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Agitação infantil em serviços de saúde mental e escolas de Santos e Campinas-SP: demandas de cuidado, encaminhamentos e agência Tatiana de Andrade Barbarini Pós-doutoranda – UNIFESP [email protected] Eunice Nakamura Professora Adjunta – UNIFESP [email protected] Introdução Agitação é um termo associado a diferentes conceitos do senso comum — tais como atividade extrema, turbulência, inquietação, entre outros — e a categorias psiquiátricas como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Conduta ou o Transtorno Opositor Desafiador. Podendo indicar diferentes representações de comportamentos infantis ditos problemáticos, o uso do termo “agitação” nos meios clínicos e nas relações cotidianas coloca um problema de pesquisa a ser enfrentado: configurações de diferentes modos de circulação de pessoas, práticas, discursos, saberes e objetos em torno de demandas por cuidado em contextos socioculturais particulares. Articula-se a essa problemática uma rede de interdependência viabilizada pela fluidez ou “borramento” dos limites entre o normal, o anormal e o patológico, que se processa em diferentes planos da realidade social, seja 1

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Agitação infantil em serviços de saúde mental e escolas de Santos e Campinas-SP:

demandas de cuidado, encaminhamentos e agência

Tatiana de Andrade BarbariniPós-doutoranda – UNIFESP

[email protected]

Eunice NakamuraProfessora Adjunta – [email protected]

Introdução

Agitação é um termo associado a diferentes conceitos do senso comum — tais

como atividade extrema, turbulência, inquietação, entre outros — e a categorias

psiquiátricas como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o

Transtorno de Conduta ou o Transtorno Opositor Desafiador. Podendo indicar

diferentes representações de comportamentos infantis ditos problemáticos, o uso do

termo “agitação” nos meios clínicos e nas relações cotidianas coloca um problema de

pesquisa a ser enfrentado: configurações de diferentes modos de circulação de pessoas,

práticas, discursos, saberes e objetos em torno de demandas por cuidado em contextos

socioculturais particulares. Articula-se a essa problemática uma rede de

interdependência viabilizada pela fluidez ou “borramento” dos limites entre o normal, o

anormal e o patológico, que se processa em diferentes planos da realidade social, seja no

nível léxico, seja no nível da responsabilidade pelo cuidado com a criança.

No âmbito da clínica psiquiátrica, de orientação biomédica e fundada no Manual

diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM), o esforço de definição do

conceito de transtorno mental esbarra na maleabilidade das categorias psiquiátricas, que

estão pautadas na identificação e elucidação de problemas que causam prejuízos ou

impactos negativos nas atividades cotidianas dos indivíduos concernidos. Nessa

perspectiva, o transtorno mental define-se como uma síndrome caracterizada por uma

perturbação clínica significativa na cognição, na regulação emocional e no

comportamento individual. Trata-se de uma disfunção que afeta processos psicológicos,

biológicos ou do desenvolvimento estruturantes do funcionamento mental,

desencadeando o sofrimento ou a deficiência em atividades sociais e ocupacionais

(APA, 2013, p. 20). Essa definição almeja alcançar a distinção entre uma disfunção

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biológico-patológicaeas expectativas ou respostas socioculturais a determinadas

condutas. Contudo, os próprios psiquiatras colocam em dúvida a possibilidade de se

distinguir categoricamente os prejuízos e sintomas dos transtornos mentais e os modelos

socioculturais de comportamentos infantis ditos adequados. Segundo um médico

psiquiatra entrevistado, a psiquiatria passou a adotar, a partir dos anos 1980, a noção de

transtorno mental como uma alternativa ao conceito biomédico de doença, associado à

identificação de alterações físicas no corpo do paciente. A primeira é mais “frouxa”,

pois se refere a “algo que não está funcionando bem”, isto é, a um sofrimento que

independe de disfunções anatômicas e fisiológicas (BARBARINI, 2011, p. 67). Ela se

sustenta sobre uma definição arbitrária do normal e do patológico e, consequentemente,

sobre a delimitação insatisfatória e fluida dos limites de certos conceitos psiquiátricos.

