PENTAGRAMA · za o Pentagrama em seu microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, consegue permanecer...

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ÍNDICE: 2 AS SETE BALANÇAS DA JUSTIÇA 8 A “HERESIA DUALISTADOS BOGOMILOS 13 PERSONALIDADE, PERSONA, MÁSCARA 16 APROVEITAR A VIDA OU DESLIGAR-SE DO MUNDO 18 “POR ACASO SOU O GUARDIÃO DE MEU IRMÃO?” 21 A LEI DO DESTINO 27 O PODER DA PALAVRA 30 “AO MAL, OFERECE O AMOR32 AGITAÇÃO OU EQUILÍBRIO INTERIOR 34 ASSUMIR OU NÃO ASSUMIR SUAS RESPONSABILIDADES 36 QUE A ALMA ABRA SUAS ASAS! 1996 ANO 18 NÚMERO 3 A revista Pentagrama propõe-se a atrair a aten- ção de seus leitores para a nova era que já se iniciou para o desenvolvimento da humanidade. O Pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo do homem renascido, do novo homem. Ele também é o símbolo do universo e de seu eterno devir, por meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretanto, um símbolo somente tem valor quando se torna realidade. O homem que reali- za o Pentagrama em seu microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, consegue permanecer no caminho da transfiguração. A revista Pentagrama convida o leitor a operar esta revolução espiritual em seu próprio interior. © Stischting Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia. PENTAGRAMA

Transcript of PENTAGRAMA · za o Pentagrama em seu microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, consegue permanecer...

ÍNDICE:

2 AS SETE BALANÇAS DA

JUSTIÇA

8 A “HERESIA DUALISTA”DOS BOGOMILOS

13 PERSONALIDADE, PERSONA, MÁSCARA

16 APROVEITAR A VIDA OU

DESLIGAR-SE DO MUNDO

18 “POR ACASO SOU O

GUARDIÃO DE MEU IRMÃO?”

21 A LEI DO DESTINO

27 O PODER DA PALAVRA

30 “AO MAL, OFERECE

O AMOR”

32 AGITAÇÃO OU EQUILÍBRIO

INTERIOR

34 ASSUMIR OU NÃO ASSUMIR

SUAS RESPONSABILIDADES

36 QUE A ALMA ABRA SUAS

ASAS!

1996ANO 18NÚMERO 3

A revista Pentagrama propõe-se a atrair a aten-

ção de seus leitores para a nova era que já se

iniciou para o desenvolvimento da humanidade.

O Pentagrama tem sido, através dos tempos, o

símbolo do homem renascido, do novo homem.

Ele também é o símbolo do universo e de seu

eterno devir, por meio do qual o plano de Deus

se manifesta.

Entretanto, um símbolo somente tem valor

quando se torna realidade. O homem que reali-

za o Pentagrama em seu microcosmo, em seu

próprio pequeno mundo, consegue permanecer

no caminho da transfiguração.

A revista Pentagrama convida o leitor a operar

esta revolução espiritual em seu próprio

interior.

© Stischting Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia.

PENTAGRAMA

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O ser que sonda a natureza na qual

ele vive e compreende sua essência

encontra-se rapidamente face a face

com duas forças dinâmicas que sal-

vaguardam o equilíbrio deste campo

de existência. A sabedoria chinesa

do passado utiliza, a este respeito,

os termos “ying” e “yang”; a Bíblia

fala da “árvore do conhecimento do

bem e do mal” e, na doutrina de

Buda, estas forças são representa-

das sob a forma da “roda do nasci-

mento e da morte”.

odos nós vivenciamos forças opostasumas às outras, como por exemplo:amor e ódio, luz e trevas, alegria e dor,simpatia e antipatia. Esta bipolaridademanifesta sua atividade de modo cíclico,como dia e noite, inverno e verão, juven-tude e velhice, vida e morte. Ela a mani-festa também na separação dos sexos:homem e mulher são “metades” um dooutro e se esforçam para atingir a unida-de por uma união recíproca. Por estarazão, esquecemo-nos facilmente dofato de que o desejo de união não pro-vém tanto da diferença física como daausência da “metade” do ser humano: aalma imortal que pode fazer dele um serverdadeiramente divino.

É assim que todas as vidas movem--se entre dois pólos: positivo e negativo.Os homens, os animais, os vegetais etodas as coisas estão subordinados aesta lei. Depois de um tempo mais oumenos longo, em que o princípio centralde uma certa expressão de vida mani-festa-se na forma, esta forma é esvazia-da por seu contrário; depois disto, surgeuma nova manifestação, por sua vezcom uma nova forma. Esta bipolaridade

acarreta um circuito sem fim: é um mo-vimento aparente e incessante, em quea vida é colocada constantemente àprova. Para o ser humano, isto significaa contínua formação da consciência, atéo momento em que aparece uma cons-ciência que compreende que esta natu-reza bipolar não pode ser a naturezadivina original. De fato, a natureza divinanão conhece nem mudança, nem sofri-mento, doença, trevas, ódio ou amor,como nossos sentidos percebem estesfenômenos. A natureza divina original éimutável em relação à natureza bipolar.Ela não conhece limites de tempo nemde espaço. Bem, Verdade e Justiça sãosuas propriedades fundamentais, e nãoos pólos opostos do mal, da mentira eda injustiça. São forças que agem demodo imanente e transcendente. Elasenvolvem e penetram tudo e todos: todaa criação.

O QUE ESTÁ EMBAIXO VOLTA

A FICAR EM CIMA

Por “melhores” que possam parecercertos homens ou suas obras, por maisque a Mãe-natureza esteja brilhante-mente ornamentada, a roda do tempocontinua a girar e o que está embaixovolta a ficar em cima; e o que está emcima desce novamente até o abismo. Afalência segue a prosperidade, o ódiosucede o amor, a dor e a tristeza sãocompanheiras da alegria. Hermes Tris-megisto, o sábio do antigo Egito, diz: “...porque o mal não demasiadamentegrande vale aqui como o bem, é amenor parte do mal” (Tabula Smaragdi-na, Livro 10, versículo 5). “Bem” e “mal”dependem do contexto. O tempo passa,as normas mudam. As antigas gerações

AS SETE BALANÇAS DA JUSTIÇA

T

conhecem e vivenciam o que as seguin-tes pensam, sentem e agem diferente-mente. É sobretudo o caráter do povo, areligião e a educação que desempe-nham um papel no estabelecimento doque é aceitável ou não. Normas e crité-rios são, portanto, relativos. O símbolodo ying e do yang representa esta duplapolaridade por um ponto branco sobrefundo escuro e um ponto escuro sobrefundo branco. O que é puro ou o bem,sempre traz em si seu pólo oposto; e omal sempre supõe um princípio de bemdialético. Tudo se transforma em seucontrário sempre que a caminhada dahumanidade pelo universo dê oportuni-dade para isto.

A LEI QUE PROTEGE O HOMEM

CONTRA SI MESMO

Se comparássemos o peso do bemterrestre em relação ao peso do bemdivino, confirmaríamos as palavras deDaniel: (5:27): “Pesado foste na balançae achado demasiado leve”. Um provér-bio turco diz: “Uma hora de justiça ver-dadeira vale mais do que setenta horasde prece”. Existe uma gravura em ma-deira da Idade Média que representauma mulher carregando uma balançana mão direita. Em um dos pratos en-contra-se o globo terrestre, o outro é va-zio, mas este prato vazio é claramentemais pesado, pois o prato que tem o glo-bo terrestre está mais no alto. “Pesado e

A pesagem da alma(Urna pintada.British Museum,Londres).

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achado demasiado leve!”Quem adquiriu alguma compreensão

destas leis e estabeleceu a relatividadedos valores, como o bem diante do male a justiça diante da injustiça, poderátambém compreender por que todos osdomínios da vida em nosso planeta ofe-recem o espetáculo de tantas misérias esofrimentos... apesar de dois mil anosde cristianismo!

A PESAGEM DA ALMA

Se o buscador quiser ver a verdadede frente, a verdade que a multidão seviu impedida de conhecer durante sécu-los, ele chegará diante da segunda ba-lança. É a balança do “destino”. A lei deKarma-Nêmesis (ver também “A lei dodestino” na página 21) é a lei que equi-libra a causa e o efeito, a ação e a rea-ção e protege também o universo contrasi mesmo.

No Apocalipse (6: 2 a 8), surgem qua-tro cavaleiros: um segura a balança doautoconhecimento, a balança do julga-mento. “Então vi, e eis um cavalo pretoe o seu cavaleiro com uma balança namão”. É a representação da justiça divi-na, que não visa os eleitos, mas julgatodas as pessoas, sem exceção.

Em sua obra O Faraó alado, JoanGrant descreve como a balança deTahouti está colocada na grande salaonde se faz a justiça, sob o olhar diretodo Faraó: “Um homem que se arrepen-dia de sua velhacaria pediu que o libe-rassem da maldição de suas ações”.Responderam-lhe: “Em razão de tua de-sonestidade, a maldição está sobre ti enenhum sacerdote pode reequilibrar abalança. Somente tu podes reparar, pe-lo bem, o mal que cometeste”. E, quan-do o Faraó, depois de sua entronização,prestava juramento diante do povo, di-zia: “Ptah, pela vida de quem eu cami-nho sobre a terra; Horus, que desenvol-veu minha vontade para minha missãode governar; Anubis, que me mostrou asenda que leva aos deuses — é sobre

vossa proteção que presto um juramen-to sagrado: Eu manterei em equilíbrio abalança de Tahouti”.

As massas sempre foram impedidas,intencionalmente ou por ignorância, deconhecer a lei de causa e efeito. Cadaum deveria tentar compreender tanto obem quanto o mal. Mas a maioria apren-dia a temer a deusa do destino. En-tretanto, um dia todos deveriam encon-trar-se sob o jugo desta lei, diante destaindagação:

“Onde encontrar a paz? Como man-ter-se em equilíbrio com o destino?” Énesse momento que a consciência deveenfrentar a terceira balança, a balançado silêncio.

Quando alguém amadureceu graçasà experiência, compreendendo a relati-vidade das verdades e das leis terres-tres e vivenciou os limites do amor ter-restre, então chega a hora de encontrarum novo rumo. Impulsionada pelos gol-pes do destino — provocados por elamesma — esta pessoa chega às portasda iniciação e aí contempla estas pala-vras inscritas: Homem, conhece-te a timesmo! O silêncio da paz interior, nestafase da terceira balança, significa que ocandidato muda de rumo e desliga-sedo falso brilho dos valores aparentes edas coisas vazias. Ele deve dirigir-separa o terceiro pólo, oculto em seu sermais profundo. Este pólo é o eixo imutá-vel, o centro de tudo, um ponto perfeita-mente imóvel, que no entanto, faz girarem torno de si toda a vida.

“BUSCAI, E ACHAREIS”

No momento em que alguém se des-liga da matéria — sem que para istoprecise negligenciar nenhum aspectode seus deveres neste estado — equando esta pessoa aceita todas asconseqüências de sua busca dos ver-dadeiros valores espirituais, sua aspira-ção, sua busca, o conduzirão por fim àsportas de um campo de vida espiritualque contém estes valores superiores. É

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uma lei: “Buscai, e achareis” (Mateus:7:8). Um campo de vida deste tipo foiedificado pela Escola da RosacruzÁurea e é mantido por seus alunos. Es-te campo pode ser alcançado por todosaqueles que, conscientes da meta a seratingida, desejam preparar-se para per-correr o caminho de transfiguração. Nocampo de força da Escola Espiritual,quem ocupa um papel central é o ter-ceiro pólo, o centro ígneo interior, a ro-sa divina ou lótus, a semente do Cristointerno. É neste sentido que a EscolaEspiritual atual é puramente cristocên-trica.

