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JJACINTHO DA COSTA MIRANDA

0 CHLORAL

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA E DEFENDIDA

PERANTE

â mfiá l l tM i l l l l f i St MH

PORTO IMPRENSA CIVILISAÇÃO — SANTOS &c UÍMUS

1U- -Entreparedes (CampinM-19

1882

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I DIRECTOR

0 ILL.'"0 E EXC."

10 SNR. CONSELHEIRO, MANOEL MARIA DA COSTA LEITE

SECRETARIO

0 ILL.""» E EXC.'"» SUR. RICARDO D'ALMEIDA JORGE

CORPO CATHEDBATICO LENTES CATHEDRATICOS

, , ­ . . • . 0 S 1LL-m°S E E I C . , n o s SSRS.

1." Ladeira—Anatomia descriptiva e J?1"!1 ■ ; '. Jono Pereira Dias Lebre. I. Ladeira­Pnysiologia Antonio d'Azevedo Maia. j . a Cadeira—Historia natural dos me­

dicamentos. Materia medica Dr. José arlos Lopes i . a Cadeira — Pathologia externa e therapeutica externa Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

S." Cadeira­Medicina operatória Pedro Augusto Dias. 6.a Cadeira — Partos, moléstias das mulheres de parto e dos recem­nasci­

7da0SV. ' Y ■' •„".;•;■•■•••.• D r­ agostinho Antonio do Souto. 7.d Cadeira — Pathologia interna — Therapeutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro.

8. Cadeira­Clinica medica Manoel Rodrigues da Silva Pinto. tf." Cadeira—Clinica cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta.

10. Cadeira—Anatomia nathologica... Manoel de Jesus Antunes Lemos. M.a Cadeira—Medicina legal, hygiene 10

par ií?d,a e Public >;'"«cologia 'geral. Dr. José F. Ayres de Gouveia Osório. i2. a Cadeira—Pathologia gei ai, semeio­

logiae historia medica lllidio Ayres Pereira do Valle. Pharmacia Isidoro da Fonseca Moura.

LENTES JUBILADOS _ „ | Dr. José Pereira Reis. Secção medica José d'Andiade Gramaxo.

f João Xavier d'Oliveira Barros. Secção cirúrgica... I Antonio Bernardino d'Almeida. „ , . I Conselheiro, Manoel M. da Costa Leite. Pharmacia Felix da Fonseca Moura.

LENTES SUBSTITUTOS

Secção medica I Vicente Urbino de Freitas. I Miguel Arthur da Costa Santos.

Secção cirúrgica j Augusto Henrique d'Almeida Brandão. / Ricardo d'Almeida Jorge.

LENTE DEMONSTRADOR Secção cirúrgica Cândido Augusto Corrêa de Pinho.

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A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamedlo da Escola, de 23 i'abril de 18Í0, art. 155).

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A' MEMORIA DE MINHA MÃE

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r

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A O

MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE

o

I L L . m 0 E EXC. m * SNH.

DR, PEDRO AUGUSTO DIAS

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AOS

JOAQUIM CORRÊA CARDOSO MONTEIRO

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J N T R O D U C Ç Ã O

No anao de 1869 entrou na therapeutica sob os melhores auspicios, um novo agente medicamentoso—o chloral, devido ao illustre assessor de chimica na uni­versidade de Berlim, o dr. Liebreich.

O chloral era, porém, já conhecido desde 1831, época em que foi quasi simultaneamente descoberto por Liebig na Allemanha e Dumas em França; mas como muitos outros corpos do dominio da chimica orgânica, que existem ignorados no fundo dos laboratórios, o chloral ficou sem applicação medica até ao momento, em que Liebreich communicou ao mundo scientifico o resultado das suas investigações.

O apparecimento do chloral causou grande sen­sação:—por um lado a alta posição scientifica do auctor, por outro as propriedades da substancia em estudo, a

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theoria da sua acção sobre o organismo devia chamar a attenção de chimicos e medicos.

E ' particularmente interessante conhecer as cir-cumstancias, que prepararam a introducção d'esta subs­tancia na therapeutica.

Os chimicos não ignoravam a propriedade, que tem o chloral de se desdobrar em presença dos alcalis em dous productos novos—o chloroformio e formiato.

Assim é que, quando Liebreich quiz estudar os effeitos do desdobramento consecutivo á oxidação de certos compostos chimicos no organismo, pensou natu­ralmente no chloral.

«Uma questão fundamental, diz Liebreich, domi­na o estudo dos agentes therapeuticos; é o saber se uma substancia antes de chegar a oxidação completa, se desdobra no organismo em productos de decompo­sição; dirigindo a minha attenção para esta questão escolhi snbstancias como o chloral, de que o producto de decomposição produz no organismo effeitos bem co­nhecidos.»

Liebreich concluía theoricamente que se o desdo­bramento se dava no organismo, tornar-se-hia eviden­te pelos phenomenos physiologicos observados. Dando a différentes animaes doses variáveis de hydrato de chloral em solução, obteve effeitos anesthesicos notá­veis. No mesmo anno de 1869 communicou o resul­tado dos seus trabalhos á Sociedade Medica de Ber­lim e ao Instituto de França. Era o signal do encetar dos trabalhos para a verificação dos resultados obtidos e, tal foi o enthusiasmo com que o chloral foi acolhi­do, que em poucas doenças deixou de ser ensaiado.

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Labbé refere, segundo Richardson, que o con-suramo do chloral em Inglaterra foi do mez de Agos­to de 1869 ao mez de Fevereiro de 1871, de mais de 36 milhões de doses, e, segundo Pollak, mais de 312 memorias foram escriptas sobre este medicamento, no mez de Fevereiro de 1874.

Os effeitos obtidos pelos différentes experimenta­dores e medicos não foram accordes e, se a maior parte reconheciam no chloral propriedades hypnoticas e anesthesicas, Demarquay entre outros, admittindo como incontestáveis as primeiras, recusava-lhe as ulti­mas.

Se a discordância nos effeitos obtidos divide os experimentadores, onde se accentua mais a dissidên­cia, é na interpretação do mechanismo da sua acção physiologica. Actuará, como quer Liebreich, e com elle Richardson, Personne, Roussin, Horand e Peuch, Byas-son e Follet, etc., pelo chloroformio a que dá origem? Terá ao contrario, segundo affirma Gubler, apoiando-se em considerações umas puramente theoricas, outras experimeutaes, uma acção propria actuando como cor­po inteiramente novo, dotado de propriedades pro­prias? É esta também a opinião de muitos auetores, pela maior parte medicos, Demarquay, L. Labbé e Goujon, Dieulafoy e Krishaber, Ferrand, Giraldes, Heidenhaim, etc.

Devemos emfim conceder aos formiatos, resultan­tes do desdobramento do chloral em presença do san­gue, concurso nos effeitos, que se obteem pelo empre­go do chloral ? São questões, que só posso indicar n'es-

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te logar e que me reservo tratar mais desenvolvida­mente no decurso d'esté trabalho.

O estudo, que me proponho fazer, será dividido em três partes.

Na primeira estudarei rapidamente as proprieda­des chimicas do chloral, a sua preparação, o modo de reconhecer o seu estado de pureza, cujo conhecimento importa muito, visto que os productos, que o maculam, são dotados de propriedades enérgicas.

O estudo da acção physiologica será objecto da segunda.

Emfim na terceira e ultima parte apresentarei o que me pareceu mais rasoavel, relativamente ao em­prego do chloral como agente de anesthesia cirúrgica.

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PRIMEIRA PARTE

Chimica

O chloral apresenta-se em três estados, chloral anhydro, meta-chloral isomerico do primeiro e hydra-to de chloral, único usado em medicina.

O chloral anhydro, considerado pela maior par­te dos chimicos modernos como hydrureto de trichlo-racetyla é um liquido muito fluido, incolor, oleoso ao tacto, tendo um sabor acre e picante, que provoca a tosse e as lagrimas. Entra em ebulição a 94°,4 (Du­mas), 99°,6 (Kopp). A sua densidade é de 1,51, a de seu vapor 74, sendo a do hydrogenio tomada por unidade. Dissolve o iodo, o bromo, o enxofre e o phosphcro sobretudo a quente e tem por formula a se­guinte notação C2HC130. Pode considerar-se como al-dehydo, em que três átomos de hydrogenio seriam sub­stituídos por três átomos de chloro. Muito ávido d'a-

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gua forma, combinando­se com ella, urn producto crys­

tallizavel, o chloral hydratado. Os alcalis desdobram­

no em chloroformio e formiatos alcalinos. Tratado pelo acido sulfúrico concentrado, converte­se rapida­

mente n'uma substancia sua isomerica, solida, branca, insolúvel na agua, alcool e ether, tendo o aspecto de porcelana branca e que crepita apertando­a entre os dentes como a camada de alvaiade que cobre os bi­

lhetes de visita, é o chloral insolúvel também chama­

do metachloral. O chloral anhydro, como disse, não tem applicação em therapeutica, onde é unicamente usado o hydrato de chloral.

l lydi -ato de ch lora l . —■ E' uma substancia branca, saccharina, de crystaes rhomboedricos, tendo a densidade de 1,57, sabor acre e ardente, cheiro ethereo semelhante ao do melão ou do ananaz. E' déliques­

cente, a exhalação cutanea basta para o dissolver ém parte. Menos volatil que no estado anhydro, o chloral é solúvel no alcool, na glycerina e no ether, muito mais na agua, que dissolve o seu peso d'hydrato de chloral, de modo que uma solução concentrada contém 50 por cento d'esta substancia.

O chloral crystalliza em rhombos e prismas de quatro faces, sem que esteja definitivamente estabele­

cido, se é resultado de différentes graus de hydrata­

ção ou d'um verdadeiro dimorphismo. Do mesmo mo­

do que o chloral anhydro, o hydrato desdobra­se em presença dos alcalis em chloroformio e formiatos, reacção, que importa conhecer, por que serve de base á theoria chimico­physiologica de Liebreich. Nem sem­

pre é fácil observar esta reacção, que reproduzindo­se

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facilmente com os alcalis enérgicos requer, para ser reconhecida, quando se empregam os bicarbonatos al­calinos, processos d'analyse muito precisos, dificulda­de esta que levou différentes auctores a pol-a em du­vida.

A acção dos alcalis sobre o chloral resume-se no seguinte :

1.° Com a soda e a potassa cáustica a reacção é instantânea e a formação do chloroformio evidente;

2.° Os carbonatos determinam do mesmo modo o desdobramento, mas já a acção é menos intensa;

3.° Finalmente com os bicarbonatos alcalinos, a reacção a frio é lenta, exigindo mais tempo para se produzir; mas, elevando a temperatura, o desenvolvi­mento do chloroformio é fácil e tanto mais rápido quanto mais nos aproximarmos do ponto de ebullição, que augmenta a tensão do seu vapor.

Empregando meios d'analyse de que adiante fal-larei, poderá reconhecer-se, que não só os bicarbona­tos alcalinos, mas ainda a albumina e o sangue ope­ram o desdobramento do chloral em seus dous facto­res chimicos, o chloroformio e o acido fórmico. O mesmo facto pôde ser observado, como diz Byasson, pelo emprego simultâneo da glycerina e do calor. Tra­tado por um oxydante enérgico como o acido azotico, o chloral dá origem a um corpo novo, o acido trichlo-racetico C2C1302H.

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Uma das mais notáveis propriedades do chloral é sem duvida o seu poder antiseptico.

A identidade quasi completa entre as suas pro­priedades pharmacodynam iças e as do chloroformio de­viam fazel-o suppor; mas só muito tempo depois do seu apparecimcnto, é que os auctores procuraram ve­rificar os dados fornecidos pela inducção. Se é certo, que Richardson em 186Í) foz notar a coagulação do sangue e a sua conservação durante muitos mezes, quando misturado a uma solução chlorada, não é me­nos verdade que só em 1871 as experiências de Pa-vesi de Mortare, as de Hirne o Dujardin Beaumetz em 1872 e as de Byasson Follet e Personne estabele­ceram definitivamente que as soluções do chloral im­pediam a putrefacção das substancias orgânicas. Fol­let e Byasson no seu trabalho de 1871 foram os pri­meiros a verificar este facto, mostrando que o chloral se oppõe á fermentação alcoólica. Deitando em dous vasos uma solução d'assucar a que se addiciona leva-dura de cerveja e, dissolvendo na agua d'uni d'elles hydrato de chloral na proporção de 1 °/0 do liquido, a fermentação só so operava n'este, 17 dias depois de se ter dado no outro vaso que não recebera o chloral hydratado. Dujardin Beaumetz, Hirne e Personne se­guiram de perto Byasson e Follet, e depois d'uma in­teressante série d'investigaçoes, visando a estabelecer as propriedades antiputridas e antitermentesciveis do chloral, obtiveram completo êxito; as experiências fo­ram feitas com acido quinico, leite, albumina, carne muscular e ourina. A levadura de cerveja não lhes pareceu ser influenciada pelo chloral, mas as experien-

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cias de Lissonde mostram que este fermento não es­capa ao poder antifermentescivel do chloral; a contra experiência permittiu mais a este auetor notar que uma solução de chloral a 3 °/0 pode determinar a de­tenção da fermentação alcoólica em pleno curso.

Personne no seu estudo «Acção do chloral sobre as substancias albuminóides», chegou ás seguintes conclusões:

« 1 ° O sangue a ddicionando-lhe hydrato de chlo­ral á temperatura ordinária, coagula completamente. Conserva a côr e fica sem alteração; assim coagulado não cede nada á agua.

2.° O sangue desfibrinado tratado pelo chloral coagula egualmente; mas o coagulo cede á agua dis-tillada um produeto solúvel, que a cora de vermelho escuro.

3.° Um fragmento de musculo, immerso n'uma solução de chloral a 1/10, no fim d'algumas horas d'immersao a uma temperatura de 15° a 20° não se putrefaz. Desecca rapidamente, descora-se e toma tal consistência, que pôde ser pulverizado. Esta substan­cia sêcca resulta da combinação do chloral como as substancias albuminóides dos tecidos.

4.° A albumina combinada com o chloral dá ori­gem a um composto definido, insolúvel na agua.»

Dar-se-ha realmente uma verdadeira combinação entre o chloral e a albumina, como quer Personne? Para Byasson é uma simples mistura, fundando-se em que as substancias albuminóides sobre que actuou o chloral, podem ser desembaraçadas d'esté agente por meio de alcool, que o dissolve.

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Seja como for, o que é certo, é que esta combi­nação do chloral com a albumina suggeriu a Person­ne a ideia de que o chloral poderia ser um meio de conservar os productos animaes ao abrigo d'alteraçao. Applicou primeiro o chloral á conservação das prepa­rações anatómicas. Este processo apresenta entre ou­tras vantagens, a de conservar a différentes tecidos e durante muitos dias o seu aspecto, cor e até um certo ponto a sua flexibilidade normal, vantagem incontes­tável para o estudo d'alguns órgãos, o cérebro por exemplo.

Depois pensou o illustre chimico substituir o chlo­ral ás injecções, empregadas ordinariamente para a conservação do corpo inteiro dos animaes e do ho­mem. Personne apresentou á Academia de Medicina animaes injectados por este processo e entre elles um cão, a que tinha ministrado o chloral em solução aquosa por meio de injecções intra venosas. Apezar d'estar preparado d'esté modo ha 4 mezes, exposto a todas as variantes de temperatura ainda as mais favo­ráveis á putrefacção, o estado de conservação era com­pleto e não emittia o menor cheiro; a extremidade dos membros, o nariz, as orelhas começavam a deseccar-se um pouco, os músculos conservavam toda a flexibili­dade c a única alteração sensivel era a queda do pel-lo. Cobayas e ratos injectados por Personne conserva-ram-se durante muitos mezes, sem o menor vestígio d'alteraçao. Uma experiência ainda mais notável por ser realisada nas peiores condições possíveis, no am­phitheatre dos hospitaes em Clamart, mostrou á evi­dencia o poder antiputrido do chloral.

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Uma mulher, fallecida ha 24 horas de péritonite puerperal e em que os tegumentos abdominaes offere-ciam já uma cor livida, foi injectada por Personne. O liquido empregado não foi exactamente o mesmo que o dos animaes de que fallei ha pouco. Continha além do chloral uma certa quantidade de glycerina. Vul-pian, que viu o cadaver no fim de dous mezes, notou um principio de deseccação das orelhas e extremida­des dos dedos; mas foi-lhe impossivel observar o me­nor indicio de putrefacção incipiente.

Taes resultados abrem horizontes novos á arte de embalsamar.

A theoria da acção antiputrida do chloral é um ponto*ainda por elucidar na historia d'esta substan­cia. Personne admitte, como já disse, que as substan­cias albuminóides formam com o chloral uma combina­ção imputrescivel o que nada explica. E preferível accei-tar a interpretação de E . Labbé que, considerando o chloral um agente toxico para os organismos inferio­res, conclue que os seus germens não podem desen-volver-se num meio, que lhes é funesto; mas é tam­bém certo que o chloral actua d'um modo especial so­bre os tecidos, quer pelas suas propriedades coagu­lantes para a albumina, quer por outro qualquer modo.

P r e p a r a ç ã o do c l i lora l . —A preparação do chloral anhydro é proximamente a do chloral hydrata-do—são dous tempos d'uma mesma operação.

Ainda que o processo de Liebig, que fazia actuar directamente o chloro sêcco sobre o alcool absoluto» dê um produeto muito puro; a operação avança com tal lentidão e a perda é tão considerável, que os chi-

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micos procuraram substituil-o. O processo de Dumas, que é hoje seguido, aparte pequenas alterações, per-mitte obtel-o em maior abundância e mais rapida­mente.

Dos «Annaes de Chimica e Pharmacia» transcre­veremos o processo do illustre chimico:

és) modo mais seguro d'obter o chloral, diz Du­mas, consiste em submetter o alcool absoluto á acção do chloro secco. Facilmente se comprehende que pre­cauções é necessário ter para fazer actuar sobre J/a ki-logramma d'alcool 1:200 litros de chloro, formando-sc 1:500 litros d'acido chlorhydrico gazozo.

Preparo o chloro servindo-me do peróxido do manganez, do sal marinho e do acido sulfúrico; o ba­lão onde elle se produz, tendo 15 a 20 litros de capa­cidade, pode receber as substancias necessárias á pro-ducção da totalidade do chloro, havendo só a aceres-centar o acido sulfúrico, á medida que se tornar ne­cessário.

O chloro gazoso recebido num frasco de Woolf, vazio, onde esfria e perde parte da humidade, passa a um segundo, contendo chlorureto de cálcio, depois a um terceiro frasco vazio o secco, destinado a rece­ber o alcool se houver absorpção. A este ultimo fras­co segue-se um balão contendo alcool, e em cujo fun­do se abre um tubo destinado a conduzir o chloro; o balão é munido d'um outro tubo, que dirige os vapo­res d'acido chlorhydrico para uma boa chaminé. Aviva-se a corrente de chloro, que ao principio se converte em acido chlorhydrico; mas, apenas a reacção abran­da, o alcool toma um colorido amarellado, colorido

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que desapparece elevando a temperatura pouco a pou­co, continuando sempre uma corrente rápida de chlo-ro, até que o liquido quasi em ebullição não actue so­bre o chloro, que o atravessa.

Em doze horas podem converter-se era chloral 200 grammas d'alcool. Mistura-se o liquido que fica no balão com duas ou três vezes o seu volume, d'aci-do sulfúrico concentrado. A mistura, introduzida n'uma retorta é immediatamente submettida a uma distilla-ção cuidadosa. Ao principiar o aquecimento o chloral reune-se á superficie do acido sob a forma d'um óleo limpido e muito fluido, que se volatilisa rapidamente. Um pouco antes da camada oleosa ter desapparecido suspende-se a operação. Deita-se o produeto volatil obtido n'um balão munido d'um thermometro, fazen-do-o ferver até 94° ou 95° graus. O liquido restante deve ser distillado de novo com o acido sulfúrico con­centrado, depois submettido novamente á ebullição.

Emfim introduz-se o produeto n'uma retorta con­tendo cal extincta recentemente calcinada ao rubro; distilla-se n'um banho d'agua saturada de sal mari­nho, e assim se obtém o chloral puro ou quasi.

O acido sulfúrico o empregado com o fim de se­parar o alcool, que tivesse escapado á acção do chlo­ro, retendo-o, ou transformando-o em ether sulfúrico c também para apoderar-se da agua, que acompanha o chloral. Fazendo ferver o chloral tratado pelo acido sulfúrico, separamol-o do acido chlorhydrico, do ether sulfúrico, ou mesmo do alcool se algum restar.

Emfim empregando a cal viva, desembaraça-se o chloral do acido chlorhydrico restante.

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Deve evitar-se o emprego de cal em excesso, aliás daria lugar com o vapor de chloral a uma viva reacção, tornartdo-se a cal incandescente e destruindo-se o chloral, que é substituído por um óleo amarella-do, que se volatilisa; fórma-se chlorureto de cálcio, e um produeto de cor escura, que fica misturado com elle na retorta.

Obtido o chloral, misturando-o com o seu volume d'agua distillada obtem-se o chloral hydratado. Dis-solve-se com desenvolvimento de calor e o liquido eva­porado no vacuo ou mesmo ao ar, dá uma bella crys-tallização d'hydrato de chloral.»

