01. COLETÂNEA DE TEXTOS - PROFª. MARIE ALMEIDA - CIÊNCIAS SOCIAIS

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Coletânea de Textos Prof. Marie Almeida Ciências Sociais 1

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Coletânea de Textos

Prof. Marie Almeida

Ciências Sociais

UNIP2010

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PLANO DE ENSINOCIÊNCIAS SOCIAIS

OBJETIVOS GERAIS

Caberá a disciplina Ciências Sociais, contribuir para que os alunos compreendam sob a perspectiva científica, os principais problemas da sociedade capitalista e contribuir para o desenvolvimento das seguintes competências: Senso crítico e capacidade de contextualização; Pensamento estratégico; Visão sistêmica; Consciência ética e social.

Afora isso, através das estratégias de trabalho e de avaliação, os alunos deverão ter a oportunidade de desenvolver as competências: Senso crítico e capacidade de contextualização; Comunicação e expressão; Desenvolvimento pessoal; Trabalho em Equipe.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo primeiro da disciplina Ciências Sociais é levar os alunos a compreender que o capitalismo é um modo de organização econômico e social construído historicamente e quais são os fundamentos teóricos desse modelo de sociedade.

Outro objetivo da disciplina tem a ver com o aprendizado dos diferentes princípios explicativos para os fenômenos sociais. Esses princípios explicativos compreendem diferentes estilos de pensamento, distintas visões da sociedade, do mundo.

Por fim, um último objetivo relaciona-se a reflexão, com base nos diferentes princípios explicativos dos problemas latentes do mundo contemporâneo.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

1 – Introdução ao pensamento científico sobre o social

1.1 – As origens do pensamento sobre o social1.2 - A sociologia pré-científica1.3 - O pensamento científico sobre o Social

2 – Transformações sociais do século XVIII

2.1– Revoluções burguesas:2.1.1. Revolução Francesa2.1.2. Revolução Industrial

3 – As principais contribuições do pensamento sociológico clássico

3.1 – Emile Durkheim e o pensamento positivista3.1.1. – A relação indivíduo x sociedade3.1.2. – Os fatos sociais; A consciência coletiva3.1.3 - Solidariedade mecânica e orgânica

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3.2.. – Karl Marx e o materialismo histórico e dialético3.2.1. – Classes Sociais3.2.2. – Ideologia e alienação3.2.3. – Salário, valor, lucro, mais-valia3.2.4. – A amplitude da contribuição de Karl Marx

3.3. – Max Weber e a busca da conexão de sentido3.3.1. – Ação social; Tipo Ideal3.3.2. – A tarefa do cientista3.3.3. – A ética protestante e o espírito do capitalismo3.3.4. – Teoria da burocracia / Tipos de dominação 4 – A formação da sociedade capitalista no Brasil

4.1 – Industrialização e formação da sociedade de classes4.2 - A formação das classes médias urbanas4.3 - O capitalismo dependente

5 - Globalização e suas conseqüências5.1.- A globalização comercial e financeira5.2.- As novas tecnologias

6 – Transformações no Trabalho6.1. - O processo de precarização do Trabalho6.2. - Desemprego estrutural; informalidade

7 – Política e relações de poder7.1. – Política, Poder, Estado7.2. – Democracia e cidadania7.3. – Participação política

8 – Questões Urbanas8.1. – A cidade e seus problemas8.2. – A questão ambiental urbana8.3. – Violência urbana

9 – Movimentos sociais9.1. - A sociedade em movimento9.2.- Movimentos da sociedade em rede

ESTRATÉGIA DE TRABALHO

Aulas expositivas e seminários com incentivo à participação dos alunos no questionamento e discussões.

Deverão ser, sempre, sugeridos materiais de leitura adicionais, como forma de estimular/orientar o desenvolvimento pessoal dos alunos

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AVALIAÇÃO

- Prova bimestral (8,0 pontos) e trabalhos (2,0 pontos).

BIBLIOGRAFIA

Básica

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13ª. Ed. – São Paulo: Cortez; Campinas: UNICAMP, 2009.

BARBOSA, Alexandre F. O mundo globalizado: política, sociedade e economia. São Paulo, 2ª. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade. 3ª. Ed.- São Paulo: Ed. Moderna, 2005.

Complementar

MARTINS, Carlos B. O que é Sociologia. 57ª. Ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 5ª. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

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CRONOGRAMA DE AULAS E ASSUNTOS – 2º.SEMESTRE 2010 – CIÊNCIAS SOCIAIS

Semana Dias Assuntos

01 10/13 ago Recepção aos alunos, objetivos da disciplina, conteúdo, bibliografia, sistemática de avaliação, regras de conduta etc

02 16/20 ago Introdução ao pensamento científico sobre o socialCOSTA, C. Sociologia: introdução à Ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2005 – ( p. 28 a 59; 64 a 72;)

03 23/27 ago Transformações sociais do século XVIII: Revolução Industrial e Francesa.

MARTINS, Carlos B. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1990 (p. 10 a 33)04 30/ago a

03/setEmile Durkheim e o pensamento positivistaCOSTA. op.cit.(p. 81 a 89)MARTINS. op.cit. (p. 34 a 51)Observação: Feriado dia 07.09

05 06/10 set Karl Marx e o materialismo histórico e dialéticoCOSTA, op. cit .(p. 110 a 129)

MARTINS. op. cit. (p. 51 a 61)06 13/17 set Max Weber e a busca da conexão de sentido

COSTA. op. cit. (p. 94 a 102)MARTINS. op. cit. (p. 61 a 71)

07 28/ set09/10

Avaliações NP1, feed back de avaliações, atualização do cumprimento do cronograma e aprofundamento do conteúdo mínimo

08 Avaliações NP1, feed back de avaliações, atualização do cumprimento do cronograma e aprofundamento do conteúdo mínimo

09 11/14 out A formação da sociedade capitalista BrasilCOSTA. op. cit. (p.190 a 206)Observação: Não haverá aula nos dias 12 e 15 outubro

10 18/22 out Globalização e suas consequências BARBOSA, Alexandre. O mundo globalizado: política, sociedade e economia. São Paulo: Contexto, 2003 (p. 07 a 80)

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005 (p. 69 a 109)11 25/29 out Globalização e suas consequências

BARBOSA, Alexandre. O mundo globalizado: política, sociedade e economia. São Paulo: Contexto, 2003 (p. 07 a 80)

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005 (p. 69 a 109) 12 02/05 nov Transformações no trabalho

ANTUNES, Ricardo. O Avesso do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004 (p. 12 a 24)13 8/12 nov Política e Relações de Poder / Questões urbanas

VIEIRA, Liszt. op. cit (p. 43 a 68)SILVA, Josefa Alexandrina. Política e Relações de Poder: participação política e os direitos do cidadão. (Mestre em Ciências Sociais – Prof. UNIP)VITA, Álvaro. Sociologia da Sociedade Brasileira. São Paulo: Ática, 1989 (p. 132 a 145) Observação: Feriado dia 02.11

14 08/12 nov Movimentos SociaisVIEIRA, Liszt. op cit. (p. 110 a 126)

15 16/26 nov Avaliações NP2, feed back de avaliações, atualização do cumprimento do cronograma e aprofundamento do conteúdo mínimo

16 Avaliações NP2, feed back de avaliações, atualização do cumprimento do cronograma e aprofundamento do conteúdo mínimo

17 Avaliações, feed back de avaliações.

18 07/11 dez Avaliações, feed back de avaliações e orientações para avaliações finais19 Período de Exames20 Período de Exames21 23 dez Encerramento do Semestre

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 01PROFESSORA: Marie Almeida

Conteúdo: Conteúdo: Introdução ao pensamento científico sobre o social; origens; a sociologia pré-científica.

DESENVOLVIMENTO:Durante séculos, o homem pensou sobre si mesmo e sobre o mundo, desenvolveu conhecimentos, estabeleceu relações aplicáveis à vida cotidiana. Entretanto, o tipo de problema que o levava a isso mudou sensivelmente conforme as culturas e o passar dos séculos. COSTA, p.6

Vejamos como isso se deu na história da civilização.Os egípcios conheciam a geometria (medição da Terra), por necessitarem prever o

transbordamento do rio Nilo e estabelecer fronteiras territoriais que eram extintas com as inundações. Para os egípcios o conhecimento não estava dissociado de outras questões de sua cultura, como a vida após a morte, os deuses e a hierarquia entre os homens. Desta forma, elaboravam conhecimento para construção de túmulos, criaram o conhecimento biológico e químico para preservar os cadáveres que ressuscitariam. Os gregos iniciaram o hábito de desenvolver o conhecimento independente da sua aplicabilidade ou de caráter religioso, entenderam o conhecimento como uma necessidade em si mesma e foram os primeiros a inventar o princípio rudimentar que veio a se chamar ciência. Criou a ética, ramo do conhecimento que se preocupa com as questões morais.

Assim, surgia o pensar, o conhecimento do por que e o para quê das coisas. Um saber desligado das atividades religiosas. E a partir daí surgem os sábio, cuja atividade era a descobrir os segredos do mundo e do universo.

No período da Idade Média, com o grande poder da Igreja Católica, o saber voltou a estar ligado à religião. Apenas as ordens religiosas, nos mosteiros, tinham textos sobre filosofia, geometria e astronomia. A população laica deixou de participar desse saber.

No renascimento o homem volta aos textos antigos e redescobre o prazer de investigar o mundo independente das implicações religiosas. Nos últimos quatrocentos anos e em particular a partir do século XVII, vimos assistindo ao crescente progresso desse conhecimento – a ciência – destinado à descoberta das relações entre as coisas, das leis que regem o mundo natural. Aprimoraram-se as técnicas e os utensílios de medição, e a imprensa e demais meios de comunicação levaram a uma transmissão cada vez maior dos conhecimentos. No seio desse movimento de idéias, surgiu no século XIX uma ciência nova – a Sociologia, a ciência da sociedade. O surgimento da Sociologia não significou o aparecimento da preocupação do homem com o seu mundo e sua vida, pois isso sempre existiu em qualquer das religiões antigas, mas a separação desse pensar com as tradições morais e religiosas.

A partir daí houve a preocupação com as regras que organizavam a vida social. Regras que pudessem ser observadas, medidas e comprovadas, capazes de dar ao homem explicações sobre o mundo que imperava o racionalismo, isto é, a crença no poder da razão humana de alcançar a verdade. Regras que previsse e controlasse os fenômenos sociais. Assim, as relações entre os homens deixam de ser conteúdo religioso, apenas, e passam a ser tema dos cientistas.

A partir de então o homem começou a desenvolver métodos e instrumentos de análise para explicar a vida social de maneira científica.

As transformações trazidas pelo renascimentoO renascimento, movimento filosófico e artístico dos séculos XV e XVI (Itália, Inglaterra,

França, Alemanha), foi um movimento de valorização do homem como objeto de conhecimento.

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Enquanto no pensamento medieval, voltado para religião, o homem era apenas uma criatura de Deus, com o renascimento o homem passa a ser importante, como no pensamento da Antiguidade Clássica.

Nesse período é o momento de reviver a cultura a erudição, surge a imprensa e as universidades. O burguês inculto teve acesso aos textos dos sábios, material que anteriormente era trancado nos mosteiros. Isso pós fim ao período conhecido como “idade das trevas”, no qual o homem comum iletrado só tinha acesso á Bíblia pela pregação verbal. Esse período também é conhecido como “cultura de ostentação”, já que a burguesia enriquecida pelo comércio, para mostrar à nobreza sua capacidade de adquirir bens de valor, adquire cultura com bem de consumo.

Assim, podemos notar que o Renascimento é o período de transição entre o mundo medieval e o moderno. Uma nova forma de vida burguesa. Pois não se podia desenvolver o comércio se as pessoas continuassem apenas valorizando a vida após a morte e uma atitude contida em relação aos prazeres da vida e à posse de bens materiais.

Fortunas surgem nascidas da pirataria e dos bons negócios. A idéia de fim do mundo (sentimento apocalíptico) perpassava a produção artística. O homem sente medo porque um mundo antigo se desmorona e o outro está apenas dando seus primeiros passos.

Na área do conhecimento (a futura ciência) os pensadores ao criam suas teorias sobre a vida social e política, nas quais aparecem suas inquietudes desse período de transição: as utopias.

UtopiasUtopia significa “nenhum lugar”, isto é, uma sociedade imaginária perfeita (como Atlântida

de Thomas Morus), uma forma de pensar que rejeita a realidade concreta. Pelo seu caráter de oposição à ordem vigente, a utopia é um pensamento revolucionário que idealiza e tem por objetivo a criação de um mundo onde as contradições básicas da sociedade são solucionadas.

Para os pensadores do renascimento como:- Thomas Morus: esse mundo ideal é possível graças ao plano sábio de um monarca absoluto (imperador) esclarecido.- Nicolau Maquiavel: um soberano é feito de pulso forte e mente sábia, aliado as qualidades pessoais como astúcia, coragem e decisão. O príncipe torna-se um manual de ação política cujo ideal é a sedimentação de um poder absoluto. Mostra como deve agir um soberano para alcançar e preservar o poder, manipulando a vontade popular e dos seus aliados.

Maquiavel teve mais êxito que Thomas Morus, pois no lugar de imaginar o que deveria ser, teve como objetivo conhecer a realidade tal com apresentava-se, os monarcas absoluto.

Mas podemos perceber nestes dois pensadores a predonimância das relações sociais, contrariando o pensamento mítico e teológico da Idade Média. A vida dos homens é resultado das condições econômicas e política e não de fundo religioso ou de consciência individual.

Esses filósofos demonstram os novos valores burgueses ao colocarem o destino da sociedade e de sua boa organização nas mãos de um indivíduo que se distingue por características pessoais. A monarquia proposta se assenta nas capacidades pessoal do governante e na sua inteligência e não na sua linhagem de sangue. Nessa idéia de monarquia se baseia a aliança que a burguesia estabelece com os reis para o surgimento dos estados nacionais, onde a ordem social será tanto mais atingível quanto mais o soberano agir como estadista, pondo em marcha as forças econômicas do capitalismo em formação.

A Ilustração e a sociedade contratual O renascimento correspondeu a primeira fase da sistematização do pensamento burguês, na medida em que trazia de volta a Europa os valores laicos, o gosto pela vida e o racionalismo, e atribuía valores que não nasciam com ele, não provinham da nobreza de sangue. Mesmo tendo ainda certo caráter religioso, o Renascimento exaltava a natureza e os prazeres da vida terrena, fossem a glória ou o simples prazer dos sentidos.

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No século XVII a burguesia avança na concepção de uma forma pensar própria, capaz de transformar o conhecimento não só numa exaltação da vida e dos feitos de seus heróis, mas também num processo que desse fruto em termos de utilidade prática. Afinal, o desenvolvimento industrial se anunciava em toda sua potencialidade; os empreendimentos, quando bem dirigidos, prometiam lucros miraculosos. Assim, a sociedade precisava se preparar para receber os resultados. Os próprios sábios tinham que se interessar em desenvolver conhecimentos de aplicação prática.

O desenvolvimento científico precisava urgentemente: melhorar as condições de vida; ampliar a expectativa de sobrevivência humana a fim de engrossar as fileiras de consumidores e, principalmente, de mão-de-obra disponível; mudar os hábitos sociais e formar uma mentalidade receptiva às inovações técnicas.

Novos valores guiando a vida social para a modernização da vida, maior empenho das pesquisas e do saber em conquistar avanços técnicos, melhora nas condições de vida – tudo isso somado levou a um novo surto de idéias, um movimento conhecido pelo nome de ilustração e o filósofos conhecidos pelo nome de iluministas ( meados século XVIII ao começo do XIX).

As novas formas de pensar e agir aliavam-se à necessidade de a burguesia libertar-se das amarras estabelecidas pelas monarquias absolutas, que não permitiam a livre iniciativa, a liberdade de comércio e a livre concorrência de salários, preços e produtos.

Assim, a Ilustração foi essencialmente pragmática1 e liberal, porque a burguesia queria instaurar uma nova ordem econômica, política e social, em que tivesse maior participação no poder e pudesse realizar seus negócios sem entraves.

Podemos dizer que a burguesia já se sentia suficientemente forte e confiante em seus próprios objetivos de vida para dispensar a figura do rei como seu aliado contra os privilégios feudais, tal como sucedera durante a época mercantilista, em que o Estado nacional favoreceu uma política de acumulação de capital através de monopólios, fiscalização, manufaturas e colonialismo. Fortalecida, a burguesia propunha agora formas de governo baseadas na legitimidade popular, até mesmo governos republicanos. Conclamava o povo a aderir à defesa do liberalismo econômico, da igualdade jurídica e do sufrágio (voto) universal.

Filosofia Social dos Séculos XVII e XVIII

O pensamento da Ilustração defendia a idéia de que a economia era regida por leis naturais de oferta e procura que tendiam a estabelecer, de maneira mais eficiente do que os decretos reais o melhor preço, o melhor produto e o melhor contrato, através da livre concorrência. O controle das relações humanas surgia, portanto, da própria dinâmica da vida econômica e social, dotada de uma racionalidade intrínseca cuja descoberta era a principal meta dos estudos científicos.

A racionalidade estava na origem da vida assim como afirmava René Descartes “penso, logo existo”, pois a razão é a essência do ser humano.

Reconhecia-se no homem, portanto, a capacidade de pensar e escolher, de opinar e resolver sem que leis rígidas perturbassem sua conduta. No plano econômico, essa idéia se traduzia na ânsia por liberdade de ação, empreendimento e contratação. Traduzia-se ainda na concepção de que as relações entre os homens resultariam na livre contraposição de vontades, na liberdade contratual. No plano político, expressava-se no objetivo de livre escolha do governante, segundo o ideal de um Estado representativo da vontade popular. Finalmente, no plano social, manifestava-se na noção de que as sociedades se baseavam em acordos mútuos entre os indivíduos que as compunham.

Um dos pensadores que mais desenvolveu essa idéia de um pacto social originário foi Jean-Jacques Rousseau. Em sua obra CONTRATO SOCIAL, Rosseau afirmava que a base da

1 Sentido prático, agir com eficiência.

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sociedade estava no interesse comum pela vida social, no consentimento unânime dos homens em renunciar as suas vontades particulares em favor de toda a comunidade.

Para alicerçar sua idéia a respeito da legitimidade do Estado a serviço dos interesses comuns e dos direitos naturais do homem, Rousseau procurou traçar a trajetória da humanidade a partir do igualitarismo primitivo até a sociedade diferenciada. A origem dessa diferenciação, para ele, estava no aparecimento da propriedade privada. Justamente por essa crítica à propriedade, distingue-se dos demais filósofos da Ilustração.

John Locke participou da idéia de que a sociedade resultava da livre associação entre indivíduos dotados de razão e vontade. Para Locke, essa contratação estabelecia, entre outras coisas, as formas de poder, as garantias de liberdade individual e o respeito à propriedade. Seus princípios deveriam ser redigidos sob a forma de uma constituição.

Entre os filósofos da Ilustração, também ganhava adeptos a idéia de que toda a matéria tinha uma origem natural, não divina, e que todo processo vital não era senão o movimento dessa matéria, obedecendo a leis naturais. Esses princípios guiavam o conhecimento racional da sociedade, na busca das leis naturais da organização social.

Infelizmente, o máximo que os filósofos da época conseguiram conceber foi a idéia de sociedade como somatória dos indivíduos. O comportamento social decorreria da manifestação explícita das vontades individuais.

Adam Smith, fundador da ciência econômica, foi quem demonstrou que a análise científica pode ir além do que era manifestado nas vontades individuais. Em sua análise sobre a riqueza das nações descobriu no trabalho, ou seja, na produtividade, a grande fonte de riqueza. Não era a agricultura somente, como queriam os fisiocratas2, a principal fone de bens; mas o trabalho capaz de transformar matéria bruta em produto com valor de mercado. Essa idéia será retomada por Karl Marx no século XIX.

Adam Smith revelara a importância do trabalho ao pensar a sociedade não como um conjunto abstrato de indivíduos dotados de vontade e liberdade, mas ao aprender e interpretar a realidade inglesa de seu tempo. A Revolução Industrial estava em pleno andamento e seus frutos se anunciavam.

As teorias sociais da Ilustração fora ainda o início da análise científica da sociedade. Tiveram o poder de orientar a ação política e lançar as bases do que veio a se tornar o Estado capitalista, constitucional e democrático desenvolvido no século XIX.

A filosofia social da Ilustração teve, em relação à renascentista, a vantagem de não constituir apenas uma crítica social baseada no que a sociedade poderia idealmente vir a ser, mas projetos concretos de realização política para a sociedade burguesa emergente.

As idéias de Locke e de Montesquieu, teóricos a Ilustração, foram a base da Constituição norte-americana de 1787. Ambos pregaram a divisão do Estado em três poderes: legislativo, elaboração e discussão das leis; executivo, execução das leis protegendo os direitos à liberdade, igualdade e propriedade; jurídico, responsável pela fiscalização entre os poderes do Estado. Locke defendia ainda que a origem do poder não se encontrava nos privilégios da tradição, da herança ou da concessão divina, mas no contrato expresso pela livre manifestação das vontades individuais.

As Ciências SociaisVários aspectos da filosofia da Ilustração prepararam o surgimento das ciências sociais no

século XIX. O primeiro a credibilidade alcançada pelo pensamento científico. Os efeitos dos novos

inventos, como pára-raios e as vacinas. Não eram visíveis as conseqüências nefastas da Revolução Industrial do século XVIII traria para o mundo tradicional agrário e manufatureiro. Nesse momento eram vitoriosas as conquistas do conhecimento humano, no sentido de abrir caminho para o

2 Partidários da fisiocracia: doutrina que reconhece como fonte de riqueza apenas o trabalho agrícola.

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controle sobre as leis da natureza. As idéias de progresso, racionalismo e vitória do homem sobre a natureza exerceram todo seu encanto sobre a mentalidade da época. A vida era comandada pelo homem esclarecido. O progresso científico aflorou no final do século XIX, quando capitalistas financeiros, investido na atividade cientifica, fizeram surgir a segunda Revolução Industrial ou a chamada Revolução Científica.

Outro aspecto foi o surgimento do método científico: a indução e a dedução. Além deste, a Ilustração teve o pensamento anticlericalismo. Eles foram contra a religião e, em particular contra a Igreja Católica. Assim, a Igreja foi questionada como fonte de poder secular, político e econômico e como instituição que feria os princípios da soberania nacional, na medida em que participava de questões civis e de Estado. Isto levou ao repúdio da atuação do clero. No século XIX, a filosofia materialista e os estudos da religião a colocaram como instituição social ou mero setor da cultura humana. Isso eliminou muito do seu aspecto sobrenatural e transcendente. Toda religião passou a ser vista como favorável ou desfavorável conforme sua inserção na vida concreta em material dos homens, como promotora de valores sociais importantes para a orientação da conduta humana. Para o pensamento cientificista do século XIX, são os homens que criam os deuses e não o contrário.

A Sociologia se desenvolveu no século XIX quando a racionalidade das ciências naturais e de seu método havia obtido o reconhecimento necessário para substituir a religião na explicação da origem, do desenvolvimento e da finalidade do mundo.

A ciência não aparecia como uma forma particular de saber, mas como o saber todo-poderoso, capaz de abolir e suplantar as crenças religiosas e até mesmo as discussões éticas. O método demonstrava o certo e o errado.

Com a mesma proposta de isenção de valores com que se descobrira a lei da gravitação dos corpos celestes no universo, julgava-se possível descobrir as leis que regulavam as relações entre os homens na sociedade. Foi assim que surgiu a primeira escola científica do pensamento sociológico, o positivismo.Texto acima foi extraído e adaptado de COSTA, Maria Cristina Castilho. Introdução à ciência da sociedade. SP: Moderna, 1987. pp. 2-40.

Reflexão: Qual a importância do Renascimento para a era moderna? Questões:

1. No que se diferencia a elaboração de pensamento dos Egipícios, dos Gregos, dos da Idade Média e da Idade Moderna?

2. Explique como o Renascimento trouxe uma nova forma de pensar.

3. Explique o que é utopia.

4. Qual a diferença da forma de pensar de Thomas Morus e Nicolau Maquiavel?

5. O que foi a corrente de pensamento da Ilustração (iluminismo)?

6. O que é contrato social de Rousseau?

7. Por que é importante aprender sociologia?

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 02

PROFESSORA: Marie Almeida

APRESENTAÇÃO: Revoluções Burguesas: Industrial e a FrancesaVamos entender nesta aula como a sociologia tornou-se uma manifestação do pensamento

moderno. Sua criação não é obra de um único pesquisador, mas o resultado da elaboração de um conjunto de filósofos e cientistas que se empenharam em compreender a situações colocadas pela desagregação da sociedade feudal e consolidação da sociedade capitalista.

No século XVIII temos transformações econômicas, políticas e culturais que colocaram problemas que até então não haviam existido. As duas revoluções - a industrial e a francesa – fazem parte deste processo, isto é, a instalação da sociedade capitalista.

Vamos fazer uma análise sobre as duas revoluções (francesa e industrial) e sua relação com o surgimento da sociologia.

A revolução industrial além de introduzir a máquina a vapor e a mudança do processo produtivo, ela representou o triunfo da indústria capitalista, já que esta concentrou as máquinas, as terras e as ferramentas, deixando a grande massa de trabalhadores sem ter com e como produzir.

Com a consolidação da sociedade capitalista foi desmantelando costumes e instituições e implantando-se novas formas de organizar a vida social.

Num período de 80 anos, entre 1780 e 1860, a Inglaterra teve profundas transformações. Antes era um país com pequenas cidades, com uma população rural dispersa, e depois passou a ter enormes cidades, concentrando as indústrias. Essas mudanças produziram novas realidades para os homens. A sociedade se industrializava e urbanizava em ritmo crescente e reordenava a sociedade rural, destruía a servidão, desmantelava a família patriarcal etc. Transformou as atividades artesanais em manufatureira e depois em atividade fabril, levando a emigração do campo à cidade, colocando mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos 12 horas, sem férias, feriados, com um salário de subsistência. Em algumas indústrias inglesas mais da metade dos trabalhadores eram mulheres e crianças, já que estes ganhavam menos do que os homens.

Tivemos o fim dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, e as imensas jornadas de trabalho, essas radicais transformações sociais tiveram conseqüências traumáticas na vida desses seres humanos.

As cidades cresciam sem possuir nenhuma estrutura de moradias, de saúde e sanitárias, não tinham condições para acolher a população que migrara da área rural. Como exemplo, podemos citar Manchester, que no início do século XIX tinha 70.000 habitantes e cinqüenta anos depois possuía 300.000 pessoas. Esta rápida urbanização e industrialização, implantada pelo sistema capitalista trouxe: aumento da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio (matar a criança logo após seu nascimento), da criminalidade, da violência, epidemias (tifo e cólera). A miséria também atingia o campo, mas nas cidades os trabalhadores assalariados sofriam mais sua conseqüência.

É com a revolução industrial que surge o proletariado e seu papel histórico na sociedade capitalista. As catástrofes que esta revolução acarretou para a classe dos trabalhadores levaram-nos as manifestações de revolta que tiveram várias fases como destruição das máquinas, atos de sabotagem, explosão de oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações livres, formação de sindicatos etc. Resultou daí fato dos pobres pararem de se confrontar com os ricos, e elaboraram uma classe operária, consciente de seus interesses, que se organizava para enfrentar os proprietários capitalistas. Nesse percurso criaram seu jornal, sua literatura, sua crítica a sociedade capitalista inclinando-se para o socialismo como a alternativa para mudança.

Com essas transformações a sociedade passava a se constituir em problema para os pensadores, um objeto a ser investigado. Os pensadores ingleses que testemunhavam a

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transformação e suas conseqüências, mesmo não sendo cientistas, participavam dos debates ideológicos das correntes liberais, conservadoras e socialistas. Não buscavam apenas conhecimento, mas orientações para ação, tanto para manter, como reformar ou modificar a sociedade.

Assim surge a sociologia, em parte como uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela revolução industrial. É a sociedade capitalista que impulsiona a ter uma reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises e seus antagonismos de classe.

Uma outra circunstância também auxiliaria para sua criação, a mudança nas formas de pensamento. As mudanças econômicas, que vinham em curso desde o século XVI, provocaram transformação na forma de conhecer a natureza e a cultura. Isto é, o pensamento vai deixando de ter uma visão sobrenatural e passando a ter uma racional. Utilizando-se de métodos da observação e da experimentação, método científico, para explicar a natureza. A conseqüência disto foi que levou o homem a possibilidade de controlar e dominar a natureza. Assim o emprego sistemático da razão, do livre exame da realidade libertou o conhecimento do controle teológico, da tradição, da revelação e uma nova atitude intelectual surgiu diante dos fenômenos da natureza e da cultura. Tratando a sociedade a partir do estudo dos grupos e não dos indivíduos isolados. Utilizando-se da indução, e não da dedução, para as análises e declarando a importância da observação enquanto instrumento para obtenção de conhecimento.

Combinando a razão e a observação os iluministas analisaram quase todos os aspectos da sociedade. Tendo como objetivo, ao analisar as instituições, demonstrar que elas eram irracionais e injustas, e que impediam a liberdade do homem, segundo eles essas deveriam ser eliminadas.

A filosofia dessa concepção tornou-se um valioso instrumento prático de crítica a sociedade presente, vislumbrando outra existência social. Assim, as crenças e superstições foram deixadas de lado, gerando um espaço para um saber sobre os fenômenos histórico-sociais, propiciando um estudo científico da sociedade. Também o homem comum deixava de ver as instituições sociais, as normas, como sagrados e passava a percebê-las como produto da atividade humana, possível de ser conhecida e transformada.

Os iluministas franceses criticavam as instituições feudais. A monarquia absolutista, no final do século XVIII, concedia privilégios a 500 mil pessoas, num país com 23 milhões de habitantes, por isso sofria crítica da classe burguesa, já que os privilegiados não pagavam impostos, tinham direitos de receber tributos feudais, e impedia a constituição da livre-empresa, a exploração da terra e era incapaz de criar uma administração padronizada com uma política tributária racional e imparcial.

Em 1789, quando a burguesia toma o poder procura instaurar um Estado que lhe assegurasse autonomia frente a Igreja e que protegesse e incentivasse a empresa capitalista. Para isso as massas, principalmente os trabalhadores pobres das cidades, foram mobilizadas sendo mais tarde interditado os seus sindicatos pela nova classe dominante. Em um ano a burguesia acabou com o velho sistema feudal e o Estado monárquico na França.

A revolução francesa, que aconteceu em 1789, não teve como objetivo apenas mudar o Estado, mas abolir radicalmente a estrutura da sociedade feudal. Acabando com suas instituições, seus costumes e hábitos, e promovendo profundas inovações na economia, na política, na vida cultural etc. nesse contexto aboliram-se os grêmios, as corporações, promulgou uma legislação que limitava os poderes patriarcais na família, coibindo abusos da autoridade do pai, forçando-o a uma divisão igualitária da propriedade. A Igreja teve seus bens confiscados e transferiu para o Estado as funções da educação. Acabou com os privilégios e amparou e incentivou os empresários capitalistas.

Os intelectuais como Durkheim, um dos fundadores da sociologia, concentrarão sobre a natureza e as conseqüências da revolução. Em seus trabalhos, utilizarão expressões como anarquia, crise, desordem, para a realidade social após a revolução. Sendo a tarefa desses pensadores a de racionalizar a nova ordem, encontrando soluções para o estado de desorganização existente. Comte

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via que a nova teoria da sociedade, denominada por ele de positiva, deveria ensinar os homens a aceitar a ordem existente, deixando de lado a sua negação.

No início do século XIX, a França estava se tornando industrial, com a entrada de maquinarias, principalmente no setor têxtil, causando ao operário francês miséria e desemprego. Em 1816-17 e em 1825-27 os operários destroem as máquinas em seus manifestos. Repete-se na França o que aconteceu na Inglaterra com a revolução industrial. Era visível a utilização da mão de obra feminina e de crianças, desordenada migração do campo para cidade, causando problemas de habitação, de higiene, aumento de alcoolismo, prostituição, mortalidade infantil, etc.

A partir do século XIX aumentam as crises econômicas e as lutas de classes. A contestação dos trabalhadores é reprimida com violência, utilizando os aparatos do Estado, para sufocar as pressões populares. É nesta total anarquia que surge a Sociologia. Segundo Durkheim, esta ciência surge com interesses práticos e não por encanto. Uma resposta intelectual para os problemas sociais.

ReferênciaMartins, Carlos Benedito. O que é Sociologia. SP: Brasiliense, 2004, p.07-33.

Reflexão: Qual importância da revolução industrial e francesa para instauração sistema capitalista e para surgimento da sociologia?

Questões:1. Por que a revolução industrial e a revolução francesa recebem o nome de revolução?2. Explique o processo produtivo artesanal, manufatura e de maquinofatura (fabril).3. Explique o que é divisão social do trabalho.4. Explique o que é proletariado.5. Por que o pensamento Iluminista (ilustração) foi importante para Revolução Francesa?6. Por que surgiu a sociologia?7. A sociologia foi fundada por um pensador apenas?***********************************************************************

Texto para leitura complementarRESUMO realizado pela Prof.ª Marie Almeida:

MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 21ªed. São Paulo: Brasiliense, 1989.

Uma preocupação se faz presente na área da sociologia: essa ciência serve ao interesse dominante ou ela expressa teoricamente a ideologia dos movimentos revolucionários? É em busca da compreensão desta problemática que através da história busca-se esclarecer o surgimento, formação e desenvolvimento da sociologia. Tendo como premissa que essa ciência resultou da tentativa de se compreender as novas situações sociais criadas pela sociedade capitalista, bem como, sua trajetória é uma permanente tentativa de diálogo com a sociedade capitalista. Desde seu início a sociologia não só buscou a reflexão sobre a sociedade moderna, sempre buscou explicar o acontecimento com intenções práticas, com o intuito de interferir na história da civilização. A vida social, os interesses econômicos, políticos, de classes, são o pano de fundo da elaboração do pensamento sociológico. A sociologia trabalhada por Comte, vem a ser a positiva, isto é, um pensamento não mais interessado na revolução social, o que havia acontecido com a Revolução Francesa, mais sim uma sociologia que deveria ensinar o homem a obedecer a ordens; esse pensamento é o que a burguesia de posse do poder político na França queria uma forma de fazer com que o povo não se revoltasse mais. Pois este estava se tornando uma sociedade industrial e como tal causando aos trabalhadores franceses a miséria e desemprego. Os mesmos problemas gerados na Inglaterra ocorrem na França, as mulheres e crianças trabalham por um valor barato, migração do campo para cidade desordenadamente,

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aumento de prostituição, etc. Um caos social. A partir do século XIX, intensificam-se os conflitos entre a classe trabalhadora e a burguesia, sendo os mais fracos reprimidos pelos aparatos do Estado. É dentro deste contexto, a necessidade de uma reorganização/ordem social, que pensadores vêem a necessidade de fundar uma nova ciência, a ciência da sociedade. Assim a Sociologia é fundada por Durkheim, como resposta intelectual à crise social, com interesses práticos e não devaneios. Essa ciência teria como tarefa repensar a ordem social, valorizar as instituições como a família, a hierarquia social, destacando seu papel teórico para o estudo da sociedade. Ligando-se aos burgueses, pois eles representavam o movimento da reforma conservadora desta sociedade. Nesta ciência, segundo Comte, não cabia crítica deveria apenas mostrar as leis imutáveis da vida social. Esta forma de análise deixa de lados os aspectos filosóficos negativos, bem como, a economia e a política, colocando o social como autônomo, sendo independente das outras esferas. Desta forma, esta sociologia, segundo o pensamento positivista, não questiona os fundamentos da sociedade capitalista, muito menos será a expressão teórica da classe trabalhadora. Isso os trabalhadores só encontrarão no pensamento socialista. Mas no debate entre as classes sociais, notoriamente esta a sociologia com suas explicações com intenções práticas, tentando interferir no rumo da sociedade. O aparecimento de uma classe revolucionária – o proletariado – surge uma nova teoria crítica da sociedade tendo como objetivo a sua superação. O pensamento socialista, que encontra em Marx e Engels a sua elaboração mais expressiva. Esses não estavam interessados em colocar a sociologia como uma disciplina específica, mas sua busca estava em oferecer uma explicação da sociedade como um todo, deixando claro suas dimensões, já que seus trabalhos não foram elaborados nas universidades, mas nas lutas políticas. Corrente de pensamento que estava interessada na igualdade entre os cidadãos. Não buscavam a atenuação dos privilégios de uma classe em relação a outra, mas na eliminação das diferenças. Para Marx e Engels a sociedade estava em constante transformação e que os conflitos e as oposições entres as classes eram o que movimentava a história. Através do materialismo histórico, chegou-se a conclusão que o estudo da sociedade deveria partir de sua base material. Sendo a estrutura econômica a base para qualquer estudo social. A partir disto realizam criticas aos pensadores econômicos, como Adam Smith e Ricardo, por suporem que a produção capitalista era obras de homens isolados. Seu argumento contra essa forma de pensar, vinha da concepção de que o homem era um animal da vida social, pois historicamente se achavam sempre inseridos em agrupamentos, como tribos, comunidades e família. Essa teoria uniu a filosofia, a economia e a política estabelecendo ligação entre a teoria e a prática. Na qual o saber intelectual devia ser um instrumento político que orientaria o proletariado para realizar a transformação da sociedade. Enquanto o positivismo buscava a estabilidade social e manutenção dos interesses da classe burguesa o marxismo tinha como objetivo a transformação revolucionária, a luta, deixando claro o antagonismo e a alienação da classe proletária pelos capitalistas. Além dessas duas linhas de pensamento temos Max Weber, o qual estabeleceu uma distinção entre o conhecimento científico e os julgamentos de valor sobre a realidade. Tendo como princípio a busca pela neutralidade científica. Separando o cientista e o político. Isolando assim a sociologia dos movimentos revolucionários. Recebeu forte influencias do pensamento marxista, mas não concebia a premissa de que a economia dominasse as demais esferas da sociedade. Buscava em sua análise compreender a ação dos indivíduos e não as instituições ou grupos sociais. Contrário ao pensamento positivista, não se utilizava da metodologia utilizada pelas ciências da natureza, pois segundo ele o sociólogo não trabalha com matéria inerte, pelo contrário. Assim sendo, dava ênfase aos fatos, a realidade empírica, levando o pesquisador a um registrador de informações. A religião ocupou lugar central em suas pesquisas, com o intuito de compreender a sua influência sobre a conduta econômica dos homens. Chegando a concluir que uma das causas do capitalismo, além de outras, era a ética de algumas seitas protestantes. Não via o capitalismo como injusto e irracional, como Marx, para ele as empresas capitalista eram organizações racionais desenvolvidas dentro de padrões de precisão e eficiência. Sendo o capitalismo a expressão da modernidade e racionalização do homem ocidental. Essas linhas de pensamento demonstram as grandes transformações sociais, sofridas a humanidade

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pela formação e desenvolvimento do sistema capitalista. A sociologia se desenvolveu tendo como pano de fundo a existência da burguesia, que deixou seu projeto de igualdade e fraternidade, e passou a conservar, através dos aparatos repressivos e ideológicos, a manutenção da sua dominação sobre a classe proletária. As ciências sociais, de maneira geral, foram utilizadas para produzir conhecimento para beneficiar a dominação burguesa. A antropologia foi usada para facilitar as colonizações; a economia e a política para traçar estratégias de expansão econômica e militar para as grandes potências capitalistas. E também, a sociologia foi empregada para manutenção das relações dominantes, utilizadas no Estado como em grandes empresas. A sociologia crítica, a marxista, foi ignorada no meio acadêmico e marginalizada nos centros de pesquisas. O trabalho sociológico acabou por ser burocratizado. Mas lutando contra essa linha, a sociologia crítica acabou por ganhar novos adeptos para crítica da sociedade burguesa. Em nossos dias, a sociologia também é um instrumento de transformação social da sociedade, buscando uma sociedade condizente com os ideais de igualdade entre os homens.

