01-Introdução a Geotecnia.

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1 INTRODUÇÃO À GEOTECNIA 1.1. INTRODUÇÃO Neste capítulo será abordado o âmbito e interrelações das disciplinas constituintes da Geotecnia, a saber: Geologia de Engenharia, a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas. A seguir será feita a apresentação da Geotecnia como disciplina particular da Engenharia, ilustrada com alguns exemplos típicos de grandes acidententes geotécnicos. Serão evidenciadas algumas razões para o rápido desenvolvimento da Geotecnia e abordadas as relações entre a ética e o ambiente. No final serão apresentados os novos campos de aplicação da Geotecnia especialemnte no domínio da Engenharia Geoambiental. 1.2. ÂMBITO DA GEOTECNIA A Geotecnia é o ramo da Engenharia que agrupa as disciplinas científicas que se estudam a caracterização e o comportamento dos terrenos e que normalmente são cobertos pela Geologia de Engenharia, Mecânica dos Solos e Mecânica das Rochas. Neste contexto, e procurando diferenciar o âmbito de atuação de cada uma delas, competirá: à Geologia de Engenharia explicar a gênese dos terrenos, fazer a sua descrição qualitativa (tanto quanto possível), tendo em conta os problemas geotécnicos a resolver e as suas consequência quanto ao impacto ambiental por eles criados. À Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas as tarefas de análise da estabilidade dos terrenos (respectivamente, terrosos para a primeira e rochosos para a segunda) e o projeto de estruturas que impeçam a aus instabilização ou garantam a sua estabilidade face às solicitações previsíveis. Não existem fronteiras claras enre estas disciplinas. Por exemplo, entre a Mecânica dos Solos e Mecânica das Rochas é difícil traçar uma linha de separação, como podem ser deduzidos quando se depara com situações como: Obras que envolvem rochas e solos.

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Material relativo aos primeiros conceitos de geotecnia.

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1INTRODUÇÃO À GEOTECNIA

1.1. INTRODUÇÃO

Neste capítulo será abordado o âmbito e interrelações das disciplinas constituintes da Geotecnia, a saber: Geologia de Engenharia, a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas.A seguir será feita a apresentação da Geotecnia como disciplina particular da Engenharia, ilustrada com alguns exemplos típicos de grandes acidententes geotécnicos. Serão evidenciadas algumas razões para o rápido desenvolvimento da Geotecnia e abordadas as relações entre a ética e o ambiente. No final serão apresentados os novos campos de aplicação da Geotecnia especialemnte no domínio da Engenharia Geoambiental.

1.2. ÂMBITO DA GEOTECNIA

A Geotecnia é o ramo da Engenharia que agrupa as disciplinas científicas que se estudam a caracterização e o comportamento dos terrenos e que normalmente são cobertos pela Geologia de Engenharia, Mecânica dos Solos e Mecânica das Rochas. Neste contexto, e procurando diferenciar o âmbito de atuação de cada uma delas, competirá:

à Geologia de Engenharia explicar a gênese dos terrenos, fazer a sua descrição qualitativa (tanto quanto possível), tendo em conta os problemas geotécnicos a resolver e as suas consequência quanto ao impacto ambiental por eles criados.

À Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas as tarefas de análise da estabilidade dos terrenos (respectivamente, terrosos para a primeira e rochosos para a segunda) e o projeto de estruturas que impeçam a aus instabilização ou garantam a sua estabilidade face às solicitações previsíveis.

Não existem fronteiras claras enre estas disciplinas. Por exemplo, entre a Mecânica dos Solos e Mecânica das Rochas é difícil traçar uma linha de separação, como podem ser deduzidos quando se depara com situações como:

Obras que envolvem rochas e solos. Existência de formações geológicas cujo comportamento é intermediário entre rochas

e solos (também designadas por “rochas brandas ou rochas de baixa resistencia.).Contudo e possivel definir o ambito de cada uma destas disciplinas com alguma aproxi-macao.

A Geologia de Engenharia, na sua visão mais tradicional, ocupa-se da investigação da adequabilidade e características dos sítios, na medida em que eles afectem o projecto e construção dos trabalhos de engenharia civil e a segurança das construções vizinhas (Mc Lean & Gribble, 1992). Como oportunamente sublinha Goodman (1993) o projecto e construção em engenharia civil desenvolve-se por fases, à medida que a informação técnica e científica é obtida, e a geologia de engenharia vai adquirindo diferentes responsabilidades em cada uma dessas fases. Segundo o British Standard Code of Practice for site investigations (BS 5930: 1981) este trabalho envolve os seguintes procedimentos:

Y Investigação preliminar (análise dos dados disponíveis)

Y Reconhecimento geológico detalhado de superfície, incluindo estudo fotogeológico

Y Prospecção geofísica (obtenção de soft data do subsolo)

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Y Prospecção mecânica, incluindo sondagens (obtenção de hard data do subsolo)

Y Ensaios de campo e laboratório para determinação das propriedades mecânicas dos solos e rochas (esta última fase em colaboração com a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas).

A Mecânica das Rochas debruça-se sobre o conhecimento dos maciços rochosos (Rocha,

1981) em termos de:

Y Deformabilidade, isto é, das relações entre forças (ou tensões) e deformações;

Y Resistência, isto é das condições que determinam a sua rotura;

Y Estado de tensão inicial a que se encontra submetido;

Y Dos estados de tensão que se desenvolvem em virtude das tensões aplicadas,

incluindo as devidas à percolação da água subterrânea.

Por sua vez a Mecânica dos Solos trata dos problemas (Mineiro, 1981):Y de equilíbrio dos maciços terrosos sob a acção de solicitações exteriores (como seja a capacidade de carga de fundações superficiais e profundas),Y de resistência ao corte dos solos submetidos a esforços tangenciais;

Y de escoamento em meios porosos, da consolidação e compressibilidade dos solos;

Y de impulsos de terras sobre suportes (rígidos ou flexíveis, como sejam as cortinas ancoradas ou revestimentos de túneis)Y do cálculo de estabilidade de taludes naturais e de aterro;

Y do comportamento dos solos sob solicitações dinâmicas (sísmicas)

Y do melhoramento de terrenos através de numerosas técnicas (injecção, pré-carga, compactação dinâmica, vibroflutuação, etc…).

2. A GEOTECNIA COMO RAMO INDEPENDENTE DA ENGENHARIA

Nascimento (1990) considera o início da publicação da revista “Geotechnique” em Londres, em 1948, como o reconhecimento formal da autonomia deste ramo face à Engenharia Civil.

Contudo, as causas dessa autonomia estavam “lá” desde o início, e são inerentes à natureza da grande maioria das construções, compostas por duas partes distintas – a estrutura e o terreno de fundação. Como se sabe, as ciências da engenharia progrediram muito mais depressa relativamente à primeira (estrutura) quando comparada com a segunda (terreno de fundação). As razões desse progresso diferenciado residem no facto de:

• As estruturas terem formas geométricas simples e bem definidas e serem construídas com materiais “artificiais” (feitos pelo Homem) e com características fáceis de determinar, em condições propícias ao desenvolvimento das aplicações da física, especialmente da mecânica, e à

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previsão do seu comportamento – este é o âmbito das disciplinas de Resistência dos Materiais e Teoria das Estruturas, por exemplo.• Os terrenos de fundação são constituídos por formações geológicas – solos e rochas

– de características mecânicas mal definidas, que variam de ponto para ponto; frequentemente apresentam descontinuidades e fracturas que lhes conferem heterogeneidade e anisotropia.

As insuficiências da Engenharia Civil para lidar com os problemas geotécnicos foram evidenciadas com o aparecimento de cada vez maiores e mais variadas construções, principalmente a partir do fim do século XIX, e com a ocorrência de acidentes quemostravam até que ponto estavam erradas as bases empíricas dos métodos até então adoptados.

3. MARCOS HISTÓRICOS DA GEOTECNIA

Em termos formais podem ser apresentados os seguintes acontecimentos marcantes para o surgimento das disciplinas da Geotecnia:

• 1º Congresso da SIMSEF (Sociedade Internacional de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações): 1936 em Harvard (USA)• 1º Congresso da SIMR (Sociedade Internacional de Mecânica das Rochas): 1966 em Lisboa (Portugal)• 1º Congresso da AIGE (Associação Internacional de Geologia de Engenharia): 1970 em Paris (França)

Contudo merecem ser mencionados alguns antecedentes que impulsionaram decisivamente o nascimento desta área do conhecimento científico, designadamente:

• os trabalhos de Coulomb (1773) – conceitos fundamentais sobre a resistência ao corte dos solos enquanto soma de duas parcelas: uma devida ao atrito, proporcional à pressão normal à superfície de corte mas independente da área; outra devida à coesão, proporcional à área mas independente da pressão.• a Lei de Darcy (1856) – do escoamento da água em meios porosos, segundo a qual existe uma relação constante entre a velocidade desse escoamento e o gradiente hidráulico que o produz, traduzido pelo coeficiente de permeabilidade, característica de cada meio poroso.• a Teoria da consolidação de Terzaghi (1925) – com a consideração de duas fases constituintes dum solo saturado – a fase sólida e a fase líquida - e a divisão em duas parcelas da pressão total que nele actua – a pressão efectiva, na fase sólida e a pressão neutra, na fase líquida.

MARCOS DA GEOTECNIA EM PORTUGAL

Portugal não esteve alheio a esta grande revolução nas ciências da engenharia. Bem pelo contrário, participou activamente na sua consolidação e de diversas formas:

a) Na área da investigação – com a criação do LNEC (1946)

- através de um Núcleo inicial de Mecânica dos Solos, dividido em Fundações (liderado por José Folque) e Estradas e Aeródromos (liderado por Úlpio Nascimento), integrado num

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serviço (englobando também estruturas, barragens, materiais de construção...) dirigido por Manuel Rocha.

