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0 LUDICO COMO POSSIBILIDADE DE INCLUS Ao NO ENSINO FUNDAMENTAL* Edson Roberto de Souza** RESUMO Este estudo objetiva demonstrar que o !Odic°, enquanto atividade imaginativa e criativa, e despreza- do no interior da escola. Na tentativa de superacao desta exclusao que confere ao lOclico caracteristicas de relaxamento de atividade mental, de dispersào de energia ou de associacao a objeti- vos pedagOgicos pr6-determina- dos, faz-se necessbrio redimensionado no processo educativo, na perspectiva de possibilitar a crianca o desenvolvi- mento de suas potencialidades num ambiente atrativo, estimulan- te, significativo e mais prOximo de sua realidade. ABSTRACT This study aims to demonstrate that playing, as an imaginative and creative activity, receives little consideration within the school system. In order to overcome this exclusion, which ascribes to playing characteristics of relaxation from mental activities, energy dispersion, or association to pre-determined pedagogical objectives, it becomes necessary to consider playing within the educacional process, from the perspective of allowing the child to develop his/her potencialities in an enviroment which in attractive, stimulating, meaningful, and closer to his/her reality. * 0 presence artigo baseia-se no meu objeto de estudo no Curso tie Mestrado da PUC/RS: Resgate da Cultura Infantii nas Aulas de Educacito Fisica: ConsideracOcs Tcdricas e Possibilidades PeditgOgicas. ** Mestrando em Educacao da PUC/RS.

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0 LUDICO COMO POSSIBILIDADE DE INCLUS AoNO ENSINO FUNDAMENTAL*

Edson Roberto de Souza**

RESUMO

Este estudo objetiva demonstrarque o !Odic°, enquanto atividade

imaginativa e criativa, e despreza-do no interior da escola.

Na tentativa de superacao destaexclusao que confere ao lOclico

caracteristicas de relaxamento deatividade mental, de dispersào deenergia ou de associacao a objeti-

vos pedagOgicos pr6-determina-dos, faz-se necessbrio

redimensionado no processoeducativo, na perspectiva de

possibilitar a crianca o desenvolvi-mento de suas potencialidades

num ambiente atrativo, estimulan-te, significativo e mais prOximo de

sua realidade.

ABSTRACT

This study aims to demonstratethat playing, as an imaginative andcreative activity, receives littleconsideration within the schoolsystem. In order to overcome thisexclusion, which ascribes to playingcharacteristics of relaxation frommental activities, energy dispersion,or association to pre-determinedpedagogical objectives, it becomesnecessary to consider playing withinthe educacional process, from theperspective of allowing the child todevelop his/her potencialities in anenviroment which in attractive,stimulating, meaningful, and closerto his/her reality.

* 0 presence artigo baseia-se no meu objeto de estudo no Curso tie Mestrado da PUC/RS: Resgate daCultura Infantii nas Aulas de Educacito Fisica: ConsideracOcs Tcdricas e Possibilidades PeditgOgicas.

** Mestrando em Educacao da PUC/RS.

Motririncia

"Eu nao gosto de it para a esco-la, lci nao tent jogo, nao rodebrincar, so pintar e color."(Lucas Roberto l3attisti de Souza- 3 anos de idade. Agosto de

1995).

a algum tempo, ob-servamos que mui-tos jogos c brinca-deiras da cultura in-fantil nao encon-tram espaco na es-cola que, ao ignora-la, Lorna-se para acrianca urn mundodiferente e disuite.

Um mundo de domesticacao, de exclu-sao, de limitacao e de castracao dacriatividade, desejos, sensibilidade eI iberdade infantil.

Urn mundo de pratica pedagOgicacentralizada nos aspectos cognitivosdo processo de ensino-aprendizagem,reduzindo dicotomicamente o corpoda crianca a urn estorvo que, quantomais passivo e estatico estiver, menosatrapalhara. Nesta proposta impostacrianca, negando suas aspiracOeshidicas, sua corporeidade, a escola sig-nifica orders, disciplina, "coisa seria".Sob esta Otica, imobilidade e silenciosat) comportamentos fundamentals noprocesso de aprendizagem.