Comentário:

Carlos Benedito Martins, demonstrou em seu livro, através dos aspectos históricos e do desenvolvimento do pensamento intelectual social, como a sociologia e o capitalismo se desenvolveram consequentemente. Não seria possível pensar em sociologia sem a existência do capitalismo, já que seu nascimento foi necessário após instauração e conseqüências culturais, sociais, econômicas e políticas engendradas pelo sistema capitalista. A continuidade da sociologia hoje se faz presente, pela busca da transformação social ou pela explicação da realidade social resultante do modo de produção capitalista. Na busca de um novo sistema no qual os seres humanos possam viver em liberdade e igualdade de condições sociais. O autor nos mostra com a história, como a sociedade burguesa, teve seu aliado intelectual para manipulação de seu poder de classe dominante. Através da linha positivista e da linha Weberiana. Em favor do proletariado encontramos a sociologia crítica, o marxismo, linha de pensamento preocupada com a transformação social, com o fim das diferenças de classes.Martins trabalhou seu pensamento de maneira a fornecer ao leitor base histórica, para compreender como a sociologia nasceu, formou e se desenvolveu. Deixando claro a serviço de quem o pensamento sociológico esteve, dependendo o momento histórico, formulando suas teorias e métodos, a favor ou contra do desenvolvimento do modo de produção do sistema capitalista. Beneficiando a classe burguesa ou a classe proletária.Seus argumentos são bem fundamentados pela história, bem como, pelo pensamento filosófico e sociológico. Levando o leitor a compreender as várias linhas de pensamento existentes e como cada uma se diferencia da outra. Através da forma de eleger seu objeto de estudo, como a utilização do método para analisar o objeto social. E consequentemente como isso favoreceu a determinada classe social.É um livro importante para ser utilizado pelo aluno iniciante na sociologia, pois traz um panorama completo de como essa ciência esteve e está sendo utilizada, pela sociedade e pela academia.

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 03PROFESSORA: Marie Almeida

APRESENTAÇÃO:

Positivismo

A sociedade é como um organismo combinado de partes integradas e coisas que funcionavam harmonicamente, conforme um modelo físico ou mecânico de organização. O positivismo foi denominado de organicismo; também é definido como darwinismo social, isto é, a crença científica de que as sociedades mudariam e evoluiriam segundo padrões históricos permanentes e passagem de um estado inferior para outro superior de civilização, no qual o organismo social se mostraria mais evoluído, mais adaptado e mais complexo (influências de Charles Darwin).

Consciência Coletiva: “entende-se a soma de crenças e sentimentos comuns à média dos membros da comunidade, formando um sistema autônomo, isto é, uma realidade distinta que persiste no tempo e une as gerações. A consciência coletiva envolve quase que completamente a mentalidade e moralidade do individuo: o homem “primitivo” pensa, sente e age conforme determina ou prescreve o grupo a que pertence. Durkheim acusa a existência, em cada individuo, de duas consciências, a coletiva e a individual; a primeira, predominante, compartilhará com o grupo; a segunda, peculiar ao indivíduo. Nas sociedades “primitivas”, a consciência coletiva subjuga a individual, e as sanções aplicadas ao individuo, que foge às normas de conduta do grupo, são extremamente severas.Á medida que as sociedades se tornam mais complexas, a divisão de trabalho e as conseqüentes diferenças entre os indivíduos conduzem a uma crescente independência das consciências. As sanções repressivas, que existem nas sociedades “primitivas”, dão origem a um sistema legislativo que acentua os valores da igualdade, liberdade, fraternidade e justiça. A coerção social não desaparece, pois a característica da sociedade moderna – os contratos de trabalho – contem elementos predeterminados, independentes dos próprios acordos pessoais. Exemplo: cabe ao Estado determinar a duração do período de trabalho, o salário mínimo e as condições em que se realiza o trabalho físico.As “primitivas” coletividades humanas são caracterizadas pela solidariedade mecânica, que se origina das semelhanças entre os membros individuais. Para a manutenção dessa igualdade, necessária à sobrevivência do grupo, deve a coerção social, baseada na consciência coletiva, ser severa e repressiva. Essas sociedades não podem tolerar as disparidades, a originalidade, o particularismo, tanto nos indivíduos quanto nos grupos, pois isso significaria um processo de desintegração. Todavia, o progresso da divisão de trabalho faz com que a sociedade de solidariedade mecânica se transforme.O principio da divisão de trabalho está baseado nas diversidades das pessoas e dos grupos e se opõe diretamente à solidariedade por semelhança. A divisão do trabalho gera um novo tipo de solidariedade, baseado na complementação de partes diversificadas. O encontro de interesses complementares cria um laço social novo, ou seja, um outro tipo de principio de solidariedade, com moral própria, e que dá origem a uma nova organização social,...denominada de solidariedade orgânica. Sendo seu fundamento a diversidade, a solidariedade orgânica implica maior autonomia com uma consciência individual mais livre.” (LAKATOS,p.40-42)

Objeto, neutralidade, fato social, organicismo, holístico, darwinismo social, papel do cientista, a sociedade se sobrepõe ao indivíduo.

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Texto 01Émile Durkheim (1858-1917)

Durkheim nasceu um ano depois da morte de Auguste Comte (criou a palavra sociologia em 1838). Para esse sociólogo francês tudo está em equilíbrio, quando todos os órgãos estão funcionando corretamente, a sociedade seria como um organismo, um corpo humano, por exemplo. Continua o pensamento de Comte (só que no lugar da física utiliza a biologia). Ambos eram positivistas, só que Durkheim se preocupou mais com problemas sociológicos, escreveu obras sobre a sociedade e enquanto que Comte só escreveu filosofia. Além disso, Durkheim vai mostrar que a Sociologia é uma ciência vai dar-lhe um método e um objeto pesquisa partindo de modelos teóricos das ciências naturais. Explica o que é o fenômeno social, briga pela cientificidade da sociologia. Argumenta que ela não é filosofia, mas uma ciência.

Ele viveu um período onde a sociedade capitalista já estava desenvolvendo e consolidando-se, e também as contradições do capitalismo (a desigualdade social). O capitalismo selvagem, período em que o Estado é totalmente liberal, não tem qualquer influência na economia. Os trabalhadores se organizam. Período de muitos conflitos, mas o capitalismo tem grandes vitórias. Grandes avanços na tecnologia, na produção.

Durkheim compreendia a emergência da questão social, mas discordava do conteúdo das soluções que começavam a ser propostas pelo pensamento socialista.

Para ele, os problemas sociais vividos pela sociedade eram de natureza moral e não de fundo econômico, e que este eram conseqüências da fragilidade decorrente da longa época de transição do período. Quanto ao problema da relação indivíduo-sociedade, ele entendia que a sociedade predominava sobre o indivíduo, uma vez que ela é que imporia ao indivíduo normas de conduta social.

Assim a Sociologia deveria ser um instrumento científico de busca de soluções para os desvios da vida social, desta forma tem como objetivos: explicar os códigos de funcionamento da sociedade e intervir neste funcionamento por meio da aplicação de antítodos que resolvessem os males da vida social, pensando a sociedade como um organismo vivo tem períodos normais e patológicos. O período saudável ou normal é quando há harmonia na sociedade e entre as sociedades. O período mórbido ou patológico é caracterizado por fatos que colocassem essa harmonia em risco. Desta forma, a Sociologia, parece ser uma medicina social, e precisava de um objeto que lhe dessem condições de explicar os códigos de funcionamento da sociedade: os fatos sociais. Durkheim, que buscava compreender o seu objeto para trazer a normalidade da vida social, transformando dessa maneira em um tipo técnica de controle social voltada a manutenção da ordem do sistema capitalista.

Fato social: Consiste em maneiras coletivas de pensar, sentir e agir (consciência coletiva) externa ao indivíduo e dotadas de um poder de coerção em virtude do que está sendo imposto pela sociedade. Características do fato social: generalidade, exterioridade e coerção. A coerção social seria a obrigação que os fatos sociais teriam sobre os indivíduos, induzindo-os a aceitar regras vigentes na sociedade, deixando de lado seus anseios e opções pessoais. A subordinação às leis. A coerção seria estabelecida pelas sanções que as pessoas receberiam se não aceitassem as regras sociais. A exterioridade é causada pelos os fatos sociais existirem antes e fora das pessoas, já que quando nascemos as regras e a leis já existem independente de nossa vontade. E a generalidade é por que os fatos sociais são repetidos para todos os membros.

A preocupação deste pensador está em estabelecer normas que justifique a manutenção da sociedade capitalista, não esqueça que ele também é positivista.

Durkheim diz que o cientista deve ter neutralidade em sua pesquisa. Isto é, os fatos sociais devem ser tratados como coisas, como são tratados os fenômenos químicos e físicos. O fato social é exterior ao investigador, havendo uma separação entre o sujeito e o objeto. Cabe ao pesquisador apenas investigar, isto é, observar, medir e comparar os fenômenos sociais. Tratar o fato como coisa

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ignorada, é estar longe dos preconceitos e ideologias, para se alcançar a objetividade científica. O interesse desse pensador era na compreensão do funcionamento das formas padronizadas de conduta e pensamento chamadas por ele de consciência coletiva, que configura a moral adotada pela sociedade.

A sociologia deveria também comparar as diversas sociedades, este novo campo de estudo chamou de morfologia social, que consistia na classificação do que chamou de espécies sociais e isso só seria possível através da observação experimental. Para isso colocou como parâmetro o percurso da passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica como motor da transformação histórica de qualquer sociedade.

Para ele a divisão social do trabalho trazida pela produção industrial capitalista incentivava e levava a uma nova forma de solidariedade de interdependência.

As sociedades anteriores a revolução industrial denominou-se de solidariedade mecânica, já que nestas os códigos de identificação social dos indivíduos eram diretos por laços familiares, religiosos, tradição e costumes, sendo autônomos a relação da divisão social do trabalho.

Já na sociedade capitalista moderna teríamos a solidariedade orgânica causada pela divisão social do trabalho. Os antigos laços diretos se afrouxariam e conferia ao indivíduo maior autonomia pessoal e cedendo lugar aos mecanismos sociais de controle, definidos por códigos de conduta em forma de lei.

Alguns Conceitos e exemplos:Fato social: Consiste em maneiras coletivas de pensar, sentir e agir externamente ao indivíduo e dotadas de um poder de coerção em virtude do que sendo imposto. Características do fato social: generalidade, exterioridade e coerção.EX.: sentir necessidade de comprar um presente para seu namorado, só porque é o dia do namorado, praticamente é um ato obrigado; coerção é o controle social.Controle social: conjunto sanções (positivas ou negativas) no sentido de regular o comportamento das pessoas.Sanções: recompensa ou castigo que o indivíduo recebe por conformar-se ou aos padrões de comportamento da sociedade. Sanções podem ser: físicas (jurídica ou social), econômicas (jurídica ou social), sobrenaturais (religiosa ou mágica) e propriamente sociais.

Para compreender melhor vamos ver alguns exemplos de sanções: Física - Jurídica negativa: a pena de morte; jurídica positiva: anistia, indulto. Social negativa:

uma palmada da mãe; social positiva: um beijo do namorado. Econômica - Jurídica negativa: a multa de transito; jurídica positiva: desconto por pagar a

mensalidade em dia. Social negativa: corte de mesada; social positiva: aumento da mesada. Sobrenatural - Religiosa positiva: céu; religiosa negativa: inferno. Magia positiva: energia

positiva (axé); magia negativa: energia negativa. Magia é manipulação de ritual e forças denominadas de sobrenaturais.

Propriamente Sociais - positiva: alegria, riso; negativa: fofoca, sorriso irônico.Conclusão - A sociedade tem padrões de comportamento dominantes. A minoria tem comportamento variante, mas depois de sofrer a coerção pode passar a ter o padrão dominante.

Referência Bibliográfica: FERREIRA, Delson. Manual de Sociologia. 2ª. ed.SP:Atlas, 2003, p.45-51.

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Texto 02 Embora Comte seja considerado o pai da Sociologia, entre outras coisas por tê-la assim

batizado, Durkheim é apontado como um de seus primeiros grandes teóricos. Durkheim e seus colaboradores se esforçaram por emancipar a Sociologia das filosofias sociais e constitui-la como disciplina científica rigorosa. Em livros e cursos, sua preocupação foi definir com precisão o objeto, o método e as aplicações dessa nova ciência.

Em uma de suas obras fundamentais, As regras do método sociológico,, publicada em 1895, Durkheim formulou com clareza o tipo de acontecimentos sobre os quais o sociólogo deveria se debruçar: os fatos sociais. Estes constituiriam o objeto da Sociologia.

Três são as características que distingue os fatos sociais. A primeira delas é a coerção social, ou seja, a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, levando-os a conformarem-se às regras da sociedade em que vivem, independentemente de suas vontades e escolhas. Essa força se manifesta quando o indivíduo adota um determinado idioma, quando se submete a um determinado tipo de formação familiar ou quando está subordinado a determinado código de leis.

O grau de coerção dos fatos sociais se torna evidente pelas sanções a que o indivíduo está sujeito quando contra elas tenta se rebelar. As sanções podem ser legais ou espontâneas. Legais são as sanções prescritas pela sociedade, sob a forma de leis, nas quais se identifica a infração e a penalidade subseqüente. Espontâneas seriam as que aflorariam como decorrência de uma conduta não adaptada à estrutura do grupo ou da sociedade à qual o indivíduo pertence.

A educação desempenha, segundo Durkheim, uma importante tarefa nessa conformação dos indivíduos à sociedade em que vivem, a ponto de, após algum tempo, as regras estarem internalizadas e transformadas em hábitos.

A segunda característica dos fatos sociais é que eles existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente, ou seja, eles são exteriores aos indivíduos. As regras sociais, os costumes, as leis, já existem antes do nascimento das pessoas, são a elas impostos por mecanismos de coerção social, como a educação. Portanto, os fatos sociais são ao mesmo tempo coercitivos e dotados de existência exterior às consciências individuais.

A terceira característica apontada por Durkheim é a generalidade. É social todo fato que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles. Desse modo, os fatos sociais manifestam sua natureza coletiva ou um estado comum ao grupo, como as formas de habitação, de comunicação, os sentimentos e a moral.

Uma vez identificados e caracterizados os fatos sociais, a preocupação de Durkheim dirigiu-se para a conduta necessária ao cientista, a fim de que seu estudo tivesse realmente bases científicas. Para ele, como para todos os positivistas, não haveria explicação científica se o pesquisador não mantivesse certa distância e neutralidade em relação aos fatos, resguardando a objetividade de sua análise. É preciso que o sociólogo deixe de lado suas prenoções, isto é, seus valores e sentimentos pessoais em relação ao acontecimento a ser estudado, pois eles nada têm de científico e podem distorcer a realidade dos fatos.

Procurando garantir à Sociologia um método tão eficiente quanto o desenvolvido pelas ciências naturais, Durkheim aconselhava o sociólogo a encarar os fatos sociais como coisas, isto é, objetos que, lhe sendo exteriores, deveriam ser medidos, observados e comparados independentemente do que os indivíduos pensassem ou declarassem a seu respeito. Tais formulações seriam apenas opiniões, juízos de valor individuais que podem servir de indicadores dos fatos sociais, mas mascaram as leis de organização social, cuja racionalidade só é acessível ao cientista.

Para se apoderar dos fatos sociais, o cientista deve identificar, dentre os acontecimentos gerais e repetitivos, aqueles que apresentam características exteriores comuns. Assim, por exemplo, o conjunto de atos que suscitam na sociedade reações concretas classificadas como “penalidades” consituem os fatos sociais identificáveis, como por exemplo, o “crime”. Vemos que os fenômenos devem ser sempre considerados em suas manifestações coletivas, distinguindo-se dos

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acontecimentos individuais ou acidentais. A generalidade distingue o essencial do fortuito e especifica a natureza sociológica dos fenômenos.

Para Durkheim, a Sociologia tinha por finalidade não só explicar a sociedade como encontrar remédios para a vida social. A sociedade, como todo organismo, apresentaria estados normais e patológicos, isto é, saudáveis e doentios.

Ele considera um fato social como normal quando se encontra generalizado pela sociedade ou quando desempenha alguma função importante para sua adaptação ou sua evolução. Assim Durkheim afirma que o crime, por exemplo, é normal não só por ser encontrado em qualquer sociedade, em qualquer época, como também por representar a importância dos valores sociais que repudiam determinadas condutas como ilegais e as condenam a penalidades.

A generalidade de um fato social, isto é, sua unanimidade, é garantia de normalidade na medida em que representa o consenso social, a vontade coletiva, ou o acordo de um grupo a respeito de determinada questão.

Partindo, pois, do princípio de que o objetivo máximo da vida social é promover a harmonia da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, e que essa harmonia é conseguida através do consenso social, a “saúde” do organismo social se confunde com a generalidade dos acontecimentos e com a função destes na preservação dessa harmonia, desse acordo coletivo que se expressa sob a forma de sanções sociais. Quando um fato põe em risco a harmonia, o acordo, o consenso e, portanto, a adaptação e evolução da sociedade, estamos diante de um acontecimento de caráter mórbido e de uma sociedade doente.

Portanto, normal é aquele fato que não extrapola os limites dos acontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e que reflete os valores e as condutas aceitas pela maior parte da população. Patológico é aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente. Os fatos patológicos, como as doenças, são considerados transitórios e excepcionais.

Toda a teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e independente daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Embora todos possuam suas “consciências individuais”, seus modos próprios de se comportar e interpretar a vida, pode-se notar, no interior de qualquer grupo ou sociedade, formas padronizadas de conduta e pensamento. Essa constatação está na base do que Durkheim chamou consciência coletiva.

A definição de consciência coletiva aparece pela primeira vez na obra Da divisão do trabalho social: trata-se do “conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade” que “forma um sistema determinado com vida própria” (p.342).

A consciência coletiva ....revelaria...o”tipo psíquico da sociedade”, que não seria apenas o produto das consciências individuais, mas algo diferente, que se imporia aos indivíduos e perduraria através das gerações.

A consciência coletiva é, em certo sentido, a forma moral vigente na sociedade. Ela aparece como regras fortes e estabelecidas que delimitam o valor atribuído aos atos individuais. Ela define o que, numa sociedade, é considerado “imoral”, “reprovável” ou “criminoso”.

Para Durkheim, a Sociologia deveria ter ainda por objetivo comparar as diversas sociedades. Constituiu assim o campo da morfologia social, ou seja, a classificação das espécies sociais. Considerava que todas as sociedades haviam evoluído a partir da horda (acampamento ou bando de pessoas nômades, supostamente indisciplinados), a forma social mais simples, igualitária, reduzida a um único segmento onde os indivíduos se assemelhavam aos átomos, isto é, se apresentavam justapostos e iguais. Desse ponto de partida, foi possível uma série de combinações, das quais originaram-se outras espécies sociais identificáveis no passado e no presente, tais como os clãs (tribo formada por um grupo de famílias de origem comum) e as tribos.

Durkheim considerava que o trabalho de classificação das sociedades – como tudo mais- deveria ser efetuado com base em apurada observação experimental. Guiado por esse procedimento, Durkheim estabeleceu a passagem solidariedade mecânica para solidariedade orgânica como o motor de transformação de toda e qualquer sociedade.

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Dado o fato de que as sociedades variam de estágio, apresentando formas diferentes de organização social que tornam possível defini-las como “inferiores” ou “superiores”, como o cientista define os fatos normais e anormais em cada sociedade? Para Durkheim a normalidade só pode ser entendida em função do estágio social da sociedade em questão :

“do ponto de vista puramente biológico, o que é normal para o selvagem não o é sempre para o civilizado, e vice-versa.” (As regras do método sociológico. P.52)“Um fato social não pode, pois, ser acoimado de normal para uma espécie social determinada senão em relação com uma fase, igualmente determinada, de seu desenvolvimento.” (p.52)

Durkheim se distingue dos demais positivistas, porque suas idéias ultrapassaram a simples reflexão filosófica e chegaram a constituir um todo organizado e sistemático de pressupostos teóricos e metodológicos sobre a sociedade. Ele tinha uma real postura empírica, centrada naqueles fatos que poderiam ser observados, mensurados e relacionados através de dados coletados diretamente pelo cientista. Durkheim procurou, para isso, estabelecer os limites e as diferenças entre a particularidade e a natureza dos acontecimentos filosóficos, históricos, psicológicos e sociológicos. Elaborou um conjunto coordenado de conceitos e de técnicas de pesquisa que, embora norteados por princípios das ciências naturais, guiavam o cientista para o discernimento de um objeto de estudo próprio e dos meios adequados para interpretá-lo.

Embora preocupado com as leis gerais capazes de explicar a evolução das sociedades humana, ele ateve-se também às particularidades da sociedade em que vivia e aos mecanismos de coesão dos pequenos grupos, à formação de sentimentos comuns resultantes da convivência social. Distinguiu diferentes instâncias da vida social e seu papel na organização social, como a educação, a família e a religião. Pode-se dizer que, com Durkheim, já se delineava uma apreensão da Sociologia em que se relacionava harmonicamente o geral e o particular numa busca, ainda que não expressa, da noção de totalidade. ...

Texto extraído e adaptado COSTA, Maria Castilho. Introdução à ciência da sociedade. SP: Moderna, 1987. p.51-59.

Reflexão: Qual foi a contribuição de Emile Durkheim?

Questões:1. Quais as características dos fatos sociais?

2. Como o sociólogo deve estudar os fatos sociais?

3. Como Durkheim define os estados “normal” e “patológico”?

4. Explique a visão holística de Durkheim.

5. O que é consciência coletiva?

6. Defina a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica

7. Qual a contribuição de Durkheim para o desenvolvimento da Sociologia?

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 04

PROFESSORA: Marie Almeida

APRESENTAÇÃO: Os teóricos da sociologia: Max Weber.

DESENVOLVIMENTO:

Max Weber (1864 - 1920)Alemão, sociólogo contemporâneo. Tornou-se sociólogo muito importante na Alemanha.

Trabalhou como professor, teve uma doença nervosa e foi afastado. Foi conselheiro político, mas nunca teve nenhum cargo político. Seus maiores livros “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, “Ensaios de sociologia”, “A política como vocação e a ciência como vocação”, “Economia e sociedade”. Faleceu em 1920 na Alemanha.

A sociedadeEm Weber a ênfase da análise recai nos atores e em suas ações e não na sociedade. Pois

segundo ele a sociedade não é exterior e superior aos indivíduos, pelo contrário podemos compreender a sociedade através do conjunto das ações individuais apresentadas.

A realidade social é infinita, pois estamos aqui nesta sala de aula por infinitas razões. A realidade não pode ser conhecida totalmente, podemos conseguir aspectos e tendências dessas realidades. Desta forma, ele definiu como objeto da Sociologia a ação social. Ação social é qualquer ação que uma pessoa realiza orientando-se pela ação de outros (por exemplo, votar em determinado político por que os outros estão votando). Isto é, para compreendermos a ação do indivíduo temos que descobrir que a sua escolha feita teve como referência a ação dos outros indivíduos. Desta forma, toda vez que conseguirmos essa relação significativa, isto é, o sentido entre várias ações resulta nas relações sociais. Lembre-se bem, só há ação social se acontecer algum tipo de comunicação, a partir de suas ações, com os demais. Sendo assim, nem toda ação é social. Por exemplo: dois ciclistas passeando em uma rodovia em sentidos opostos. O choque dos dois não é uma ação. Mas se houver a tentativa de se desviar um do outro já é uma ação social, uma vez que este ato indica para o outro a tentativa de evitar o choque, esperando do outro uma ação semelhante como resposta. Havendo uma relação significativa.

Segundo Weber, podemos pensar em diferentes tipos ideais de ação social, agrupando-os de acordo com o modo que as pessoas orientam suas ações. Assim, ele estabelece quatro tipos de ação social:- tradicional: ação determinada por um costume ou um hábito arraigado.- afetiva – ação determinada por afeto ou estado emocional.- racional com relação a valores – ação determinada pela crença consciente num valor importante, sem se preocupar com o êxito desse valor na realidade.- racional com relação a fins – ação pelo cálculo racional que estabelece os fins e organiza os meios necessários para atingi-lo.

Vamos, através de um exemplo, ver como os tipos de ação pode nos ajudar a compreender melhor as ações das pessoas.

Exemplo: Vou comprar um tênis. Isso é uma ação social, pois ao fazê-lo entrarei em contato com pessoas, farei comunicação, entrarei em relação social, farei a compra me orientando em outros consumidores. Mas, o que orienta um consumidor em sua ação ao comprar o tênis?

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- Pode comprar o modelo que mais goste, o seu emocional o levou a escolher. Tipo afetivo.- Pode comprar o tênis que sempre comprou, aquele que todos em sua família compram. Tipo tradicional.- Pode comprar por causa da marca, usar tênis de marca tem um valor social. Tipo racional com relação a valores.- Pode comprar o tênis segundo o esporte que vai realizar ou segundo o preço, o mais barato. Tipo racional com relação a fins.

Weber cria essas categorias de tipos de ação social para realizar seus estudos, são construções teóricas. O tipo ideal é uma ficção ideológica, construção ao nível do pensamento, para que possamos refletir os acontecimentos, mas não dão conta de tudo e sim de alguns aspectos da realidade.

Podemos notar que para Weber as regras e normas sociais não são exteriores ao indivíduo, pelo contrário, as normas e regras sociais são resultados do conjunto de ações individuais, e as pessoas escolhem o tempo todo, diferentes forma de conduta. Pensando assim as idéias coletivas como o Estado, mercado, religião, só existe porque muitas pessoas orientam sua ação num mesmo sentido. Mantendo relações sociais através das ações individuais.

O método de Weber enfatiza o papel ativo do pesquisador. Já que a construção teórica dos tipos, das categorias, de cada pesquisador depende de cada cientista, de suas escolhas pessoais que devem levar em conta os aspectos da realidade que se quer explicar. Assim sendo, não é possível a neutralidade total do cientista em relação à sociedade. O método usado por Weber não é o mesmo usado por Durkheim. Para ele as Ciências Naturais são diferentes das Ciências Humanas e, nem por isso ela deixa de ter objetividade. Pois todo o objeto social é construído e não dado, como no caso da natureza (uma pedra). A realidade social é infinita e só posso conhecer uma parte finita.

O objeto da sociologia é a ação social - que é quando o indivíduo que age dá um sentido a sua ação e, quem está presente entende esta ação. O que interessa é o significado da ação. Para Weber o sociólogo deve compreender o porquê de o homem estar agindo daquela maneira. Nas Ciências Humanas o cientista ou investigador, tem que ir além do explicar, tem que compreender o fenômeno. Weber busca a resposta no indivíduo, porque só ele pode explicar a sua ação. A ação humana individual é o ponto de partida para o estudo. O que leva o indivíduo a agir desta maneira? Não há a mesma objetividade entre as Ciências Naturais e a Humanas. A subjetividade esta em certa medida em todos os pontos de vistas. Uma vez que o fenômeno a ser estudado foi escolhido através de seus valores.

Trabalha com o método comparativo: escolhe um tema e verifica se este acontece em todas as sociedades, em todos os períodos históricos; procura um processo e vê como esse se desenvolveu em todos os períodos históricos; ex.: a racionalização em diferentes sociedades, isto demonstraria as peculiaridades de cada período e revelariam as causas de suas diferenças em relação a este mundo da racionalização. A sociologia de Weber tem o núcleo no tipo ideal. Um modelo construído por Weber para explicar a realidade que complexa, ou seja, um traço da realidade que o cientista elege para compreender a realidade. Os tipos ideais existem ao nível das idéias não na prática. Weber criou o conceito que chamou de os “três tipos puros de dominação legítima”. Esses conceitos são voltados para compreensão dos problemas que envolvem a dominação e o poder. Os três tipos de dominação são: o legal, o tradicional e o carismático:- dominação legal: é a dominação burocrática, que é regulada por um estatuto, no qual o direito é criado, modificado e sancionado. Serve como guia para Estado município, empresa privada, qualquer associação que disponha de quadro administrativo numeroso e hierárquico. Ex.: estado, prefeituras, empresas, etc.

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- dominação tradicional: é a dominação pela crença na santidade das ordenações e dos poderes dos senhores existentes. A obediência é determinada pela tradição e fidelidade. Exemplo: patriarcal, senhores feudais.- dominação carismática: dominação fundamenta no afeto ao senhor e aos seus dotes sobrenaturais (carisma) e aos seus dotes mágicos, revelações de heroísmo, poder intelectual ou de oratória. Ex.: profeta, herói guerreiro, grande demagogo.

Weber se preocupou com a compreensão do capitalismo, como o processo de racionalização da vida humana que este provocou. Essa racionalização estabelecia um sistema de dependência entre os indivíduos que os levaria à mecanização das relações em todos os setores da atividade humana. Segundo ele, a racionalidade é referente a uma espécie de equação dinâmica entre os meios e fins. Na qual a ação humana é realizada para atingir certas metas, segundo concepções afetivas do desejável, ou valores.

Em seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, 1905, tenta compreender o universo de relações existente entre este a religião e a vida social. Nele revela o papel exercido pela ética protestante na determinação do comportamento característico dos indivíduos na sociedade capitalista. E conclui que os valores protestantes, entre eles individualismo, disciplina, austeridade, senso de dever, inclinação e apego ao trabalho, passaram a agir no comportamento do indivíduo. A racionalidade organizacional do capitalismo estava se implantando e esta mentalidade era contrária ao caráter contemplativo do comportamento católico. A relação entre religião e sociedade se estabelece por meio de valores, que são internalizados pelos indivíduos e convertido em motivação para sua ação social. Assim, a tarefa do cientista social seria de descobrir e compreender as conexões existentes entre motivação individual e os efeitos de sua ação no meio social. Usou esse método, comparou os conjuntos de valores do catolicismo e do protestantismo, procurou demonstra que os protestantes revelariam uma tendência ao racionalismo econômico que predominaria no modo de produção capitalista. Sua conclusão foi de que o capitalismo é a única organização econômica da história das civilizações fundada na racionalidade, diferenciado das outras pelo trabalho livre e sua orientação coerente para um mercado real. Esta sociologia é uma ciência compreensiva, que busca compreender a ação social e as relações sociais. A ação social deriva de vários motivos e não de um apenas, isto é, várias motivações estão presentes nas ações dos indivíduos. Compreender as ações tanto a nível individual como coletivo é saber como se dá as relações sociais.

O objetivo de Weber é compreender a conduta social humana, fornecendo explicações das causas e conseqüência de sua origem. Assim, as atitudes individuais explicariam a conduta social.

Referência BibliográficaFERREIRA, Delson, Manual de Sociologia. SP:Atlas, p.65-73.TOMAZI, Nelson Dacio (coord.). Iniciação à Sociologia. SP: Atual, 2000, p.19-20.

Max Weber – Vida e Obra

Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Maquiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem; operadas pela Revolução Industrial. Diante dessa comprovação inequívoca da fecundidade do caminho metodológico apontado por Galileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais e um conhecimento de algo externo ao próprio homem,

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enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana. De acordo com a distinção entre experiência externa e experiência interna, poder-se-ia distinguir uma série de contrastes metodológicos entre os dois grupos de ciências. As ciências exatas partiriam da observação sensível e seriam experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter matemático.

As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito.

Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica. Os antipositivistas, adeptos da distinção entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa orientação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiência dos outros.

Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.

  Uma educação humanista apurada

  Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humanidades. Weber recebeu excelente educação secundária em línguas, história e literatura clássica. Em 1882, começou os estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente à economia, à história, à filosofia e ao direito. Concluído o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qual idade de livre-docente, ao mesmo tempo em que servia como assessor do governo. Em 1893, casou-se e; no ano seguinte, tornou-se professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv tür Sozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociológicas na Alemanha. A partir dessa época, Weber somente

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deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte, em 1920.

  Compreensão e explicação

  Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito jeito ou sujeitos jeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.

O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas.

Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente., outros. Essas leis referem-se a construções de “comportamento com sentido” e servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível; Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta particular.

  O legal e o típico

  O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do próprio Weber, um “conceito histórico concreto”. A ênfase na caracterização sistemática dos padrões individuais concretos (característica das ciências humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação generalizadora, tal como esta é conhecida nas ciências naturais.

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A conceituação generalizadora, como revela a própria expressão, retira do fenômeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto é, as uniformidades e regularidades observadas em diferentes fenômenos constitutivos de uma mesma classe. A relação entre o conceito genérico e o fenômeno concreto é de natureza tal que permite classificar cada fenômeno particular de acordo com os traços gerais apresentados pelo mesmo, considerando como acidental tudo o que não se enquadre dentro da generalidade. Além disso, a conceituação generalizadora considera o fenômeno particular como um caso cujas características gerais podem ser deduzidas de uma lei.

A conceituação típico-ideal chega a resultados diferentes da conceituação generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente em direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim. Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação “objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele depura as propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois reconstruí-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por várias propriedades), essa reconstrução assume a forma de síntese, que não recupera os fenômenos em sua real concreção, mas que os idealiza em uma articulação significativa de abstrações. Desse modo, se constitui uma “pauta de contrastação”, que permite situar os fenômenos reais em sua relatividade. Por conseguinte, o tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador.

No que se refere à aplicação do tipo ideal no tratamento da realidade, ela se dá de dois modos. O primeiro é um processo de contrastação conceituai que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou menor aproximação ao tipo ideal. O segundo consiste na formulação de hipóteses explicativas. Por exemplo: para a explicação de um pânico na bolsa de valores, seria possível, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenômeno na ausência de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia introduzir tais sentimentos como fatores de perturbação. Da mesma forma se poderia proceder para a explicação de uma ação militar ou política. Primeiro se fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ação se todas as intenções dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional em relação a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos fatores irracionais.

Nos exemplos acima é patente a dicotomia estabelecida por Weber entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua metodologia. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas condições. Em primeiro lugar, uma ação é racional na medida em que é orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, também claramente formulados e logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ação é racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo são os mais adequados.

Uma vez de posse desses instrumentos analíticos, formulados para a explicação da realidade social concreta ou, mais exatamente, de uma porção dessa realidade, Weber elabora um sistema compreensivo de conceitos, estabelecendo uma terminologia precisa como tarefa preliminar para a análise das inter-relações entre os fenômenos sociais. De acordo com o vocabulário weberiano, são quatro os tipos de ação que cumpre distinguir claramente: ação racional em relação a fins, ação racional em relação a valores, ação afetiva e ação tradicional. Esta última, baseada no hábito, está na fronteira do que pode ser considerado como ação e faz Weber chamar a atenção para o problema de fluidez dos limites, isto é, para a virtual impossibilidade de se encontrarem “ações puras”. Em outros termos, segundo Weber, muito raramente a ação social orienta-se exclusivamente conforme

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um ou outro dos quatro tipos. Do mesmo modo, essas formas de orientação não podem ser consideradas como exaustivas. Seriam tipos puramente conceituais, construídos para fins de análise sociológica, jamais encontrando-se na realidade em toda a sua pureza; na maior parte dos casos, os quatro tipos de ação encontram-se misturados. Somente os resultados que com eles se obtenham na análise da realidade social podem dar a medida de sua conveniência. Para qualquer um desses tipos tanto seria possível encontrar fenômenos sociais que poderiam ser incluídos neles, quanto se poderia também deparar com fatos limítrofes entre um e outro tipo. Entretanto, observa Weber, essa fluidez só pode ser claramente percebida quando os próprios conceitos tipológicos não são fluidos e estabelecem fronteiras rígidas entre um e outro. Um conceito bem definido estabelece nitidamente propriedades cuja presença nos fenômenos sociais permite diferenciar um fenômeno de outro; estes, contudo, raramente podem ser classificados de forma rígida.

  O sistema de tipos ideais

  Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.

Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.

  O capitalismo é protestante?

  As soluções encontradas por Weber para os intrincados problemas metodológicos que ocuparam a atenção dos cientistas sociais do começo do século XX permitiram-lhe lançar novas luzes sobre vários problemas sociais e históricos, e fazer contribuições extremamente importantes para as ciências sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a sociologia da religião, mais exatamente suas interpretações sobre as relações entre as idéias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organização econômica correspondentes, por outro.

Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados nos três volumes de sua Sociologia da Religião. A linha mestra dessa obra é constituída pelo exame dos aspectos mais importantes da ordem social e econômica do mundo ocidental, nas várias etapas de seu

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desenvolvimento histórico. Esse problema já se tinha colocado para outros pensadores anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra, além de seu caráter teórico, constituía elemento fundamental para a lufa econômica e política dos partidos operários; por ele mesmo criados. Por essas razões, a pergunta que os sociólogos alemães se faziam era se o materialismo histórico formulado por Marx era ou não o verdadeiro, ao transformar o fator econômico no elemento determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a religião. Inúmeros trabalhos foram escritos para resolver o problema, substituindo-se o fator econômico como dominante por outros fatores, tais como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder político. Alguns autores, como Wilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-1941), já se tinham orientado no sentido de ressaltar a influência das idéias e das convicções éticas como fatores determinantes, e chegaram à conclusão de que o moderno capitalismo não poderia ter surgido sem uma mudança espiritual básica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Média. Contudo, somente com os trabalhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx.

A primeira idéia que ocorreu a Weber na elaboração dessa teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do capitalismo com o protestantismo: “Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes”.

A partir dessa afirmação, Weber coloca uma série de hipóteses referentes a fatores que poderiam explicar o fato. Analisando detidamente esses fatores, Weber elimina-os, um a um, mediante exemplos históricos, e chega à conclusão final de que os protestantes, tanto como classe dirigente, quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria, sempre teriam demonstrado tendência específica para o racionalismo econômico. A razão desse fato deveria, portanto, ser buscada no caráter intrínseco e permanente de suas crenças religiosas e não apenas em suas temporárias situações externas na história e na política.

Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam exercido na gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais os elementos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir o que entende por "espírito do capitalismo". Este é entendido por Weber como constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin (1706 - 1790), um dos líderes da independência dos Estados Unidos. Benjamin Franklin, representante típico da mentalidade dos colonos americanos e do espírito pequeno-burguês, afirma em seus discursos que “ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto isso for feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência de uma vocação”. Segundo a interpretação dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um utilitarismo com forte conteúdo ético, na medida em que o aumento de capital é considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivíduo. O aspecto mais interessante desse utilitarismo residiria no fato de que a ética de

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obtenção de mais e mais dinheiro é combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida.

A questão seguinte colocada por Weber diz respeito aos fatores que teriam levado a transformar-se em vocação uma atividade que, anteriormente ao advento do capitalismo, era, na melhor das hipóteses, apenas tolerada. O conceito de vocação como valorização do cumprimento do dever dentro das profissões seculares Weber encontra expresso nos escritos de Martinho Lutero (1483-1546), a partir do qual esse conceito se tornou o dogma central de todos os ramos do protestantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vocação teria permanecido em sua forma tradicional, isto é, algo aceito como ordem divina à qual cada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, o resultado ético, segundo Weber, é inteiramente negativo, levando à submissão. O luteranismo, portanto, não poderia ter sido a razão explicativa do espírito do capitalismo.

Weber volta-se então para outras formas de protestantismo diversas do luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemento básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a seu Deus, ó que, na prática, significava a racionalização do mundo e a eliminação do pensamento mágico como meio de salvação. Segundo o calvinismo, somente uma vida guiada pela reflexão contínua poderia obter vitória sobre o estado natural, e foi essa racionalização que deu à fé reformada uma tendência ascética.

Com o objetivo de relacionar as idéias religiosas fundamentais do protestantismo com as máximas da vida econômica capitalista, Weber analisa alguns pontos fundamentais da ética calvinista, como a afirmação de que “o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida”. Outra idéia no mesmo sentido estaria contida na máxima dos puritanos, segundo a qual “a vida profissional do homem é que lhe dá uma prova de seu estado de graça para sua consciência, que se expressa no zelo e no método, fazendo com que ele consiga cumprir sua vocação”. Por meio desses exemplos, Weber mostra que o ascetismo secular do protestantismo “libertava psicologicamente a aquisição de bens da ética tradicional, rompendo os grilhões da ânsia de lucro, com o que não apenas a legalizou, como também a considerou como diretamente desejada por Deus”. E m síntese, a tese de Weber afirma que a consideração dó trabalho (entendido como vocação constante e sistemática) como o mais alto instrumento de ascese e o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem deve ter sido a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida constituída pelo espírito do capitalismo.

É necessário, contudo, salientar que Weber, em nenhum momento considera o espírito do capitalismo como pura conseqüência da Reforma protestante. O sentido que norteia sua análise é antes uma proposta de investigarem que medida as influências religiosas participaram da moldagem qualitativa do espírito do capitalismo. Percorrendo o caminho inverso, Weber propõe-se também a compreender melhor o sentido do protestantismo, mediante o estudo dos aspectos fundamentais do sistema econômica capitalista. Tendo em vista a grande confusão existente no campo das influências entre as bases materiais, as formas de organização social e política e os conteúdos espirituais da Reforma, Weber salientou que essas influências só poderiam ser. confirmadas por meio de exaustivas investigações dos pontos em que realmente teriam ocorrido correlações entre o movimento religioso e a ética vocacional, Com isso “se poderá avaliar” - diz o próprio Weber – “em que medida os fenômenos culturais contemporâneos se originam historicamente em motivos religiosos e em que medida podem ser relacionados com eles”.

 

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Autoridade e legitimidade

  A aplicação da metodologia compreensiva à análise dos fenômenos históricos e sociais, por parte dê Weber, não sê limitou às relações entre o protestantismo ê o sistema capitalista. Inúmeros foram seus trabalhos dê investigação empírica sobre assuntos econômicos ê políticos. Entre os primeiros, salientam-se A Situação dos Trabalhadores Agrícolas no Elba ê A Psicofisiologia do Trabalho Industrial. Entre os segundos, devem ser ressaltadas suas análises críticas da seleção burocrática dos líderes políticos na Alemanha dos Kaiser Guilherme I e II ê da despolitização levada a cabo com a hegemonia dos burocratas. Para a teoria política em geral, contudo, foram mais importantes os conceitos ê categorias interpretativas que formulou e que se tornaram clássicos nas ciências sociais.

Weber distingue no conceito de política duas acepções, uma geral e outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele como “qualquer tipo dê liderança independente em ação”. No sentido restrito, política seria liderança dê um tipo dê associação específica; em outras palavras, tratar-se-ia da liderança do Estado. Este, por sua vez, é defendido por Weber como “uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território". Definidos esses conceitos básicos, Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais quê constituem o Estado ê assim chega ao conceito dê autoridade ê dê legitimidade. Para quê um Estado exista, diz Weber, é necessário quê um conjunto dê pessoas (toda a sua população) obedeça à autoridade alegada pêlos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado, para quê os dominados obedeçam é necessário quê os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima.

A autoridade pode ser distinguida segundo três tipos básicos: a racional-legal, a tradicional e a carismática. Esses três tipos dê autoridade correspondem a três tipos dê legitimidade: a racional, a puramente afetiva e a utilitarista. O tipo racional-legal tem como fundamento a dominação em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada, por sua vez, em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo mantém-se, assim, segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de seus poderes são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria ordem. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo organizado, toma a forma dê estrutura burocrática, amplamente analisada por Weber.

A autoridade tradicional é imposta por procedimentos considerados legítimos porquê sempre teria existido, e é aceita em nome de uma tradição reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo é definido por um sistema dê status, cujos poderes são determinados, em primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional ê, em segundo lugar, pela autoridade dê outras pessoas que estão acima dê um status particular no sistema hierárquico estabelecido. Os poderes são também determinados pela existência dê uma esfera arbitrária de graça, aberta a critérios variados, como os de razão de Estado, justiça substantiva, considerações dê utilidade e outros. Ponto importante é a inexistência de separação nítida entre a esfera da autoridade e a competência privada do indivíduo, fora de sua autoridade. Seu status é total, na medida em que seus vários papéis estão muito mais integrados do que no caso de um ofício no Estado racional-legal.

Em relação ao tipo de autoridade tradicional, Weber apresenta uma subclassificação em termos do desenvolvimento e do papel do corpo administrativo: gerontocracia e patriarcalismo. Ambos são tipos em que nem um indivíduo, nem um grupo, segundo o caso, ocupam posição de autoridade independentemente do controle de um corpo administrativo, cujo status e cujas funções

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são tradicionalmente fixados. No tipo patrimonialista de autoridade, as prerrogativas pessoais do "chefe" são muito mais extensas e parte considerável da estrutura da autoridade tende a se emancipar do controle da tradição.

A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a dominação carismática não pode estabilizar-se sem sofrer profundas mudanças estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão que adotar e com a evolução do corpo administrativo, ou racional-legal ou tradicional, em algumas de suas configurações básicas.

 

Bibliografia:

Weber, Os Pensadores, Ed. Abril

Weber, Grandes Cientistas Sociais, Ed. Ática

http://www.culturabrasil.pro.br/weber.htm. Acesso em 08 set 2009.

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Teoria da Burocracia - Max Weber

Características da Burocracia Segundo Weber

Segundo o conceito popular, a burocracia é visualizada geralmente como uma empresa ou organização onde o papelório se multiplica e se avoluma, impedindo as soluções rápidas ou eficientes. O termo também é empregado com o sentido de apego dos funcionários aos regulamentos e rotinas, causando ineficiência à organização. O leigo passou a dar o nome de burocracia aos defeitos do sistema (disfunções) e não ao sistema em si mesmo.

O conceito de burocracia para Max Weber é exatamente o contrário. A burocracia é a organização eficiente por excelência. E para conseguir essa eficiência, a burocracia precisa detalhar antecipadamente e nos mínimos detalhes como as coisas deverão ser feitas.

Segundo Max Weber, a burocracia tem as seguintes características principais:

1. CARÁTER LEGAL DAS NORMAS E REGULAMENTOS

A burocracia é uma organização ligada por normas e regulamentos previamente estabelecidos por escrito. Em outros termos, é uma organização baseada em uma espécie de legislação própria (como a Constituição para o Estado, os estatutos para a empresa privada etc.) que define antecipadamente como a organização burocrática deverá funcionar. Essas normas e regulamentos são escritos. Também são exaustivos porque procuram cobrir todas as áreas da organização, prever todas as ocorrências e enquadrá-las dentro de um esquema previamente definido capaz de regular tudo o que ocorra dentro da organização. As normas e regulamentos são racionais porque são coerentes com os objetivos visados. Neste sentido, a burocracia é uma estrutura social racionalmente organizada. As normas e regulamentos são legais porque conferem às pessoas investidas da autoridade um poder de coação sobre os subordinados e também os meios coercitivos capazes de impor a disciplina. As normas e regulamentos são escritos para assegurar uma interpretação sistemática e unívoca. Desta maneira, economizam esforços e possibilitam a padronização dentro da organização.

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2. CARÁTER FORMAL DAS COMUNICAÇÕES

A burocracia é uma organização ligada por comunicações escritas. As regras, decisões e ações administrativas são formuladas e registradas por escrito. Daí o caráter formal da burocracia: todas as ações e procedimentos são feitos para proporcionar comprovação e documentação adequadas. Além disso, a interpretação unívoca das comunicações também é assegurada. Como muitas vezes certos tipos de comunicações são feitos reiterada e constantemente, a burocracia lança mão de rotinas e de formulários para facilitar as comunicações e para rotinizar o preenchimento de sua formalização.

3. CARÁTER RACIONAL E DIVISÃO DO TRABALHO

A burocracia é uma organização que se caracteriza por uma sistemática divisão do trabalho. Essa divisão do trabalho atende a uma racionalidade, isto é, ela é adequada aos objetivos a serem atingidos: a eficiência da organização. Daí o aspecto racional da burocracia. Há uma divisão sistemática do trabalho, do direito e do poder, estabelecendo as atribuições de cada participante, os meios de obrigatoriedade e as condições necessárias. Cada participante passa a ter o seu cargo específico, as suas funções específicas e a sua específica esfera de competência e de responsabilidade. Cada participante deve saber qual a sua tarefa, qual é a sua capacidade de comando sobre os outros e, sobretudo, quais são os [imites de sua tarefa, direito e poder, para não ultrapassar esses [imites, não interferir na competência alheia nem prejudicar a estrutura existente. Assim, as incumbências administrativas são altamente diferenciadas e especializadas e as atividades são distribuídas de acordo com os objetivos a serem atingidos.

4. IMPESSOALIDADE NAS RELAÇÕES

Essa distribuição de atividades é feita impessoalmente, ou seja, é feita em termos de cargos e funções e não de pessoas envolvidas. Daí o caráter impessoal da burocracia. A administração da burocracia é realizada sem considerar as pessoas como pessoas, mas como ocupantes de cargos e de funções. O poder de cada pessoa é impessoal e deriva do cargo que ocupa. Também a obediência prestada pelo subordinado ao superior é impessoal. Ele obedece ao superior, não em consideração à sua pessoa, mas ao cargo que o superior ocupa. A burocracia precisa garantir a sua continuidade ao longo do tempo: as pessoas vêm e vão, os cargos e funções permanecem. Cada cargo abrange uma área ou setor de competência e de responsabilidade.

5. HIERARQUIA DA AUTORIDADE

A burocracia é uma organização que estabelece os cargos segundo o princípio da hierarquia. Cada cargo inferior deve estar sob o controle e supervisão de um posto superior. Nenhum cargo fica sem controle ou supervisão. Daí a necessidade da hierarquia da autoridade para fixar as chefias nos diversos escalões de autoridade. Esses escalões proporcionarão a estrutura hierárquica da organização. A hierarquia é a ordem e subordinação, a graduação de autoridade corresponde às diversas categorias de participantes, funcionários, classes etc. Todos os cargos estão dispostos em graduações hierárquicas que encerram determinados privilégios e obrigações, estreitamente definidos por meio de regras [imitadas e específicas.

A autoridade - o poder de controle resultante de uma posição reconhecida – é inerente ao cargo e não ao indivíduo específico que desempenha o papel oficial. A distribuição de autoridade dentro do sistema serve para reduzir ao mínimo o atrito, por via do contato (oficial) amplamente restritivo, em relação às maneiras previamente definidas pelas regras de organização. Desta forma, o subordinado está protegido da ação arbitrária do seu superior, dado que as ações de ambos se processam dentro de um conjunto mutuamente reconhecido de regras.

6. ROTINAS E PROCEDIMENTOS ESTANDARDIZADOS

A burocracia é uma organização que fixa as regras e normas técnicas para o desempenho de cada cargo. O ocupante de um cargo - o funcionário - não pode fazer o que quiser, mas o que a burocracia impõe que ele faça. As regras e normas técnicas regulam a conduta do ocupante de cada cargo, cujas atividades devem ser executadas de acordo com as rotinas e procedimentos fixados pelas regras e normas técnicas.

Toda a estrutura da burocracia é projetada intencionalmente de acordo com princípios racionais: a disciplina no trabalho e o desempenho no cargo são assegurados por um conjunto de regras e normas que tentam ajustar completamente o funcionário às exigências do cargo e às exigências da organização: a máxima produtividade. Essa racionalização do trabalho encontra sua forma mais extremada na Administração Científica, que "atingiu os maiores trunfos no condicionamento e treinamento racionais do desempenho no trabalho. Todas as atividades de cada cargo são desempenhadas segundo padrões claramente definidos, nos quais cada conjunto de ações está funcionalmente relacionado com os propósitos da organização, segundo uma maneira ideal. Esses padrões facilitam a pronta avaliação do desempenho de cada participante.

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7. COMPETÊNCIA TÉCNICA E MERITOCRACIA

A burocracia é uma organização na qual a escolha das pessoas é baseada no mérito e na competência técnica e não em preferências pessoais. A admissão, a transferência e a promoção dos funcionários são baseadas em critérios, válidos para toda a organização, de avaliação e de classificação, e não em critérios particulares e arbitrários. Esses critérios universais são racionais e levam em conta a competência, o mérito e a capacidade do funcionário em relação ao cargo ou função considerados. Daí a necessidade de exames, concursos, testes e títulos para admissão e promoção dos funcionários.

8. ESPECIALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO

A burocracia é uma organização que se baseia na separação entre a propriedade e a administração. Os membros do corpo administrativos devem estar completamente separados da propriedade dos meios de produção. Em outros termos, os administradores da burocracia não são os seus donos ou proprietários. O dirigente não é necessariamente o dono do negócio ou um grande acionista da organização, mas um profissional especializado na sua administração. Com a burocracia surge o profissional que se especializa em gerir a organização, e daí o gradativo afastamento do capitalista da gestão dos negócios, diversificando as suas aplicações financeiras de capital. Os meios de produção, isto é, os recursos necessários para desempenhar as tarefas da organização, não são propriedades dos burocratas, mas estão acima destes. O funcionário não pode vender, comprar ou herdar sua posição ou seu cargo, e sua posição e seu cargo não podem ser apropriados e integrados ao seu patrimônio privado. Essa estrita separação entre os rendimentos e os bens privados e os públicos é a característica específica da burocracia e que a distingue dos tipos patrimonial e feudal de administração. Existe um princípio de completa separação entre a propriedade que pertence à organização e a propriedade pessoal do funcionário.

9. PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

A burocracia é uma organização que se caracteriza pela profissionalização dos seus participantes. Cada funcionário da burocracia é um profissional, pelas seguintes razões:

a) É um especialista: cada funcionário é especializado nas atividades do seu cargo. Sua especialização varia conforme o nível onde está situado. Enquanto os que ocupam posições no topo da organização são generalistas, à medida que se desce nos escalões hierárquicos, os que ocupam posições mais baixas vão-se tomando gradativamente mais especialistas.

b) É assalariado: os funcionários da burocracia percebem salários correspondentes ao cargo que ocupam. Quanto mais elevado o cargo na escala hierárquica, maior o salário e, obviamente, o poder. Os funcionários devem ser recompensados exclusivamente por salários e não devem receber pagamentos de clientes, a fim de preservarem sua orientação para a organização, suas normas e regulamentos. O trabalho na burocracia representa geralmente a principal ou única fonte de renda do funcionário.

c) É ocupante de cargo: o funcionário da burocracia é um ocupante de cargo e seu cargo é a sua principal atividade dentro da organização, tomando todo o seu tempo de permanência nela. O funcionário não ocupa um cargo por vaidade ou por honrada, mas sim porque é o seu meio de vida, o seu ganha-pão.

d) É nomeado por superior hierárquico: o funcionário é um profissional selecionado e escolhido por sua competência e capacidade, nomeado (admitido), assalariado, promovido ou demitido da organização pelo seu superior hierárquico. O superior hierárquico tem plena autoridade (autoridade de linha) sobre seus subordinados. Em outros termos, é o superior quem toma decisões a respeito de seus subordinados.

e) Seu mandato é por tempo indeterminado: quando um funcionário ocupa um cargo dentro da burocracia, o seu tempo de permanência nesse cargo é indefinido e indeterminado. Não que o cargo seja vitalício, mas porque não existe uma norma ou regra que determine previamente o tempo de permanência de um funcionário, seja no cargo, seja na organização.

f) Segue carreira dentro da organização: à medida que um funcionário revela mérito, capacidade e competência, ele pode vir a ser promovido para outros cargos superiores. Em outros termos, o funcionário na burocracia também é recompensado por uma sistemática promoção, através de uma carreira dentro da organização. O funcionário é um profissional que faz do trabalho a sua carreira, ao longo de sua vida.

g) Não possui a propriedade dos meios de produção e administração: o administrador administra a organização em nome dos proprietários, enquanto o funcionário, para trabalhar, precisa das máquinas e dos equipamentos fornecidos pela organização. Como essas máquinas e equipamentos vão-se tornando sofisticados pela tecnologia e, portanto, caros, somente as grandes organizações passam a ter condições financeiras de adquiri-los. Daí as organizações gradativamente assumem o monopólio

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dos meios de produção. O administrador administra a organização, mas não é o proprietário dos meios de produção. O funcionário utiliza as máquinas e equipamentos mas não é o dono delas.

h) É fiel ao cargo e identifica-se com os objetivos da empresa: o funcionário passa a defender os interesses do seu cargo e da sua organização, em detrimento dos demais interesses envolvidos.

i) O administrador profissional tende a controlar cada vez mais completamente as burocracias, pelas seguintes razões:

aumento do número de acionistas das grandes organizações, ocasionando dispersão e fragmentação da propriedade das suas ações;

os proprietários que, em função de sua riqueza, controlavam uma única organização, concentrando nela toda a sua fortuna, passaram a dispersar o risco do seu investimento em muitas outras organizações. Em decorrência disso, hoje em dia, o controle acionário está subdividido e diminuído com o crescimento do número de acionistas;

os administradores profissionais, através de sua carreira dentro da organização, chegam a posições de comando e de controle, sem possuírem a propriedade da coisa comandada e controlada. Assim, um administrador pode ter mais poder sobre a organização do que um grande acionista.

10. COMPLETA PREVISIBILIDADE DO FUNCIONAMENTO

A conseqüência desejada da burocracia é a previsibilidade do comportamento dos seus membros. No modelo de Weber, todos os funcionários se comportam de acordo com as normas e regulamentos da organização, a fim de que esta atinja a máxima eficiência possível. Tudo na burocracia é estabelecido no sentido de prever antecipadamente todas as ocorrências e rotinizar sua execução, para que a máxima eficiência do sistema seja plenamente alcançada.

Aparentemente, Weber não previu nenhuma diferenciação no comportamento humano dentro da organização. Antes, pelo contrário, a burocracia parece assentar-se numa visão padronizada do comportamento humano. Weber não considera a organização informal. Parece simples ignorá-la. Na verdade, a organização informal não é prevista por Weber, ou seja, não está considerada nas conseqüências desejadas das organizações. A organização informal aparece como um fator de imprevisibilidade das burocracias, pois o sistema social racional puro de Weber pressupõe que as reações e o comportamento humano sejam perfeitamente previsíveis, uma vez que tudo estará sob o controle de normas racionais e legais, escritas e exaustivas. A organização informal surge como uma derivação direta do sistema burocrático, como uma conseqüência da impossibilidade prática de se bitolar e padronizar completamente o comportamento humano nas organizações.

A burocracia é baseada em:

Conseqüências previstas:

0bjetivo:

1. Caráter legal das normas.2. Caráter formal das

comunicações.3. Divisão do trabalho.4. Impessoalidade no

relacionamento.5. Hierarquização da

autoridade.6. Rotinas e procedimentos.

7. Competência técnica e mérito.

8. Especialização da administração.

9. Profissionalização.10. Previsibilidade do

funcionamento.

Previsibilidade do comportamento

humano.

Padronização do desempenho dos

participantes.

Máxima eficiência da organização.

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Texto compilado do capítulo 11 da obra de Idalberto Chiavenato, "Introdução à Teoria Geral da Administração", MAKRON Books, 4ª edição.

http://carinafagiani.blogspot.com/2008/09/teoria-da-burocracia-max-weber-parte04.html. Acesso 08 set 2009.

Exercícios:

1) Análise o fato de você escolher o curso de faculdade que quer fazer. Segundo os tipos ideais (tradicional, afetivo, racional c/relação a valores e racional c/relação a fins) de Weber. E depois, destaque o tipo ideal no qual sua ação se encaixa.

2) Como Weber define ação social? Quais as diferenças entre a definição de ação social, de Weber, e a de fato social, de Durkheim? Comente.

Questões1. O que é ação social?2. Porque Weber da ênfase nos atores e em suas ações?3. Explique os tipos de ações sociais.4. Explique os tipos de dominação legítima.5. Como Weber entende a relação existente entre religião (protestante) e a vida social?6. Qual o papel do cientista segundo Weber?7. Por que Weber diz que é impossível que o pesquisador seja totalmente neutro?

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 05PROFESSORA: Marie AlmeidaAPRESENTAÇÃO: Os teóricos da sociologia: Karl Marx.

DESENVOLVIMENTO:Karl Marx (1818-1883)

Diferentemente dos outros pensadores Marx acreditava que não se podia pensar a relação do indivíduo e sociedade separadamente das condições materiais em que essa relação se apóia. Já que são essas que condicionam as demais relações sociais. Pensemos bem: o homem é um ser de necessidades. Ele tem que satisfazer as suas necessidades básicas para sobreviver. Para satisfazer essas necessidades o homem tem que produzir bens materiais e para produzir ele tem que trabalhar. Assim, qualquer estudo de qualquer sociedade deve partir justamente das relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de produção e transformar a natureza. Essas relações sociais de produção condiciona todo o resto da sociedade. A produção é a raiz da estrutura social.

Ao produzir bens materiais os homens criam relações:1. com a natureza , pois ao tentar extrair dela o produto necessários, a matéria prima, ele acaba por desenvolver tecnologia;2. entre os homens, onde vai haver historicamente uma divisão no trabalho, com a especialização de um em cada divisão. EX.: um bate o prego na madeira, o outro corta a árvore, o outro serra, até se montar a cadeira.

Na sociedade capitalista as relações sociais de produção definem dois grandes grupos da sociedade: - os capitalistas, as pessoas que detêm os meios de produção (máquina, ferramentas, capital, etc.) necessários para transformar a natureza e produzir mercadorias;- os trabalhadores, chamados em seu conjunto de proletariado, que são os que nada possuem, a não ser o seu corpo e a sua disposição para trabalhar.

Só existe produção na sociedade capitalista porque esses dois grupos entram em relação. Sociedade capitalista = meios de produção + relação de produção.O capitalista paga um salário ao trabalhador e com a venda da mercadoria paga todos os custos e embolsa o lucro (a mais-valia). Esse tipo de relação é de exploração do trabalhador pelo capitalista. O qual leva um permanente conflito entre essas duas classes. Desta forma, classe social é um grupo de indivíduos que ocupam a mesma posição nas relações de produção, em determinada sociedade. Um exemplo para notarmos o conflito entre as classes:

...Temos um trabalhador numa determinada indústria. Suponhamos que ele conheça o dono da pequena indústria em que trabalha e que tenha até uma boa amizade com ele. Em determinado momento, porém, acontece uma greve. Apesar da amizade entre o trabalhador e seu patrão, provavelmente durante a greve ambos estarão colocados em campos opostos: de um lado, o trabalhador reivindicando melhores salários e melhores condições de trabalho junto com seus companheiros; do outro, o patrão e os administradores da empresa afirmando que não podem mais aumentar os salários. Independentemente da amizade, patrão e emprego estarão em lados opostos no decorrer da greve3. Em que trabalha e que tenha até uma boa amizade que é a infra estrutura econômica que ergue as paredes do edifício para a super estrutura. A Infra-estrutura é o resultado do trabalho, constitui a existência da sociedade: produção, trabalho, prática. A super-estrutura é tudo fruto do pensamento, abstrato: estado, ideologia, política, representando a consciência da sociedade.

3 Nelson Tomazi, Iniciação à Sociologia, p. 14.

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Assim podemos perceber que a classe condiciona nossa atuação social com todas as esferas da sociedade. Por mais amigos que sejam o patrão e o empregado ambos pertencem a classes diferentes, assim quando o conflito ocorre, eles ficam em lados opostos, já que tem interesses diferentes. Podemos até partilhar de idéias e comportamentos de indivíduos de outras classes, mas em caso de conflito, ficamos do lado da classe que pertencemos.

Quanto ao método, para Marx o pesquisador não deve restringir-se a fazer descrição da realidade, mas deve analisar como essa realidade se produz e se reproduz na história. Ex.: Não deve apenas descrever as duas classes sociais, mas é preciso demonstrar como elas surgiram, o conflito existente e as possibilidades de transformação no futuro. O cientista ao mostrar as possibilidades poderá desempenhar um papel político revolucionário, ao ficar em prol da classe dos trabalhadores. Assim, a ciência tem o papel político crítico em relação a sociedade capitalista, sendo o instrumento de compreensão e transformação da realidade.

O método utilizado por Marx é o dialético, no qual o objeto e o método são elementos necessários encadeados do mesmo processo de conhecimento. Primeiro defini-se o objeto ou a realidade a ser estudada. Segundo, passasse a formulações teóricas a este respeito, o que nos levaria a compreensão das partes que constituem nossa totalidade em estudo. Depois voltamos ao nosso objeto iniciam, veremos que o objeto já não é mais o mesmo, pois agora entendemos mais do assunto, formaremos o realmente o nosso objeto de estudo, já que compreendemos sua totalidade. Assim conhecer significar produzir qualidade, formular juízo crítico acerca do objeto em estudo. Assim, propunha uma filosofia da ação, pois o pensamento deveria constituir-se de objetivos práticos e políticos, voltado para a transformação do capitalismo para socialismo e em fim para o comunismo.

Nos o dizemos dialético por causa da relação entre o geral (todo) e o particular (parte) nessa forma de pensar a realidade que é de dupla mão. Significa que entre todo e parte há uma relação de circularidade, ou seja, um determina o outro simultaneamente. A dialética parte da contradição e do antagonismo.

Vamos entender o que é dialética. A palavra vem do grego significa dualidade, tem raiz na palavra logos (palavra, razão), portanto, se assemelha ao conceito de diálogo. Pensando assim, no diálogo há mais de uma opinião, há dualidade de razões. A lógica dialética parte do princípio que a realidade é uma contradição, a realidade vive em constante mudança. Ex.: a descoberta da célula (os órgãos são constituídos de células); descoberta da lei da conservação e transformação da energia (a energia não é destruída e nem criada, mas convertida, transformada em outra forma, exemplo: A energia mecânica é transformada em calor com atrito; o calor das caldeiras é transformado em energia mecânica); a descoberta da evolução das espécies (os seres vivos se transformam com o passar do tempo). Vemos que o mundo está em constante transformação. O velho é substituído pelo novo e cada coisa ao nascer já tem em si a sua destruição. O estável é a aparência e a mudança está na essência. Ex.: o grão de trigo ao ser enterrado (morre sua aparência) para que surja a planta (transformação).

A dialética é a ciência das leis gerais do movimento, do mundo e do pensamento. É a estrutura contraditória do real, que passa por três fases: a tese, antítese e a síntese. Ou seja, o movimento (transformação) da realidade se explica pelo antagonismo, ou seja, o movimento da teses e o da antítese (a contradição) é superado pela síntese. Ex.: o grão de trigo (identidade = tese) ao ser enterrado morre sua aparência (antítese = nega sua aparência e demonstra sua essência) para que surja a planta (síntese = transformação). Podemos notar que a dialética é dinâmica. Outra característica da dialética é sua totalidade, já que o todo predomina sobre as partes que o constituem. Pois as coisas estão em constate relação de reciprocidade, e nenhum fenômeno pode ser entendido isoladamente sem os outros que o rodeiam.

A dialética de Marx é materialista, pois ele acredita que o mundo material surgiu antes do pensamento, e a contradição surge entre os homens reais, em condições históricas e sociais reais.

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Para Marx a realidade social é opaca, não é transparente, é complexa e contraditória. Por isso ele diz que a essência e a transparência das coisas devem ser estudadas pelo pensamento científico. Para ele o sujeito do conhecimento pode estudar o objeto. Pois o processo de conhecimento articula o objeto. EX.: o capitalismo, o conceito é prático, o conceito nos permite não só conhecer como transformar. Já que o sujeito pode dar conta do real e não só como pode transformá-lo.

A realidade social é complexa, contraditória, é opaca, isto é, não se revela imediatamente e cabe ao pensamento científico desvendar. A realidade dos fatos, em geral, não é transparente. Para ele todos os fatos, humanos ou coisas são relações. Os indivíduos são relações (trabalho, família). A realidade é contraditória, quando desvendamos a contradição encontramos a realidade. Sempre estamos negando algo ex.: comemos para matar a fome; contradição entre capital X trabalho; burguesia X proletariado; a própria vida humana é uma contradição. A idéia de Marx é que a aparência e essência estão numa dinâmica. A realidade é constituída de coisas, idéias e humanos. A parte e o todo também tem uma dinâmica, podendo ser vista na singularidade (parte) ou a sua relação com o todo. Toda realidade é composta pelo presente e o passado. Para falar da realidade necessitamos do contexto (passado). No passado, tem aspectos, que marcam a realidade do presente. O pensamento dialético busca articular o singular e o universal. Ex.: aparência – essência; parte - todo; presente - passado; singular - universal. O todo está nas partes, a façanha é achar o todo na parte. Marx explica o capitalismo através da mercadoria, o todo em uma parte. “A contradição não se resolve ela se desenvolve” - dialética.

A vida social esta permeada todo tempo por diversidades, diferenciações e antagonismos, hierarquias. Desde a tribal até a civilizada. “Toda ação humana pode ser vista como o abster-se de alguma coisa; ex.: comer é absterce de ficar com fome; andar é absterce de ficar parado. Toda determinação é ser uma negação. Ser branco é não ser negro; ser homem é não ser mulher”. Nós negamos para sermos o que somos. O princípio da negatividade este presente o tempo todo.

A relação de negatividade esta presente em toda a relação social. A dinâmica da realidade é o principal apoio da contrariedade, ex.: se eu tenho uma profissão eu não tenho outras, eu as nego. A sociedade esta em movimento e este movimento está no princípio da contradição/negatividade. Desta forma, a contradição é o princípio explicativo da realidade, pois explicamos uma realidade a partir de suas contradições. Explicar um fato social é desvendar as contradições deste fato.

A contradição (dialética) acontece na ação histórica e social. Assim pensa que a sociedade se transforma pela oposição sistemática entre seus pólos opostos. Do choque desses pólos vem uma nova situação histórica, dando curso ao processo histórico. Ex.: senhor x escravo (Grécia antiga); senhor x servo (feudalismo); burguês x proletariado (capitalismo). A contradição das classes denomina o novo modo de produção (síntese). Por isso ele denominou de luta de classes como o motor da história, nos sucessivos embates entre modos de produção, acontece o processo de mudança social.

Segundo Marx é nossa condição material que determina o nosso pensamento. Não é a consciência que determina a existência, mas é a existência que determina a consciência. É a maneira de ser que determina a forma de pensar. Não são as idéias que mudam a realidade, mas a realidade que muda as idéias. Assim a existência precede a consciência.

“Se a aparência e a essência fossem transparentes as ciências seriam desnecessárias”. (Karl Marx, Tomo 3 Capital).

Conceitos:- Materialismo histórico: analisar a sociedade através das relações de produção, já que o elemento determinante da sociedade é a produção de mercadorias e relação de produção desta sobre a sociedade.- Alienação: condição vivida pelo trabalhador na sociedade capitalista, na qual perde a posse sobre a sua força de trabalho e passa a ser uma mercadoria, vendida e ofertada no mercado como as outras.

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Aliena-se e perde sua dignidade humana; a única forma da acabar com a alienação é pela tomada do controle dos meios de produção pelos trabalhadores, através da revolução proletária, com abolição do salário e resgatando o trabalho coletivo. A Alienação = bloqueio e desapropriação do outro; em todas as relações sociais (econômico cultural e social). Ex. a mulher numa metalúrgica ganha menos que o homem metalúrgico; ela é alienada tanto economicamente quanto socialmente (pois há mulher é vista como inferior nos dois casos). Alienação é tudo quanto proíbe o indivíduo de participar das relações sociais. A alienação é fabricada e é encoberta. Assim é produzido o fetichismo nas relações sociais. Fetichismo é adorar algo como sobrenatural, isto é, transformar a mercadoria em um produto social esquecendo que os produtores são donos destas. O trabalhador vê a mercadoria como algo superior e não vê que foi ele quem a produziu. - Mais-valia: o proletariado trabalha por um salário determinado, no qual deverá realizá-lo em 8 horas diárias. Em 5 ou 6 horas diárias produz o suficiente para pagar o seu salário, o valor produzido nas horas restantes fica com o capitalista, assim o empregado trabalha de graça nessas horas. O que se produz nessas horas é a mais valia. Essas horas que não são pagas, acumuladas e reaplicadas no processo produtivo, vão fazer com o capitalista enriqueça rapidamente. Esse processo é chamado de acumulação de capital. A mais-valia absoluta é quando o capitalista aumenta as horas de trabalho. Quando passam a utilizar equipamento e diversas tecnologias para o trabalho ficar mais produtivo, decorrendo daí a mais-valia relativa, ou seja, mais produção e mais lucro com o mesmo número de trabalhadores.- Ideologia: Conjunto de idéias que explicam e caracterizam um sistema. Idéia peculiar a determinado grupo e ligado aos interesses do mesmo. É a inversão da realidade. A classe que exercer o poder material na sociedade (os meios de produção) também terá o poder ideológico (idéias). As idéias dominantes é a expressão ideal das relações materiais; os indivíduos que pertencem a classe dominante pensam de acordo com a sua relação de produção com a classe proletária. Desta forma, como produtores de idéias, vão criar crenças, valores, normas, interpretações com as quais orientam a conduta, o agir, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, isto é, vão regular a produção e a distribuição das idéias na sociedade. A vida aparece como a imagem que é exibida pelo visor de uma câmera fotográfica do século XIX, de cabeça para baixo, ilusoriamente invertida do que realmente seria a realidade. Oferecendo a sociedade uma falsa imagem, falsa consciência de si e das relações produção. Ocultando a realidade das relações de produção pautadas na exploração.- O papel da ciência: único elemento capaz de desmascarar a ideologia, colocando o mundo de cabeça para cima, mostrando a realidade, desmascarando a falsa consciência, a ponta de lança do proletariado contra a burguesia, no movimento revolucionário. - Sociedade: o estudo da realidade social deve considerar que não há homem e nem sociedade isolados na natureza, mas ambos conjugados concretamente a um momento histórico, no processo das relações produção. Assim precisamos analisar o modelo construído por Marx de sociedade: infra-estrutura e super estrutura.

Infra-estrutura: compreende a produção, a organização econômica da produção e as relações de produção, a base material da sociedade e determinando os processos sociais.Superestrutura: abrange as normas jurídicas, os comportamentos sociais e políticos, as manifestações religiosas, a base ética, filosófica e moral, ou seja, a rede complexa de correlações formada entre os sistemas político e ideológico. Essa duas estruturas estão ligadas entre si, em tempo simultâneo, em constante interação dialética. Há uma circularidade entre esses elementos organizadores de estrutura social, sendo a super reflexo da base material da sociedade.- Forças produtivas: Recursos extraídos da natureza e a força de trabalho.- Meios de produção: ferramentas, máquinas, equipamentos, capital, terra, etc.- Relações de produção: os diferentes modos pelos quais é organizada a atividade produtiva, envolvendo diretamente as relações de posse e distribuição dos meios e divisão social do trabalho.

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No capitalismo temos a manufatura (modo de produzir em que a técnica é artesanal, mas o trabalho é executado por grande número de pessoas, sob a direção de um empresário - divisão do trabalho para produção do mesmo produto), a maquinofatura (produção de mercadorias por meio de máquinas reunidas num mesmo local, a fábrica) e automação (substituição do controle manual por tecnologias o trabalhador só serve para fazer o controle e supervisão do robô).

Essas três áreas da produção resultam na estrutura da sociedade, sua infra e sua supre-estrutura.

- Modo de produção: os modos e as formas por meio do quais são produzidos os bens materiais da sociedade, ou seja, os meios de produção mais as relações de produção, no nosso caso o capitalismo.

Referência Bibliográfica

FERREIRA, Delson, Manual de Sociologia. SP:Atlas, p.65-73.

Reflexão: Qual é a importância desse pensador para sociedade?

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1. Vida - Karl Heinrich Marx (1818 - 1883)

Nasceu na pequena cidade de Treves (Alemanha), filho de um advogado de origem judáica e de uma dona-de –casa. Estudou filosofia na Universidade de Berlim (1836-41).

Frequentou o círculo de jovens e brilhantes intelectuais hegelianos. Em 1843 escreve a Crítica do direito público de Hegel. Em Paris, Marx entrou em contato e foi bem recebido por vários grandes intelectuais como Proudhon, Bakunin e, sobretudo, o seu grande amigo e colaborador de toda a vida, Friedrich Engels.

Foi nesta época que ele escreveu O Capital e Manuscritos Econômico-Filosóficos. Foi expulso da França em janeiro de 1845. Passando a residir na Bélgica, Karl e Engels passam a aprofundar ainda mais seus estudos, com o apoio terno de Jenny. Em janeiro de 1848, Marx e Engels redigem o famoso Manifesto Comunista, a pedido da "Liga Comunista" de Bruxelas.

Com os movimentos sociais de 1848 na França, Marx volta a Colônia, na Alemanha onde tenta novamente o jornalismo. Posteriormente, depois de lhe ser negada permanência em Paris, Marx vai para Londres, em 1849, e dedica-se obsessivamente à atividade de organização política do movimento operário, fundando em 1864 a “Associação Internacional dos Trabalhadores". Lá morre na pobreza em 1883, dois anos depois da morte da esposa.

2. Obra

a) Conceito de História

No “Manifesto” escreve:

“A história de toda a sociedade humana, até nossos dias, é a história do conflito entre classes. Entre o homem livre e o escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de ofício e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos se encontram sempre em conflito, ora disfarçada, ora abertamente, e que termina sempre por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou então pela ruína das diversas classes em luta".

