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    Reviso de Literatura

    OS QUINTAIS AGROFLORESTAIS EM REGIES TROPICAIS UNIDADES AUTO-SUSTENTVEIS

    Marcia Aparecida de Brito1, Maria de Ftima Barbosa Coelho 2

    RESUMO - Os quintais agroflorestais so sistemas de uso da terra muito disseminados nospases tropicais, onde tm um importante papel no manejo e conservao da biodiversidade. Na presente reviso, so abordados diversos aspectos relacionados aos quintais, comoconceitos, importncia para a regio amaznica e para as populaes humanas, sistemas deuso tradicional da terra, introduo e domesticao de espcies, sustentabilidade, funes eusos, composio de espcies, estrutura espacial de seus componentes e mo-de-obra.

    Termos para Indexao: Amaznia, Brasil, Mato Grosso, quintais, sistemasagroflorestais, sustentabilidade.

    TROPICAL HOMEGARDENS - SUSTAINABLE SYSTEMS

    ABSTRACT: Homegardens are land use systems frequently used in the tropics and are animportant strategy for biodiversity conservation. Many features of homegardens arediscussed in this review: basic concepts, the role of homegardens in the Amazoniandevelopment, homegardens as a traditional land use system, their role in the survivalstrategies of human populations, functions of homegardens, species used, introduction anddomestication of new species, sustainability, space structure of their components and laboruse.

    Keywords: homegardens, agroforestry, sustainability, Amazon, Mato Grosso, Brazil.

    INTRODUO

    Os sistemas agroflorestais so formas de uso e manejo da terra, nas quais rvores ouarbustos so utilizados em associao com cultivos agrcolas e/ou com animais, numamesma rea, de maneira simultnea ou numa seqncia temporal. Uma das maioresvantagens destes sistemas , precisamente, sua capacidade de manter bons nveis deproduo em longo prazo e de melhorar a produtividade de forma sustentvel.

    Essa vantagem se deve, principalmente, ao fato de que muitas rvores e arbustosutilizados nestes sistemas tm tambm a funo de adubar, proteger e conservar o solo. Ossistemas agroflorestais so quase sempre manejados sem aplicao de agrotxicos ourequerem quantidades mnimas dessas substncias qumicas. Os efeitos negativos sobre oambiente so, portanto, mnimos. (Viana et al., 1996)

    1 Mestre em Ecologia e Conservao da Biodiversidade.2 Prof. Dra. do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade,UFMT/FAMEV, Av. Fernando Correa da Costa, s/n. CEP 78060-900,

    Cuiab-MT.e-mail:[email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    O fato de esses sistemas dependerem de fontes de conhecimento e tecnologia locais,sendo, geralmente, compatveis com as prticas culturais das populaes, uma vantagem.(Anderson et al., 1985) Como so geralmente baseadas em tcnicas baratas e facilmentedisponveis, essas prticas so amplamente usadas pela comunidade e potencialmentetransferveis a outros ambientes similares.

    Os sistemas agroflorestais so tpicos dos trpicos, e a palavra trpico usada aquiem sentido geral. Incluem os pases subtropicais em desenvolvimento que apresentamcaractersticas agroecolgicas, socioeconmicas e padres de uso da terra similares aos dospases situados dentro dos limites geogrficos dos trpicos. (Nair, 1993) Alm disso, umadas caractersticas especiais dos trpicos, que no conseqncia de seu clima e ecologia,refere-se ao seu status de sub-desenvolvimento e de pobreza econmica e social.

    A biodiversidade das regies tropicais, tanto de espcies quanto de ecossistemas,permitiu que as populaes locais desenvolvessem um sistema integrado de produoagrcola composto por atividades de coleta dessa grande diversidade de recursos vegetais eanimais, pelo manejo e enriquecimento dos ecossistemas naturais e pela lavoura desubsistncia, principalmente de mandioca, arroz e milho, estando um dos componentesdeste sistema integrado representado pelos quintais agroflorestais. (Castro, 1995)

    Na Amaznia, existem diversos sistemas agroflorestais em uso h muito tempo.Desenvolvidos por comunidades indgenas, caboclas e ribeirinhas, principalmente para finsde subsistncia, muitos sistemas de produo, praticados por estes povos tradicionais,nunca foram bem-descritos e podem constituir um conhecimento que corre o risco de serperdido para sempre. (Viana et al., 1996)

    Os sistemas agroflorestais esto representados por vrios sistemas de uso da terra,como a cultivation (agricultura itinerante), sistema de Taunguia, consrciosagroflorestais comerciais, sistemas agrosilvopastoris, agrosilvicultura para produo delenha, quintais agroflorestais ou "home gardening", hortos caseiros, entre outros.