Tal postura da escola é reforcadae caracterizada pelos varios mecanis-mos de controle discipliner citados porFoucault (1987), tais como: a distri-buiyao dos corpos em filas, a vigilanciaconstante e as sanyOes normalizadorasque ocorrem em set interior.

ModificayOes ocorreram, mas aideia de mudanca, nao resiste alem dasprimeiras impressOes, pois as relacOes

nao transformaram-se na sua essencia,estao apenas disfaryadas, permanecen-do todo o processo de dominacão ecastracao das aspiraVies da crianca noseio da instituicao educacional.

A escola ainda é Lugar de exclu-sao, vigilancia e punicao. 0 controlecorporal da crianca, atraves de condutascomportamentais nteis ao sistema, ca-racteriza uma pratica dessa instituicao.

Neste mesma linha de pensamen-to, Freire (1982), destaca como aspec-to negativo da escola a relacao profes-sor e aluno, na qual: o educador é o queeduca, o que sabe, o que pensa, o quedisciplina, o que atua, o que escolhe ocontend°, a autoridade e, finalmente é osujeito do processo; antagonicamente,o aluno é o educado, o que nao sabe, opensado, o disciplinado, o que tem ailuslio de atuar, o que se acomoda, o quese adapta, ou seja, mero objeto do pro-cesso.

Reconhecer-se nesta praticainstitucionalizada, conservadora,limitadora e mantenedora da ideologiadominante, onde o professor é o co-mandante e o aluno é o comandado noprocesso de ensino-aprendizagem, e im-portante mas nao suficiente. E necessa-rio um rompimento, tuna transforma-cab na acäo educativa, pois segundoFreire (1986, p. 19),

... quando sepal-coitus o produ-zir conhecimento de conhecer oconhecimento existente, as es-colas se transformam liwilmenteem espacos para a venda de co-nhecimento que correspondentet ideologia capitalista."

Na busca da superayao desta es-cola dominadora e excludente é funda-

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mental e essencial que o educador con-sidere toda a riqueza da cultura indicainfantil, todo o repert6rio corporal que acrianca possui quando chega a escola,pois no brincar, no jogar, observa-seelementos de exploraciio da criati-vidade, de expressno e prazer. A criancaque brinca fantasia, sonha, aceita desa-fios e vislumbra possibilidades de de-senvolvimento. E tambem atraves doindica que a crianca consegue relacio-nar-se corn seu prOprio corpo, corn oantra e corn o mundo, onde orio se transforma em real, provocando-Ihe uma sensa45o de poder e dominiosabre o mundo.

Batista Freire (1989, p 14), reforyaescrevendo:

"Fica dificil falar de educacilaconcreta na escola quando umCO()m e considerada um intruso. Aconcretude do ensino depende, ameu vet-, de (vies praticas quedéem significado ao 'dois maisdois' ouao 'Pedro A lvares Cabraldescobriu o Brasil'. Sem viver con-cretamente, corporalmente, asrelacOes espaciais e temporais deque a cultura infantile repleta,fica dific.il fularem educacilo con-creta em conhecimento •ignifica-tivo, em finmactio pant a autotto-mia, em democracia e assim pot-diante.

Sugiro que, a calla Miele de anoletivo, pots ocasido dos matricwlas, tambem a coma das criancasseja matriculado."

Assim, e necessario entender ocorpo coma a camp() de expressaa e omovimento um dos rneios para que it

expresslio aconteca. Desta forma, a uti-lizacao de atividades 16dicas possibilitao descobrimento das potencialidadesdo desenvolvimento infantil; resgata-las no processo educativo sign i fi ca apro-ximar a escola da realidade da crianca,proporcionando-Ihe um ambiente maisatrati vo, estimulante e significativo, de-finiti vamente aceitando-a par inteiro.