- com a integração de geólogos nos anos 50 e a criação da divisão de Prospecção, que se veio a juntar ao núcleo inicial, formando o Serviço de Geotecnia.

- com a criação, nos anos 50, de uma equipa de Mecânica das Rochas no Serviço de Barragens (Manuel Rocha, Laginha Serafim, António da Silveira), especialmente dedicada a estudos da deformabilidade das fundações de barragens de betão.

- finalmente, com o reconhecimento internacional do desenvolvimento dos métodos de determinação da resistência, da deformabilidade e do estado de tensão dos maciços rochosos no LNEC, patente na realização em Lisboa do 1º Congresso Internacional deMecânica das Rochas (1966).

b) Na área empresarial (anos 50 e 60) – com a criação de empresas de sondagens e fundações (Teixeira Duarte, Ródio, Sopecate, Construções Técnicas, etc...) e de empresas de projecto e consultoria (Hidrotécnica, COBA, Profabril, Hidroprojecto), todas elas integrando quadros geotécnicos.

c) No ensino (anos 70) – introdução da disciplina de Mecânica dos Solos nas licenciaturas de Engenharia Civil da FEUP e do IST. Criação dos cursos de pós-graduação em Geotecnia (1976) na FCT/UNL.

4. RAZÕES PARA O RÁPIDO DESENVOLVIMENTO DA GEOTECNIA

A rápida expansão da Geotecnia é consequência da crescente complexidade das realizações humanas e dos importantes problemas postos por diversos ramos da engenharia e da tecnologia, especialmente a partir da segunda metade do século XX.

Com o desenvolvimento das grandes concentrações urbanas os edifícios tornaram-se cada vez mais altos e, simultaneamente, os locais mais apropriados cada vez mais escassos. Mas nem por isso as construções deixaram de ser fazer. É o caso da torre Latino- Americana, construída nos anos 50 na cidade do México, com 182 m de altura, assente em 361 estacas de 35 cm de diâmetro cada, fundadas a 33 m de profundidade (Mineiro, 1981): apesar das condições geotécnicas desfavoráveis resistiu aos grandes sismos de 1957 e 1985, sem danos. Outro interessante exemplo de construção anti-sísmica é o Banco de América, em Manágua, o edifício mais alto da Nicarágua que foi um dos raros resistentes ao terramoto de 23 de Dezembro de 1972.

As barragens, muitas vezes fundadas em formações geológicas com características

precárias, são das estruturas que mais contribuíram para o avanço da Geotecnia. Hoover

Dam, construída em 1935, permaneceu durante muito tempo como a maior barragem do

mundo. Hoje as barragens alcançaram os 335 m de altura (Rogun, Tajisquistão), ao passo

que, em termos de volume, é Syncrude Tailings Dam (Canada) que detêm o recorde, com

540 milhões de m3. Presentemente, as comportas da Barragem das Três Gargantas são

fechadas e o Rio Yangtze, na China, começa a encher o reservatório, que terá uma

capacidade de geração de 18,2 gigawatts até 2009.

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Figura 1 – Hoover Dam

http://donews.do.usbr.gov

Figura 2 – Túnel de S. Gotardo (em constr.)

http://www.infrastructures.com

A construção de túneis é também um poderoso motor de desenvolvimento da Geotecnia. O

túnel do Monte Branco, entrado ao serviço em 1965, com 11.611 m de comprimento, há

muito que não é o maior túnel rodoviário do mundo (marca detida pelo túnel de Laerdal, na

Noruega, desde 2000, com 24.510 m de comprimento) embora ainda seja o mais profundo,

com um recobrimento que atinge cerca de 2.500 m. A essa profundidade desenvolvem-se

tensões elevadíssimas que levavam à “explosão” da rocha, apesar da sua elevada resistên-

cia (cerca de 100 MPa), quando da sua construção (Rocha, 1981). À mesma profundidade

está agora a ser aberto o que será o maior túnel ferroviário do mundo2 em 2014, o túnel

de S. Gotardo, com duas galerias de 9 metros de diâmetro e 57.072 m de comprimento).

Mas não é apenas a Engenharia Civil que coloca à Geotecnia novas e mais complexas

questões para resolver. Na Engenharia de Minas, hoje em dia, é corrente a exploração

subterrânea fazer-se a profundidades superiores a 1.000 m. Em 1977 a Western Deep

1 Posição actualmente detida pelo túnel Seikan (Japão), com 53.850 m, desde 1998, após ter

pertencido ao Eurotunel (túnel da Mancha) desde 1994, com 50.450 m de comprimento.

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Levels Mine, uma mina de ouro na África do Sul, atingiu a profundidade de 3.581 m. Em

2003 a East Rand Mine, na mesma região, alcançou os 3.585 m. A essa profundidade a

temperatura ronda os 60ºC e a pressão das rochas sobrejacentes é de 9.500 ton/m2 isto é,

quase 1.000 vezes a pressão atmosférica normal. Quando a rocha é removida a pressão

aumenta drasticamente no maciço rochoso envolvente. Este efeito, associado ao calor,

provoca as famosas explosões de rocha responsáveis por muitas das 250 mortes por ano

nas minas da África do Sul.

Por sua vez, a mina “a céu aberto” de Bingham, Utah (USA) é mais larga que 35 campos de

futebol juntos e mais profunda do que 2 vezes a altura do Empire State Building (896 m).

Nas explorações a céu aberto os maiores problemas estão associados à estabilidade de

taludes.

Figura 3 – Mina de Bingham

(http://ghostdepot.com/rg/mainline/utah/bingham.htm)

Em termos de perfuração, a Engenharia do Petróleo já ultrapassou os 8.000 m de profundi-

dade ao passo que, para efeitos de investigação, já se atingiu os 15 km de profundidade. O

conhecimento de níveis cada vez mais profundos da crosta terrestre é ditado por perspec-

tivas de utilização do subsolo, não só em termos de extracção de georrecursos, mas também

para armazenamento de fluidos e mesmo de resíduos, incluindo os radioactivos.

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1. APRENDER COM OS ERROS

2 5.1 Intro-dução

Como ciência eminentemente aplicada que é, um dos grandes motores de desenvolvimento da

Geotecnia tem sido a ocorrência de acidentes que, em grande medida, se podem atribuir ao

insuficiente conhecimento ou à deficiente aplicação do conhecimento geotécnico.

O exemplo mais conhecido de luta prolongada para a correcção de um erro geotécnico

talvez seja o da Torre inclinada de Pisa (Jamiolkowski, 1997, 2004).

Figura 4 – Torre de Pisa. Evolução da inclinação. Fundações.

http://www.rod.beavon.clara.net/pisa.htm

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A torre começou a ser construída em 1173, em solo arenoso muito solto, sendo interrompida

em 1178, no 3º andar, com 10,6 m, quando a inclinação (tilting) era já evidente. Por duas

vezes foi recomeçada e novamente interrompida (em 1185 e 1284). Foi terminada em 1350

com 85,9 m e oito andares. Várias tentativas para a estabilizar foram feitas (nomeadamente

em 1934 com a injecção de cimento na base), mas o efeito foi frequentemente o oposto do

que era pretendido. Os rebaixamentos exagerados do nível freático, ocorridos nos anos 70

devido à intensidade da exploração de água subterrânea em captações locais, parecem ter

contribuído para agravar ainda mais a instabilidade. Entretanto, até 1989, 700.000 visitantes

subiram ao seu topo. Foi encerrada em 1990 para correcção da inclinação, então de 5º30’.

Várias soluções foram ensaiadas incluindo a colocação de 800 t de chumbo no lado norte da

torre. Finalmente a mais simples acabou por resultar: escavar no lado oposto ao do sentido

da inclinação para “equilibrar” o assentamento da torre. Quarenta furos foram feitos para

remover 38 m3 de areia enquanto a torre (14.000 t de mármore) estava a ser suportada por

cabos ancorados ao chão.

Em 15 de Dezembro de 2001 foi finalmente reaberta ao público, que pode fazer visitas

guiadas em grupos de 30 (máximo). Desde então não deu mais sinais de instabilidade.

Actualmente apresenta a inclinação (cerca de 4º30’) que possuía em 1700 (figura 5).

Figura 5 – Enquadramento da Torre de Pisa no conjunto monumental da cidade (gravura

de cerca de 1700, exibindo inclinação próxima da actual)

3 5.2. Grandes acidentes geotécnicos

Mas se o “erro geotécnico” que originou a inclinação da Torre de Pisa parece ter tido um fi-

nal feliz, o mesmo não se poderá dizer de outros acidentes geotécnicos:

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ROTURA DA BARRAGEM DE MALPASSET (FRANÇA) – 2 DE DEZEMBRO DE 1959

Trata-se de uma barragem de betão em arco de dupla curvatura com 60 m de altura e 223 m

de comprimento, localizada perto da cidade de Frejús, nos Alpes franceses.

Os estudos geológicos e hidrológicos consideraram o local adequado embora com a

oposição de alguns consultores. A fundação rochosa parecia ser impermeável. O encontro

direito (olhando para jusante) era rocha; no encontro esquerdo foi necessário construir uma

parede de betão para melhor interacção com o arco da barragem.

Fissuras foram observadas na base da barragem, a jusante, mas não foram investigadas.

Duas semanas depois da sua identificação a barragem ruiu matando 500 pessoas. A rotura

foi rápida e catastrófica, libertando toda a água da albufeira. Pouco restou da estrutura.

Nenhuma barragem deste tipo tinha ruído anteriormente, o que levou à realização de

numerosos estudos. A investigação concluiu que:

Y Uma falha tectónica foi identificada a jusante da barragem que não tinha sido recon-

hecida na fase de projecto devido à sua distância à fundação na superfície do terreno

(Figura 6).