O processo de Dumas é hoje geralmente empre­gado, porém seguido á risca não dá um perfeito re­sultado porque: 1.° o chloral anhydro não pôde ser completamente desembaraçado do acido chlorhydrico livre; 2.° a proporção d'agua indicada para uma boa crystallisação, é muito considerável. Personne aconse­lha tratar o hydrato obtido pela greda, para o desem­baraçar dos vestígios d'acido chlorhydrico; o produeto assim purificado, é distillado a banho de azeite, mar­cando 120 graus.

Ta.es são as prescripções, que cumpre seguir para obter o hydrato de chloral. Convém observar que não devem ser modificadas sem a maior attenção, porque poder-se-hia obter um produeto différente do procu­rado.

Assim é que Roussin julgando ter preparado o hydrato de chloral deu origem a uma nova combina­ção, de que desconheceu a verdadeira natureza, e que Personne mostrou pela analyse e pela synthèse, ser o

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alcoolato de chloral, em que o alcool representa para o chloral anhydro o mesmo papel, que a agua no hy-drato de chloral.

O alcoolato de chloral tem por formula a seguin­te notação C2HC130, CMPO; a densidade é de 1,3286 a 66 graus; o ponto de ebullição é a 113°,5, e o de fusão a 50°.

• P u r i f i c a ç ã o «Io c h l o r a l . — P a r a dar a esta substancia as qualidades, que exige o uso medico, é necessário submettel-a a uma série d'operaçoos, com o fim de a desembaraçar dos productos estranhos, que ainda contém. Trata-se primeiro pelo acido sulfúrico auxiliado pelo calor; separa-se logo uma camada oleo­sa, que vem nadar á superficie do liquido em ebulli­ção; a reacção dá-se com algum desenvolvimento de calor, que reclama um constante resfriamento da re­torta; a massa ennegrece, os productos gazosos des-troem-se e desapparecem pouco a pouco ficando só o chloral inatacável. Recolhe-se, e como encerra ainda vestígios de acido chlorhydrico, trata-se pela cal depois de o ter primeiramente hydratado.

Ensa io «lo chloral.—Reconhece-se que é isen­to d'impurezas, tal qual é necessário para uso medico, pelos seguintes caracteres :

1." Deve ser branco como a neve, dar ao tacto a sensação dos corpos gordos, derreter-se facilmente entre os dedos e emittir um cheiro aromático bem dis­tincte do chloro, do aldehydo e dos óleos empyreuma-ticos;

2.° Deve dissolver se facilmente na agua distil-

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lack, e o soluto não dará precipitado com o nitrato de prata;

3.° Tratado pelo acido sulfúrico não deve en-negrecer acima de 120 graus; o seu ponto de fusão se­rá entre 45° e 46°, e distillará a 96° sem deixar re­síduo.

.

' . .

- 'So* ' . : :

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SEGUNDA PARTE

-#-

Acção physiologica

A acção do chloral, quando applicado sobre a pelle, sob a forma de crystaes ou em solução concen­trada, é irritante em grau diverso desde a simples ru-befacção até á vesicação e mesmo escarificação. Nas mucosas, dotadas de celhas vibrateis os movimentos d'estas deteem-se e demais observa-se do mesmo modo que na pelle, mortificação do epitlielio e formação d'uma escara profunda. A mortificação dos tecidos verifica-se frequentemente nos animaes pelo empre­go d'injecçoes subcutâneas de chloral; no homem teem-se notado inflammações circumscriptas, termi­nando muitas vezes por suppuração, nodos dolorosos, excepcionalmente gangrena, pelo emprego de soluções pouco concentradas.

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Dissolvido n'uma quantidade d'agua sufficiente, perde a causticidade; conserva porém o sabor acre e amargo, que pode ser dissimulado na prática medica pelo emprego do alcoolato d'hortela pimenta.

A sua passagem nas vias digestivas superiores é acompanhada de phenomenos locaes, que cumpre in­dicar; se a solução é de titulo elevado nota-se excita­ção das mucosas, bocal e pharyngea e hypercrenia sa­livar reflexa; nos animaes, o ptyalismo é tal, que a saliva corre da boca, como uma baba espumosa; che­gando ao estômago sobrevem uma sensação de calor, que lembra a que produz a aguardente e o alcool, ra­ras vezes nauseas, eructações e ainda menos vómitos.

Temos mais, segundo alguns auetores, uma gas-tralgia mais ou menos violenta, acompanhando a acção do chloral; assim Laborde, que o experimentou em si mesmo, refere que do seu uso, lhe resultaram pontos dolorosos na região epigastrica.

Lissonde diz não ter observado caso semelhante nos doentes a quem deu o chloral, parecendo-lhe por isso dever attribuir-se os phenomenos observados por Laborde ás impurezas da substancia, de que fez uso.

Se a solução fôr pouco concentrada nota se sabor desagradável e uma gastralgia insignificante sem ef-feitos reflexos. (Labbé).

Antes de passar ao estudo da acção geral do chloral, .importa saber se esta substancia poderá de-

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compor-se em contacto com os líquidos orgânicos do estômago; é permittido responder negativamente pois que o acido sulfúrico fervente tem sobre o chloral uma

acção insignificante, e Personne demonstrou pela ana­lyse não existir chloroformio, mas chloral em natu­reza no estômago dos animaes chloralisados.

Em summa apesar d'uma acção local irritante, que é possível evitar pelo emprego de soluções fracas ou ainda empregando solutos assucarados, a adminis­tração do chloral é das mais simples e sem inconve­nientes.

Os phenomenos, que se observam depois da in­gestão do chloral pela boca ou ainda quando adminis­trado em clysteres, variam com as doses empregadas.

Doses moderadas dão lugar no fim de 15 a 20 minutos a uma embriaguez passageira, e no fim de meia hora entorpecimento, titubeação, somnolencia, depois somno profundo durante 3, 4, 5, 6 horas con­secutivas, acompanhado de rubor da face e tegumen­tos, injecção ocular, resolução muscular bem pronun­ciada e diminuição considerável da sensibilidade.

Se empregarmos doses fortes (6 a 12 grammas), o somno chloralico torna-se mais profundo e observa-se conjunctamente pallidez peripherica, mydriase, anes­thesia da conjunctiva, cutanea e da cornea, diminui­ção do numero das contracções cardiacas e dos niovi-

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mentos respiratórios, abaixamento da temperatura d'alguns décimos de grau.

Emfim se a dose fôr toxica, quer por excesso absoluto, quer em virtude d'um estado mórbido ante­rior, a morte sobrevem.

N'este caso observou-se excitação, somno pesado e brusco, tremulo muscular, respiração precipitada, pulso difficil de perceber, pequeno, irregular, intermit­tente; pulsações cardiacas tumultuosas; pallidez livida da face; resfriamento pronunciado, insensibilidade, depois morte brusca ou no coma.

O chloral tomado em pequenas doses, mas repe­tidas e durante muito tempo, dá lugar a um conjun-cto de accidentes geraes conhecidos pelo nome de chlo-ralismo e que teem sido observados principalmente na Inglaterra. Estes accidentes, que se observam raras vezes no estado agudo, teem grande analogia com os de ergotismo; os doentes apresentam descamação da extremidade dos dedos, ulcerações em torno das.unhas, anasarca, albuminuria, perturbações da circulação, en­fraquecimento das pulsações do coração, embaraço na respiração, dyspnea intensa, e algumas vezes verda­deira paralysia dos membros inferiores; nota-se ao mesmo tempo depressão intellectual, e uma espécie d'idiotismo, podendo os accidentes terminar pela morte.

Depois de conhecidas no seu aspecto geral as de­terminações, que o chloral produz no organismo, pro­fundemos um pouco mais nas suas particularidades, e apreciemos cada uma d'ellas em abstracto.

No estudo, que vamos fazer, não poucas contra-dicções nos esperam, devido isso a que o objecto das

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experiências—o ser humano e os animaes—reage de modo diverso segundo as condições varias d'impres-sionabilidade, em que se encontra.

Estudaremos successivamente o hypnotismo chlo-ralico, o chloral agente d'anesthesia, os effeitos do chloral sobre a circulação e o sangue, sobre a respi­ração e calorificação, sobre o systema nervoso e mus­cular, e sobre as secreções.

Hypnotism*» cltloi-alico. — O somno é um dos mais notáveis effeitos do chloral e sem contesta­ção o mais constante; reconhecem todos que o chloral deve ser collocado em primeiro lugar entre os hypno-ticos. Variável com a idiosyncrasia do individuo, com a idade e o estado de saúde, a acção hypnotica é ain­da subordinada á quantidade de chloral ingerida, e ao modo d'administraçao; uma rapariga hysterica será grandemente influenciada por pequenas doses, ao pas­so que um alcoólico, um tetânico, um ferido atacado de febre traumatica, poderão supportar doses eleva­das sem que os effeitos sejam muito pronunciados.

Já Demarquay tinha notado que a acção do chlo­ral era exagerada pelo estado de debilidade dos in­divíduos, quando formulou as duas regras seguintes, que todos reconhecem exactas e de que a importância clinica é fácil de comprehender: «1.° A acção hypno­tica é mais pronunciada em indivíduos fracos e debi-

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litados; 2.° a duração do somno é proporcional á fra­queza do individuo.» O somno chloralico é suave e socegado, não determina o mal estar, o peso de ca­beça, que são devidos aos narcóticos., sobrevem fácil e agradavelmente, como o somno ordinário, sob a in­fluencia do medicamento a individuo a elle submetti-do, sente pesar-lhe as pálpebras, fecha os olhos e ador­mece. O somno é precedido d'um periodo de entorpe­cimento, durante o qual a sensibilidade está apenas embotada, os ruidos exteriores ferem ainda o ouvido dos indivíduos adormecidos, e o corpo estremece ao contacto d'um corpo quente ou frio.

Muitas vezes o doente desperta para responder ás perguntas que se lhe dirigem; mas, continuando a exercer-se a acção soporifica, o somno torna-se cada vez mais profundo e difncil de perturbar. E' sem du­vida este periodo d'entorpecimento, que separa a vi­gília do hypnotismo, que fez dizer a Demarquay que «o somno chloralico é leve; o menor ruído desperta os doentes.» Esta asserção não pôde ser aceite, porque os factos d'observaçao diária mostram á evidencia que 20 a 30 minutos depois da ingestão d'uma-dose suffi-ciente de chloral, o somno é profundo; o doente não responde quando o chamam; levantando-lhe as pálpe­bras não acorda, e é necessário excital-o energica­mente para provocar movimentos reflexos, e se por acaso desperta, adormece immediatamente. O desper­tar é agradável, socegado; pouco e pouco o doente volta a si.

Segundo M. M. Goujon e Labbé, os animaes ao sairem do somno comem com appetite, desde que pó-

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dem manter-se era equilíbrio. E ' pois superior ao opio, que constipa e tira o appetite.

Alguns auctores teem observado um estado d'ex-citação inicial, uma espécie de embriaguez e mesmo delirio. Bouchut diz ter algumas vezes notado um pairar exagerado, acompanhado de risadas o agitação, simulando uma verdadeira embriaguez passageira, que nada tem de desagradável; mas nenhum dos seus doentes accusou zunidos dos ouvidos, nem tão pouco pôde observar o delirio, que alguns referem. Estes fa­ctos são, ao que parece excepcionaes, dependentes da pequena dose administrada, porque bastou augmen­t a i s em alguns casos para que a acção hypnotica se réalisasse completamente. Importa pois, quando qui-zermos obter o somno por meio do chloral, dar ao doente a poção d'uma só vez ou com intervallos, que não excedam 15 a 20 minutos.

Que modificações se observam na circulação cere­bral durante o somno chloralico? O primeiro que diri­giu as suas investigações n'este sentido,foi Hammond, professor no hospittal Bellevue, em Nova York. O exame do olho e do cérebro, cujos phenomenos circu­latórios são connexos permittiu-lhe chegar aos seguin­tes resultados :

No principio da acção do chloral o exame ophtal-moscopico mostrou-Jhe dilatação dos vasos da retina e a vascularisação da pupilla: depois, quando sobrevem o somno, a hyperemia da retina desapparece, o fun­do do olho torna-se róseo pallido e a retina exangue. Do lado do cérebro observou em coelhos, cujo ence-phalo tinha sido posto a descoberto por meio de co-

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rôas de trépano, moditicações correspondentes; depois da injecção do chloral, tanto os capillares do cérebro como os das meningeas, túmidos em virtude do afflu-xo sanguíneo; mas apenas a narcose se estabelece, os vasos esvasiam-se e a anemia realisa-se.

Estas observações feitas á vista desarmada e di­rectamente, foram seguidas d'outras em que, servin-do-se do cephalo-hemometro, espécie de manómetro d'agua, destinado a medir a pressão vascular intra-craneana, o illustre physiologista Hammond notou o augmente de pressão antes do somno chloralico e a diminuição depois. De taes resultados concluiu Ham­mond que o chloral, á semelhança dos outros narcóti­cos, produzia o somno anemiando o cérebro, e acres­centava mais uma prova á theoria do somno imagi­nada por Durham.

Pela sua parte Gubler e seu discípulo Langlct, rcgeitam absolutamente as conclusões de Hammond. Langlet, n'um trabalho recente, refere-se a um coelho chloralisado, em que não foi possível observar atra-vez d'uma abertura da abobada craneana, vestigio al­gum d'anemia das meningeas.

Emquanto ao argumento tirado do exame ophtal-moscopico da retina, que Hammond encontrou ane-miada durante a narcose chloralica, e que lhe fez con­cluir pela existência d'um estado análogo do cérebro, as observações dos différentes experimentadores estão longe de ser acordes. Emquanto que Bouchut assi-gnala a stase sanguínea das veias retinianas durante o somno, Horand e Peuch dizem não ter observado

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modificação alguma na circulação do olho pelo empre­go de doses moderadas.

Em face das conclusões contraditórias das expe­riências a que me referi, nada se pôde concluir ba-seando-nos nos seus resultados relativamente ao esta­do da circulação cerebral durante o somno chloralico. Os defeitos dos meios d'observaçào empregados, de­viam naturalmente dar um .tal resultado. Com effeito os experimentadores aproveitaram-se do aberturas pra­ticadas artificialmente nas paredes craneanas dos ani-maes. Ora em taes condições parece-nos difficil apre­ciar convenientemente nas meningeas e no cérebro as perturbações, que cabem ao traumatismo, e as que pertencem á substancia medicamentosa. O contacto do ar, d'uma esponja fria e húmida com os pequenos va­sos, pôde acarretar primeiro a sua contracção, depois a dilatação; e demais o sangue, que se derrama na fe­rida cora a superficie do cérebro, tornando o exame em extremo difficil.

Poderia dar-se mais valor aos traçados tomados sobre uma antiga abertura ossêa coberta pela pelle, se não expozessem ás causas d'erro, que vou referir.

Os partidários d'anemia cerebral acham um argu­mento em seu favor na analogia, que estabelecem entre o cérebro durante o somno e um órgão em repouso. «Quando um órgão está em repouso, diz Bernard, contém ordinariamente menos sangue do que quando trabalha. Foi o que verifiquei em certas glândulas e principalmente no pancreas, que, vermelho e túrgido quando funcciona, está pallido e exangue quando a funcção se suspende. Partindo d'esté facto a anemia

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seria caracterisada por uma diminuição d'irrigaçao san­guínea; a hyperemia por um augmento da massa do sangue em circulação nos vasos do cérebro e não por simples congestão passiva.

Ora as experiências, em que se teem medido as oscillações da massa cerebral não fornecem sempre in­dicações exactas sobre a quantidade de sangue, que atravessa o cérebro n'um dado momento.

Os traçados, diz Salathe, indicam unicamente as mudanças de volume, quo o cérebro soffre pela pres­são arterial, as pulsações e a respiração. Em muitos casos (o que é hoje facto aceite) a massa do sangue não está em relação com a pressão sanguínea. E ' pois necessário empregar meios mais seguros para resolver a questão. Deixar a caixa craneana intacta, subtrahir os vasos do encephalo ás causas modificadoras, e apre­ciar a massa de sangue, que atravessa o cérebro em dadas condições, tal é o meio único, que pôde levar a conclusões exactas sobre Q estado da circulação cerebral durante o somno chloralico. Recolhendo os traçados de pressão sanguinea, e velocidade da circulação na artéria carótida, combinando os resultados obtidos n'estas condições com as modificações do coração e da circulação venosa, pôde reconhecer-se qual a influen­cia do somno sobre a circulação cerebral.

Como se verá adiante, a acção primitiva do chlo­ral é vaso-constrictiva, aceusando-se por diminuição da velocidade da circulação e elevação da tensão ar­terial apezar d'um enfraquecimento das systoles car­díacas, emquanto que durante o somno chloralico esta acção torna-so vaso-dilatadora. N'este caso o cérebro

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será evidentemente pallido pouco tempo depois da ad­ministração do chloral, e quando o somno sobrevem, tornar-se-ha rubro e será atravessado rapidamente por uma quantidade de sangue considerável.

A hyperemia do cérebro tomada no sentido que foi indicado, não trará necessariamente um augmento de volume do órgão, pois que o alargamento da rede capillar e a acceleração do curso do sangue é acom­panhado d'uma diminuição do pressão. Ora sendo as mudanças de volume do cérebro subordinadas ás pul­sações do coração e á pressão arterial, comprehende-se que este órgão possa retrahir-se na cavidade craneana apesar dos phenomenos vaso-dilatadorcs, que n'elle se passam.

As medidas de Hammond, apesar da sua exacti­dão, podiam levar este experimentador a conclusões erradas.

Em resumo todos os experimentadores viram bem : a questão é de interpretação. Interpretando os factos como acabo de expor, Hammond achar-se-ha d'acordo com Grubler e Langlet para concluir pela existência da hyperemia cerebral durante o somno chloralico.

Como acabamos de vêr, o chloral é um agente de hypnotismo; importa pois saber se ha casos de agrypnia em que seja contra indicado e em que do­ses convém administral-o. Parece dever concluir-se das observações feitas até hoje que sempre que a in­somnia, é acompanhada d'um estado congestivo, o chlo­ral não deve ser empregado. A dose preconisada pelos différentes auctores varia muito. É evidente que será

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différente segundo a idade, a saúde e a robustez doa indivíduos. Segundo Liebreich 3 a 4 grammas no adulto, 1 a 3 nas creanças, alguns decigrammas nos recemnascidos, são doses sufficientes. A. Marvaud no seu livro «Le sommeil e l'insomnie» aconselha as do­ses seguintes : 2 a 4 grammas para o adulto, 1 a 2 para os adolescentes, 5 decigrammas a 1 gramma para as creanças até a idade de 5 annos, 1 a 2 de­cigrammas para os recemnascidos.

O vltloral anes t l tes ico . — Liebreich foi o primeiro, que reconheceu no chloral um certo poder anesthesico; mais fraco é certo que a acção hypnoti-ca, mas ainda assim bem manifesto. Richardson admit-te igualmente que durante o somno chloralico ha um momento de insensibilidade completa acompanhada da abolição dos movimentos reflexos. Entretanto alguns observadores, entre os quaes Demarquay, não querem reconhecer esta propriedade do chloral. Este auetor vae mais longe ainda dizendo «que todo o tempo em que os animae8 estão sob a influencia do chloral, a sensibilidade está exagerada cm alto grau; pinçando-lhe a cauda, as orelhas, os lábios reagem por movi­mentos desordenados e gritos prolongados; excitando do mesmo modo animaes, que não estejam sob a in­fluencia do chloral, não se observa facto semelhan­te; . . .a sensibilidade do tegumento persiste, qualquer que seja o grau de somno».

Dieulafoy e Krishaber admittindo um certo grau d'anesthesia, distinguem-no entretanto do que produz o chloroformio, «os phenomenos piwocados pelo chlo­ral são em muitos pontos différentes dos obtidos pelo

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emprego do chloroformio, ainda que a anesthesia seja egual em ambos os casos.»

Diz-se ainda, para responder a certos factos observados, que o somno impede o perceber a dor, e que se se obtém a anesthesia empregando doses eleva­das, o animal em experiência morre inevitavelmente. Ora não se pode negar que o chloral, embotando a sensibilidade em pequenas doses a abole completa­mente, empregando doses fortes. As experiências rea-lisadas em animaes (coelhos e rãs) mostram na reali­dade esta successão d'effeitos; a insensibilidade é tan­to mais pronunciada, quanto as doses, são mais eleva­das.

As experiências de Carville mostram mais que a anesthesia completa pôde conseguir-se sem compro-metter fatalmente a vida dos animaes em experimen­tação. Um cão de corpulência mediana recebe na cru­ral direita uma injecção de 7 centímetros cúbicos de uma solução aquosa de chloral calculada de modo que 2 centimetros cúbicos representem uma gramma de principio activo, por conseguinte a injecção foi de 3,25 grammas de chloral. A operação foi realisada em 5 minutos, e um minuto depois caiu n'um estado de profunda anesthesia. Desprendem-n'o; a resolução muscular é completa, a sensibilidade totalmente ex-tincta: resvalando os dois eléctrodos d'uma pilha enérgica sobre os lábios á volta dos olhos, sobre os músculos ao longo do rachis não se provoca o menor queixume da parte do animal. Sob a acção da corren­te as contracções são rápidas, violentas, mas os movi­mentos reflexos não se manifestam. Entretanto, conti-

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nuando alguns momentos ainda a applieação da ele­ctricidade, o animal começa a fazer ouvir alguns ge­midos, que se transformam em breve em verdadeiros latidos.