A fluidez dos limites conceituais referentes às categorias psiquiátricas introduz a

problematização abordada no presente texto. Trata-se de uma análise realizada a partir

de dados coletados em duas realidades distintas: em Santos e em Campinas, municípios

do estado de São Paulo. As informações reunidas em Santos referem-se à primeira

demanda de cuidados apresentada a um serviço de saúde mental infantil, na qual a

agitação aparece como um elemento de menção ao problema a ser solucionado. Já em

Campinas, os dados resultam de trabalhos de campo conduzidos em um ambulatório

universitário de psiquiatria infantil e em estabelecimentos públicos de ensino. É preciso

considerar que informações sobre saúde mental, agitação e o TDAH, entre outras

categorias, facilmente acessadas por meio da internet, da mídia ou de cursos de

orientação específica, oferecidos principalmente aos profissionais de educação, circulam

entre os diferentes atores sociais dessas instituições, também entre familiares e as

próprias crianças. A circulação de informações, conceitos e categorias reflete-se nas

primeiras queixas, que incorporam tanto termos técnicos quanto termos populares.

Apesar das particularidades territoriais, ambos os estudos lidam com categorias

empregadas por diferentes indivíduos para compreender, classificar e organizar certa

realidade, assim como para resolver comportamentos infantis considerados

problemáticos ou anormais, a fim de restituí-los a um padrão social e culturalmente

constituído de normalidade (NAKAMURA, 2016, p. 53). Partimos do entendimento da

“agitação” como uma categoria polissêmica e multidimensional, por meio da qual é

possível descrever e analisar diferentes aspectos dos contextos sociais, incluindo os

atores e instituições envolvidas, bem como a circulação — ou o fluxo — de objetos,

técnicas, discursos, saberes e práticas que compõem as redes de demanda e de

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encaminhamento em saúde mental infantil. Buscamos ampliar a ideia de circulação

territorial adotando as noções de fluxo e de rede, que abrangem não apenas o

deslocamento de pessoas, mas também de objetos, conceitos científicos e do senso

comum e práticas (LATOUR, 2016). Isso implica, igualmente, a consideração da

criança, incluída nessa rede como agente da criação da sociedade. Desse modo,

organizou-se a apresentação do texto de acordo com a sequência: delimitação contextual

e metodológica das pesquisas que subsidiam este estudo; a fluidez da categoria

“agitação”, correlata a termos científicos e populares, como condição de constituição de

redes de demandas e encaminhamentos, nas quais circulam pessoas, discursos, saberes,

práticas e também objetos; e a emergência da criança agitada como um ator social.

Uma breve delimitação contextual e metodológica

O presente trabalho resulta da comparação de dados coletados por meio de

diferentes estratégias: acesso a prontuários médicos e entrevistas realizadas com

profissionais de um serviço de saúde mental infantil, em Santos; observação participante

em um serviço de psiquiatria infantil e escolas públicas e entrevistas semiestruturadas

realizadas com profissionais de saúde e educação, pais e crianças, em Campinas.

Os resultados obtidos em Santos provêm de pesquisa de pós-doutorado

desenvolvida pela Prof.ª Dr.ª Eunice Nakamura. Trata-se de um estudo qualitativo que

partiu das experiências de adultos e de crianças para compreender os significados dos

comportamentos infantis ditos problemáticos e as representações contemporâneas da

criança e da infância. A pesquisa de campo foi conduzida em um serviço de saúde

mental infantil localizado na zona noroeste de Santos, uma região de baixa renda.

Dentre os doze bairros que compõem a região, encontra-se o Jardim Rádio Clube, com

26.000 habitantes vivendo em barracos, muitos deles erigidos sobre o mangue. Os casos

de saúde mental infantil que afetam essa população são atendidos no referido serviço

por uma equipe de psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas,

assistentes sociais e assistentes terapêuticos.

Foram analisados os prontuários médicos de 112 pacientes,de três a onze anos de

idade, que receberam atendimento em 2012, dentre os quais 68,8% eram meninos e

62,5% encontravam-se na faixa de seis a onze anos de idade, representativa do período

de escolarização infantil (primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental). O objetivo

dessa etapa foi verificar quais eram as primeiras queixas que conduziam as famílias ao

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serviço. A “agitação” foi mencionada em 7,1% dos prontuários. Porém, quando

associada à dificuldade de concentração e à atenção, somaram-se 14,3% das queixas.