XistosidadeFalha

Figura 6 – Esquematização das condicionantes geológico-geotécnicas que presidiram à rotura

da barragem de Malpasset

Y Chuva intensa fez subir quase instantaneamente o nível das águas da albufeira mais de 5

m, o que contribuiu também para aumentar a pressão da água sob a barragem

Y O mecanismo de rotura foi desencadeado pela combinação desta falha com as superfícies

de baixa resistência proporcionadas pela xistosidade, levando ao escorregamento de uma

cunha do maciço de fundação, eventualmente conjugada com a subida das subpressões na

fundação da barragem e o estado de alteração da rocha no encontro direito.

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GALGAMENTO DA BARRAGEM DE VAJONT (ITÁLIA) – 9 DE OUTUBRO DE 1963

A Barragem de Vajont está localizada na região dos Dolomitos (Alpes Italianos), a cerca de

100 km a norte de Veneza. Tem um comprimento no coroamento de 1850 m e uma altura de

260 m (quando do acidente era a mais alta do mundo) e o seu reservatório uma capacidade

de 115 milhões de m3 (Figura 7).

Figura 7 – Localização da barragem de Vajont, numa garganta apertada

(http://www.land-man.net/vajont/vajont.html)

É um exemplo clássico da incapacidade de engenheiros e geólogos entenderem a natureza

do problema. Durante o enchimento da albufeira uma massa gigantesca de terreno com

cerca de 270 milhões de m3 destacou-se de uma das vertentes e escorregou para a al-

bufeira a uma velocidade de 30 m/s, formando uma onda que galgou a barragem em mais de

250 m de altura e varreu todo o vale a jusante matando cerca de 2.500 pessoas. No-

tavelmente, a barragem resistiu ao choque sem ruir.

Antes da conclusão da barragem o director de obra estava preocupado com a estabilidade

do encontro esquerdo. Reconhecimentos efectuados em 1958 e 1959 identificaram cica-

trizes de escorregamentos antigos no encontro direito. O primeiro enchimento, ainda antes

do fecho da barragem (concluída em Setembro de 1960) foi iniciado em Fevereiro de 1960.

Em Março os projectistas reconheceram que uma grande massa de terrenos se apresen-

tava instável na margem esquerda. Foi decidido jogar com o nível de enchimento da albufeira

ao mesmo tempo que se executavam galerias drenantes na encosta instabilizada. O prob-

lema parecia estar a ser resolvido.

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Entre Abril e Maio de 1963 o nível da albufeira subiu rapidamente. Foi então decidido

realizar um esvaziamento. Em Outubro a encosta deslizou para dentro do lago.

ESCORREGAMENTO DE ABERFAN (PAÍS DE GALES) – 21 DE OUTUBRO DE 1966

Do escorregamento, encosta abaixo, da pilha de resíduos de uma mina de carvão de Gales

do Sul, situada no topo de uma montanha, resultou a destruição da aldeia mineira de

Aberfan, situada na base da encosta e 144 mortes (figura 8). A situação mais dramática

ocorreu com o soterramento de uma escola primária de que resultou a morte de 116

crianças e 5 professores.

Figura 8 – Vista panorâmica do escorregamento de Aberfan

(http://www.nuff.ox.ac.uk/politics/aberfan/home.htm)

O fenómeno foi interpretado como se devendo ao aumento da pressão da água existente

sob a fundação do depósito de rejeitados, que acabou por brotar à superfície, arrastar os

resíduos e formar uma torrente de lama que evoluiu até à povoação.

O tribunal concluiu que a maior parte da culpa pertencia ao Conselho Nacional do Carvão

por não definir uma política adequada mas minas para os depósitos de rejeitados nem existir

uma adequada legislação sobre segurança nesses trabalhos.

Este acidente teve uma grande repercussão na prática mineira no Reino Unido e em geral,

levando a que as escombreiras passassem a ser vistas em igualdade de condições com

quaisquer outras estruturas de engenharia, sujeitas às normas correntes de projecto e

execução.

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ROTURA DA BARRAGEM DE TETON (USA) – 5 DE JUNHO DE 1976

A barragem de aterro (ou de terra) de Teton foi construída pelo United States Bureau of

Reclamation que foi considerado culpado pelo colapso. Tinha cerca de 100 m de altura e

custou a vida a 11 pessoas e cerca de 1 bilião de US$ de prejuízo.

A barragem estava localizada numa depressão tectónica no topo de um tufo de cinzas

reolítico, que por sua vez assentava sobre rocha sedimentar. Toda a área era muito perme-

ável mas não foi observada percolação no corpo da barragem antes do colapso, embora

várias nascentes tivessem exsurgido a jusante poucos dias antes do acidente.

Na manhã de 5 de Junho uma fuga apareceu no talude jusante da barragem junto ao

encontro direito. O alarme foi dado. Dois bulldozers que procuravam colmatar a brecha

foram apanhados pela erosão interna crescente no corpo da barragem. Perto do meio-dia a

barragem ruiu. À noite toda a albufeira se encontra esvaziada. As cidades de Idaho Falls e

de American Falls Dam sofreram perdas apreciáveis.

Figura 9 – Sequência de imagens da ruptura da barragem de Teton

http://www.geol.ucsb.edu/faculty/sylvester/Teton%20Dam/Teton%20Dam.html

A partir deste acidente o Bureau of Reclamation passou a cumprir um programa rigoroso de

segurança de barragens. Cada estrutura passou a ser inspeccionada periodicamente no que

respeita à estabilidade sísmica, falhas internas e deterioração física.

ROTURA DA BARRAGEM DE ASNALCOLLAR – 25 DE ABRIL DE 1998

Como resultado da rotura da barragem de contenção da bacia de decantação da mina de

pirite (FeS2) em Aznalcóllar (Sevilha) ocorreu um importante derrame de água ácida e de

lodos muito tóxicos, contendo altas concentrações de metais pesados, com gravíssimas

consequências para a região, nomeadamente em termos ecológicos.

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A barragem foi construída sobre margas expansivas. A percolação nestes materiais levou a

fenómenos de expansão-retracção (figura 8). A propagação das deformações, combinada

com eventual deterioração do conteúdo carbonatado das margas por ataque químico das

águas ácidas dos sulfuretos aí depositados e com as vibrações provocadas pelos rebenta-

mentos pode ter provocado o acidente.

Figura 10 – Esquema da geologia, da estrutura da barragem e do deslocamento.

(http://www.antenna.nl/wise/uranium/mdaflf.html#EP98A20)

O derrame foi de cerca de 4,5 Hm3 (3,6 de água e 0,9 de lodos) e transbordou para os rios

Agrio e Guadiamar ao longo de 40 km para os lodos e de 50 km para as águas, com uma

largura média de 400 metros. A superfície afectada foi de 4.402 hectares.

Os lodos não chegaram a alcançar o Parque Nacional de Doñana, ficando retidos dentro do

pré-parque, mas águas invadiram a região externa do Parque e desembocaram no

Guadalquivir na área do Coto de Doñana, alcançando finalmente, já pouco contaminadas, o

Oceano Atlântico, em Sanlucar de Barrameda.

Devido à extrema acidez as águas levavam dissolvidos numerosos metais pesados em

quantidades consideráveis. Por seu lado os lodos estão constituídos por uma concentração

de estéreis da exploração, contendo grande quantidade de metais. À superfície os solos

ficaram cobertos por uma espessura de lodos variável, até 1,5 metros. Os derrames tóxicos

de Aznalcóllar arrasaram colheitas, fauna, flora e solos. As perdas agrícolas forma esti-

madas na ordem dos 1.800 milhões de pesetas.

QUEDA DA PONTE DE ENTRE-OS-RIOS - 14 DE MARÇO DE 2001

A queda da ponte Hintze Ribeiro, em estado de grande degradação após 116 anos de

serviço, mergulhou o país em estado de choque e constituiu um ponto de viragem na forma

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como as autoridades fazem a abordagem das tarefas de manutenção neste tipo de

estruturas.

TRANSCRIÇÃO DO RELATÓRIO DA “COMISSÃO DE INQUÉRITO ÀS CAUSAS DO ACIDENTE”

13 – CONCLUSÕES (…)

13.4 – O mecanismo provável de colapso da ponte consistiu na queda do pilar P4, por perda de sustentação do

terreno sob a base do caixão de fundação, e no subsequente colapso da estrutura do tabuleiro.

13.5 – A causa directa do sinistro foi a descida do leito do rio na zona do pilar P4 até um nível de tal modo baixo

que foi originada, por erosão ou por redução da resistência ao carregamento, a perda de sustentação do terreno

situado sob o caixão de fundação.

13.6 – Nas últimas três décadas o perfil longitudinal do leito do rio ao longo do que é agora a albufeira da

barragem de Crestuma sofreu um forte e generalizado abaixamento, que nalguns pontos chega a atingir valores

da ordem de 28 m.

13.7 – Tal evolução deve-se, certamente, à concorrência de dois factores principais: as actividades de ex-

tracção de inertes do leito do rio (cuja importância é indiciada pela existência de numerosos “fundões”) e a re-

dução da alimentação de caudal sólido provocada pela retenção de sedimentos nas albufeiras existentes no

rio Douro e afluentes.

4 5.3 O engenheiro perante a ética e o am-biente 3

A prática do engenheiro e a constatação dos erros que conduzem aos acidentes tem levado a

uma interiorização progressiva dos problemas éticos e ambientais na busca de soluções téc-

nicas para os problemas de engenharia, através de uma consciência cada vez mais pro-

funda da incidência da sua actividade na qualidade de vida das populações e no ambiente.

SERAFIM (1984) referia, a propósito da segurança de barragens que “em princípio, as

barragens não dever romper, mesmo durante as condições mais críticas, principalmente

porque representam um risco não desejado e não aceite para os que vivem a jusante”.