História da Filosofia 2007

b) Dialética: Marx considera a produção material de uma época histórica como a base da sociedade e, também, a

criadora da subjetividade dessa época. Não é o conhecimento espiritual que muda a produção da existência e, consequentemente, a vida social, mas exatamente o contrário.

c) Infra-estrutura e superestrutura: Na teoria marxista, o materialismo histórico pretende a explicação da história das sociedades

humanas, em todas as épocas, através dos fatos materiais, essencialmente econômicos e técnicos. A sociedade é comparada a um edifício no qual as fundações, a infra-estrutura, seriam representadas

pelas forças econômicas, enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as idéias, costumes, instituições (políticas, religiosas, jurídicas, etc). Afirma Marx na obra A Miséria da filosofia (1847):

“ Adquirindo novas forças produtivas, os homens modificam o seu modo de produção, a maneira de ganhar a vida, modificam todas as relações sociais. O moinho a braço vos dará a sociedade com o suserano; o moinho a vapor, a sociedade com o capitalismo industrial”

d) A sociedade:

"Os meios pelos quais o capitalismo aumenta a produtividade distorcem o homem comum trabalhador em um fragmento de homem, rebaixam-no ao nível de apêndice de uma máquina, destroem o conteúdo real de seu trabalho, transformando-o num tormento cheio de exigências a serem cumpridas; alienam dele as potencialidades intelectuais do processo de trabalho, na mesma proporção em que a ciência é incorporada neste como uma força independente, de pessoas pagas

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para pensarem pelas demais; deturpam suas condições de trabalho e o submetem, durante o processo de trabalho, a um despotismo que é ainda mais odioso por sua mesquinhez; transforma-lhe a vida em horário de expediente e atiram sua esposa e filhos sob as rodas do carro de Jagrená do capital (...). A acumulação da riqueza num dos pólos, portanto, é, ao mesmo tempo, a acumulação da miséria, a tortura do trabalho que deveria ser um lazer e fonte de satisfação pessoal, a escravidão intelectual e física, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no pólo oposto".

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 O MANIFESTO COMUNISTA

    O Manifesto Comunista fez a humanidade caminhar. Não em direção ao paraíso, mas na busca (raramente bem sucedida, até agora) da solução de problemas como a miséria e a exploração do trabalho. Rumo à concretização do princípio, teoricamente aceito há 200 anos, diz que "todos os homens são iguais". E sublinhando a novidade que afirmava que os pobres, os pequenos, os explorados também podem ser sujeitos de suas vidas.

    Por isso é um documento histórico, testemunho da rebeldia do seres humanos. Seu texto, racional, aqui e ali bombástico e, em diversas passagens irônico, mal esconde essa origem comum com homens e mulheres de outros tempos: o fogo que acendeu a paixão da Liga dos Comunistas, reunida em Londres no ano de 1847, não foi diferente do que incendiou corações e mentes na luta contra a escravidão clássica, contra a servidão medieval, contra o obscurantismo religioso e contra todas as formas de opressão.

    A Liga dos Comunistas encomendou a Marx e a Engels a elaboração de um texto que tornasse claros os objetivos dela e sua maneira de ver o mundo. E isto foi feito pelos dois jovens, um de 30 e o outro de 28 anos. Portanto, o Manifesto Comunista é um conjunto afirmativo de idéias, de "verdades" em que os revolucionários da época acreditavam, por conterem, segundo eles, elementos científicos – um tanto economicistas – para a compreensão das transformações sociais. Nesse sentido, o Manifesto é mais um monumento do que um documento... Pétreo, determinante, forte: letras, palavras, e frases que queriam Ter o poder de uma arma para mudar o mundo, colocando no lugar "da velha sociedade burguesa uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada membro é a condição para o desenvolvimento de todos."

    O Manifesto tem uma estrutura simples: uma breve introdução, três capítulos e uma rápida conclusão.

    A introdução fala com um certo orgulho, do medo que o comunismo causa nos conservadores. O "fantasma" do comunismo assusta os poderosos e une, em uma "santa aliança", todas as potências da época. É a velha "satanização" do adversário, que está "fora da ordem", do "desobediente". Mas o texto mostra o lado positivo disso: o reconhecimento da força do comunismo. Se assusta tanto, é porque tem alguma presença. Daí a necessidade de expor o modo comunista de ver o mundo e explicar suas finalidades, tão deturpadas por aqueles que o "demonizam".

    A parte I, denominada "Burgueses e Proletários", faz um resumo da história da humanidade até os dias de então, quando duas classes sociais antagônicas (as que titulam o capítulo) dominam o cenário.

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    A grande contribuição deste capítulo talvez seja a descrição das enormes transformações que a burguesia industrial provocava no mundo, representando "na história um papel essencialmente revolucionário".

    Com a argúcia de quem manejava com destreza instrumentos de análise socioeconômica muito originais na época, Marx e Engels relatam (com sincera admiração !) o fenômeno da globalização que a burguesia implementava, mundializando o comércio, a navegação, os meios de comunicação.

    O Manifesto fala de ontem mas parece dizer de hoje. O desenvolvimento capitalista libera forças produtivas nunca vistas, "mais colossais e variadas que todas as gerações passadas em seu conjunto". O poderio do capital que submete o trabalho é anunciado e nos faz pensar no agora do revigoramento neoliberal: nos últimos 40 anos deste século XX, foram produzidos mais objetos do que em toda a produção econômica anterior, desde os primórdios da humanidade.

    A revolução tecnológica e científica a que assistimos, cujos ícones são os computadores e satélites e cujo poder hegemônico é a burguesia, não passa de continuação daquela descrita no Manifesto , que "criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, que os aquedutos romanos e as catedrais góticas; conduziu expedições maiores que as antigas migrações de povos e cruzadas". Um elogio ao dinamismo da burguesia ?

    Impiedoso com os setores médios da sociedade – já minoritários nas formações sociais mais conhecidas da Europa - , o Manifesto chega a ser cruel com os desempregados, os mendigos, os marginalizados, "essa escória das camadas mais baixas da sociedade", que pode ser arrastada por uma revolução proletária mas, por suas condições de vida, está predisposta a "vender-se à reação". Dá a entender que só os operários fabris serão capazes de fazer a revolução.

    A relativização do papel dos comunistas junto ao proletariado é o aspecto mais interessante da parte II, intitulada "Proletários e Comunistas".

    Depois de quase um século de dogmatismos, partidos únicos e "de vanguarda" portadores de verdade inteira, é saudável ler que "os comunistas não formam um partido à parte, oposto a outros partidos operários, e não têm interesses que os separem do proletariado em geral".

    Embora, sem qualquer humildade, o Manifesto atribua aos comunistas mais decisão, avanço, lucidez e liderança do que às outras frações que buscam representar o proletariado, seus objetivos são tidos como comuns: a organização dos proletários para a conquista do poder político e a destruição de supremacia burguesa.

    O "fantasma" do comunismo assombrava a Europa e o livro procura contestar, nessa parte, todos os estigmas que as classes poderosas e influentes jogavam sobre ele. Vejamos alguns desses estigmas, bastante atuais, e a resposta do Manifesto:

    Os comunistas querem acabar com toda a propriedade, inclusive a pessoal !

    Você já deve ter ouvido isso... Em 1989, no Brasil, quando Lula quase chegou lá, seus adversários espalharam o boato de que as famílias de classe média teriam que dividir suas casas com os sem-teto... A bobagem é velha, de 150 anos. Marx e Engels responderam que queriam abolir a propriedade burguesa, capitalista. Para os socialistas, a apropriação pessoal dos frutos do trabalho e aqueles bens indispensáveis à vida humana eram intocáveis. Ao que se sabe, roupas, calçados, moradia não são geradores de lucros para quem os possui... O Manifesto a esse respeito, foi

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definitivo, apesar de a propaganda anticomunista e burra não ter lhe dado ouvidos: "O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, tira apenas o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriação."

 

    Os comunistas querem acabar com a família e com a educação !

    Sempre há alguém pronto para falar do comunista "comedor de criancinha". Ao ouvir isso, não deixe de indagar se uma família pode viver com o salário mínimo, o pai e mãe desempregados e uma moradia sem fornecimento de água e sem luz. E se uma criança pode ser educada para a vida numa escola pública abandonada pelo governo, que finge que paga aos professores e funcionários. Na sociedade capitalista a educação é, ela própria, um comércio, uma atividade lucrativa...

    Os comunistas querem socializar as mulheres !

    Essa fazia parte do catecismo de "satanização" das idéias socialistas. "Para o burguês, sua mulher nada mais é que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão postos em comum, ele conclui naturalmente que haverá comunidade de mulheres. O burguês não desconfia que se trata precisamente de dar à mulher outro papel que o de simples instrumento de produção." É bom lembrar que alguns socialistas, até hoje, não conseguiram aceitar essa nova compreensão da mulher. O machismo nega o marxismo...

    A parte III, denominada "Literatura Socialista e Comunista" faz fortes críticas às diferentes correntes socialistas da época.

    O Manifesto corta com a afiada faca da ironia três tipos de socialismo da época: o "socialismo reacionário" (subdividido em socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês e socialismo alemão, o "socialismo conservador e burguês" e o "socialismo e comunismo crítico-utópico".

    Nesse capítulo a obra mostra seu caráter temporal, quase local. Revela sua profunda imersão na efervescência das idéias e combates daquela época, quando a aristocracia, para salvar os dedos já sem seus ricos anéis, condena a burguesia e, numa súbita generosidade, tece loas a um vago socialismo.

    A conclusão, "Posição dos Comunistas Diante dos Diferentes Partidos de Oposição" é um relato das táticas adotadas naquele momento pelos comunistas, na França, na Suíça, na Polônia e na Alemanha. Estados Unidos e Rússia, que viviam momentos de alta tensão social e política, não são mencionados, como reconheceu Engels em maio de 1890, ao destacar com sinceridade "o quanto era estreito o terreno de ação do movimento proletário no momento da primeira publicação do Manifesto em fevereiro de 1848".

    O Manifesto Comunista como não poderia deixar de ser, termina triunfalista e animando. Não quer espiritualizar e sim emocionar para a luta. Curiosamente, retoma a idéia do "fantasma", ao desejar que "as classes dominantes tremam diante da idéia de uma revolução comunista". Os proletários, que têm um mundo a ganhar com a revolução, também são, afinal, conclamados, na célebre frase, que tantos sonhos, projetos de vida e revoluções sociais já inspirou: "PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS !"

Texto disponível em http://www.culturabrasil.org/marx.htm Acessado em 03/09/2007.

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Questões Karl Marx

1. Explique o que é classe social para Marx (Karl).

2. Explique o processo de alienação.

3. Correlacione a infra-estrutura com a superestrutura para explicar ideologia.

4. Trabalhe o conceito de mais valia, mais absoluta e mais valia relativa e de exemplos.

5. Qual é o papel da ciência e do cientista segundo Marx (Karl).

6. Explique: modo de produção correlacionando os conceitos de meios de produção e relações de produção.

7. Explique o que Marx quis dizer com a frase: Trabalhador do mundo inteiro uniu-vos. (Karl Marx, O Capital).

Exercício: Faça uma análise marxista sobre as informações trazidas na poesia de Vinícius de Moraes.

O operário em construçãoVinicius de Moraes

1 2 3Era ele que erguia casasOnde antes só havia chão.Como um pássaro sem asasEle subia com as casasQue lhe brotavam da mão.Mas tudo desconheciaDe sua grande missão:Não sabia, por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão.

De fato, como podiaUm operário em construçãoCompreender por que um tijoloValia mais do que um pão?Tijolos ele empilhavaCom pá, cimento e esquadriaQuanto ao pão, ele o comia...Mas fosse comer tijolo!E assim o operário iaCom suor e com cimentoErguendo uma casa aquiAdiante um apartamentoAlém uma igreja, à frenteUm quartel e uma prisão:Prisão de que sofreriaNão fosse, eventualmenteUm operário em construção.

Mas ele desconheciaEsse fato extraordinário:Que o operário faz a coisaE a coisa faz o operário.De forma que, certo diaÀ mesa, ao cortar o pãoO operário foi tomadoDe uma súbita emoçãoAo constatar assombradoQue tudo naquela mesa— Garrafa, prato, facão —Era ele quem os faziaEle, um humilde operário,Um operário em construção.Olhou em torno: gamelaBanco, enxerga, caldeirãoVidro, parede, janelaCasa, cidade, nação!Tudo, tudo o que existiaEra ele quem o faziaEle, um humilde operárioUm operário que sabiaExercer a profissão.

Ah, homens de pensamentoNão sabereis nunca o quantoAquele humilde operárioSoube naquele momento!Naquela casa vaziaQue ele mesmo levantara

Um mundo novo nasciaDe que sequer suspeitava.

O operário emocionadoOlhou sua própria mãoSua rude mão de operárioDe operário em construção E olhando bem para elaTeve um segundo a impressãoDe que não havia no mundoCoisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensãoDesse instante solitárioQue, tal sua construçãoCresceu também o operárioCresceu em alto e profundoEm largo e no coraçãoE como tudo que cresceEle não cresceu em vão.Pois além do que sabia— Exercer a profissão —O operário adquiriuUma nova dimensão:A dimensão da poesia.

E um fato novo se viuQue a todos admirava:

O que o operário diziaOutro operário escutava.E foi assim que o operárioDo edifício em construçãoQue sempre dizia simComeçou a dizer não.E aprendeu a notar coisas

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A que não dava atenção:Notou que sua marmitaEra o prato do patrãoQue sua cerveja pretaEra o uísque do patrãoQue seu macacão de zuarteEra o terno do patrãoQue o casebre onde moravaEra a mansão do patrãoQue seus dois pés andarilhosEram as rodas do patrãoQue a dureza do seu diaEra a noite do patrãoQue sua imensa fadigaEra amiga do patrão.

E o operário disse: Não!E o operário fez-se forteNa sua resolução.

Como era de se esperarAs bocas da delaçãoComeçaram a dizer coisasAos ouvidos do patrão.Mas o patrão não queriaNenhuma preocupação.— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operárioE ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operárioAo sair da construçãoViu-se súbito cercadoDos homens da delaçãoE sofreu, por destinado

Sua primeira agressão.Teve seu rosto cuspidoTeve seu braço quebradoMas quando foi perguntadoO operário disse: Não!

Em vão sofrera o operárioSua primeira agressão

Muitas outras se seguiramMuitas outras seguirão.Porém, por imprescindívelAo edifício em construçãoSeu trabalho prosseguiaE todo o seu sofrimentoMisturava-se ao cimentoDa construção que crescia.

Sentindo que a violênciaNão dobraria o operárioUm dia tentou o patrãoDobrá-lo de modo vário.De sorte que o foi levandoAo alto da construçãoE num momento de tempoMostrou-lhe toda a regiãoE apontando-a ao operárioFez-lhe esta declaração:— Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfaçãoPorque a mim me foi entregueE dou-o a quem bem quiser.Dou-te tempo de lazerDou-te tempo de mulher.Portanto, tudo o que vêsSerá teu se me adoraresE, ainda mais, se abandonaresO que te faz dizer não.Disse, e fitou o operário

Que olhava e que refletiaMas o que via o operárioO patrão nunca veria.O operário via as casasE dentro das estruturasVia coisas, objetos

Produtos, manufaturas.Via tudo o que faziaO lucro de seu patrãoE em cada coisa que viaMisteriosamente haviaA marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

— Loucura! — Gritou o patrãoNão vês o que te dou eu?— Mentira! — disse o operárioNão podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-seDentro do seu coraçãoUm silêncio de martíriosUm silêncio de prisãoUm silêncio povoadoDe pedidos de perdãoUm silêncio apavoradoComo o medo em solidãoUm silêncio de torturasE gritos de maldiçãoUm silêncio de fraturasA se arrastarem no chão.E o operário ouviu a vozDe todos os seus irmãosOs seus irmãos que morreramPor outros que viverão.Uma esperança sinceraCresceu no seu coraçãoE dentro da tarde mansaAgigantou-se a razãoDe um homem pobre e esquecidoRazão porém que fizeraEm operário construídoO operário em construção.

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 06PROFESSORA: Marie AlmeidaAPRESENTAÇÃO: A formação da sociedade capitalista no Brasil: a industrialização e formação da sociedade de classes; a formação das classe médias urbanas; o capitalismo dependente.

Desenvolvimento:

O Processo de Industrialização no Brasil.

1. A “vocação agrária” brasileiraMuito foi repetido no Brasil, na década 30, que o Brasil era um país essencialmente

agrícola, essa forma de pensar o Brasil como “vocação agrária” demonstrava os interesses e o domínio das oligarquias rurais que durante muito tempo dominaram o país. No início do século XX os fazendeiros faziam queixas contra o novo setor da classe dominante que crescia econômica e politicamente no país, a burguesia industrial. O novo industrial era imigrante e as “antigas famílias genuinamente brasileiras” faziam críticas a este fato, de serem imigrantes, da atividade ser artificial, já que tinha que importar máquinas e matérias primas (ind. têxteis) ou traziam todas as partes do produto e montavam aqui o produto final (fugindo das tarifas de produtos importados). Os cafeicultores também reclamavam de perder a mão de obra da agricultura para as fabricas (elevando os salários dos rurais).

Apesar de toda essa crítica como foi possível uma sociedade agroexportadora se transformar em uma sociedade urbano-industrial? 2. Industrialização: a formação da sociedade de classes

A industrialização é um processo distinto da criação de indústrias, já que o termo industrialização consiste na criação da ordem social capitalista, com surgimento das classes sociais (burguesia e classe operária). Só o surgimento da manufatura e da indústria em base agrária pode ser algo passageiro e não permitir a industrialização. Pois, a industrialização resulta em transformações de ordem econômica, social, política e cultural irreversível. Uma vez começada não se poder voltar atrás.

Neste processo industrial temos a sociedade de classes, de um lado, a classe capitalista industrial que controla e dirige o processo de produção e, de outro, temos a classe de trabalhadores assalariados, cuja sobrevivência é determinada pelo seu salário. Toda acumulação de riqueza (o capital) resulta da mais-valia da classe assalariada. A mais-valia é a base para a expansão dos negócios e da produção no capitalismo.

Mas como ocorreu a industrialização no Brasil?

3. A cafeicultura e a origem da indústriaA origem do processo de industrialização tem forte relação com o desenvolvimento da

economia cafeeira em São Paulo, principalmente a partir da década de 1880. A expansão do café neste estado criou alguns pré-requisitos fundamentais para a expansão industrial.

Primeiro houve a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre de imigrantes europeus na lavoura de café. Entrou no país um número superior às necessidades rurais. Com esse contingente de trabalhadores livres foi duplamente importante para expansão industrial: já que havia um mercado de trabalho à disposição das fábricas e porque esse grupo de imigrantes era mercado consumidor dos produtos produzidos por elas. Esse mercado interno foi o ponto de partida para a expansão industrial brasileira, chamada pelos economistas de substituição de importações, pois os bens que antes eram importados agora passaram a ser produzido no país.

Os imigrantes sonhavam em enriquecer e alguns trouxeram algum capital ou prosperaram no Brasil ligando-se ao comércio importador, acumulando fortunas com empreendimentos industriais, como: Francisco Matarazzo, Rodolfo Crespi, Giuseppe Martinelli, etc.

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Com a abolição dos escravos, o dinheiro que era usado para comprá-los passou a se aplicado em investimentos, inclusive na indústria.

Além disso, a economia cafeeira desenvolveu a consciência burguesa (empresarial), isto é, a forma como se organizaram o negócio do café permitiu a formação à consciência burguesa, ou seja, o capital acumulado na área rural ficou nas mãos de uma classe de fazendeiros-empresários que logo diversificou suas atividades econômicas. Esses se estabeleceram nas cidades – principalmente em São Paulo, e desenvolveram negócios ligados ao comércio, as finanças e a indústria. Davam um uso capitalista à riqueza acumulada com a produção e comercialização do café. Isto explica o fato dos imigrantes terem se instalado em São Paulo.

4. A subordinação da indústria à economia cafeeiraCom toda essa condição favorável para industrialização, a mesma não aconteceu

espontaneamente. Foi preciso que setores da burguesia industrial conduzissem uma luta política pela industrialização e pelo controle do processo.

A indústria brasileira nascera com limitações. Primeiro porque se originou da agroexportação do café, condicionando seu desenvolvimento, já que, dependia do café para se expandir por dois motivos: porque precisava de capital para se sustentar e para importar o maquinário industrial (isso só poderia ser feito com moeda estrangeira obtida com a exportação do café). Uma das fragilidades da indústria brasileira deve-se ao fato do crescimento da produção de bens de consumos não duráveis (tecidos, alimentos) não ter sido acompanhado pela expansão da indústria de bens de capital (máquinas, motores, usados nas indústrias). Só a partir da década de 30 é que o capital estrangeiro (ou nacional associado ao estrangeiro) e o Estado vão investir neste setor de bens de capital e esse vai começar a desenvolver.

Segundo, os cafeicultores investem secundariamente na indústria. Terceiro, a oligarquia cafeeira (ao lado dos exportadores de café e importadores de produtos manufaturados) controlava o poder político orientado a ação do Estado. Antes de 1930 a burguesia industrial, quando muito, conseguia do Estado apenas medidas isoladas, como a proteção alfandegária para alguns produtos feitos no mercado interno.

Dependentes do setor cafeeiro, a indústria cresceu em ritmo lento nas primeiras décadas do século XX. Apesar de o número de indústrias ter saltado de 3.258 em 1907 (com 150.841 operários) para 13.336 em 1920 (com 275.521 operários), a participação da indústria no total da produção do país não ia mais do que 10%. Sendo os ramos mais importantes à indústria têxtil e a indústria de alimentos.

5. Indústria e dependência externaOutra limitação à industrialização brasileira foi o problema da dependência externa da

economia. O capital estrangeiro (Inglaterra e EUA) estava instalado em dois importantes setores da economia brasileira: no comércio exportador e no comércio importador. O comercio exportador era controlado pela empresas britânicas que compravam os produtos brasileiros e revendiam no mercado externo. Assim, essas empresas tinham muitos negócios no Brasil, em particular na área de transportes (construção estradas de ferro, por exemplo) e de infra-estrutura urbana (produção de energia elétrica).

No comércio importador tínhamos as empresas estrangeiras que vendiam seus produtos no Brasil. Após a primeira guerra mundial, essas empresas passaram a produzir aqui os produtos que comercializavam, para evitar as tarifas alfandegárias. Envolveram-se na indústria. Por exemplo, várias empresas norte-americanas de veículos motores, produtos farmacêuticos e químicos, aparelhamentos elétricos e alimentação estabeleceram no país entre 1919 e 1932.

Além disso, nos países capitalistas avançados, na Europa e nos EUA, no final do século XIX e início do XX, começava-se o chamado capitalismo monopolista. 6. Capitalismo monopolista

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Capitalismo monopolista é utilizado para as mudanças ocorridas no capitalismo internacional do século XX.

Que mudanças?Primeiro intensificou o processo de concentração de capital. Temos empresas

gigantescas (os trustes - surgem no EUA) que controlam desde a extração da matéria prima até a comercialização do produto. Com a fusão de várias empresas, os trustes passam a controlar, com pouquíssima concorrência, setores inteiros (vitais) da produção. Além desta forma de organização, temos outras formas de concentração de capital do século XX, os cartéis (empresas independentes do mesmo ramo dividem o mercado entre si) e os holdings (diversas empresas que parecem independentes são controladas por uma única empresa que detem a maioria das ações de todas elas).

As diferentes modalidades de associação de empresas tem em comum o fato de buscarem reduzir a concorrência. Assim, as grandes empresas monopolistas passam a ter a possibilidade de determinar os preços dos produtos de forma independente de seus custos. Cobram o que querem.

A tendência à monopolização também atinge outros setores da atividade econômica, como os serviços, no comércio varejista, com as lojas de departamento e supermercados, ou na comunicação de massa, controlado por algumas redes de tv.

Outra forma de concentração de capital no capitalismo monopolista foi o sistema de crédito controlado pelo capital bancário. Além de bancar os investimentos, acaba se intrometendo diretamente na gestão de grandes empresas industriais. Surgindo, o capital financeiro, produto da associação entre grande capital industrial e o grande capital bancário. Também temos novo método de intensificar o ritmo do trabalho: o taylorismo.

O que vem a ser o taylorismo?O criador desse método de trabalho foi o americano Frederick Winslow Taylor (1856-

1915), essa forma “administrativa científica” do trabalho, tirava do trabalhador todo o conhecimento e todo o controle sobre seu trabalho e centralizava o conhecimento e controle nas mãos da direção da empresa ou de seus chefes.

A divisão do trabalho no interior da fábrica levada em últimas conseqüências reduzia cada função a determinados gestos simples e realizado com maior rapidez. A atividade de cada trabalhador foi decomposta em gestos precisos que deveriam ser realizado em determinado tempo. Controlava-se o tempo da execução da tarefa, o taylorismo introduziu o cronômetro na fábrica. A conseqüência desse método capitalista monopolista foi a radical separação entre as atividades de planejamento e direção, de um lado, e a execução das tarefas, de outro. O planejamento, o trabalho intelectual passava para administração da empresa (minoria de técnico e pessoal administrativo de escolaridade de nível médio ou superior). A maioria dos trabalhadores tinha como exigência efetuar determinados gestos em um determinado tempo (a formação se reduzia ao mínimo, em geral um treinamento de poucas semanas já era o suficiente). Essa foi uma forma encontrada pela burguesia de ampliar seu domínio sobre a classe trabalhadora, apropriando-se do seu saber e do seu tempo. Alienação total.

O taylorismo além de organizar o trabalho nas fábricas a sua idéia de rendimento máximo em menor tempo possível e a separação entre mando e execução instalaram-se em diferentes setores da vida social, por exemplo, nos escritórios e no ensino.

Essa racionalização da vida social no capitalismo monopolista foi estudo do pensador Max Weber (1864-1920). Denominou de racionalização ao processo de expansão de formas metódicas, racionais, de conduta no capitalismo contemporâneo. O taylorismo exprime essa racionalização da conduta a que se referia Weber.

Essa organização da conduta humana esta coloca na eficiência dos meios para atingir os fins almejados. O fim da vida social (felicidade, convivência social equilibrada etc.) é deixado em segundo plano, importando administrar os meios para atingir a forma mais eficiente, para buscar aumentar a produção e acumular capital.

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Desta forma não consenso na convivência social, mas conflito, já que os interesses diversos grupos, classes se manifestam.

Outra característica do capitalismo monopolista é a importância e poder dado ao quadro administrativo constituído por especialistas encarregados de gerenciar os meios. A burocracia adquire peso cada vez maior na administração de empresas, como em órgãos públicos. A marca de quadro de funcionários é sua facilidade em adotar meios para serem mais eficientes, mais modernos e inovadores de administração. A burocracia, no entanto demonstra incapaz de aceitar inovações quanto às finalidades da conduta humana e da convivência social. Em resumo a burocracia tem a facilidade em ter inovações técnicas e seu conservadorismo em inovações sociais.

Weber vê de maneira negativa o processo de racionalização, como uma prisão.

7. Capitalismo e a industrialização brasileiraA industrialização no Brasil teve um ritmo mais intenso, já que se manifestava a

tendência do domínio das grandes empresas monopolistas.A expansão industrial brasileira não seguiu as etapas da inglesa. Na Inglaterra passou-se

do artesanato para a manufatura e desta para a grande indústria. No Brasil, no século XX e sob domínio do capitalismo monopolista, a indústria teve a coexistência da manufatura com a grande indústria. A grande indústria não se originou do artesanato e da produção manufatureira. Essa grande indústria originou-se do capital cafeeiro e do capital financeiro internacional.

O processo de industrialização no Brasil revelou logo uma precoce tendência à monopolização, em especial em determinados ramos da indústria: na fabricação de insumos industriais (aço, alumínio, cimento, vidro, papel, plástico); na produção de bens duráveis de consumo (automóvel, eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos) e bens de capital (máquinas, motores, caminhões, navios etc.). Esses ramos tiveram rápida expansão, sob o domínio do capital monopolista (as empresas multinacionais, de empresas estatais ou de grandes empresas nacionais), principalmente a partir da década de 1940.

Esse processo de industrialização teve importante repercussão no desenvolvimento político e social da sociedade brasileira.(Texto extraído e adaptado de Álvaro de Vita, Sociologia da Sociedade Brasileira, p. 132-145).

VITA, Álvaro. Sociologia da Sociedade Brasileira. São Paulo: Ática, 1989.

FERREIRA, Delson. Manual de Sociologia. São Paulo: Atlas, 2001.

A sociedade brasileira se constituiu a partir do processo de expansão do capitalismo europeu a partir do século XV. No início todas as relações comerciais eram voltadas para a metrópole e aqui se mantinha relações sociais baseadas na escravidão.Somente no século XIX, com a abolição da escravidão e a chegada de um grande contingente de imigrantes é que se introduziu o trabalho livre. No ciclo do café, outras atividades econômicas se desenvolveram como: transporte ferroviário, o sistema bancário, pequenas indústrias de alimentos e têxteis, que dinamizaram a vida nas áreas urbanas.Vários estudos indicam que o processo de industrialização do Brasil esteve ligado ao desenvolvimento da economia cafeeira no Estado de São Paulo.Uma das razões da industrialização foi a introdução do trabalho livre com o grande surto migratório que o pais viveu no século XIX, que gerou um mercado consumidor de produtos industriais.

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Segundo (VITA: 1989 p. 137) a forma como se organizou os negócios do café permitiu a formação de uma 'consciência burguesa' entre os fazendeiros. Pois o capital acumulado no café era utilizado na diversificação das atividades econômicas. Desde modo, o capital acumulado com a venda do café era investido em outra atividade que possibilitasse a obtenção de lucro.Já no inicio dos anos 20, grandes empresas norte-americanas instalaram filiais no Brasil. Ford, Firestone, Armour, IBM etc. (NOVAES: 1984 p.1 17). Com a crise mundial do inicio dos anos 30, a economia brasileira deixa de ser voltada para a exportação e se apóia na interiorização e na industrialização. Porém a partir dos anos 50, a chegada de um grande número de empresas estrangeiras, a economia industrial brasileira se volta novamente para o mercado externo.O grau de dependência que a economia brasileira tem com relação às potências estrangeiras pode ser compreendido a partir da compreensão do modelo de desenvolvimento industrial que o país teve, onde se privilegiou a indústria de bens de consumo em detrimento na indústria de bens de capital.Outro aspecto que merece ser mencionado à respeito da dependência estrangeira, diz respeito à ausência de produção de tecnologia no pais, que adotou por um modelo de desenvolvimento industrial marcado tanto pela dependência tecnológica como pela de capital estrangeiro. [1]

[1] Não é possível pensar no processo de industrialização brasileiro, sem levar em conta o processo de expansão das empresas européias e norte-americanas no pós-guerra.

Texto ComplementarA taylorização da vida no capitalismo monopolista

Para nossa sociedade que transformou o tempo em mercadoria, até o próprio lazer tornou-se um problema. Mais ainda, tornou-se uma dificuldade, e portanto, deve ser programado com antecedência para o bom proveito e para o sossego de todos. A própria concepção do lazer como um “tempo livre” que se opõe ao tempo de trabalho, revela até que ponto aprofundou-se a oposição entre vida e trabalho. E, no entanto, este próprio momento do não-trabalho foi absorvido pela embriaguez do consumo. Aproveitar o tempo livre passou a significar na sociedade do trabalho a necessidade de satisfazer ansiedades criadas pelo desejo nunca satisfeito de consumo voraz.

Susan Sontag, fotógrafa norte-americana, retrata em seus Ensaios sobre fotografia uma cena curiosa: turistas japoneses, americanos e alemães especialmente intimidam-se diante da paisagem nova e desconhecida com que se defrontam. Não sabendo como agir, recorrem aos sofisticados aparelhos fotográficos que carregam no pescoço: a produção de fotografias atende a este sentimento de medo e de insegurança diante do novo; a máquina fotográfica permite dominar este espaço estranho e desconcertante.

Mais profundo ainda do que o problema da timidez ante o novo, eles precisam satisfazer a necessidade moral de acreditarem-se produzindo, fazendo, ativando, trabalhando. O manejo da máquina permite a esses turistas sentirem-se ocupados, da mesma forma como se sentiriam fora do período de férias. O medo do ócio, da inatividade, para não falar da “quietude” que os antigos gregos valorizavam no mais alto grau, marca esta sociedade que caminha a passos cada vez mais largos e velozes, decompondo minuciosamente o tempo e fazendo com que cada atividade se torne cada vez mais rentável: em suma, taylorizando a produção e todas as atividades da vida social.(...)

Método de racionalizar a produção, logo, de possibilitar o aumento da produtividade do trabalho “economizando tempo”, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos

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supérfluos no interior do processo produtivo, o sistema de Taylor aperfeiçoou a divisão social do trabalho introduzida pelo sistema de fábrica, assegurando definitivamente o controle do tempo do trabalhador pela classe dominante.

No entanto, se o taylorismo se apresentou como um método de organização “científica” do trabalho e assim ficou conhecido, acreditamos que seu alcance foi muito mais amplo, a despeito das lutas de resistência travadas pelas classes trabalhadoras em todos os países onde foi introduzido. Com isto queremos afirmar que este método de intensificação da produção em um menor espaço de tempo acabou por penetrar e determinar até mesmo atividades que se realizam fora dos muros das fábricas. Talvez aí esteja seu principal êxito. Afinal, em múltiplos campos da sociedade, no esporte ou no trabalho doméstico, procura-se obter o máximo de rendimento do tempo, não raro obedecendo-se às regras e instruções ditadas por bulas e guias “científicos” de racionalização do agir, do sentir, do pensar. As bancas de jornais, tanto quanto os programas de televisão, estão hoje repletos destes manuais e receitas que pretendem ensinar como aproveitar bem o tempo, como fazer o seu dia render, como fazer muito mais exercícios num mesmo espaço de tempo etc.etc.

A importância do taylorismo, a nosso ver, advém fundamentalmente do fato de concretizar de forma exemplar a noção do “tempo útil” que a sociedade do trabalho introjetou no coração de cada um de nós: há muito tempo guardamos um relógio moral que nos pressiona contra o ócio. E muito embora o registro do tempo já não pertença hoje às classes abastadas, quem entre nós ainda ouve o canto do galo?

RAGO, Luiz Margareth e MOREIRA, Eduardo F.P. O que é Taylorismo. São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 7-12

Questões sobre a industrialização.1. Explique o que é industrialização.2. Explique a correlação entre a economia cafeeira e a origem da indústria no Brasil.3. Cite as limitações que cercavam o processo de industrialização no Brasil.4. Explique as modalidades de associações entre empresas que surgem na época de

capitalismo monopolista.5. Por que o taylorismo deve ser entendido como uma forma de a burguesia aumentar seu

domínio sobre os trabalhadores (e não simplesmente como uma técnica neutra de organização do trabalho)?

Referencia Bibliográfica:VITA, Álvaro. Sociologia da Sociedade Brasileira. São Paulo: Ática, 1989, p. 132 a 149.FERREIRA, Delson. Manual de Sociologia. São Paulo:Atlas, 2001 , p. 96 a 112.

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 07/08PROFESSORA: Marie Almeida

APRESENTAÇÃO: Vamos agora compreender o vem a ser o fenômeno da globalização.

DESENVOLVIMENTO: Seminários

1) O que é globalização?A globalização é um fato presente nos planos econômico, político e cultural,

através do intercâmbio de mercadorias, capitais, informações e idéias entre vários países, reduzindo as fronteiras geográficas.

As empresas os indivíduos, os movimentos sociais e os governos nacionais e locais estão conectados a uma extensa rede de informações, resultando em impactos econômicos, culturais e políticos para todas as sociedades.

No plano econômico, os produtos são consumidos em um e produzido em outros países. Ex.: Nokia (finlandesa) produz celulares em várias partes do mundo; Intel (norte americana) produz chips de computador possui uma de suas principais empresas na Costa Rica; a Nike produz boa parte dos seus tênis e material esportivo na Indonésia; a Telefônica (espanhola) adquiriu os serviços de telefonia de vários países da América do Sul, gera 20% do seu lucro nesta região. Essa mundialização da produção pode ser notada também pelo fato de recursos humanos da Unilever (grupo anglo-holandês) da área de alimentação, higiene e limpeza, ter sob seu controle gerentes em 90 países do mundo.

Ao final do século XX e início do XXI, notamos crescentes fusões e aquisições, englobando empresas de várias partes do mundo, conquistando mercado internacional mais amplo. No automotivo, a Nissan une-se à Peaugeaut, no entretenimento, a Sony adquire a Columbia Pictures, no farmacêutico, a Hoechst (alemã) se funde com a francesa Rhône-Poulenc, etc. Essas empresas gigantes possuem uma riqueza maior que a de muitos países.

Na área do esporte, do cinema e da música – por meio de negócios milionários temos a venda de jogadores de futebol, lançamentos de novos filmes e sucessos musicais em vários países, ultrapassando as fronteiras nacionais. Ex.: show da Madonna é acompanhado por milhões de telespectadores. A escritora J.K.Rowling (escocesa) é o maior sucesso global com seu personagem Harry Poter. A modelo Gisele Bündchen vende seu trabalho para rede de lojas C&A (americana), tornando-se estrela global publicitária.

Os produtos culturais se globalizam, tornando acessível às elites de todos os países, como os livros do economista indiano e ex-funcionário do Banco Mundial, Amartya Sem, do historiador inglês Eric Hobsbawm e do escritor mexicano Carlos Fuentes se transformando em patrimônio universal logo após o seu lançamento.

Os valores políticos passam a ser difundidos globalmente, a democracia vem se tornando um valor cada vez mais difundido. Ex.: o movimento político internacional se organizasse em torno da necessidade de se julgar o ditador Augusto Pinochet pelos crimes cometidos durantes a ditadura militar chilena.

Também temos as discussões sobre os direitos humanos e sociais. Ex.: os consumidores se recusam a comprar tapetes produzidos com trabalho infantil; ecologistas defendem animais e florestas independentes do território que se encontrem; entidades combatem a pornografia infantil, difundida por sites na internet.

Podemos perceber que a globalização não é apenas um processo de expansão de mercados e de aceleração dos fluxos econômicos entre as fronteiras nacionais, além

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disso, temos uma consciência de que valores morais e sociais fundamentais devem ser entendidos para todos os povos.

Definição: a globalização caracteriza-se, portanto pela expansão dos fluxos de informações – que atingem todos os países, afetando empresas, indivíduos e movimentos sociais -, pela aceleração das transações econômicas – envolvendo mercadorias, capitais e aplicações financeiras que ultrapassam as fronteiras nacionais – e pela crescente difusão de valores políticos e morais em escala universal.

Verificamos que as fronteiras geográficas e temporais encolhem-se, que a dinâmica das economias e sociedades são cada vez mais influenciadas pela produção das multinacionais, pela entrada de capitais na Bolsa, pelo uso de novas tecnologias e bens de consumo importados, pela presença crescente dos temas de política internacional na agenda nacional dos respectivos governos e pela adesão externa aos projetos dos movimentos sociais nacionais.