Ademais, buscamos compreender a relação estabelecida entre o comportamento infantil

dito problemático, com destaque à agitação, e as representações adultas sobre a criança.

As etapas seguintes constituíram-se de entrevistas aprofundadas com alguns

profissionais de saúde e, posteriormente, análise das informações coletadas.

Já em Campinas, o estudo foi realizado em três diferentes ocasiões. De 2009 a

2010, visitamosum ambulatório universitário de psiquiatria infantil, um serviço público

altamente especializado e de referência, onde foi possível observar as atividades

médicas dos profissionais do serviço e as atividades lúdicas das crianças atendidas,

assim como entrevistar psiquiatras, psicólogos, familiares e pacientes, de seis a doze

anos de idade, a maioria proveniente de cidades vizinhas. Vale notar que, naquele

período, a maior parte dos casos atendidos referia-se ao diagnóstico e tratamento de

TDAH, dentre os quais 68,9% eram meninos.

O segundo momento de pesquisa refere-se ao período entre 2013 e 2015 e aos

trabalhos de campo conduzidos em duas escolas públicas e em um programa de

educação não formal. Foram aplicadas as técnicas de observação participante, em sala

de aula e espaços de recreação, e de entrevista semiestruturada com profissionais da

educação, familiares e crianças, de cinco a treze anos de idade. Os dois principais

estabelecimentos de ensino visitados localizam-se no interior da Unicamp e atendem

majoritariamente os filhos de funcionários da universidade. Portanto, a população

concernida é heterogênea, compreendendo tanto as famílias de professores ou

funcionários ocupando cargos de destaque na instituição quantoas famílias vivendo nas

regiões mais periféricas de Campinas. Finalmente, desde novembro de 2016

desenvolvemos um estudo empírico em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil

(CAPSi), responsável pelo acolhimento e atendimento de crianças e adolescentes

afligidos por casos médios e graves de sofrimento psíquico e social. A população

atendida no serviço também é heterogênea, em razão da localização central da

instituição. Contudo, observa-se que uma parcela significativa dos pacientes vive em

abrigos provisórios e é tutelada por ações de assistência social.

Em que pesem as particularidades dos estudos desenvolvidos e dos contextos

sociais explorados, a escola (professores, coordenadores e orientadores pedagógicos) é a

principal origem de queixas de agitação e demandas por assistência especializada às

crianças. Nesse sentido, o fluxo de técnicas, saberes e práticas, possibilitado pela

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circulação de relatórios escolares e laudo médicos, de recomendações médico-

psicológicas para pais e professores sobre como lidar com a agitação, entre outras fontes

de informação, constitui uma rede de interdependências que conecta, principalmente,

profissionais de educação, escolas, pais (sobretudo as mães), médicos, psicólogos e

serviços de saúde, em específico de saúde mental.

A fluidez da categoria “agitação” e a construção de redes de demanda

Nos diferentes contextos pesquisados, em Santos e em Campinas, a agitação

apresenta-se de formas diversas, porém sempre relacionada a comportamentos infantis

que incomodam, segundo as queixas apresentadas pelas escolas e famílias, ou que são

compreendidos como sintoma de uma questão psicossocial mais profunda, conforme os

profissionais de serviços de atenção psicossocial ou de outros serviços de saúde

responsáveis pelo atendimento inicial das crianças.

Agitação é o termo utilizado nas primeiras queixas encontradas nos prontuários

médicos de pacientes atendidos em um centro de saúde mental infantil de Santos.

Nesses documentos, as crianças em fase escolar (de seis a onze anos de idade),

sobretudo os meninos, foram majoritariamente identificadas como agitadas. O termo

não se refere a uma simples agitação, mas denota uma graduação comportamental

(“muito agitado”, “bastante agitado”, “extremamente ou demasiadamente agitado”) que

permite aos adultos definir comportamentos como problemáticos e diferenciá-los

daqueles considerados normais. Além disso, a agitação relaciona-seconstantemente com

“inquietação”, “agressividade” e “instabilidade”. É importante notar que, em alguns

prontuários, a queixa de agitação estava associada à dificuldade de concentração e de

atenção (“dispersa”, “não tem concentração”, “pouca concentração”), definida

aparentemente como uma de suas consequências.