3 Baseado em COSTA (1992).

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Esta preocupação justifica a atribuição de elevados factores de segurança na concepção e

cálculo de uma barragem, ainda que tal se venha a reflectir nos custos, como refere

MINEIRO (1990): “A finalidade dos critérios de segurança é reduzir a probabilidade de

colapso e as suas consequências. As medidas de segurança e as acções preventivas

procuram optimizar os benefícios usando para isso boas e actualizadas práticas de engen-

haria, protegendo-se assim os valores económico-sociais, no que respeita à perda de vidas e

bens e à preservação do ambiente”.

Os aspectos atrás referidos revelam que as motivações subjacentes ao acto de projectar em

engenharia são mais profundas que os critérios económico-utilitaristas que vulgarmente

baseiam as decisões relativas ao acto de construir. Elas estão intrinsecamente ligadas a

noções de ética e regras de conduta que orientam a escolha das soluções mais adequadas,

independentemente das chamadas questões técnico-económicas.

Dessas motivações se faz eco FERRY-BORGES (1985) ao referir que “a rápida evolução da

técnica e o enorme impacto na vida das sociedades modernas impõe a consideração de

aspectos éticos para além dos aspectos de índole sobretudo profissional”. E acrescenta que

“problemas tais como a preservação do ambiente, a conservação dos recursos naturais, a

distribuição equitativa dos custos, benefícios e riscos (…) assumem tal importância que a

sua solução não se pode limitar aos foros da técnica, economia, sociologia e política,

devendo ser tratados também como problemas de ética”.

A maior parte das decisões políticas apoiam-se em critérios economicistas, que possam ser

traduzidos em valores monetários. Mas como quantificar os benefícios da conservação dos

recursos? Se os índices de erosão de uma dada bacia hidrográfica, ou o valor de uso de

uma dada área recuperada podem ser calculados com maior ou menos dificuldade, como

quantificar os valores de uso estéticos, simbólicos ou éticos de uma paisagem? Como

traduzir em termos monetários a preservação de uma espécie em perigo de extinção num

habitat prestes a ser destruído por um empreendimento?

Ao abordar esta problemática FERRY-BORGES (1985) refere que “as decisões relativas ao

acto de construir baseiam-se correntemente em considerações económicas, dentre as quais

resulta a formulação dos custos/benefícios. Assim, definido um problema e identificadas as

respectivas soluções alternativas, estimam-se os custos e os benefícios que lhe corre-

spondem e elege-se como solução aquela alternativa para a qual a diferença (ou a re-

lação) entre benefícios e custos toma valores máximos”. E assinala justamente que uma das

mais importantes dificuldades de aplicação dos critérios anteriores resulta do facto de ser

difícil estimar todas as consequências de uma dada decisão e ponderá-las em termos de

Page 16: 01-Introdução a Geotecnia.

custo e benefício. Aspectos correntemente designados como intangíveis contrapõem-se à

simples formulação em termos económicos”.

Definindo como ”intangíveis” os “aspectos de fruição dos bens básicos da vida que o acto de

construir pode alterar”, aquele autor faz notar que “não existe uma fronteira nítida entre

tangíveis, expressos em valores monetários correntes e intangíveis”. Sugere então que “um

dos modos de solucionar o problema da não consideração dos intangíveis numa análise

custo/benefício consiste exactamente em atribuir-lhes valor monetário”. Mas, uma vez que

“esta solução é contrariada pelos casos em que as consequências da decisão têm aspectos

puramente éticos, os quais não podem ser medidos pela atribuição de valores económicos”

fica-se “perante um dilema: ou alargar o âmbito de aplicação dos esquemas económicos, ou

efectuar análises separadas dos aspectos económicos e éticos. Qualquer destas soluções é

preferível à omissão da consideração dos intangíveis” (FERRY-BORGES, 1985).

EXEMPLO DE APLICAÇÃO

As considerações anteriores podem ser ilustradas através de um exemplo referido por FERNANDEZ (1989):

Considere-se por hipótese os custos de construção de uma estrada entre 2 localidades separadas de 10 km.

Aqueles só poderão ser avaliados com base em informação detalhada da topografia, geologia, hidrologia,

tráfego, materiais de construção, etc. Considerando apenas, para efeitos de demonstração, as condições to-

pográficas, ter-se-ia:

1 - No caso de as 2 localidades se encontrarem num terreno plano, o traçado em linha recta custará x;

2 - Se entre as 2 localidades existir uma elevação, o traçado poderá ter de rodeá-la ou de a atravessar em túnel,

podem fazer subir os custos para 2x, por hipótese;

3 - Se entre as 2 localidades existir um rio profundo poderá ser necessário projectar uma grande ponte: os

custos poderão então ser de 5x.

Ou seja, o projectista sabe perfeitamente que a topografia representa uma clara condicionante para o cálculo

dos custos de uma obra. A ninguém surpreende que uma estrada em relevo acidentado seja mais cara que

numa zona plana; ou que os desmontes em rocha sejam mais caros que escavações em solos brandos, etc..

Mas se entre as 2 localidades existir uma área de elevado interesse ecológico – uma zona húmida a preservar,

por exemplo – o custo da estrada pode ter de ser multiplicado por 2, por 5 ou mesmo por 10, dependendo das

características do ecossistema em causa. Tal circunstância não deveria surpreender ninguém, pois é evidente

que o factor ecológico tem de ser considerado com a mesma seriedade que os demais.

Page 17: 01-Introdução a Geotecnia.

“Nem tudo o que é tecnicamente possível é ecologicamente aceitável”, assim sublinha

LANGER (1986) a posição de princípio da IAEG (associação internacional dos geólogos de

engenharia) segundo a qual é essencial ter em conta, não só os factores que afectam a fi-

abilidade e a eficiência das construções, mas também, em medida não inferior, os problemas

de protecção ambiental e do uso racional do ambiente.

1. NOVOS CAMPOS DE APLICAÇÃO DA GEOTECNIA

As exigências de protecção ambiental estimularam, principalmente a partir da década de 80,

novos desenvolvimentos no campo da Geotecnia. FOLQUE (1990) define Geotecnia Ambi-

ental como a disciplina vocacionada para o estudo de novas áreas do conhecimento, como

sejam a utilização dos resíduos, a remoção de terrenos e disposição de materiais à superfí-

cie, a extracção de fluidos do subsolo, a criação de lagos artificiais e o armazenamento

subterrâneo. Em cada um destes domínios, a Geotecnia Ambiental, deveria, segundo este

autor, intervir no sentido de minimizar os impactes negativos no ambiente dos diversos em-

preendimentos.

Por exemplo, no que respeita a aterros sanitários (figura 11), os últimos 20 anos assistiram a

modificações radicais no que se refere às tecnologias de construção e exploração dessas in-

fra-estruturas. Essas modificações incluem o desenvolvimento de sofisticados sistemas de

monitorização das águas subterrâneas, implementação de sistemas de colectores de lixivia-

dos e biogás, instalação de geosintéticos de impermeabilização e drenagem da fundação e

da cobertura e equipamentos de compactação pesada.

Mas para que esses investimentos se possam fazer os aterros têm de apresentar uma

dimensão bem maior que os antigos vazadouros. Nos Estados Unidos tiveram, em média,

de triplicar a sua dimensão: desde 1989, o número de aterros municipais desceu de 7.379

para 2.216 em 1999, ao mesmo tempo que a quantidade de lixo recebida por aterro subia de

92 t/dia para 300 t/dia. Em Portugal de mais de 300 locais de deposição não controlada de

resíduos existentes em finais da década de 90 passou-se para pouco mais de três dezenas

de aterros de RSU geridos em sistemas multimunicipais.

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Figura 11 – Ilustração de um aterro de resíduos sólidos urbanos

Por outro lado, a problemática da descontaminação de terrenos afectados por poluição

proveniente das mais diversas fontes (industriais, agrícolas e de aglomerados urbanos) e a

necessidade de recuperar o uso dos territórios degradados (“brownfields”) obrigou a novos

desenvolvimentos metodológicos de avaliação (figura 12), análise de risco e remediação de

solos e águas subterrâneas, incluindo a integração de modelos matemáticos de caracteriza-

ção dos processos de dispersão de poluentes no meio geológico (Brito et al., 2006).

Figura 12 – Mapa de probabilidade de contaminação por mercúrio

Por sua vez, a reciclagem de resíduos de demolição e a valorização de resíduos de

pedreira para a fabricação de agregados para a construção, substituindo parcialmente

Page 19: 01-Introdução a Geotecnia.

matérias-primas cuja exploração constitui actividade com impacte ambiental muito elevado

(no ordenamento do território, na afectação dos recursos hídricos, etc…) estabelece novos

desafios à investigação geotécnica, face às limitações do seu uso para as aplicações mais

exigentes, ditadas por características físicas e mecânicas menos boas à imposição das

normas europeias harmonizadas através da Marcação CE para agregados (Águas et al.,

2006).

Mas é no domínio dos riscos naturais e tecnológicos que a aplicação do conhecimento

geotécnico tem registado maior evolução nos últimos anos. O número de desastres “natu-

rais” ligados aos riscos geológicos tem aumentado nas últimas décadas. Trata-se de uma

tendência observada não só em termos de frequência mas também na magnitude da destru-

ição. Em consequência, o número de vítimas e os impactes sociais, económicos e nas infra-

estruturas são causa da maior preocupação da sociedade civil e dos governos.

Os riscos geológicos mais conhecidos são destruidores, rápidos e afectam muita gente,

bens e ecossistemas. Nos últimos 20 anos do século XX foram responsáveis pela morte de 3

milhões de pessoas, tendo afectado severamente outros 800.000 milhões (Oliveira, 2000).

Mortes relacionadas com riscos geológicos são maioritariamente atribuídas a inundações e

sismos. Escorregamentos de terras são também outra causa importante. O custo total

associado a estes fenómenos aumentou 10 vezes nos últimos 40 anos (Ligtenberg, 2003).