A exploraciio de atividades !Micasem estreita relacao corn a clesenvolvi-mento afetivo e intelectual da crianca,caracterizar-se-a em excelente recursopedagOgico na busca de valorizar o mo-vimento, o intediato, o natural, a rela-cab, a intensidade, a solidariedade e aauto-gestilo, nao representando cornisto, desvencilhar o papel da escola nadi fusaa da cultura erudita em funcilo dacultura popular eras, skit, a conciliaci-todestes dais pOlos essenciais a emanci-pack) do ser human°, como um serhistOrico e que busca, a partir de suasrazes, transformar o mundo e ao mes-mo tempo preservar sua identiclade.

Na verdade, essa proposta a umatentativa de se opor a escola que temos,uniformizadora e excluidora. Ao inver-ter o processo de aprendizagem, itn-panda valores e contendos universalssem partir da pratica social e cultural dacrianca, a escola desconsidera sua iden-tidade e diferencas. Cecilia Meirelesem seu texto: "Na idade dos porques"(amid Almeida, 1987, p. 12), caracteri-za bem esta inversao:

"Professor, di,-toe par que?par (pie von a papagaioqtw sotto no at-,que Pejo poor,too alto no vent()que mete pensamentonao pole alcancar?

Motririuicia

Professor, diz-me por que?por que rode o melt pido?ele tido tent nenhuma rodae roda, roda, gira, rodopiae cat morto no chat)...

Tenho nove anos, professor,e ha tante misterio n mannervoltaque Cu queria desvendar...por que o colt e azul?porcine mantilla o mar?twito porcine eu queria sabere tu, nc nä° queres me respon-der!

Tufidas,Jalas, professor,daquilo que to interessae que a mint tulo interessa...

Tu obrigas-me a ouvir,quait() en quero falar,obrigas-me a dizer,quando en quern escutarse eu you descobrir,faz-medecorar...

E a luta, professora luta em vez do anzor...

Alas, enquanto a tue vozzangadatu sabes, professor,eu fecho-me por dentro,face unto care resignada,e .finjo, finjoque nao penso em nada...

Mas penso!penso ent canto era engra•adaaquela rd que esta manila ouvicoaxa•,

que grace que tinhaaquela andorinha,clue no ceu en vi passer!

E quando tu, depois,yens definiro que sdo preposicOes e •onju-gacOes,quando me fazes repetirque 0 coraciio tent dotsventriculose dues auriculas...e tantas, tantas mais definiciies,o meu coraciio,melt coraciio que nclo sei conic efeitoe neat quern saber,cresce, cresce dentro do peito,a querer saltar para fora,professor,a vet- se assim compreenderiase me fariasmais belos os melts dias."

Retletindo sobre o texto, entende-mos que cabe a escola considerar a diver-sidade cultural existente, todas as pers-pectivas de vida e variedade de ideias,procurando trabalhar mats com 0 signifi-cado do que cum 0 conteudo, mais corna pluralidade e intersubjetividades doque com a igualdade, mais corn o movi-mento do que corn a passividade.

Se nil° existem muitas novidadesnestas ideias, o desafio se caracteriza emidentificar o novo no velho, e delta for-ma, na perspectiva de discutir o resgatedo Indic° na escola, é necessario situd-lo historicatnente, pois sempre constitui-se numa forma de atividade inerente aoser humano.

Entre os primitivos, o hidico ja secaracterizava como fundamental, poiso corpo e o meio, a infancia e a culturaadulta faziam parte de um so mundo, ummundo cocrente, uma vez que Os jogos

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caracterizavam a prOpria cultura; a cul-tura era a educacão e a educacão repre-sentava a sobrevivencia.

Plata) (1951), urn dos maiores pen-sadores gregos, compreendia que osprimeiros anos da crianca deveriam serocupados corn jogos educativos. Aointroduzir uma matematica 16dica, bas-tante ousada, e imitada em nossos dias,na aplicacão de exercicios de calculosligados a problemas concretos, extral-dos da vida e dos negOcios. Para ele, noensino da matematica, pelo menos nograu elementar, deveria ser introduzidodesde o inicio atrativos em forma de jogo,facilitando desta forma, o processo deaprendizagem.

Tambern entre os egfpcios, ro ► a-nos e maias, o hidico se destacava emimportãncia, pois era atraves dos jogosque as geracOes mais jovens aprendiamcorn os mais velhos os valores e conhe-cimento de sua cultura.