Desta forma, o sonho de desenvolver uma nação a partir de suas próprias forças, se isolando da realidade internacional, é um fenômeno do passado. Mas, devemos ter claro que a globalização não afeta todos os países da mesma forma, nem se realiza com a mesma velocidade nas várias esferas da vida coletiva. É mais rápida, a área econômica, integrando empresas e conectando mercados. Os países agora estão divididos entre países tecnologicamente avançados (como Suécia, a Alemanha e o Japão), países subdesenvolvidos com potencial industrial (como Brasil, México e Polônia) e países desprovidos de uma estrutura econômica básica (como Haiti, Somália e Camboja) são mantidos e até ampliadas. Globalização não é uniformidade ou homogeneização das condições econômicas. Na área política, é influenciada pela redução da fronteira e a velocidade dos fluxos econômicos e de informações. A mudança de governo em um país pode afetar diretamente os interesses de empresas, aplicadores financeiros e trabalhadores de outros países. Candidatos às eleições, de esquerda e de direita, obtêm apoio de seus pares em outros países, no intuito de somar forças e implementar políticas comuns, ampliando ou atenuando o poder de alcance da globalização. Mas, na política a globalização avança a passos lentos. Não existe um governo global, os conflitos políticos se mantêm nos espaços nacionais.

Quanto à esfera social, as transformações sociais, são decorrentes da expansão descontrolada da dimensão econômica (o desemprego, a informalidade, redução da importância dos movimentos sindicais, a privatização do Estado) podem ser encontrado em vários países. Os problemas estão se globalizando.

Na esfera cultural, já falam de uma indústria cultural global, envolvendo a mídia televisiva, jornalística, a produção cinematográfica e as mega-gravadoras de música; também se fala em uma alta cultura global, já que os trabalhos intelectuais, artísticos e técnicos transcendem o espaço em que são produzidos, adquirindo um status crescente e universal.

A globalização acontece, mas não elimina a diversidade de sistema políticos e culturais existentes na humanidade. Globalização é diferente de homogeneidade.

Para entender nos somos divididos entre globalizadores e globalizados. Os países que assimilam novas tecnologias possuem multinacionais mais avançadas, se diferenciando das demais e tendo autonomia para realizar suas políticas, esses são chamados de globalizadores (G8). Os globalizados são os mais vulneráveis, mais expostos aos impactos negativos da globalização, já que importam mais que exportam, ou exportam produtos menos elaborados e são obrigados a adquirir no exterior as tecnologias mais caras; esses países procuram estimular a instalação de empresas

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multinacionais em seu território; além de tornarem reféns dos movimentos bruscos de capitais de curto prazo, sofrendo com as especulações contra a suas moedas.

Não podemos dizer que a globalização é boa ou má, já que é um resultado de vários fatores econômicos, políticos e sociais que afetam o mundo como um todo, mas não igual, pois temos países com maior capacidade de intervenção no cenário internacional do que outros.

Os países mais pobres e periféricos tem algumas vantagens no mercado internacional, expandindo seus produtos, idéias e valores culturais, que são assimilados pelos países desenvolvidos. Como no caso da música e do tempero latinos com grande penetração em Los Angeles, onde, aliás, o espanhol é falado por todos os lados, ou das novelas brasileiras, muito apreciadas na Europa, e da música cubana que se internacionaliza. Ou a experiência do Banco do Povo, que realiza empréstimos aos mais pobres, idealizados pelo economista Muhamad Yunus para Bangladesh, esse modelo de política pública se expandiu para mais de setenta países, dentre os quais o nada “faminto” Canadá, Estados Unidos e Noruega.

Temos que ter claro que a globalização não é um fenômeno inevitável é possível que em vez de progredir, essa tendência sofra uma regressão, se vários países decidirem se isolar dentro de suas fronteiras geográficas, no momento em que sentem suas economias, sociedades e culturas ameaçadas. Sabemos que um mundo completamente globalizado é improvável, pois cada país tem sua história, identidade política, cultural e social. Além disso, a globalização hoje não conseguiu integrar a população mundial. Pois temos número significativo de pessoas que não dispõe de acesso a informações e a bens de consumo nem facilidade de se transferir de um país a outro. A grande maioria de população mundial está restrita a sua experiência local, distantes da tecnologia, do conforto e do acesso a bens e serviços básicos.

Desse modo, encontramos em todos os países uma parte da sociedade integrada ao mundo global e outra parte desprovida dos serviços básicos de educação, saúde, habitação, segurança, telefonia e saneamento básico. Seria, por exemplo, o caso da “exclusão digital”, a extrema discrepância social no acesso a informações.

De um lado temos as elites da globalização, os engenheiros, economistas, administradores, publicitários, advogados e analistas de sistemas conectados por meio dos computadores, prestando serviços altamente especializados e trabalhando para as indústrias modernas, encontradas especialmente nos países desenvolvidos e também nos subdesenvolvidos.

De outro lado, temos os excluídos da globalização, os desempregados, os trabalhadores precários, domésticos, que fazem bico ou atuam em empregos de ocasião, com baixos níveis de renda, desconectados, das novas tecnologias e sem a instrução exigida para ascender socialmente e ter acesso aos novos padrões de consumo.

2)Antecedentes históricos da globalização Segundo o autor a globalização é um processo revolucionário, isto é, uma ruptura com o passado, mas que vem se desenvolvendo de forma lenta e progressiva. Quanto ao conceito de globalização é uma novidade, surgiu na década de 1980 nas escolas de administração dos Estados Unidos, e sua formulação estava relacionada às estratégias das empresas em expandir suas atividades, ultrapassando as fronteiras nacionais. Na década de 90 a palavra se caracteriza com a realidade atual que se globaliza, sendo utilizada em todas as áreas e lugares.

A palavra pode ser nova, mas a idéia de um mundo interligado, de existir uma história mundial que conecta as nações e indivíduos, é muito antiga.

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A história de um sistema econômico mundial começa a partir da última década do século XV com o descobrimento da América e com a chegada dos portugueses que trouxeram para Europa produtos orientais como o açúcar, o chá, a pimenta, a sombrinha, a porcelana, bem como os leques chineses e os tapetes árabes. Uniram o Velho Mundo (Europa e Oriente) ao Novo Mundo (as Américas).

São os portugueses que vão criar as tecnologias da época necessária para a navegação bússola, o astrolábio e as caravelas, através da Escola de Sagres, na qual juntou cientistas (físicos, astrônomos, geógrafos, médicos, arquitetos navais e artesãos) para propor soluções à navegação marítima, permitindo a circulação e o encontro de mercadorias, pessoas e informações. As caravelas forma no passado, cumpriram com o papel, das empresas de meios de transporte e comunicação de hoje.

Seguindo este raciocínio podemos dizer que o Brasil se globalizou com o açúcar. A mão-de-obra da Colônia era importada da África, os negociantes do produto eram portugueses, financiados por holandeses e com consumidores as elites européias. Isto é, os escravos vinham de Angola, a força para fazer funcionar os engenhos de açúcar, o comércio pagava imposto à Coroa portuguesa que rendia lucros aos comerciantes portugueses e aos seus financiadores holandeses. O Nordeste estava ligado mais à economia mundial do que a Colônia. Havia uma cadeia comercial em movimento.

Durante o século XVI, o circuito comercial se alarga. Os comerciantes fazem parte de uma classe que adquire renda em qualquer lugar do mundo. Não esquecendo que os comerciantes dependiam de seus governos para ter o direito de monopólio sobre linhas de comércio ou de acordos com outros governantes para ter a permissão de entrar em seus mercados. Mesmo assim, os comerciantes (mercadores e banqueiros) sempre se situavam em centros onde se acumulava a riqueza.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, os holandeses conseguiram negociar com as demais potências européias um conjunto de regras para assegurar a liberdade de comércio. Exigindo o fim das barreiras comerciais entre os países europeus e a proibição de perseguição civil comerciantes, preservando os interesses capitalistas.

O desenvolvimento econômico nessa época dependia da expansão geográfica do comércio, que permitias aos grandes mercadores colocar em contato regiões isoladas, ter acesso direto às fontes de produtos e matérias-primas para comprá-los baratos, e controlar os mercados de destino para cobrar preços maiores. Os lucros dos comerciantes ampliaram-se enquanto estes conseguissem abrir mercados

O capitalismo comercial só desaceleraria quando a demanda (capacidade de consumir) se esgotasse. Mas a renda das pessoas não se ampliava e os preços das mercadorias não baixavam, ocasionando o fechamento das rotas comerciais.

Uma nova etapa da internacionalização da economia vai surgir como o aumento da produtividade (com custos menores), barateando o produto e permitindo o aumento do poder de consumo para que houvesse a expansão de mercados. Isto aconteceu com a Revolução Industrial.

Revolução Industrial: avançoEntre fim do século XVIII e início do século XX, temos uma nova onda de

internacionalização da economia, ocasionada pelas novas tecnologias utilizadas nas indústrias e pela expansão do comércio.

A Primeira Revolução Industrial trouxe a substituição da produção comandada manualmente pela produção com maquinaria (teares mecânicos – ind. têxtil), utilizando a máquina vapor na produção de ferro e nos transportes. Possibilitando o aumento de produtividade. Segundo os economistas o aumento da produtividade é o fato dos trabalhadores realizarem tarefas especificas, sendo o ritmo do processo de produção ser

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determinado pelas máquinas. Ex.: uma pequena fábrica com dez trabalhadores poderia agora produzir 48 mil alfinetes por dia ao passo que trabalhando isolados e sem o auxílio das máquinas provavelmente não conseguiriam produzir mais do que vinte por dia.

Com os custos de produção reduzidos, a Inglaterra conseguiu compradores para os seus produtos têxteis em todo o mundo. Isso também se deveu à conquista de colônias (Índia, Brasil, Argentina) que mesmo as duas últimas estando independentes a partir da terceira década do século XIX, continuaram reféns dos interesses econômicos.

A Revolução industrial trouxe novos mercados. O comércio internacional ficou nas mãos de quem produzia mais produtos e ao menor preço, e não mais de quem unia regiões isoladas vendendo mais caro do que comprara o papel de destaque que antes era dos mercadores passou para os grandes industriais e banqueiros.

A Inglaterra liderou o processo histórico, mas a produção industrial mecanizada se espalhou para outros países da Europa, chegando aos Estados Unidos, Rússia e Japão até o final do século XIX. Mas, ela só permitiu que outros países se especializassem na produção de mercadorias que atendessem prioritariamente o mercado inglês e os demais países capitalistas avançados da época. Mas isso trouxe benefícios às colônias e países independentes recente, graças aos avanços nos transportes e nas comunicações tornando seus produtos mais baratos. Com os navios a energia a vapor, estradas de ferro e também da metalurgia do ferro, e com os telégrafos e os cabos submarinos que se espalharam pelo mundo a fora permitindo a transmissão quase imediata de informações e notícias. As indústrias surgiram para abrir mercados e acabar com as fronteiras. Ex.: de 1850 a 1880 o número de vias férreas passa de 38 mil para 367 mil no mundo inteiro; o telégrafo instalado em 1860 na Europa e EUA são expandidos para colônias e nações independentes da América Latina; a partir de 1865, os cabos submarinos internacionais passaram a ser instalados nos oceanos, permitindo o envio de mensagens de Londres a Calcutá, na Índia, em 5 minutos.

No entender do pensador Karl Marx, a integração dos mercados era uma criação dos capitalistas para aumentar a sua riqueza. A expansão do sistema de sociedade anônima permitia, pela emissão de ações, financiar vultosos projetos com recursos das classes médias e dos banqueiros. Para a burguesia o que contava era o mercado mundial.

O Brasil era parte desse mercado mundial por meio da exportação de café e da importação de mercadorias de luxo (pianos ingleses e franceses, por exemplo) e de bens industriais, mas também da implantação das ferrovias e telégrafos em seu território.

Nesta época também já se percebia que a internacionalização dos mercados envolve agentes dinâmicos e receptores (reflexa). Os países que utilizavam das novas tecnologias e formas de produção foram se distanciando do que eram tão somentes consumidores da modernização por meio da aquisição de produtos industriais importados para as suas elites. Enquanto os agentes dinâmicos (produtores) estavam na urbanização associada à expansão de trabalhadores assalariados e à redução do analfabetismo, transformando completamente a estrutura da sociedade, na região de receptores, a integração ao sistema capitalista se dá de forma superficial, com massas de trabalhadores subnutridos, analfabetos e ex-escravos nos campos e cidades.

A criação de um mercado mundial não se restringiu ao avanço do comércio e à aplicação de capitais (investimentos financeiros), mas também a imigração de mão-de-obra mudando as constituições étnicas das nações. Principalmente que nesta época não havia exigência de passaporte. Cerca de 60 milhões de europeus deixaram seu continente para vir para o EUA, Austrália, Argentina e Brasil.

A Segunda Revolução Industrial acontece no final do século XIX com novas tecnologias que permitiram a produção do aço e de novas matérias químicas, o

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desenvolvimento da eletricidade, do motor à combustão interna (invenção do automóvel) e dos telefones. Novos produtos e tecnologias iriam percorrer o planeta, padronizando estilos de consumo e de vida.

Na virada para o século XX temos as primeiras grandes marcas globais, coca-cola (americana) Singer (alemã – responsável por três quartos do mercado mundial de máquinas de costura).

3) As guerras mundiais.Esse espaço comercial internacional, fluxo de mão-de-obra, e transmissão de

informações teve seu espaço restrito de maneira súbita com a Primeira Guerra Mundial, em 1914 , pois tornou as fronteiras geográficas rigidamente delimitadas. Também o surgimento de uma nação socialista, a Rússia, apontava para uma crítica ao mundo capitalista que se desenvolvia a partir da crescente expansão de mercados. Para complicar em 1929, que se iniciou com a quebra da Bolsa de Nova York estendeu-se para todos os lados, chegando o desemprego em 30% para população economicamente ativa do EUA, 20% nas nações européias, e 44% para população alemã. A periferia do mundo capitalista quebrou, pois dependiam desses mercados para exportar seus produtos bem como precisavam de seus investimentos para se desenvolver.

A partir disso os países precisavam crescer com suas próprias pernas, expandindo os mercados internos e construindo obras públicas para gerar empregos e recuperar o nível de investimentos dos capitalistas nacionais. Isso fizeram os nazistas Alemanha, os social-democratas suecos, os governos da França e Inglaterra, os norte-americanos e os latino-americanos mediante governos populistas. A economia era comandada pela política e pela confiança para com o mundo exterior.

Isso também levou a Segunda Guerra Mundial, tempo de restrição ao comércio internacional. Podemos notar com o volume de mercadorias praticamente estável entre 1913 e 1948, ao passo que entre 1890 e 1913 ele havia dobrado, para no período seguinte, 1948-1971, aumentou cinco vezes.

Depois da Segunda Guerra Mundial temos duas características que vão distinguir essa nova fase de internacionalização da economia das anteriores. Primeiro, as tecnologias da Segunda Revolução Industrial contam com a produção e o consumo de massa. O padrão de organização da produção norte-americano passa a ser reproduzido nos países europeus e depois nos de terceiro mundo, nos subdesenvolvidos. Os bens de consumo eram padronizados para atender um número cada vez maior de pessoas. Produtos até então considerados luxuosos passaram a ser de uso popular, especialmente em países desenvolvidos como: geladeira, máquinas de lavar, ferro elétrico, telefone, rádio de pilha, televisão, sandálias de plástico, tênis, calça jeans, detergente, xampus, discos de vinil, relógios digitais, calculadoras de bolso, aspirador de pó, máquinas fotográficas, bicicletas, automóveis, cosméticos e remédios à base de novas substâncias, como os antibióticos. Produtos com custos decrescentes, como os eletrônicos portáteis, as grandes empresas dos países desenvolvidos, passam a montar suas fábricas fora do seu local de origem, as multinacionais.

Temos aqui o que os economistas chamam de economia de escala, produzir em grandes fábricas mais produtos e menor custo para torná-los acessíveis a um número maior de consumidores dentro ou fora do país fazendo uso constante de novas tecnologias barateadas. O marketing e a publicidade são utilizados constantemente para que os produtos possam ser substituídos por modelos mais novos ou de “melhor qualidade”, mantendo ritmo do aumento da produção.

No plano nacional, os governos procuram ter um Estado do Bem-Estar Social, financiando as despesas sociais do cidadão, como escola, saúde, previdência e

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transporte. E estimulando a geração de empregos, mas a política monetária, com juros baixos, ajudava os empresários, capital privado, já que os custos dos empréstimos eram baratos, expandindo os mercados.

Após a guerra a industrialização chega aos países “da periferia” (Brasil, México, Índia, Egito e Sudeste Asiático), aumentando a produção e o emprego, muito por causa dos governos que fomentaram.

Agora nos mercados internos há a concorrência entre capitais internacionais, as multinacionais americanas passam operar na Europa. A sua produção era para atender esse mercado.

Até os anos 1970 a expansão comercial era restrita pelo fato de um terço da população mundial estar sob o regime socialista, e também a existência de regimes nacionalistas que não aceitavam a presença do capital externo. O bloco socialista dificultava a generalização de um sistema econômico mundialmente integrado. Nos anos 70, com a desvinculação do dólar em relação ao ouro, o sistema monetário internacional tornou-se mais instável, aumentando as taxas de inflação e de desemprego e a queda da lucratividade das empresas.

4) Globalização: o que há de novo?A globalização significa um processo que segue tendências já presentes no

passado, mas que agrega novos elementos, alterando qualitativamente. Por isso passamos de internacionalização para globalização.

A partir da década de 80 teve início, segundo o sociólogo espanhol Manuel Castells, “um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII, induzindo um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura”.

Vamos ver os aspectos que diferencia a globalização da internacionalização:- Primeiro a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, houve a derrocada dos regimes socialistas, expandindo o mercado sem ideologia opositora ao capitalismo; mesmo os países que mantêm socialistas no nome, se inserem na economia global.- Segundo na década de 90 afeta todos os países do antigo Terceiro Mundo e do ex-bloco socialista. Abriu-se uma nova fronteira para acumulação de capital, nos países que já estava presente, o capitalismo criou novos mercados para o investimento – privatizações e abertura dessas economias.- Terceiro a globalização distingue-se pela expansão internacional do capital financeiro, criando-se uma interligação entre os mercados de moedas, de títulos da dívida pública e de ações.- Quarto a globalização é acompanha de uma nova ideologia política, o neoliberalismo, isto é, os governantes adotam a política de abertura de mercado, de corte dos impostos e estímulo à privatização. Só os asiáticos mostram-se mais reticentes a essa nova ideologia.- Quinto e último à globalização com o surgimento de novas tecnologias (microeletrônica, informática e biotecnologia) voltadas para o armazenamento e intercâmbio de informações, permitindo que as empresas e instituições funcionem em rede, com um grau significativo de flexibilidade e adaptabilidade. Sendo que, as dimensões políticas, ideológicas, produtivas e financeiras da globalização se aproveitaram dessas novas tecnologias.

Desta forma a globalização surge a partir da ampliação do espaço de conexão entre os fluxos financeiros, de investimentos, comércio, ideologias, informações e de valores políticos e morais, que não pode ser caracterizada como uma simples internacionalização de mercados. Mas de uma transformação em várias áreas que são

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acessíveis desde a grande empresa, como a pequena, ao indivíduo e aos movimentos sociais.

Fenômeno complexo ou caótico?A globalização tem natureza complexa. A velocidade das transformações,

políticas, ideológicas, financeiras, produtivas são difíceis de ser acompanhadas. Elas seguem ritmos diferenciados e apostos entre si. Por exemplo, Cingapura é um dos países mais abertos do mundo ao capital internacional ao mesmo tempo tem no poder o líder ditatorial, Lee Kuan Yew desde 1965. A Malásia depois da abertura em 90 fechou as portas para a saída de capital. A China de regime de partido único abre seu mercado a empresas multinacionais e a Rússia com eleições democráticas ainda possuem boa parte da economia baseada no contrabando.

Podemos notar como as mudanças ocorridas são diferentes, por isso é difícil elaborar uma projeção econômica. No geral os Estados arrecadam menos impostos. Os juros elevam-se, mesmo com inflação baixa, e tem baixos índices de crescimento. Possuem várias terapias para combater o desemprego, poucas dão resultados. Possuem setores de alta e baixa produtividade, uns dependem dos outros. A economia global não está imune a crises recorrentes, afetando principalmente os países mais pobres e indefesos. Por outro lado, a política continua restrita aos Estados Nacionais, compostas pelo poder Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo incapazes de combater o desemprego, a pobreza, a corrupção. Por isso temos a percepção de que o mundo de tornou caótico, já que a globalização consiste num conjunto de processos, que possuem ritmos e velocidades diferentes, os quais muitas vezes, se chocam, não havendo uma entidade coordenadora global. E temos como cenário a imagem que vivemos em uma selva em que o mais forte vence.

Não há uma teoria da globalização pronta e acabada, devida as diversidades entre os países.

5)As idéias também se globalizam. Não só o capital, as mercadorias viajam as idéias também e acabam por

influenciar a realidade de outros povos. Qual como nos mercados há os países produtores e os receptores de idéias. Os receptores de idéias geralmente as utilizam segundo seus interesses e problemas.

Por exemplo, a Revolução Francesa, do final do século XVIII, trouxe um conjunto de valores e idéias que influenciaram movimentos sociais e políticos por todo o mundo, tanto que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade foram cruciais para a revolução dos escravos do Haiti, tendo sua independência da França em 1804. Esses mesmos ideais foram importantes na Inconfidência Mineira do Brasil e a independência dos Estados Unidos teria seus ideais constitucionalistas e de democracia levados para o restante do mundo.

No século XX, no auge da Guerra Fria, as idéias continuam se intercionalizando, de um lado temos as idéias de democracia e de economia de mercado e de outro, a idéia de revolução socialista. Nesse período, em ambos os lados, havia uma idéia-força geral, que assumia diversas conotações dependendo de quem a defendesse: o desenvolvimento. Os países deveriam se industrializar conquistar sua independência econômica, tornando-se importante a intervenção do Estado para corrigir as falhas de mercado ou para dinamizar sociedades consideradas atrasadas.

Na década de 80 e 90 duas idéias vão ganhar força, sendo defendidas em todos os lugares, com diversos propósitos. De um lado, a ênfase na democracia como forma de tornar as decisões públicas controladas pelos cidadãos e, de outro, a ênfase nas

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vantagens do livre mercado, ou neoliberalismo, que relaciona a abertura das economias com a volta ao crescimento e o aumento da eficiência dos sistemas produtivos.

A velocidade das comunicações e a presença da mídia globalizada, endossando a vantagem dessas novas idéias contribuíram para se expandissem e influenciassem a maioria dos países. Abrindo espaço para os mercados.

A crítica ao neoliberalismo como ideologia dominante também se espalha mundialmente, justificando certo controle ao excesso de liberdade do capital financeiro, um papel mais destacado do setor público na economia e uma redução do predomínio dos interesses dos países ricos em instituições como o FMI, o Banco Mundial e a OMC (organização mundial do comércio). Porque com a difusão das informações, livros, textos, manifestos - de forma quase instantânea, as idéias tem papel fundamental, já que é compartilhada por todos os cidadãos do mundo.

As quatro esferas da globalização econômicaA partir dos anos 1980 e com mais evidência na década de 1990, a economia

mundial ingressou num novo patamar de internacionalização. Mas, não se pode dizer que temos hoje uma economia inteiramente global. Isto é, a economia global, com capacidade de funcionar em tempo real, abstraindo as fronteiras e atuando de forma planetária, ainda não ocupa todo o espaço da economia mundial. Pois existem barreiras significativas em alguns setores produtivos, regiões e países.

Por exemplo, no início do século XXI, os Estados Unidos cobram tarifa de importação de quase 236% para o açúcar brasileiro e cerca de 45% para o suco de laranja, pretendo proteger a citricultura do estado da Flórida, e impõem limite de 25% do capital acionário para participação de investidores externos em empresas do setor de telecomunicações. A Europa subsidia os produtos agrícolas e impede a entrada da carne com hormônio norte-americana. O Japão limita seriamente o seu mercado para bancos internacionais, ao passo que na Coréia manifestações sociais são realizadas para impedir o controle da Daewoo, coreana, pela norte-americana Ford. Na China, são permitidas por ano no máximo dez exibições de filmes estrangeiros, enquanto as tarifas de importação de automóveis chegam a 100%.

Depois destes exemplos podemos dizer que o capital se globaliza a um ritmo crescente, mas que existem regulamentações diferenciadas nos sistemas financeiros dos vários países, além de barreiras tarifárias e não-tarifárias (como cotas, sobretaxas, salvaguardas) com o intuito de proteges o mercado interno das importações. Além disso, as tecnologias não são imediatamente acessíveis em todas as partes do mundo. Os remédios patenteados para o tratamento da AIDS não atendem o povo de Zimbábue e Botsuana (africanos nos qual um em cada quatro adultos estão infectados pelo HIV) devido ao preço elevado. Uma parte significativa da economia mundial não se encontra conectada às grandes cadeias produtiva globais, geralmente lideradas pela empresas multinacionais: 80% da produção mundial estão voltados para os mercados internos das suas respectivas nações, nove de cada dez trabalhadores produzem para abastecer os mercados nacionais e quase 90% do investimento é financiados com capitais domésticos, sendo que as novas tecnologias são, em grande parte, gestada em centros universitários e de pesquisa, muitos dos quais com recursos do estado.

Para conhecermos melhor essa realidade vamos ver a história de cada uma das esferas da globalização econômica: a comercial, produtiva, financeira e a tecnológica.

6)Globalização Comercial:

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A história de abertura dos mercados são sucedido por períodos de diminuição das trocas internacionais.

Após a Segunda Guerra Mundial, vivenciamos a abertura do mercado internacional, cada país com seu ritmo. Para entendermos como os países ficaram dependentes do mercado externo, precisamos ter uma medida para avaliar, uma boa medida é o coeficiente de abertura4, calculado através da participação no comércio exterior (exportação e importação) de um país em relação ao total produzido mundialmente. Quando as exportações crescem mais que o volume total dos produtos fabricados mundialmente, isso indica que as economias estão se abrindo e os mercados internos estão perdendo força, escoando o produto para outros mercados. Mas essa medida varia bastante tem países que os mercado internos são muito importantes como nos de grande extensão territorial e com elevada população como a China, EUA, Brasil e Japão. Outros países optam pelo crescimento voltado para exportação a outros mercados como Chile, México, Cingapura, Irlanda e Vietnã.

Durante 1980 e 1990, os coeficientes de abertura se elevaram em quase todos os países do mundo refletindo a maior participação das exportações no produto mundial. Por outro lado isso significa que está havendo maior importação e isso pode prejudicar regiões de produtos específicos, causando desemprego e enfraquecimento, como no caso dos produtores de vinho no sul (Brasil), da indústria automotiva em Detroit (EUA).

A abertura depois dos anos 70O processo de abertura dos mercados às importações a partir de 70 foi

estimulado por dois tipos de ações, através da GATT – Tratado Geral para Tarifas e Comércio, que reduziu as tarifas de importação entre 102 países. E em segundo lugar, alguns países, principalmente os subdesenvolvidos, reduziram tanto as tarifas de importação como as barreiras não-tarifárias, que protegem os setores mais sensíveis da produção local.

A abertura dos mercados foi motivada pela pressão dos órgãos como FMI e o Banco Mundial, comandado por países desenvolvidos que precisam ampliar seus mercados, e também pelas lideranças política nacionais, que acreditavam que iriam aumentar a competitividade dessas economias, através da importação de máquinas e insumos de melhor qualidade a custos mais baixos. Pelo contrário, os países desenvolvidos continuaram protegendo os seus setores menos competitivos, como a agrícola e o têxtil, aumentando o subsídio e os mecanismos de controle de importações, tentando driblar a globalização e defender os seus produtores locais. E abriram seus mercados nos setores que dominavam na economia internacional.

A globalização comercial afetou de forma diferenciada países desenvolvidos, fornecedores dos produtos de ponta, e subdesenvolvidos, consumidores dos produtos de ponta. Além disso, o subdesenvolvido não conseguia aumentar suas exportações no volume necessário durante os anos 90.

4 O coeficiente de abertura comercial de um país é um indicador de comparação internacional, cujo objetivo é o de avaliar níveis de transações comerciais externas de diferentes países. Para se medir o coeficiente de abertura comercial, calcula-se a proporção das exportações e importações em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de um determinado país em um dado período de tempo. O produto interno bruto constitui-se na soma do valor monetário dos bens e serviços finais gerados por uma economia em dado período. Nesse caso, a produção dá-se com o uso de fatores de produção (insumos) localizados nos limites geográficos do país.

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Um grupo seleto de países, chamados de subdesenvolvidos, os tigres asiáticos (Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan), tornou-se exportador de produtos avançados tecnologicamente (eletrônicos, máquinas, automóveis e equipamentos de telecomunicações) aproveitando-se da abertura dos mercados e usando em benefício próprio.

A globalização comercial contou com o apoio, a partir de 80, da globalização produtiva e da tecnológica. Devido à expansão das multinacionais, ampliou-se o comércio entre filais e matrizes das empresas situadas em diversas partes do mundo. A tecnologia da informática e telecomunicações trouxe aproximação entre países e empresa com custo reduzido, bem como a elaboração de estratégias de marketing para os produtos em vários países do mundo, adequando-as aos consumidores locais.

A nova (mas nem tanto) divisão internacional do trabalhoAlém do sucesso dos tigres asiáticos, a globalização comercial não alterou

radicalmente a divisão internacional do trabalho. Enquanto o Japão, EUA e União Européia continuam se destacando na exportação de produtos industrializados mais sofisticados, os países da América Latina e boa parte do continente asiático possuem suas exportações centradas em produtos primários e produtos industriais da velha economia (aço, papel, químicos, máquinas convencionais e peças de autos). Nos setores agrícola e de têxtil e calçados, os países do hemisfério sul fornecem a matéria-prima e até mesmo fazer o produto, vendendo-os a preços baixos, enquanto os do hemisfério norte contribuem com o marketing, o design e a distribuição, cobrando alto preço no mercado internacional. Como a Nike (EUA) que fabrica 90% de seus tênis e material esportivo em países como a Coréia do Sul, Taiwan e Indonésia.

Para ter uma noção da hierarquia comercial internacional as três principais economia, EUA, União Européia e o Japão, possuem 13% da população mundial e detêm 70% da produção mundial e das exportações de produtos industrializados, abrigando as principais indústrias de alta tecnologia. Os demais países (antigos socialistas e o 3 mundo) produzem mercadorias de baixo preço e menor sofisticação tecnológica. Com exceção dos tigres asiáticos. Em 1997 esses países participavam com 15.6% das exportações mundiais de produtos industrializados, contra 3,9% da América Latina e 0,8% da África.

Se for verdade que existe uma nova divisão internacional do trabalho com a transferência da produção de peças e componentes ou de produtos industriais finais de baixo preço para os países periféricos (subdesenvolvidos), a antiga divisão internacional do trabalho não desapareceu, já que as etapas de produção mais nobre e que exigem maior conteúdo tecnológico continuam sendo executadas nos EUA, União Européia e Japão.

O continente africano demonstra os limites da globalização comercial para países que não possuem especializações nos setores mais avançados da indústria. A economia de grande maioria desses países cresceu nos anos 90 menos do que nos anos 70; as exportações no início do século XXI encontram-se estagnadas (tanto a indústria como as de produtos primários), e o endividamento externo são expressivos.

Segundo Cristovam Buarque (economista brasileiro) hoje há uma nova divisão internacional, que ignora os aspectos geográficos, para ele, tem se um Primeiro Mundo dos Ricos (que englobam várias regiões e empresas) e um outro o Terceiro Mundo dos Pobres que envolve regiões desindustrializadas.

Os países desenvolvidos além de produto de alta tecnologia, passaram a ser grande exportadores de alimentos, auxiliados pelos benefícios da biotecnologia, roubando mercado das empresas dos países mais pobres. Por exemplo, Alemanha não

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possui nenhum cafezal, mas, no entanto detêm 5% do total do café exportado no mundo. Isso porque importa várias modalidades de café torrado e desenvolve novas combinações, aromas, re-exportando como café solúvel.

Síntese: a economia mundial não está caminhando para a unificação, mas para maior polarização entre regiões ricas e pobres, só que agora estas podem estar tanto nos países desenvolvidos como subdesenvolvidos. Um exemplo é a renda média dos 20% da população mundial vivendo nos países mais ricos do mundo era trinta vezes maior que a dos 20% dos países mais pobres nos anos 60, na virada do milênio essa diferença era de 74 vezes. No final do século XX, a fortuna das 358 pessoas mais ricas do mundo (+ US$ 1 trilhão) era superior à renda 2,7 bilhões de pessoas que habitavam nos países mais pobres.

7)A formação dos blocos regionais

Para compreendermos os significados e os limites da globalização comercial, devemos analisar a formação dos blocos econômicos, os quais, tal como a globalização, não é um processo recente. Ao final da Segunda Guerra Mundial começaram as iniciativas de integração regional na Europa, América Latina e Ásia.

Mas, somente em 90 verifica-se uma expansão dos blocos regionais: aprofundamento da integração européia, a criação do Nafta (Área de Livre-Comércio da América do Norte), a implementação do Mercosul e expansão da Asean (associação das Nações do Sudeste Asiático).

Duas questões devem ser colocadas: primeira, devemos analisar se a formação desses blocos é contraditória a tendência de globalização. Nos anos 80, acreditava-se que a globalização se estenderia pelo mundo todo a ponto de dissolver os blocos regionais, ou eu a tendência de regionalização mais vigorosa, resultando em uma guerra comercial entre blocos e comprometendo a expansão da globalização.

Nos anos 90, existiu o consenso que as duas tendências (globalização e regionalização) são complementares. Primeira, os blocos procuram resguardar uma margem de manobra para negociar a atração de empresas multinacionais aos espaço regional, estimulando a globalização produtiva. Além disso, se o comércio intra-regional (dentro do bloco) cresceu bastante nos anos 90, percebe-se que o comércio entre bloco, extra-regional, também se expandiu de forma significativa. Isso porque as negociações entre blocos se dão por meio de compromissos de liberação comercial (queda tarifa, redução de cotas e subsídios) recíprocos. Segunda, os blocos regionais são de tipos diferentes, estão em estágios diversos de integração regional e possuem objetivos políticos e econômicos distintos:

a) Área livre-comércio: ausência de barreiras tarifárias e não tarifárias entre países (Nafta e ASEAN).

b) União aduaneira (alfandegária): é um passo a mais à área de livre-comércio< pois estabelece tarifas externas comuns para produtos importados de terceiros países (Mercosul, Grupo Andino: Bolívia, equador, Colômbia, Peru e Venezuela).

c) Mercado Comum: um passo a mais à aduaneira, pois estabelece a livre circulação de trabalhadores, serviços e capitais, com coordenação das políticas macroeconômicas, legislações nacionais - trabalhistas, previdenciária, tributária, etc. - (Comunidade Européia de 92 a 98).

d) União econômica: tem uma moeda e um Banco Central únicos paras os países do bloco. Seu funcionamento efetivo prevê que os países devem possuir níveis

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compatíveis de inflação, déficit público e taxas de juros; as taxas de câmbio se tornam fixas entre os países (União Européia) a partir de 99.

A União Européia é o único caso de bloco regional que já passou pelos quatros estágios, e teve a duração de 40 anos, desde a assinatura do tratado de Roma (57), que deu início à área de livre-comércio, até a implementação da união econômica. Assim, o lançamento da moeda euro e a criação do Banco Central Europeu representam a culminância de um longo processo de integração econômica e política entre os países europeus.

O NAFTA entrou em vigor em 94, prevendo o livre fluxo de mercadorias e capitais entre Canadá, EUA e México. Mas, não se pretendeu caminhar em direção a um mercado comum. Já que isso implicaria em emigração de mexicanos aos EUA, política contrária a existente, e o estabelecimento de políticas comerciais e econômicas comuns entre os EUA e o México, algo impraticável. O EUA querem exportar para o México e transferir etapa de montagem das suas empresas multinacionais para esse país, e os mexicanos querem o capital americano e acesso ao mercado. Com o NAFTA as empresas americanas do setor têxtil conseguiram vencer a concorrência com os produtos asiáticos, transferindo algumas de suas fábricas para o México, no qual tem custos de produção menores. O Canadá, sua economia vinha se interligando a economia americana durante os anos 80 e o Nafta serviu para transformar a realidade em lei. O Mercosul tem como objetivo um mercado comum, mas as disparidades entre os países envolvidos e a sua grande dependência internacional, colocam grandes obstáculos para a integração regional. Mas, o Mercosul é vital para que esses países consigam negociar melhores condições de entrada para os seus produtos no mercado internacional.

Por outro lado, os EUA querem enfraquecer o Mercosul, tornado esse bloco e todos os demais da América Latina integrantes da sua futura área de livre comércio das Américas (ALCA) um bloco comercial que iria do Alasca à Patagônia, devendo ter a sua implementação iniciada em 2006.

Qual é a lógica da formação dos blocos comerciais?A criação de um mercado regional procura estabelecer melhores condições para

que um conjunto de países ingresse de forma mais favorável no contexto de globalização. A criação do Mercosul, por exemplo, força, em alguma medida, a União Européia e os EUA a oferecerem tarifas mais baixas para os países do bloco, no intuito de negociarem maiores vantagens aos seus produtos nesse mercado regional. E também, as multinacionais podem decidir estabelecerem filiais em um país do bloco, exportando assim para os demais, sem tarifas de importação e consequentemente com preços mais baixos.

8)Globalização Produtiva:

Quem são as multinacionais?As multinacionais são empresas, muitas delas gigantescas – o grupo varejista

Wall-Mart possui, por exemplo, um faturamento superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal -, as principais promotoras e beneficiárias da globalização comercial.

Essas empresas podem fazer investimentos em lugares onde os custos são mais baixos, produzem peças num país para serem transformadas em outros e

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comercializadas em todo o planeta. Essa expansão rápida da produção comandada por empresas que realizam suas atividades fora do seu país de origem. Seus lucros são geralmente remetidos ao país de origem, mas trazem consigo novas tecnologias e empregos para os países onde se instalam. Mas, em alguns casos, as multinacionais apenas compram empresas nacionais de um outro país, ampliando as importações e cobrando preços baixos dos seus fornecedores locais, além de se aproveitarem dos níveis salariais baixo e das condições de trabalho precárias dos países subdesenvolvidos.

No intuito de atrair essas empresas, países, estados e municípios chegam a oferecer vantagens fiscais (redução de impostos), esperançosos de que elas consigam reativar a economia dos seus territórios. A entrada de uma multinacional pode transformar a economia de uma cidade ou região, como no caso de Porto Real, cidade no estado do RJ com 12 mil habitantes, que teve seu potencial econômico ampliado com o investimento da PSA Peugeot-Citroen de US$ 600 milhões, realizado no ano 2000.