Escolas espirituais como esta sem-pre estão surgindo nos momentos cru-ciais da história da humanidade. Mas,para quem elas são criadas? Elas sem-pre foram, e ainda o são, os instrumen-tos da Fraternidade, que trabalha aber-ta ou secretamente para ajudar a hu-manidade a atingir sua meta espiritual.Para tanto, esta Fraternidade encarregaseus enviados de auxiliar a todos osque se preparam para o processo detransfiguração e de acompanhá-los nasenda. No momento em que uma ativi-dade deste tipo passa a desenvolver--se, surge ao mesmo tempo a grandecorrente de movimentos místicos eocultistas, que neste século foram sur-gindo, em sua maioria vindos do Ori-ente. Em sua forma pura original, estascorrentes tiveram uma tarefa definidanos séculos passados. Mas o tempoestá passando e a humanidade se en-contra atualmente em condições cósmi-cas totalmente diferentes, o que fazcom que a volta de uma corrente espiri-tual do passado não possa mais trazernenhum progresso. É por esta razãoque a Rosacruz Áurea manifesta-se pu-blicamente com os aspectos atuais dapura doutrina crística e estabelece odesenvolvimento do homem modernodentro de uma corrente de sabedoriagnóstica, que toca a todos os buscado-res de coração, liberando pouco apouco dentro deles o conhecimento ori-ginal.

A VERDADE DIVINA ESTÁ INSCRITA

NO CORAÇÃO DE TODOS

De que doutrina estamos falando?Da doutrina do cristianismo esotérico,que mostra que é exclusivamente den-tro de nós mesmos que devemos buscaro superior, o divino, e que aí o encontra-remos. O ponto de contato é a sementedivina, que pode tornar-se ativa no cora-ção de todos os seres dotados de cons-ciência. Esta semente deve germinar ecrescer de acordo com um plano dedesenvolvimento interno — tanto nomicrocosmo como no cosmo e nomacrocosmo. A Fraternidade da Rosa--Cruz tem a missão de realizar este pro-cesso em nossa época.

Quem está nesta senda deve manter--se em equilíbrio com a luz que o toca.Deve deixar-se orientar continuamentepor esta luz. É a quarta balança. Ossentimentos ditos bons e religiosos emnada ajudam neste processo. As idéiashumanitárias não são suficientes. Elaspodem atenuar as conseqüências decausas desconhecidas, mas não têm opoder de eliminar estas causas. Na me-lhor das hipóteses, elas intervêm tem-porariamente no decorrer das coisas,sem obter nenhum resultado libertador.O humanitarismo é o pólo oposto lógicodo imenso sofrimento da humanidadesobre a terra. Mas o humanitarismo nãotem conhecimento da verdadeira causado sofrimento: ele utiliza meios destemundo contra as conseqüências daexistência deste mundo e, desta forma,mantém o mal.

A senda oculta não está à procura denenhuma libertação. Os exercícios e ex-periências nas regiões sutis somenteaumentam ainda mais o aprisionamen-to, especialmente no “além”. Estas re-giões sutis pertencem ao corpo da terrae não representam de modo algum oNirvana dos budistas, nem o Reino dosCéus dos cristãos. Esta região não pas-sa de um espaço onde o mundo, talcomo o vemos, se reflete. Os rosa-cru-zes a chamam de “esfera refletora”.

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O ocultista não se deixa levar porseus sentimentos. Por meio de exer-cícios, de meditação, de manifestaçãoou estímulo de certas forças, ele dirigetoda a sua vontade para revelar o queainda está oculto às pessoas inexpe-rientes. Mas, por detrás destes véus quesão assim levantados, ainda não seencontra a porta da liberdade eterna. Eé assim que o homem, cego, vai entran-do nas regiões ditas “superiores” daesfera refletora.

OS CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS E

OS PODERES CONFERIDOS

O homem religioso, o teólogo, orientasua vida a partir dos conhecimentos edo poder de autoridades que, por suavez, se deixam dirigir por influênciasexteriores, e não pela revelação interior.

O humanitarismo, o ocultismo e ateologia continuam dependentes dasregiões em que operam. Estão submeti-dos às leis da natureza tridimensional enão podem ultrapassar seus limites. Poresta razão, mesmo que sejam capazesde trazer temporariamente um pouco deluz e de compreensão, não conseguemlivrar-se da roda do nascimento e damorte.

Atualmente, o ser humano — comoindivíduo e como célula da humanidadeinteira — está sendo conduzido parachegar cada vez mais perto da quintabalança. Cinco é o número da nova al-ma liberta. É por esta razão que a estre-la de cinco pontas brilhou em cima dagruta em que Jesus nasceu. A alma divi-na desenvolve-se no que há de maisprofundo e de mais oculto no ser huma-no. É um momento que está descrito naherança espiritual de cada povo. Comesta “semente deste Espírito divino” de-ve começar o processo de libertação in-terior. Se uma pessoa completa a sendarosa-cruz, a alma que se tornou adulta ére-ligada ao Espírito. Os rosa-cruzeschamam a isto de: “As núpcias al-químicas da alma e do Espírito”.

Antes que a personalidade que seentrega conscientemente a este proces-so possa entrar na região astral superiorda Gnosis — o Templo de Iniciação —ela deve ser pesada na balança de ourocom sete pesos: esta prova é descritano livro As Núpcias Alquímicas deChristian Rosenkreuz. No Templo deIniciação, a qualidade da alma deve sersuficiente para satisfazer às condiçõesda Comunidade Absoluta das AlmasImortais, o que não tem nada a ver como cumprimento da justiça terrestre: tra-ta-se de uma prova onde somente o Es-pírito divino decide.

A pesagem com os sete pesos deve,portanto, acontecer antes que se possadar o passo seguinte na senda da trans-formação completa do ser. Então, mui-tos entram rápida e indignamente noTemplo de Iniciação, sem estar prepara-dos, ou sob falsos pretextos. Então, dizChristian Rosenkreuz, eles devem dei-xar a ordem da justiça rebaixados e co-bertos de vergonha.

A BALANÇA DO ÚLTIMO JULGAMENTO

Assim, cada candidato será pesado.E, se ele conseguir passar pela quintabalança, ele segue em frente, para asexta balança, a mais importante: acruz. Apesar de este símbolo estar gra-vado na consciência de centenas de mi-lhões de pessoas no mundo inteiro, eleapenas lembra, para a maioria, umacontecimento histórico que aconteceuna Palestina há vinte séculos. Na me-lhor das hipóteses, a cruz faz vibrar acorda da sensibilidade e é adorada co-mo um símbolo.

Como a balança do julgamento podeentão, ser colocada em equilíbrio? Pelafé? Por uma vida humanitária cheia deamor? Por meio de exercícios de yoga emeditações que reforçam a vontade?Por meio de preces devotas?

Angelus Silesius, místico da Europacentral, bastante conhecido, respondeassim a estas indagações, no século

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XVII: “Ainda que Cristo nascesse milvezes em Belém, mas não em tua alma,estarias perdido”. A edificação da cruzinterior é a condição fundamental docristianismo interior: é uma condiçãoque não foi ensinada às multidões, quecontinuou desconhecida e não cumpri-da. Por isso dizem as palavras no NovoTestamento: “Muitos são os chamados,poucos os escolhidos” (Mateus 22:14).Mas aquele que recebe o sangue deCristo e crucifica com esta força sublimea parte terrestre de seu ser, este haveráde transformar o julgamento em bênção,e o novo homem haverá de ressuscitarnele. É por esta razão que está escrito,na Primeira Epístola de João 1:7 : “Se,porém, andarmos na luz, como ele está

na luz, mantemos comunhão uns comos outros, e o sangue de Jesus, seuFilho, nos purifica de todo o pecado”.

O ser que assim está re-ligado à séti-ma balança, vivenciará como o Amordivino difunde sobre a humanidade suaVerdade e sua Sabedoria para fazer vol-tar a sua Pátria todos aqueles que pas-saram pelas sete provas.

O planeta Vênuscom balança.(1475,Rijksmuseum,Amsterdam.)

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A “HERESIA DUALISTA” DOS BOGOMILOS

No século XII, vivia na Bulgária um

papa chamado Bogomilo, palavra

que significa “amigo de Deus”.

Constatando que a Igreja e seus

dignitários haviam-se distanciado

demais do verdadeiro cristianismo,

ele contestou as idéias religiosas

que admitiam a escravidão, a servi-

dão e a exploração de uns pelos

outros. Bogomilo pregava o cristia-

nismo puro. Sua nova doutrina foi

conhecida em toda a região dos

Bálcãs e muito além dela.

esta parte da Europa, no século XI,uma corrente importante já era recepti-va às influências gnósticas. Isto sempreacontece em tempos e lugares que for-mam um solo propício para nutrir umcrescimento espiritual interior, pois o serhumano é portador de uma semente devida latente imortal e, quando as expe-riências o amadureceram o bastante,ele torna-se capaz de receber o auxíliodivino. Este germe ou núcleo de vidadesperta e uma rica vida de alma vai-sedesenvolvendo. Assim, existe de um la-do um impulso universal que toca o ho-mem até que ele esteja pronto para es-cutar e aprender; e de outro, as circuns-tâncias que o preparam para que ele seentregue e confie em seu guia interior.As condições de vida, geralmente as-sustadoras do século XI, agiam comoum catalisador para o crescimento e odesabrochar deste importante movi-mento conhecido como “os bogomilos”.

A rica e poderosa elite búlgara com-preendia o clero e a nobreza. Os czaresnadavam em opulência e o clero levavauma vida alegre e descuidada graçasaos pobres. As conseqüências deste ti-

po de exploração não tardaram a mani-festar-se e, regularmente, foram explo-dindo revoltas no decorrer das quaisinúmeros padres eram mortos e suasigrejas, devastadas. Mas os campone-ses indagavam-se também cada vezmais qual seria a origem do mal e comoeles poderiam libertar-se dele.

Assim, nos séculos XI e XII, os tem-pos já tinham amadurecido o bastantepara o que se chamou “a heresia dualis-ta” dos bogomilos. Esta heresia apre-sentava, de um lado, aspectos conjuntu-rais e locais; e de outro, ela era alimen-tada por um rico passado gnóstico. Asdoutrinas maniqueístas, principalmente,exerceram uma grande influência. Oque a igreja ortodoxa taxava de heresiacorrespondia, na realidade, ao renasci-mento do cristianismo primitivo sob aforma de um movimento gnóstico. Osmaniqueístas diziam que o mundo, comsuas metades material e imaterial, erauma criação de Lúcifer, o anjo decaído.Os bogomilos o chamavam de Sata-nael, onde o sufixo “el” indica sua ori-gem divina. Em razão de sua queda, es-tas duas últimas letras foram suprimi-das, restando-lhe o nome de Satan(Satã).

Os paulinos da Trácia exerceram so-bre eles uma influência importante. Eleshaviam sido exilados pelo imperador bi-zantino e opunham-se ao cosmopolitis-mo da igreja ortodoxa. Entretanto, os bo-gomilos escolheram a resistência passi-va. Eles formaram comunidades agríco-las que tinham suas próprias leis, leva-vam uma existência retirada e sustenta-vam suas próprias necessidades na me-dida do possível. Eram comunidades deinspiração autenticamente gnóstica.

As igrejas sempre reprovaram o fatode os gnósticos pregarem um dualismoabsoluto e de identificarem o Deus cria-

N

dor do universo com Mamon. Mani tam-bém foi atacado, neste sentido, e por fimfoi exterminado pela casta sacerdotal daPérsia. Este tipo de acusações ba-seiam-se, na maior parte do tempo, narecusa ou na incapacidade de com-preender a doutrina gnóstica. A visãodualista dos maniqueus e dos bogomi-los certamente não identificava a cria-ção de Lúcifer com a de Deus. Segundotodas as doutrinas gnósticas, há, na ori-gem, um só Deus, que se encontra to-talmente fora do espaço-tempo. É oúnico Bem, que preenche o Todo. EsteÚnico Bem comporta o princípio daliberdade absoluta, ou seja, a possibili-dade, na suprema realidade divina, dedesviar-se do plano divino original. NaBíblia, este desvio é chamado de “aqueda”. Logo depois da queda, o ho-mem cortou sua ligação com a fonte ori-ginal; seus poderes espirituais ficaramrestritos e ele tornou-se uma entidadede matéria grosseira, um homem-ani-mal, submetido à morte. O mal, ou opecado no sentido gnóstico, significaviver em desarmonia com o plano divinoprevisto para o mundo e para a humani-dade. A doutrina gnóstica não fala so-mente do monismo original e da realida-de ilusória em que a humanidade sefechou, mas também da possibilidadede sair desta situação: da volta dos se-res humanos aos domínios espirituaisque permaneceram absolutamente pu-ros. É assim que se faz alusão aos do-mínios cósmicos ditos superiores, ondereina o princípio do “todo em um“.