A anesthesia desapparece então; se n'este mo­mento, diz Carville, se pratica uma nova injecção de chloral de 75 centigrammas, os phenomenos d'anes-thesia reproduzem-se como antes; o animal dorme, os membros pendentes e n'um estado de completa reso­lução: a anesthesia persiste duas horas depois da ope­ração, mas o despertar só tem logar no fim de 8 horas.

Esta observação é seguramente cheia d'intéressé e não deixa a menor sombra de duvida sobre a acção do chloral como agente do anesthesia e de resolução muscular; mostra mais que os phenomenos provoca­dos pela anesthesia desapparecem rapidamente empre­gando a electricidade, facto que foi egualmente obser­vado empregando o chloroformio.

Poderia, porém, dizer-se que se os animaes em experiência não reagem, quando os excitam, isso é de­vido á impotência muscular. Carville mostrou á evi­dencia que tal asserção não podia sustentar-se. N'um animal chloralisado tomou o traçado da circulação, e notou a sua perfeita regularidade. Excitando então energicamente o animal não vê a menor perturbação no traçado cardiographico, d'onde deve inferir-se que a impressão dolorosa não foi percebida; do contrario a dôr perturbaria a circulação, o que seria logo aceu-sado pelo apparelho registrador.

Lissonde repetindo esta experiência de Carville n'um animal curarisado, viu que & menor impressão

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dolorosa o traçado cardiographies inscrevia a dôr pela irregularidade da sua curva. Se pois o chloral e o cu­rara produzem igualmente a resolução muscular, só o chloral faz desapparecer a sensibilidade.

No cão em que os accidentes da chloroformisação são tanto para receiar, o emprego do hydrato de chlo­ral offerece notável vantagem sobre os outros agentes d'anesthesia.

Vulpian refere no «Progrès Medical» que pôde tirar n'uni cão, servindo-se do chloral, o ganglio cervi­cal superior, operação longa e minuciosa, com a maior facilidade, sem causar a morte do animal.

Em todos os animaes sujeitos á acção do chloral vêem-se desapparecer primeiro os movimentos volun­tários como se o cérebro fosse o único que recebesse toda a impressão chloralica, mas, continuando a acção do agente anesthesico em breve a medula é a seu tur­no attingida, os movimentos reflexos são abolidos e a anesthesia torna se completa. Ao despertar, os pheno-menos passam-se em sentido inverso; a medula livra-se primeiro da acção do chloral, depois é o cérebro, que readquire as suas faculdades, porque os movi­mentos voluntários não apparecem sem que a sensibi­lidade reflexa esteja restabelecida.

No homem tem-se observado do mesmo modo que nos animaes a anesthesia completa. As felizes, posto que temerárias, tentativas d'Orè (assim lhe cha­ma Vulpian) têem mostrado á evidencia que a insen­sibilidade completa se obtém pelo emprego d'injeeçoes intravenosas de chloral. Os outros meios de adminis-

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tração têem dado os mesmos resultados; mas pela in­gestão estomacal os effeitos não são constantes.

Bouchut obteve, segundo diz, a anesthesia com­pleta nas creanças, mas no adulto nem sempre se tem conseguido um resultado tão completo, podendo no entretanto dizer-se que tem sido nos outros casos suf-ficiente para as operações se realisarem com pouco soffrimento para os doentes. Não entraremos em mais amplas considerações, porque na ultima parte do nos­so trabalho teremos de nos referir novamente a este assumpto.

Acção sobre a circulação e sobre o san-9 u e - — O hydrato de chloral tem uma acção manifes­ta sobre o órgão central da circulação. Todos os ex­perimentadores têem observado sob a sua influencia modificações variáveis, segundo a dose ingerida ou administrada pela via venosa, que é a geralmente em­pregada nas experiências em animaes.

O conhecimento d'estas modificações tem grande importância, desde que Ore emprega as injecções in­travenosas de chloral com o fim de obter a anesthesia no homem.

Arloing observou nos animaes, empregando doses moderadas, e servindo-se dos traçados cardiographicos uma série de modificações relativas:—1.° ao estado da pressão na auricula e ventrículo; 2.° ao numero das systoles; 3.° á força das systoles auricular e ven­tricular. Do seu estudo sobre o chloral transcrevere­mos uma das experiências do illustre physiologista :

«Um cavallo em experiência recebeu duas injec-

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çÕes de chloral n'uma veia digital. O animal ador­mece facilmente; a sensibilidade desapparece completa­mente. Este estado dura mais de 3/4 d'hora. Ao ter­minar a experiência o animal agita os membros, mas a pelle ainda está insensível. Alguns segundos depois de praticada a injecção, a pressão diminue na auri­cula e ventrículo direitos. Os minima dos traçados fornecidos por estas duas cavidades approximam-se da linha das absisas. A descida dos traçados dá-se gra­dualmente e é cada vez maior; depois suspende-se, fi­cando as curvas abaixadas até ao fim da experiência. Apenas injectado o chloral a energia das systoles au­gmenta um pouco na aurícula e no ventrículo para soffrer logo diminuição, mas antes de terminar a ex­periência as curvas systolicas readquirem a amplitude, que tinham antes de praticada a injecção. Desde o momento, em que o chloral é injectado no sangue, até ao fim do traçado, a systole ventricular alonga-se; a contracção do ventrículo é menos rápida do que nas condições physiologicas; a fibra muscular cardiaca pa­rece perder energia á medida que fica em contacto com os productos, que o chloral fornece ao organismo. O mesmo das revoluções cardiacas, que era de 30, antes da administração do chloral, logo depois da in­jecção desce a 28; mas o coração accelera-se e em menos de 10 minutos o numero das contracções sobe a 68 por minuto. N'este momento a sensibilidade está completamente abolida; a applicação d'um corpo es­tranho sobre a cornea não determina a contracção re­flexa das pálpebras. Durante este período d'anesthe-sia completa o numero das contracções do coração di-

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minue pouco a pouco e n o fim da experiência volta a 30 por minuto».

Em resumo: diminuição e depois acceleração das pulsações do coração, diminuição de pressão nas ca­vidades direitas do coração, demora na contracção das fibras musculares cardíacas, tal é o effeito que o chloral produz quando empregado em doses modera­das.

Se a quantidade de chloral injectada fôr mais considerável, sobrevem perturbações cardiacas, que podem dividir-se em primitivas e secundarias. As pri­mitivas variáveis com as doses, a rapidez da injecção, o estado de concentração do chloral, a situação da veia em que se praticam, apparecem alguns segundos apenas depois da injecção, e são a consequência im-mediata d'ella.

Mas o chloral introduzido no organismo occasio-na do lado do coração outros accidentes. Dando a um animal uma dose sufficiente de chloral, quer pela via estomacal, quer em injecções subcutâneas, quer em-fim por uma série d'injecçoes intra-venosas, veem-se apparecer do lado dos órgãos circulatórios os acciden­tes consecutivos á absorpção lenta do chloral: são as perturbações secundarias. As primeiras eram imme-diatas e produzíam-se sob a influencia directa da in­jecção; as outras, ao contrario, mostram-se tardiamen­te sob a influencia da intoxicação geral do organismo.

As perturbações cardiacas primitivas são variá­veis e podem passar por uma série de phases, offe-recendo cada uma um caracter de gravidade crescen­te. Temos: 1.° uma simples diminuição do numero

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das pulsações com abaixamento da pressão; 2.° dimi­nuição do numero das pulsações, seguida de detenção do coração; 3.° suspensão rápida do coração com abaixamento de pressão; pôde n'este caso sobrevir o restabelecimento das contracções cardíacas, mas não é raro vêl-o faltar.

A detenção do coração é então definitiva. Estas perturbações, que se observam nas experiências em animaes, dar-se-hão igualmente no homem? Numero­sos factos de physiologia comparada, bem estabeleci­dos hoje, permittem á priori responder afnrmativa-mente.

E não deveria ser assim? Haverá entre os syste-mas circulatórios d'um grande mamifero (o cão e o ca-vallo) e o do homem, differenças anatómicas ou histo­lógicas bem accentuadas para que os effeitos bem ac-cusados, produzidos por uma substancia medicamen­tosa nos primeiros, deixe de verificar-se no segundo? Que seria a physiologia experimental se os resultados obtidos nos animaes não fossem applicaveis ao ho­mem? Estes accidentes são, porém, transitórios, de modo que é diíficil observal-os com precisão no leito dos doentes. Deve, porém, dizer-se que das observa­ções clinicas de Orè e d'alguns auçtores se pôde con­cluir que, em seguida á injecção do chloral nas veias e no homem, se dão as mesmas perturbações, que a experiência réalisa nos animaes: difficuldade ou deten­ção respiratória, immobilidade do thorax, diminuição do numero das pulsações cardíacas, etc.

Qual a causa das perturbações cardíacas primiti­vas? O chloral actuará directamente pelo seu contacto

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com a parede interna do coração ou arrastado pela corrente sanguinea irá dirigir a sua acção sobre o ap-parelho moderador do coração, bulbo e pneumogas-trico.

Tem-se observado, empregando o signal eléctrico de Deprez (para reconhecer com precisão o momento da injecção) que os accidentes cardíacos primitivos sobrevem no fim de 4 a 5 segundos. Ora poder-se-ha admittir que, durante este curto intervallo, o chloral tem tempo de chegar ao coração direito, atravessar o pulmão, chegar ao coração esquerdo e d'ahi ser leva­do ao bulbo? Deve, pois, admittir-se que o chloral actua pelo contacto com a parede interna do coração.

Notando a rapidez da acção, a pouca duração dos phenomenos, deve admittir-se que o chloral não,tem tempo de penetrar o tecido muscular e, se esta pene­tração tivesse lugar, a acção não se limitaria a alguns segundos, mas prolongar-se-hia até á eliminação do agente medicamentoso. Demais, no maior numero dos casos a detenção produz-se em diastole e coincide com o relaxamento das fibras musculares.

Ora o chloral não actua d'esté modo sobre os músculos; ao contrario, provoca a contractura muscu­lar. Em alguns animaes, como a tartaruga, a deten­ção do coração dá-se em systole; o chloral levado pelo sangue ao único ventrículo cardíaco e d'ahi pelas ar­térias coronárias ao contacto do tecido muscular, che­ga em estado de concentração suíficiente para provo­car a contractura muscular, o que não acontece nos mamíferos, pois que o chloral antes de chegar ás ar­térias coronárias tem primeiro de atravessar o pulmão,

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e quando penetra na intimidade do tecido cardiaco, vae em tal grau de diluição, que a acção é quasi nulla.

Deve pois admittir-se que o chloral actua sobre os elementos nervosos do coração.

Já Vulpian, nas suas «Leçons sur le chloral» dizia o seguinte: «Quando se pratica uma injecção de chloral n'uma veia pouco afastada do coração, pôde succéder que o sangue chegue ao órgão central da circulação, contendo quantidade suficiente de chloral para produzir por acção reflexa, passando pelo bulbo ou pelos ganglios intra-cardiacos, a detenção do co­ração.»

Troquart realisou experiências com o fim de ve­rificar a hypothèse da excitação endocardiaca, refle-ctindo-se sobre o apparelho moderador do coração. Nas primeiras, em que supprimiu o centro de reflexão— bulbo—ou as vias de transmissão centrifuga e centrí­peta—pneumo,—os accidentes immediatos apresenta-ram-se na mesma ordem e com a mesma intensidade, d'onde concluiu, por exclusão, que o chloral dá logar a uma excitação de que a esphera d'acçao não excede o systema nervoso intra-cardiaco.

E' sabido que o chloral tem uma acção irritante sobre os tecidos, produzindo phenomenos dolorosos (o que já foi dito); é pois natural o admittir-se que exci­te os filetes nervosos sensitivos do endocardo, deter­minando nos ganglios intra-cardiacos uma acção re­flexa, que reaja sobre as fibras moderadoras.

Para o provar basta supprimir o apparelho gan­glionar intra-cardiaco, impedindo assim a producção

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do acto reflexo, que tem logar n'este apparelho. Este resultado obtem-se com a atropina, que, paralysando a extremidade peripherica do pneumogastrico, con­serva a excitabilidade do topo central (Keutchel).

Com effeito, submettendo um animal á influencia da atropina, se injectarmos em seguida uma dose sufficiente de chloral para provocar no estado normal a detenção do coração, a respiração supprime-se, mas as pulsações do coração continuam ainda por muito tempo. D'isto deve concluir-se que os filetes cardíacos do pneumogastrico paralysados pela atropina não po­dem actuar como agentes moderadores o que é mais uma prova a favor da theoria, que apresentei.

«Se observarmos agora, diz Troquart, o que se dá n'um animal sujeito a injecções successivas de chloral, vêem-se os accidentes primitivos attenuar-se a pouco e pouco e em breve apparecer um periodo novo, em que as perturbações cardíacas mudam de feição, não estando mais sobre a dependência da mes­ma causa. Ao principio havia detenção ou enfraque­cimento immediato do coração, resultado do contacto do endocardo e excitação reflexa sobre o apparelho moderador; agora o chloral é absorvido, actua sobre todo o organismo e as perturbações resultam d'uma acção paralysante sobre os elementos nervosos. Estas perturbações dão-se em todos os animaes, e os effeitos causados por muitas injecções intravenosas assemelham-se aos de qualquer outro meio de administração. São tardios, apparecem só no curso da chloralisação e, posto que constantes, variam d'intensidade, segundo a dose absorvida.

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Se injectarmos debaixo da pelle da coxa d'uma rã urna gota de chloral em solução concentrada, obser-va-se (Troquart) no fim de 5 a 10 minutos, diminuição do numero das pulsações. Pouco considerável ao prin­cipio, accentua-se cada vez mais, terminando por uma detenção definitiva em diastole; o ventrículo e a auri­cula encontram-se repletos de sangue negro. Taes são os phenomenos, que se observam na rã, não só depois d'uma injecção subcutânea, como por qualquer outro modo d'administraçao.

Com effeito se emergirmos (Troquart) a pata d'u­ma rã n'uma solução de chloral a */10, mantendo-a duas horas e meia n'esta posição, notamos no fim d'esté tempo, immobilidade, anesthesia absoluta, de-sapparecimento dos movimentos reflexos; as pulsações descem de 60, que eram no principio a 10 por mi­nuto.

Se agora a collocarmos n'um panno húmido, sob a acção d'um fio d'agua, no dia seguinte as pulsações do coração voltam a 60. Os movimentos voluntários, reflexos, etc., apparecem.

Esta experiência mostra que qualquer que seja a via d'introducçao do chloral, o effeito é constante; ha diminuição do numero das pulsações, reparavel em certos casos, seguido de detenção n'outros. (1)

Nos mamíferos (cão, coelho, etc.) o funccionamen-

(1) E' o phenomeno mais apparente; mas desde o momen­to da injecção até á detenção definitiva, além do enfraqueci­mento das pulsações, ha phases de irregularidades ainda que transitórias.

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to do coração é modificado no mesmo sentido. Nota-se, porém, depois do periodo de diminuição do nu­mero das pulsações, que ellas se tornam muito fre­quentes, tumultuosas, difficilmente perceptíveis—ver­dadeiras palpitações,—coincidindo em geral com uma demora na respiração. Estas perturbações só se pro­duzem, quando a chloralisação está muito avançada para que a excitabilidade directa ou reflexa dos pneu-mogastricos tenha desapparecido. A innervação do coração está pois completamente alterada e, diz Fran­çois Frank que, examinando os traçados recolhidos durante estas desordens funccionaes, vê-se que a maior parte das systoles são incompletas, abortadas. O que mostra que são realmente simples abalos musculares das paredes dos ventrículos, é a coincidência do abai­xamento de pressão com esta acceleração apparente.

MECANISMO DAS PERTURBAÇÕES CARDÍACAS SE­CUNDARIAS. — Gubler, no seu livro de therapeuti-ca, diz: «uma dose toxica de chloral dá lugar á mor­te por detenção das pulsações cardíacas, não actuan­do talvez directamente sobre o coração, mas antes por intermédio do bulbo, exagerando a acção do nervo suspensor ou esgotando a innervação dos ganglios car­díacos por um mecanismo, que importa determinar.»

Vulpian suppõe que o chloral actiia excitando o bulbo ou a origem dos nervos vagos no centro bulbo espinhal.

Troquart, fazendo chegar uma solução muito di­luída de chloral ao bulbo, injectando 3 decigrammas de chloral em solução a 1/10 na carótida d'um coelho, não observou perturbação no rhythmo das pulsações

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cardíacas, mas no fim d'alguns minutos o animal morria, apresentando perturbações geraes, convulsões, etc. Repetiu a experiência n'um cão e o animal sobre­viveu á injecção de 1 gramma na carótida, mas não observando modificação no coração, concluiu que não é a excitação do bulbo pelo chloral misturado com o sangue, que provoca as perturbações cardiacas. Diz mais, que sempre que nas rãs observava a detenção do coração ou a diminuição do numero das pulsações, o bulbo tinha sido primeiro destruído, o que exclue a influencia d'esté centro. Liebreich suppõe que o chloral, depois de ter actuado sobre o cérebro e a me­dulla, attinge em ultimo logar os ganglios intracardia-cos e os paralysa. E' então que o coração deixa de pulsar; considera como pouco provável uma acção so­bre o nervo vago e o musculo cardíaco. Como prova da acção sobre os ganglios nervosos do coração apre­senta a experiência seguinte: detém o coração d'uma rã com uma dose sufficiente de chloral, e depois cor­ta o órgão abaixo dos ganglios, tendo primeiro reco­nhecido que não reage excitando-o. Realisada a sec­ção é fácil reconhecer que o coração se contrahe, quando o tocam.

E. Labbé regeita a theoria de Liebreich e pro­cura substituil-a por outra, em que sustenta a influen­cia do bulbo porque, diz elle, o coração nas rãs, que sujeitei á experiência, mantem-se mais tempo, quan­do se corta o bulbo, do que quando elle está intacto. Formula a sua theoria do seguinte modo:—E' prová­vel que o hydrato de chloral attingindo o bulbo exci­te o nervo vago, em pequenas doses, e o paralyse

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(doses elevadas), d'onde resultem primeiro pulsações tumultuosas, depois a detenção do coração.

«Poderá, diz Troquart, a excitação do nervo vago, seguida de paralysia, acarretar primeiro pulsações tu­multuosas e depois a detenção do órgão ? Ha eviden-dentemente confusão». Para Troquart a acção do chloral exerce-se sobre todos os elementos nervosos intra-cardiacos; paralysa a extremidade peripherica do pneumogastrico e assim lhe tira a influencia modera­dora sobre o coração, mas ao mesmo tempo actua so­bre os centros excito-motores e enfraquece assim os movimentos cardíacos; conforme for o systema excito-motor ou moderador, o mais influenciado, assim se observam phases de acceleração ou suspensão das pul­sações do coração.

Emfim, quando a excitabilidade do órgão fór completamente destruida dar-se-ha a suspensão defi­nitiva.

Depois de termos apresentado a acção do chloral sobre o coração e as différentes theorias, que procu­ram explical-a, resta-nos para terminar o estudo do chloral sobre a circulação, assignalar a sua influencia sobre a circulação arterial, venosa e capillar.

CIRCULAÇÃO ARTERIAL.—Quasi todos os expe­rimentadores, Arloing, 01. Bernard, Vulpian, Offret, Frank e Troquart, etc., notaram que sob a influencia do chloral, qualquer que seja o seu modo d'adminis-tração, a pressão arterial baixava. Só Bouchut dando o chloral a creanças, e Davreux de Liége notaram augmente de tensão arterial.

Cl. Bernard, diz nas suas lições sobre o chloral:

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«Além da diminuição de pressão produzida a cada contracção cardiaca, ha abaixamento da pressão cons­tante, o que não admira, pois que tinha já anterior­mente notado dilatação vascular peripherica».

E' também a opinião de Vulpian quando diz, a propósito das injecções intra-venosas de chloral, «o coração continua a pulsar, mas com menos força; o pulso é mais fraco, e, se o hemodynamometro estives­se em communicação com uma das artérias carótidas indicaria por certo diminuição notável de tensão in­travascular.» Troquart, que também notou esta dimi­nuição de pressão intravascular, exprime-se d'esté mo­do sobre a sua causa:

«Este phenomeno reconhece por causa a dilata­ção vascular, devida á paralysia dos vaso motores e ao enfraquecimento notável das pulsações do coração, quer por fadiga muscular, quer por acção lenta do chloral sobre o systema nervoso intra-cardiaco».

Arloing notou também, servindo-se do sphyg-moscopio, como determinação geral, a diminuição da pressão arterial na chloralisação. Ora se obser­va, diz Arloing, uma depressão rápida e consi­derável de pressão, porque a introducção do chlo­ral traz um enfraquecimento profundo e muitas vezes a detenção do coração; ora a diminuição é len­ta, e então deve ter-se em conta o vaso explorado e o modo d'exploraçao. Se a pressão for recolhida late­ralmente no trajecto d'um vaso volumoso, como a carótida, os traçados accusam sempre pouco depois da injecção do chloral um augmente de pressão, que dura 3 a 4 minutos, seguido logo d'abaixamento, que per-

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siste ató ao despertar. Se a pressão for tomada no topo central d'uma artéria de menor calibre, como a facial, o augmento de tensão pode ser desconhecido, se o apparelho indicador fôr pouco sensível.