Mas existem outros riscos geológicos que não proporcionam desastre imediato mas podem

provocar prejuízos substanciais à sociedade como sejam a contaminação de solos e águas, a

erosão costeira ou a escassez de recursos não renováveis - estima-se que os países in-

dustrializados consumam cerca de 20 t/ano de recursos geológicos sólidos por pessoa

(Oliveira, 2000).

Por outro lado a vulnerabilidade das populações aos desastres “naturais” está a aumentar,

especialmente nas áreas urbanas. Estas parecem atrair o risco geológico. De facto o

mesmo risco geológico terá muito mais impacte nas cidades, onde vive muito mais gente, do

que nas áreas rurais. Actualmente mais de 50% da população mundial vive em cidades, 25

das quais com mais de 10 milhões de habitantes. A expansão urbana inapropriada tende

frequentemente para áreas de risco como planícies de inundação, colinas instáveis ou

terrenos recém-desmatados, com desprezo pelas condicionantes geológicas e geotécnicas,

amontoando populações vulneráveis.

Reconhecendo os factos aqui expostos a Geotecnia tem vindo a dedicar cada vez mais

atenção à predição das catástrofes, à avaliação das zonas de risco, à prevenção dos danos,

ao projecto de remediação, à gestão e protecção da água, do solo e das matérias-primas, à

selecção cuidada dos locais para a construção… em poucas palavras, poupar dinheiro e

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recursos para a sociedade e as futuras gerações. De facto, muitos dos riscos geológicos

podem ser prevenidos, minorados ou mesmo evitados se engenheiros e urbanistas es-

tiverem conscientes do interesse em integrar geotécnicos nas equipas de planeamento ur-

bano (McCall et allia, 1996).

EXEMPLO DE APLICAÇÃO

Na sequência da queda de um bloco de 95 toneladas do Monte da Lua (um caos de blocos situado em frente da

vila de Sintra) em 29 de Janeiro de 2002 foi feito um estudo detalhado dos parâmetros geotécnicos de cerca de

200 blocos tendo em vista a execução de um mapa de risco geológico referente à susceptibilidade de queda de

blocos. O objectivo pretendido foi obtido com a aplicação de análise estatística multivariada com vista à

discriminação dos blocos em termos de mobilidade potencial (estática e dinâmica) dando uma classificação de

perigosidade potencial para cada bloco, combinado com a simulação de trajectórias prováveis em função do

modelo digital de terreno (Almeida et al. 2006)

A figura 13 mostra a simulação das trajectórias em direcção à área urbana de Sintra para os blocos mais

perigosos.

Figura 13 - Simulação das trajectórias em direcção à área urbana de Sintra

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5 FONTES DE INFORMAÇÃO E MAIS LEITURAS EM:

Este texto tem como finalidade auxiliar no estudo e compreensão da matéria que compõe os conhecimentos básicos da Mecânica dos Solos aos alunos dos cursos de Engenharia Civil e Arquitetura, assim como os profissionais atuantes nesta área de especialização. Para quaisquer destes interessados, as principais razões que levam à necessidade de se compreender a Mecânica dos Solos são:

a) Aprender a entender e poder avaliar as propriedades dos materiais geológicos, em particular o solo;

b) Aplicar o conhecimento dos solos de uma maneira prática para projetar obras geotécnicas de forma segura e econômica;

c) Desenvolver e progredir no conhecimento da Mecânica dos Solos através da pesquisa e experiência, e então acrescentar novos conhecimentos conceituais, e

d) Estender conhecimentos a outros ramos do aprendizado ainda a serem desenvolvidos.Além da importância do conhecimento destas razões, o engenheiro geotécnico tem

ainda que lembrar de duas importantes responsabilidades: primeiro, projetar e construir estruturas seguras, e segundo, dar proteção às vidas das pessoas que usam ou passam sob estas estruturas. Por causa destas razões, e também porque o solo é considerado não apenas material de fundação (que serve de suporte às estruturas), mas também como material de construção (barragens de terra, rodovias, etc), os engenheiros devem ter um sólido conhecimento das propriedades e comportamento dos solos.

Baseado no exposto acima se pode notar que existem problemas fundamentais que requerem soluções seguras e econômicas para uma dada estrutura. Pode-se concluir também que a aplicação do conhecimento da Mecânica dos Solos para o engenheiro é de grande importância. Para ilustrar a importância da Mecânica dos Solos para o engenheiro pode-se fazer o seguinte paralelo: nos projetos estruturais a estática das estruturas depende do conhecimento da resistência dos materiais. Da mesma forma, um projeto de fundação depende da disciplina Mecânica dos Solos, o que nos leva a concluir que essa disciplina se torna essencial na formação básica do engenheiro geotécnico.

O solo é formado pela natureza, apresentado como conseqüência uma ampla variação das suas propriedades físicas sendo a maioria delas variáveis em relação às determinadas condições. Esta tendência dos solos variarem nas suas propriedades físicas é uma contradição

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se compararmos com o comportamento dos materiais manufaturados como o aço, concreto, ferro, etc, cujas propriedades são relativamente constantes.

As propriedades dos solos dependem Das suas características e estas por sua vez são afetadas com maior ou menor intensidade por muitos fatores, como a umidade, proximidade com águas subterrâneas, umidade do ar, enchentes, congelamento, descongelamento, etc. Uma das maiores dificuldades para tratar com os solos de um terreno é que as suas propriedades físicas podem variar significativamente mesmo para pequenas distâncias (ordem de até 1 m). A influência da água no desempenho do solo quando submetido a esforços externos é um dos fatores mais importantes na Mecânica dos Solos, pois a umidade é considerada como um dos fatores que regem as propriedades dos solos. A água influencia também na capacidade de carga, no comportamento plástico de solos coesivos, na contração ou expansão dos solos, etc. A água é usada no controle da compactação do solo com a finalidade de aumentar a sua resistência. Como se pode notar, a determinação presença da água e da sua relação com as partículas sólidas é uma das principais preocupações num programa de execução de ensaios laboratoriais.

Nenhum engenheiro, arquiteto ou construtor pode ignorar o problema de investigação das propriedades físicas locais e a possibilidade das variações destas decorrentes da variação da umidade durante e após a construção da obra. Uma investigação detalhada destas propriedades é a melhor maneira de se evitar o colapso do sistema solo-estrutura, além dos problemas de exploração, manutenção, financeiro, etc, que podem ocorrer no futuro. Se as propriedades dos solos forem estudadas convenientemente os resultados conseqüentes interpretados corretamente e inteligentemente aplicados num projeto e posterior construção desta obra, as falhas podem ser evitadas.

2. BREVE HISTÓRIA DA MECÂNICA DOS SOLOS

Após a segunda grande guerra, uma nova geração de engenheiros pode dispor de amplos recursos para resolver problemas de Mecânica dos Solos e Fundações através do acumulo de um extraordinário número de informações e experiências, que permitiram comparações e aferições das previsões teóricas e do comportamento real do solo.

É claro que ao lidar com materiais como os solos, resultados satisfatórios só podem ser alcançados quando uma série de fatores é adequadamente incluída nas análises, tais como interpretação apropriada das condições geológicas, cuidadosos e adequados execução dos ensaios laboratoriais, falta de homogeneidade do solo, interpretação dos resultados dos ensaios, representatividade das amostras, idealização matemática do processo adotado no estudo, etc. Com estas limitações, as experiências do passado mostram que há inúmeros exemplos que comprovam a viabilidade da análise matemática de muitos problemas e de previsões do comportamento sob uma forma lógica e racional. Por exemplo, no caso de argilas moles pode-se prever a capacidade de carga de fundação e estabilidade de paredes contraventadas, e avaliar a amplitude e velocidade de recalques de fundações e aterros, desde que as magnitudes das tensões aplicadas não sejam muito pequenas. No caso de certas condições de solos, como pedregulhos, areias, siltes e argilas ligeiramente pré-consolidadas, pode-se avaliar satisfatoriamente a estabilidade de taludes e empuxos contra muros de arrimo a partir de análises e ensaios adequados.

Em muitos materiais porosos, pode prever-se o fluxo da água através destes poros, como, por exemplo, o caso da percolação através do corpo de uma barragem de terra.

Igualmente se podem considerar satisfatórios a previsão do comportamento estrutural de uma barragem de terra e enrocamento (exceto em regiões sísmicas), assim como os métodos usuais de dimensionamento de fundações.

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Há cerca de 70 anos surgiu a consciência de que há muitos problemas complexos nos quais as possibilidades de tratamentos teóricos conhecidos eram ainda limitados e que havia ainda necessidade de recorrer e desenvolver métodos menos rigorosos e semi-empíricos para os resolver. Atualmente, vive-se definitivamente um período em que os problemas já não podem ser resolvidos por intuição e empirismo.

Os métodos de análise a que se recorre na Mecânica dos Solos Aplicada constituem um corpo de ciência lógico e racional que podem ser sistematizados em livros textos, ensinados em universidades e aplicados com sucesso pelos engenheiros civis após alguma prática. Mas é indispensável estar sempre consciente das limitações e admitir que existem inúmeros casos, embora cuidadosamente estudados, em que a clássica Mecânica dos Solos Aplicada se mostrou inadequada. Por exemplo, casos em que comprovam a atual incapacidade de prever com precisão plenamente satisfatória, é a determinação da amplitude e velocidade dos recalques de estruturas apoiadas em argilas pré-adensadas. Também nas argilas marinhas moles, normalmente adensadas e ocorrentes na Escandinávia se verificou que os métodos clássicos de avaliação destes fatores são completamente inadequados principalmente se a resposte deste material fosse analisado quando submetidos às baixas tensões como são usuais em fundações de edifícios de pequeno porte. O mesmo pode ser dito com problemas de estabilidade de taludes destes dois tipos de solo.