“NÃO COMBATAS O MAL: SUPORTA-O!”

Desta sabedoria provém uma senten-ça que também é sábia: “Não combatas

o mal: suporta-o!” Esta foi uma das re-gras de vida dos bogomilos, como elahavia sido de seus antecessores e foi ade seus sucessores gnósticos. É preci-so liberar o mal, pois ele é incapaz desalvar-se a si mesmo. O verdadeiro malnão é tanto o contraste violento entrericos e pobres, apesar desta injustiçaser, sem nenhuma dúvida, a conse-qüência do mal fundamental: a queda. Épor esta razão que os bogomilos ensi-navam como atacar o mal em sua raiz:adotando um comportamento pacífico,principalmente baseado na compaixão

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Cruz de luz danecrópole deRadimlja, no valedo rio Stolac, nos Bálcãs.

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por todas as criaturas. Assim, eles secolocavam fora de todas as lutas, quesão uma característica do “mundo dacólera” em que todos nós vivemos. En-tretanto, esta conduta provocou a agres-sividade do poder estabelecido, que re-almente sempre seguiu demasiadamen-te o princípio: “dividir para reinar”.

DESVIAR A ASPIRAÇÃO À VERDADE

Os bogomilos exerceram sobretudosua influência nos Bálcãs. No século XIe XII, a Bulgária, a Trácia e a Macedôniaforam seus centros de ação mais impor-tantes. Como a Bulgária era então umaprovíncia do reino bizantino, eles pude-ram facilmente divulgar sua doutrina. Osprimeiros dados que possuímos sobresua atividade provêm de Constantino-pla, por volta do século XI. Nesta época,este movimento ganhou a Sérvia, aCroácia e a Bósnia; em seguida a Itália,o Sul da França, a Alemanha, a Inglater-ra e a Rússia. No início do século XIII, obogomilo Basílio foi condenado e quei-mado sob a ordem do imperador bizan-tino Alexis. No século XIV, foram realiza-dos dois sínodos em Constantinopla,para tentar fazer oposição aos bogomi-los.

Do século XII até o fim do século XV,a Bósnia e a Herzegóvina eram a princi-pal coluna dos bogomilos. Houve mes-mo uma “igreja bósnia”, cujos fiéis eramchamados de “pravi krstjani”: os verda-deiros cristãos. Um documento datadode 1199 adverte o papa Inocêncio deque “uma importante heresia se espa-lhava pela Bósnia” e que um de seuspríncipes já se havia convertido a ela.Falava-se mesmo de 10.000 participan-tes. O papa ordenou, portanto, ao rei daHungria e da Croácia expulsar os here-ges da Bósnia e de apossar-se de seusbens. Finalmente, uma invasão turcapôs fim de uma vez por todas à igrejabogomila da Bósnia. A maioria dos cam-poneses escolheram voluntariamente oIslam. No século XVII, entretanto, os

viajantes contavam que os muçulmanosda Bósnia não somente liam o Alcorão,mas também o Novo Testamento.

Os bogomilos tiveram uma grandeinfluência sobre os cátaros. Muito cedo,eles mantiveram relações, e, quando osbogomilos foram perseguidos cada vezmais violentamente, alguns dignitáriosfugiram para o oeste, onde eles inspira-ram o catarismo em larga escala. Um deseus representantes mais importantesfoi Nicetas, que percorreu o Languedoce reuniu um concílio próximo a Toulou-se, em 1167. Ele chegou a reunir repre-sentantes de vários grupos gnósticos doNorte e do Sul da França, e também naLombardia e, por isso, deu energia àextensão do catarismo no século XIII.

Um dos raros escritos bogomilos quecontinuaram intactos é o Livro dos Se-gredos (Tainate Kniga, Liber secretus)*.É um texto sob a forma de diálogo entreCristo e João, que trata, entre outrosassuntos, do início da criação: na ori-gem, só existia o Deus bom. Sem forma,nem corpo. Este Deus, criou os setecéus sem limites, sem fim e nem come-ço. Deste Deus de Luz proveio Satanaelque, por sua vontade pessoal obstina-da, criou seu próprio mundo. AssimSatã, que originalmente era um irmãode Cristo, tornou-se o anjo da morte.“Por causa de sua arrogância”, dizCristo neste texto, “meu Pai o recriouinteiramente e retirou-lhe sua luz”.

A MORTE CONSUMOU-SE NO FOGO

O papel do homem no decorrer destedrama original é apresentado como sesegue: “Os espíritos das trevas quise-ram atirar-se no Reino da Luz. Eleschegaram até as fronteiras, mas nãopuderam nada empreender contra ele eentão tiveram que ser punidos. Mas oReino da Luz é constituído apenas peloBem; portanto, somente o Bem poderiapunir os demônios das trevas. Parapuni-los, os espíritos do Reino da Luztomaram uma parte de seu próprio reino

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e o misturaram com as trevas. Assim,uma semente penetrou no Reino dasTrevas e aí desencadeou-se um turbi-lhão no qual a morte foi capturada eonde ela recebeu o germe de seupróprio aniquilamento. Lentamente elacomeçou a consumir-se. Ao mesmotempo, surgiu a raça humana, sendoque o homem original proveio do Reinoda Luz e já estava ansioso para mistu-rar-se às trevas para um dia triunfarsobre elas.”

Agora que, no século XX, o mal nova-mente está sendo levado ao extremo,muitos, instruídos pela experiência eatormentados por seu coração, sãoapanhados por um novo desenvolvi-mento. A mensagem dos bogomilos émuito antiga, mas, no entanto, continuabastante atual.

O archote da doutrina gnóstica reto-mado pelos cátaros, hoje é transmitidoaos rosa-cruzes. Estes já não podemretirar-se em pequenas comunidades,mas devem demonstrar sua doutrinapor palavras e atos, no meio de ummundo febril e superpopuloso. A Gnosisnovamente se expande.

O socorro divino manifesta-se atual-mente para o mundo e para a humani-dade, especificado por um númerocrescente de cabeças, corações emãos humanas.

* O texto búlgaro deste livro ainda não foidescoberto. Duas traduções em latim sãoconhecidas. Uma, faz parte dos arquivos daInquisição, em Carcassone (França); aoutra, consta do “Pergamenten Kodex” deViena (século XIV, número 1137).

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A partir da queda, os homens tive-

ram tendência a dissimular sua ver-

dadeira natureza e a máscara sem-

pre desempenhou para eles um

papel importante. Segundo a Gêne-

se (3: 8-10), o primeiro casal huma-

no escondeu-se depois de ter comi-

do do fruto da Árvore proibida do

Conhecimento do Bem e do Mal.

dão e Eva sentiam-se nus porquecolocaram-se fora do campo de vidadivino. Em conseqüência disto, as forçasdivinas retiraram-se para dar lugar àsforças de vida terrestres, que edificaramo corpo terrestre, que tornou-se, destamaneira, o invólucro do núcleo imortalescondido para sempre no mais profun-do do ser humano.

As festas e os bailes de máscarasnos relembram este fato. O carnaval fazparte disto. Esta festa é celebrada, nospaíses católicos, no mês de fevereiro,durante três dias que precedem os qua-renta dias da Quaresma. O mês dejaneiro leva este nome porque havia odeus Janus, o deus latino de duas facesque olhavam ao mesmo tempo o passa-do e o futuro. Ele também é considera-do como o protetor das portas e repre-senta a transformação. Neste sentido,podemos encarar o carnaval como afesta em que tudo o que é proibido écolocado para fora, preparando o quehá de novo. Os protestantes suprimiramesta festa no século XVI, pois já faziamuito tempo que ela já não correspon-dia a sua finalidade e havia degeneradoem deboche.

A luz pode nascer na noite maisescura como o toque do Espírito Santo.É o momento em que o obscurecimentoe a densificação do sistema corporal

atingem um limite em que as máscarasestão mais fortemente atadas. Então aluz abre um caminho no sistema huma-no e desmascara o eu. Os raios quecuram e que santificam perturbam e ani-quilam o processo de densificação e decristalização. Eles arrancam as másca-ras, mas antes de tudo, é preciso que apessoa mascarada reconheça e sintaque ela usa uma máscara!

A MÁSCARA MORTUÁRIA

Inúmeras máscaras foram feitas nodecorrer dos séculos e apresentadasaos homens para que eles se reconhe-cessem nelas. As máscaras mortuáriaseram também confeccionadas tendo emvista rituais da família do morto. Seurosto era moldado em cera ou em metal,para conservar suas características etraços particulares. Aqueles que con-templassem a máscara, percebiam nelaalgo de seu ser. Ao mesmo tempo, amáscara mortuária lembrava aos vivosque um dia eles também haveriam depassar da vida para a morte, o quepoderia estimular o desejo de conhecero significado da vida. Estaria sua vidadirecionada para as coisas terrestres,ou a libertação dos laços da matériaressoava em seu sangue? O mortoseria considerado como um ancestralunicamente do ponto de vista biológico,ou evocaria ele a idéia de uma origemmais profunda, a idéia de Deus?

A MÁSCARA ANIMAL

Por tudo o que foi possível verificar,somente havia, nos tempos remotos,

PERSONALIDADE, PERSONA, MÁSCARA

Máscara dedança simbólicada tribo senufo(FernandCollomb, 1902,óleo, GalerieNoire d’Ivoire,Paris).

A

máscaras de animais selvagens. Ahumanidade deste tempo era confronta-da com sua origem e com suas caracte-rísticas animais. Pouco a pouco ela foiaprendendo a frear seus instintos ani-mais, a rejeitá-los em seu subconscien-te, onde eles levavam uma vida latentee de onde eles ressurgiam à superfícieem certas circunstâncias. Quanto a isto,muito pouco mudou atualmente. Aindahoje os humanos vestem-se de formaestranha, usando máscaras para escon-der sua verdadeira natureza e suas ver-dadeiras intenções; e eles são sempreassaltados pelas forças do passado,tanto individuais quanto coletivas. En-tão, estas forças animais se desenca-deiam e o homem moderno ruge como

uma fera antes de lançar-se sobre seuadversário para decapitá-lo.

As máscaras de lobo, de urso e decorvo evocam uma antiga senda iniciáti-ca de três degraus. O candidato aosmistérios devia encarar o efeito des-mascarador da irradiação divina em suavida e com sua consciência animal ter-restre. A luz divina não lhe mostrava so-mente seu estado: ela também permitiaque ele se desligasse dele.

A PALAVRA “PERSONA” (PESSOA) SIGNIFICA

“MÁSCARA”

Se as máscaras dissimulam, elastambém revelam a natureza interior. Apalavra pessoa vem do verbo latim “per-sonare” que significa “soar através”. Es-ta palavra vem das representações dra-máticas dos antigos mistérios, em queos atores faziam soar suas palavrasatravés de suas máscaras, revelando anatureza profunda da pessoa humana esuas características particulares.

Estas peças de teatro eram basea-das na sabedoria muito antiga que ohomem original faz ressoar através dapersonalidade. A máscara, ou persona(pessoa), é, portanto o invólucro donúcleo divino. A partir de sua origem eda duração de sua vida, esta máscaranão passa de uma ilusão, pois é tempo-rária e não provém da fonte divina origi-nal. A Bíblia afirma, na Primeira Epístolaaos Romanos 2:11 : “Porque para comDeus não há acepção de pessoas”.

A angústia fundamental que repre-senta a experiência interior do “nada” daforma terrestre, está oculta em cadaum. É por isso que nós colocamos atodo o instante uma nova máscara, erepresentamos, assim, a peça de nossavida. O número de máscaras com asquais o eu tenta esconder seu vazio éinfindável. Jamais se cansa de procurarboas idéias para dar à máscara daque-le momento uma vida aparente e imagi-nar que é um deus. Este é um traçomarcante de Lúcifer: querer ser superior

A perfídia.O homem inte-rior e o “eu”mostram-secada um por suavez (CollectionBoudot-Lamotte).

a Deus, enquanto ainda nem ultrapas-sou o estágio de animal!