O abaixamento da pressão é mais pronunciado no traçado do topo peripherico, do que no do topo cen­tral dos mesmos vasos. O numero das pulsações dimi­nue ao principio, sob a influencia do chloral, para aug-mentar em seguida consideravelmente; ás vezes po­rém augmenta desde o principio e coincide com o abai­xamento de pressão, o que demonstra que a pressão arterial não está subordinada ao numero das contrac­ções do coração. Emquanto que no principio a força das pulsações augmenta acompanhando à elevação de tensão e a diminuição do numero das mesmas pulsa­ções, depois, quando sobrevem o período de accelera-ção, diminue constantemente.

Namias, Langlet, Demarquay, não encontraram alterada a forma das pulsações; Arloing porém obser­vou nos solipedes que o pulso dicroto, antes da admi­nistração do chloral, se tornava polycroto depois. Em­quanto ás modificações na velocidade do curso do san­gue nos animaes chloralisados, Arloing, que foi o pri­meiro a estudal-a, diz o seguinte:

«Alguns segundos depois da introducção lenta do chloral nas veias, as velocidades systolica e diastolica diminuem. A alavanca do hemodromographo descrevo a cada systole uma oscillação menor do que no estado normal. Se obliterarmos a corotida entre o coração e o ponto d'applicaçao do apparelho, a alavanca fica immovel e traça uma linha de zero, que está quasi

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ao nível dos minima da curva de velocidade, minima que exprimem o valor da velocidade diastolica, de sor­te que a velocidade constante é quasi nulla entre duas systoles do coração. Estas modificações coincidem com a diminuição do numero das pulsações, a elevação da pressão arterial e o augmente da força do pulso. São, pois, devidas a um enfraquecimento no curso do san­gue na peripheria das artérias.

D'isto deve concluir-se que a elevação de pressão nas artérias no principio da chloralisação lenta é de­vida ao augmente da força do coração e á diminuição do debito dos arteriolos. Injectando novas doses de chloral, a velocidade diastolica augmenta; quanto á velocidade systolica volta primeiro ao que era antes da experiência, depois passa além. Se porém, a dose de chloral fôr muito considerável, a amplitude das curvas de velocidade começa com o abaixamento da pressão arterial e dura tanto como o somno; coincide com a acceleração do pulso e enfraquecimento das sys­toles. Por conseguinte, é devida ao augmente d'escoa-mento na extremidade das artérias.

A forma do traçado da pulsação de velocidade varia nas différentes phases da chloralisação. No prin­cipio a pulsação tem uma certa duração; a curva, que a representa, é pouco aguda no vértice e apresen­ta um leve dicrotismo; depois a pena é levantada e cáe rapidamente. A forma das pulsações de velocida­de confirma o que já disse, que a onda sanguínea no principio circula com dificuldade nas artérias, ao passo que na chloralisação confirmada circula nos vasos com a maior facilidade.

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CIRCULAÇÃO VENOSA. — Todos os experimenta­dores teem observado que ao passo que a pressão bai­xa nas artérias, sobe ao contrario nas veias.

Muitas vezes a pressão venosa modifica-se mais tardiamente do que a pressão arterial, mas sempre no sentido indicado.

Quando o sphygmoscopio, collocado no topo peri-pherico d'uma veia, é muito sensível, o traçado, que se obtém alguns segundos depois da injecção de chlo­ral apresenta pulsações isochronas com as marcadas pelo traçado da artéria correspondente.

CIRCULAÇÃO CAPILLAR. — O maior numero dos auctores, Bernard, Demarquay, Vulpian, etc., admit-tem que o chloral produz dilatação vascular conside­rável caracterisada pelo rubor dos tegumentos interno e externo, e congestão dos órgãos parenchymatosos; alguns assignalam a contracção dos arteriolos (Anstie, Sanderson). A dilatação vascular é interpretada diver­samente por os que a admittem: Troquart e Frank admittem que o sangue afflue aos capillares dilatados para passar em seguida rapidamente ás veias; outros porém, acreditam na existência d'uma verdadeira stase nas redes capillares dos tegumentos, dos músculos e dos parenchymas. Os capillares serão contrahidos ou dilatados na chloralisação ? Arloing, baseando-se nos traçados de pressão sanguínea e velocidade da circula­ção, mostra que elles passam successivamente por estes dous estados. Com effeito, no principio da acção do chlo­ral a pressão arterial sobe e a velocidade geral da circu­lação diminue, emquanto que depois a pressão baixa e a velocidade augmenta consideravelmente. Ora o au-

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gmento de pressão associado á diminuição da circu­lação nas artérias, no momento em que o coração se contrahe fracamente, não pode ser devida senão a con­tracção dos capillares-. Ao contrario, as modificações ulteriores caracterisam a dilatação dos mesmos vasos.

A stase nos vasos capillares só pôde dar-se no ultimo período do envenenamento chloralico. O aug­mente constante da velocidade do sangue, a elevação de tensão nas veias, são dois phenomenos, que mos­tram que o sangue atravessa os capillares com grande rapidez.

O sangue encontra tão pouca resistência em atra­vessar certas redes capillares, que a pressão arterial se faz sentir no topo peripherico das veias.

A acção do chloral sobre o sangue é dífferente-raente descripta pelos auctores. Richardson diz que o sangue arterial e o venoso conservam as suas proprie­dades objectivas normaes; que o chloral em pequena dose retarda a coagulação do sangue; que o conserva e actua como um antiseptico; emfim, em alta dose, al­tera o sangue mesmo no organismo, perdendo os gló­bulos a forma e augmentando de consistência ao passo que a coagulação não se podia mais produzir. Ma-gnaud «These sur le chloral», diz que o sangue sob a influencia do chloral experimenta as alterações se­guintes: as hematias perdem a forma, a hemoglobina torna-se hyalina, apparecem granulações gordurosas e os glóbulos parecem augmentados de volume. Quanto ao soro, coagula. No homem, uma solução chloralisa-da injectada n'uma veia, produz a coagulação do san­gue. (Porta). Emfim, différentes auctores empregando

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o methodo d'injecçôes intra-venosas de chloral, segun­do o processo de Oré, tiveram occasião d'observar coa­gulações sanguíneas extensas sob a influencia do chlo­ral.

Acção sobre a i-egftíraeão e calorifica-çâo.—Todos os observadores teem reconhecido a in­fluencia que o hydrato de chloral tem sobre a respi­ração; mas as investigações feitas no sentido de en­trar nas particularidades das modificações experimen­tadas por estas funcções, são pouco importantes. Dado em pequena dose, o hydrato de chloral diminue o nu­mero dos movimentos respiratórios nos animaes; ás ve­zes torna-os intermittentes, irregulares; as doses for­tes suspendem d'um modo rápido a respiração, depois de ter perturbado profundamente o seu rhythmo.

Segundo Krishaber e Dieulafoy, todos os mús­culos, que concorrem para esta funcção, inclusive o diaphragma, soffrem a influencia hyposthenisante do chloral. No homem a ingestão de pequenas doses tem uma acção insignificante sobre os movimentos respi­ratórios, mas as doses elevadas produzem irregulari­dade e difficuldade na respiração, que se torna super­ficial, como arquejante, e pôde mesmo supprimir-se.

Sob influencia das injecções intra-venosas, obser-va-se do lado da respiração, do mesmo modo que no coração, perturbações primitivas e secundarias. As per­turbações secundarias, que acompanham a chloralisa-ção confirmada, observam-se, qualquer que seja o modo de administração, e são as já referidas. As pri­mitivas, que seguem logo á injecção, e lhe são espe-ciaes, resultam, segundo Troquart da impressão do

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chloral sobre o endoeardo. São actos musculares refle­xos de que o ponto de partida é a excitação dos file­tes sensíveis do endoeardo (Troquart). Consistem, ora n'uma simples diminuição do numero das pulsações, ora n'uma suspensão da funeção reparavel n'alguns casos, definitiva n'outros, mas em todo o caso prece­dendo sempre a suspensão do coração.

Segundo Willième, a excitação enérgica do septo do nariz basta para tornar regular a respiração per­turbada durante a chloralisação; é um meio que deve ser empregado em caso de accidente. Pôde ainda ap-plicar-se uma corrente eléctrica em différentes pontos da superficie do corpo para combater os accidentes produzidos pelo chloral. Disse já que era esta a opi­nião de Vulpian, no que é seguido por Oré de Bor­deaux, Villième, etc.

Alguns auetores preferem as inhalações d'oxyge-nio (Byasson), ou ainda a respiração artificial, recom-mendada por Richardson. Troquart referindo-se a este assumpto, diz ter notado muitas vezes que, quando a dose injectada era sufficiente para provocar uma sus­pensão definitiva do coração e da respiração, as cor­rentes eléctricas eram impotentes para restabelecer as funeções supprimidas. «E além d'isso, diz Troquart, como medir exactamente a acção d'uma corrente elé­ctrica applicada sobre os tegumentos ? Não seria para receiar que um reophoro collocado ao nivel do pes­coço favorecesse a suspensão do coração, accidente que se queria combater?» No entretanto a electrici­dade pode pela excitação, que produz, despertar o in­dividuo, tiral-o do estado de torpor em que está n'es-

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tas condições, o que não impede recorrer ao empre­go d'outros meios, quando as circumstancias o exi­jam.

As perturbações secundarias teem sido diversa­mente explicadas. Uns fazem intervir a influencia do bulbo, outros, como Richardson, explicam-nas pela amyosthenia dos músculos respiratórios.

Labbé sem negar a influencia de différentes cau­sas, admitte como principal a acção sobre o bulbo e medulla espinhal. Esta acção é sufficiente, diz Labbé, para perturbar os movimentos respiratórios ou suppri-mil-os, visto que são governados por nervos emana­dos do bulbo e medulla espinhal; o enfraquecimento da circulação é ainda para este auctor uma causa que actua -secundariamente sobre a funcção.

Todos os auctores, que estudaram a acção do chloral, notaram que esta substancia produz abaixa­mento de temperatura. Demarquay, ensaiando o me­dicamento nos animaes e no homem, diz que o chorai injectado debaixo da pelle, na dose de 20 centigram-mas a 1,20 grammas no coelho, determina abaixa­mento de temperatura de i/i grau a 1 grau, e dado pela via degestiva no homem, na dose de 2 a 5 gram­mas, produz uma diminuição de temperatura de al­guns décimos de grau.

Richardson, Dieulafoy e Krishaber viram no coe­lho e no cão baixar a temperatura 2 graus; depois Troquart notou diminuição de 3 a 4 graus n'um cão a que tinha injectado nas veias 15 grammas de chlo­ral. Depois da administração d'uma dose muito eleva­da, a temperatura pôde baixar 8 a 9 graus Labbé,

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10° Krishaber, e mesmo 11.° graus Vulpian. Quando os effeitos da- chloralisação se dissipam, a temperatura sobe progressivamente ao grau normal, mas, diz Vul­pian, a morte poderia sobrevir pelo único facto do abaixamento de temperatura, se a duração da chlora­lisação permittisse um maior resfriamento, e n'este caso o único remédio, tanto para o animal como para o homem, é aquecer o corpo artificialmente.

No homem, nos casos mortaes, não se têem dado medidas thermometricas; falla-se apenas de suores frios e de resfriamento excessivo.

Para explicar o abaixamento de temperatura sob a influencia do chloral, os différentes auctores fazem intervir elementos diversos. Vulpian ex-plica-o pelo enfraquecimento da acção do coração, paralysia dos pequenos vasos, pela diminuição do numero dos movimentos respiratórios e falta d'oxy-genação do sangue, que é o resultado, pelas modifica­ções experimentadas sob a influencia do chloral pelos différentes elementos anatómicos dos tecidos do orga­nismo, e emfim pelas alterações do liquido sanguíneo, alterações que, segundo Vulpian, diminuem a sua re­ceptividade para o oxygenio, ou tornam mais difficeis as permutações com a substancia organisada extra-vascular.

Troquart, referindo-se a estas différentes influen­cias invocadas por Vulpian diz : «estas différentes cau­sas podem contribuir para fazer baixar a temperatura, mas a que predomina sobre todas é a dilatação vas­cular peripherica e a grande perda de calórico, que d'ella resulta.»

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Emfim para Arloing este abaixamento de tempe­ratura é resultado d'uma causa principal a diminuição d'absorpçao d'oxygenio, e producçào d'acido car­bónico e de causas accessorias, entre as quaes a prin­cipal é a dilatação vascular peripherica, produzindo o augmente de irradiação á superficie do corpo.

Acção sobre o systems* nervo-miisciilnr. —Um dos primeiros effeitos da acção do chloral sobre o organismo observado por todos os experimentado­res, é uma perturbação do lado da motilidade, consis­tindo na incoordenação dos movimentos, frouxidão e resolução muscular em grau diverso, segundo as doses. Oré, injectando o chloral nas veias dos animaes con­seguiu obter a resolução muscular completa. Demar-quay concluiu das suas experiências que o chloral é o agente mais potente de resolução muscular, que se conhece. No homem, segundo alguns auctores, não é possivel obter, a menos d'accidentés tóxicos, uma amyosthenia tão completa como nos animaes; mas Jas-trowitz observou no entretanto que 7 a 8 grammas de chloral podiam tornar os membros flaccidos, a maxil­la inferior pendente, a cabeça móbil a ponto d'obede-cer á acção da gravidade. Oré conseguiu também cbter no homem uma resolução muscular completa pelo emprego das injecções intravenosas de chloral.

O hydrato de chloral pôde também produzir, do mesmo modo que o chloroformio, a exaltação do po­der muscular. Este phenomeno, que raras vezes se observa, é acompanhado d'ordinario d'outros phenome-nos d'excitaçào e annuncia-se por augmente de força physica.

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Albutt refere um facto d'uma mulher, convales­cente de rheumatismo articular, que tendo ingerido uma dose hypnotica de chloral, teve dores musculares violentas, estremecimentos nos músculos das coxas, contracções espasmódicas das mãos, e emfim um ver­dadeiro opisthotonos, de tal modo que houve receio de engano na preparação do medicamento; mas veri-ficou-se que a doente tomara o chloral puro.

Outros factos semelhantes teem sido observados nos alcoólicos e alienados. Nos animaes a morte é ás vezes precedida de convulsões (Richardson). Estes fa­ctos não teem ainda sido sufficientemente explicados.

Emquanto ao estado dos movimentos reflexos na chloralisação, Liebreich, Richardson, Griraldes, etc., observaram a sua conservação nos animaes e no homem, durante o somno chloralico; mas observações d'outos auetores mostram o seu desapparecimento, empregando doses sufficientes para produzir a anes­thesia completa. A acção do chloral sobre os músculos tem sido explicada por uma acção directa sobre as fibras musculares (Richardson), mas o musculo reage perfeitamente quando o electrisam.

Segundo outros, ha simples stase sanguínea que impede a contracção muscular. Para Labbé se a con­gestão passiva pôde difficultar a acção muscular, não é bastante para a impedir. Admitte para explicar o phenomeno uma influencia sobre a medulla, que, pri­vada da sua acção excito-motora, é impotente para reagir por intermédio dos nervos motores sobre os gru­pos musculares, e estes entram em resolução por que perderam a sua relação de incitação com a medulla,

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Diz ainda Labbé que não deve ser posta de par­te a influencia cerebral; o hydrato de chloral actua so­bre toda a massa encephalica tanto sobre a parte a que pertence a coordenação motora como sobre o bul­bo e hemispherios.

Seja a protuberância (Longet) ou outra parte do cérebro a que a coordenação pertença, a funcção é al­terada, os movimentos voluntários perdem a coorde­nação e a amyosthenia começa.

Assim para Labbé a resolução muscular explica-se pela perda do poder excito-motor da medulla e ainda por falta de coordenação motora devida a uma acção sobre a protuberância.

Em favor d'esta opinião cita o facto seguinte: electrisando n'um animal privado dos movimentos vo­luntários um nervo motor, o musculo, que está sob a influencia d'esté nervo, contrahe-se; o chloral não des­truiu pois a conductibilidade nem a contractilidade nervosa. Em resumo a resolução muscular é produzi­da por acção do chloral sobre a medulla e cérebro (protuberância e hemispherios) e accessoriamente por stase sanguínea nos músculos.

A acção hypocinetica produzida pelo chloral nos músculos da vida animal, dar-se-ha egualmente nos músculos da vida orgânica ? Os resultados obtidos por différentes auctores variam muito. Segundo Colin, em­pregado em alta dose, suspende o trabalho digestivo e produz nos animâes a inércia da bexiga. Besnier e Mar-tineau publicaram observações, em que dizem ter vis­to suspender-se um aborto imminente pelo emprego de doses elevadas de chloral.

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Outros experimentadores observaram factos di­versos. Liebreich notou nas suas primeiras experiên­cias em animaes que as contracções peristalticas do intestino se exageravam sob a influencia de fortes do­ses de chloral. Lambert n'uma communicação á so­ciedade medica d'Edimburgo, dizia o seguinte: «o chloral, longe de suspender as contracções uterinas, augmenta-as. » O dr. Bourdon, empregando frequen­tes vezes o chloral no serviço de partos do hospital de Charité, diz que sob a influencia de pequenas doses de chloral as contracções uterinas lhe pareceram mais enérgicas e o trabalho terminar mais promptamente. Pelissier, determinando a anesthesia completa pelo emprego do chloral, não pôde notar que este agente tivesse influencia sobre as fibras lisas do utero.

Labbé, referindo-se ao facto observado por Lie­breich, de que acima fallei, pergunta se haverá exci­tação directa sobre as fibras musculares, e acrescenta que lhe parece pouco provável. Suppõe ao contrario que é um effeito secundário, resultante da suppressão da influencia do cérebro e da medulla.

Depois da secção d'esta na parte cervical vê-se apparecer a exageração dos movimentos peristalticos do intestino.

Quanto á acção sobre o systema nervoso, pouco nos resta a acrescentar ao que se encontra em diffé­rentes pontos d'esta these.

O chloral actua d'um modo análogo ao dos ou­tros anesthesicos sobre as différentes partes do syste­ma nervoso. A medulla perde, como já disse, succes-sivamente o seu poder excito-motor, sensitivo e em-

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fim o seu poder reflexo. Os nervos rachidianos per­dem as suas propriedades n'uma ordem quasi sempre a mesma dos pares inferiores aos superiores, o que mostra que a medulla é attingida de baixo para cima. A's vezes em lugar de phenomenos paralyticus sobre­vem uma exageração funccional do systema nervoso, consistindo em excitação psychica e exaltação muscu­lar, etc.

O cérebro é um dos primeiros a soffrer a acção do chloral, e um dos primeiros effeitos tem lugar no nervo do 5.° par (ramo ophtalmico do trigemio), por­que pouco tempo depois da administração d'osta subs­tancia, a conjunctiva perde a sensibilidade.

Os nervos dos sentidos especiaes são em seguida atacados e depois os hemispherios cerebraes. A me­dulla e o cérebro são attingidos quasi ao mesmo tem­po; estes centros perdem as suas funcções pouco a pouco n'uma ordem determinada. O bulbo é o ultimo a soffrer a acção do chloral; mas só as doses toxicas podem ter energia bastante para vencer a resistência d'esté órgão, e então a respiração supprime-se e a morte está imminente.

Apesar das investigações modernas de Bernard, relativamente á acção intima do chloral sobre os ele­mentos nervosos, pode dizer-se que é desconhecida. O grande sympathico experimenta sem duvida a acção do chloral. Talvez ao principio haja excitação e de­pois paralysia d'esté systema (Labbé).

Acção gobre as secreções e eliminação «Io ch lora l . — Segundo Demarquay, Labbé e Gou­jon, a ourina n'um animal chloralisado apresenta como

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única modificação o augmente de quantidade. Alguns, com Gubler, dizem que o chloral é expulso pela ou-rina em ser depois de ter produzido os efeitos, que lhe são próprios; outros, emfirn, sustentam que esta substancia, depois do desdobramento, que experimen­ta no organismo, é eliminada no estado de formiato e chloreto alcalino, mas que uma parte do chloroformio escapando, á ultima decomposição se exhala pelos pul­mões, via natural seguida pelos corpos voláteis, o que explicaria o cheiro especial observado no hálito dos animaes chloralisados.

Maxwell Adams acredita com Gubler na elimina­ção do chloral em natureza pela uretra, baseando-se em que elle produz o tenesmo vesical. Bouchut apon­ta o augmento de densidade da ourina, a reducção por este liquido do reactivo de Foelhing, attribuindo este facto á presença do chloroformio na ourina. Tuke, no­tou o augmento do peso especifico da ourina no ho­mem e uma acidez mais pronunciada. Liebreich en­controu mais chloretos alcalinos e muitas vezes for­miato de soda e Byasson confirmou estes resultados.