Com a ascensão do cristianismo,os jogos perdem em valor, pois são con-siderados profanos, imorais e sem ne-nhum significado, mas a partir do seculo

percebendo a sua importfincia, oshumanistas o recolocaram em pratica noscolegios jestatas. Aries (1981), relataqueos padres compreenderam que nao haviamais possibilidade de suprimir os jogosdo processo educativo, assim propuse-ram-se a assimila-los, introduzindo-osem seus programas, porem disciplinadose controlados, transformando-se em pra-ticas educativas para a aprendizagem daortografia e da gramatica.

Corn o nascimento do pensamentopedagOgico moderno nos seculos XVI e

impregnando-se do pragmatismotecnicista e naturalmente corn o desen-

volvimento cientifico por ocasião daexpansão mercantilista, surgiram novasalternativas educacionais, retletida naeducacao infanta. Almeida (1994), citaalguns precursores que enfatizaram cornbastante significado o !Odic° na educa-cão, entre des, Rabelais (sec. XVI), quebuscou relacionar os jogos de cartas efichas corn o ensino da geometria e daaritmetica, proclamando a importanciado ensinar atraves dos jogos. Ja,Montaigne (1533-1592), partiu para ocampo da observacão, onde o processode aprendizagem se daria a partir da cu-riosidade da crianca por todas as coisasao seu redor. Comenius (1592-1671), re-sumia seu metodo em tres ideias funda-mentais, bases da nova didatica: a natu-ralidade, intuicão e auto atividade, obe-decendo as leis do desenvolvimento dacrianca, caracterizado pela rapidez, faci-lidade e consistencia no aprendizado.Em 1632, terminou de escrever sua"Didactica Magna", recomendando apratica do jogo devido o seu valoreducativo.

No seculo XVII, encontramosRousseau (1712 - 1778), demonstrandoque a crianca via, pensava e sentia deforma muito pr6pria. Para ele todo o pro-cesso de pensamento se dava no exerci-cio dos sentidos, instrumento da inteli-gencia. A educacdo niio era vista entar,como urn processo artificial erepressivo,mas absolutamente natural, de acordocorn o desenvolvimento mental da crian-ca, considerando acima de tudo seusinteresses e suas tendencias inatas, naperspectiva de oposiciio ao ideärio daRefonnae Contra-Reforrna Religiosa, poisao inves do disciplinamentoexterior, erampropostos a liberdade e o ritmo dos as-pectos biolOgicos.

Motriviaicia

Ainda neste seculo, Pestalozzi(1746-1827), abriu um novo rumo paraa educacao moderna desenvolvendo seutrabalho pedagOgico a partir da leiturado Emilio de Rousseau, entendendo aescola como uma verdadeira socieda-de, na qual o senso de responsabilidadee as normas de cooperacão eram sufici-entes para educar as criancas e o jogoum fator decisivo para esta consolida-cao, preparando-as para a vida ern co-mum e para as relayiies sociais.

Friziebel (1782-1852), discipulode Pestalozzi, pOs em pratica o valoreducativo do brinquedo e do jogo, ela-borando urn curriculo centrado em jo-gos para o desenvolvimento da percep-cäo sensorial, da expressdo e para inici-acdo em matemdtica. Para ele, a criancapara se desenvolver, nao devia apenasolhar e escutar, mas agir e reproduzir. Eatraves dos jogos e brincadeiras que elaadquire a primeira representacao domundo, penetrando, assim, no mundodas relayOes sociais, desenvolvendo osenso de iniciativa e auxilio mtituo. Aenfase no jogo, ligava-sea certeza deque e na primeira infancia que o serhumano a marcado profundamente. Ern1837 fundou o primeiro "Kindergarten",influenciado por uma perspectiva mis-tica e por um ideal politico de Ii-berdade.

Avis esta sintese de educadoresdos seculos XVI e XVII, vimos Dewey(1965), comentando que o ambicntenatural da crianca se da no jogo, aopasso que as referencias abstratas eremotas nao correspondem ao interes-se in fantil.