No momento em que o ser humanodeixa operar em si a luz divina, entãoele começa a ver que ele não é nadamais do que uma máscara vazia.Também é este o momento em que seesboça a libertação. Sempre podemostirar nossa máscara! A transfiguraçãodo homem animal em homem espiritualé possível.

A palavra “máscara” é de origemárabe e significa “gracejo, piada”. Ohomem biológico é uma caricatura dohomem divino.

MEDUSA, A MÁSCARA DO HORROR

A cabeça cortada da Medusa geral-mente é representada como se fosseuma máscara. Medusa significa “sobe-rana”. Aquele que contempla a medusa,nos diz a lenda de Perseu, coloca-sefrente a frente com sua própria angústiafundamental. Esta angústia impenetrá-vel recobre o autoconhecimento comum véu espesso e exclui a compreen-são de seu próprio ser, assim como domundo a sua volta. A pessoa que é ani-mada exclusivamente por forças astraisnão é capaz de vivenciar seu própriovazio interior. Mas Perseu busca a sabe-doria divina e isto lhe é possível, pois oprincípio da vida terrestre está mortodentro dele. Esta base de trabalho lhepermite suportar a visão da Medusa nomomento em que a angústia fundamen-tal se impõe a ele.

Quando nossa máscara é retirada denós, experimentamos a força saudávelda nova alma e todos os valores mudamde significado. O divino, que não existepara o homem terrestre, torna-se entãoo Nirvana, o lugar da infinita plenitude.

O que era utopia e vazio torna-se,então, o Todo. Como Perseu somente vêa Medusa no reflexo de seu escudo, épermitido que ele lhe corte a cabeçavoltando-lhe as costas para não sertransformado em pedra. Então, do corpo

inanimado da Medusa surge, conformediz a lenda, Pégaso, o cavalo alado deinspiração divina.

Aquele que percorre o caminho daendura (o caminho do enfraquecimentodo eu) atrai para si as forças divinas.Surge uma nova personalidade, umnovo homem, que é o homem originalatravés de quem o Espírito divino podefalar. Ele já não carrega a máscara danatureza inferior, porém já não é “en-contrado nu” (Coríntios II, 5:3), pois eleestá revestido de eternidade.

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Segundo a mitologia grega,

aquele que olhasse para a Medusa,

a Górgona mortal, era transformado

em pedra. Perseu, filho de Zeus

e de Danae, recebeu a missão de ir

buscar a cabeça da Medusa.

Para isto, Hermes e Atena lhe deram

sandálias aladas e um manto que o

tornava invisível. Assim equipado,

ele se pôs a caminho, forçou as

Graeae a lhe revelar o lugar onde se

encontravam as Górgnas.

Ele conseguiu entrar lá e percebeu

em seu escudo o reflexo da cabeça

da Medusa adormecida. Aquele

que olhar para esta cabeça coberta

de serpentes, diz a lenda, será

petrificado. Por isso, Perseu,

voltando-lhe as costas, decapitou a

Medusa em pleno sono e, de

seu corpo inanimado, surgiu o

cavalo alado, Pégaso.

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Os sentidos ligam a consciência ao

mundo exterior. Eles asseguram o

contato com o mundo que nos ro-

deia e portanto são necessários pa-

ra a sobrevivência na matéria. Mas

geralmente eles somente são utiliza-

dos para tornar a vida o mais agra-

dável possível e para que possamos

gozá-la ao máximo.

ambém é dito que os sentidos são “osinstrumentos” do desejo. O desejo, avontade, mantém o homem em movi-mento e agita seu coração pois, paraserem satisfeitos, seus desejos o pres-sionam continuamente para a ação.

O homem atual está inundado deinformações — principalmente sob aforma de publicidade — que estimulamseus desejos e o impulsionam a ativida-des sempre novas. Todos estes agui-lhões fazem nascer dentro dele umafome insaciável de posse e uma sedeinextinguível de prazer, que lhe sugeremquase sempre a possibilidade de umafelicidade perfeita e de um máximo deliberdade. Ora, desde que um destesdesejos seja satisfeito, logo ele irá per-seguir outro. Nem bem um desejo écumprido, outro o assalta. Assim, os ho-mens são conduzidos por seus desejosde posse e se perdem cada vez maisem sua liberdade, e seu prazer vai-setornando cada vez mais fugidio e vazio.Ele chega ao ponto que Goethe cita emFausto:

“Mas não tens sempre que engolir oque te agrada?O ouro vermelho,que rola como o mercúrioe escorrega entre teus dedos, semdescanso;um jogo em que ninguém jamais

vencerá;uma mulher que ainda está em teusbraços,mas já está lançando olhares parateu vizinho;a veneração, que desperta até a se-de dos deusese se esvai como um meteoro?”Quanto mais tentamos conservar e

aproveitar nossos bens materiais ouespirituais conquistados com tanta difi-culdade, mais percebemos que tudopode ser retirado de nós. Fausto, o pro-tótipo do buscador da verdade, resumedesta forma esta vivência:

“Não se trata de alegria.Eu me entrego ao prazer inebriante,ao prazer doloroso...”A busca exagerada do prazer gera

sofrimento e tristeza. A maioria dos ho-mens vai percebendo isto, no decorrerde suas vidas, e quem chegou a seu li-mite tenta sair deste dilema. Mas, se elecai no excesso inverso e desliga-se domundo que o rodeia, certamente haveráde perceber, depois de um certo tempo,que esta também não é a melhor solu-ção, pois a ascese ou a mortificação,apesar de sugerir o desligamento domundo, não libertam do aprisionamentoda matéria. Por mais que a ascese ou amortificação sejam dois extremos opos-tos ao prazer, ainda estão ligadas aossentidos.

RENUNCIAR AOS DESEJOS

A necessidade de um certo desliga-mento da consciência em relação aosestímulos da matéria surge claramenteao homem atormentado de nosso tem-po. Mas como chegar a isto? E comoaproveitar a vida sem deixar que o sofri-

APROVEITAR A VIDA OU DESLIGAR-SE DO MUNDO

T

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mento venha interferir? Este é um pro-blema que todos os homens enfrentam,seja rico ou seja pobre, doente ou sau-dável, feliz ou infeliz. Qualquer um queseja capaz de renunciar a tudo o que ésupérfluo, a tudo de que ele realmentenão tem necessidade, vai sentir que nolugar de tudo isto surgirá um desejo denatureza superior.

Uma nova alegria começa a nascerem seu coração: um prazer interior quenada tem a ver com o prazer exterior.Sócrates fala da felicidade interior queele sentia quando ia ao mercado e ale-grava-se em perceber que não tinha ne-cessidade daquilo que se vendia por lá.Ele sentia-se livre de todas estas coisas,pois elas já não podiam prendê-lo, poiselas já não sensibilizavam sua cons-ciência. Ficava alegre, sentindo estaliberdade interior que ninguém poderiaroubar dele. Já não sentia necessidadede coisas materiais, já não sentianenhum desejo em relação a elas.

Quando percebemos que tudo o quepudermos juntar e possuir no mundonão passa de um simulacro, de uma imi-tação, então é possível virar as costas,sem esforço, e tomar nova direção, ru-mo à aquisição de um bem imperecível,como se buscássemos uma herançaque espera por nós. Este bem já nãotem nada a ver com o prazer. Na verda-de, já não se trata de um bem, mas deum estado de ser interior, que traz con-sigo uma alegria silenciosa que somen-te aparece quando o buscador da verda-de já renunciou a tudo o que ele aindaachava que era importante: então, ele jánão vive somente para sua própria satis-fação, mas para servir a seu próximo.

O DESPERTAR DE NOVOS SENTIDOS

Esta alegria silenciosa é a dimensãoreligiosa do “prazer”. Para quem já nãoestá submetido aos desejos das coisasexteriores, elas vão-se tornando trans-parentes. O que está por detrás delas,assim como tudo o que ainda está ocul-to, vai-se tornando pouco a pouco claroe evidente. Ele já não corre atrás dascoisas, mas as vê desfilando diantedele, sem que elas o sensibilizem.

Um “prazer” deste tipo provém dodesejo profundo da alma de unir-se a

Corte de cérebrohumano. No centroencontra-se apineal, que segundoDescartes deve serconsiderada como asede da alma(Biblioteca deGenebra, Suíça).

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“Disse o Senhor a Caim: Onde está

Abel, teu irmão? Ele repondeu: Não

sei. Acaso sou o guardião de meu

irmão?” (Gênese. 4:9).

Esta resposta de Caim a Deus é tãocélebre que para muitos ela tornou-seum lugar comum. Ora, mesmo que estapergunta não tivesse sido feita, há mi-lhares de anos, ela seria um dado fun-damental e bem conhecido do compor-tamento dos seres humanos em relaçãoaos outros. Não são apenas as institui-ções religiosas, humanitárias, sociais epolíticas que estudaram esta respostade Caim, mas ela se coloca a cada serhumano, individualmente: “Onde está oteu próximo?” Ora, este é um problemado qual todos fogem, espontaneamente.Gostaríamos realmente de ser guar-diães de nossos irmãos? E do ponto devista pedagógico, um tipo de proteçãocomo esta seria razoável? Não seriaerrado, psicologicamente, ajudar osoutros? Afinal, isto poderia levar a dis-túrbios de comportamento daqueles dequem somos os “guardiães”.

GUARDIÃES DA ALMA

A pergunta de Caim que consta napassagem bíblica é, na realidade, umaresposta à pergunta de Deus: é umaresposta que expressa sua recusa deser responsável por seu irmão. Umguardião é alguém que protege e velapor alguém, mas quem é este alguém?Em primeiro lugar, é a alma divina. Caimdeve, portanto, ser consciente da ativi-dade de seu “irmão”, que é a alma. Seele chega a isto, ele também podeencontrar uma resposta à indagação

seu Criador. A alma aspira à verdadeiraposse: seu lugar legítimo no mundo divi-no, do qual ela está apartada por seusdesejos terrestres.

Este desejo profundo de alcançar seuverdadeiro ser e a verdadeira vida, final-mente é preenchido em um sentido su-perior. O que o homem pleno de aspira-ção ainda conservava transforma-se emliberdade: sua renúncia torna-se suaposse, seu mais profundo desejo torna--se a suprema realização.

Mestre Eckhart diz que ninguém émais dono do mundo do que aquele quedele se desligou. Aquele que aprende odesligamento consciente, a fim de darlugar ao novo, que conhece a felicidadedesta nova liberdade, percebe que nelevão-se desenvolvendo novas atividadessensoriais que re-ligam sua vida interiorà vida original da humanidade, a vida doReino de Deus. Estes novos sentidosnão são destinados aos prazeres davida terrestre, mas ao serviço no mundodivino.

“POR ACASO SOU O

GUARDIÃO DE MEU IRMÃO?”

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sobre o que é bom ou mal para a alma.Assim, ele é o guardião de seu próximo,o guardião da alma original que Deuscolocou perto dele. Este guardião tem opoder de levar seu irmão a seu ponto departida através de todas as agitações esofrimentos da vida terrestre.

O GUARDIÃO DE SEU PRÓXIMO

Até que ponto um ser humano podeser, na terra, o guardião e o protetor deseus irmãos e irmãs? Até que pontosomos igualmente responsáveis pelasalvação da alma de nossos semelhan-tes? O escritor alemão Max Brod, emseu livro Die unheimliche Stadt narra oseguinte: “Um rabino está sentado emseu escritório, mergulhado em um livrosagrado. Seu filho de onze anos,seguindo seu exemplo, estuda o Talmudna escola. Fazendo sua lição de casa,ele chega a um ponto que não com-preende e decide pedir uma explicaçãoa seu pai. Mas, abrindo prudentementea porta de seu escritório, ele grita. Seupai está perto da janela, cadavérico, tre-mendo de excitação. O menino corre àjanela para ver o que se passa. Lá fora,na luz pálida do começo da manhã, háum homem pobremente vestido pertoda lenha empilhada ao longo do murodo jardim, que pega um graveto e oesconde debaixo de seu casaco compri-do. Então o rabino se inclina para fora egrita: “Não é de ninguém!” Depois, elese acalma e sua fisionomia irradia felici-dade. Como se nada tivesse acontecido,ele volta a sua mesa e mergulha nova-mente em seu livro. Neste momento omenino compreende por que seu paiestava tão excitado. Ele não estava comraiva pelo roubo cometido, mas via que

um irmão agia contra um dos manda-mentos de Deus e que seu pecado umdia seria julgado no tribunal divino.Assim, ele havia gritado: “Não é de nin-guém!” para que o o ladrão não fossemais um ladrão, mas somente um pobrehomem que juntava lenha para se aque-cer.