Houve poucas menções a categorias biomédicas referentes ao TDAH ou à

hiperatividade, predominando nas primeiras queixas categorias do senso comum

capazes de organizar a compreensão de adultos sobre o que consideram estranho nos

comportamentos infantis, definir os níveis inaceitáveis de agitação, ordenar essa

realidade, dar significados às experiências vivenciadas e oferecer meios de resolver o

problema (NAKAMURA, 2016). Trata-se, enfim, de restabelecer uma normalidade ou,

ainda, uma normatividade, buscando restituir à norma certos desvios de comportamento

observados em relação a padrões social e culturalmente definidos. (CANGUILHEM,

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2009[1943])

Essa função organizadora, agregada à categoria “agitação”, também pôde ser

percebida nos trabalhos de campo realizados em Campinas. Contudo, o principal

discurso subjacente à definição da agitação, relativa aos comportamentos infantis e aos

problemas de aprendizagem, baseava-se em categorias empregadas pela psiquiatria

biomédica. Entre os professores, o termo “hiperatividade” foi constantemente evocado

para representar um conjunto de elementos, tais como “agitação extrema”,

“indisciplina” e “enfrentamento”. Por vezes, seu significado referia-se às crianças que

haviam recebido um diagnóstico médico para o TDAH. Em outros momentos, tratava-se

de uma referência ao comportamento significativamente agitado.

Já o termo “autocontrole” apresentou menor recorrência entre os profissionais de

educação. Todavia, ele foi enunciado por uma professora para descrever o

comportamento de Luan1 (13 anos) em sala de aula, incluindo sua dificuldade de

concentração e, consequentemente, de desempenho escolar. O autocontrole também se

conecta às ideias de dispersão e de enfrentamento. Este é o caso de Vitório (11 anos),

um aluno ativo e popular, cujo problema foi definido, no ambiente escolar, como

indisciplina, enfrentamento, desrespeito pelas regras e tendência a rapidamente

desorganizar toda uma sala de aula (BARBARINI, 2016). Ele foi identificado como um

menino hiperativo e diagnosticado com TDAH.

É possível perceber, no exemplo supracitado, um deslocamento dos elementos

pedagógicos e infantis (como a desobediência, o mau comportamento, a indisciplina, a

inquietação e os processos escolares) do domínio da escola para um referencial técnico-

científico, submetendo esses elementos ao vocabulário, às práticas e às estratégias de

intervenção psiquiátricas. Tal deslocamento fornece aos professores meios para

demandar uma orientação especializada, dentro e fora da escola, para se lidar com a

agitação infantil, com os problemas de conduta e de aprendizagem de seus alunos e,

também, com os novos dilemas vividos pelos profissionais de educação, sobretudo o

sentimento de impotência de manter a ordem em sala de aula, de dialogar com os alunos

e de garantir sua adequada socialização.

Pais e crianças, por sua vez, expressam uma variedade de explicações e de

definições que, geralmente, mescla categorias populares (“sonhar acordado”, “ser

avoado”) e científicas (“hiperatividade”, “desatenção”) para delimitar e solucionar um

problema comportamental. É necessário notar que, nos casos estudados, “doença” é

1 Os nomes usados são fictícios.

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umanoção popularmente associada a deficiências físicas, e não à agitação ou ao TDAH,

que se configuram como “apenas um probleminha”. O uso conjunto de categorias

populares e técnicas é igualmente feito por médicos, a fim de tornar compreensivas as

categorias psiquiátricas, especialmente para crianças.