Partindo do pressuposto que aeducaydo nao tinha outro caminhO, anao ser o de organizar suas atividades,

partindo das necessidades e interesseda crianca, Claparede (1973, p. 28),afirmou que:

"Niio e, pois, nada absurdo pen-sa r que ojogo possa ser uma etapuindispensavel para a aquisiciiodo trabalho. E a observactio de-monst m que o 4 na verdade. Aldoha contudo, entre o jogo e o traba-lho, a oposictio radical que a pe-dagogia tradicional supOe."

Em Montessori (1965), encontra-mos referencia obrigatOria de toda areflexdo pedagOgica sobre o ensino pre-elementar. Buscando em FrOebel a ideiade jogos educativos, associou-os a edu-cacao dos sentidos. Sua grande marcafoi a criacão de materiais adequadosexplorayao sensorial pelas criancas eespecificas a cada objetivo educacional.

Porêm, foi Freinet (1960), queenfocou a educacao Indica de forma di-ferente ao definir o trabalho jogo numenfoque politico-libertario, investindocontra a pedagogia dos jogos, estrategiaconcebida pelo adulto e tambem contraa prâtica pedagOgica que substitui todasas atividades serias pelos jogos semobjetivos, apenas como satisfacdo dasnecessidades de prazer e alegria das cri-ancas. Valorizou o jogo como atividadeeducativa, ao definir sua pratica relativaao trabalho jogo, pois a crianya deviadedicar-se corn tanta afeiydo ao trabalhocomo se fosse urn jogo (satisfayiio eprazer), mas nunca ao jogo em si, toman-do o lugar do trabalho pelo simples ato dejogar.

Nos estudos de Piaget (1973), osjogos tornam-se mais significativosmedida que a crianca se desenvolve,

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pois a parte da livre manipulacdo demateriais variados, ela passa e recons-truir objetos; reinventar as coisas, o queja exige uma adaptacdo mais completa.Essa adaptayäo infantil consiste na sin-tese progressiva da assimilaydo cornacomodacao. Jogando, as crianyas assi-milam as realidades, desenvolvendo-secognitivamente, sem o que, permanece-riam exteriores a inteligencia infantil. Suateoria do desenvolvimento parte do prin-cipio de que para cada urn dos estagiosde desenvolvimento cognitivo, ha umtipo de brinquedo. 0 jogo é encarado,entao, como express -do e condicdo dodesenvolvimento infantil.

Para Vygotsky (1989), o desenvol-vimento de atividades hidicas (jogos ebrincadeiras), principalmente aquelasque promovem a criacäo de situagOesimaginarias (faz-de-conta), tern nitidasfunciies pedagOgicas. Assim, tanto pelacriacão da situacdo imaginaria, como peladefinicäo de regras especificas, o brin-quedo cria uma zona de desenvolvimen-to proximal na crianya, levando a corn-portar-se de forma mais avanyada do quenas atividades da vida real, aprendendoa separar objeto e significado, pois aacäo esta condicionada a acäo. 0 brin-quedo cont6rn, em forma condensada,todas as tendencias do desenvolvimen-to e é, em si mesmo, uma grande fontepara que isto ocorra e, neste sentido, aescola deveria utiliza-lo amplamente noprocesso educativo infantil.

Fica claro, que tanto Piaget comoVygotsky, veem a atividade ludica comourn processo simbOlico, poise atraves daKilo corn o brinquedo que a criancabusca expressar significados.

ApOs esta contextualizacdo hist&rica, percebemos o Indic° como recursoindispensavel no ensino fundamental,porem, e necessario destacar, que al-guns estudiosos utilizaram-no de formaconfusa configurando-o sob a Oticautil itarista e moralista ao liga-lo a objeti-vos voltados ao trabalho pedagOgico,ou antagonicamente, como tuna Ka°improdutiva.

A partir desta constatacao, acredi-tando que o use do Indic° na educacäoformal tem um papel relevante no desen-volvimento infantil, torna-se necessarioinstaurar, na instituicao educativa, adialótica entre o hidico e o trabalho, bus-cando corn o jogo na escola, segundoRosamilha (1979),rompercom a dualidadeentre "ensino-trabalho-controle-qual ida-de" e "recreio-jogo-liberdade-esponta-neidade". A vivencia ludica pode possi-bilitar a quebra, levando a conquista daunidade por meio da recriacao.