As empresas multinacionais dominam a produção de vários setores, desde os mais sofisticados como automóveis (GM, Volkswagem, Fiat), eletroeletrônicos (Electrolux, Sony, Philips), computadores (Compaq, IBM, Dell), telefones celulares (Ericson, Motorola, Nokia) até os tradicionais, como alimentos (Danone, Parmalat, Nestlé), tênis esportivos (Nike, Reebok) e produtos de higiene e limpeza (Colgate, Unilever, e Procter & Gamble), passando pelos setores de serviços de ponta como telecomunicações (Telefônica, MCI, British Telecom) até chegar a serviços tradicionais como cadeias de fast-food (Mcdonalds, Pizza Hut), videolocadoras (blocbuster) e comércio varejista (Carrefour) etc.

Mas como definir e classificar as empresas multinacionais?Segundo a Conferência do Comércio e Desenvolvimento para as Nações Unidas

(UNCTAD), uma empresa multinacional é aquela que possui ao menos uma filial fora do seu país de origem. Seriam ao todo 63 mil empresas existentes no mundo, contando com quase 700 mil filiais.

Só para termos noção do poder econômico de alguns grupos gigantescos, as filias das 100 maiores empresas multinacionais respondem por um terço do total de exportações mundiais, responsáveis por 6 milhões de empregos. As 200 maiores, dentre matrizes e filias, representam, ao final do século XX, 36% da economia mundial.

As Multinacionais Ontem e Hoje

As multinaconais desenvolveram-se em seus próprios países como empresa industriais nacionais, para depois se lançarem ao exterior, a partir da década de 1950, com o objetivo de disputar mercados com outros concorrentes. Mas, podem ser encontradas deste o final do século XX, concentradas nos setores de mineração e agricultura, estando na Inglaterra à origem de 50% desses investimentos.

Essas empresas atuam em grupo, na qual cada filial perfaz um rol de atividades ou uma linha específica de produtos. Na verdade, temos vários tipos de empresas multinacionais. As que se dirigem para países em desenvolvimento, em busca de recursos naturais, minerais e energéticos, tais como a americana Cargill na área agrícola, a canadense Alcan na área de alumínio e a espanhola Repson no setor petrolífero.

Para outras multinacionais, o objetivo principal é fornecer produtos para o mercado interno dos países onde fabricam mercadorias ou prestam serviços, tal como o caso da Telefônica espanhola no Brasil, Argentina e Venezuela.

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Há também a que distribuem suas filiais por alguns países que servem de montadoras para o restante do mundo, assumindo uma estratégia global, como o caso da Pirelli italiana que estimula uma disputa entre as filias do Brasil, Turquia, Egito e Alemanha pra decidir quem será o fornecer mundial de pneus de caminhão. Ou o caso da Philips Eletronics (holandesa) que fornece chips de computadores a partir do México para os fabricantes de telefones celulares na Europa.

Algumas multinacionais chegaram a um nível formidável de expansão produtiva fora do país de origem, como a Nestlé (suíça), possui 100% das suas vendas e de mão-de-obra no exterior. A maior fábrica da Motorola (EUA) do setor de telefonia celular está na cidade de Kuala Lumpur (capital da Malásia).

O grupo holandês de comércio varejista Ahold, que controla o grupo Bom Preço no Brasil, realiza campanhas publicitárias de seus produtos em 23 países diferentes, traduzindo-as para 13 línguas e adaptando-as ao gosto do consumidor local.

Nos anos 80 e 90, esse processo se ampliou ao mesmo tempo em que apresentou características novas. As empresas multinacionais apresentam uma gama variada de produtos e marcas. A General Electric não produz apenas eletrodomésticos, mas também produtos médicos, motores de avião e plásticos. A Procter & Gamble produz desde xampus (Pantene) até batata frita (Pringles), passando por fraldas (Pampers) ou produtos de limpeza (Ariel).

Além disso, as empresas multinacionais têm-se concentrado cada vez mais no desenvolvimento de novas tecnologias e na prestação de serviços de assistência técnica e de consultoria. Ou seja, elas acabam vendendo Know-how para empresas menores, participando da sua gestão e dos seus lucros. Outras vezes, a multinacional só entra com a tecnologia, como no caso da Nokia filandesa, que estabeleceu uma parceria com Gradiente na Xona franca de Manaus, em 1997.

9)Os investimentos diretos externos: vamos aos números

Os investimentos diretos externos (IDES) representam o montante investido pelas multinacionais fora de seus país de origem. No ano de 2000, representava próximo a US$ 1 trilhão.

Nem todo investimento é IDE, por isso, a Organização para cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabeleceu a convenção de que qualquer compra de mais de 10% das ações de uma empresa por outra estrangeira dever ser considerado IDE.

Outra forma de investimento direto externo é a implantação de novas filiais fora de seu país de origem. Exemplo, o investimento da Motorola na região de Campinas, mostra o interesse da empresa pelo país, já que, diferentemente do capital financeiro, esse investimento não pode sair de uma hora para outra.

Para se ter uma idéia basta dizer que as multinacionais respondem, em 2001, por 14% do total dos investimentos realizados na economia mundial, sendo que em 1980 era de apenas 2%. Nos últimos anos o investimento das multinacionais cresceu mais rápido do que a produção mundial e o comércio mundial. Nos anos 90, a cada ano, em média, o IDE crescia a uma taxa de 25%, contra 6,4% no comércio mundial e 2,4% da produção mundial. Em outras palavras, uma parcela crescente do comércio e da produção mundiais passa a ser controlada pelas empresas multinacionais.

Os investimentos das multinacionais continuam concentrados nos próprios países desenvolvidos. Esses países forneceram 92% dos investimentos e receberam 72% dos investimentos realizados por empresas fora de seus países de origem em 99. São investimentos dos EUA na Europa e vice-versa, ou do Japão em outros países

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desenvolvidos. As atividades mais nobres são executadas nos países desenvolvidos, ficando as tarefas de montagem para os países subdesenvolvidos. Não é à toa que 2 mil dos 2.500 pesquisadores da IBM encontram-se nos EUA.

Alguns países em desenvolvimento como China, Cingapura, Brasil, México, Hungria, Polônia são grandes receptores de investimentos de empresas multinacionais. Mas algumas regiões como a África situam-se fora do mapa das opções de investimento das multinacionais.

As multinacionais líderes costumam ser de origem norte-americana. Das 500 maiores multinacionais, mais de 40% possuem sua sede EUA. As dez marcas mais caras e conhecidas mundialmente, nove pertencem ao EUA (Coca-cola, Microsoft, Ford, Ibm, Mcdonalds, outras). Se considerarmos as dez empresas com maior valor de mercado, seis são do EUA. Isso demonstra o fato de que a globalização tem reforçado o poderio norte-americano perante os demais países do mundo.

As empresas multinacionais têm atuação global, as suas decisões de investimentos são tomados levando em conta a existência de blocos comerciais. A Honda tem uma estratégia de produção, distribuição e marketing para a Ásia, outra para a União Européia e outra para o Nafta.

Por que tantas fusões e aquisições de empresas?

Junto à expansão das multinacionais, manifestou-se uma crescente concentração de capital. As grandes empresas passam a se fundir, criando verdadeiras potências produtivas. A Mercedes-Benz (alemã) se fundiu com Chrysler (americana); a nova empresa DaimlerChrysler comprou 34% das ações da japonesa Mitsubishi Motor Cars.

Essa tendência não acontece só no meio automobilístico: farmacêutico a Astra (sueca) juntou-se à Zeneca (inglesa); as duas maiores empresas norte-americanas petrolíferas dos EUA se fundiram a Exxon e a Móbil.

No ano de 1999, dos investimentos das multinacionais fora de seu país (US$ 865 bilhões), 83% foram destinados a compras ou fusões com outras empresas. As multinacionais tem preferido, no lugar de novos investimentos, comprar empresas já existentes ou então negociar a distribuição do mercado com suas concorrentes.

Os motivos são:a) a aquisição de uma grande empresa pode ser a porta de entrada de uma

multinacional num dado país, reduzindo os custos de marketing, inovação, pesquisa e lançamento de novos produtos, além de obter mais rapidamente uma fatia do mercado do seu concorrente.

b) Há também as vantagens de financiamento, já que as fusões e aquisições são intermediadas por agentes financeiros e empresas de consultoria que querem lucrar com os novos empreendimentos. Alguns casos, apenas a parceria resolve os problemas, exemplo, a multinacional produtora de aço Usinor (francesa) e a Nippon (japonesa), em 2001, anunciaram um acordo de parceira tecnológica, com o objetivo de reduzir custos de pesquisa e dividir os seus respectivos mercados.

c) Algumas empresas tornam-se maiores apenas para impedir de serem compradas pela rivais. Se uma faz isso, todas querem fazer o jogo do poder.

Pode-se controlar o poder das multinacionais?

As fusões e aquisições estimulam o investimento em novas tecnologias, reduzem custos, e tornam as empresas mais eficientes, mas também poder ser um risco

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significativo, já que, o controle do mercado global fica na mão dos cartéis, com isso, eleva-se o preço e, por conseqüência, os lucros. A eliminação da concorrência prejudica consumidores e fornecedores.

Nos setores mais avançados tecnologicamente, já existe um oligopólio mundial, ou seja, três ou quatro grupos respondem por mais de 70% do faturamento mundial do setor. Exemplo: chips computadores, as duas EUA (Intel e AMD) respondem por mais de 90% do mercado.

Como controlar os excessos praticados por empresas que dominam a produção mundial?

Se a concorrência vem se tornando global, não faz sentido manter agência de defesa da concorrência (antitruste), que supervisionam e punem a formação de cartel – como entidades nacionais. Se a Microsoft praticou abuso do poder econômico, prejudicou a concorrência, a empresa Navigator, o Bill Gates, dono Microsoft, deveria ser julgado globalmente e não pelo Departamento de Justiça norte-americano. Já que o Windows roda em 90% dos computadores do mundo inteiro.

As agência de regulação de concorrência só funcionam a nível nacional, ou regional, como no caso, da União Européia. Ou seja, empresas gigantes acabam se tornando incontroláveis quando não existe uma estrutura institucional que regule o alcance de seu poder global. **************************************************************10)Globalização Financeira

Os fluxos de capital entre países já existiam no final do século XIX. Antes da Primeira Guerra Mundial a Inglaterra possuía cerca 30% dos seus depósitos aplicados em países como Argentina, Austrália, Brasil e Nova Zelândia.

Entre 1950 e 1970, a esfera financeira passa a ser controlada por regras nacionais e internacionais, já que as principais moedas guardavam uma estreita relação com o dólar, sendo desencorajadas as aplicações entre fronteiras nacionais. O capital de longo prazo internacional era fornecido pelo Banco Mundial. As taxas de juros deveriam ser baixas e reguladas pelos Bancos Centrais nacionais, com o objetivo de elevar o nível de emprego e de renda. Isto é, os bancos deveriam ganhar com o volume de empréstimos realizados, não havendo concorrência entre bancos de diferentes países. Também havia limites para aplicações em Bolsa de ações de outro países.

Essa forma de aplicação vai ser alterada em 1971 com o fim do padrão dólar ouro. Assim as moedas passam a oscilar, estimulando as aplicações especulativas, de curto prazo. Além disso, os dólares acumulados dos países exportadores de petróleo (que estava com alto preço) foram aplicado em bancos europeus, que posteriormente emprestaram aos países de terceiro mundo.

A partir disto regras e leis são alteradas para facilitar a transferência de capital de um país para o outro. Em 1980 se amplia o processo com o surgimento de novas instituições financeiras de atuação global, os fundos de pensão e os fundos mútuos de investimento.

As novidades financeiras

A grande novidade é o fato de se dispensar os bancos para fazer aplicações. Isso é possível através dos fundos de pensão (aposentaria no futuro – previdência privada) e seguradoras (seguro casa, auto, saúde, vida). Os investidores, por meio

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dos fundos de investimento, valorizam o seu patrimônio, aplicando em ações de empresas e títulos do governo.

Surgem também novos instrumentos financeiros chamados de “derivativos”, que significam contratos de compra e venda futura de títulos, ações e moedas, a preços determinados. Aposta-se na alta ou queda de uma ação no futuro, havendo uma data determinada para retirada. Essa aposta global recebe o apelido de “capitalismo de cassino”.

Assim sendo, as empresas muitas vezes se preocupam mais em valorizar suas ações do que conquistar mercados. Demitem funcionários e ostentam lucros para dividir entre os seus acionistas. Os governos mantêm altas taxas de juros para atrair investidores do mundo inteiro que possuem papéis da sua dívida. Mas, para pagar seus compromissos o estado reduz os gastos sociais, já que a maior parcela de seu orçamento deve ir para pagamento de juros.

A integração entre os mercados financeiros

Desde 1980 os aplicadores financeiros um dia aplicam no mercado do Sul, no outro compra títulos da dívida pública britânica, compram dólar, já que é mais valorizado que o euro e o iene japonês. Essa dinamização do mercado financeiro só foi possível graças a inovações tecnológicas. Pela facilidade de se transferir de, uma aplicação para outra com um simples apertar de tecla do computador, o volume e o ritmo de expansão dos fluxos financeiros internacionais está muito à frente do volume de investimentos diretos externos da globalização produtiva (implantação das multinacionais), por natureza mais duradoura.

Outra questão é que os fundos de pensão fazem aplicações internacionais, por exemplo, um fundo de pensão norte-americano tem mais de 10% das suas aplicações fora do EUA. Não só os fundos, 40% dos depósitos dos bancos comerciais vem de pessoas que residem fora do país de origem.

O dinheiro global

O dinheiro também se globaliza. Através da expansão das comunicações, das viagens internacionais de negócios e turismo, pode-se adquirir as moedas de vários países e acompanhar suas cotações. Além disso, temos novas formas de dinheiro como cheques e os cartões de crédito e bancários. Por exemplo, a MasterCard é aceito em 12 milhões de estabelecimento em 200 países diferentes.

11)As crises financeiras internacionais

A globalização financeira é responsável pela drenagem do capital para várias partes do mundo, que precisam de recurso e oferecem altos níveis de rentabilidade, mas ela é também a vila, responsável pelas crises, principalmente, nos países da periferia.

Os países emergentes são países industrializados, que recebem investimentos de multinacionais, que abriram suas importações e mercados financeiros e implementaram as reformas econômicas com o objetivo de assegurar eficiência produtiva, mas não pertencem ao mundo dos desenvolvidos (como México, Brasil, Chile, Argentina – América Latina – Turquia e os países do Leste Europeu, como República Tcheca, Polônia e Hungria; além dos países asiáticos como Coréia do Sul, Taiwan, Malásia e Tailândia).

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Esses países recebem volumes enormes de investimentos financeiros nos mercados de ações e de títulos públicos, além de empréstimos bancários de curto prazo. Acabaram por entrar em crise, isso foi causado pelo fato de receberem empréstimos de curto prazo e para pagarem tiveram que fazer novos empréstimos. A mídia internacional também contribuiu divulgando informações parciais estimulando financiamento para esses países. Suas Bolsas de Ações incharam com aplicação dos países desenvolvidos. Todos queriam lucro fácil. Mas, essas moedas eram frágeis: com déficits externos (importações maiores que exportações), além de altos pagamentos de juros da dívida (eram preenchidos com empréstimos e aplicações). Era só os aplicadores ouvirem que os empréstimos não iriam ser pagos que suas ações não iriam render o esperado ou que a moeda desvalorizou que tiravam suas aplicações e colocavam em outros países.

Os países emergentes ou periféricos sofreram na segunda metade da década de 1990, porque acreditavam que o capital de curto prazo os levariam ao desenvolvimento e ao investimento de longo prazo. Para pagar os empréstimos do FMI tiveram que ajusta os gastos sociais e os investimentos públicos fossem reduzidos e as taxas de juros elevadas, deixando milhões de pessoas desempregadas e na miséria. Por isso muitos gritavam “fora FMI”.

Pode-se regular a esfera financeira?

A crise dos países periféricos ou emergentes afetou quase 1 bilhão de pessoas, mas não comprometeu a economia mundial, já que só correspondiam apenas 25% da produção do planeta. Os países centrais ou desenvolvidos foram beneficiados, já que receberam os investidores que fugiram dos países subdesenvolvidos, lucrando com a crise dos mesmos.

A partir destas crises começou-se a discutir a regulação dos fluxos financeiros internacionais. Várias propostas foram feitas, mas há nenhuma autoridade global encarregada de implementar, ainda mais que as crises não afetam os países mais poderosos, pelo contrário os beneficia.

12)Globalização Tecnológica

A partir de 1970 um conjunto de novas tecnologias passou a transformar o mundo, dinamizando as relações entre pessoas, empresas, governos e movimentos sociais. A internet e a telefonia celular possibilitaram contatos nunca pensados, destruindo as fronteiras geográficas. A biotecnologia e o mapeamento genético abriram novas perspectivas para cura de doenças.

Alguns pensadores dizem que é a Terceira Revolução Industrial. A Primeira trouxe a máquina a vapor, a Segunda a eletricidade. Agora é a vez da informática, das telecomunicações e da biotecnologia. Outros falam da Terceira Onda. A Primeira foi à sociedade agrária, a Segunda as sociedades industriais e a Terceira Onda traz consigo a sociedade especializada na produção de serviços e conhecimentos.

Essas novas tecnologia colocaram um novo estilo de produção, comunicação, gerenciamento, consumo, enfim, um novo estilo de vida.

Quando pensamos a revolução tecnológica temos que pensar em três elementos: invenção, inovação e difusão. A internet surgiu de uma rede militar de informações – embrião – e dos computadores dos anos 50. O fax apareceu em uma Feira Mundial em 39 e demorava 18 minutos para transmitir uma folha. O primeiro computador

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surge em 1946; em 1971 surge o microprocessador e em 1981 os computadores pessoais e logo após são sucedidos pelos laptops – os portáteis. As telecomunicações, a introdução de satélites e de cabos de fibra óptica, a capacidade do sistema internacional de telecomunicações aumentos de maneira fantástica. Os preços de ligações internacionais caíram, por exemplo, ligação de Nova York e Londres de US$ 45,86 passou para US$ 3,32 entre 1960 e 1990.

Houve a expansão das linhas fixas de telefone e de celulares nos últimos 30 anos.

A biotecnologia no fim da década de 90 já havia concluído o mapeamento dos cerca de 30 mil genes do corpo humano. A partir daí pode-se corrigir certas seqüências genéticas causadoras de doenças, desde o nascimento. Os produtos que são consumidos também podem ser alterados geneticamente, sendo mais resistentes a doenças e pragas.

Particularidades das tecnologias de informação

As tecnologia para existirem tiveram elementos fundamentais:Primeiro foi o papel do Estado, já que o Departamento de Defesa dos Estados

Unidos foi quem criou em 1960 a Arpanet (embrião da internet) com o objetivo de se comunicar em rede entre várias partes do país caso viesse a ser atacado pelos soviéticos. Além do apoio financeiro que o Estado deu para os pesquisadores.

No Japão também vemos o apoio do Ministério do Comércio Internacional e Indústria (MITI) para sua revolução tecnológica ente 1960 e 1970.

A ATT, empresa norte-americana de telecomunicação, monopólio ente 1960 1 1970, foi obrigada a colocar suas descobertas em domínio público.

O genoma humano é resultado de consórcio ente instituições públicas de pesquisas de vários países.

Desta forma, a história de Bill Gates iniciar a revolução da informática na garagem da sua casa é uma fábula. Pois havia todo suporte institucional para essa revolução acontecer.

Mas quais são as particularidades desse conjunto de novas tecnologias?Cinco aspectos explicam a sua dimensão inovadora:

Primeira, essa nova revolução tecnológica não traz uma fonte de energia, como o vapor e a eletricidade, já que se trata de tecnologias para agir sobre a informação. A informação é a nova fonte de energia do sistema econômico capitalista.Segundo, essas tecnologias tem alta penetrabilidade. Como a informação é estratégica acaba influenciando todas as esferas da vida humana, da sociedade, da economia e da cultura.Terceiro, a união das várias esferas antes isoladas afeta a dinâmica das empresas, das nações e dos movimentos sociais e culturais, que acabam por expandirem-se pelo mundo.Quarto, a adaptabilidade e a flexibilidade da informação levam a ser constantemente alteradas e reconfiguradas, modificando a inserção da instituições que fazem parte da rede.Quinto, as tecnologias vão se tornando um sistema integrado. As telecomunicações usam os avanços da microeletrônica, enquanto o projeto de mapeamento genético seria impossível sem a informática. O uso da tecnologia digital (telefone, ind.gráfica, produção de máquinas, automóveis, etc.) eleva a capacidade de precisão e controle.

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A esfera dinamizadora

A esfera tecnologia é a dinamizadora da globalização. Ela é a responsável pelo controle das atividades e da rentabilidade das filiais das empresas multinacionais, como também permite ao capital flua através de máquina eletrônica, transferindo-se de um país a outro. A tecnologia facilita o conhecimento das necessidades de mercados e dos gostos dos consumidores e de suas peculiaridades com suas campanhas de marketing.

O consumo está sendo modificado pelo comércio eletrônico, a venda via internet. A globalização tecnológica (pela transmissão instantânea de informação e reconfiguração dos sistemas produtivos e sociais para atender mercados) afeta sociedades e culturas nacionais.

Concentração tecnológica e exclusão digitalAs novas tecnologias da informação ainda não atingiram o mundo inteiro, estão

restritas às elites dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos que operam as atividades globais. Não só a produção da alta tecnologia está restrita nas mãos das grandes empresas multinacionais, mas também o consumo desses produtos e serviços estão restritos a parcela da população mundial. A exclusão digital demonstra que tem muitas pessoas estão exclusa deste consumo e conhecimento. Exemplo: há mais telefones na região metropolitana de Tóquio, com 27 milhões de pessoas, do que no continente africano com uma população de 749 milhões.

As empresas de alta tecnologia, ao escolherem o local para realização de seus investimentos, levam em conta alguns critérios básicos, altamente restritivos. Não é à toa que a cidade de Campinas, no Brasil,... tem conseguido atrair empresas de ponta, sendo que a grande maioria destas prefere se situar nos países desenvolvidos. As empresas de alta tecnologia exigem mão-de-obra qualificada, instituições de pesquisa de primeira linha, acesso a empréstimos, infra-estrutura adequada, além de incentivos fiscais atraentes. Regiões e países que não seguem essas condições ficam à margem dos investimentos em tecnologia.

13)Os obstáculos à Globalização Política

A política é a esfera da vida coletiva menos globalizada. Se as empresas multinacionais montam suas filiais no mundo todo e os fundos de pensão e bancos privados diversificam suas aplicações, buscando países e regiões que lhes assegurem alta rentabilidade, não existe nada parecido com um governo global. As eleições para presidentes, primeiros-ministros, deputados e prefeitos continuam se dando em territórios nacionais.

Na União Européia, onde existem eleições para deputados europeus, os cidadãos italianos ou franceses continuam mais preocupados com as suas eleições nacionais.

Ao mesmo tempo, com o fim da guerra fria (disputa entre EUA e União Soviética) e a desintegração dos regimes socialistas, houve um renascimento da defesa da democracia. Por outro lado, os mercados ocuparam parte do espaço antes controlado pelo Estado, sendo favorecidos pela ideologia do neoliberalismo.

Mas, apesar dessas idéias existe uma diversidade crescente entre as economias nacionais, no âmbito da geopolítica essa complexidade é ainda maior. Nas palavras do cientista político italiano Norberto Bobbio, hoje há várias combinações possíveis entre mercado e Estado.

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O FIM DA Guerra Fria

A queda do Muro de Berlim, em 1989, funciona como marco simbólico para extinção do socialismo. Isso porque ao final da Segunda Guerra Mundial até esta data, o sistema político internacional esteve organizado entre o bloco controlado pelos EUA e controlado pela União Soviética.

Apesar nesse período estar sempre presente a ameaça da uma guerra nuclear havia uma estabilidade política considerável. As duas potências raramente penetravam nas áreas de influência do adversário. Os conflitos, quando ocorriam, davam-se na periferia do mundo capitalista, em Cuba, no Vietnã, no Afeganistão ou na América Central.

Houve também, uma alteração radical das políticas internas dos países, que acabaram por reproduzir o clima internacional da Guerra Fria. Qualquer ameaça de avanço comunista, mesmo por meios democráticos, como no Chile do presidente socialista Salvador Allende no início da década de 1970, era considerada dirigida contra o EUA. Assim, esse país tinha grande influência, destinando recursos para o desenvolvimento econômico, no caso de governos considerados pró-americanos, ou financiados intervenções armadas no caso dos governos considerados pró-comunistas. Não há, por exemplo, como negar que o extraordinário desenvolvimento econômico da Coréia do Sul dos anos1960 em diante está, em parte, relacionado à política norte-americana de isolar a Coréia do Norte socialista.

O fim da Guerra Fria inicia-se, na verdade, em 1985, quando da eleição do novo presidente soviético Mikail Gorbachev, que decide pelo desarmamento da União Soviética e pela desocupação dos países do Leste Europeu, além de permitir a liberdade de imprensa e de manifestações públicas nos países sob a sua influência. Como resultado, foram criados dezoito novos países em virtude da desintegração da União Soviética, Iugoslávia e da antiga Tchecoslováquia.

Desta forma, os EUA surgiram como a única potência militar do mundo. Se a Guerra Fria trouxe a política internacional para dentro de todas as nações, com o seu término, os EUA passaram a adotar uma postura de maior distanciamento em relação às ditaduras do mundo subdesenvolvido, algumas das quais – como no caso dos sanguinários Mobutu Sese Seko, do antigo Zaire, e de François “Papa Doc” Duvalier, do Haiti – haviam sido apoiadas pelo governo norte-americano, entre outros motivos, por serem anticomunistas.

Um país como a Somália, na África – que viveu durante a década de 1990 uma guerra civil envolvendo mais de vinte clãs armados lutando entre si – não sofre intervenção por parte dos EUA nem dos países desenvolvidos, já que não é considerado um ponto estratégico. Ou como no caso de Mianmá, ex-Birmânia, na Ásia, ode parlamentares eleitos democraticamente em 1990 foram presos depois de um golpe militar que se sustenta por mais de uma década, sem a manifestação da potência norte-americana. As intervenções armadas dos EUA não se dão por alegados motivos ideológicos anticomunistas, mas tão-somente quando há em questão interesses econômicos ou estratégicos.

Se as opções políticas tornaram-se mais restritas, sendo difícil recusar a vinculação econômica ao capitalismo e custoso implantar regime autoritários, em virtude das crescentes pressões da sociedade civil e dos organismos internacionais a favor da democracia, a construção de uma economia de mercado e de instituições democráticas não é tarefa fácil.

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Assim, continuam existindo vários sistemas e regimes de governo que não são internacionalmente questionados em suas políticas, a não ser que afetem os interessem econômicos dos países dominantes. Sangrentas guerras locais entre “etnias” ocorrem pelo mundo afora sem que haja um sistema político internacional, com poderes efetivos, que intervenha em benefício da paz ou do estabelecimento da ordem jurídica.

Com o fim da guerra fria no lugar de uma ordem se instaurou uma desordem internacional. Ou seja, se o comunismo antes era considerado uma ameaça ao poderio norte-americano, na sua ausência algumas regiões do mundo ficaram alijadas do mapa da política internacional.

14)A DEFESA dos valores democráticos

Com o fim da Guerra Fria e a dissolução do regime soviético, um número crescente de países tem escolhido seus representantes a partir do voto direto.

Outro fator que contribuiu para o renascimento de valores democráticos foi à difusão global de imagens a partir das novas tecnologias de comunicações, colocando pessoas sob regimes autoritários em contato com sociedades onde impera a liberdade de expressão e de organização política.

Segundo relatório do Banco Mundial, 61% dos 192 países existentes em 1998 realizaram eleições diretas nacionais. Em 1974 apenas 28% dos países escolhiam seus governantes pelo voto direto. Principalmente por causa da ditaduras militares da década de 70.

Em 1970 Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile estavam sob ditaduras militares. Grande maioria dos países asiáticos e africanos também era comandada por líderes autoritários.

A partir de 1990, a maioria dos países latino-americanos teve eleições diretas – com a exceção da Cuba socialista e de certa forma, do Paraguai, que sofria com ameaças de golpes; e do Peru, onde o ex-presidente Alberto Fujimori conseguiu se reeleger por duas vezes, até renunciar em 2000. Na África encontramos 25 dos seus 38 países com regimes formalmente democráticos. Na Ásia, o cenário político é um pouco mais complexo, já que de um lado, temos países como à Índia, que desde sua independência em 47 não interrompeu o seu processo democrático. Do outro há a China, que continua sendo governo ditador de partido único. Há monarquias, como na Tailândia, governada pelo rei Rama IX, países sob governos que iniciaram o processo de transição democrática, como a Coréia do Sul.

Mas, o mais expressivo avanço da democracia foi à destruição do regime de apartheid na África do Sul, com a vitória do líder negro Nelson Mandela. Do partido congresso nacional africano (CNA), nas eleições de 1994. Depois de ter ficado preso durante vinte anos, num países em que os negros não tinham acesso a propriedade nem ao voto, Mandela conseguiu o apoio da comunidade internacional e da ONU.

Esse fato revela a novidade trazida pelo mundo pós-guerra fria e pelas novas tecnologias. Os valores democráticos e de justiça social permeiam a opinião pública internacional, que rejeitou o regime racista da África do Sul. EM países como Irã, Paquistão e Indonésia, apesar das limitações da democracia, as mulheres conseguiram o direito do voto, em parte em decorrência do auxílio de pressões internacionais.

Da mesma forma, o massacre dos manifestantes chineses a favor da abertura democrática, na Praça da Paz Celestial em Pequim, por tanques do Exército, ano de 1989 – quando, segundo estimativas, cerca de 2 mil pessoas forma assassinadas, na

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sua maioria estudantes – acompanhado pelo mundo inteiro. A cena do estudante chinês que só e desarmado enfrenta um tanque tornou-se um símbolo mundial da defesa da cidadania. ...Os chineses da oposição, impedidos de se manifestar politicamente, se utilizam da internet como instrumento de denúncia.

Cabe ressaltar que a expansão econômica da China e dos tigres asiáticos, significou a ampliação do capitalismo sob controle muito rígido de governos autoritários, demonstrando que a economia de mercado não caminha necessariamente com a democracia.

Em 1998, dos 48 maiores países do mundo, 34 tiveram eleições nacionais e locais. A política é uma ferramenta de aprofundamento da democracia, já que os representantes são teoricamente mais capazes de aprimorar a qualidade de vida na cidades.

Por último, cabe ressaltar que os regimes democráticos existentes são muito distinto entre si. Basta lembrar que, em muitos países onde há eleições diretas, as corrupção segue elevada, enquanto a sociedade continua muito distante das decisões tomadas pelos governantes. Nesses casos, as eleições são fraudadas, os candidatos vitoriosos financiados pelo poder econômico e os direitos humanos desrespeitados, havendo inclusive tortura de presos políticos.

Nesse início de século, segundo historiador norte-americano Robert Darnton, dos cerca de 200 Estados Nacionais do globo, apenas cerca de 80 promovem eleições limpas e respeitam, ao menos minimamente, os direitos civis e de seus cidadãos.

Para averiguar a gestão pública, a ONG transparência internacional criou o “índice de corrupção global”, numa tentativa de medir o alcance desse fenômeno, a partir de dados e entrevistas realizadas em noventa países. Os países com mais corrupção são aqueles onde o poder público encontra-se ausente, como em Angola e na Nigéria, ou naqueles países, como a Iugoslávia, Ucrânia e Azerbaijão, em que a transição do regime comunista para a democracia provou ser mais lenta e complicada do que os analistas imaginavam. Isso porque não se instaura a democracia de uma hora para outra, devendo contar com apoio da população, da forças políticas, e estar consolidada sob a forma de instituições (Executivo, Legislativo, Judiciário) controladas pela sociedade civil.

15)O que é neoliberalismo?

São os valores liberais – especialmente aqueles originados do liberalismo econômico do século XIX – e que, a partir da década de 1980, voltam à tona num novo contexto. Tais valores defendem a menor intromissão do Estado na dinâmica do mercado, devendo o poder público se voltar para um conjunto limitado de tarefas, tais como a defesa nacional, a regulação jurídica da propriedade e a execução de algumas políticas sociais. Seria o chamado “Estado Mínimo”. Os governantes nas várias esferas passam então a fazer uso das políticas de abertura de mercado, eliminando os subsídios, corte de impostos e privatizações, colocando maior ênfase na busca da eficiência econômica e abrindo espaço para expansão do setor privado. Segundo os neoliberais as economias encontram-se “emperradas” pelo excesso de burocracia, pelo controle de sindicatos e pela cobrança de altos impostos. Para eles, as empresas estatais seriam, por natureza, ineficientes e os serviços públicos, de baixa qualidade. Os neoliberais encaram a desigualdade como algo positivo – a

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concorrência deve selecionar os melhores e os mais capazes deixando para trás os “incapazes”, numa espécie de darwinismo social.

Nesse contexto é “cada um por si e todos contra todos”. As políticas neoliberais foram implementadas a partir de 1980, com Ronald Reagan, nos EUA, e a primeira-ministra Margaret Thatcher, Inglaterra, expandindo-se pela Europa por meio do primeiro-ministro alemão Helmut Kohl, sendo aceitas até mesmo pelos primeiros-ministros socialistas François Miterrand, na França, e Felipe Gonzalez, na Espanha, durante os anos 80.

O Chile é uma exceção, já na década de 70, já aplicou as políticas neoliberais com a ditadura de Augusto Pinochet, antes dos europeus. Nos anos 90, o neoliberalismo transforma-se em cartilha política na América Latina com adesão da Argentina, Brasil, México e Peru, entre outros.

Depois da crise dos regimes socialistas no Leste Europeu, o neoliberalismo é apoiado por Boris Ieltsin, eleito presidente da Federação Russa, em 1992, com apoio do primeiro-ministro Yegor Gaidar, dando início a radical privatização e abertura da economia. Na Hungria e República Tcheca também se inserem nas mesmas políticas.

Até 1990, o neoliberalismo converte-se em ideologia da maioria dos governos, assim como das empresas multinacionais e do setor financeiro.

Vamos fazer um balanço desses 20 anos de neoliberalismo:1º. As políticas neoliberais conseguiram propiciar o aumento dos lucros do setor privado e reduziram as taxas de inflação em seus países.2º. As aplicações financeiras predominaram sobre os investimentos produtivos, consequentemente o desemprego aumentou e as políticas sociais são questionadas. 3º. Nos países europeus, os gastos sociais chegaram inclusive a crescer, já que a sociedade não admitia que o setor público fosse destruído e os desempregados fossem largados à própria sorte. 4º. Nos países da América Latina e do Leste Europeu é que os efeitos do neoliberalismos foram dramáticos. 5º. Os países asiáticos o neoliberalismo não se firmou. Apenas a Índia iniciou programa de privatização e o Japão abriu aos poucos a sua economia. Nas economias asiáticas o Estado é forte.6º. Por fim, o neoliberalismo, ao defender a redução das atribuições do Estado, e ao exigir a abertura das economias nacionais, torna-as mais indefesas em momentos de crises externas Para protegerem a fuga de dólares, alguns países em desenvolvimento adotam medidas impopulares e passam por cima dos poderes Legislativo e Judiciário, comprometendo a democracia.

Com o século XXI, o neoliberalismo deixa de ser uma ideologia facilmente aceita, abrindo espaço para críticas e propostas reformadoras, como: da França à Malásia, da China à Venezuela, em alguns governos municipais e estaduais do Brasil, México e África do Sul e por importantes pensadores ocidentais e orientais.

Depois dessa avaliação negativa do neoliberalismo, chagamos a conclusão de que a economia não pode comandar a política e a sociedade.

16)Globalização versus Estados Nacionais

Muitos intelectuais afirmam que com a globalização, os Estados Nacionais, tendem a desaparecer ou ao menos a perder parte substancial do seu poder. Isto é,

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ao abrir o mercado para multinacionais e a integração dos mercados financeiros tiraram a autonomia dos estados sobre os impostos. Para os governos nacionais teria apenas a tarefa de promoção da educação e saúde, além de políticas de emprego e assistência social para os mais pobres.

Mas na realidade, no lugar de se reduzir, o número de países e governos nacionais vem crescendo de forma significativa nos últimos quarenta anos.

Como pensar em fim do Estado Nacional?Se considerarmos que 75% da população mundial vivem em cerca de 25 países

com mais de cinqüenta milhões de habitantes e que estas populações continuam dependendo dos serviços fornecidos pelos seus governos, como acreditar em globalização da política?

Por outro lado, não há como negar que a globalização traz desafios para os Estados Nacionais. Com a expansão dos fluxos econômicos entre as fronteiras, a noção de soberania ou de controle do espaço nacional torna-se restrito. Na nova realidade, por exemplo, é possível às empresas saírem de um país ou então os capitais “fugirem” rapidamente da Bolsa, deixando um rastro de desempregados e endividados.

É justamente para vencer esses desafios que os Estados são importantes. Bem como, para defender a solução de problemas ecológicos e de crimes de extensão global, através de cooperação entre Estados.

O Estado Nacional Moderno surgiu nos séculos XVIII e XIX na Europa e depois se espalhou para as antigas colônias tornadas independentes. Ele se fundamenta primeiramente nos direitos civis dos indivíduos – liberdade de expressão e direitos jurídicos segundo a máxima de que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Depois, expandiu-se para abarcar os direitos políticos, construindo sociedades democráticas. Mais tarde, passou a se responsabilizar pelos direitos sociais – saúde, educação e assistência social.

Hoje, o Estado Nacional tem uma quarta tarefa a de impedir que a globalização instaure uma sociedade segmentada entre incluídos e excluídos. Por isso, devem investir em tecnologia e ciência, qualificação profissional, estimular o sistema produtivo, aumentar a competitividade do conjunto do país, além de acabar com os bolsões de miséria.

A CRESCENTE importância dos organismos multilaterais

Com a globalização das economias, as crises recorrentes dos países em desenvolvimento e o surgimento de novos problemas sociais, um conjunto de organizações internacionais, já existentes no passado, teve as suas atribuições alteradas. O FMI e o Banco Mundial passaram a desenvolver políticas diferentes das para as quais foram criadas. E também, surgiu a Organização Mundial de Comércio (OMC), em substituição ao antigo CATT, para regular as políticas comerciais de mais de 140 países, assegurando que estes mantenham a tendência atual de abertura de mercado.

Chamamos esses organismos de multilaterais ou internacionais, em vez de globais, porque são fóruns nos quais os vários países encaminham as suas demandas (necessidades) e propõem políticas, assim não existe um poder autônomo global que dita as regras, que se sobreponha ao poder dos Estados Nacionais. Por mais que esses três órgãos estejam voltados mais para os países em desenvolvimento, agem de acordo com os interesses dos países desenvolvidos. Muitos temas debatidos

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nesses fóruns chegam com a decisão tomada pelo G8 (as sete maiores economias + a Rússia), ou pela OCDE (que agrega 27 países sendo na maioria do mundo rico).