Hiperatividade e agitação confundem-se gradativamente e criam um

“borramento” dos limites de conceitos e categorias, condição fundamental para a

configuração de uma rede de demandas. Para ilustrar essa situação, recorremos à fala de

uma professora:

A escola chega para o pai e fala “seu filho é hiperativo”, só que muitas vezes o professor não tem essa formação. Então a escola acaba reproduzindo na forma de um chavão: uma criança agitada hoje é uma criança hiperativa. (Lívia, professora de um programa de educação não formal. Entrevista concedida em 14 ago. 2015)

Nesse extrato de entrevista, a professora questiona o uso indistinto de “agitação”

e de “hiperatividade” e critica a excessiva produção escolar de encaminhamentos

médicos e psicológicos de possíveis casos de TDAH. Ela também critica a suposição de

que os professores detêm a autoridade para identificar quem é hiperativo. Em Santos,

psicólogos entrevistados desaprovavam a banalização do uso do termo “hiperatividade”

e da elaboração de diagnósticos de TDAH, que expressa o fato de que “os adultos [pais

e professores] já chegam [no serviço de saúde] com um diagnóstico pronto”, ainda que

não se trate de um caso de TDAH.

A rede de relações estabelecida entre os diferentes atores sociais se expressa na

fluidez da categoria “agitação”, ao mesmo tempo em que contribui para o “borramento”

observado em relação a essa categoria. Os profissionais de saúde, por um lado, fazem

uso dessa fluidez como uma estratégia de definição da condição da criança e de

estabelecimento da relação médico-paciente. Por outro lado, esses profissionais

baseiam-se na confusão das categorias para criticar as exigências de cuidado

excessivamente endereçadas aos serviços de saúde. Já os professores encontram na

confusão categorial um mecanismo usado pelas famílias para atenção educacional ou

médica especializada devido à sua incapacidade de educar e cuidar de seus filhos. Aqui

está o ponto de partida para uma relação particularmente estabelecida entre professores

e pais: a culpabilização do outro pelo mau comportamento ou fracasso escolar da

criança. Assentada na referida fluidez conceitual, a relação entre eles reforça tal fluidez

ao agregar às noções de agitação, mau comportamento e dificuldade infantil de

aprendizagem a associação entre desestrutura familiar e fracasso escolar. A agitação é

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expressa nesses discursos por meio de categorias sociais fluidas mescladas a categorias

científicas, evidenciando um espectro de possibilidades em relação aos comportamentos

infantis, classificados a partir de zonas aceitáveis ou não aceitáveis. (HELMAN, 1994)

A escola e a família são consideradas as principais instituições responsáveis pela

socialização infantil, isto é, a inserção bem-sucedida da criança nas relações sociais, a

fim de que ela responda adequadamenteàs normas comportamentais e, assim, se

constitua como um indivíduo. Ainda que o conceito sociológico de socialização venha

sendo questionado, sua ainda forte implicação nas relações cotidianas molda as

expectativas referentes ao papel integrador da família e da escola, conformando uma

rede de interdependência que envolve diversos atores e instituiçõessociais (ELIAS,

1994[1939]). No entanto, tal função sofre mudanças que reconfiguram a rede de

interdependências, incluindo novos elementos. Entre as mudanças observadas estão a

flexibilidade da autoridade parental e a horizontalização das relações entre pais e filhos

(ELIAS, 1980), bem como a consequente redefinição das responsabilidades

institucionais relativas ao cuidado com a criança, cujos limites, antes bem definidos

entre escola e família, se tornam tão fluidos e confusos que admitem a inserção de co-

responsáveis, tais como os profissionais de saúde e os especialistas em saúde e

educação.

Nesse novo cenário, a definição social (ou escolar) do mau comportamento

estrutura os usos populares e técnicos da categoria “agitação”, realidade à qual se

associam algumas condições particulares. A primeira diz respeito aos limites “borrados”

entre as categorias técnicas e populares e entre os comportamentos normais e

patológicos, mas também ao “borramento” das responsabilidades institucionais relativas

ao cuidado infantil e da autoridade das instituições sociais de identificar, definir,

explicar e resolver as situações consideradas problemáticas. Como resultado, os

diferentes usos da agitação referem-se a uma categoria híbrida e difusa, na qual os

conceitos de normal e patológico se confundem, assim como o plano natural (biológico)

e social, na tentativa de explicar, organizar e normalizar o que “não está funcionando

bem”. Nesse sentido, seucaráter híbrido, longe de expressar antigas dicotomias,

evidencia a interdependência entre sistemas biológicos e sociais, aos quais se conjuga o

sistema psíquico. (NAKAMURA, 2017)

A segunda condição concerne ao modelo social adulto que cria a definição da

criança bem adaptada e uma série de expectativas relativas ao comportamento e ao

desempenho infantil. Nesse sentido, a agitação pode indicar quem são as crianças que

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divergem de tal modelo e, ao mesmo tempo, criar novas identidades centradas na ideia

de que a agitação ou os sintomas do TDAH são características pessoais, e não

problemas.

