o

Antigo Testamento. Para estes evangelistas, falar de Jesus como filho de Deus não tem a mesma conotação que para o evangelista João. Ser filho de Deus para os três primeiros NÃO significava ser Deus. Mas para João, dizer que Jesus é o Filho de Deus é dizer que ele mesmo é Deus.

Certamente, se Jesus tivesse dito de sua própria boca que era Filho de Deus, teria sido apedrejado rapidamente, haja visto que nem o nome YHWH podia ser pronunciado.

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Dia da Vingança de

Javé

No Exílio

Quebrantados/cativos/presos

Luto

Cinzas na cabeça

Ruínas

Dominados

AÇÃO DE JAVÉ

Sonho

Libertos

Alegria

Coroa na cabeça

Reedificação

Dominadores

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Jesus e o SagradoJesus NÃO disse: o Reino de Deus é como o templo... o Reino de Deus é como o

sacerdote... o Reino de Deus é como o altar...

JESUS DISSE: o Reino de Deus é como uma mulher, que perdeu sua moeda... o Reino de Deus é como a viúva... o Reino de Deus é como a semente, como o pescador, como o trabalhador, como a criança...

Na leitura bíblica precisamos entender que o sagrado não está na letra. O sagrado está na vida.

“Nunca, para Jesus, o Reino esteve ligado ao mundo sagrado de sua época.” (Dietrich)

CEBI – Centro de Estudos BíblicosFundação: 1979, Angra dos ReisFundadores: Jether e Lucília (casal leigo presbiteriano)Irmã Iranildes Irmã Agostinha Frei Carlos Mesters

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