O que parece estar decididamente estabelecido é que nem se encontra chloral nem chloroformio nas ou-rinas, mas um augmento de chloretos alcalinos, mui­tas vezos mesmo formiato de soda, quando a quanti­dade de chloral administrada fôr elevada; em geral claras e acidas as ourinas chloralicas reduzem leve­mente o liquido cupro-potassico. Pôde facilmente reco-nhecer-se que a ourina não tem chloroformio nem chlo­ral empregando o apparelho d'analyse de que fallarei a propósito do modo d'acçao do chloral.

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I." Chloroformio.-^-Aquecendo gradualmente a ourina até 60° graus sob a acção d'uma rápida cor­rente de ar, no fim d'uma hora a solução de nitrato de prata, contida no tubo de Liebig do apparelho não perde a limpidez e como adiante direi, bastam vestígios de chloroformio para dar lugar ao precipita­do de chloreto de prata.

2.° Chloral.—Addicionando potassa cáustica até produzir a reacção francamente alcalina e, quando o menor vestigio de chloroformio posto em liberdade de­veria ter turvado o soluto de nitrato de prata, nada se observa ainda mesmo á temperatura de 65 graus.

Se nem se encontra chloral, nem chloroformio na ourina, existirá acido fórmico?

Byasson, como já disse, encontrou-e na ourina, empregando algumas manipulações chimicas. Para re­conhecer a presença de formiato de soda na ourina acidula-se o liquido addicionando-lhe alguns crystaes d'acido tartrico, distilla-se depois numa retorta de vi­dro munida d'um balão, que serve de recipiente. O formiato de soda decomposto, deixa em liberdade o acido fórmico, que se encontra nos productos distilla-dos. Para o separar, satura-se o liquido pelo chumbo o o formiato de chumbo obtido por este meio é trata­do pelo hydrogenio sulfurado. Faz-se-lhe experimen­tar nova distillação, e o liquido obtido é incolor, acido; reduz o oxydo rubro e o bichloreto de mercúrio, e tem todos os caracteres d'acido fórmico.

E' natural, admittido o desdobramento, pergun­tar qual o destino dos dois factores de desdobramen­to, o chloroformio e acido fórmico. O chloroformio é

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reduzido a formiato e chloreto, e apenas uma peque­na porção é eliminada em natureza pelo pulmão; o formiato, quer o que resulta do desdobramento do chloral, quer o que provém do chloroformio, converte-se por uma oxydação ultima em carbonatos alcalinos.

Assim não se encontrariam formiatos alcalinos na ourina, se a decomposição fosse mais rápida, mas ten­do logar progressivamente, o formiato solúvel filtra através do rim sem se decompor e apresenta-se na ourina.

Quanto á reducção do reactivo cupro-potassico pela ourina dos animaes chloralisados, é devida, como diz Personne, ao acido úrico e ao formiato de soda.

O chloral determina nos casos de envenenamento a producção de suores abundantes; a administração de pequenas doses não produz effeitos muito sensíveis.

Já referi a hypercrinia salivar reflexa produzida pelo chloral, tanto no homem como nos animaes, phe-nomeno sem importância, que produzem todas as subs­tancias sapidas ou irritantes.

Modo «Tacção do cliloral.—Qual o modo d'acçao do chloral? Como já disse, o chloral ao con­tacto das soluções alcalinas desdobra-se em chlorofor­mio e formiatos. O chloral experimentará no organis­mo a transformação, que se produz tão facilmente no laboratório ? Tal é a questão que domina a sua phy-siologia e que conviria resolver. O assumpto é cerca­do de difficuldades como o mostra o longo debate, que se empenhou entre muitos dos mais autorisados no­mes da moderna geração scientifica.

Uma simples hypothèse, aliás muito engenhosa,

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deu a Liebreich occasião d'observar os notáveis effei-tos do chloral e pôr em relevo o seu poder hypnotico e anesthesico. Sabendo que esta substancia se desdo­brava em formiato e chloroformio, suppôz á priori que a alcalinidade do sangue devia operar uma reacção idêntica, e que os productos de desdobramento ma­nifestariam a sua acção por effeitos particulares. «No organismo, diz Liebreich, o aldehido e sobretudo o acido acético decompõem-se em seus productos d'oxy-dação; o chloral e o acido trichloracetico conservam o caracter do aldehido e do acido acético; dissolvidos n'um liquido alcalino decompõem-se e dão origem a chloroformio. A reducção de substancias, que em geral podem ser consideradas como um producto d'oxyda-ção n'um liquido alcalino, permittia prever que no caso em que os corpos não deixassem o organismo sem experimentar alteração, sobreviria uma oxydação, de que os últimos productos seriam os ácidos chlorhy-drico e carbónico e a agua, exercendo o chloroformio a sua acção como producto intermédio.

Tal é a theoria chimico-physiologica, que emittiu Liebreich em 1869; uns aceitaram-na apresentando numerosas provas em seu favor; outros, tendo á sua frente o mallogrado professor da faculdade de medi­cina de Paris, o sábio dr. Gubler, acolheram com re­serva e combatem ainda com energia a ideia allomã.

Para assentar a sua theoria, Liebreich baseia-se sobre a analyse chimica e a observação; confessa não ter podido separar o chloroformio, mas cita Personne, que chegou a descobril-o no organismo e acrescenta que o conjuncto dos factos observados não lhe deixa

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dúvida a este respeito. Assim, pois, para Liebreich a alcalinidade do sangue basta a operar o desdobramento do chloral em seus dous factores chimicos; actua gra­dualmente, pondo a cada instante em liberdade uma nova porção de chloroformio, phenomeno que se ma­nifesta por todos os symptomas d'uma lenta chlorofor-misação.

Gubler pensa de modo inteiramente diverso; chi-micamente recusa aos bicarbonatos alcalinos a pro­priedade de operar a transformação molecular de chlo­ral e á fortiori aos carbonatos alcolinos do sangue, que estão associados á albumina, porque esta substan­cia engloba o chloral e o preserva da acção dos alca­lis. Além d'isso julga o sangue incapaz de decompor o chloral por causa da sua fraca alcalinidade, que julga antes latente que real. As experiências, que fez, ser-vindo-se do sangue, albumina, saliva e serosidade, nunca lhe forneceram indicios de desdobramento. Phy-siologicamente distingue os eífeitos do chloral dos do chloroformio, o primeiro actuando como hypnotico, o segundo como anesthesico; um dominando pelo som-no que produz, o outro pela insensibilidade. Person­ne ao contrario adopta a opinião de Liebreich e é o primeiro a reconhecer a presença do chloroformio no sangue, o que verificou em experiências, que offerecem bastante interesse, para que deixemos de referil-as.

N'uma primeira experiência, pondo o sangue em presença d'uma solução de chloral e elevando a tem­peratura a 100° reconheceu sem a menor duvida a for­mação do chloroformio; mas a elevação de tempera-ratura çollocava a experiência em condições differen-

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rentes das que se encontram no organismo. Para evi­tar a objecção, que sem duvida lhe fariam, Personne recorreu ao methodo usado em toxicologia, para re­conhecer o chloroformio; consiste em fazer passar o vapor d'esté corpo n'um tubo aquecido ao rubro e re-duzil-o a seus elementos simples; o chloro posto em liberdade e recebido n'um tubo de prova, contendo uma solução de nitrato de prata, manifesta a sua pre­sença pelo apparecimento d'um chloreto característico. Foi assim que o hábil pharmaceutico da Pitié pôde reconhecer a formação do chloroformio pela acção do sangue á temperatura normal do corpo humano. Byas-son confirmou estes resultados quanto ao desdobramen­to molecular, mas concluiu das suas investigações que o chloral nos seus effeitos physiologicos tem uma ac­ção um pouco différente da do chloroformio, devendo ser considerada como a resultante do chloroformio e acido fórmico.

Byasson procurou approximar-se o mais possível das condições do organismo; assim, um porco da ín­dia é chloralisado por 75 centigrammas de chloral dado em injecção sub-cutanea. O animal collocado n'um re­cipiente perfeitamente fechado, recebe ar, que um as­pirador dirige em seguida para um 4ubo d'analyse aquecido ao rubro e contendo cal pura; arrefecido o apparelho, diz Byasson, a cal é dissolvida com as precauções ordinárias na agua bem acidulada pelo acido nitrico puro; esta solução precipita pelo nitrato de prata e o precipitado offerece todos os caracteres d'um chloreto.

O dr. Richardson, encarregado pela British Asso-

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dation for advancement of sciences, de verificar os factos avançados por Liebreich e de os comprovar, concluiu ainda pelo desdobramento do chloral no or­ganismo; pôde mesmo notar que a simples mistura de sangue e chloral desenvolvia o cheiro de chloroformio e que o hálito dos indivíduos sujeitos á sua influen­cia estava impregnado; emfim que o chloroformio, for-mando-se pouco e pouco no sangue em circulação de­via ter uma acção lenta e gradual anesthesica.

Roussin chega ás mesmas conclusões: «parece-me impossível, diz elle, que o hydrato de chloral ingeri­do ou absorvido, qualquer que seja a via de absor-pção, não se transforme rapidamente em formiato al­calino e chloroformio». Deve reconhecer-se com Glu-ber quo o cheiro do.chloroformio não pode constituir uma indicação precisa da sua formação, porque é mui­tas vezes difficil, ás vezes mesmo impossível na ex­perimentação physiologica, distinguir o cheiro do chlo­roformio do chloral, sobretudo quando impregnado de emanações d'origem animal. Mas deve dizer-se que n'um grande numero de casos o cheiro do chlorofor­mio revelou-se perfeitamente puro de toda a mistura, o que foi notado muitas vezes em différentes experiên­cias. O dr. Offret cita mesmo o facto importante de ter encontrado o cheiro franco do chloroformio n'um doente, uma hora depois da administração d'uma po­ção, contendo 4 grammas de chloral. Não se deve comtudo insistir em demasia sobre este meio d'obser-vação, havendo outros mais seguros e sobretudo mais scientificos.

E ' com effeito fácil demonstrar o desdobramento

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molecular do hydrato de chloral, empregando o appa-relho seguinte, usado em toxicologia para reconhecer a presença do chloroformio e que Personne soube uti-lisar para o seu estudo sobre o chloral. O apparelho compõe-se:—1.° d'um tubo de vidro da Bohemia de 70 centímetros de comprido, de paredes grossas, que repousa sobre uma rêde d'analyse orgânica; 2.° d'uni gazometro destinado a impellir o ar para o tubo; 3.° d'um tubo de vidro cheio d'algodao cardado interpos­to entre o gazometro e o tubo d'analyse; 4.° d'um ba­lão munido d'um thermometro de mercúrio, destinado a receber a solução, que se experimenta; 5.° d'um tubo de Liebig, collocado na extremidade do appare­lho, contendo uma solução acidulada e bem limpida de nitrato de prata.

Principia-se aquecendo o apparelho ao rubro bran­co a fim de nos certificarmos de que tudo funcciona bem e que o tubo de Liebig não perde a transparên­cia. Feito isto introduz-se no balão uma solução alca­lina de bicarbonato de soda ou de potassa e uma ou­tra de chloral; a mistura turva-se pouco e pouco e torna-se opalina, apparecendo um precipitado branco de chlorureto de prata no tubo de Liebig, que vem attestai' a presença de chloral e por consequência a formação de chloroformio por uma temperatura de 30 a 40 graus.,

Mas, dizem, esta experiência nada prova, porque o chloral também tem vapores chlorados, que arrasta­dos mecanicamente e dissociados no tubo d'analyse podem dar lugar á formação de chloreto de prata. Não

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é porém assim, como o demonstram os resultados se­guintes:

1.° Se fizermos atravessar uma solução de chlo­ral a 5 °/o P o r u m a v i v a C 0 1 ' r e n t e a a r á temperatura média de 15 a 20 graus, não se observa coisa alguma; o liquido do tubo de Liebig fica claro e límpido como no principio e o mesmo succède se elevarmos a tem­peratura a 30°, 40°, 50° e 60°; só a 68° o liquido in­dicador começa a turvar-se, mas sem dar o precipita­do immediate branco em flocos, que o menor vestígio de chloroformio provoca logo. D'isto deve deduzir-se que uma solução de chloral á temperatura ordinária não emitte vapores e que é necessário aquecel-o mui­to para que possa reagir sobre o nitrato de prata do apparelho.

2.° Ao contrario, se mesmo a frio addicionar-mos ao balão, contendo a solução chlorada, algumas gotas d'uma solução de potassa cáustica, instantanea­mente o chloroformio posto em liberdade é impellido pela corrente d'ar e dá lugar ao apparecimento do precipitado branco de chloreto de prata. Esta reacção é d'uma perfeita exactidão e de grande sensibilidade, porque bastam alguns centigrammas de chloral para a produzir. Assim as investigações de Personne e to­das as que tem por base este meio de experimentação, são perfeitamente concludentes e a eliminação do chloroformio pela superficie pulmonar, notada por Offret, Richardson, verificada por Byasson, não po­derá explicar-se pela presença de vapores de chloral ; mas é realmente devida ao chloroformio, á sua forma­ção no seio da economia e á sua eliminação em parte,

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ao menos pelo pulmão, que é a via seguida pelos cor­pos voláteis, que se exhalam.

As experiências, que acabo de referir, foram re­petidas não só com os carbonatos e bicarbonatos alca­linos, mas também com a albumina e o sangue. A al­bumina, longe de se oppôr á acção do sangue sobre o chloral, actua mesmo pela sua propria alcalinidade; a acção é lenta e demais, corno a coagulação é rápida em virtude da elevação de temperatura, dá-se um obstáculo mecânico ao desenvolvimento do chlorofor-mio. Substituindo o sangue pela albumina e tomando 1:000 grammas de sangue recente de boi, addicionan-do-lhe 10 grammas de hydrato de chloral, a frio não ha reacção apparente; mas elevando gradualmente a temperatura do banho-maria pôde notar-se que a 30° ou 35° o cheiro do chloroformio começa a fazer-se sen­tir na extremidade do tubo de desenvolvimento; se n'este caso se empregar o apparelho d'analyse orgâ­nica, vê-se formar rapidamente o chloreto de prata.

A estes resultados pôde, é verdade, objectar-se que, operando sobre o sangue d'um animal morto nos afastamos muito das condições physiologicas; porque post mortem os elementos do sangue não tardam a separar-se e a alcalinidade latente, então livre, pôde manifestar uma acção de que é incapaz durante a vida. E ' difficil, deve dizer-se, operar nas verdadeiras condições do organismo vivo, mas no caso, que nos occupa, todos sabem que o sangue é um meio cuja alcalinidade se renova continuamente, e por outro lado foi demonstrado que a albumina em nada prejudica a acção do chloral; não ha, pois, motivo para que a reac-

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ção se não fizesse antes como depois da morte e mes­mo melhor durante a vida, quando todas as forças vi-taes parecem concorrer para a destruição das substan­cias introduzidas na circulação e formação de novos compostos, que serão mais tarde expulsos pelas vias naturaes d'eliminaçao.

Pôde, porém, realisar-se a experiência em condi­ções, que mais se approximem do estado physiologico: um coelho foi sangrado na jugular e o sangue caía directamente da veia n'uma solução de chloral, man­tida no banho-maria a 38 graus; alguns minutos de­pois foi possível reconhecer o cheiro do chloroformio, que desappareceu em breve quando a quantidade mui­to limitada d'alcali tinha produzido o seu effeito. Em condições idênticas a solução de nitrato de prata dá um precipitado de chloreto no apparelho d'analyse.

Gubler, diz ainda: «se ha desdobramento, este dá-se apenas n'uma pequena parte do chloral absor­vido; o resto não experimenta transformação, ou pelo menos não se dá no sentido indicado.» Facilmente se responde a esta nova objecção, fundando-nos sobre dados incontestáveis. Com effeito, se a transformação do chloral não se completasse no organismo, uma parte pelo menos devia encontrar-se na ourina; ora não tem sido possível encontral-o, empregando reagentes tão sensíveis, que alguns centigrammas de chloral são fa­cilmente reconhecidos n'um litro de liquido. Além d'isso o chloral é um composto muito estável, excepto em presença de soluções alcalinas e a alcalinidade do sangue é um facto constante sem o que a vida não poderia manter-se nos animaes superiores.

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Se agora compararmos os effeitos do chlorofor-mio e do chloral, veremos que as analogias são maio­res que as difFerenças; assim o chloroformio em inha-laçïo dá lugar a très períodos bem conhecidos:—1." periodo d'excitaçao; 2.° somno mais ou menos profun­do; 3.° anesthesia. Este3 mesmos phonomenos se en­contram na acção do chloral, excepto o periodo d'ex­citaçao inicial, observado ainda assim algumas vezes; a distineção consiste em que para o chloral o somno é o phenomeno dominante, emquanto que para o chlo-roformio é a anesthesia. Não creio no entretanto que o chloral actue unicamente como chloroformio, segun­do a primitiva theoria de Liebreich, mas que a sua acção deve ser considerada corno a resultante da dos seus dous factores de desdobramento—o acido fórmi­co e o chloroformio.

Já Byasspn, estudando comparativamente o chlo­ral, o chloroformio e o trichloracetato de soda, chegou a concluir: 1.° que o trichloracetato de soda actua unicamente como chloroformio,que penetrasse lentamen­te no sangue; 2." que o hydrato de chloral tinha uma acção distincta, que não é a do chloroformio e que considerou a resultante do chloroformio e acido fór­mico. Era com effeito natural prever que este acido, produzido ao mesmo tempo que o chloroformio no seio do organismo, não ficasse inactivo.

Qual a sua influencia ? Estabeleçamos em primeiro lugar o seguinte: se

se produz o somno anesthesico com a série de modifi­cações circulatórias, que caracterisam a absorpção do chloral, introduzindo suecessivamente na economia

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animal chloroformio e formiato, derivará necessaria­mente d'esté resultado a noção do desdobramento do chloral. Para resolver o problema é necessário conhe­cer a influencia do chloral, do chloroformio e d'um formiato alcalino sobre a circulação.

O chloral injectado no sangue produz as modifi­cações seguintes: 1.° diminuição passsageira, depois augmento do numero das pulsações do coração; 2.° diminuição rápida da pressão nas artérias e augmen­to nas veias; 3.° augmento gradual e por fim consi­derável da velocidade diastolica ou constante do cur­so do sangue nas artérias. O chloroformio, dado do mesmo modo e em pequena dose produz: 1.° augmen­to momentâneo, depois diminuição do numero das pulsações do coração; 2.° augmento de pressão nas ar­térias e diminuição nas veias, precedido d'uma leve modificação em sentido inverso; 3.° diminuição da ve­locidade diastolica do curso do sangue nas artérias. Quando as doses são fortes o numero das pulsações do coração eleva-se rapidamente acima do normal; a pressão diminue nas artérias, augmenta nas veias; em-fim a velocidade constante do curso do sangue não é mais considerável do que no estado physiologico.

Quanto á acção do formiato de soda sobre a cir­culação, resulta das experiências realisadas por Arloing nos solipedes e em cães o seguinte: 1.° dado em pe­quenas doses o formiato diminue o numero das pul­sações do coração, determina a dilatação dos capilla- > res, o abaixamento da pressão arterial e o augmento da velocidade diastolica ou constante do sangue nos vasos centrífugos; 2.° as doses fortes provocam a ac-

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eeleraçao do coração, diminuição d'energia das systo^ les, abaixamento de tensão e augmente da velocidade nas artérias (menor no entretanto que o que produzem as doses fracas); 3." injectado rapidamente e em dose forte no coração, produz a diminuição do numero das contracções cardíacas e mesmo a detenção do órgão. Estas perturbações desapparecem tanto mais rapida­mente, quanto a dose for menor. Se o animal já ti­ver recebido uma grande quantidade de íbrmiato, a detenção pôde ser definitiva. N'este caso sobrevem sempre depois da suspensão da respiração.

Comparando os effeitos produzidos pelo formiato com os do chloroformio e chloral, vô-se que não se as­semelham, nem a uns, nem a outros. No entretanto têem analogias com os do chloral; digo analogias e não identidade, porque o chloral tem uma feição par­ticular. Não poderia deixar de ser assim. Admittindo como fundada a theoria do desdobramento, este não se dá subitamente em toda a massa de chloral injecta­da. O chloral percorre um certo tempo o systema cir­culatório, durante o qual imprime ás funeções pertur­bações especiaes. Para apoiar ou regeitar a theoria do desdobramento, não se deve procurar estabelecer identidade completa ou differença entre os effeitos do chloral e os do formiato de soda ou do chloroformio, mas saber se as modificações circulatórias, produzidas pela chloralisação são a resultante da acção do chlo­roformio e do formiato.

E', pois, injectando chloroformio e formiato, pro­duzidos por uma dose anesthesica de chloral, regis­trando os effeitos produzidos no coração 3obre a prés-

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são arterial e velocidade do curso do sangue nas ar­térias, isto é, fazendo a synthèse do chloral no inte­rior dos vasos, que se pôde resolver a questão.