PARA QUEM REPOUSA EM DEUS, NÃO

EXISTE NEM EU, NEM OS OUTROS

Não bastava que o pai perdoasse oladrão gritando: “Não é de ninguém”?Realmente este é um grande e nobretestemunho de sua bondade e de seuamor ao próximo. Seria o resultado dotriunfo de sua inteligência sobre a faltade seu próximo, do outro? Não, mas suaalma estava tão completamente entre-gue a Deus que ele já não via a diferen-ça entre ele e seu próximo e já não rea-gia da maneira mais comum. Não setrata da virtude que consiste em serbom e agir bem, pois a alma não conhe-ce este tipo de considerações. Ela mos-tra a todos os que lutam um outro cami-nho de compreensão. Podemos admitirque neste momento o rabino chegoubem perto do amor divino.

“O Tao não é divisível. Dividir o Tao équebrar a unidade”, diz Tchuang Tsé.Lao-Tsé diz, sobre isto: “O sábio semprese excede auxiliando os homens, e nãorejeita nenhum“. Quem é capaz de esta-belecer em si esta realidade viventepoderá ser, no verdadeiro sentido dotermo, “o guardião de seu irmão”.

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A LEI DO DESTINO

Em uma loja de souvenirs havia uma

estatueta de uma mulher com os

olhos vendados. Em sua mão es-

querda ela segurava uma balança;

com sua mão direita, uma espada.

Somente um turista estava cons-

ciente do significado desta repre-

sentação.

á no antigo Egito representavam ocoração de um morto sendo pesado emuma balança em contrapartida com umapluma — o hieróglifo “maat” — que esta-va colocado sobre o outro prato dabalança. O Antigo Testamento contaque, sobre a parede do palácio de Bal-tazar, uma mão traçou as seguintes pa-lavras: “Mené, Mené, Tekel, Upharsin”,que significa “Deus contou teu reino enele pôs um fim. Foste pesado na balan-ça e foste encontrado leve demais”. Aíestá uma imagem, um símbolo, umaverdade oculta que, se for desvelada,pode ser de tal importância que podemudar totalmente a vida de um ser hu-mano.

A deusa de olhos vendados que em-punha a espada chama-se Nêmesis. Elaé o símbolo da justiça que regulamentae coloca tudo em equilíbrio com suabalança. Esta lei é exercida “sem darpreferência a ninguém”, sem preconcei-to, sem ódio e sem alegria, o que expli-ca a banda sobre seus olhos. A lei deNêmesis faz de tal modo que todos osatos, pensamentos e sentimentos hu-manos — individuais e coletivos — se-jam seguidos de uma reação destinadaa restabelecer o equilíbrio. Por estarazão apresenta-se com a espada deduas lâminas: ela recompensa ou retifi-ca. Cientificamente falando, dizemosque toda a ação acarreta uma reação.

J

”Mené, mené,tekel, upharsin!”A mão escreveum julgamento emletras de fogo naparede. O festimde Baltazar.Rembrandt, porvolta de 1600,National Gallery,Londres.

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Na Bíblia, é dito (Epístola de Paulo aosGálatas, 6:7): “Aquilo que o homemsemear, isto também ceifará”. E, noLivro dos Provérbios de Salomão (22:8):“O que semeia a injustiça segará ma-les”.

Na natureza divina original, esta leicorretiva não age, pois não existe ne-nhuma polaridade. Por outro lado, a na-tureza decaída é polarizada e tudo aquise manifesta continuamente entre doisextremos. Entre estes dois pólos inter-vém a lei corretiva de Nêmesis. Em ummundo onde o bem não é uma caracte-rística particular, mas a expressão datotalidade, onde a Luz é uma força quetudo penetra, que tudo engloba, a trevanão tem espaço e portanto não hánenhuma necessidade de retificação oude recompensa.

Apesar de o homem curvar-se sob ojugo da lei corretiva — também chama-da de lei do karma — esta lei tambémpermite que ele encontre ou retome ocaminho da libertação interior. No movi-mento de vai e vem entre felicidade einfelicidade, pobreza e riqueza, fracassoe sucesso, amor e ódio, despeito e sa-tisfação, simpatia e antipatia — movi-mento que pode envolver inúmerasvidas — a voz daquilo que chamamosde reminiscência faz-se ouvir de temposem tempos. Às vezes ela é muito fraca,quase inaudível. Desde o momento emque esta voz ressoa em meio a preocu-pações pessoais e impulsiona a pessoaa retirar-se deste movimento alternado,nasce um buscador: ele parte em buscada origem deste chamado, desta vozinterior.

É assim que ele vagueia de uma bali-za a outra, muitas vezes quase inunda-do pela multiplicidade de idéias que faznascer correntes ocultistas, místicas ereligiosas no oceano de sua vida pes-

soal. Este vaguear, esta busca, podeocupar muitos anos, e até mesmo mui-tas encarnações do microcosmo. Masele continua a buscar, até que descobreque a verdade não está dissimulada emlivros grossos ou pergaminhos amarela-dos, nem em casas de oração, nem estácom os gurus e mestres sublimes, masque ela se esconde, desde tempos ime-moriais em seu próprio coração.

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QUEM BUSCA ESTE CAMINHO DENTRO DE

SEU PRÓPRIO CORAÇÃO?

Apesar de ser um animal, segundosua manifestação material e mortal, oser humano deve fazer crescer sua ima-gem original em seu microcosmo, poisele é chamado a tornar-se semelhante aDeus. O enigma da Esfinge o colocadiante do tríplice mistério de sua vida:

• De onde venho? Qual é minha ori-

gem?• Quem sou, no mais profundo de

mim mesmo?• Para onde vou? Qual é meu destino

na criação?As respostas a estas indagações so-

mente chegam até nós na luz que rece-bemos no caminho da libertação inte-rior. Enquanto a reminiscência sobre aqual já falamos ainda não tenha faladodentro de nós, não poderemos resolverconvenientemente este tríplice enigma.

Leonard Euler(1707-1783),matemático ecléti-co de Basiléia,ilustrou a interde-pendência e amútua influênciados campos mag-néticos dos sis-temas solares edos corposcelestes (Extraídoda Theoria motu-um planetarum etcometarum,Berlim, 1744).

Teseu noLabirinto. O fiodado porAriadne deveauxiliá-lo aencontrar asaída (Estudopor E. BurneJones, 1862).

O impulso vital e o instinto de conserva-ção nos mantêm sempre prisioneiros danatureza decaída por milhares de seuslaços. As potestades e as forças quetentam manter o homem decaído não odeixam em paz um só segundo. Elas oagrilhoam e o perseguem no círculo desua existência terrestre... até o esgota-mento de suas forças vitais e até que aroda que faz girar sua vida pare. Estavida não é limitada? Sim! Ela realmentenão tem nenhum sentido! Então segueum novo périplo através da matériagrosseira, na esperança de que o acú-mulo de experiências — geralmenteamargas — finalmente faça com que oouvido interior fique receptivo à voz inte-rior. “Então, quais são as razões de mi-nha existência, aqui embaixo, na terra?Será que nasci por acaso, como umsimples fenômeno da natureza? Seráque fui formado pelo destino? Será quefui colocado no mundo para atuar tantomal quanto bem, subindo e descendo,

sentindo regozijo e sofrimento, sem terescolhido isto? Por que o destino me feznascer nesta raça, neste povo, nesta fa-mília? Qual é a lei que determina a reli-gião na qual devo viver? Que destinodetermina minha vida, minha saúde boaou má? O que é que decreta quantotempo ainda devo continuar neste cami-nho sem saída? E o que vai acontecerquando minha viagem chegar ao fim equando eu abandonar meu corpo comouma roupa velha e gasta? Onde irei en-tão? Por que o destino é diferente paracada pessoa?”

SOU UM BRINQUEDO NAS MÃOS DO ACASO?

Não há acaso nem no visível nem noinvisível. Não há uma evolução cega emecânica por um processo qualquer.Estrelas e planetas seguem uma órbitadeterminada, as coisas vão e vêm, de

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acordo com leis absolutas. A menor par-tícula que a ciência descobriu faz parteda grande organização universal e tes-temunha de um único e grandioso planode desenvolvimento. Hermes Trismegis-to expressa esta coesão geral pelas pa-lavras: “O que está embaixo é como oque está em cima; o exterior é como oque está no interior”. E o escritor MikhailNaimy, no Livro de Mirdad diz: “O acasoé o brinquedo dos sábios; os loucos sãoo brinquedo do acaso”.*

A RESPONSABILIDADE DE SEUS ATOS

A lei de Karma-Nêmesis surge quan-do a edificação do poder mental doshumanos já progrediu a ponto de serpossível torná-los responsáveis porseus feitos e gestos. Se uma criançacomete faltas em sua inocência e in-consciência, ela não pode ser tida comoresponsável. A humanidade encontrava--se na mesma situação quando aindaera guiada do exterior. Ela ainda tinhamuito pouca consciência para ter depagar por seus erros eventuais. Mas,desde que o quarto veículo, o podermental, desenvolveu-se, ela foi submeti-da a leis que diziam respeito à moral e àrazão. Conseqüentemente, é claro, eladeve obedecer a estas leis e fazer comque sua conduta esteja de acordo comelas.

Este processo de desenvolvimentodeveria ter terminado no final do perío-do cristão. O Novo Testamento o confir-ma: “Não penseis que vim revogar a leiou os profetas: não vim para revogar,vim para cumprir” (Mateus, 5:17), eJoão testemunha (1:17): “Porque a lei foidada por intermédio de Moisés; a graçae a verdade vieram por meio de JesusCristo“. Na Primeira Epístola aos Roma-nos 10:4, Paulo diz a este respeito: “Por-que o fim da lei é Cristo para a justiça detodo aquele que crê”. Enquanto nãocompreendermos as exigências do cris-tianismo — para não dizer enquantonão cumpri-las — a lei do karma conti-

nua a operar, a lei de causa e efeito: ale-gria e sofrimento, assim como toda agama cheia de nuanças das forças con-trárias acompanharão inevitavelmente ahumanidade sem rumo.

Muitos sábios esclareceram estasleis. Não para conduzir os homens de-caídos no sentido de fazer o bem pormedo do mal, ou para agrilhoá-los coma esperança de uma recompensa, tantoaqui embaixo como no além, mas paramostrar-lhes que um dia eles deveriamdesligar-se conscientemente da duali-dade da vida terrestre. É uma sendaque colocará o buscador sério da verda-de face a face com o processo que éresumido por estas palavras: “Jesus, acruz e a ressurreição”.