Segundo Bruhns (1993), esta opo-sicdo radical entre jogo e trabalho con-duzird o primeiro, apenas como compen-saga° do segundo e, este ultimo, comoalgo massacrante e desgastante, negan-do possibilidades de se ver que, paraacabar corn essa dicotomia, a necessarioobservar a viabilidade de interayao entreeles. E fundamental encarar o ladico pe-los valores que acarreta, como urn fatorimportante em qualquer real izaciio hu-mana e o trabalho como possibilidade deser uma atividade mais

Na verdade esta dicotomia é ex-tremamente vantajosa para o sistema,alienando os dots setores basicos daexistencia, provocando uma desintegra-cdo do ser humano.

MotriviAlcia

E importante, entao, buscar a es-sencia do lUdico, tentando redimensiona-lo alem da producao, diversao e entrete-nimento, considerando acima de tudo ainfancia como urn estagio prOprio e pecu-liar do desenvolvimento humano. Se opercebemos apenas como atividade deimposicao de objetivos pedagOgicos soba Mica do adulto, rouba-se da crianca overdadeiro sentido de jogar e, nestainducao, segundo Lebovici e Diatkine(1985), apesar de brincar corn estes jogoseducativos, nun determinado moment°ela interrompe indagando: "bem, agoravatnos brincar, to?" (p. 7)

Neste sentido, Leontiev (1988), dizque e importante compreender ocomo uma atividade que tem sua prOpriarazdo de sere contem, em si mesmo, o seuobjetivo, portanto nao tondo finalidadecivilizatOria, ligada ao trabalho Util mas,sim, como produtores de riqueza cultu-ral, pois sao transmitidos de pessoa apessoa de geracao a geracao, mantendoas tradicOes que o originararn.

A partir desta concepcao, flea cla-ro que a atividade indica nao possui umaseriedade propedeutica, corn objetivosde preparacao para a vida adulta, deven-do ser inserida no processo educativo naperspectiva de que sao prOprias do de-senvolvimento infantil, em queo interes-se da crianca surge atraves da preocupa-cat e envolvimento durante a execticaoe a sua seriedade nao provern do objcto,nem da situacao, muito menos de neces-siclades vitais, mas de suas conquistas,proclamando o sett poder e autonomia;de que sao atividades organ izadas eestruturadas a partir da agitacao,

empolgacão, liberdade, espontaneida-de e criatividade da crianca; e, final-mente, por serem atividades pedagOgi-cas na sua prOpria essencia.

Ap6s esta contextualizacao doIndic° no processo educativo do ensinofundamental, por entende-lo como im-portante, no desenvolvimento infantil,faz-se necessario tambern, reportarmo-nos a nossa parcela de contribuicaoenquanto profissionais de Educacao Fi-sica, refletindo sobre a pratica de nos-sas aulas, geralmente caracterizadaspelo use e abuso da desportivizacaoprecoce ou como recreacao compen-satOria para o desgaste mental. A utili-zacao de jogos e brincadeiras da culturainfantil - como a amarelinha, o jogo dotaco, da calha, da bandeira-salva, do pia()e da perna-de-pau entre outros - poderaconstituir-se na tentativa de romper corna producao de gestos mecanicos e este-reotipados, buscando compreender acrianca em toda a sua complexidade,porque a cada gesto, sua histOria e cul-tura sac) firmadas.

Finalizando estas reflexOes sobreos jogos e as brincadeiras da culturainfantil, afirmamos que a mesma surgiupor acreditarmos numa escola autOno-ma fundamentada na curiosidade, na ou-sadia, buscando dialogar corn todas asculturas que se abrem as demais e, aci-ma de tudo, numa escola que oferecauma educacao de eqiiidade, procurandojustica e igualdade sem eliminar a dife-renca. Gostariamos de frisar que naosao definitivas, totalizantes, nem exclu-s i vas estas reflexaes, apenas com-plementam outras ja existentes. Espe-ramos que possam oferecer subsidiospara outros estudos.

Deiembro, 1996

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