A discrepância entre a teoria e prática existente em muitos casos não pode ser desprezada e somente pode ser explicada responsabilizando-a a heterogeneidade do solo ou dispersão de resultados dos ensaios e não como um erro da teoria. Em quase todos os casos estudados, provou-se que as discrepâncias são conseqüências de uma incompleta ou falsa apreciação das verdadeiras propriedades dos solos.

A Mecânica dos Solos convencional baseou-se, para a sua teorização, em imagens bastante simplificadas dos solos que se desviam por vezes demasiadamente da realidade e tiram-lhe, portanto, a possibilidade de previsões realísticas.

Ao analisar em detalhes as propriedades dos solos, colhe-se a impressão de que em muitos solos naturais e durante as suas respectivas vidas geológicas, desenvolvem inúmeras propriedades especiais e de grande diversidade, cujas variações se mantêm imperceptíveis nos métodos de determinações convencionais de laboratório ou in situ.

Finalmente existe um aspecto demasiadamente desprezado no passado, mas que é essencial para que a Mecânica dos Solos possa ser aplicada com sucesso. É o caso do estudo de solos naturais com a finalidade de entender, descrever e medir as propriedades que são essenciais para a análise do problema. É de fundamental importância que o estudo dessas propriedades se concentre mais no comportamento realístico do solo in situ do que no laboratorial, e na investigação pormenorizada dos fatores geológicos que possam influenciar nas propriedades analisadas.

Recordando a forte influência de Terzaghi na Mecânica dos Solos fruto do seu particular interesse, talento, entusiasmo, e força de caráter que lhe permitiu inspirar uma fértil e moderna escola de pensamento, convém referir os dois princípios básicos por ele enunciados, mas infelizmente nem sempre seguidos nos primeiros parágrafos do seu livro Erdbaumechanik auf Boden Physikalishe Brundlage:

1. Cada problema no campo é basicamente geológico, e a primeira medida a ser tomada é executar uma exploração adequada principalmente em relação à estrutura geológica presente e a hidrologia locais, e observar atentamente os mínimos detalhes geológicos que possam ter uma influência significativa nos problemas de engenharia a serem resolvidos;

2. Os métodos de Mecânica Teórica devem ser utilizados para medir as propriedades mecânicas dos solos e das rochas, de forma que permitam uma racional solução do problema.

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Para encerrar o breve comentário das seções anteriores onde foram apresentadas as principais considerações para solução de problemas e limitações de Mecânica dos Solos, e antes de lançar os jovens espíritos ávidos de certezas e precisões numa Mecânica dos Solos Aplicada, cativante na teoria e, por vezes desanimadora na prática pelos métodos demasiadamente semi-empíricos a que ainda se recorrem em alguns casos, deve-se sempre lembrar que é muito importante que a Geotecnia lida com produtos complexos originários de processos regidos pela natureza e que os conceitos que podem ser apresentados nesta disciplina em relação as suas propriedades e comportamentos foram necessariamente simplificadas.

A seguir alguns fatos históricos com os respectivos períodos serão resumidamente comentados para ilustrar a importância da evolução dos conhecimentos da Mecânica dos Solos ao longo do tempo.

2.1 PROBLEMAS DE SOLO NA PRÉ-HISTÓRIA

Embora antigamente os objetivos da Mecânica dos Solos não fossem conhecidos pelos nossos ancestrais no mesmo sentido que atualmente, pode-se dizer que desde os tempos pré-históricos o solo ocupou a mente dos seres humanos.

Nas mais primitivas civilizações, o solo foi usado como material para fundação de estruturas ou como estruturas propriamente dita. O valor do solo como material de construção foi apreciado para diversas finalidades, como na construção de enormes colinas de terra usadas como cemitérios; ou como refúgio durante o período das enchentes; para fins religiosos; construção de cavernas para moradia e proteção contra animais predadores como as antigas vilas de Su Chi Chiao, próxima a Kalgan, e depósitos de argila em Yang Shao Tsun; e também na construção de canais, diques e fortificações. Pode-se dizer que o progresso do homem pré-histórico em aprender, compreender e trabalhar com o solo foi muito vagaroso.

2.2 PROBLEMAS DO SOLO NA ANTIGÜIDADE

Os problemas do solo antigamente foram associados com antigas rodovias, canais, e pontes. Por exemplo, a Chou-Li, isto é, um livro sobre os costumes da dinastia chinesa Chou, escrita há aproximadamente 2.000 anos, relata provisões e instruções sobre rodovias e pontes.

O uso tanto de vigas como caixões de pedra para construção de poços em solo já eram conhecidos no Egito há 2.000 a.C. Como exemplo, podem-se citar os poços nas pirâmides construídos pelo rei Se’n Woster I, que reinou Egito aproximadamente na mesma época. O solo como material de construção foi também muito usado para controlar a água através de diques.

O fenômeno da areia movediça foi um problema topográfico realmente muito sério para todos os grandes guerreiros em relação à movimentação e suprimento das tropas através de vales dos rios, além de dificultar a execução de manobras táticas. Alexandre, o Grande, por exemplo, foi muito consciente deste fenômeno, e era por isso muito conhecido pela sua habilidade nas operações militares evitando terrenos onde eram possíveis de ocorrer fenômeno da areia movediça.

Naquela época pode ser notado através dos relatos que os engenheiros asseguravam uma posição de poder e influência nas antigas comunidades.

2.3 PROBLEMAS DE SOLO E FUNDAÇÕES DURANTE O IMPÉRIO ROMANO

No decorrer do tempo as construções se tornaram maiores e mais pesados. No auge do Império Romano, os engenheiros construíram estruturas muito pesadas, exigindo soluções

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apropriadas para obras de terra e projetos de fundações. É bem conhecido que os romanos construíram notáveis estruturas, como portos, aquedutos, pontes, grandes edifícios públicos, redes de saneamento e uma vasta rede de duráveis e excelentes estradas. Alguns trechos de estradas romanas permanecem ainda hoje intactos. Os princípios básicos para execução de projetos e construções de estradas pelos romanos foram baseados no conhecimento do comportamento do solo sob a ação da água e variados carregamentos, pois são obras que apresentam uma sólida fundação e boa drenagem. Estes princípios são os mesmos usados nos modernos projetos de rodovias.

Provavelmente as informações mais antigas, embora sejam apenas umas leves evidências sobre investigação do solo para fins de obras geotécnicas no período romano, são os relatos feitos nas correspondências escritas entre os imperadores Trajano e Plinius.

A literatura técnica do tempo fornece ampla evidência de que os romanos prestaram muita atenção em algumas propriedades do solo relacionadas com a estabilidade de fundações.

O engenheiro romano Vitruvius (I século a.C., reino do Imperador Augusto) no seu livro Dez Livros sobre Arquitetura, registrou no Livro II: “Nem o mesmo tipo de solo e nem a mesma rocha são encontradas em todos os lugares e regiões, mas alguns são terrosos, outros pedregulhos, e em outros lugares materiais arenosos; e geralmente encontrados em grande quantidade de desiguais e distintos tipos em várias regiões”. No Livro VIII, discutindo problemas de fundações relacionados com suprimento da água, Vitruvius escreve: “Os métodos na natureza devem ser considerados detalhadamente sob a luz da inteligência e experiência porque os solos contêm vários elementos”. Sobre as fundações de muros, cidades, e templos Vitruvius adverte: “Sejam as fundações destas obras escavadas a partir de um local sólido e para uma base sólida se puder ser encontrada. Mas se uma fundação sólida não for encontrada, e o local estiver coberta por um solo fofo ou pantanoso, deve ser escavado, removido e refeito com estacas de oliveira ou carvalho tratados, e estacas devem ser cravadas por máquinas, uma próxima da outra, e os intervalos preenchidos com carvão vegetal”.

A partir das cartas e livros escritos por Vitruvius, o último dos quais deve ser considerado como um verdadeiro tesouro do conhecimento empírico das construções. Pode-se ver claramente também de que os problemas do solo foram uma grande preocupação dos construtores romanos, e que eles estiveram preocupados, de acordo com seus estados de conhecimento com o problema de segurança da capacidade de carga do solo e da estabilidade da fundação, e sabiam também como aumentar e melhorar estas características. Também, sabiam como estimar com base na experiência, a carga admissível para grupo de estacas Mas os procedimentos para ensaios de solos não podem ser encontrados nas fontes técnicas escritas por Vitruvius. No entanto, os construtores de rodovias romanas merecem créditos pelo pioneirismo na arte científica da construção de rodovias.

2.4 OBRAS DE TERRA E FUNDAÇÃO NA IDADE MÉDIA

Após o colapso do Império Romano, a sociedade européia e as atividades associadas com engenharia de solos e fundações se tornaram muito desorganizadas. Como conseqüência, a construção e manutenção de rodovias no período medieval (aproximadamente entre o ano 400 e 1400) atingiram o seu ponto mais baixo. Tem-se a impressão de que naquela época as pontes e rodovias foram desnecessárias ou até mesmo indesejáveis. Construção de armas de guerra e culto às religiões foram atividades universais na Idade Média. As antigas obras de engenharia, tais como rodovias, pontes, diques, drenos, etc, foram destruídas e ignoradas pela guerra além dos sofrerem danos provocados pelas chuvas e congelamentos.