O filósofo holandês Baruch Spinoza(1632-1677) que foi expulso da sinago-ga por causa da liberdade de suasidéias, escreveu em sua Ética (1677):“Aquele que é dirigido pelo medo e quefaz o bem para evitar o mal, não é guia-do pela Razão”. Agora que a humanida-de entrou na era de Aquário e que eladeve deixar a fase de desenvolvimentoanterior e daí tirar suas conclusões, omundo inteiro testemunha que está sub-metido às tumultuadas retificações deNêmesis, na seqüência de inúmeros sé-culos em que a humanidade deixou deouvir completamente às exigências doplano divino. A conta dos atos errôneosou não cumpridos nos foi apresentada.Os sinais que prenunciam a nova era játraçam suas linhas de força no éter domundo, agora que muitos, em suacegueira, continuam voltados para opassado, sem querer nem poder voltar--se para contemplar a aurora nascente.Mas também são inúmeros aqueles quesão sensíveis a ela e já reagem aosacontecimentos que a anunciam. En-tretanto, por falta de conhecimento oude orientação, eles rapidamente per-dem o rumo e ainda têm de dividir a sor-te com aqueles que continuam ficandopara trás. Nestes momentos, pareceque a maior parte da humanidade já sedesviou demais da fonte original e quemuitos estão curvados sob o peso de

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um fardo insuportável que os impede devoltar. É por isso que a Escola Espiritualda Rosacruz Áurea esforça-se por es-tender o fio de Ariadne a todos os queum dia poderão descobrir sua “Pátriaoriginal” a fim de conseguir sair do labi-rinto das idéias religiosas, se realmenteeles o quiserem, de verdade! Afinal, nãose trata de uma nova filosofia, nem daenésima versão de um pensamentoespiritual, nem do restabelecimento develhos valores, de métodos ocultos, oude técnicas de meditação, mas do cami-nho libertador, da força regeneradoraque abre o caminho de transfiguraçãoàquele que busca.

DEIXAR TUDO NA FRONTEIRA

As escolas espirituais autênticas edi-ficam e mantêm um corpo ou campognóstico, com a única finalidade de in-troduzir no processo de transformaçãofundamental aqueles que se encontramnesta “no manís land” (terra de nin-guém) que é a região fronteiriça. A Es-cola Espiritual atual chama a este esta-do como a consciência de Efésio —estado no qual o homem começa a per-ceber as aparências e a relatividade daexistência da vida terrestre. Quem che-gou a esta fronteira, sem dúvida estápronto para rejeitar seus supostostesouros para seguir, em perfeita con-fiança e entrega, e com uma fé sólida,seu ardente anseio por regeneração,seu desejo de unificação com seu Cria-dor.

Para estes buscadores, é certo que aatual Escola Espiritual Internacional daRosacruz Áurea, o Lectorium Rosicru-cianum, tem algo a dizer. O número da-queles que não se contentam mais comas autoridades estabelecidas e paraquem as velhas instituições religiosasesvaziaram-se de sua substância cres-ce rapidamente. Em quase todos os paí-ses, aumenta o interesse por tudo o quea Rosacruz Áurea transmite ao verda-deiro buscador da verdade. Em todas as

partes do mundo elevam-se as vozesdaqueles cuja fé, aspiração e experiên-cia estão baseadas no mais puro cristia-nismo interior. Eles começam por deixarde lado as regras e os dogmas e que-rem seguir seu próprio caminho. Assim,livres, eles buscam um grupo ou umacomunidade que corresponde a suasaspirações e onde podem encontrar acompreensão e a força necessárias pa-ra seguir adiante no caminho de suasvidas. Não se trata de fugir do destino,mas de despedir-se interiormente destavida de prisioneiro que eles antigamen-te se impunham. Impulsionados por umprofundo desejo de liberdade, eles aspi-ram à reconciliação com a lei divina queprotege o homem e o leva de volta parasua verdadeira Pátria.

Se a alma renasce um dia e conse-gue crescer, se ela encontra um dia oáureo caminho do meio, então as retifi-cações vão sendo cada vez menos ne-cessárias e o destino finalmente darálugar à lei da nova vida, da nova alma, alei do Amor divino que, assim como osol que irradia para todos, bons oumaus, transmite-se sem distinção a todaa criação.

* Mikhail Naimy, O Livro de Mirdad,Lectorium Rosicruciaum, 1987, terceira edição.

27

A palavra distingue o homem das

formas de vida pretensamente infe-

riores. A linguagem pode influenciar

os pensamentos e os sentimentos

de um modo quase sempre bem

mais cheia de nuanças do que os

outros sentidos. A pessoa se mostra

tal como ela é por meio de sua lin-

guagem. Às vezes, as palavras fa-

zem sofrer mais que a violência

física, mas elas também têm a capa-

cidade de romper correntes e indicar

a senda de libertação.

bom que nos indaguemos como osseres humanos “nutrem” mutuamenteseus pensamentos e sentimentos, pro-nunciando ou escutando palavras, esobre o efeito que as palavras têm sobrea vida dos outros.

Vivemos em uma época em que esta-mos mergulhados em palavras. Todo otipo de método oratório permite a umhomem de negócios, por exemplo, ou aum político, ficarem acima de seus se-melhantes. A discussão quase sempreleva ao ostracismo e à agressividade.Emprega-se o poder de sugestão da lin-guagem publicitária para implantar noscorações objetivos e desejos, a fim delevar as pessoas à ação direta. Assim,palavras perderam seu significado origi-nal e estão carregadas de forças ego-cêntricas. Palavras vazias dão testemu-nho de uma civilização vazia, em quetodos os homens e as múltiplas forçasde vida sobre a terra são levados à des-truição.

AS PALAVRAS CRIADORAS

Até que ponto uma palavra é criado-ra? E de que tipo de criação estamosfalando? Quem, depois de um longo diade trabalho, reflete sobre o que este dialhe trouxe, percebe que muitas palavrasforam pronunciadas de um modo total-mente automático, enquanto que outraseram vazias ou incompletas e que algu-mas, talvez, alcançaram o caminho docoração de alguém que estava sofrendo.

Nos antigos mistérios, a palavra ser-via para designar um campo de vidatotalmente diferente deste campo demorte. Esta palavra era qualificada de“criadora”, pois ela era capaz de evocarnovas forças e novos poderes nos que aouviam. É por isso que o “Salvador” tam-bém foi chamado de “a encarnação daPalavra”. Nos mitos, nas lendas e tradi-ções, as palavras quase sempre têmuma outra significação, diferente dasque possuem na vida cotidiana. Assim,a palavra “Deus” evoca, para alguns, umhabitante do céu com aparência huma-na, mas poderoso, justo e perfeito,enquanto que, para aqueles que vêemnesta palavra uma força criadora, elaevoca uma força impessoal e impenetrá-vel, de um poder infinito: o amor ou acausa primeira, que tudo penetra.

A palavra “morte” significa para amaioria o fim da existência corporal.Mas, para aquele que compreende a pa-lavra criadora, esta palavra evoca o en-fraquecimento da antiga personalidadeinferior na alma superior imortal e divi-na. “Morro a cada dia”, diz Paulo. Não setrata de uma morte cheia de sofrimentoe de tristeza, mas de uma elevação coti-diana rumo ao divino, de tal modo que avida inferior continua, por si mesma,ficando para trás. Jacob Boehme diz:“Aprende a morrer antes de morrer:assim, serás capaz de morrer na horade morrer” (Epitáfio escrito na igreja de

O PODER DA PALAVRA

É

28

São João, em Gouda, na Holanda). Apalavra “vida” geralmente faz alusão aolapso de tempo entre o nascimento e amorte. Mas, para alguns, a vida significao estado de ser do homem desperto, dohomem divino. Comparado com esteestado, a vida terrestre é sinônimo demorte.

UMA NOVA COMPREENSÃO DA PALAVRA

Quem estuda as tradições sagradascom relação aos diversos significadosda palavra, descobre por si mesmo epor outros uma nova dimensão: aPalavra da alma imortal. O intelecto écapaz de captar a significação profundae implícita de uma palavra. Para isto, épreciso, principalmente, ter consciênciade que cada palavra está carregada poruma certa força, e que esta força deter-mina o efeito desta palavra: será que elaé criadora, no sentido gnóstico, ou des-trutiva, no sentido terrestre? Esta cons-ciência indispensável se desenvolvequando o núcleo divino do coração daforma humana está em relação com apalavra criadora: a Palavra, o Verbo.Então, já não é somente o significado da“Palavra” que iremos captar claramente,nem a força da “Palavra” que iremosvivenciar, mas poderemos discernir tam-bém nitidamente a diferença que existeentre ela e a palavra comum.

Pela “Palavra criadora original” oCriador fala a sua criatura, cujo coraçãodeve tornar-se silencioso, a fim de poderouvi-la. É por isso que Lao-Tsé diz: “Sepudéssemos exprimir o Tao, já não seriao Tao eterno; se pudéssemos pronunciara palavra, já não seria a palavra eter-na”.*

O conceito chinês que traduz a pala-vra “Tao” é comparável à Palavra criado-ra da Gênese. Os que conseguiramcompreender esta “causa primeira” eque aprenderam a ser e a agir em con-formidade com ela transformam-se a sipróprios e transformam a face do mun-do. Eles não têm necessidade de buscar

e de inventar palavras novas, pois,quando seus atos seguem esta direçãooriginal, que é nova para eles, suaspalavras agem de forma diferente,sendo capazes de libertar em outraspessoas a divina fonte interior.

Graças à Palavra, a vida de um serhumano se distingue da vida inferior,pois esta Palavra tem a capacidade deromper as correntes e de indicar o cami-nho de libertação.

Mulher datribo Massa(WernerPeiner,Düsseldorf,1897) * Tao Teh King, capítulo l

30

“Amai os vossos inimigos”, diz Jesus

no Sermão da Montanha: tarefa apa-

rentemente irrealizável. “Amai os

vossos inimigos... mas a qualquer

que te ferir na face direita, volta-lhe

também a outra; ao que quer de-

mandar contigo e tirar-te a túnica,

deixa-lhe também a capa” (Mateus,

5:44. 39. 40). O que resta destas

palavras além de um frio dia de in-

verno? Mas... um certo Martinho,

dando a metade de seu casaco a um

pobre mendigo não as explicou da

forma mais santificada? Por que en-

tão dar mais?

stas palavras de Cristo foram e sem-pre têm sido interpretadas e esclareci-das de modo diligente, e muitos tentamcumprir esta tarefa ao pé da letra. Rapi-damente, entretanto, estas pessoas co-meçam a descobrir que mais vale deixarde interpretá-las literalmente como umaexigência tão excessiva: melhor ainda, épreferível renunciar a ela, pois quemage de acordo com estas palavras deCristo acaba minando a própria base desua vida.

Qual é a posição de outros movimen-tos religiosos quanto a este assunto?Será que o budismo, por exemplo, colo-ca uma exigência tão extrema a seusadeptos? Isto não está escrito em ne-nhum lugar, mas diz-se que Gautama,ou Buda, tirava do caminho até mesmoos besouros que encontrava, de medode os esmagar. Não eram seus inimigos,mas não é possível imaginar que al-guém que prova ter uma atitude comoesta não esteja cheio de amor por seusinimigos ou que vá a seu encontro semclemência.

Quem vê Cristo ou Buda como ho-mens com uma moral particularmenteelevada, rapidamente se engana. Afrase dos maniqueus: “Ao mal, oferece oamor” certamente conduz aquele quebusca para um pouco mais perto de seuobjetivo. Realmente, não se trata de nin-guém em particular, mas do mal en-quanto fenômeno. Entretanto, também épossível haver um mal entendimento,pois qual seria precisamente o mal aque esta frase se refere?

VIVER FORA DE DEUS OU VIVER

CONSCIENTEMENTE EM DEUS

Os maniqueus, os bogomilos, os cá-taros e os movimentos gnósticos da Ida-de Média aderiam à doutrina das duasordens de natureza. No século XX geral-mente falamos a respeito destas reli-giões como “dualistas” mas realmentenão se trata da mesma coisa. De acordocom a doutrina puramente gnóstica, oconceito de “mal” se relaciona a tudo oque pertence à natureza dialética, etambém à vida material perceptível, co-mo as formas de vida menos densas,situadas no além. Neste sentido, “o mal”não é o mal que se opõe ao bem destemundo, mas “a vida separada de Deus”.Que se opõe à “vida consciente emDeus”. O bem e o mal terrestres são,portanto, relativos e dependem de cir-cunstâncias que vão mudando a cadadia. Eles são opostos um ao outro comoos dois pólos de um só e mesmo campode força e, como tais, mantém o movi-mento deste campo.