Experiência l.&—Arloing.—Descobre-se a artéria c veia digitaes do membro anterior d'um solipede; fi-xa-se um sphygmoscopio sobre o topo central da pri­meira e um outro no topo peripherico da segunda. Registra-se simultaneamente a pressão em ambos os vasos. Depois d'obtida uma certa extensão do traça­do injectam-se 3 centímetros cúbicos de chloroformio n'uma veia digital d'um membro posterior. Dois segun­dos depois da injecção baixa o traçado da pressão arte­rial; ao contrario o da pressão venosa sobe. Dois mi­nutos depois da primeira injecção pratica-se outra de 2 centimetros cúbicos. A pressão arterial levanta-se um pouco ficando no entretanto abaixo da normal; a pressão venosa é sempre forte. Nova injecção de 2 centimetros cúbicos de chloroformio, dois minutos de­pois da segunda; a pressão arterial sobe rapidamente acima da normal. Injectando então 8 grammas de for-miato de soda em solução em 32 grammas d'agua vê-se em menos de 2 segundos a pressão baixar nas arté­rias, ao passo que sobe rapidamente nas veias. A in­jecção do formiato substituiu portanto as modificações circulatórias, produzidas pelo chloroformio pelas que determina o chloral.

Experiência 2.a—N'esta experiência estudam-se as modificações de pressão e velocidade do sangue na carótida. Para isso fixa-se na carótida d'um cavallo o hemodromographo de Chaveau. Descoberta a veia di­gital introduz-se-lhe uma cânula, que serve para in-

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jectar o chloroformio e o formiato. Injecta-se por duas vezes 6 centímetros cúbicos de chloroformio mistura­dos com 6 volumes d'agua. A' primeira injecção a pressão baixa; a velocidade systolica e diastolica au-gmentam um pouco. Um minuto após a segunda in­jecção a pressão torna-se mais forte do que antes da experiência, as velocidades systolica e a diastolica di­minuem. Injectam-se em seguida 12 grammas de for­miato de soda lentamente na veia digital. Pouco e pouco a pressão baixa na carótida e no fim de 10 minutos desce abaixo da pressão normal; a velocidade systoli­ca e diastolica augmentam; primeiro voltam ao seu va­lor primitivo, depois cxcedem-no. Injectando ainda 8 grammas de formiato de soda, a pressão arterial bai­xa cada vez mais, emquanto que a velocidade da cir­culação augmenta proporcionalmente. O formiato de soda veio, pois, imprimir á circulação modificada pelo chloroformio,—o cunho, que caractérisa a acção do chloral.

Procurando a influencia de injecções successivas, sobre o musculo cardiaco, diz Arloing, observa-se que o chloroformio produz primeiro um pequeno augmento do numero das contracções e uma diminuição depois. A introducção do formiato na circulação faz baixar ainda mais o numero das pulsações de 6 por minuto; mas dentro em pouco tempo este numero sobe e em breve apresenta um augmento de 18 por minuto. O formiato mudou; pois, o caracter da circulação, dando-lhe a feição, que apresenta na chloralisação.

Do que acaba de ser dito deve, pois, concluir-se que a addição do formiato de soda ao chloroformio re-

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produz nos seus principaes caracteres as modificações circulatórias, que acompanham a introducção do chlo­ral no organismo. E' , pois, lógico admittir o desdo­bramento do chloral na torrente circulatória em chlo-roformio e formiato.

Pode ainda demonstrar-se o desdobramento do chloral, Arloing, fazendo a experiência seguinte, em que se addicionara os effeitos do chloral aos do for­miato de soda. N'um cão, que já tinha recebido 12 grammas de formiato de soda em différentes injecções, introduzem-se rapidamente na jugular 21/2 gram­mas de chloral, em solução em 10 grammas d'agua. Quinze segundos depois da injecção a pressão arterial baixa rapidamente, o coração detem-se por */4 de mi­nuto, mas logo em seguida continua a pulsar. As pul­sações eram 72 por minuto antes da introducção do chloral; contam-se 52 por minuto, quando o coração readquire a contractilidade; mas em breve o numero das pulsações sobe a 120, 180, 200 por minuto, tor-nando-se cada vez mais pequenas, irregulares e tu­multuosas. A pressão sobe, ficando porém constante­mente abaixo do nivel, que oceupava antes da chlo-ralisação. As duas grammas de chloral não podiam produzir um tal effeito n'urn cão do peso de 18 kilo-grammas, porque o que acabamos de ver pertence á intoxicação chloralica.

Troquart diz bem claramente no seu trabalho so­bre o chloral «depois do período de diminuição do nu­mero das pulsações pôde observar-se o inverso, isto é, ellas tornarem-se frequentes, tumultuosas, difficilmen-te perceptíveis. São verdadeiras palpitações. Estas

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perturbações só se produzem, quando a chloralisação é levada a ponto de destruir a excitabilidade directa ou reflexa dos pneumogastricos». Taes resultados não poderiam obter-se se as modificações circulatórias pro­duzidas por esta dose relativamente pequena de chlo­ral, se não acrescentassem a modificações do mesmo sentido.

Temos, pois, que os effeitos das duas substancias se addicionaram c d'isso deve concluir-se a decompo­sição do chloral em chloroformio e formiato alcalino no organismo.

i.

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TERCEIRA PARTE

Emprego do chloral como agente d'anesthesia cirúrgica

H Desde a sua entrada na medicina, o chloral fo objecto do maior enthusiasmo:—a theoria da sua ac­ção sobre o organismo, os seus effeitos então desco­nhecidos suscitaram um arrebatamento geral, sobretu­do em Inglaterra. Em breve foi objecto de numero­sas applicações therapeuticas, sendo porém emprega­do sem discernimento algum em affecções tão nume­rosas como variadas, o que fez dizer, com razão, a Crichton Browne que um rio de chloral corria sobre a terra, onde todas as doenças tinham sido indistin-ctamente immersas. Estudadas depois com mais cui­dado as suas propriedades, conservou ainda numero­sas applicações e os resultados obtidos em muitas doenças, como a gota, a sciatica, o rheumatismo arti-

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CU]

mpor

cular agudrtfas nevralgias, o tétano, a chorea,'etc., jrfHs­ y e t c , as suas applicações em obstetrícia, mostrara bem

"Í^^*'V TT a importância d'esté agente. Não é, porém, sob este ponto de vista que terei T

d'estudal­o na ultima parte , d'esté trabalho, mas nas ' suas applicações á anesthesia cirúrgica. Antes, porém, V,;

de me occupai­ do chloral como anesthesico, exporei N

rapidamente a historia da anesthesia^ / Historia «ía anesthesia cirúrgica»— A |

anesthesia cirúrgica tem por fim produzir a re­ V solução muscular e a insensibilidade dos doentes su­ îw jeitos ás operações cirúrgicas. A anesthesia, como me­

thodo scientifico, data das descobertas das virtudes estupefacientes do ether e do chloroformio; mas a ideia j d'abolir a dor, produzida por acções traumáticas, ou 'I cirúrgicas, data dos tempos mais remotos da cirurgia. „ V Já os chinezes, em épocas longínquas, faziam uso \ d'uma planta da família das urticaceas com o fim d'evi­

tar a dôr na operação da acupunctura. Os assyrios, í como diz Benedictus, citado por Hoffmann, compri­

miam as artérias do pescoço aos mancebos que ti­ V­' nham de soffrer a ablação do prepúcio, a fim de os > ,̂ privar do sentimento e movimento. Os gregos e ro­ \ manos serviam­se da pedra de Memphis, que dissol­ * £ vida no vinagre tinha a propriedade de tornar insen­

síveis as partes, que deviam ser cortadas ou dividi­

das. Segundo Littré e António de Pinet, a pedra de \ \ Memphis era um mármore, que, pisado e dissolvido n'um acido, fornecia em abundância acido carbónico, que devia ser o agente activo da preparação. Hippo­

crates, Galeno, Celso e Dioscorides prescreviam a

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^^. ^ subite

mancíragora como agente analgésico nas operações ci rurgicas. Alguns séculos depois, quando florescia a escola de Boulogne, foram mencionadas novas prepa rações somniferas, que se transmittiam tradicional mente de mestre a discípulo. E' assim, que Theodo rico de Boulogne, cirurgião notável d'esté tempo, em* pregava inhalações d'uma mistura complexa de solu­j ções estupefacientes. ^ f J

No meado do século passado, Perkins, medico I americano, creava um methodo analgésico, que con­ î t sistia em passear a extremidade d'agulhas de metaes^' *, différentes, uma obtusa, outra pontaguda, sobre os -

pontos dolorosos. Sustentou ainda que este methodo tf* \, prevenia a invasão de certas doenças, e para o pro­ î \ i var expunha­se á febre amarella de que foi victima. Hermann Demne, de Berne, recorria em 1781 á acçitoN^ «^ narcótica do ópio n'uma doente submettida á desarti­ \ culação coxo­femoral. Na mesma época um cirurgião­ , inglez, James Moore, tentou estabelecer um verdadei­ | ro methodo d'anesthesia por meio da compressão dos troncos nervosos. Depois d'algumas tentativas infru­

ctuosas conseguiu uma insensibilidade completa em toda a extensão do membro inferior por meio d'um compressor de duas pelotas collocado no trajecto dos nervos sciatico e crural. Apesar do ruido que causou' no seu tempo e de ter sido recotnmendado aos práti­

. cos por Bell, no seu tratado de cirurgia, e ainda em 1837 ter chamado a attenção sobre elle Liègard de Caen, foi definitivamente abandonado por causa da sua insufficiencia e perigos.

Todos estes processos, mais ou menos empíricos,\v

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estavam longe de constituir um methodo sério de anesthesia, quando em 1799 Humphry Davy tendo notado que o protoxydo d'azoto produzia um rir ner­voso e exaltação da força muscular, pensou que este agente teria acção sobre a sensibilidade e poderia tal­vez empregando-o, attenuar a dôr physica. A expe­riência foi coroada d'um resultado satisfactorio, pois conseguiu suspender uma dôr de dentes violenta. En­tão Davy, com a penetração d'espirito, que só perten­ce aos génios, escreveu a phrase seguinte: o protoxy-da d'azoto parece gozar entre outras propriedades a de destruir a dôr e poder-se-hia empregar com van­tagem nas operações cirúrgicas; porém accidentes graves, attribuidos com razão á impureza do produ-cto, vieram desconsiderar o processo.

Foi empregado de novo em 1844 por um obscu­ro dentista de Hartford, cidade do condado do Conne­cticut, Horácio Wells, na extracção de dentes. Depois de ter conseguido extrahir um dente a si mesmo, sem experimentar a menor dôr, repetiu a operação com o melhor resultado em 12 dos seus clientes; mas n'uma experiência publica a que assistiu o professor Warren, de Boston, e em que se tratava também de tirar um dente, um grito dado pelo paciente deixou compro-mettida a causa do protoxydo d'azoto. Dois annos an­tes o dr. Long, de Athenas, tinha applicado o ether a anesthesia cirúrgica com o melhor resultado. Quasi na mesma época Jackson, doutor na universidade de Harwart, preparava o chloro, quando aspirou este gaz proveniente d'uma garrafa accidentalmente que­brada. Com o fim de remediar a excitação que o gaz

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lhe produziu, imaginou aspirar os vapores d ether ê de amrnoniaco, não para acalmar a dôr, mas com o desígnio de por uma dupla combinação, o hydroge-nio do ether formar com o chloro acido chlorhydrico, que seria fixado pelo amrnoniaco; o ether determinou allivio e os symptomas da "anesthesia progressiva não tardaram a produzir-se. Desde este momento, o pro­blema da anesthesia estava, ao que parece, resolvido no espirito de Jackson; porém só quatro annos depois é que aconselhou ao dentista Morton o emprego da anesthesia pelo ether na prática da sua arte. Os re­sultados obtidos foram magnificos, o que Morton com-municou a Jackson. Depois, por conselho d'este, Mor­ton pediu ao dr. Warren,do hospital de Massachusetts, para empregar o ether nas operações cirúrgicas. O resultado conseguido por Morton foi completo em 4 operações em que o applicou: amputação da coxa, extirpação d'um tumor n'um braço, etc.

O problema da anesthesia cirúrgica ficou assim difinitivamente resolvido. Liston em Londres, Simpson em Edimburgo, Malgaigne, Velpeau, Roux e Giral-des, em Pariz, utilisaram com resultado o mesmo agen­te, nas operações que praticaram.

Emquanto que o methodo se generalisava, uma nova substancia gozando propriedades análogas ás do ether, o chloroformio, era estudada nos animaes por Flourens e Longet. Jacob Bell e mais tarde Simpson, fizeram tentativas d'anesthesia pelas inhalações de chloroformio, que, foram seguidas d'outras em différen­tes paizes. O chloroformio como o protoxydo d'azoto e o ether, encontrou numerosos adversários, que invo-

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Ceavam os accidentes a que elle dava logar; mas ape­sar d'estes obstáculos o seu emprego vulgarisou-se. Em 1856 a sociedade real de Londres recebia uma communicação de Snow sobre as propriedades da amy-lena; emfim 13 annos depois o conhecimento das pro­priedades physiologicas do chloral chamava a attenção para este agente, e dava lugar a novas tentativas d'anesthesia pelo seu emprego.

O chloral como agente de anesthesia cirúrgica tem sido empregado ora isoladamente, ora associado a ou­tros agentes, com o fim de tornar os seus effeitos mais enérgicos. Na exposição, que me proponho fazer, es­tudarei primeiro a anesthesia pelo chloral só, segundo os três modos d'applicaçao em injecções sub-cutaneas, intra-venosas e pela via gástrica, ou intestinal, e se­guidamente o seu emprego conforme os methodos d'anesthesia mixta.

Injecções sub-eiataneas.—A acção irritante, produzida pelo chloral no tecido cellular sub-cutaneo, fez abandonar desde o principio á quasi totalidade dos cirurgiões a administração do agente por este proces­so. Pela via sub-cutanea, diz Oré, chega-se aos mes­mos resultados que pela via digestiva, mas é necessá­rio para isso que a dose de chloral seja elevada (mis­tura em partes iguaes). Observam-se então todos os phenomenos physiologicos precedentemente descriptos, mas sobreveem d'ordinario abscessos. Se a dose fôr

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fraca, não se obtém resultado. D'isto deve concluir-se que no primeiro caso o methodo sub-eutaneo é preju­dicial, no outro inutil. Vulpian não foi mais feliz, quando empregou as injecções subcutâneas de chloral. «Em quasi todas as experiências em que empreguei este processo, diz elle, ainda que a solução,injectada fosse a V5, notei fleimoes, gangrena e outros acciden­tes tão graves, que renunciei a este methodo para anesthesiar os animaes.»

E' ainda esta a opinião de Giraldes, que, refe-rindo-se aos factos observados por Vulpian, diz o se­guinte : « Só tenho algumas palavras a dizer para con­firmar as observações de Vulpiana respeito das injec­ções sub-cutaneas de chloral. Fui dos primeiros a em­pregar o chloral no homem. Ao principio dava-o em injecções sub-cutâneas e muitas vezes, sobretudo nas creanças, determinei inflammações locaes, fleimoes gangrenas, emfim todos os accidentes a que se refere Vulpian, de modo que renunciei completamente a em­pregai-as. »

Injecções i n t r a - v e n o s a s . — O processo d'in-jecção intra-venosa é devido a Oré de Bordeaux. De­pois de ter realisado experiências em animaes, que lhe mostraram a poderosa acção anesthesica do chloral, empregado d'esté modo, teve a ideia de applicar o methodo no homem, o que realisou em Dezembro de 1872, extraindo a um tetânico uma unha, séde d'uma sensibilidade muito viva, sem que o doente sentisse a menor dôr. Convencido de que este processo de anes­thesia era inoffensivo, teve a ousadia de se servir d'elle para produzir a anesthesia cirúrgica nas opera-

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çoes, quo praticou. No mez de Maio de 1874, tendo a tirar um sequestro do calcaneo n'uni individuo de 18 annos d'idade, anesthesiou profundamente o doen­te, injectando lentamente 10 grammas de chloral em solução em 30 grammas d'agua n'uma das veias ra-diaes direitas. O doente adormeceu tranquillamente sem apresentar a menor perturbação na respiração, que ficou perfeitamente regalar. Realisada a operação dirigiu uma corrente no pneumogastrico esquerdo, o que fez cessar promptamente a anesthesia. A acção pharmacodynamics do chloral era augmentada por este meio e os effeitos persistiam durante muito tem­po. D'isto concluiu a vantagem do emprego do me-thodo em operações longas e laboriosas—ovariotomia, extirpação de tumores, etc.

Dois cirurgiões belgas, Deneffe e van Wetter, seguiram o exemplo de Oré, operando d'um cancro do recto um homem de 57 annos anesthesiado por meio d'injecçoes intra-venosas de chloral, obtendo o melhor resultado. Empregaram 8 grammas de chloral dissol­vidas em 24 grammas d'agua distillada; a anesthesia foi completa e o doente, acordando no fim de 12 ho­ras, declarou achar-se bom e não ter sentido cousa al­guma. Depois as observações de Oré e van Wetter multiplicaram-se; damos junto um quadro synoptico de 53 observações de anesthesia, que se encontram men­cionadas no estudo d'Oré sobre a medicação intra-ve-nosa de chloral.

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40 22 57 46 71 21 22 40

68 74 38 24 48 40 40 21 28 40 33 64 17 37 58 53

Natureza da operação

Extirpação d'uma unha. Reseeção do calcaneo.. Extirparão d'um canoro do recto

Extirpação d'um cancro do seio

Extirpação d'um cancro do seio

Extirpação d'um tumor adenóide do seio

Abertura do seio ischio­rectal

Extirpação d'um testí­culo canceroso

Extirpação d'um en-chondroma d'um dedo do pé

Enucleação dum olho Extracção da cataracta Extracção d'um seques­

tro da tibia Extirpação d'um testí­culo tuberculoso

Operação do entropion. Extirpação do collo da madre

Operação do entropion. Amputação d'um braço. Perinéorrhaphia Extracção da cataracta Extirpação d'um polypo uterino

Extraeção de duas cata-ractas

Resecção d'um tumor ósseo do humero

Cancro do testículo Extirpação do globo ocular

Extirpação d'um scirrho do seio ,

Quanti­dade de chloral

injectado

MIN. 8 10 40 8 6 8

8 7:

10 9 13 12 7 5'A 8 7 12 7 13 10 12 17 8 8 22

Duração da anes­

thesia

10

8

4,50

6,50

6

6

6

6,50 5

4 4,50 7 6 10

10 6,50

7

8

H . M

0.40 0.25

2.00

0.15

0.26

0.16

0.32

3.00

0.12 0.20 1.00

0.15

1.00 0.47

0.52 alguns

minutos 0.30 1.00 1.00

0.39

0.15

1.00 0.2Ó

0.15 não foi completa

Duração da in­fluencia chlora-

lica

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Natureza da operação

Extracção d'um seques­tro da tíbia

Extracção da cataracta. Sarcoma d'um o l h o . . . . Resecção do f e m u r . . . . Ovariotomia Extirpação d'um seio canceroso

Rlepharoplastia Amputação da coxa . . . Operação da cataracta . Resecção do j o e l h o . . . . Resecção do e s t e r n o . . . Amputação d'um p é . . . Amputação da coxa . . . Extirpação d'um sarco­

ma da região nade-gueira

Secção de n e r v o s . . . . Reducção do humero

deslocado Extirpação d'um seio

canceroso Amputação d'uma perna Extirpação d'um seio canceroso

Amputação da coxa . Extirpação d'um seio

canceroso Extirpação d'um can cro do seio

Extirpação d'um can­cro do seio

Amputação da coxa . . . Desa r t i cu lação t i b i o tarsica

Extirpação d'um lym-phadenoma do pescoço

Calculo vesical. Ta lha . ? iResecçào dos nervos su­

pra e infra orbitarios j no fundo da o r b i t a . , . I

" • tri ° ' 2-Sg

7 11 10

9 13

6 18 21 24 16

23 7 '/,.

14

10 12

15

9

20

10 13

17

15 14

14

Quanti' dado de chloral

injectado

6,75 5 8,50 5

6 4,75 6,25 6 8 8,50

11,25 6,75

5,75 4

6 6,25

7 6,50

5

10

5 6,25

10

10 6,50

6,50

Duração da anes­

thesia

H. M. H. M.

o.-to î 0.33 13.00 0.10; 1.00 0.38 5.00

0 .45 36.00 0.16 40.00 0.20 20.00

1.00 0 .21

9.00 24.00

0.40' 25.00 0.17 30.00

0.10 0.30

0.30

0.20 0.30

0.35 0.40

0.14

0.10

0.30 0.20

0.20

0.19 0 .15

0,151 24 .00

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Segundo Oré o methodo d'anesthesia por meio d'injeeçoes intra venosas de chloral apresenta as van­tagens seguintes:—1.° Determina uma insensibilidade de que a duração varia com a dose. Nos doentes em que o empregou offereceu a média de 45 minutos. — 2.° É sempre seguido de somno profundo, tendo a dura­ção média de 20 horas. Em virtude d'esté somno os operados escapam, ás dores inevitáveis consecutivas a todas as operações.—3.° Nunca produz periodo de exci­tação. — 4.° Nunca é acompanhado de vómitos. Mas não haverá sombra no quadro ? A maior parte dos cirur­giões francezes atacaram vivamente este novo metho­do de anesthesia cirúrgica, aceusando-o d'expôr aos mais graves accidentes sem vantagem para os doentes.