A ONU (organização das nações unidas) está com seu papel sendo redimensionado, demandando políticas nas áreas da saúde, educação, agricultura e combate ao desemprego, bem como iniciativas que promovam a paz mundial.

17) O FMI e o Banco Mundial

Essas duas instituições fazem empréstimos aos países mais pobres para que esses possam quitar suas dívidas. Elas são controladas pelos países desenvolvidos, que contribuem com a maior parte dos recursos financeiros. Se mais de 180 países fazem parte do FMI e do Banco Mundial, o poder de voto depende da dotação financeira. No caso do FMI, 40% dos recursos são fornecidos pela Alemanha, EUA, França, Inglaterra e Japão, os quais possuem um terço dos votos nas decisões tomadas. No Banco Mundial, as prioridades são definidas pelo Conselho de Governadores, controlado pelos países desenvolvidos.

Tanto o FMI quanto o Banco Mundial operam à base das chamadas condicionalidades. Um país que necessita de recursos externos, seja para realização de investimentos em infra-estrutura, é considerado um país com desajustes econômicos, os quais necessitam ser corrigidos. Um pacote de políticas vem então junto com os empréstimos: os países devem privatizar suas empresas, eliminar subsídios, reduzir os gastos sociais em tempos de crise, abrir suas economias e reformar o setor público. Não é à toa que essas instituições são consideradas as principais promotoras do neoliberalismo.

As críticas a essas instituições:- A Somália e o Zimbábue na África, depois do acordo com FMI, perderam sua auto-suficiência alimentar, ao serem obrigados a cortar subsídios dos pequenos agricultores;- A Tanzânia, também na África, depois do acordo com FMI, presenciou uma queda da sua renda per capita e um aumento na taxa de alfabetismo;- Na Índia, o corte de gastos com saneamento básico e saúde (para estabelizar as contas públicas) trouxe de volta a peste bubônica;- As econômica do Leste Europeu sofreram perdas de 20 a 30% da sua produção entre 1990 e 1992.

Essas duas instituições se defendem dizendo que os países não souberam aplicar o remédio, sendo necessário doses mais fortes. Só a partir de 1995 quando elas receberam críticas forte foi que começaram a desenvolver projetos de combate à pobreza, de alívio da dívida externa dos “países mais seriamente endividados” e de melhoria dos serviços públicos, estimulando, principalmente o Banco Mundial, a participação da própria população envolvida e de organizações locais e populares. Mas há um intenso debate em torno da revisão do papel dessas instituições multilaterais, pedindo maior transparência em sua decisões, para que não agravem mais a situação social da população pobre dos países que recebem seus recursos.

18) A OMC e os Interesses dos países ricos e das multinacionais

Em 1995, foi criada a Organização Mundial de Comércio (OMC), com sede em Genebra na Suíça, composta por 142 países no ano 2001. Destes 100 são considerados países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

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O objetivo principal dessa instituição é o liberalizar o comércio mundial, reduzindo barreiras tarifárias (impostos de importação) e restringindo o uso das chamadas barreiras não-tarifárias (práticas de restrição às importações usadas por determinado país), como no caso das cotas ou de barreiras técnicas ou sanitárias.

A cada dois anos se reúnem os ministros das Relações Exteriores dos países membros para negociar a pauta geral nas quais os países estão dispostos a ceder em benefício de regras amplas e consensuais. Nesta instituição, cada país tem um voto, e todas as decisões são aprovadas por unanimidade. Além disto, tem um órgão para solucionar conflitos ou interpretações das normas. Só os países membros podem consultar e solicitar abertura de painéis. Ele surgiu com o intuito de funcionar como um tribunal das tocas comerciais entre os países, impedindo que esses se fechassem nos seus blocos regionais, ou que fizessem uso de políticas internas que beneficiassem os produtos locais em detrimento dos fabricados em outros países. Ou seja, com a abertura dos mercados, um subsídio concedido aqui, ou uma tarifa elevada acolá, significam transferência do comércio de umas áreas para outras. Assim, a OMC procura criar um conjunto de regras acerca do que pode ser feito ou não para estimular os setores produtivos nacionais.

Mas, sofrendo pressões das multinacionais a OMC acaba por estabelecer regras que privilegiam os interesses desse grupos. E também, não impedem que países desenvolvidos restrinjam seus mercado a partir de artifícios técnicos. É o caso da limitação à importação de atum vindo do México ou da Coréia do Sul, imposta pelos EUA, como forma de defender os golfinhos, ou da barreira dos EUA à gasolina importada do Brasil e Venezuela por questões sanitárias. Os países mais pobres, ao contrário, não dispõem de recursos para sustentar equipes técnicas nos extensos painéis da OMC.

Se não forem criadas novas leis e mecanismos que permitam mais autonomia e maior participação no crescimento do comércio para os países subdesenvolvidos, cedo ou tarde estes países podem optar por modelos de desenvolvimento mais fechados, inclusive comprometendo a globalização.

A OnuExistem vários outros organismo multilaterais voltados para questões sociais,

humanitárias e para a resolução de conflitos mundiais. Esses organismos estão geralmente sob a estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU), tratando cada um de temas específicos.

A ONU foi criada em 1945, com cinqüenta países. Hoje tem 190 países, com várias instância, dentre as quais, a Assembléia Geral, realizada uma vez por ano, quando os representantes do países se reúnem na sua sede, em Nova York, com intuito de debater questões relevantes ao cenário internacional. Outra instância importante é o Conselho de Segurança, cujo papel é o de manter a paz mundial. Composto por quinze países, cinco fixos (EUA, França, Inglaterra, Rússia e China) e dez rotativo. As decisões dependem de nove votos favoráveis, sendo que um voto contrário inviabiliza qualquer decisão. Ou seja, a ONU também não é uma organização global, pois é comandada pelos interesses de alguns governos nacionais poderosos.

Além disso, uma parte expressiva do trabalho das Nações Unidas está relacionadas à promoção de melhores condições de vida nos países em desenvolvimento, por meio de ações voltadas para a melhoria dos níveis de educação, saúde, alimentação e das condições de trabalho, além do combate ao

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trabalho infantil, ao turismo sexual e à AIDS – ações de agências específicas subordinadas ao Conselho Econômico e Social.

Contudo, a intensa atividade da ONU não vem acompanhada de uma transformação das relações entre ricos e pobres, ou entre globalizadores e globalizados. Os seus poderes são limitados e a suas atividades encontram-se bastante aquém dos desafios sociais existentes.

19)As sociedade nacionais e a emergência da sociedade global

Se a globalização propiciou a emergência de uma sociedade global, em que se verificam manifestações e alianças conjuntas de trabalhadores, empresários, camponeses, movimentos feministas, ambientalistas e organizações não-governamentais de vários países, por outro lado esses movimentos sociais continuam intervindo no âmbito nacional, onde são tomadas boa parte das decisões políticas.

Desta forma, as tarefas da sociedade nacional é importante, já que as alianças internacionais podem tornar o combate à exclusão social e o trabalho infantil mais efetivo, se os valores humanistas universais forem defendidos em todos os países. Além disso, a internet permite que informações sobre as condições de vida e as propostas dos movimentos sociais sejam conhecidas mais rapidamente em várias partes do mundo.

Aos poucos, vai se criando uma sociedade civil global com valores morais distintos dos valores econômicos das organizações multilaterais como FMI, Banco Mundial e a OMC, o que permite a discussão dos rumos e alcances da globalização.

No âmbito cultural, presencia-se, de um lado, a emergência de uma mídia global e a padronização do consumo e dos gostos, enquanto de outro se cria uma resistência local, voltada para a proteção dos valores mais íntimos das comunidades: é o poder da identidade que se rebela contra a imposição de padrões homogêneos de comportamento e expressão cultural. Portanto, a globalização propicia tanto a expansão de alianças sociais internacionais, com propósitos e ideologias diferenciadas, como a reação de movimentos locais e nacionais à invasão estrangeira.

A POBREZA no mundo

O processo de abertura de mercado, o incentivo ao investimento financeiro e a redução do papel do Estado tem levado ao aumento da desigualdade, ampliando a distância entre ricos e pobres e gerando um contingente de trabalhadores desempregados e excluídos dos serviços sociais.

O mundo globalizado tem ampliado os contrates e as desigualdades. De um lado, a aquisição de produtos sofisticados por uma pequena elite conectada aos fluxos internacionais de dinheiro e comércio, existente em todos os países; de outro, a expansão de um contingente significativo de pobres e excluídos do acesso aos bens básicos. Segundo o Relatório do banco Mundial de 2000 1,2 bilhão de pessoas (24% da população do mundo) vive com menos de um dólar por dia, e quase metade da população mundial tem menos de dois dólares por dia para viver. Isso demonstra que a globalização não conseguiu universalisar um padrão de consumo básico para todos os habitantes do planeta.

Se analisarmos a distribuição da população mais pobre, que dispõe de menos de um dólar por dia, veremos que ela se entra divida da seguinte forma: 43% dos

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pobres vivem no sul da Ásia em países como a Índia, Bangladesh e Pasquitão; 18% na China; 25%, na África; e outros 15% estão distribuídos entre o Sudeste Asiático (Indonésia, Malásia, Filipinas), América Latina e Leste Europeu.

Se a pobreza já existia nesses países, pode-se dizer que o processo de globalização, ao ampliar a distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas também entre os ricos e pobres em cada país, contribuiu para agravar essa situação.

Mesmo nos países ricos, a pobreza ampliou-se de forma significativa nos anos 1990, quando se acelerou o processo de globalização econômica. Estima-se que nos países industrializados 15% das crianças vivam em situação de pobreza. É obvio que um pobre alemão ou norueguês possui um padrão de vida bem superior ao de um pobre brasileiro ou indiano. Mas, esse indicador reflete que uma parcela da população dos países ricos também não tem colhido as vantagens da globalização. Nos EUA 14% das pessoas e 20% das crianças são pobres, não tendo se aproveitado do crescimento econômico dos anos 1990.

Na última Assembléia Geral da ONU do século XX, realizada em 2000, foram estipuladas algumas metas de combate à pobreza global até 2015: reduzir em 15% as pobreza extrema, matricular todas as crianças na escola, reduzir em 60% as taxas de mortalidade infantil e diminuir de forma substantiva a discriminação contra a mulher. Para isso, tem que modificar as regras da economia global, fazendo com que os países mais pobres consigam ampliar o acesso aos mercados externos, assumindo também a sua tarefa de ampliar as políticas sociais bem como o nível de emprego.

A globalização traz consigo maior concentração da população nas cidades, onde se acumula, especialmente nas grandes e inchadas metrópoles dos países subdesenvolvidos, uma parte significativa dos pobres, desempregados e trabalhadores informais.

A EXPANSÂO do desemprego e do emprego informal

O aumento da desigualdade entre países ricos e pobres e o crescimento da pobreza tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos esteve relacionado à abertura dos mercados e ao crescimento desordenado da esfera financeira, propiciando a expansão do desemprego e do emprego informal na grande maioria dos países, ainda que em ritmos e com significações diferentes.

Um desempregado sueco ou francês é diferente de um desempregado peruano ou tailandês. No primeiro caso, existem sistemas de seguro-desemprego sólidos, os quais durante mais de um ano cobrem boa parte do salário do trabalhador no seu último emprego. No segundo caso, os sistemas de proteção ao desempregado são frágeis e muitas vezes não há alternativas aos direitos trabalhistas. Nesses empregos, os trabalhadores “pulam de bico em bico”, não construindo uma carreira profissional que leve ao aumento do aprendizado e do nível de renda.

Como explicar essas tendências de aumento do desemprego e expansão da informalidade?

Isso de deve à aplicação conjunta de medidas de abertura de mercado, privatização, inovação tecnológica acelerada com redução da capacidade produtiva, além das mudanças na legislação trabalhista que passaram a permitir empregos temporários e por tempo parcial – a grande maioria dos quais são precários, pois pagam baixos salários e não dispõem de contribuição à aposentadoria.

Pode-se também cogitar que a expansão da informalidade esteja relacionada a uma mudança no processo de trabalho. Com as novas tecnologias e a preocupação

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constante com eficiência, uma parte crescente dos trabalhadores trabalha em casa, possui contratos individuais ou está empregado em pequenas empresas. Isso confere agilidade ao processo produtivo e reduz custos no curto prazo, aumenta a insegurança, já que o trabalhador possui menos benefícios e não sabe até quando vai ter emprego. Ao mesmo tempo, em atividades novas como chapeiros de hambúrgueres, guardadores de carros em estacionamentos, passeadores de cães e entregadores de pizzas, os sindicatos raramente estão presentes. Com o trabalho informal os salários não são nivelados e não tem legislação trabalhista respeitada.

Com exceção dos EUA, os países desenvolvidos nos anos 1990 tiveram seus níveis de desemprego aumentado. Porém, foram nos em desenvolvimento (Índia, Rússia, Brasil, Indonésia e China) que o desemprego e informalidade mais cresceram nos últimos vinte anos do século XX.

Seria o caso de nos perguntarmos se existe uma força de trabalho global?

Isso só acontece apenas em alguns casos, como no segmento de executivos altamente qualificados, os quais são disputados pelas grandes multinacionais. Aí, sim, existe um mercado global com salários nivelados e exigências profissionais semelhantes. A maioria esmagadora dos trabalhadores segue, entretanto, pres às condições locais e nacionais do mercado de trabalho, havendo diferenças salariais gigantes entre as várias economias.

A imigração tem sido bem inferior do que foi no passado. Nos EUA no ano 2000, 12% dos trabalhadores eram imigrantes, percentual inferior aos 15% do início do século.

Na verdade, apenas 2% da mão-de-obra mundial é composta de imigrante. Mas há diferenças significativas: enquanto na Suíça, Canadá e Austrália, mais de 20% da mão-de-obra é estrangeira, em países como Japão e Espanha esse percentual é inferior a 1%.

A imigração só não é maior pelas barreiras a que os trabalhadores pobres dos países subdesenvolvidos estão sujeitos na busca por melhores condições de vida.

Se não existe um mercado de trabalho global, seria ingênuo negar os impactos da globalização sobre o mercado de trabalho. Isso porque as empresas multinacionais passam a subcontratar serviços de trabalhadores na periferia do mundo, com salários e benefícios sociais menores. Além disso, as empresas usam com freqüência a ameaça de que podem mudar as suas fábricas para países mais pobres, no caso de os sindicatos locais não se conformarem com níveis salariais inferiores.

20)CRIME GLOBAL

Juntamente com a expansão do mercado global houve o crescimento de atividades ilícitas e desumanas, como a economia do crime internacional, o turismo sexual, o ressurgimento da escravidão e o trabalho infantil.

A economia do crime global aproveita-se da dissolução da economia soviética, da crise social dos países em desenvolvimento e da globalização financeira – lavando dinheiro de atividades criminosas. Por sua vez, as novas tecnologias abrem espaço para que as gangues e máfias locais e nacionais se organizem em rede, dividindo atribuições e mercados, atuando de forma complementar, trocando informações, montando “filiais” e abrigando criminosos. Exemplo: a cocaína da

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Colômbia chega à Europa a partir de um acordo firmado com os sicilianos, que cobram uma comissão para abrir o mercado.

As conexões entre as máfias norte-americana, siciliana e japonesa, os cartéis colombianos e mexicanos, as tríades chinesas, as redes criminosas nigerianas, os traficantes de heroína da Turquia e os mafiosos russos. O crime organizado global gira em torno de algumas atividades básicas: tráfico de drogas e armas, contrabando de imigrantes ilegais e tráfico de mulheres e crianças. Essas atividades estão interligadas, muitas vezes os investimentos aplicados em um acabam aproveitados nos outros.

Em 1990 o trafico de drogas internacional movimentou mais dinheiro que o comércio de petróleo. O tráfico de armas acabam contrabandeadas para países como Irã, Iraque e Líbia, e para grupos guerrilheiros espalhados pelo mundo.

O tráfico de mulheres e crianças aparece como a terceira mais rentável das atividades do crime organizado global. As garotas são atraídas por anúncios de emprego e são coagidas a se prostituir e se tornando escravas. O tráfico de mulheres e crianças e a prostituição acabam interagindo com uma outra grande indústria, a do turismo. Pacotes de turismo para cidadãos alemães e norte-americano em suas viagens ao Nordeste no Brasil e outros países envolvem atividades sexuais com menores de idades. O turismo sexual.

Ale destas, temos uma quarta atividade que estimula a criminalidade, é a rede global de pornografia. Os sites de pornografia infantil são elaborados em países como Holanda e Suécia, de tecnologia avançada. Nesse mercado, como naqueles de bens tradicionais, há uma divisão internacional do trabalho, em que os ricos trazem conhecimento e tecnologia e os pobres a destruição dos seus corpos e da sua dignidade.

Com a piora significativa das condições sociais, surgem novas formas de escravidão. Segundo o sociólogo norte-americano Kevin Bales existem cerda de 27 milhões de escravos no mundo, mais do que o total de escravos transportados da áfrica para a Américas durante o período colonial. Os novos escravos submetem-se a essa condição em virtude de dívidas contraídas ou de contratos de trabalho assumidos nos quais se tornam propriedade dos seus empregadores.

Outra tragédia amplificada no mundo globalizado é o trabalho infantil. Em 1996 existiam 250 milhões de crianças entre cinco e catorze anos trabalhando no mundo, sendo que metade destas em período integral. Na África, 40% das crianças estão inseridas no mercado de trabalho.

Nos países desenvolvidos também há trabalho infantil. Nos EUA, crianças trabalham nos restaurantes de fast-food, em fábricas de roupa situadas em Manhattan, Nova York, mas também setor agrícola, no Texas e na Florida. Na Itália cerca de 500 mil crianças trabalham especialmente o sul do país.

Isso tudo demonstra a desagregação social global. Drogas, armas, mulheres e crianças tornaram-se mercadorias de valor, gerando lucros para um grupo econômico ilegal.

AS ONGS

O surgimento de problemas sociais a nível global traz consigo forças contestadoras. A pobreza, o desemprego, a informalidade, o trabalho infantil e a destruição do meio ambiente são alvos de denúncias pelos movimentos sociais. A partir da década de 80 e 90 as ONG´S organizações não governamentais emergiram com força na sociedade global. As ONG´S são entidades encontram-se a meio

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caminho entre o Estado e o setor privado. Concentradas nas atividades culturais, da educação, saúde, assistência social e defesa dos direitos humanos, desempenham tarefas que, no passado, eram prerrogativa exclusiva do poder público. Por outro lado, também não se encaixam no setor privado, já que não visam lucro, contando muitas vezes com benefícios fiscais. Cumprem com o papel da consciência crítica da globalização.

Um exemplo, o movimento ambientalista é com certeza o que adquiriu maior alcance na mídia e repercussão mundial. Conseguiu colocar a ecologia como ordem do dia. Suas campanhas vão desde os protesto à caça de baleias até à condenação do efeito estufa (aquecimento global pela emissão de gás carbônico) englobando também a defesa dos direitos dos consumidores e os protesto antinucleares.

Conseguem muitas vezes fazer pressão sobre os governos e alterar as suas legislações.

A questão das patentes das indústria farmacêutica é outro exemplo, de um lado as gigantescas empresas multinacionais, as quais querem a proteção das suas invenções, cobrando preços altos pelos remédios e apoiadas pela OMC; de outro, temos uma rede de ONGS que luta pelo direito à vida da AIDS, tais com OXfam e a Médicos Sem Fronteiras, apoiadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para o Combate à Aids (Unaids).

Temos também o movimento do sem terras, o movimento feminista, todos os movimentos sociais contam com um grande poder de mobilização e conscientização. São eles o outro lado da globalização, não do mercado, mas dos valores morais. Defensores dos direitos humanos, do direito à informação, do meio ambiente, do combate ao racismo, da igualdade sexual e dos padrões trabalhistas não tem conseguido, entretanto, unificar as suas propostas. Ou seja, o mundo globalizado convive com a unificação das lutas sociais e com a fragmentação de suas metas defendidas.

CULTURA GLOBALIZADA

A dimensão cultural é a referência para decifrar os valores do mundo global. Existe uma cultura global?Para o autor Sim, as indústrias culturais do cinema, fonográfica, do livro, da

imprensa e do grandes espetáculos (shows de rock, fórmula 1, copa do mundo e olimpíadas) domina o espaço global com os seus bens e mercadorias culturais. As grandes estrelas do esporte, do cinema e da música pop vendem a sua imagem, emprestando suas características simbólicas a produtos. A indústria cultural mescla-se as demais indústrias.

Seria ingênuo imaginar a cultura globalizada como geradora de uma uniformização completa da estética em todas as partes. Ela assimila e transforma uma parte da cultura local, deixando também espaço para os valores culturais locais não incorporados pelo grande mercado.

Deve-se destacar também que um conjunto de movimentos sociais e culturais passam a rejeitar o império da cultura global. Os franceses, por exemplo, conseguiram impedir o livre comércio dos bens culturais na legislação da OMC, temendo o risco do enfraquecimento de sua produção cinematográfica. Ao mesmo tempo produções independentes de mídia e cinema se desenvolvem, voltadas para a expressão das culturas locais, enfrentando as regras e modas do mercado global.

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CONCLUSÃOComo vimos, dependendo do grupo social- empresários, trabalhadores,

camponeses, funcionários públicos e classes medias – e dos países onde esses se encontram, a globalização pode ser louvada ou criticada, surgindo assim os profetas e os críticos da globalização.

As várias interpretações da globalização revelam que a globalização não existe como algo definitivo, mas evolui a partir dos conflitos e interações entre forças sociais que operam nos vários níveis nacionais, e que hoje procuram aliados internacionais com o intuito de conformar movimentos sociais globais dotados de várias ramificações, assim como no caso das empresas multinacionais. Aqui trata-se, entretanto, não da busca do lucro, mas da luta pela universalização de valores éticos e sociais.

Caberá à sociedade civil organizada, nacional e internacional, bem como aos governos, e organismo multilaterais, estabelecer metas e compromissos delongo prazo, com o objetivo de impedir uma escolha entre dois mundos igualmente insatisfatórios para os destinos da humanidade.

Referência Texto extraído e adaptado de Alexandre de Freitas BARBOSA. O mundo globalizado. São Paulo: Contexto, pp. 01-127.

Questões sobre globalização:

1) O que é globalização?2) A globalização significa homogeneidade entre os países? Explique.3) Quem são os países pertencentes ao G8 e o que eles representam?4) Por que só podemos falar de globalização após 1989?5) Por que o açúcar foi o produto que representa nossa “globalização”?6) Após a Segunda Grande Guerra o padrão de organização da produção norte-

americano passa a ser reproduzido nos países europeus e depois nos de terceiro mundo. Que padrão é esse. Explique.

7) Qual a definição de globalização da década de 80?8) Explique coeficiente de abertura comercial.9) Explique por que os tigres asiáticos são exportados de tecnologia de ponta.10) Quais são os três países que exportam tecnologia de ponta e contam com 13 %

da população mundial e respondem por 70 % da população mundial?11) Explique o caso do continente africano quanto á globalização comercial.12) Qual é o pensamento da economista brasileira Cristóvão Buarque sobre a nova

divisão do trabalho?13) Explique a seguinte frase de Alexandre de Freitas Barboza: “a economia

mundial não está caminhando para a unificação, mas para uma maior polarização entre região pobres e ricas...”

14) Cite os blocos regionais.15) Explique os diferentes tipos de blocos regionais: Área de livre – comércio,

União Aduaneira, Mercado comum, União Econômico.16) Qual é a lógica dos países formarem blocos comerciais?17) O que são multinacionais?18) Qual a vantagem das empresas multinacionais se instalarem em países em

desenvolvimento?

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19) Qual a vantagem dos países em desenvolvimento receberem as multinacionais?20) Explique Investimentos Diretos Externos (IDES).21) Qual a origem das multinacionais que detêm 40 %do mercado mundial?22) Explique os motivos para existirem fusões e aquisições.23) Existe maneira de controlar os excessos praticados por empresas que dominam a

produção mundial? Explique.24) Quais são as novidades do mercado financeiro na Era da Globalização?25) Qual a esfera da globalização econômica que permite a expansão da

globalização financeira?Explique.26) O autor diz que o dinheiro também se globaliza. Explique essa afirmação.27) A globalização financeira pode levantar um país como também pode colocá-lo

em crise. Por quê?28) Existe mecanismo de regulamentação dos fluxos financeiros internacionais?29) Explique como surgiu a internet.30) Qual o papel do Estado para o desenvolvimento das novas tecnologias?31) Explique os cinco aspectos que explica a dimensão inovadora das novas

tecnologias segundo o sociólogo espanhol Manoel Castelles.32) Explique por que as novas tecnologias de informação ainda não atingiram o

mundo inteiro.33) O que leva as empresas de alta tecnologia escolher o local para a realização dos

seus investimentos?34) Qual é a esfera da sociedade que menos se globalizou? Por quê?35) O que é neoliberalismo?36) Explique a pobreza existente no mundo.37) Explique a expansão de crimes a nível global.38) Explane sobre cultura global e cultura nacional.39) Explique o que são as organizações multilaterais.40) Explique o que é o FMI.41) Explique o que é o Banco Mundial.42) Explique o que é a OMC.

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 09PROFESSORA: Marie Almeida

APRESENTAÇÃO: Transformações do trabalho.

DESENVOLVIMENTO:

Texto: AS METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO Autor: RICARDO ANTUNES

Observa-se, no universo do mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo, uma múltipla processualidade: de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado, com maior ou menor repercussão em áreas industrializadas do Terceiro Mundo. Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços; verificou-se uma significativa heterogeneização do trabalho, expressa também através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário ; vivencia-se também uma subproletarização intensificada, presente na expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, “terceirizado”, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado, da qual os gastarbeiters na Alemanha e o lavoro nero na Itália são exemplos do enorme contingente de trabalho imigrante que se dirige para o chamado Primeiro Mundo, em busca do que ainda permanece do welfare state, invertendo o fluxo migratório de décadas anteriores, que era do centro para a periferia.

O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora.

Vamos procurar, nas páginas que seguem, dar alguns exemplos deste múltiplo e contraditório processo, em curso no mundo do trabalho. Faremos isso fornecendo alguns dados somente com o objetivo de ilustrar estas tendências.

Comecemos pela questão da desproletarização do trabalho fabril, industrial. Na França, em 1962, o contigente operário era de 7,488 milhões. Em 1975, esse número chegou a 8,118 milhões e em 1989 reduziu-se para 7,121 milhões. Enquanto em 1962 ele representava 39% da população ativa, em 1989 esse índice baixou para 29,6% (dados extraídos notadamente de Economie et Statistiques, L’INSEE, in Bihr, 1990; ver também Bihr, 1991: 87-108). Frank Annunziato, referindo-se às oscilações na força de trabalho nos EUA, transcreve os seguintes dados (em milhares):

Indústria 1980 1986 Variação (%)

Agricultura 3.426 2.917 -14,8 Mineração 1.027 724 -29,5 Construção 4.346 4.906 +12,8 Manufatura 20.286 18.994 -6,3

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Transp. e Serv. Público 5.146 5.719 +11,1 Grande Comércio 5.275 5.719 +8,7 Pequeno Comércio 15.035 17.845 +18,6 Finanças, seguros e bens 5.159 6.297 +22,0 Governamental 16.241 16.711 +2,8 Serviços 11.390 22.531 +97,8

Os dados evidenciam, de um lado, a retração dos trabalhadores da indústria manufatureira (e também da mineração e dos trabalhadores agrícolas). De outro lado, tem-se o crescimento explosivo do setor de serviços que, segundo o autor, inclui tanto a “indústria de serviços” quanto o pequeno e grande comércio, as finanças, os seguros, o setor de bens imóveis, a hotelaria, os restaurantes, os serviços pessoais, de negócios, de divertimentos, da saúde, os serviços legais e gerais. (Annunziato, 1989; 107).

A diminuição do operariado industrial também se efetivou na Itália, onde pouco mais de um milhão de postos de trabalho forma eliminados, havendo uma redução da ocupação dos trabalhadores na indústria, de 40% em 1980, para pouco mais de 30%, em 1990 (Stuppini, 1991:50).

Outro autor, num ensaio mais prospectivo, e sem a preocupação da demonstração empírica, procura indicar algumas tendências em curso, decorrentes da revolução tecnológica: lembrar que projeções do empresariado japonês apontam como objetivo “eliminar completamente o trabalho manual da indústriajaponesa até o final do século. Ainda que possa haver nisto certo ufanismo, a exposição deste objetivo deve ser levada a sério” (Schaff, 1990; 28).

Em relação ao Canadá, transcreve informações do Science Council of Canada Report (n.33, 1982) “que prevê a moderna taxa de 25 % de trabalhadores que perderão seu emprego até o final do século em conseqüência da automação”. E, referindo-se às previsões norte-americanas, alerta para o fato de que “serão eliminados 35 milhões de empregos até o final do século em conseqüência da automação” (Schaff, 1990: 28).

Pode-se dizer que nos principais países industrializados da Europa Ocidental, os efetivos de trabalhadores ocupados na indústria representam cerca de 40% da população ativa no começo dos anos 40. Hoje, sua proporção se situa próxima dos 30%. Calcula-se que baixará a 20 ou 25% no começo do próximo século (Gorz, 1990a e 1990b).

Esses dados e tendências evidenciam uma nítida redução do proletariado fabril, industrial, manual, especialmente nos países do capitalismo avançado, quer em decorrência do quadro recessivo, quer em função da automação da robótica e da microeletrônica, gerando uma monumental taxa de desemprego estrutural.

Paralelamente a essa tendência, há outra também extremamente significativa, dada pela subproletarização do trabalho, presente nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, “terceirizado”, vinculados à “economia informal”, entre tantas modalidades existentes. Como diz Alain Bihr (1991:89), essas categorias de trabalhadores têm em comum a precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a conseqüente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindical, configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial.

A título de exemplo: na França, enquanto houve uma redução de 501 mil empregos por tempo completo, entre 1982 e 1988 deu-se, no mesmo período, o aumento de 111 mil empregos em tempo parcial (Bihr, 1990). Em outro estudo, o mesmo autor acrescenta que essa forma de trabalho “a típica” não pára de se desenvolver depois da

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crise: entre 1982 e 1986, o número de assalariados em tempo parcial aumentou em 21,35% (Bihr, 1991: 51). Na mesma direção segue este relato: “A atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de trabalhadores ‘centrais’ e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos... Na Inglaterra, os ‘trabalhadores flexíveis’ aumentaram em 16%, alcançando 8,1 milhões entre 1981 e 1985, enquanto os empregos permanentes caíram em 6%, ficando em 15,6 milhões... Mais ou menos no mesmo período, cerca de um terço dos dez milhões de novos empregos criados nos EUA estavam na categoria ‘temporário’” (Harvey, 1992:144).

André Gorz acrescenta que aproximadamente 35 a 50% da população trabalhadora britânica, francesa, alemã e norte-americana encontra-se desempregada ou desenvolvendo trabalhos precários, parciais, que Gorz denominou de “proletariado pós-industrial”, expondo a dimensão real daquilo que alguns chamam de sociedade dual (Gorz, 1990: 42 e 1990a).

Ou seja, enquanto vários países de capitalismo avançado viram decrescer os empregos em tempo completo, paralelamente assistiram a um aumento das formas de subproletarização, através da expansão dos trabalhadores parciais, precários, temporários, subcontratados, etc. Segundo Helena Hirata, 20% das mulheres no Japão, em 1980, trabalhavam em tempo parcial em condições precárias. “Se as estatísticas oficiais contavam 2.560 milhões de assalariados em tempo parcial em 1980, três anos depois a Revista Economisto de Tóquio estimava em 5 milhões o conjunto das assalariadas trabalhando em tempo parcial.” (Hirata, 1986: 9).

Desse incremento da força de trabalho, um contingente expressivo é composto por mulheres, o que caracteriza outro traço marcante das transformações em curso no interior da classe trabalhadora. Esta não é “exclusivamente” masculina, mas convive, sim, com um enorme contingente de mulheres, não só em setores como o têxtil, onde tradicionalmente sempre foi expressiva a presença feminina, mas em novos ramos, como a indústria microeletrônica, sem falar do setor de serviços. Essa mudança na estrutura produtiva e no mercado de trabalho possibilitou também a incorporação e o aumento da exploração parcial, em trabalhos “domésticos” subordinados ao capital (veja-se o exemplo da Benetton), de tal modo que, na Itália, aproximadamente um milhão de postos de trabalho, criados nos anos 80, majoritariamente no setor de serviços, mas com repercussões também nas fábricas, foram ocupados por mulheres (Stuppini, 1991:50). Do volume de empregos em tempo parcial gerados na França entre 1982 e 1986, mais de 880% foram preenchidos pela força de trabalho feminina (Bihr, 1991: 89). Isso permite dizer que esse contingente tem aumentado em praticamente todos os países e, apesar das diferenças nacionais, a presença feminina representa mais de 40 % do total da força de trabalho em muitos países capitalistas avançados (Harvey, 1992: 146 e Freeman, 1986: 5).

A presença feminina no mundo do trabalho nos permite acrescentar que, se a consciência de classe é uma articulação complexa, comportando identidades e heterogeneidades, entre singularidades que vivem uma situação particular no processo produtivo e na vida social, na esfera da materialidade e da subjetividade, tanto a contradição entre o indivíduo e sua classe, quanto aquela que advém da relação entre classe e gênero, tornaram-se ainda mais agudas na era contemporânea. A classe-que-vive-do-trabalho é tanto masculina quanto feminina. É portanto, também por isso, mais diversa, heterogênea e complexificada. Desse modo, uma crítica do capital, enquanto relação social, deve necessariamente apreender a dimensão de exploração presente nas relações capital/trabalho e também aquelas opressivas presentes na relação

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homem/mulher, de modo que a luta pela constituição do gênero-para-si-mesmo possibilite também a emancipação do gênero mulher.

Além da desproletarização relativa do trabalho industrial, da incorporação do trabalho feminino, da subproletarização do trabalho, através do trabalho parcial, temporário, tem-se, como outra variante deste múltiplo quadro, um intenso processo de assalariamento dos setores médios, decorrentes da expansão do setor de serviços. Vimos que, no caso dos EUA, a expansão do setor de serviços – no sentido amplo em que é definido pelo censo realizado pelo Departamento de Comércio daquele país – foi de 97,8% no período de 1980/1986, sendo responsável por mais de 60% de todas as ocupações (não incluído o setor governamental) (Annunziato, 1989: 107).

Na Itália, “contemporaneamente cresce a ocupação no setor terciário e no de serviços, que hoje ultrapassa 60% do total das ocupações” (Stuppini, 1991: 50). Sabe-se que essa tendência atinge praticamente todos os países centrais.

Isso permite indicar que “nas pesquisas sobre a estrutura e as tendências de desenvolvimento das sociedades ocidentais altamente industrializadas encontramos, de modo cada vez mais freqüente, sua caracterização como ‘sociedade de serviços’”. (Offe, Berger, 1991: 11). Deve-se afirmar, entretanto, que a constatação do crescimento desse setor não nos deve levar à aceitação da tese das sociedades pós-industriais, pós-capitalistas, uma vez que se mantém, “pelo menos indiretamente, o caráter improdutivo, no sentido da produção global capitalista, da maioria dos serviços. Pois não se trata de setores com acumulação de capital autônomo; ao contrário, o setor de serviços permanece dependente da acumulação de capital autônomo; ao contrário, o setor de serviços permanece dependente da acumulação industrial propriamente dita e, com isso, da capacidade das indústrias correspondentes de realizar mais-valia nos mercados mundiais. Somente quando essa capacidade se mantém para toda a economia nacional em conjunto, os serviços industriais e não-industriais (relativos a pessoas) podem sobreviver, e expandir-se” (Kurz, 1992:209).

Por fim, há ainda uma outra conseqüência muito importante, no interior da classe trabalhadora, que tem uma dupla direção: paralelamente à redução quantitativa do operariado industrial tradicional dá-se uma alteração qualitativa na forma de ser do trabalho, que de um lado impulsiona para uma maior qualificação do trabalho e, de outro, para uma maior desqualificação. Comecemos pela primeira. A redução da dimensão variável do capital, em decorrência do crescimento da sua dimensão constante – ou, em outras palavras, a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto – oferece, como tendência, nas unidades produtivas mais avançada, a possibilidade de o trabalhador aproximar-se do que Marx (1972:228) chamou de “supervisor e regulador do processo de produção”. Porém, a plena efetivação dessa tendência está impossibilitada pela própria lógica do capital. É elucidativa esta longa citação de Marx, onde aparece a referência que fizemos acima.

“O intercâmbio de trabalho vivo por trabalho objetivado (...) é o último desenvolvimento da relação de valor e da produção fundada no valor. O suposto desta produção é, e segue sendo, a magnitude de tempo imediato de trabalho, a quantidade de trabalho empregado como fator decisivo na produção da riqueza. Á medida, entretanto, que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva torna-se menos dependente do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregados, do que frente aos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, que por sua vez – su powerful effectiveness – não guarda relação alguma com o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas que depende mais do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção. (...) A riqueza efetiva

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se manifesta melhor – e isto o revela a grande indústria – na enorme desproporção entre o tempo de trabalho empregado e seu produto, assim como na desproporção qualitativa entre trabalho, reduzido a uma pura abstração, e o poderio do progresso de produção vigiado por aquele. O trabalho já não aparece tanto como encerrado no processo de produção, senão que, melhor, o homem se comporta como supervisor e regulador em relação ao processo de produção do mesmo. O trabalhador já não introduz o objeto natural modificado, como um anel intermediário entre a coisa e ele, mas insere o processo natural que transforma em industrial, como meio entre si mesmo e a natureza inorgânica, a qual domina. Apresenta-se ao lado do processo de produção. Em lugar de ser agente principal. Nessa transformação, o que aparece como pilar fundamental da produção e da riqueza não é nem o trabalho imediato executado pelo homem nem o tempo que este trabalha, senão a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão da natureza e seu domínio da mesma graças à sua existência como corpo social; em uma palavra, o desenvolvimento do indivíduo social. O roubo do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se funda a riqueza atual, aparece como uma base miserável comparado com este fundamento, recém-desenvolvido, criado pela grande indústria. Logo que o trabalho, em sua forma imediata, tiver deixado de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser sua medida e, portanto, o valor de uso. O sobretrabalho da massa deixou de ser condição para o desenvolvimento da riqueza social, assim como o não trabalho de uns poucos deixa de ser a condição para o desenvolvimento dos poderes gerais do intelecto humano. Com isso, se desmorona a produção fundada no valor de troca... Desenvolvimento livre das individualidades e, por conseguinte, tem-se a não redução do tempo de trabalho necessário com vistas a criar sobretrabalho, mas, em geral, redução do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, ao qual corresponde então a formação artística, científica, etc., dos indivíduos graças ao tempo que se torna livre e aos meios criados para todos”(idem: 227-229).