Além das rodovias e canais, outras estruturas medievais associadas com problemas de solos e fundações foram:

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1) Muros em volta das cidades, torres de observação, fortificações medievais, eram enormes tanto nas dimensões como em importância;

2) Castelos construídos no centro de pesadas obras de terra;3) Grandes catedrais, e;4) Torres de sinos normalmente construídos separadamente das igrejas.O principal problema do solo associado com a construção de enormes catedrais, hoje

denominado de recalque, era provocado pela compressão do solo exercida pela carga estrutural relativamente grande. Durante séculos, o terreno sobre o qual algumas das catedrais foram construídas, tiveram tempo suficiente para adensar, causando em muitos casos enormes recalques das estruturas. Assim, as entradas de algumas catedrais originalmente projetadas cm escadas de subida, foram substituídas com degraus de descida, como resultado do processo de recalque. Um exemplo desse fenômeno é o recalque de 2 m ocorrido ao longo de 400 anos na Catedral do Arcebispo de Riga. Outro exemplo é o pesado Dome de Könegsberg na Prússia Oriental, construída sobre argila por volta de 1330. Por causa desta camada a estrutura nunca parou de recalcar, e no decorrer do tempo, foi necessário substituir o piso por cinco vezes. O recalque do Dome de Könesgsberg chega a 1,5 m.

Outros exemplos , como as campânulas de Bolonha e Veneza, a torre da Igreja de São Estefano do século XIV, a campânula de São Jorge de Zaragoza, e a torre de Pisa, para citar alguns, são bem conhecidos como atrações turísticas pelos recalques provocados ao longo do tempo. A construção da Torre de Pisa teve inicio no ano de 1174, e quando se atingiu as primeiras três galerias do total de oito, a torre começou a inclinar. Com alguma interrupção nos trabalhos e pequena mudança nos planos, a construção teve seqüência. A altura da sua campânula de aproximadamente 15 andares com 54 m foi completada em 1350. Em 1910 a torre apresentava uma visível inclinação, e o seu topo estava aproximadamente 50 cm fora do prumo. Investigações das causas da inclinação revelaram que foi devido ao recalque provocado pelo adensamento de uma camada argilosa abaixo da camada de areia localizada na superfície.

2.5 SÉCULOS XV E XVII

No campo de fundações para pontes, os construtores da Idade Média seguiram as técnicas dos romanos. A baixa qualidade e ineficiência das fundações permaneceram com os mais difíceis e mais sérios problemas de fundações até o advento dos modernos conhecimentos do século XVIII.

A ponte em arco de Rialto em Veneza, completada em 1591, é, como outros edifícios foram construídos naquela cidade com enormes dificuldades por causa das pobres condições do terreno e grandes edifícios adjacentes - circunstâncias que fizeram operações de cravação de estacas um problema real.

Outro fragmento de engenharia de fundações do século XVII associado com problema de solo é o famoso mausoléu, Taj-Mahal, na cidade de Agra na Índia. Foi construído pelo Imperador de Delhi, Shah-Jaha, em homenagem à sua esposa favorita, Mumtaz-i-Mahal. A construção do mausoléu teve início em 1632 e concluído em 1650. Esta tumba é de extrema delicadeza reflete a chef-d’oeuvre de elegância na arte hindu.

A proximidade do rio exigiu especial atenção na construção da fundação do Taj-Mahal. Foi a prática dos construtores do Mogul que auxiliaram no projeto e construção das estruturas sobre fundações cilíndricas de alvenaria. Aparentemente, o terraço e o prédio do mausoléu, assim como a mesquita, se apóiam num único leito de alvenaria firme compacto. O método usado foi muito apropriado, pois após três séculos “... suas linhas e ângulos permaneceram inalterados desde a sua conclusão”. Vinte mil pessoas foram empregadas

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durante 17 anos para a sua construção, e estima-se que o custo da obra alcançou a cifra de US$45.000.000,00 naquela época.

É interessante notar que no século XVI, famosos artistas como Michelangelo e Bramante foram conhecidos também por ter participado na construção de fortificações de edifícios, e na execução de drenagem de canais e obras para suprimento de água. Leonardo da Vinci, como engenheiro civil, foi chamado em 1516 por Francis I, da França, para auxiliá-lo no programa de construção de canais. Da Vinci construiu também fortalezas, canais, pontes, obras de irrigação, portos, e docas.

Os primeiros construtores foram iniciados nos seus trabalhos apenas pela passagem do conhecimento e experiência de geração em geração.

2.6 ANTIGOS CONCEITOS SOBRE EMPUXO DE TERRA

No final do século XVII, os engenheiros militares franceses contribuíram com alguns dados empíricos e analíticos pertinentes ao empuxo de terra para projetos de fortificações e muros de arrimo. Em 1661, a França executou um extenso programa de obras públicas que incluíram melhoria de rodovias e construção de canais. A construção de um grande sistema de fortificação ao longo da fronteira francesa foi iniciada em 1667 sob Marques Sebastian le Pestre de Vauban (1633-1707) comissário geral de fortificações engenheiro chefe de Luiz XIV, e que mais tarde se tornou marechal da França. Vauban é considerado um dos maiores engenheiros militares de todos os tempos. Canais construídos naquele tempo e mais tarde, durante o período de mercantilismo francês apresentaram os problemas de solo através do qual os canais foram escavados, mas muros de contenção das fortificações apresentaram problemas de empuxo em relação à estabilidade. É bem conhecido que naquele tempo Vauban forneceu algumas regras para o dimensionamento de muros de arrimo. No entanto, pode ser reconhecido com certeza de que se estas regras eram baseadas em considerações teóricas, ou meramente resultados de experiência de Vauban. Em relação a isto, foram expressos pensamentos posteriores na França de que as regras empíricas de Vauban pareciam ser tão completas que quase pareciam como se fossem teorias de empuxo de terra atualmente conhecidas.

No início do século XVIII, o governo francês reconheceu que, devido ao abandono ao longo dos séculos, muitas pontes e rodovias se encontravam em péssimas condições e tiveram que ser reconstruídas. Isto deu à França condições para o estabelecimento em 1715 do Departamento de Rodovias e Pontes. Em 1716 Colbert criou o corpo de engenheiros militares para treinar especialistas em fortificações e artilharia, e em 1746 o famoso École des Ponts et Chaussés foi estabelecido sob a idealização do famoso engenheiro Rudolphe Perronet. Nesta instituição ensinavam-se os princípios da física, mecânica, e matemática para construção de canais, rodovias, e pontes. Esta escola de engenharia teve uma grande influência para o desenvolvimento científico da engenharia civil na França e no exterior.

2.7 TEORIAS CLÁSSICAS DE EMPUXO DE TERRA

Até por volta de 1773 quase todas as considerações teóricas para o cálculo do empuxo de um solo ideal sobre o muro de arrimo foram baseadas na suposição prévia da existência de um plano de escorregamento, ou de ruptura, arbitrariamente admitida e definida.

Charles Augustin Coulomb (1736-1806), um famoso cientista francês e também um engenheiro militar, não estava satisfeito com a tal suposição arbitrária e considerou o problema como sua principal tarefa para determinar matematicamente a verdadeira posição da

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superfície de escorregamento, o que deu à teoria uma base cientifica Coulomb contribuiu muito para a ciência da mecânica dos corpos elásticos, e é considerado o fundador da então chamada “Teoria Clássica do Empuxo”. O período inicial ou Coulomb e estendido até a segunda metade do século XIX é conhecido normalmente na literatura técnica como “Período das Teorias Clássicas de Empuxo de Terra”, e as teorias propriamente são denominadas “Teorias Clássicas de Mecânica dos Solos”.

Na sua amplamente citada publicação sobre as regras de máximo e mínimo, Coulomb apresentou uma análise do assim denominada “Teoria da Cunha”, para permitir calcular o empuxo de terra atuante num muro de arrimo, assim como a altura crítica desse muro de contenção. Nesta analise Coulomb aplica as leis de atrito e coesão para corpos sólidos, uma analise que admitiu também para corpos granulares como solos; e ele determinou o empuxo de terra atuando num muro de arrimo a partir da “pressão máxima da cunha”.

O significado dos trabalhos teóricos de Coulomb pode ser mais bem reconhecido pelo fato de que as idéias sobre o empuxo de terra ainda prevalecem em seus principais pontos, com poucas excreções, e são usados e reconhecidos como válidos ainda hoje, particularmente no cálculo de estabilidade de muros de arrimo.

Poncelet (1788-1867), fundador da moderna geometria, geometria projetiva, estendeu a teoria de Coulomb e forneceu um elegante método gráfico para determinar a magnitude da pressão de terra sobre muro com superfície vertical, assim como inclinado no contato solo-estrutura, e para superfícies poligonais arbitrárias. Também, ao Poncelet é creditado como sendo primeiro a aplicar a direção do empuxo em relação à normal do muro sob um ângulo de atrito entre solo e material. Posteriormente em 1866, Karl Culmann (1822-1881) deu formação geométrica à teoria Coulomb-Poncelet, fornecendo ao método com ampla base cientifica. A teoria de Culmann é a mais geral e permite uma solução gráfica dos casos mais complexos de empuxo de terra sobre muros de arrimo.

Alexandre Collin tratou de ruptura de taludes em canais e barragens. Collin escreveu que mediu escorregamentos e, após análise das observações feitas concluiu que as superfícies apresentavam uma curvatura bem definida.

A lei de Darcy para solos já é conhecida desde 1856. Também, a divulgação no mesmo ano da lei de Stokes para a velocidade das partículas sólidas num líquido.

William J. Macqorn Rankine (1782-1872), professor de Engenharia Civil na Universidade de Glasgow publicou em 1857 uma notável teoria sobre empuxo de terra e equilíbrio de maciço, propondo um método analítico para dimensionamento de estruturas de retenção. A teoria é baseada numa cunha infinitesimal dentro de uma massa uniforme de solo num meio semi-infinito tendo a superfície do terreno como limite e submetido apenas ao seu peso próprio. O solo é admitido ser homogêneo, d tipo granular, sem coesão e incompressível. As partículas do solo são mantidas em equilíbrio apenas por atrito, cuja magnitude é proporcional a pressão normal à superfície. Em outras palavras, a teoria de Rankine é baseada no principio da condição de tensão interna do solo.