A construção identitária é, portanto, a terceira condição, caracterizada pela

apropriação, pelas crianças, dos termos técnicos e populares para se constituírem como

indivíduos. Por um lado, essa apropriação respaldava a contestação do“diagnóstico”

adulto que definia sua condição. Por exemplo, Luan (13 anos) afirmou, em certa

ocasião, que ele não estava doente e que, por isso, não precisava ir ao médico, no

entanto as consultas eram positivas, pois lhe permitiam faltar à escola. Por outro lado,

algumas crianças apropriavam-se dos termos para criar uma nova identidade, ora de

acordo com o modelo social da criança bem-adaptada, ora em confronto com esse

modelo. No primeiro caso, a medicação servia ao manejo da identidade infantil

deteriorada (GOFFMAN, 1988), já que ela permite à criança “ficar calma”, “ser como

os outros” e “não ter vergonha” do seu jeito de ser. Já na segunda situação, a nova

identidade constrói-se com base na justificação do desvio em relação àquele modelo.

Marcelo (12 anos), entrevistado em 2010, definiu-se como “um paciente de um serviço

de psiquiatria infantil” que “tem hiperatividade e não consegue parar nem por um

minuto”. Ele ainda afirmou: “minha família me pede para parar e ficar quieto, mas eu

sou hiperativo, não posso ficar quieto”.

As formas de apropriação da fluida categoria “agitação” evidenciam que as

crianças são agentes nas relações sociais e nos fluxos de demandas que a tomam como

objeto. Porém, esse caráter não é enunciado nas narrativas adultas constituintes dos

relatórios médicos e escolares. Essas narrativas criam e recriam a história e as trajetórias

de expectativas sociais, normas, representações da infância e da criança agitada e, até

mesmo, da vida e da identidade infantis, a partir da perspectiva do adulto — do

professor, dos pais, do médico. Desse modo, os relatórios e os atores sociais (adultos)

atuam como mediadores da produção da realidade social, constituindo redes reais,

narradas e sociais, por meio das quais ocorre a distribuição das fontes de ação a todos os

atores. (LATOUR, 2016)

Na elaboração adulta dos relatórios e da produção conjunta (adultos e

documentos) da criança agitada e sua realidade, a criança aparece como um mero

objeto, um produto do movimento ao qual se vinculam esses atores. No entanto,

inserida como ator na rede de distribuição das ações, a criança se constitui também

como um mediador, cujos vínculos colocam em movimento uma cadeia de afetos e de

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deslocamentos2. Nessa perspectiva, o híbrido adulto-relatório, agente da produção das

narrativas e representações da criança agitada, faz a criança agir (questionar o médico

ou o professor, desejar o medicamento como forma de normalização ou justificar seu

desvio por meio da manipulação da sua imagem, imposta externamente). Portanto, na

rede de “vinculamentos”, na qual a criança se inclui, sua atuação torna-se visível e, por

meio de sua ação, a “agitação” passa a ter outros sentidos.

As crianças agitadas: de caso médico a ator social

Os dados de pesquisa aqui apresentados derivam, sobretudo, dos relatos adultos

sobre comportamentos infantis, com destaque à agitação. Os atores sociais responsáveis

pela identificação do comportamento agitado são, geralmente, adultos (profissionais de

saúde, professores, orientadores educacionais e pais), e a definição dessa conduta como

um problema se faz com base em valores sociais e culturais adultos, sobretudo com base

na noção de socialização. Privilegia-se, portanto, a conceitualização e a observação

“externa” sobre a criança. Diante desse cenário, é preciso perguntar: quais são o lugar e

o papel social atribuídos à criança em sua relação com o mundo adulto?