Evidencia-se, entretanto, que essa abstração era uma impossibilidade na sociedade capitalista. Como o próprio Marx esclarece, na seqüência do texto: “O capital mesmo é a contradição em processo, (pelo fato de) que tende a reduzir a um mínimo de tempo de trabalho, enquanto que, por outro lado, converte o tempo de trabalho em única mediada e fonte de riqueza. Diminui, pois, o tempo de trabalho na forma de tempo de trabalho necessário, para aumentá-lo na forma de trabalho excedente; põe, portanto, em medida crescente, o trabalho excedente como condição – question de vie et de mort – do (trabalho) necessário. Por um lado desperta para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação e do intercâmbio social, para fazer com que a criação da riqueza seja (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado por ela. Por outro lado, mensura com o tempo de trabalho estas gigantescas forças sociais criadas desse modo e as reduz aos limites requeridos para que o valor já criado se conserve como valor. As forças produtivas e as relações sociais – umas e outras, aspectos diversos do desenvolvimento do indivíduo social - aparecem frente ao capital unicamente como meios para produzir, fundando-se em sua mesquinha base. De fato, todavia, constituem as condições materiais para fazer saltar esta base pelos ares” (idem: 229).

Portanto, a tendência apontada por Marx – cuja efetivação plena supõe a ruptura à lógica do capital - deixa evidenciado que, enquanto perdurar o modo de produção capitalista, não pode se concretizar a eliminação do trabalho como fonte criadora de valor, mas, isto sim, uma mudança no interior do processo de trabalho, que decorre do avanço científico e tecnológico e que se configura pelo peso crescente da dimensão mais qualificada do trabalho, pela intelectualização do trabalho social. A citação que

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segue é elucidativa: “...com o desenvolvimento da subsunção real do trabalho ao capital ou do modo de produção especificamente capitalista, não é o operário industrial, mas uma crescente capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente real do processo de trabalho total e, como as diversas capacidades de trabalho que cooperaram e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato da formação de mercadorias, ou melhor, dos produtos – este trabalha mais com as mãos, aquele trabalha mais com a cabeça, um como diretor (manager), engenheiro (engineer), técnico, etc., outro, como capataz (overloocker), um outro como operário manual direto, ou inclusive como simples ajudante – temos, que mais e mais funções da capacidade de trabalho se incluem no conceito imediato de trabalho produtivo, e seus agentes no conceito de trabalhador coletivo, de que a oficina consiste, sua atividade combinada se realiza materialmente (materialiter) e de maneira direta num produto total que, ao mesmo tempo, é um volume total de mercadorias; é absolutamente indiferente que a função de tal ou qual trabalhador – simples elo desse trabalho coletivo – esteja mais próxima ou mais distante do trabalho manual direto”(Marx, 1978: 71-72).

O caso da fábrica automatizada japonesa Fujitsu Fanuc, um dos exemplos de avanço tecnológico, é elucidativo. Mais de quatrocentos robôs fabricam, durante as 24 horas do dia, outros robôs. Os operários, quase quatrocentos, trabalham durante o dia. Com métodos tradicionais seriam necessários cerca de 4 mil operários para se obter a mesma produção. Em média, a cada mês, oito robôs são quebrados, e a tarefa dos operários consiste basicamente em prevenir e reparar aqueles que foram danificados, o que traz um volume de trabalho descontínuo e imprevisível. Existem ainda 1.700 pessoas nos trabalhos de pesquisa, administração e comercialização da empresa (Gorz, 1990b: 28). Embora seja um exemplo de um país e de uma fábrica singulares, permite constatar, por um lado, que nem mesmo neste exemplo não houve a eliminação do trabalho, mas sim um processo de intelectualização de uma parcela da classe trabalhadora. Mas, nesse exemplo atípico, o trabalhador já não transforma objetos materiais diretamente, mas supervisiona o processo produtivo em máquinas computadorizadas, programa-as e repara os robôs em caso de necessidade (id. ibid.).

Supor a generalização dessa tendência sob o capitalismo contemporâneo – nele incluído o enorme contingente de trabalhadores do Terceiro Mundo – seria um enorme despropósito e acarretaria como conseqüência inevitável a própria destruição da economia de mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação de capital. Não sendo nem consumidores, nem assalariados, os robôs não poderia participar do mercado. A simples sobrevivência da economia capitalista estaria, esse modo, comprometida (ver Mandel, 1986: 16-17).

Também tematizando sobre a tendência em direção a uma maior qualificação ou intelectualização do trabalho, outro autor desenvolve a tese de que a imagem do trabalhador manual não mais permite dar conta do novo trabalho operário nas indústrias. Este converteu-se em vários ramos mais qualificados, o que se constata, por exemplo, na figura do operador vigilante, do técnico de manutenção, do programador, do controlador de qualidade, do técnico da divisão de pesquisa, do engenheiro encarregado da coordenação técnica e da gestão da produção. As antigas clivagens estariam sendo questionadas pela necessária cooperação entre os trabalhadores (Lojkine, 1990: 30-31).

Há, portanto, mutações no universo da classe trabalhadora, que varia de ramo para ramo, de setor para setor, etc. Desqualificou-se em vários ramos, diminuiu em outros, como no mineiro, metalúrgico e construção naval, praticamente desapareceu em setores que foram inteiramente informatizados, como nos gráficos, e requalificou-se em outros, como na siderurgia, onde se pode presenciar “a formação de um segmento

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particular de ‘operários técnicos’ de alta responsabilidade, portadores de características profissionais e referências culturais sensivelmente diversas do restante do pessoal operário. Eles se encontram, por exemplo, nos postos de coordenação nas cabines de operação a nível de altos fornos, aciaria, vaza contínua... Observa-se fenômeno similar na indústria automobilística, com a criação dos “coordenadores técnicos” encarregados de assegurar os reparos e a manutenção de instalações altamente automatizadas, assistidos por profissionais de nível inferior e de especialidades diferentes.” (idem: 32).

Paralelamente a esta tendência se acrescenta outra, dada pela desqualificação de inúmeros setores operários, atingidos por uma gama diversa de transformações que levaram, de um lado, à desespecialização do operário industrial oriundo do fordismo e, por outro, à massa de trabalhadores que oscila entre os temporários (que não tem nenhuma garantia no emprego) aos subcontratados, terceirizados (embora se saiba que há, também, terceirização em segmentos ultraqualificados), aos trabalhadores da “economia informal”, enfim, a este enorme contingente que chega até a faixa de 50% da população trabalhadora dos países avançados, quando nele se incluem também os desempregados, que alguns chamam de proletariado pós-industrial e que preferimos denominar de subproletariado moderno.

No que se refere à desespecialização dos operários profissionais em decorrência da criação dos “trabalhadores multifuncionais”, introduzidos pelo toyotismo, é relevante lembrar que esse processo também significou um ataque ao saber profissional dos operários qualificados, a fim de diminuir seu poder sobre a produção e aumentar a intensidade do trabalho. Os trabalhadores qualificados enfrentaram esse movimento de desespecialização como um ataque à sua profissão e qualificação, bem como ao poder de negociação que a qualificação lhes conferia, realizando inclusive greves contra esta tendência (Coriat, 1992b: 41). Já nos referimos, anteriormente, ao caráter restrito da polivalência introduzida pelo modelo japonês.

A segmentação da classe trabalhadora se intensificou de tal modo que é possível indicar que, no centro do processo produtivo encontra-se o grupo de trabalhadores, em processo de retração em escala mundial, mas que permanece em tempo integral dentro das fábricas, com maior segurança no trabalho e mais inserido na empresa. Com algumas vantagens que decorrem desta “maior integração”, esse segmento é mais adaptável, flexível e geograficamente móvel. “Os custos potenciais da dispensa temporária de empregados do grupo central em época de dificuldade podem, no entanto, levar a empresa a subcontratar, mesmo para funções de alto nível (que vão dos projetos à propaganda e à administração financeira), mantendo o grupo central de gerentes relativamente pequeno” (Harvey, 1992: 144).

A periferia da força de trabalho compreende dois subgrupos diferenciados: o primeiro consiste em “empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado”. Esse subgrupo tende a se caracterizar por uma alta rotatividade no trabalho. O segundo grupo situado na periferia “oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinados com subsídio público, tendo ainda menos segurança de emprego do que o primeiro grupo periférico”. Esse segmento tem crescido significativamente nos últimos anos (conforme classificação do Institute of Personnel Management in Harvey, 1992:144).

Evidencia-se, portanto, que ao mesmo tempo em que se visualiza uma tendência para a qualificação do trabalho, desenvolve-se também intensamente um nítido

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processo de desqualificação dos trabalhadores, que acaba configurando um processo contraditório que superqualifica em vários ramos produtivos e desqualifica outros.

Estes elementos que apresentamos nos permitem indicar que não há tendência generalizante e uníssona, quando se pensa no mundo do trabalho. Há, isto sim, como procuramos indicar, uma processualidade contraditória e multiforme. Complexificou-se, fragmentou-se e heterogeneizou-se ainda mais a classe-que-vive-do-trabalho. Pode-se constatar, portanto, de um lado, um efetivo processo de intelectualização do trabalho manual. De outro lado, e em sentido radicalmente inverso, uma desqualificação e mesmo subproletarização intensificadas, presentes no trabalho precário, informal, temporário, parcial, subcontratado, etc. Se é possível dizer que a primeira tendência – a intelectualização do trabalho manual – é, em tese, mais coerente e compatível com o enorme avanço tecnológico, a segunda – a desqualificação - mostra-se também plenamente sintonizada com o modo de produção capitalista, em sua lógica destrutiva e com sua taxa de uso decrescente de bens e serviços (Mészáros, 1989: 17). Vimos também que houve uma significativa incorporação do trabalho feminino no mundo produtivo, além da expressiva expansão e ampliação da classe trabalhadora, através do assalariamento do setor de serviços. Tudo isso nos permite concluir que nem o operariado desaparecerá tão rapidamente e, o que é fundamental, não é possível perspectivar nem mesmo um universo distante, nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho.

1999 © www.sucesso.ppg.br Questões:

1) Segundo Ricardo Antunes o mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo está passando por transformações como: a desproletarização do trabalho industrial, fabril; a heterogeneização do trabalho; a subproletarização . Explique cada um desses processos.

2) Podemos afirmar que o trabalho está desaparecendo? Explique sua afirmação.

3) Explique o que taylorismo e suas conseqüências. 4) Explique o que é Welfare State.

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 10PROFESSORA: Marie Almeida

APRESENTAÇÃO: Política e Relações de Poder

DESENVOLVIMENTO:Política e Relações de Poder: participação política e os direitos do cidadãoAutora : Josefa Alexandrina Silva (Mestre em Ciências Sociais – Prof. UNIP)

“... Enquanto os homens exercem seus podres poderesMorrer e matar de fome, de raiva e de sede

São tantas vezes, gestos naturais...”Caetano Veloso – Podres Poderes

I. Política

A primeira questão que é preciso esclarecer é o significado da palavra política, pois esta expressão, no senso comum, adquiriu uma conotação altamente pejorativa associada a atividades de um grupo social pouco confiável, os políticos profissionais,“que pertencem a um certo tipo de organização sóciopolítico –os partidos, que disputam o direito de governar, ocupando cargos e postos no Estado”5. Deste modo, a política é vista como algo distante da sociedade, uma vez que é atividade de especialistas e não do povo.

A política é uma criação humana e foi inventada exatamente para que fosse possível expressar as diferenças e conflitos de pensamento e não transformá-los em guerra.

O sentido da palavra política está associada a polis, expressão grega que significa cidade, que segundo Chauí é: “a comunidade organizada, formada pelos cidadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da Cidade, livres e iguais”. Fundamentos do poder político: por que existem pessoas que mandam e outras que obedecem? Foi sempre assim?

Ettione de la Bóetie no seu discurso “Discurso da Servidão Voluntária”, afirma que a formação de uma sociedade onde uns poucos mandam e muitos obedecem. La Bóetie afirma que aquele que manda não está sozinho, o que mantém no poder é a relação de cumplicidade que se estabelece com o próprio povo. Fazemos política ao procurar defender nossos interesses, como votar nas eleições, ao atuar em movimentos sociais, sindicatos ou partidos políticos.

Todos nós estamos envolvidos totalmente na política, mesmo sem querer ou saber disso, portanto, a política é a atividade que diz respeito à vida pública. O homem político é aquele que atua na vida pública e interfere nos rumos da sociedade.

A política é um conjunto de elementos que envolvem as relações de poder na sociedade. Neste sentido, a política tem um componente específico, que é o poder, que significa a imposição de uma vontade sobre as outras vontades, mesmo que haja qualquer resistência. Segundo Srour6

2 “política é regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses contraditórios, disputa por posições de mando, confronto entre forças sociais”.

5 Ver CHAUÍ, Marilena, Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2001 – pág 367/436.

6 SROUR, Robert. Regimes, Classes e Ideologias. São Paulo: Ática, pp. 67).

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Segundo Castro7 “a política compreende relação de poder que, por princípio,

tende à busca do bem comum. Este somente pode ser atingido se baseado na justiça e, portanto, ligado à moral”.

Desde modo, a questão política se encontra diretamente relacionada com a questão da ética, na ausência de um forte sentimento ético, o bem comum não é atingido, sendo desvirtuado o sentido da política.

Castro conclui sua reflexão afirmando que todo comportamento social deve serpautado pela ética. Observamos no exercício político brasileiro, candidatos se vangloriarem por serem éticos, como se esta fosse uma virtude rara, quando todos aqueles que se propõe a atuar na esfera pública deveriam se ater aos princípios éticos.

II. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Ninguém escapa da política, quem não se envolve diretamente nos acontecimentos são envolvidos indiretamente nas suas conseqüências, pois todo ato humano em sociedade, é político, inclusive o ato de omissão.

Fazemos política ao procurar defender nossos interesses, votar nas eleições, ao atuar nos movimentos sociais, sindicatos ou partidos políticos. Uma das formas de participação política é via os partidos políticos. A rigor, os partidos deveriam ter propostas para o exercício do poder pautadas em ideologias políticas.

Os partidos podem ser: de direita, quando defendem a manutenção da ordem burguesa: esquerda, quando defendem mudanças radicais na estrutura social ou de centro. É interessante pesquisar as ideologias dos partidos, suas propostas para o conjunto da sociedade.

III. ESTADO

Em A Política, Aristóteles (384-322 a.C.) afirma que a razão de ser do Estado éassegurar que cada cidadão tenha uma vida digna de ser humano e afirma que o Estadodeve se sobrepor ao indivíduo e a família.

A partir da Idade Moderna, o Estado surgiu como o único representante do poder e do uso legítimo da força. Nas sociedades democráticas, o poder de desloca do Executivo para o Legislativo (daí a importância da escolha do parlamento) compete ao Estado fazer e aplicar as leis, ter exércitos, recolher impostos. O Estado pode ser compreendido como o conjunto das instituições públicas (leis, recursos, serviços) e sua administração pelos cidadãos. O Estado é concebido como uma entidade cuja legitimidade se baseia na representatividade da sociedade. Significa avanço em relação à monarquia absoluta. O Estado não é a pessoa que governa, mas uma instituição abstrata com relações precisas com a coletividade.

A divisão do Estado em três poderes:Legislativo: elaboração das leisExecutivo: execução, proteção dos direitos naturais à liberdade, à igualdade e à propriedade.Judiciário: Fiscalização – observância das leis que assegurem os direitos individuais e seus limites.

Max Weber, define o Estado como uma estrutura política que tem o monopólio do uso legítimo da força física, em determinado território. O Estado é visto como uma

7 CASTRO, Celso.A; FALCÃO, Leonor P. Ciência Política: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2004 pp. 14.

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relação de homens dominando homens, por meio da violência considerada legítima. Para que o Estado cumpra suas funções de garantir a ordem, proteger a sociedade para que ela não se desfaça é necessário não apenas o exercício do poder, mas a legitimidade, a aceitação da sociedade.

Uma das principais funções do Estado é garantir o princípio de igualdade de todos perante a lei, o respeito aos direitos fundamentais do ser humano e promover a igualdade entre os desiguais, garantindo o acesso das camadas pobres da população à renda, saúde, educação, acesso à justiça.

O Estado na concepção liberal é visto como a instituição capaz de estabelecer uma conciliação entre os diferentes interesses pessoais.

Enquanto John Locke concebe o Estado como fruto da concessão dos indivíduos de seu poder político para outrem para que elaborem leis que defendam a propriedade de cada um e sua segurança pessoal.

Para Jean Jacques Rousseau o poder do Estado origina-se no povo, que renuncia sua liberdade individual em favor do Estado, que representa a vontade geral.

Para Karl Marx o Estado é uma instituição política vinculada aos interesses da classe dominante.

IV. CIDADANIA

Nasce na Grécia os conceitos de cidadania e democracia. Por cidadania compreendemos que o cidadão pode e deve atuar na vida pública independentemente daorigem familiar, classe ou função. Todos são iguais, tendo o mesmo direito à palavra e aparticipação no exercício do poder. A retórica é a arte de falar bem e persuadir – tão necessário para o cidadão.

Jean Jacques Rousseau em sua obra O contrato social, afirmava que todo indivíduo é ao mesmo tempo uma pessoa pública (cidadão) e uma pessoa privada. Cabe a pessoa privada a defesa de seus interesses pessoais, porém, às vezes a defesa desses interesses pessoais fere os interesses coletivos. Neste caso gera-se um conflito e enquanto cidadão, o homem deve optar pela defesa do bem comum. Para Rousseau n’O Contrato Social, a base da sociedade está no interesse comum pela vida social, no consentimento unânime dos homens em renunciar as suas vontades particulares em favor de toda a comunidade.

O exercício da cidadania implica uma relação de direitos e deveres. Portanto, é contraditória a atitude irresponsável de exigir do poder público direitos sociais e sonegarimpostos que tem como finalidade garantir os serviços sociais.

Um dos fundamentos da democracia é a idéia de cidadania, por cidadania podemos compreender que se trata do indivíduo que tem consciência de seus direitos e deveres e participa ativamente das questões da sociedade. Deste modo o cidadão é aquele que tem consciência do seu poder.

Vale a pena pesquisar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada pelaONU em 1948.

Para Marília Chauí, a sociedade brasileira conheceu a cidadania através da figura inédita: o senhor cidadão, e conserva a cidadania como privilégio de classe. As desigualdades sociais são transformadas em desigualdade política, e esta em hierarquia.Para as camadas populares os direitos são apresentados como concessão do Estado, dependente da vontade pessoal do governante.

V. DEMOCRACIA

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Platão era um crítico da democracia. Para ele as questões políticas não podem ser assunto de decisão de qualquer pessoa, pois só os homens preparados devem se ocupar delas. Na obra A república, imagina uma cidade ideal onde os futuros administradores seriam escolhidos entre os filósofos representantes do mais alto grau de formação humana.

O homem comum, incapaz de superar as dificuldades do conhecimento opinativo, se ocuparia apenas com os problemas concretos do dia-a-dia, como agricultura, comércio e defesa da cidade, deixando aos sábios competentes a direção dos destinos comuns.

O cientista político Norberto Bobbio em seu livro “O futuro da Democracia” afirma que entre os cidadãos ativos e passivos, os governantes preferem os segundos, pois “é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes” mas a democracia precisa de cidadãos ativos.

A base da democracia encontra-se no reconhecimento das coisas públicas, separadas dos interesses particulares. Deste modo, aquele que ocupa o poder o faz como representante do povo e como tal não é proprietário do poder, tendo em vista que a democracia pressupõe a rotatividade do poder.

A democracia requer também multiplicação dos órgãos representativos da sociedade, como associações de bairro, movimento estudantil, grupos feministas, contraviolência, ecológicos e instituições como sindicatos, partidos políticos, ordem dos advogados etc. Assim, o poder deixa de ter um único centro e se manifesta em amplos setores da sociedade, tornando o poder político um poder difuso.

Os grandes inimigos da democracia são aqueles que desvirtuam a própria política, quando de volta para a defesa de interesses particulares em detrimento dos interesses comuns e também a ausência de participação política da grande maioria da população.

Para John Locke, a sociedade resulta da livre associação entre indivíduos dotados de razão e vontade. Essa contratação estabelecia formas de poder, as garantias de liberdade individual e o respeito à propriedade. Seus princípios deveriam ser redigidos sob a forma de uma Constituição. Assim, a origem do poder para Locke não se encontra nos privilégios da tradição, da herança ou da concessão divina, mas no contrato expresso pela livre manifestação das vontades individuais. A legitimidade do poder se encontra na origem parlamentar do poder político. A ocupação de um cargo político deve resultar de um mandato popular alcançado pelo voto e a representação política torna-se legítima por que nasce da vontade popular.

É importante colocar em evidência é que somente após a Segunda Guerra Mundial, as mulheres alcançaram a plena cidadania em países como a França e Inglaterra. Nos EUA, os negros do Sul, só se tornaram cidadãos nos anos 60. Na América Latina os índios ficaram excluídos da cidadania.

Referências BibliográficasBOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1993.CASTRO, Celso Antonio Pinheiro e PEÇANHA, Leonor. Ciência Política: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2005.CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Atica, 2002.CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso da fala competente e outras falas.11ª.Ed. São Paulo: Cortez, 2006.WEFFORT, Francisco. Os clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1989.

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Questões:1) Qual é o significado da palavra política segundo o senso comum?

2) O que é a polis e a que sentido ela está associada?

3) Explique porque a questão política se encontra diretamente relacionada com a questão da ética.

4) Explique a diferença entre partidos de direita e de esquerda.

5) Segundo Aristóteles qual é a razão de existir do Estado?

6) Como Max Weber define o Estado?

7) Explique o pensamento de Karl Marx sobre o Estado.

8) Explique o que é ser cidadão.

9) O que é ser cidadão ativo e cidadão passivo segundo o cientista político Norberto Bobbio?

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 11PROFESSORA: Marie AlmeidaAPRESENTAÇÃO: Questões Urbanas

DESENVOLVIMENTO:VITA, Alvaro. Sociologia da Sociedade Brasileira. São Paulo: Ática, 1989.

A cidade é considerada um espaço privilegiado para analise da mudança social. A formação da multidão é um fenômeno das áreas urbanas, gerando a exposição das necessidades das massas despossuídas.

A concentração de pessoas nas áreas urbanas gera efeitos devastadores: a formação de bairros periféricos. Mostrando as duas faces do desenvolvimento econômico: a opulência e a miséria.

Segundo a ONU, em 2007, a população urbana se igualou à população rural no mundo. O processo de urbanização é visto por especialistas como inevitável e cabe às cidades se preparem para receber a população rural que cada vez mais tende a deixar o campo8.

O processo de urbanização é uma manifestação da modernização da sociedade, que passa por uma transição do rural para o urbano-industrial. Os migrantes, de um modo geral, buscam progresso através da mobilidade social oferecida pela urbanização.

Os problemas nas áreas urbanas são inúmeros, desde ausência de um planejamento urbano que permita receber os contingentes populacionais que leva a formação de bairros periféricos onde os serviços públicos são ausentes. As condições de moradia são precárias e as distâncias dos bairros centrais são grandes.

A violência tem se constituído em um dos principais problemas das áreas urbanas. Assaltos e crimes, que apontam para condições degradantes da vida urbana matando ou mutilando, têm sido freqüentes em muitas cidades. Esta situação provoca insegurança social, destruição ou depredação física e profundos abalos morais, além dos custos elevados com serviços policiais e equipamentos de segurança.

É usual encontrar na cidade de São Paulo, pessoas que gastam em média 6 hs por dia em locomoção para o trabalho.

8 “População das cidades se iguala à rural no planeta”. Folha de São Paulo, 28 de Junho de 2007 pag. A14

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DISCIPLINA: Ciências Sociais AULA Nº.: 12PROFESSORA: Marie AlmeidaAPRESENTAÇÃO: Movimentos Sociais

DESENVOLVIMENTO:

Conflito e ação coletivaAinda não havia amanhecido e a maioria dos moradores do conjunto

habitacional já estava na rua. Haviam decidido em reunião do dia anterior impedir, a qualquer custo, que a ordem de despejo expedida pela justiça fosse executada contra mais um dos mutuários inadimplentes.

O dia se anunciava com muita tensão. A maioria dos moradores não fora trabalhar, quebrando a rotina de um dia normal. Chegara o momento de uma decisão definitiva. Não era mais possível aceitar passivamente as conseqüências de uma situação socioeconômica que lhes tirava o emprego, a comida, a escola, e agora a casa. Para onde iriam? As leis não contemplavam direitos que os moradores acreditavam serem seus, de justiça.

Logo mais chegaria o oficial com a ordem do juiz; com ele viria o caminhão para levar os móveis; viria também a polícia para garantir que a ordem judicial fosse cumprida.

Meses de negociações resultaram em nada. Mais uma família seria despejada. Na semana anterior duas outras já haviam sido. Na próxima seriam mais outras. O advogado da Associação dos Moradores dissera que não podia fazer mais nada. Ainda assim, uma comissão de moradores se deslocara para a Prefeitura Municipal; tentariam a intervenção do prefeito. A financeira mencionava que estava no seu direito legal e que era de seu interesse obter a casa de volta. Os moradores estavam desesperados. Não restava outra coisa senão o enfrentamento, a violência física. Poderia haver mortes..

Por volta das 8 h, chegou o oficial, e, como previsto, trouxe a polícia. Os moradores fecharam a rua com barricadas. Eram muitos. Não havia saída, tudo já fora conversado através de advogados. Agora existia uma ordem judicial e a polícia estava ali para garantir que fosse cumprida. Chamaram reforços, mais viaturas apareceram trazendo cães e bombas de gás lacrimogêneo. A imprensa, chamada pelos moradores, a tudo registrava...

As imagens desse movimento social podem ser identificadas com muitas das nossas experiências cotidianas. Quem de nós já não vivenciou, como participante ativo ou como simples espectador de TV, cenas de manifestações de grupos, ou mesmo de multidões, em defesa, por exemplo, do ensino público e gratuito ou contra a poluição do meio ambiente? Quem não leu nos jornais notícias sobre greves de trabalhadores da indústria da construção civil ou da indústria automobilística, para forçar os patrões a atender a suas reivindicações salariais? E quem já não viu nessas cenas a presença de policiais golpeando com seus cassetetes braços, pernas e cabeças de manifestantes, em nome da ordem pública e da segurança? Com certeza todos já viram, porque são incontáveis os casos de manifestações e movimentos sociais, ocorridos na nossa cidade, na cidade vizinha, num outro Estado ou mesmo num outro país e transmitidos a nós por jornais revistas, e pelas emissoras de TV, que se incumbem de trazer suas imagens para dentro de nossas casas.

De fato, episódios dessa natureza não são estranhos a nós. Resta-nos, pois, compreendê-los de maneira científica.

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A Sociologia nos oferece um conjunto de abordagens, a partir de orientações teóricas diversas, que nos permite chegar a uma conceituação coerente do que seja movimento social. Vamos a ela.

No exemplo dado sobre os mutuários, o que primeiro chama a atenção é o iminente confronto com a polícia – cena bastante comum em movimentos desse tipo. Mas devemos observar que nem todo movimento social tem como um dos seus desdobramentos o enfrentamento com a polícia. Como também não é verdade que todo enfrentamento com a polícia significa um movimento social. Entretanto, a situação descrita evidencia um conflito. E o conflito é um elemento constitutivo de todo movimento social.

Devemos levar em conta, porém, que essa afirmação implica atribuir ao movimento social um caráter de conflito. Atribuição que não é gratuita, posto que pressupõe uma certa compreensão do fato observado. Trata-se de uma teoria explicativa, na qual a noção de conflito tem uma importância básica.

A idéia de conflito é própria do paradigma de análise histórico-estrutural, que se baseia, fundamentalmente, na teoria marxista. Nessa abordagem destacam-se, entre outros autores, o sociólogo espanhol Manuel Castells, o sociólogo francês Jean Lojkine e os historiadores ingleses Eric Hobsbawm e Edward P. Thompson.

Esses autores, embora com pontos de vista diferentes no que se refere a muitos aspectos da questão – seja no plano econômico, seja no político, seja no cultural -, consideram o conflito a explicitação das contradições sociais. O que isso quer dizer? Voltando à narrativa do episódio dos mutuários, podemos dizer que se trata da incapacidade do Estado de atender às suas reivindicações, o que os leva a uma situação de carência, de necessidades não satisfeitas, que, por sua vez, gera conflitos.

Segundo essa concepção, a sociedade se desenvolve de forma contraditória, visto que a produção é socializa, ou seja, as casas são produto do trabalho coletivo, mas a apropriação, o consumo é privado.

No entanto, para autores como H. Blumer e N.J. Smelser, por exemplo, da Escola Americana de Sociologia, denominados neopositivistas, que se baseiam na teoria durkheimiana, as imagens relatadas nos mostram um desequilíbrio social, e não um conflito. Isso porque, segundo essa concepção, não há interesses que se antagonizam no interior da sociedade, dado que essa sociedade é vista como decorrente de um processo natural e, assim, esse tipo de ocorrência é visto como parte de um processo natural de mudanças que independem das ações dos indivíduos.

Essa abordagem considera que não são os indivíduos que agem modificando a sociedade, mas, ao contrario, é a sociedade que age sobre os indivíduos, ensejando novos comportamentos, novos valores, os quais são expressos pelos movimentos sociais. Assim, uma vez restituída a ordem, quer pela ação da polícia, quer pelo atendimento das reivindicações – ou, no exemplo em questão, pela alteração da legislação dos financiamentos habitacionais -, o equilíbrio social seria recomposto e a sociedade daria curso a seu processo de desenvolvimento.

Mas, voltando à idéia de conflito como pertinente aos movimentos sociais, deveremos notar, também, que o conflito, por si só, não é condição suficiente para a emergência de movimentos. O conflito apenas revela interesses divergentes de nossas relações sociais, o que nem sempre se desdobra em conflito aberto, envolvendo ações coletivas – e nesse sentido vindo a se constituir em movimentos sociais.

Mas, mesmo que envolvessem ações coletivas, ainda assim não estaríamos, necessariamente, falando de movimentos sociais, uma vez que há manifestações coletivas que resultam em protestos, quebra-quebras, às vezes envolvendo a polícia, e que não se constituem em movimentos. Uma partida de futebol, por exemplo, é uma

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manifestação coletiva. Envolve dois times diretamente, além de suas torcidas. E, se o jogo é de campeonato, envolve também outros times e outras torcidas. Às vezes, numa partida pode ocorrer pancadaria entre os jogadores e mesmo entre as torcidas. Trata-se de um fenômeno coletivo, constituído de diferentes relações de interesses – uma vez que ambos os times querem ganhar a partida -, mas que, mesmo assim, não se caracteriza como um movimento social, pois, qualquer que seja o resultado do jogo, em nada altera as relações sociais. O jogo de futebol em si, apesar de ensejar conflitos pelos interesses que animam os participantes dessa relação e de se tratar de uma ação coletiva, não aponta para nenhuma mudança no sentido da vida social da pessoa.

Portanto, é no sentido referido acima, e conforme a abordagem histórico-estrutural, que a idéia de ação coletiva, juntamente com a idéia de conflito, se constitui numa noção básica sobre movimentos sociais.

Mas a idéia de ação coletiva pode também ser entendida como ação coletiva de indivíduos, conforme a abordagem culturalista, baseada na teoria weberiana, de cuja vertente destacam-se autores como o sociólogo Frances Alain Touraine e o alemão Claus Offe.

Na abordagem culturalista, o que é relevante são os aspectos subjetivos dos fatos; por isso, a decodificação dos discursos e as representações que os indivíduos fazem de suas praticas são fundamentais para compreender suas ações e, portanto, os movimentos sociais.

Os autores adeptos da abordagem culturalista, embora mantenham diferenças entre si, criticam o marxismo, por achá-lo insuficiente para explicar as ações dos indivíduos no plano da cultura e da política, dado que subordina suas análises às determinações da estrutura econômica, não dando conta de apreender o caráter inovador e criativo das ações individuais.

A diferença entre a abordagem culturalista e a histórico-estrutural com respeito a essa questão é que, na primeira, o foco da análise recai sobre a ação dos indivíduos, uma vez que as ações individuais são consideradas primordiais para o rumo dos movimentos, ao passo que, na segunda, o foco da análise privilegia a ação das classes.

Mudança e conservação

Pelas nossas discussões no item anterior, podemos acrescentar às noções de conflito e ação coletiva a idéia de poder.

De fato, um movimento social, com seu caráter conflitual e coletivo, mostra uma relação de poder, cujo desenvolvimento implica na mudança ou na conservação de privilégios, valores, normas, regras que condicionam as nossas relações.

Para entendermos melhor essa relação de poder, que envolve um movimento social, voltemos ao episódio dos mutuários citado no início do capítulo.

Nele, observamos que o impedimento da ação de despejo pode significar a mudança da legislação sobre financiamentos imobiliários; pode também significar a dilatação do prazo dos pagamentos de prestações atrasadas. Possibilidades que necessariamente implicarão mudanças nas relações entre os mutuários e os agentes financeiros. Mas poderá ocorrer, também, que os manifestantes não consigam evitar que o despejo seja realizado, e, assim, as regras permanecem. Não obstante, a mudança ou a conservação das relações de opressão estarão em causa, o que revela, portanto, uma relação de poder, na qual identificamos uma correlação de forças: a luta de uns para se libertarem da opressão e a de outros de conservá-la.

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Mas os movimentos sociais tanto podem não provocar mudanças, muito embora tenham sido desencadeados nesse sentido, como também podem ser organizados justamente para resistir às mudanças.

Um exemplo de movimento que nos mostra muito bem a resistência ao processo de mudança foi o da União Democrática Ruralista (UDR), formada por proprietários rurais e que desenvolveu um grande luta, na Constituinte de 1988, contra a reforma agrária, em oposição aos que, na oportunidade, lutavam para obter direitos constitucionais que lhes garantissem o acesso a terra para trabalharem. Esse exemplo nos mostra, além da correlação de forças entre os latifundiários e os sem-terra, duas outras questões importantes sobre os movimentos sociais e que estão diretamente relacionadas as noções de mudança e conservação. A primeira é que não existem apenas movimentos de oprimidos; a segunda revela que, dependendo do grau de consciência dos seus participantes, um movimento pode ter caráter preventivo, antecipando-se a uma situação futura, que seria, no caso, a desapropriação de terras pela reforma agrária.

O entendimento dessa questão também não se dá sem um certo embate entre as idéias, na busca de fazer prevalecer uma das abordagens existentes. Por exemplo, para os autores que se valem do paradigma histórico-estrutural, os movimentos são considerados fundamentais para a democratização do Estado – visto por eles como uma instituição de poder por meio do qual se processam as mudanças na estrutura social.

Já para os autores do paradigma culturalista, os movimentos não objetivam o poder do Estado, mas apenas influenciar no seu sistema de dominação, com vistas a resgatar valores que foram sendo corrompidos pela sociedade capitalista.

Para autores que advogam as teses autonomistas, denominados neo-idealistas e que se apóiam em orientações teóricas diversas, entre as quais as teorias anarquistas de Proudhon – como o sociólogo alemão Tilman Ivers, por exemplo-, o entendimento dessa questão se apresenta ainda mais diferente. Nessa abordagem, os moviemtnos não estariam voltados para a tomada de poder do Estado, e muito menos para influir nesse poder, mas se situariam, ao contrário, fora do âmbito do Estado, voltados para a liberdade ação, para a não-institucionalização, para a construção de novos espaços de socialização onde os indivíduos teriam autonomia.

Mas, qualquer que seja a abordagem, qualquer que seja o sentido político de um movimento – se voltado para a mudança ou para a conservação -, o fato é que, para sua eclosão e desenvolvimento, não basta a existência de uma situação de opressão. È preciso que as pessoas se percebam como oprimidas, como grupos e classes com interesses comuns; só a partir de tal identidade é que se podem desenvolver ações que venham a constituir-se em movimentos sociais.

No caso do exemplo do início do capítulo, a situação de opressão é clara, os mutuários vivem a eminência da perda de suas casas, e portanto o estabelecimento de identidades se dá com base em interesses concretos, percebidos de forma imediata pelos moradores. Mas, mesmo assim, o movimento estará sujeito a um conjunto de fatores de ordem política e cultural que condicionam seu desenvolvimento e potencialidades.

As questões de ordem cultural e ideológica,..., estão diretamente relacionadas às potencialidades de um movimento. Um autor importante e que elucida bem essa questão, do ponto de vista histórico, é Edward P. Thompson, anteriormente citado. Thompson trabalha com a categoria “cultura política”, como uma construção que se dá a partir das lutas e dos movimentos. O autor busca compreender a maneira como pessoas, grupos e classes vivenciam a situação opressiva; como os sentimentos de injustiça e exclusão resultam no estabelecimento de identidades, podendo vir a constituir-se em movimentos.

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Qualquer que seja a forma de opressão, explicitada em qualquer dimensão da vida social, política, religiosa, cultural, etc.,ou qualquer que seja sua natureza, se estrutural – decorrente da maneira como a sociedade é estruturada para se reproduzir – ou conjuntural – decorrente de fatores momentâneos ou circunstanciais-, o fato é que, para superar as condições de opressão, é necessária a ação conjunta dos homens, de forma a potencializar sua força – através de um movimento – em direção à mudança ou à conservação das relações de opressão.

Assim, após ter discutido o caráter conflitual e coletivo dos movimentos, distinguindo-os de simples manifestações coletivas, e após ter destacado a perspectiva de mudança social que esses movimentos apresentam, tendo em vista a possibilidade de superação das condições de opressão, apresentando enfoques e abordagens distintas, convém retornarmos à narrativa do início do capítulo, para, com auxilio das imagens relatadas, concluirmos sobre a definição possível de movimento social.

Trata-se da ação coletiva de moradores de um conjunto habitacional, identificados por situações comuns de opressão (a iminência de perderem a casa pela impossibilidade de pagarem a prestação do financiamento). A ação tem um objetivo claro (não perder a casa): superar as condições de opressão. Para isso se organizam – contratam advogados, fazem reuniões, buscam alternativas, desenvolvem estratégias de luta, chamam a imprensa. E essa ação explicita uma determinada maneira de defender os seus interesses, compreendendo, portanto, uma da cultura e uma dada consciência da situação que vivenciam.

Com tais considerações podemos chegar ao seguinte entendimento de movimento social: trata-se da ação conjunta de homens, a partir de uma determinada visão de mundo, objetivando a mudança ou a conservação das relações sociais numa dada sociedade.

Ao procederem assim, os homens estão produzindo um movimento social, estão produzindo novas formas de se relacionarem para a satisfação de suas necessidades. E essa questão é fundamental porque, ao mesmo tempo que significa a possibilidade de se libertarem de relações de opressão, significa, também, a produção da sociedade de forma modificada, de forma nova.

Pode-se dizer que essa é a maneira de ser dos movimentos sociais, e nisso constitui a sua práxis, o que significa dizer que, na forma de existir, o pensar e o fazer articulam-se definindo uma intencionalidade, um sentido criativo.

Texto extraído de TOMAZI, Nelson Dacio (coord.). Iniciação à Sociologia. 2ª. Ed., São Paulo: Atual, 2000, p. 223-229.