As objecções, que se tem feito ao processo, e que se referem á producção de coágulos, de phlébite, de hematuria, etc., são confirmadas pelas observações seguintes: Temos primeiro Cruveilhiér que, empre­gando as injecções de chloral no tratamento d'um te­tânico, no hospital de S. Luiz, notou á autopsia que se realisou 20 horas depois da morte as alterações se­guintes: no antebraço esquerdo ao nivel do ponto, onde se fez a primeira injecção, existia um abscesso considerável; o tecido cellular estava completamente esphacelado. A veia cubital apresentava a sua tunica externa negra e como esphacelada. Todas as outras, em que se realisou a puneção para praticar a injecção apresentavam augmente d'espessura das suas paredes. Além d'isso a superficie interna dos mesmos vasos achava se despolida e o sangue coagulado. A veia cu­bital direita, picada segundo o methodo aconselhado

*

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por Behier para a transfusão do sangue, apresentava estas différentes alterações no seu máximo. Existia um thrombo entre a parede da veia e a pelle. Um coa­gulo volumoso e cuja extremidade terminada em pon­ta chegava até ao nivel da puncção, occupava a veia na extensão de 3 centímetros; a veia pediosa, em que a injecção foi realisada integralmente, apresentava um calibre mui pequeno e coágulos pouco extensos, sepa­rados por espaços que não continham sangue. Uma veia collateral, de que a anastomose estava situada a cerca d'um centimetro do ponto em que fora pratica­da a puncção, continha também coágulos. No coração direito encontrava-se um coagulo fibrinoso.

Tillaux, n'uma communicação feita á sociedade de cirurgia, diz que, praticando a autopsia d'um doen­te atacado de tétano consecutivo á applicação d'um cáustico n'um caso de kisto hydatido do fígado e tra­tado pelas injecções intra-venosas de chloral, observou o seguinte: coágulos de sangue nas veias cephalica e mediana basilica, que continuavam até á embocadura da veia axillar, onde terminavam.

O auctor faz notar que Derré,encarregado da ope­ração, praticou 4 injecções no mesmo ponto. Depois diz «proseguindo nas minhas investigações, encontrei na veia axillar um enorme coagulo independente do primeiro, um outro na auricula direita e o seu exame mostrou-me que se formaram antes da morte. Emfim a existência d'um coagulo volumoso no ventrículo es­querdo, mostra até á evidencia que a introducção do chloral tinha communicado ao sangue uma disposição especial á coagulação. Comprehende-se que os resul-

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tados d'esta autopsia sejam pouco para enthusiasmar em favor das injecções intra-venosas».

Emfim referirei os resultados da autopsia d'um individuo, acommettido de tétano traumático, sujeito ás injecções intra-venosas de chloral, praticadas pelo dr. Lannelongue, ajudado pelo próprio Oré: «A auto­psia praticada 36 horas depois da morte na presença de Oré, Vergely, Gervais e Baudrimont, diz Lanne­longue, mostrou-nos do lado do apparelho circulatório lesões importantes. A veia radial, picada a primeira, apresentava um coagulo negro, muito consistente, adherindo em alguns pontos á parede venosa, mani­festamente augmentada d'espessura e inflammada. Es­te coagulo estendia-se pelas veias mediana basilica e cephalica até á axillar. N'esta o coagulo perdia a co-hesão e densidade, que permittia levantal-o n'uma ex­tensão de 7 a 8 centímetros. A' volta da saphena es­querda, o tecido cellular, que tinha recebido uma par­te da segunda injecção, apresentava-se com uma cor escura, dimuente e em via de mortificação; mas a pro­pria saphena de que a superfície externa não tinha sido attingida directamente pelo chloral apresentava um coagulo, subindo até á parte superior da perna.

Na saphina direita, picada por Oré, existia tam­bém um coagulo cylindrico, negro e condensado, coa­gulo que não estava adhérente nem tão pouco a pa­rede venosa alterada. Nos outros pontos do systema venoso, o sangue apresentava-se sob a forma de coá­gulos molles e manifestamente mais viscoso, mais con­sistente que d'ordinario. Era principalmente no cora­ção direito que se podia observar um coagulo sangui-

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neo notável. Situado na ponta do ventrículo direito, achava-se entrelaçado com as columnas carnosas e cordas tendinosas um coagulo fibrinoso de côr branca amarellada, consistente e tão adhérente que tomando-o entre os dedos podia levantar-se o coração. Este coa­gulo do volume do index estendia-se da ponta do ventrículo á base, onde penetrava na veia pulmonar, dividindo-se como ella em dous ramos, medindo 3 a 4 centímetros de comprimento. Em toda esta extensão o coagulo apresentava se descorado e denso. Os pul­mões estavam muito congestionados na base e no bor­do posterior. Apresentando as particularidades d'esta observação pergunto, diz Lannelongue, se o trata­mento não contribuiu para apressar a morte do doen­te e confesso que se deve responder affirmativamente.

Emfim temos ainda os accidentes de hematuria, observados 3 vezes por Vulpian nas suas experiên­cias em animaes, communieados por elle á Academia de Medicina. Estes accidentes foram depois observa­dos no homem pelos professores Deneffe e van Wetter. Os dados precedentes mostram as rasões, que fizeram abandonar o processo de Oré e que com Grosselin po­dem ser resumidas no seguinte:—1.° coagulação do sangue nas veias d'onde pódcm resultar embolias;—2." phlébites e fleimões, que podem desenvolver-se sob a acção irritante do chloral;—3." dificuldades na prática operatória do processo; —4.° longa duração do processo para chegar á anesthesia completa;—5.° perigo d'uma syncope causada por uma impressão muito viva, exer­cida pelo contacto da substancia com as paredes do coração, a que podemos acrescentar uma;—6.° os ac-

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cidentes de hematuria observados por Vulpian e van Wetter.

Oré respondeu, é certo, que todas estas objecções não tinham valor, que os accidentes resultavam da execução defeituosa da injecção; mas depois de en­saiado por grande numero de cirurgiões francezes, e apesar de ser defendido com vehemencia por Bouil-laud perante a Academia de Medicina e a Academia das Sciencias, foi definitivamente abandonado para o que concorreu muito a condemnação fulminada contra elle pela grande auctoridade de Verneuil no congresso de Bruxelles em 1875.

Para completar o que tinha a dizer em relação ao processo d'injecçoes intra-venosas referir-me-hei ra­pidamente ao «Manual Operatório» e ás precauções, que segundo Oré é necessário tomar para o bom re­sultado da operação.

Dois instrumentos são necessários para praticar as injecções intra-venosas: 1.° uma seringa convenien­temente disposta e de que a descripção pôde lêr-se no livro d'Oré intitulado «Le chloral e la medication in­tra-veineuse»; 2.° um apparelho eléctrico de correntes intermittentes e enérgicas. Para fazer penetrar a solu­ção de chloral n'uma veia podem emprcgar-se dois processos, o de Oré e o de van Wetter.

Processo d'Oré. — O trocate é enterrado como ' uma lanceta perpendicularmente, ou melhor, um pou­co obliquamente ao eixo do vaso. Desde que o tro­cate penetrou, para o fazer avançar no interior da veia basta inclinal-o e impellil-o de traz para diante.

Processo de van Wetter,—Faz-se penetrar o tro-

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cate debaixo da pelle entre o tegumento e a veia e parallelamente a esta. Depois de ter caminhado 1 cen­tímetro no tecido cellular, que separa a veia da pelle, inclinando a ponta do trocate para o vaso, sente-se uma resistência característica, impelle-se então suave­mente o instrumento de que a ponta é dirigida para a veia. No momento em que é atravessada a parede do vaso, a mão do operador experimenta uma sensa­ção especial, depois sente o vacuo e o trocate avan­ça sem resistência. Deve penetrar um centímetro.

Qualquer que seja o processo adoptado, Oré re-commenda as precauções seguintes: 1.° picar a veia sem a desnudar; 2.° não praticar a injecção de chlo­ral sem se estar seguro de que a cânula penetrou no vaso, o que se reconhece pelo escoamento de sangue pela cânula, quando se tira o trocate; 3.° immobili-sar a cânula durante todo o tempo, em que se prati­ca a injecção; esta precaução é para Oré sufficiente para evitar a producção de phlébite ou coágulos.

Oré recommenda ainda que dois dias antes de realisar a operação convém como medida de prudên­cia interrogar a susceptibilidade individual, adminis­trando pela. via estomacal doses elevadas de chloral.

Feito isto injectar-se-ha lentamente o chloral (50 contigrammas de chloral por minuto) e, como segun­do Oré são necessárias 5 a 8 grammas de chloral para anesthesiar um doente, segue-se que a duração da injecção oscillará entre 10 e 16 minutos. A solu­ção empregada por Oré é a de 10 grammas de chlo­ral em 30 grammas d'agua; se apresentar acidez, diz o mesmo auctor, que se pôde neutralisar, empregan-

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do quatro gotas d'uraa solução de carbonato de soda a lJia para cada gramma de chloral. Apesar de não julgar haver inconvenientes no emprego da solução a frio aconselha no entretanto o aquecel-a.

Taes sãc as precauções recommendadas por Oré na pratica das injecções intra-venosas.

Administração «Io ehloral pela via gás­tr ica . — O chloral tem sido empregado por différen­tes auctores pela via gástrica com o fim de obterem a anesthesia cirúrgica, mas os resultados não foram sempre satisfactorios. Demarquay que das suas expe­riências em animaes tinha concluído que o chloral era o agente mais potente de resolução muscular, o mais rápido de todos os hypnoticos, experimentando-o de­pois no homem em 20 casos, não obteve sob o ponto de vista do hypnotismo resultado em 6. Longe de ter conseguido durante o periodo de somno diminuição da sensibilidade, observou ao contrario hyperesthesia e d'ahi concluiu que o chloral não poderia servir ao cirurgião como anesthesico. Não são muito mais ani­madoras as observações do professor Nusbaum, de Munich, que, ensaiando o chloral em 20 casos, con­seguiu obter apenas a analgesia em 19, e só n'uma mulher de constituição débil obteve a anesthesia com­pleta.

O dr. Mauriac fez numerosas observações com o chloral a fim d'obter a anesthesia. Os doentes tolera­ram bem o chloral, mas com o uso continuado sobre­vieram perturbações causadas por irritação local. Nas numerosas observações, publicadas por este auctor em 1870, diz-nos que conseguiu obter uma diminuição de

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sensibilidade, indo até á anesthesia, mas que lhe pa­recia insuficiente para a prática das operações cirúr­gicas. Nos alcoólicos, para alcançar idênticos resulta­dos, precisou d'augmentar as doses, o que sempre rea-lisou sem accidentes para os doentes. Mauriac refe-re-se ainda ao apparecimento d'epistaxis, mas estes accidentes não se observam sob a influencia da admi­nistração momentânea do chloral e unicamente nos ca­sos, em que o seu uso é continuado por muito tempo, como nos factos observados por este clinico.

Outros cirurgiões foram mais felizes, apresentan­do observações favoráveis ao processo; Bouchut, no hôpital des Enfants, e Redier, em Lille, consegui­ram pelo emprego do chloral, em poção, collocar as crianças n'um grau d'anesthesia sufficiente para ap-plicar pastas cáusticas, endireitar membros, dispostos em attitudes viciosas, abrir abscessos, extrahir den­tes, applicar pontas de fogo. Referirei apenas as duas observações seguintes devidas a Bouchut.

Uma rapariga apresentava um enorme kisto hy-datido do fígado, que devia ser aberto depois d'esta-belecidas adherencias entre a parede abdominal e o tumor. Bouchut applicou primeiro a pasta de Vienna, depois a de chloreto de zinco. Como a corrosão, pro­duzida pela massa de chloreto de zinco, dura 3 horas e é muito dolorosa, todos os dias Bouchut dava á doen­te 3 grammas de chloral, e só no fim de meia hora durante o somno e a anesthesia, é que fazia applica-ção do cautério. Praticou esta operação quatro vezes com o mesmo resultado; a doente não sentia a caute-risação e ao acordar a eschara estava feita,

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O segundo facto refere-se a uma rapariga, que depois de ter sido curada d'um rheumatismo sub-agu-do, complicado d'endocardite mitral leve, ficou com uma contractura do joelho direito, com flexão muito pronunciada do joelho sobre a coxa. Havendo neces­sidade de endireitar o membro, que devia ser collo-cado n'uma goteira direita, e sendo esta operação mui­to dolorosa era preciso insensibilisar a doente. Bou-chut em lugar de produzir a anesthesia com o chloro-formio, como de ordinário se pratica, quiz obtel-a com o chloral, dado na. dose de 3 grammas e por uma só vez.

«E' um resultado, diz Bouchut, que só se obtém nas crianças, porque no adulto é impossível por cau­sa da repugnância do estômago dar dose sufficiente para a obter. Nas crianças, que supportam o chloral perfeitamente, e nas quaes se podem fazer todas as operações sem dôr, a anesthesia produz-se facilmente com a dose de 3 grammas. Antes da minha visita ti­nham dado esta dose d'uma só vez, e meia hora de­pois a criança estava adormecida e insensível. O mem­bre foi endireitado sem que ella desse o menor grito, depois do que foi collouado n'uma goteira direita. Hou­ve porém grande resistência a vencer, porque a anes­thesia não havia dado lugar á resolução do membro contracturado. Em summa, a anesthesia da criança pelo chloral e o endireitamento do membro sem dôr, tal é o facto interessante sobre que chamo a attenção.»

Da leitura d'estas observações resulta que Bou­chut só julga o chloral applicavel nas crianças; é ain­da essa a opinião de Redier, O dr. Noir, de Brioude,

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realisou no adulto uma amputação depois de o ter sub-mettido ao chloral em altas doses. A observação de Noir refere-se a um individuo, atacado d'um osteosar­coma muito doloroso da perna. O doente tomou 3 grammas de chloral em solução, em 60 grammas de xarope, ás 8 horas da manhã. A's 9 teve grandes nauseas e sentia fugir-lhe a vista e depois excitação, que durou duas horas. Adormeceu então de tal modo que podiam movel-o para um e outro lado sem o acor­dar. Durando este somno hora e meia, quando acor­dou, disse haver dormido bem e pedia de comer; até áquelle dia nunca a dor o havia deixado dormir. Dois dias depois tomou 5 grammas de chloral ás 8 da manhã, e duas horas depois dormia profundamente, soffrendo a amputação da perna sem se mover, nem soltar um gemido. Conduzido para a cama, o doente caiu n'um estado comatoso assustador, que durou uma hora, tendo depois delírio e vómitos. Duraram estes symptomas 7 horas, no fim das quaes este estado foi substituído pelo de prostração completa, recuperando os sentidos e dizeudo não se lembrar do que se havia passado. Tomou um caldo, tornou a adormecer até ao dia seguinte, dissipando-se os maus effeitos do chlo­ral.

Além d'estas observações duas outras favoráveis ao processo são devidas, a primeira ao professor Bar-deleben, do hospital de la Charité de Berlim, e vem referida na «Gazette des Hôpitaux» de 24 de agosto de 1869, e a segunda ao dr. Deschiens, medico de marinha de l . a classe e que vem relatada no «Bulle­tin de Thérapeutique» de Julho de 1870. No serviço

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de Trelat também Choquet realisou duas operações uma de uranoplasty, outra de staphylorraphia, em que o chloral foi empregado; porém da sua leitura vê-se que não foi possível obter em nenhum dos casos anesthesia completa.

D'estas différentes observações parece d<:ver con-cluir-se que se o chloral produz nas crianças um grau de insensibilidade, capaz de permittir o praticar opera­ções cirúrgicas, ainda mesmo quando muito dolorosas, e se no adulto o chloral pôde determinar a anesthesia completa, como o caso do doutor Noir o mostra á evi­dencia, na maior parte dos casos produz apenas anes­thesia suficiente para praticar operações pouco dolo­rosas, ou que reclamem o concurso do doente. Quan­to ao coma e delirio, observados pelo dr. Noir, deve dizer-se que a dose administrada foi relativamente pouco elevada e os accidentes dependeram certamen­te da organisação excepcional do doente.

Das observações d'anesthesia, realisada3 até ho­je no homem pelo emprego do chloral pela via gástri­ca, podem tirar-se com Choquet as conclusões seguin­tes:— 1.° até 1 gramma nas crianças e 3 grammas no adulto é principalmente hypnotico;— 2.° de 1 a 2 gram­mas nas crianças e de 3 a 5 no adulto é hypnotico e analgésico;-3.° de 2 grammas e mais nas crianças e de 5 grammas para cima no adulto é semi-anesthesi-co ou anesthesico completo;—4.° a semi-anesthesia pô­de ser utilisada em cirurgia para as operações de cur­ta duração, para as operações na boca e em geral para as que exigem o concurso do doente;—5.° a po­ção chloralica deve sempre ser suficientemente dilui-

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da, e o gosto devo sor corrigido pela addição d'urn xarope. Deverá ser tomada por duas vezes com in-tervallo de */4 de hora, e a primeira parte adminis­trada 1 hora, a 1 hora e lõ minutos antes da opera­ção.

Administi-aeão pela via intestinal.—E' um modo d'administraçâo do chloral, que pôde serutilisada nos doentes sujeitos a vómitos e nas crianças. Esta via d'applicaçao do chloral é ainda perfeitamente indica­da no caso de tétano, de trismo, circumstancias estas que impedem o dar-se o medicamento pela boca. Des­necessário é dizer que deve ser primeiro evacuado o intestino por meio d'um clyster d'agua tépida. Quan­to á dose de chloral a empregar deve ser sensivel­mente a mesma, que a indicada pela via gástrica. Comtudo em razão da grande irritabilidade da muco­sa intestinal, deve reservar-se este modo de adminis­tração para os casos em que não seja póssivel proce-der-se doutro modo. No entretanto Giraldes mostra-se muito favorável a este processo, que lhe parece não ter inconvenientes. Refere um facto da administração, por engano, n'uma criança de 10 annos d'um clyster, contendo 3 grammas de chloral. A doente caiu n'um somno profundo e prolongado, acompanhado d'anes-thesia total da pelle e da cornea, de que não resultou accidente, restabelecendo-se a criança rapidamente.

y**" A n e s t h e s i a mixta .—A ideia de combinar / dois agentes anesthesicos, com o fim de obter resul­

tados mais favoráveis nasceu quasi ao mesmo tempo na Allemanha e em França. Em 1863 Núsbaum, de­sejando prolongar a anesthesia n'uma mulher, em que

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I l l

praticava a extirpação d'ttna tumor do pescoço, hesi­

tou em dar novas doses do chloroformio e substituiu­o por uma injecção sub­cutanea de morphina, com o que prolongou a anesthesia. Alguns Inezes depois Cl. Bernard, que ignorava o facto de Niisbaum, empre­

gou o mesmo processo nos animaes com o melhor re­

sultado. A anesthesia prolongava­se, quando a mor­

phina era dada depois do chloroformio e quando in­

jectada primeiro, pequenas doses de chloroformio pro­

duziam a insensibilidade. Este methodo vulgarisou­se na Allemanha, onde é conhecido sob o nome de «nar­

cose de Niisbaum». Em França, Sarrazin, no cerco de Strasbourg, Labbé e Goujon, Demarquay e Guilbert e principalmente o dr. Aubert, de Lyon, fizeram entrar a anesthesia mixta na prática cirúrgica.

Acção combinada «lo cliloral e do clilo-

■•oformio.—­Em 1874 um medico de Brest, o dr. Forné, fazia conhecer á sociedade de cirurgia um outro methodo d'anesthesia mixta, consistindo na combinação do chloral e do chloroformio. Forné considera o chloral como agente de hypnotismo singularmente favorável á chloroformisação. O seu processo consiste em fazer to­

mar uma dose única de chloral, variando de 2 a 5 gram­

mas, segundo a idade dos doentes. Ordinariamente o somno apparece uma hora depois da ingestão da po­

ção e então procede ás inhalações de chloroformio. Forné empregou duas vezes o processo; primeiro n'u­

ma criança de 4 annos de idade, em (que a micção muito difficil reclamava a exploração das vias urina­

rias. A doente ingeriu ás 7 horas da manhã 2 gram­

mas de chloral. O somno appareceu ás 8 horas e en­

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tão 2 grammas de chloroformio, em inhalação, produ­ziram a anesthesia. Só foi necessário empregar mais 4 grammas de chloroformio para manter a anesthesia, emquanto se realisava a operação. O despertar da ope­rada teve lugar á 1 hora depois do meio dia. Da se­gunda vez tratava-se d'um individuo vigoroso, de 21 annos d'idade, que tivera um vasto abscesso, na re­gião do anus, abrindo-se no recto,de que lhe tinha ficado uma collecção purulenta, na região nadegueira. De­pois de lhe ter dado ás 4 horas da tarde 5 grammas de chloral, que produziram o somno no fim d'uma hora, fez-lhe respirar 5 grammas de chloroformio, que determinaram a anesthesia. A collecção purulen­ta foi aberta sem lucta do paciente, que alguns dias antes tinha resistido á anesthesia pelo processo ordi­nário. O somno prolongou-se 4 horas depois da anes­thesia. D'estas observações concluiu Forné que:—1.° as inhalações de chloroformio deixam de ser perigo­sas, quando são administradas durante o somno chlo-ralico, por meio d'um apparelho d'ar livre, que per-mitta o dosar o agente anesthesico; —2." a perspe­ctiva da anesthesia, da operação e das suas conse­quências produz d'ordinario uma depressão nervosa, que, é um obstáculo á anesthesia. Mergulhando os doentes n'um somno preparatório, evita-se a influen­cia do medo, surprehende-se o organismo, fazendo-o passar do somno, que pôde considerar-se como um primeiro grau d'anesthesia, á anesthesia completa.