Quando os maniqueus diziam: “Aomal, oferece o amor” eles estavam que-rendo dizer que é preciso aniquilar e de-sintegrar o mal absoluto e substituí-lo

“AO MAL, OFERECE O AMOR” (Preceito maniqueu)

E

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pelo amor absoluto.É evidente que chamar isto de amor

significa algo completamente diferentede ter como objetivo “um bom comporta-mento” baseado sobre uma moral, poisserá que, depois de um certo tempo, oestado dialético da vida pode realmenteser aniquilado por este procedimento? Aidéia dos maniqueus era, portanto, aseguinte: transformar a irradiação denatureza divina em uma força que en-volve o mundo e a humanidade para im-pulsioná-los para seu verdadeiro desti-no. Para conseguir isto, é necessáriorealizar uma revolução interior, umacompleta reviravolta do ser interno, quecomeça quando este ser volta-se cons-cientemente para a fonte de toda a vida.Triunfando sobre o ser terrestre, ele dálugar ao plano de desenvolvimento divi-no original.

Este convite é dirigido a todos os queseguem Cristo até o pé da montanha,onde ele pronunciou o Sermão da Mon-tanha: “Vendo Jesus as multidões, subiuao monte, e como se assentasse, apro-ximaram-se os seus discípulos dele”(Mateus, 5:1).

A FORÇA CRÍSTICA IMPESSOAL

Todos estes buscadores da Verdadesuprema desempenham o papel detransformadores da força crística cósmi-ca em uma irradiação que tem o poderde agir sobre a terra, mesmo sem per-tencer ao campo de vida mortal. Estaforça é impessoal e irradia sobre tudo esobre todos. Ela é plena de amor pelomundo e pela humanidade, mas não domodo que os homens gostariam. Oamor divino nada pede para si, mas pe-netra a criação inteira e mostra o estado

de vazio interior a cada criatura que oabandona, para que cada uma delaspossa tornar-se consciente de estarapartada de Deus.

As reações são as mais diversas, va-riando da recusa total do amor divino atéa uma imitação que se dá para tentar,deste modo, corrigir a dispersão domundo e torná-lo aceitável por Deus.Oscilando entre o bem e o mal ter-restres, sempre cada vez mais “almasmortas” vão despertando e compreen-dendo, então, que não se trata de corri-gir o mundo, mas de vencer as forçasque impedem que a alma possa retornarpara o “reino que não é deste mundo”.Então, elas doam seu amor ao mal, paralibertar os humanos de sua prisão.

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AGITAÇÃO OU EQUILÍBRIO INTERIOR

“Sois vós mesmos quem criais o

tempo; os sentidos são o relógio. Se

parardes o movimento do pêndulo,

então o tempo deixa de existir”

(Angelus Silesius).

m relógio comporta um mostrador, di-versas rodas que se engrenam umas àsoutras e a âncora que transmite ao pên-dulo a força da engrenagem. O pênduloé uma peça que vai e vem, oscilando,com um movimento uniforme que regulao tempo. Também podemos considerá--lo como o coração do relógio. Quandoseu movimento cessa, o relógio pára ejá não é possível determinar a marchado tempo.

O funcionamento de um relógio me-cânico e os conceitos que se relacionamcom ele apresentam uma analogia sur-preendente com a frase de AngelusSilesius. Todos os homens sabem o queé movimento. Quem por acaso algumdia teve tempo de fazer tudo o quedevia? O tempo parece estar indo cadavez mais depressa, e nós, os homens,ficamos sem fôlego para segui-lo. Mui-tas vezes gostaríamos de pará-lo, a-chando que teríamos mais tempo parafazer, com toda a tranqüilidade, o queainda falta para ser feito. Esta idéia pa-rece falsa, pois Angelus Silesius diz jus-tamente que o movimento é a causa dotempo e não sua conseqüência. Olhan-do assim, de mais perto, o movimento eo tempo parecem idênticos. Nós somosescravos do tempo.

Será que existem duas espécies demovimento? Um exterior e outro inte-rior? Angelus Silesius diz que são ossentidos que formam o relógio: que por-tanto os sentidos são o movimento peloqual os homens criam seu mundo. Ossentidos são os instrumentos da cobiça,

do desejo de possuir as coisas do mun-do. O desejo mantém o homem emconstante movimento; os novos desejoscriam novas agitações, que os sentidosdevem finalmente fazer cessar. O dese-jo liga o homem ao reino do tempo--espaço. Ele é acorrentado a um corpomortal e impulsionado pela agitaçãocriada por seus desejos a ir e vir como opêndulo de um relógio entre os pólosopostos do reino onde o tempo e oespaço fazem a lei. Assim o homemtorna-se escravo de sua existência ter-restre. Somente depois de inúmeras ex-periências, através de muitas encarna-ções no microcosmo, que a consciênciadescobre que a marcha do tempo nãolhe traz nenhum descanso duradouro,mas sim a prende continuamente à ar-madilha de ilusões, sem dúvida, semprenovas para ela.

UM CORAÇÃO CALMO

Quem percebe o tempo como umailusão, encontra um lugar onde reinauma verdadeira tranqüilidade. Talvez eletente encontrar caminhos que ainda se-rão exteriores por muito tempo, e irá for-çar-se a ficar calmo, constrangendo-sepela disciplina, mas também deste mo-do chega o momento em que ele vaiperceber que este também não é o des-canso de que fala a Bíblia: “Nosso cora-ção agita-se até encontrar o descansoem ti, ó Deus”. Se tiver coragem o bas-tante, ele haverá de se esforçar paraestudar como fazer, de tal modo que seucoração possa encontrar a paz emDeus. Na Bíblia, e em outros escritossagrados, o leitor é muitas vezes acon-selhado a renunciar a seus desejos ecobiças a fim de adquirir “o descanso do

U

33

Equilíbrio(Baixo relevo em uma tumbaem Sakkara,no Egito).

coração”. Quem segue verdadeiramenteestas indicações acumula muitas novasexperiências. Ele consegue discernircada vez melhor as influências exterio-res ou interiores que causam a agitação,e pode então afastá-las, renunciando aomundo exterior. Sua mudança interior jánão será condicionada por fatores detempo e ele conquistará a paz interior.Esta paz instaura-se depois do proces-so em que a alma prepara-se para rece-ber o Espírito. Neste equilíbrio, ela jánão se encontra sob a influência detodos os aguilhões temporais dos senti-dos.

Quando este equilíbrio vivo emana dealguém, que também trabalha paraordenar o mundo a sua volta, a agitaçãodiminui, os conflitos vão-se resolvendo eas indagações geralmente vão encon-trando suas próprias respostas. Inúme-ros buscadores vivenciam, assim, o“descanso em Deus” como um momen-to bem mais sadio, sem agitação, muitomais do que um simples contrapeso àsduras exigências da vida cotidiana, mui-

to mais do que uma simples base paraviver sadiamente. São as forças que aalma recebe do campo de vida originaldivino que acarretam e mantêm esterepouso regulador. É por meio dele, ex-clusivamente por meio dele, que elapode viver! É o campo de vida no qualela pode novamente participar, depoisde um longo processo de libertaçãointerior.

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O conceito de “responsabilidade”

está cada vez mais sendo emprega-

do na vida cotidiana, a torto e a di-

reito. Geralmente, entendemos por

responsabilidade o fato de que,

qualquer que seja a situação, deva-

mos assumir as conseqüências de

nossos atos. Em razão da lei de

causa e efeito, o passado manifesta-

se no presente e o presente deter-

mina o futuro.

omo cada um de nós carrega o pesodo passado e é responsável por tudo oque vai acontecer, de que modo iremosviver se quisermos fugir dela ou mesmorejeitar esta responsabilidade? Seráque este dilema tem saída? A busca daresposta correta nos dirige para todo otipo de orientação filosófica, religiosa eartística. Mas as considerações e ex-pressões mais elevadas também sãodeterminadas pela lei de causa e efeito.Quem realmente está buscando o sig-nificado de sua vida irá certamenteencontrar a única resposta possível pa-ra esta indagação e compreenderá queé responsável por sua própria vida.

O sábio e filósofo judeu Martin Buber(1878-1965) estudou este problema emuma narrativa tão surpreendente quedela resolvemos fazer um resumo.

ONDE ESTAIS NO MUNDO?

“Quando o rabino van Reussen esta-va preso em St. Petersburg, o oficial daguarda veio até sua cela e começou alhe falar a respeito de indagações que opreocupavam quando ele lia as Escritu-ras. Para terminar, ele lhe perguntou:

“Quando Deus, o Onisciente, interpelouAdão, dizendo: ‘Adão, onde estás?’ oque isto significa? O rabino lhe respon-deu fazendo uma outra pergunta: ‘Acre-ditas que a Escritura é eterna e englobatodos os tempos, todas as gerações etodos os homens?’ Ele respondeu: ‘Sim,creio’. Então o rabino continuou: `Então,Deus pergunta a cada um, todo o tem-po: ‘Onde estás neste mundo? Tantosanos e dias se passaram e onde che-gaste durante este tempo todo?’ Paravós a pergunta seria: ‘Já viveste ses-senta e quatro anos... onde estás a-gora?’

Quando o oficial da guarda ouviu orabino dizer sua idade, pôs-se em pé,colocou a mão no ombro do outro e gri-tou: ‘Muito bem!’ Mas seu coração batiaviolentamente!”

O que se passa nesta narrativa? Ooficial pede uma explicação do textobíblico da queda (Gênese, 3). De acor-do com a resposta do rabino, este pa-rece considerar o oficial como se fosseo próprio Adão, chamado por Deus. Emais: ele também explica o sentido dotexto, mas afirma que este pode seraplicado a todos os homens, onde querque se encontrem. Quando Deus fazesta pergunta, ele não quer que as pes-soas lhe respondam aquilo que ele jásabe: ele quer despertar e estimular aconsciência do erro, do pecado. Adão, oser humano, esconde-se para não terde prestar contas. É o que todos oshomens fazem. Escondem-se comoAdão e esforçam-se por jogar a culpaem seu próximo.

ASPIRAR À SEGURANÇA E À CERTEZA

A existência terrestre torna-se, para

ASSUMIR OU NÃO ASSUMIR SUAS

RESPONSABILIDADES

C

35

ele, uma espécie de abrigo onde elequer sentir-se em segurança. Mas,quanto mais ele se esconde diante daface de Deus, mais ele se atrapalhaconsigo mesmo. Em outras palavras:quem se afasta do olhar de Deus, es-conde-se de seus próprios olhos. Des-via-se daquilo que, dentro dele, busca aDeus, e cada vez mais sente-se mal aoreceber a resposta boa e correta. Estapergunta que Deus faz a Adão refere--se, certamente, a esta situação. O cri-ador quer estimular os homens, destruirseu abrigo e devolver-lhes a liberdade.Ele quer fazer com que vejam ondepoderão chegar se continuarem escon-dendo-se mais profundamente, mastambém quer mostrar-lhes qual é suaPátria. Seu chamado desperta o desejode sair desta situação difícil. Será que ohomem vai escutar este chamado, seráque ouvirá esta pergunta e ousará dar-lhe uma resposta dentro de si mesmo?

AUMENTAR O PODER OU QUEBRAR

O CÍRCULO

O oficial sentiu seu coração bater vio-lentamente quando esta pergunta lhe foifeita pessoalmente. Será que o mesmoacontecerá para nós? É bem possívelque não ouçamos o chamado de Deus,ou que o rejeitemos. Tanto isto acon-tece, que ainda não descobrimos a vidaoriginal. Quem consegue muito sucessoe aproveita os prazeres da vida ter-restre; quem amplia seus poderes e a-braça negócios importantes, este ha-verá de continuar andando em círcu-los... a menos que perceba e compre-enda esta pergunta divina: “Ondeestás?“

Adão compreendeu que sofreu uma

queda. Ele reconhece isto e diz ”estouescondido”. Neste momento, começaseu caminho terrestre, cheio de sofri-mento. A partir daí, ele é responsávelpor si mesmo. Mas, este mesmo mo-mento pode representar para alguns ofim do sofrimento. Refletir sobre suaprópria condição pode dar uma compre-ensão clara e mostrar a porta que dápara um caminho totalmente novo.

36

Dédalo, que construiu o labirinto de

Knossos, confeccionou para si mes-

mo e para seu filho Ícaro asas de

plumas e de cera a fim de escapar

ao veredicto do rei Minos. Ora, ape-

sar da advertência de seu pai, Ícaro

voou para muito perto do sol, a cera

derreteu-se e ele foi precipitado no

mar.