James e Prout (1990) afirmam que a infância conforma-se por um conjunto de

relações sociais ativamente negociadas que constituem os primeiros anos da vida

humana. Assim, não se podem ignorar os aspectos biológicos da infância e do corpo

infantil, porém tampouco se pode desconsiderar o caráter social e discursivo que os

compõem, associado à capacidade infantil de agir e fazer as coisas acontecerem, isto é,

à ação participativa da criança (agency). Esse conjunto de atributos pôde ser constatado

em entrevistas concedidas por crianças e nas observações feitas nos campos em

Campinas, os quais evidenciaram a interação infantil com pares, com os adultos e com a

realidade que os cerca, e a consequente resposta ativa e criativa à condição de criança

agitada.

São exemplos dessa particularidade as já citadas formas de apropriação dos

termos técnicos e populares e de construção identitária. É o caso de Marcelo (12 anos)

que, por ser hiperativo, afirmou ser impossível responder ao pedido de seus familiares

para que se acalme e fique quieto. Também é o caso de Luan, que declarou não estar

2Latour (2015, p. 126-127) emprega o conceito de “faitiches” para designar tudo o que “nos faz fazer”, o que coloca os atores em movimento sem nunca ter a força de uma causalidade ou deixar de transformar a ação. Daí o emprego da noção de vínculo como a pluralidade daquilo que faz agir (os afetos). Latour busca superar as dicotomias indivíduo/sociedade e objeto/sujeito, fundamentais às ciências sociais.

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doente e não gostar de ir ao médico porque ele o “entope de remédios”, mas que

reconheceua positividade das consultas médicas por poder faltar à escola e permanecer

em casa brincando.

A escola foi relatada, em diferentes entrevistas, como o meio em que a agitação

e a desatenção tornam-se mais problemáticas, ainda que essas manifestações não sejam

assim consideradas pelas crianças em outros espaços, sobretudo aqueles ligados à

brincadeira. Isto é, a agitação afeta a criança de diferentes maneiras, dependendo das

relações nas quais ela se insere, e mobiliza-a a igualmente responder de modos diversos.

Durante uma de nossas visitas ao ambulatório psiquiátrico, conhecemos Lorena

(11 anos), a quem foram solicitados desenhos que expressassem suas percepções e

experiências concernentes ao hospital onde estávamos, à sua relação com colegas de

escola e às suas experiências escolares. Ela dedicou-se longamente à tarefa,

descrevendo em suas pinturas muitos detalhes do ambiente, tais como a cor da blusa da

pesquisadora ou o vaso de planta encontrado próximo à porta de entrada. É interessante

notar que ela era diagnosticada com TDAH, subtipo desatento, devido às suas

dificuldades escolares de concentração e atenção. O que, então, motivou-a a ser tão

detalhista em seus desenhos?

Esses breves exemplos de discursos e práticas infantis demonstram que as

crianças reproduzem a sociedade, mas também a colocam em questão e criam suas

próprias maneiras de produzir a realidade. As formas de construção identitária são

muito significativas nesse sentido, assim como as brincadeiras com materiais

disponíveis em um ambulatório psiquiátrico, tais como pedaços de papelão que se

tornavam carrinhos de puxar ou escorregadores, ou cadeiras de rodas que se

transformavam em carros de corrida.

Em outra ocasião, um menino chegou à sala de espera do referido ambulatório

carregando uma caixa de sapatos repleta de objetos, que ele explicou serem suas

invenções: uma geladeira que, ligada à pilha, tinha sua luz interna acesa e possuía em

seu interior cápsulas de remédios já consumidos representando itens de consumo, como

linguiças unidas por um barbante e latas de refrigerante; um “criador de neve” (em um

recipiente de plástico, ele colocou um pequeno motor na parte de baixo e dentro, isopor

picado, assim, quando a pilha entrava em atividade, o motor fazia com que os pequenos

flocos de isopor voassem por todo o recipiente); uma igreja, confeccionada com caixas

de remédio, sendo que na porta, havia uma cruz e nas torres, um sino e um relógio que

marcava a hora exata.

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Representar seu meio, significar suas experiências e negociar suas relações e

identidades desloca, então, a criança de uma posição de objeto — o caso médico, o ser

em desenvolvimento ou o objeto de pesquisa — para outra de ator social. Esse

deslocamento é fundamental para compreender a criança agitada e o simbolismo

daquilo que ela faz e diz. Recorremos ao texto (uma autobiografia?) escrito por Marcelo

(12 anos), com que conversamos em 2010, diagnosticado e tratado como TDAH

(BARBARINI, 2011, p. 125-126).