Otto Mohr (1835-1918) contribuiu em 1871 com a então denominada “Teoria da Ruptura” relativa à resistência dos materiais, e deu uma representação gráfica da tensão num ponto popularmente conhecido como “Círculo de Tensões de Mohr”. Mohr também notou e chamou a atenção ao fato de que em teorias anteriores, no caso de equilíbrio, as forças atuantes na cunha de escorregamento não interceptava num ponto comum. Na Mecânica dos Solos, os círculos de tensões de Mohr são intensamente usados na análise da resistência ao cisalhamento dos solos.

As teorias de empuxo de terra de Coulomb-Poncelet foram também elaboradas pelas análises gráficas por Rebhann, Weyrauch, e outros.

A história da resistência dos materiais indica que sob o ponto de vista de valores práticos, uma das mais importantes contribuições à ciência da engenharia foi proposto por

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Joseph Valentin Boussinesq (1842-1929). Foi a teoria da distribuição das tensões e deformações sob áreas carregadas num meio semi-infinito, homogêneo, e isotrópico induzido por forças externamente aplicadas num plano limite. Esta teoria está sendo aplicada em Mecânica dos Solos para calcular distribuição de tensões em solo homogêneo originárias das cargas estruturais. O solo, na aplicação desta teoria está tacitamente admitido como sendo um material ideal, não coesivo, homogêneo, e isotrópico.

O impulso para o desenvolvimento da Mecânica dos Solos foi dado pelas crescentes atividades no projeto e construção d pontes para rodovias, e ferrovias, com os quais dois populares nomes estão associados: Perronet e Rankine. Além das atividades acadêmicas, Rankine foi também conhecido como um famoso engenheiro de ferrovias escocesas.

Deve também ser mencionado que além de Muller-Breslau, outras contribuições para a teoria de empuxo de terra foram mais tarde feitas por O. Fraziud, H. Krey. J. Field, K; K. Terzaghi, a DEGEBO (German Society for Soil Mechanics no Technische Hochschule Berlin-Charlottenburg), G.P. Tchebotarioff, e outros com suas pesquisas experimentais com modelos de estruturas de arrimo em escala.

2.8 A MECÂNICA DOS SOLOS NA ERA MODERNA

O século XX pode ser dividido em duas épocas: o período anterior e posterior ao ano de 1925.

Os primeiros 25 anos do século XX podem ser considerados pioneiros da moderna ciência da Mecânica dos Solos. Cientistas e engenheiros perceberam da crescente necessidade de estudar propriedades físicas dos solos. As descrições seguintes cobrem alguns dos pontos chaves para o desenvolvimento da moderna Mecânica dos Solos durante os primeiros 25 anos do século passado.

O pioneirismo da Mecânica dos Solos prática deve ser creditado à Comissão Geotécnica das Ferrovias Federais da Suécia. Em 29 de dezembro de 1913, após ocorrência de uma série de acidentes em ferrovias e obras hidráulicas, o Corpo Real de Ferrovias Federais nomeou uma comissão coordenada por Wolmar Fellenius para investigar toda a rede ferroviária nacional sob o ponto de vista geológico, com o propósito de confirmar ou não da existência de algum temor quanto à repetição de acidentes; e em parte, se tal pudesse ser o caso, elaborar propostas sobre quais medidas pudessem ser tomadas a fim de dar segurança às ferrovias contra tais deslocamentos.

Esta investigação resultou em 1922 num extensivo relatório contendo alguns dados sobre modernas técnicas de amostragem do solo e métodos de ensaios aplicados em mais de 300 localidades com 2.400 diferentes perfis de solo. Foi também apresentado um método (denominado “método sueco”) para o cálculo da estabilidade de taludes em solos coesivos.

Os proponentes da teoria da superfície circular de escorregamento foram dois engenheiros suecos K. Petterson e S. Hultin. A teoria da superfície circular de escorregamento juntamente com o então denominado “círculo do atrito” foi usado por Patterson e Hultin em 1916 para o cálculo da estabilidade das docas do Porto de Göteborg.

Um triste acidente ocorreu às 19h do dia 1o. de outubro de 1918 numa ferrovia em Nyköping-Norköping na Suécia que provocou 41 vítimas fatais além de muitos feridos. A causa foi um escorregamento provocado por uma infiltração da água no aterro durante uma inesperada e intensa chuva.

O programa de construção progressiva de rodovias nos Estados Unidos entre 1920 e 1925, assim como o desenvolvimento industrial durante o mesmo período, induziu uma intensa pesquisa sobre solos para fins de engenharia. Esta pesquisa esteve sob controle da U.S. Bureau of Public Roads e vários outros estabelecimentos como universidades e sociedades técnicas e profissionais (por ex. American Society of Civil Engineers).

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Assim, os primeiros 25 anos daquele século, a moderna Mecânica dos Solos pode ser caracterizada em linhas gerais por expansão das pesquisas em Mecânica dos Solos e desenvolvimentos apoiados em bases científicas.

A partir de 1925 até os dias de hoje pode ser caracterizado como o mais frutífero na história do desenvolvimento da Mecânica dos Solos. Atualmente, pode-se até dizer que a moderna disciplina Mecânica dos Solos começou em 1925 com a publicação do livro Erdbaumechanik por Karl Terzaghi. Neste livro Terzaghi deu uma visão filosófica do solo como um material e mostrou as técnicas de determinação das suas propriedades físicas, assim como a maneira como o solo responde a várias condições de carregamento e de Umidade. Outro importante passo na disciplina foi a publicação de Terzaghi em co-autoria com Fröhlich da teoria de recalque em argilas.

As publicações de Terzaghi e outros trabalhos realizados pelas autoridades no assunto deram um impulso significativo no estudo da Mecânica dos Solos e produziu um considerável avanço no conhecimento das propriedades da engenharia dos solos os Estados Unidos e no exterior.

No decorrer do tempo os ensaios de laboratório se tornaram muito apreciados pelos profissionais, e os métodos de ensaio estão continuamente sendo refinados e melhorados. A maioria das conceituadas universidades tem já estabelecidos laboratórios de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações, e existem institutos geotécnicos que tem por objetivo estudar solos para fins de engenharia.

As publicações de muitas conferências nacionais e internacionais sobre Mecânica dos Solos e Engenharia das Fundações também atestam a necessidade, progresso e importância da Mecânica dos Solos.

Para resumir o progresso alcançado desde 1925, pode-se dizer que o pioneirismo da nova disciplina Mecânica dos Solos foi alcançado.

Hoje o engenheiro civil tem um conhecimento muito melhor de solos que o permite analisar a relação solo-água do que seus colegas há algumas décadas.

2.9 OS MAIS RECENTES DESENVOLVIMENTOS. CONSOLIDAÇÃO DA TEORIA E PRÁTICA

Como os mais recentes desenvolvimentos na Mecânica dos Solos, podem ser observados que notáveis melhorias tem sido alcançada na estabilização, compactação dinâmica, ação do congelamento no solo, movimentação da umidade através do solo por meio de eletrosmose, técnica da interpretação de fotografias aéreas para fins de engenharia, confecção de mapas geotécnicos, e muitas outras aplicações. É interessante notar que a Mecânica dos Solos introduziu novos objetivos, por exemplo o desenvolvimento de ensaios não destrutivos para determinar no local as propriedades do solo, como densidade e umidade, por meio de radiatividade isotrópica.

Em geral, as aplicações práticas têm contribuído continuamente para a melhoria dos métodos propostos no passado. Técnicas de hoje podem se tornar inadequados amanhã a menos que sejam alteradas para atingir novas exigências. Esforços combinados de engenheiros e pesquisadores de todo o mundo contribuíram para uma disciplina que podemos denominar de moderna Mecânica dos Solos. 2.10 RESUMOS DOS PRINCIPAIS FATOS HISTÓRICOS

A Mecânica dos Solos foi mais lenta a responder ao impacto da ciência do que os outros campos de Engenharia Civil;

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Nos séculos XVII e XIX, deram-se os primeiros passos racionais com os trabalhos de Coulomb, que enunciou o critério de ruptura por deslizamento de maciços baseados no conceito de atrito e coesão e os de Collin, que fez sobressair à importância da coesão no equilíbrio de maciços;

No início do século XX, Fellenius e Frontard estudaram o equilíbrio e os deslizamentos em taludes argilosos; Atterberg deu uma grande contribuição para a classificação física dos solos e Mohr colocou a disposição uma técnica relativa às curvas envolventes dos estados limites elásticos e de ruptura de materiais, que muito facilitou a compreensão de determinado tipo de comportamento de solos;

É, no entanto, a partir de 1925 que com Terzaghi, nasceu uma Mecânica dos Solos como corpo de ciência aplicada e que atingiu a sua maioridade em 1950. Introduziu a experimentação, evidenciou a contribuição de cada uma das fases (partículas, água e ar) do solo para o comportamento físico, generalizou o critério de ruptura de Coulomb e conseguiu justificar de forma racional a evolução dos recalques de maciços argilosos;

A partir de 1950, deu-se uma consolidação e desenvolvimento da teoria e prática da Mecânica dos Solos, acumulando-se enorme volume de informações e experiências que permitiram aferir as previsões teóricas o comportamento real das fundações;

Há, no entanto, uma perfeita consciência das inevitáveis limitações de um tratamento teórico adequado nos casos mais complexos, em que as imagens demasiadamente simplificadas dos solos não se adaptam convenientemente a realidade;

Com solos naturais, é fundamental que o estudo das propriedades reais se concentre mais no comportamento in situ que no laboratorial e deve incluir-se sempre uma investigação cuidada dos fatores geológicos que possam ter influenciado nas propriedades fundamentais dos solos;

A formação de um engenheiro que venha a lidar com solos é incompleta até que se adquira uma adequada experiência geológica de campo. Este complemento é mais importante, quando tiver de trabalhar isolado sem poder recorrer do apoio de um geólogo capacitado para cobrir as suas deficiências.

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