Dolbeau declarou ao contrario que considerava o processo perigoso, e em abono da sua opinião citou os factos seguintes: uma senhora, que soffria d'uma

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fenda do anus decidiu-se á dilatação rápida do esphin-cter anal. Tomava habitualmente xarope de chloral para acalmar as dores. Quando Dolbeau se apresen­tou para a operar, dormia e não sendo possível des-pertal-a completamente, chloroformisou-a. Pouco chlo-roformio bastou para fazer a operação. Operada a di­latação, houve difficuldade em acordar a doente, que pronunciava algumas palavras, depois adormecia e arrefecia progressivamente. Inquieto com um tal es­tado, permaneceu uma hora junto da doente, que aca­bou por acordar. Dolbeau acrescenta que o estado da doente depois da operação era bom. Chamado o mesmo cirurgião a prestar os seus cuidados a um ge­neral do exercito inglez, que voltava da índia, prati­cou a resecção do maxillar superior depois de o ter chloroformisado muito facilmente. Depois da operação o doente acordou sem difficuldade, mas Dolbeau no­tou no operado notável tendência para dormir e arre­fecer. Quatro horas depois da operação o doente dor­mia ainda profundamente, persistindo este estado até ao dia seguinte em que experimentou uma melhora notável. Foi então que Dobeau soube, que o general tomara 10 grammas de chloral antes da operação. Emfim chamado por um doente acommettido d'uma affecção muito dolorosa do recto, Dolbeau ficou sur-prehendido da tendência, que este individuo apresen­tava ao resfriamento. Ia aconselhar-lhe o uso do chlo­ral, quando soube pelo medico assistente que o doen­te tomara 14 grammas de chloral na véspera. O doen­te morreu na noite immediata á visita de Dolbeau.

Gruyon, tendo observado n'um doente chlorofor-9

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misado, que tinha tomado de véspera 3 a 4 grammas de chloral, os mesmos accidentes referidos por Dol­beau, associa-se á opinião d'esté, considerando o pro­cesso de Forné perigoso. Trelat mostrou depois que os receios de Dolbeau eram exagerados; que se as conclusões de Forné eram prematuras, porque se ba­seavam apenas em duas observações, relativas a ope­rações de pouca duração e pouco dolorosas, sendo ne­cessário para julgar o processo operações longas e comportando uma successão e por assim dizer um es­tado de dôr também o abaixamento de temperatura notado por Dolbeau e Demarquay não era tão consi­derável, como elles suppunham, e se limitava a al­guns décimos de grau, quando o medicamento era prudentemente administrado. Nos doentes nervosos irritáveis, dando algumas horas antes da operação uma poção com 6 grammas de chloral, colloca-se o systema nervoso em excellentes condições para soffrer a acção do chloroíbrmio e então algumas inhalações d'esté agente bastavam para produzir uma anesthesia favorável á operação; depois d'esta não se observa o abaixamento de temperatura, a tendência invencível ao somno, que os auetores já citados receavam, con­tanto que o chloral seja dado em doses moderadas. As observações de Trelat são confirmadas pelo facto seguinte, devido a Perrin. Este cirurgião, chamado a tratar d'um official extremamente nervoso, que soffria d'um estreitamento uretral, que exigia a uretrotomia, procurou muitas vezes chloroformisal-o. A agitação do doente era porém tal, todas as vezes que emprehen-dia a anesthesia, sobrevindo verdadeiros accessos hys-

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tericos, que teve de renunciar,á operação. Então teve a ideia de lhe fazer ingerir 3 grammas de chloral uma hora antes da operação. O doente adormeceu profun­damente; então Perrin administrou-lhe o chloroformio e operou. O despertar realisou-se nas condições nor-maes. Perrin concluiu d'esta observação que o me-thodo de Forné era uma engenhosa applicação phy-siologica, que, embora não lhe parecesse dever empre-gar-se em todos os casos, era comtudo util sempre que um nervosismo extremo tornasse a chloroformisa-ção laboriosa ou mesmo impossivel.

A favor do processo de Forné pôde referir-se o facto seguinte devido a Choquet. Um individuo de profissão alfaiate, de 24 annos d'idade e tendo hábi­tos alcoólicos, entrou no hospital de Charité por cau­sa d'um abscesso frio situado ao nivel da espádua di­reita. Tendo de ser aberto o abscesso, o doente tomou uma poção, contendo 6 grammas de chloral, por duas vezes com meia hora de intervallo, sem que experi­mentasse desgosto e até mesmo com prazer; o doente preoceupava se muito com a operação, que tinha de soffrer. 45 minutos depois da ingestão do chloral, es­tando o doente adormecido ha 10 minutos, sendo com­pleta a insensibilidade da cornea e muito diminuida a sensibilidade da pelle, foi levado para a sala d'opera-çoes. No trajecto acordou e, como apresentava alguma agitação, foi empregado o chloroformio, de que algu­mas inhalações bastaram para produzir a anesthesia completa. Realisada a operação ás 11 horas e 40 mi­nutos, o doente acordou ás 4 horas e meia da tarde, tendo apenas uma recordação vaga da operação, que

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soffreu. A temperatura, que tinha baixado um decimo de grau, era normal ao despertar.

Do que acabo de expor deverá concluir-se pela aceitação ou rejeição do processo de Forné? Deve dizer-se que as conclnsões tiradas por este auctor eram prematuras, pois que o numero de factos em que as baseava era muito limitado e ainda as operações eram pouco dolorosas. E' certo, porém, que depois novos factos d'operaçôes mais longas e dolorosas vieram con­firmai-as.

Quanto ás objecções feitas por Dolbeau, basea­das nos factos observados por este cirurgião, não são de natureza a permittir lhe o concluir que o processo é perigoso. Em dous dos casos a que se refere, reco­nhece Dolbeau que os doentes se restabeleceram fa­cilmente, sem que resultassem perturbações depois das operações e, se é certo que o terceiro doente suecum-biu, embora se attribua a morte ao chloral, deve com-tudo dizer-se que a doente tomou a dose enorme de 14 grammas. Ora Forné recommenda a ingestão de 2 a 5 grammas apenas, e portanto o facto, mostrando o perigo da administração em certos casos por uma só vez de 14 grammas de chloral, não pôde ser invoca­do contra o processo d'esté auctor. Nos outros dous casos, que devem ser considerados favoráveis ao pro­cesso de Forné, assignalou-se, é verdade, a tendên­cia ao resfriamento. Ora como já foi dito, o abaixa­mento de temperatura sendo o chloral sabiamente admi­nistrado, é apenas d'alguns décimos de grau, o que não é de certo de natureza a assustar um cirurgião. E demais Demarquay, affirmando a tendência ao abai-

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xamento da temperatura sob a influencia 3o chloral, affirma que o chloroformio produz o mesmo resultado.

Em resumo:—o chlorrl diminue singularmente os perigos do chloroformio, evitando os effeitos do cho­que reflexo do bulbo, produzindo por assim dizer por graus a anesthesia e, impedindo a violenta, surpreza do organismo, evita a influencia das apprehensões do doente sobre o systema nervoso, o que torna muitas vezes impossível a applicação do chloroformio.

Acção combinada do cliloral e da mor-l ihii ia.—A utilidade da cooperação dos doentes em différentes casos, principalmente nas operações da boca, levou Trelat a procurar um processo d'anes-thesia, que evitando a dôr permittisse que a intelli-gencia se conservasse n'um estado d'integridade suffi-ciente. Foi o que conseguiu pela acção combinada do chloral e da morphina, administrados pela via gástri­ca sob a forma de poção anesthesica. Os effeitos que obteve incitaram Trelat a empregal-o nos casos, em que a chloroformisação era necessária, não como meio de substituição, mas como auxiliar valioso.

Duas ordens de casos devem ser considerados no emprego do methodo: 1.° se as operações são de cur­ta dm-ação e a dor é pouco intensa, se não exigem resolução muscular completa ou mesmo requerem a cooperação dos doentes, a anesthesia incompleta obtida com a poção é sufficiente; 2." se ao contrario a longa duração da operação, a intensidade da dôr produzida e o estado d'acinésia necessária reclama a anesthesia completa, a intervenção do chloroformio transforma a semi-anesthesia primitiva em anesthesia completa.

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US

Na impossibilidade de apresentar in extenso as numerosas observações, em que se baseia a recom-mendação do methodo aos práticos, apresentarei um quadro synoptico onde se encontram os resultados obtidos por Choquet no serviço de Trelat. (1)

Das observações, que vão resumidas n'esse qua­dro tirou Choquet as conclusões seguintes, que a lei­tura das mesmas observações in extenso (2) mostra serem perfeitamente justas:

1." A poção de chloral e de xarope de morphina 6 tomada, ora com repugnância, ora sem ella. Não produz dor no estômago; dá muitas vezes lugar a hyporsccrcção salivar, a nauseas, raras vezes a vómitos. — 2." Dez minutos depois da ingestão da poção sobre­vem um primeiro período d'excitaçao, caracterisado por perturbações intellectuaes, rubor da face, dilata­ção pupillar, elevação de temperatura (alguns décimos de grau), acceleração e algumas vezes intermitten-cias do pulso, augmente) do numero das respirações c uma hyperesthesia geral leve. Este periodo dura cer­ca de 20 a 30 minutos; mas é mais prolongado nos alcoólicos e nos indivíduos nervosos. E' mais curto nas crianças, velhos e mulheres, chegando mesmo a faltar completamente n'estas.—3."30 a 40 minutos de­pois da ingestão da poção apparece o periodo de hy-pnotismo, que se traduz por somnolencia, entorpeci­mento muscular, pallidez da face, contracção pupillar, abaixamento da temperatura (alguns décimos de grau),

(1) Veja-sc o mappa que vac no final. (2) Choquet—«Estudo sobre o chloral».

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enfraquecimento é diminuição do numero das pulsa­ções com persistência em certos casos das intermit-tencias primitivas, diminuição da sensibilidade geral c abolição da sensibilidade da cornea. Este periodo dura 10 a 15 minutos. —4.° Dá lugar insensivelmente ao pe­ríodo d'anesthesia, caracterisado por somno comatoso, resolução muscular com persistência dos phenomenos pupillares,thermicos, respiratórios e circulatórios prece­dentemente indicados, diminuição progressiva e suc-cessiva: l .°da sensibilidade gustativa; 2.° da sensibili­dade olfactiva; 3.° da sensibilidade tactil; 4." da sensi­bilidade visual; õ.° da sensibilidade auditiva. A in­tensidade d'estes phenomenos varia com as doses e a anesthesia é, segundo os casos, completa ou incompleta. Quando é incompleta, ha persistência dos movimentos reflexos mas abolição das percepções sensoriaes, ou pe­lo menos da memoria. A duração d'esté periodo de­pende da dose empregada e da disposição individual; dura termo medio de hora e meia a 2 horas.— õ.° Se o doente fôr então sujeito á chloroformi-sação, o periodo d'excitaçao, produzido d'ordinario pelo chloroformio falta ou é consideravelmente dimi­nuído. Além d'isso uma pequena dose de chloroformio transforma a anesthesia incompleta em insensibidade completa;—6.° Se o doente não fôr submettido ás inhalações do chloroformio, o periodo de volta é cara­cterisado, pelo desapparecimento do coma, que dá lu­gar a um somno socegado, ao apparecimento da ay-nergia muscular e da temperatura normal. O pulso tende a regularisar-se, torna-se mais frequente e mais forte. A pallidez da face é substituída pelo rubor. A

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pupilía readquire as suas dimensões norraaes e as différentes sensibilidades apparecem pela ordem in­versa d'aquella, porque tinham desapparecido. A in­telligence volta ao estado normal. As secreções tor-nam-se normaes. Emfim a micção que se suspende sob a influencia da poção, volta de novo. A elimina­ção do agente anesthesico é completa no fim de 24 à 36 horas;—7.° Se o doente tiver respirado o chlorofor-mio, os phenomenos observados pouco differem, mas são mais demorados. Os vómitos são mais frequentes e a eliminação do agente anesthesico é completa no fim de 36 a 48 horas.

Condições em que o processo deve empregar-se

A CONTRAINDICAÇÕES: 1.° As affecções pulmonares e cardíacas muito

pronunciadas, sendo leves, bastará haver algumas precauções de que adiante fallarei;

2.° O estado de debilidade dos doentes exigirá muita circumspecção sem ser contraindicação formal ;

3.° As operações de longa duração e em parti­cular as que perturbam os phenomenos mecânicos da respiração como a ablação da lingua, e a resecção dos maxillares, exigem prudência na applicação do pro­cesso; ,

4.° Se no alcoolismo e affecções nervosas o pro­cesso é util, deve haver a maior reserva nos casos de paralysia geral;

5.° Deve ser absolutamente posto de parte nas

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inflammaçôes pronunciadas das vias digestivas e nas doenças orgânicas do cérebro.

B CONDIÇÕES QUE DEVEM PREENCHER-SE PARA

TORNAR O METHODO EFFICAZ: 1.° Qual é a quantidade de chloral e de xarope

de morphina que deve conter a poção anesthesica ? A resposta variará, segundo se quizer obter a anes­

thesia completa ou incompleta. O methodo, tendo sido apenas ensaiado no adulto, é só para este caso que as doses são indicadas. Trelat raras vezes emprega uma dose de chloral superior a 6 grammas, e isso porque se as doses superiores diminuem a duração da chlorofor-misação, tem o inconveniente de exagerar os phenome-nos de prostração consecutivos ás operações. Os qua­dros seguintes indicam as doses a empregar segundo os casos.

Primeiro caso A anesthesia será completada pela

ehloroformisação

HOMENS

Idade dos

doentes

20 a 40 40 a 60 6 0 PARA CIMA

MULHERES

Hydrato de

chloral

Xarope de

morphina Agua

Idade dos

doentes

20 a 40 40 a 60 6 0 PARA CIMA

Hydrato de

chloral

Xarope de

morphina Agua

GRAMMAS

5 a 8 4 a 7 3 a 6

GRAMMAS

30 a 40 30 a 40 20 a 30

GRAMMAS

100 a 120 10') a 120 80 a 100

Idade dos

doentes

20 a 40 40 a 60 6 0 PARA CIMA

GRAMMAS

4 a 7 3 a 6 2 a 5

GRAMMAS

30 a 40 20 a 30 20 a 30

GRAMMAS

100 a 120 80 a 100 80 a 100

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Segundo caso

A anesthesia não será completada pela chloroformisação

HOMENS

Idade dos

doentes

MULHERES

Hydra to de

chloral

Xarope de

niorphina Agua

Idade dos

doentes Ilydrato dc

chloral

GRAMMAS

6 a 9 5 a 8 4 a 7

Xarope dc

morphina Agua

GRAMMAS

7 a 10 6 a D 5 a 8

GRAMMAS

30 a 40 30 a 40 20 a 30

GRAMMAS

120 a 140 100 a 120 100 a 120

20 a 40 40 a 60 G O PARA CIMA

Ilydrato dc

chloral

GRAMMAS

6 a 9 5 a 8 4 a 7

GRAMMAS

30 a 40 30 a 40 20 a 30

GRAMMAS

100 a 120 100 a 120 100 a 120

Os práticos devera ter em coata no emprego do processo, a robustez dos indivíduos, a sua actividade nervosa, os antecedentes principalmente sob o ponto de vista do alcoolismo e nervosismo e também a na­tureza da operação, em relação á duração e intensi­dade das dores que produz, a acinesia e finalmente a necessidade da cooperação dos doentes, que exigirá a anesthesia incompleta.

2.° De que modo e em que momento convém administral-o?

Deverá ser tomada por duas vezes com urn quar­to de hora d'intervallo. Dal a d'uma só vez traria como resultado expor os doentes aos vómitos.

Demais, Choquet fez a observação seguinte: se

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a 2.a parte da poção fôr tomada só no fim de meia hora, a acção excitante d'ella prevalece e o doente, que começava a dormir, agita-se. Este inconveniente não se dá, quando o espaço que separa a ingestão das duas partes da poção, é d'um quarto de hora. Se o doente apresentar perturbações circulatórias ou respi­ratórias é prudente dar a poção por 3 vezes, com in-tervallos de um quarto de hora; se as perturbações se accentuarem muito deve parar-se depois da segunda, ou mesmo da primeira parte da poção. O mesmo devefazer-se em presença d'um individuo muito debili­tado ou muito nervoso. Emíim deve calcular-se o tem­po de modo que o doente se encontre no period o de anesthesia no momento em que se deve praticar a operação. Ora este período manifesta-se uma hora de­pois da primeira parte da poção e 45 minutos depois da segunda.

3.° Precauções a tomar antes, durante e depois da operação:

O doente deve estar em jejum. Deve também re-commendar-se o estado de vacuidade do recto e da bexiga.

Devem afastar-se todas as causas susceptiveis de augmentai- a excitação, que se observa no principio como a luz intensa, o ruído, etc., etc.

Nos casos em que se procurar obter a anesthesia incompleta e a operação tiver de ser realisada n'um hospital, o transporte do doente para a sala d'opera-ções só deve ter lugar quando o periodo de hypno-tismo estiver perfeitamente assegurado. O transporte deverá fazer-se rápido, mas sem abalo. Se apesar

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d'isso o doente apresentar excitação por causa da dose ser pequena, ou ter sido a poção dada muito tarde e caso a agitação persista, bastarão algumas inhalações de chloroíbrmio para que desappareça. Deverá proceder-se do mesmo modo se a operação, durando mais tem­po do que o previsto, a anesthesia foi desapparecen-do, dando lugar aos phenomenos do periodo de volta.

Apesar de não terem sobrevindo accidentes eom o emprego d'esté processo, convém ter á mão um apparelho de faradisação, se for necessário restaurar artificialmente a respiração.

C VANTAGENS APRESENTADAS PELO PIIOCESSO DE TRELAT:

1.° Pôde ser applicado em todos os períodos da idade adulta.

2.° Convém particularmente nos casos d'opera-ções na boca.

3.° E' precioso nos alcoólicos e nos individuos affectados de nervosismo intenso.

4.° Dispensa o emprego de grandes doses de chlo-roformio.

õ.° Abrevia a duração da chloroformisação. 6.° Atténua e d'ordinario supprime o periodo de

excitação, produzido pelas inhalaçòes de chloroformio, excitação perigosa e muito incommoda para o opera­dor nos casos d'operaçôes nos órgãos genitaes.

7.° E' de fácil emprego e pode até certo ponto regular o grau d'anesthesia, que se quer obter, segun­do a natureza e a duração da operação que se pratica.

8.° Actua progressivamente sobre o organismo

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e évita os accidentes, que podem resultar da rápida e profunda surpreza do organismo.

9.° Evita a acção das influencias d'ordem mo­ral, relativas á operação e suas consequências influen­cias, de que resulta muitas vezes difficuldade na pra­tica da chloroformisação.

10.° Proporciona aos operados um somno soce-gado e reparador com a condição de ser applicado com a maior prudência quando as operaçSes forem de longa duração.

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Masculino Feminino JMasculino Masculino Masculino Masculino Masculino Feminino Feminino Masculino Masculino Masculino

Masculino Masculino Feminino Masculino Masculino Feminino íFeminino Masculino Feminino

60 23 36 71 60 18 21 27 52 71 21 37

25 17 50 41 18 19 22 35 35

Extirpação d'urna part< JStrabotomia , Operação plástica (palj Operação adiada. . .

Operação plástica (pen Amputação do collo ut Amputação d'um seio Extirpação d'uma grar Operação plástica (peni Extirpação d'um tumo

anterior do pescoí, Staphylorrhaphia. . . Extirpação d'uma phal Extirpação d'um seio. Extirpação d'uma grai Exploração d'um foco Dilatação do orifício d

» » Extirpação d'um testicl Extirpação d'um seio.

O doente da septima observ da poção e 25 minutos depois da

0 doente da oitava observa da poção, 25 minutos depois da

0 doente da nona observaçi ção e 20 minutos depois da segu

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PROPOSIÇÕES 9

Anatomia .—A anatomia explica a marcha das incisões feitas na linha mediana do corpo.

Pl iys io log ia .—A diapedese é um phenomeno physiologico.

Materia medica .—O processo anesthesico de Trelat deve em geral preferir-se ao emprego do chlo-roformio isolado.

P a t h o l o g i a externa.—No tratamento do car­cinoma preferimos o emprego do leite a qualquer ou­tro meio.

Medicina operatória.—Não é principalmen­te 'por uma distenção mecânica que as sondas curam os apertos d'uretra.

P a t h o l o g i a in t erna . —A hysteria é uma affec-çào essencialmente protéiforme.

A n a t o m i a pathologie» .—A lesão inicial da carie é a transformação gordurosa das cellulas ósseas.

Partos.—Regeitamos o emprego da abstinência como meio de diminuir as diâmetros do feto.

P a t h o l o g i a geral .—A genèse do processo phlegmasico é dominada pela acção trophica do sys-tema nervoso.

Hygiene.—Não subscrevemos ao enthusiasmo pela illuminação eléctrica.

Approvada.

Pedro A. Dias, presidente.

;

Pôde iinprimir-se. 0 CONSELHEIRO DIRECTOR,

Costa Leite.