Nasceu um menino chamado Guilherme. Ele transformava-se em leão quando quisesse. Um dia, ele passou para a 5ª série, todos detestavam o coitado. Um dia, ele não se controlou e se transformou em leão! Guilherme foi expulso da escola e pior! Da cidade.

Guilherme foi para um deserto, em uma tempestade de areia, sozinho, sem comida e nem água, encontrou uma caverna, na qual encontrou um outro menino, que transformava-se em tatu, chamado Zé, eles conversaram:- Não sei o que aconteceu comigo, Zé. Fui expulso de tudo o que tinha.- Você precisa mostrar pra eles como seu coração é bom, Gui. Existem muitas crianças além de nós com isso.- Mas como?- Ajude-os como puder!- Eu não vou dar uma de super-herói, se é isso que quer dizer...- Se for o único jeito, sim.

Então o Guilherme foi para Caconde, era Festa de Setembro, onde um menino iria cair da roda-gigante, Guilherme salvou a vida dele, por isso é chamado de herói.

Sob um olhar classificatório e diagnóstico, esse texto representa um tipo clássico

de TDAH: a criança inicia o texto sem muitos detalhes e termina-o rapidamente, com

ainda menos detalhes. Essa é considerada uma indicação clínica da presença de TDAH,

uma vez que a impaciência e a realização de atividades inconclusas são sintomas desse

transtorno. No entanto, sob um olhar mais crítico, entende-se que o texto conta a

história de um menino diferente, que se transformava em um animal e que, por isso,

deveria se controlar. Quando não o fez, o desprezo dos outros se materializou em

isolamento (a expulsão e a ida ao deserto).

Transformar-se em leão ou em tatu remetem-nos ao conceito de devir. Deleuze e

Guattari (1997) viram na criança — no animal, na mulher, enfim, nas minorias,

caracterizadas por singularidades avessas ao que é dominante (ser homem, branco e

ocidental) — a potência do devir, ou seja, da construção do presente a partir daquilo que

o sujeito é, como um movimento que tensiona as formas, multiplica e cria o diferente e

a possibilidade. Ao contrário dos adultos, das teorias e das instituições, que produzem

identidades enrijecidas e diminuema potência humana criativa e imaginativa de

experimentação e de jogo, as crianças multiplicam e substituem os vínculos, criam

afetos, deslocam e produzem movimentos. Negociando, resistindo e reproduzindo, as

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crianças revelam o caráter interdependente e híbrido da vida social, ao mesmo tempo

natural, cultural, discursivo e técnico. Nessa perspectiva, a criança agitada emerge em

sua potencialidade, ressignificando a “agitação”, ao mesmo tempo em que provoca a

circulação de pessoas, práticas, técnicas, discursos e objetos em torno do modelo adulto

com o qual a criança agitada rompe.

Considerações finais

O uso da palavra circulação remete-nos, habitualmente, a uma concepção

geográfica de trajetos e deslocamentos territoriais, ou a uma concepção econômica de

trânsito de mercadorias. Neste artigo, contudo, buscamos nos embasar em um conceito

de circulação que excedesse essas definições tradicionais para incorporar diferentes

dimensões da realidade social colocadas em movimento a partir da representação e da

ação da criança agitada, constituída pela interdependência entre diferentes atores (a

mãe, a professora, o médico, a psicóloga), instituições (a família, a escola, os serviços

de saúde), saberes e práticas.

Na perspectiva deleuziana, a cartografia é um diagrama, uma multiplicidade

espaço-temporal, coextensiva a todo o campo social, altamente instável e fluida, em

constante mutação e resistência. O rizoma, ou o pensamento múltiplo, é seu princípio

fundador. Talvez pudéssemos dizer, tomando por coerente a proposta de Latour, que a

rede de “vinculamentos” coloca essa multiplicidade em movimento, criando um mapa

no qual a criança e seus trajetos agem (DELEUZE, 2011). A criança agita as

circulações que se dão em seu entorno, atribuindo à agitação outro sentido, mais

potente.

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(Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual

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