ão se sabe por que Ícaro não escutouseu pai. Por temeridade, talvez? Seráque ele não percebia o perigo? Em mui-tos quadros Ícaro é representado comoum jovem aparelhado de asas e subindoao céu para atingir o sol. Será que elequeria unir sua alma à luz irradiante dosol flamejante?

A pessoa que, em êxtase místico,tenta deste modo ultrapassar os limitesinerentes a sua natureza, vai perceberque não tem meios para isto. O calor dosol faz com que a cera se derreta, suasasas começam a pegar fogo e ele cainovamente, de volta à terra. É o queacontecia com Ícaro. Entretanto, seucorpo não se despedaçou nos roche-dos, mas desapareceu no mar Egeu.Assim, é sugerido que ele não se per-deu no abismo de trevas do Hades, masque foi recolhido pela “água da vida”,purificadora, salutar, segura, e assim foiguiado rumo ao Reino das Almas Imor-tais.

De um modo bastante diferente, apa-rece uma outra personagem dos mitosgregos. Prometeu, filho de um titã e deTêmis, deusa da justiça e filha de Ura-no, desempenha o papel de um jovem,mas de um jovem amadurecido. Que-rendo mostrar a Zeus, o pai dos deuses,uma nova raça humana, ele criou umhomem capaz de determinar sua pró-

pria vida livre e independente dos deu-ses. Para tanto, foi-lhe dado o fogo doOlimpo, que conserva a vida. Zeus cas-tigou Prometeu e o prendeu com cor-rentes à matéria, a um rochedo, noCáucaso. Todos os dias, um abutre vi-nha e devorava seu fígado, que era re-feito a cada noite. Hércules, filho deZeus, não podendo suportar mais avisão desta tortura, libertou Prometeu,abatendo o abutre com uma flecha.

Em todos os tempos os artistas tenta-ram representar o destino de Ícaro e dePrometeu, tanto em literatura como emescultura, pintura ou no teatro. E a razãodisto não é certamente a vida dramáticadestes heróis: por um lado, Ícaro repre-senta o desejo que é próprio do homemde elevar-se das trevas da terra rumo aoinfinito luminoso do espaço infinito; e,por outro lado, Prometeu traduz estaidéia em suas palavras: “Criemos ummundo a nossa imagem, que obedeçasomente a nós mesmos!”

E então, o homem não é realmentechamado para a liberdade? E por que,então, ele é punido tão cruelmentequando ele tenta conseguir esta liberda-de?

O ERRO DE PROMETEU

A terra é linda, com suas estaçõesque vão mudando a cada ano, seus ria-chos encantadores, suas flores selva-gens e seus imensos oceanos. Lá noalto, erguem-se os picos das monta-nhas, cobertas de neve, projetando-sesobre os vales verdes; mais acima, acúpula do céu vai-se arredondando,repousando sobre os poderosos om-bros de Atlas, o irmão de Prometeu, edaí vêm correndo nuvens, como riachos

QUE A ALMA ABRA SUAS ASAS!

N

37

em ondas férteis para logo mais, à noi-te, recobrir a humanidade adormecidacom um manto de milhares de estrelas,e entre elas os planetas descrevemsuas órbitas.

Quem poderia dizer que a terra não ébela? Ela é o mundo para o qual o filhodos deuses, Prometeu, moldou o ho-mem da argila úmida da terra. Ele deu acada animal uma propriedade para ofe-recê-la a este homem a quem apenasfaltava a vida. Segundo a lenda, Pro-meteu acendeu uma tocha no carro dosol, a fim de que este fogo celeste des-se vida a sua criatura. Assim a terra po-voou-se, para grande satisfação dosdeuses que desceram dos céus paraconcluir um pacto com os homens: elesdesejavam protegê-los e, em contrapar-tida, queriam ser adorados e recebersacrifícios.

Oferecer sacrifícios aos deuses? Porquê? Prometeu, que podia prever tudo,teria criado esta raça humana para isto?Seria para isto que ele teria trazido ofogo até eles, e ensinado a arte de fazerpotes e outras artes: seria para isto queele lhes havia ensinado suas capacida-des espirituais, e a desenvolver uma ci-vilização?

Prometeu havia criado um novo mun-do! Sem tomar exemplo de nada, elehavia feito surgir a beleza com umariqueza infinita de formas, semprenovas. Suas mãos formavam o que seupróprio espírito criador idealizava. Po-deria imaginar uma vida sem beleza?Sem beleza, será que a vida pode real-mente continuar? Quem gostaria de vi-ver sem ela?

Entretanto, a terra não conhecesomente a beleza: ela conhece tambéma doença, a fome, a guerra, as preocu-pações e as desgraças. Tudo porqueZeus fez descer sobre a terra a encan-

tadora “Pandora”, que havia reunidotodo o mal e o sofrimento imagináveisem um vaso de argila, que ela derramousobre o mundo. E assim o pai dos deu-ses puniu a desobediência dos homens.Mas, tocado de piedade, e para não fa-zê-los sucumbir completamente sob opeso do sofrimento, ele lhes deixou aesperança dentro do coração.

O homem terrestre está ligado às for-ças contrárias da natureza dialética.Seus desejos de liberdade fazem nas-cer, ao mesmo tempo, a opressão. Pordetrás da beleza, sempre se perfila asombra da queda. Nada pode escapar àdependência entre os dois pólos. Estefoi o erro, o pecado de Prometeu. En-quanto Prometeu e suas criaturas qui-serem transformar o mundo das forçascontrárias em um paraíso, o erro de Pro-meteu ganhará terreno e fará valer seusdireitos, pois a morte e a decadênciaestão neste paraíso! Ora, eles determi-nam não somente o curso da vida dapersonalidade, mas também o cursodas civilizações e das idéias onde elasestão baseadas.

Entretanto, o mérito de todas estaspersonalidades rebeldes, no decorrerda história, é o de terem tentado des-pertar a humanidade, sacudindo-a desua preguiça estúpida e egoísta, atra-vés de impulsos sempre renovados. Po-de ser que seus fracassos acabem a-brindo os olhos de todos aqueles queantigamente os aplaudiam. O mito dePrometeu fala-nos de um irmão deleque chamava-se Epimeteu: o homemque ainda tem a compreensão. Sem ele,a humanidade não teria experimentadoa nova consciência e o indivíduo nãoperceberia conscientemente seus atos.A humanidade jamais teria percebidoque estava acorrentada à matéria, comocriação de Prometeu. Graças a

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sempre estão de acordo com as peripé-cias que os personagens principaisatravessam. Vistos superficialmente,estas narrativas parecem estar semprese contradizendo, mas, olhando demais perto, aparecem sempre dois mo-tivos básicos, semelhantes aos de Ícaroe de Prometeu.

A palavra “mito” não deve evocar so-mente um passado muito longínquo. Notempo em que eles surgiram, eram mui-to atuais. Em cada época (e aí devemoscompreender também nosso séculoXX, tão esclarecido), sempre houve mi-tos que glorificam os heróis do campode batalha, da política, da arte, da ciên-cia e da religião. Eles sempre foramrodeados por uma auréola de sublimi-dade sobrenatural, e ainda o são.

Atualmente o céu está povoado deídolos do show-business, da política, docinema e do esporte. Eles se sucedeme se intercambiam e são substituídosde acordo com o contexto. Assim, nestemomento, paga-se tributo ao “deus doconsumo” e ao “monstro da tecnologia”.Mas há sempre indagações que são tãovelhas quanto o mundo, exatamente co-mo o primeiro homem do início da evo-lução terrestre da humanidade: “Quemsou? De onde venho? O que determinameu destino?”. E estas perguntas sãosempre respondidas, como no passado.São todos os esforços feitos com oobjetivo de uma certa realização domundo dialético (sob a direção dos deu-ses que este mundo criou para simesmo) que determinam seu destino.Mas os mistérios iniciáticos imperecí-veis da Gnosis universal sempre revela-ram a origem da humanidade àquelesque estão dispostos a entregar-se a ela.Basta apenas adaptar à época a lingua-gem e a simbologia que permitemtransmitir as lições da vida.

COMO EXPLICAR A CONDIÇÃO HUMANA?

As forças das duas naturezas opos-tas agem em cada ser humano. Graças

Epimeteu, a imagem da vida imperecí-vel, que cada homem carrega em si,apesar de profundamente oculta, nãofoi apagada pela ilusão, pela mentira,pela impostura, pelo egocentrismo epela especulação.

QUAL É A MENSAGEM QUE ESTES

MITOS TRANSMITEM?

Os mitos relatam geralmente expe-riências de um passado muito longín-quo. Eles sempre estão relacionadoscom indagações do tipo: Onde estou?De onde venho? Por que o homem éconduzido pelo destino, e quem deter-mina este destino? As respostas a es-tas perguntas são simbolizadas por a-contecimentos e provas que dizem res-peito a deuses ou a forças da naturezapersonificadas, em relação com os deu-ses superiores. As ações heróicas as-sim descritas e a intervenção dos deu-ses podem receber explicações quegeralmente são diferentes, mas que

Tendo rompido aharmonia entreele e o cosmos,Tântalo criouseu próprio infer-no (BibliotecaNacional, Paris).

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à centelha divina da alma-espírito origi-nal, presente dentro dele, ele começa apôr em dúvida se existe ou não algocomo imortalidade. Ele aspira a estaliberdade e busca incansavelmente naterra toda o que esta terra não lhe podeoferecer. De fato, o homem é feito dematéria e portanto somente pode mani-festar-se no campo da matéria. Ele estáinexoravelmente submetido à lei da vidaanimal, o que lhe inspira um grandecansaço e o encoraja a ultrapassar oslimites desta vida. Mas ele se debatecontinuamente contra as paredes deseu próprio ser e sente-se rejeitado.Apesar disso, todas estas tentativasfinalmente desatam um pouco os laçosque o mantêm preso e fazem com queele possa entrever a libertação. Mas istoé apenas uma aparência: logo ele cainovamente e deve aceitar seu aprisio-namento, ou empreender um novoesforço melhor preparado.

Ou então... ele fica de tal forma apai-xonado por suas próprias criações, quese considera o único senhor e mestrede si mesmo, recusando-se a reconhe-cer seu criador! Neste caso, ele faz tudopara tornar sua vida terrestre o maisagradável possível e para se protegerde eventuais catástrofes.

O que esta tentativa lhe traz de bom?Será que ele quer realmente escapar da“vida da morte”? Um simples verso poé-tico pode tirar-lhe a tranqüilidade e rea-nimar seu desejo de liberdade:

“Quando eles chegam,e te atacam,sobre ti se precipitam:luta e cólera,ódio e calúnia...Portanto, jamais te esqueçasde que possuis duas asas!”(Cesar Flaischlen)

A ALMA PODE TER ASAS

Sim, qualquer homem pode adquirirasas de acordo com suas possibilidades

e sua consciência. Mas será que elevoará rumo ao paraíso que criou para simesmo? Será que ele sentirá este vôoinebriante? Será que vai sonhar nova-mente, enganando-se a si mesmo,achando que suas asas ocultas oumísticas o levarão rumo a novas alturasespetaculares? Será que vai criar abeleza para substituir seu deus desco-nhecido? Será que vai agarrar-se assima sua própria pessoa, a sua própriaescravidão? Ou será que vai manter-sepreso, nervosamente, à roda que oeleva da terra até o mundo obscuro damorte e que o faz descer em seguida àmatéria grosseira, para uma nova voltana roda, e assim por diante?

E, quando finalmente, em sua aflição,ressoar dentro dele a voz original, equando ele começar a compreender es-ta voz, que ele sempre abafou, fechan-do-a na fortaleza de seu eu, seu desejohaverá de libertar-se e ele vai quererabrir suas asas, as asas capazes detorná-lo forte o bastante para elevar suaalma, renascida graças ao amor desin-teressado, sobre todos os obstáculos,até o Reino de Luz da Gnosis.

E assim, as leis do espaço e dotempo, do ser e do não ser vão perden-do seu poder. Então, ele tem de esco-lher: ser livre em Deus, ou continuarpreso a uma imitação de Deus.