    Os sistemas de quintais agroflorestais so uma forma de uso da terra em propriedadeparticular, na qual vrias espcies de rvores so cultivadas, juntamente com culturas perenes e anuais, e, ocasionalmente, criao de pequenos animais, ao redor da casa.(Wiersum, 1982) Essa forma de uso proporciona uma utilizao mais eficiente dos fatoresambientais como luz, gua e nutrientes e uma oferta diversificada de produtos durante todoo ano.

    Nair (1993) afirma que home gardening tem uma longa tradio em muitos pasestropicais. Os homegardens tropicais consistem de uma reunio de plantas, incluindorvores, arbustos, trepadeiras e plantas herbceas, crescendo adjacentes s casas. Essesquintais so plantados e mantidos pelos membros da casa, e seus produtos so

    principalmente para consumo prprio.Em geral, a relao funcional desses sistemas de uso da terra pouco entendida.

    Como exemplos de alguns desses sistemas, existem o Malayan Kebun, o KampungIndonesian, o Jardim Criole do Oeste da ndia e o Door Yard da Amrica Central.(Michon & Bompard, 1986)

    De acordo com Nair (1993), numerosos termos tm sido usados por vrios autorespara simbolizar essas prticas: horticulture (Terra, 1954), mixed garden ou house

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    garden (Stoler, 1975), homegarden (Ramsay & Wiersum, 1987), compound farm(Lagemann, 1977), Kitchen garden (Brierley, 1985), household garden (Vasey, 1985) ehomestead agroforestry (Nair & Sreodharan, 1986; Leuschner & Khalique, 1987).Existem, ainda, as vrias formas de homegardens javaneses, como o Pekarangan e oTalunkebun. (Gradwohl & Greenberg, 1988)

    Nair (1993) relaciona ainda a existncia de outros tipos de homegardens em outroslocais, cada qual com caractersticas prprias. De fato, os homegardens podem serestabelecidos em quase todas as ecozonas tropicais e subtropicais, onde predominam ossistemas de uso da terra, baseados na subsistncia. No Mxico, tm-se os hortosfamiliares, na Amrica Central, hortos caseros, na Tanznia, precisamente no MonteKilimanjaro, os Chagga homegardens. De acordo com Torquebiau (1992), um melhornome para quintais agroflorestais poderia ser tree home gardens .

    No Brasil, o termo quintais usado para se referir ao espao do terreno situado aoredor da casa (Saragoussi et al., 1988; Ferreira, 1993), sendo definido, na maioria dasvezes, como a poro de terra perto da casa, de acesso fcil e cmodo, na qual se cultivamou se mantm mltiplas espcies que fornecem parte das necessidades nutricionais dafamlia, assim como outros produtos como lenha e plantas medicinais .

    Alm disso, apresentam relevante importncia sociocultural, ilustrada por Nunes(1994): No foram os jardins que prepararam a nossa intimidade individual, mas osquintais. ltimos rinces das paragens ednicas, retiravam-nos cada dia, por momentos,do absorvente crculo de famlia, para a convivncia com o quieto e mgico mundovegetal. Colher frutas silvestres, subir nas rvores, plantar flores singelas como as deBandeira, descobrir trilhas e veredas nesse mnimo bosque ou nessa fingida floresta cheiade perigos e de bichos fantsticos, eram exerccios poticos da infncia que suavizavam oprivatismo adulto.

    Nunes (1994), ao tentar conceituar o termo quintal, inspira-se no poeta Manuel

    Bandeira: O que um quintal? Quanto extenso, varivel ao extremo, o quintal oterreno livre, que sobrou da construo da casa, em geral dos fundos, em certos casos dosdois lados dela e adjacente rua. Em parte utilitrio, prolonga, a cu aberto, o interior dacasa: tem o seu tanto de horta, o seu tanto de jardim e o seu tanto de pomarpodendotambm funcionar como saguo ou ptio sem que de qualquer dessas funes, emconjunto ou isoladamente, receba identidade, porque tambm abriga servios e coisas queno caberiam no mbito domstico, a exemplo das enumeradas por Manuel Bandeira,numa das poucas tentativas, at agora, de definio do quintal nas letras brasileiras,tomando por base o da rua da Unio, no Recife da meninice do poeta: o tanque de lavarroupa, a armao de madeira com folha de zinco, o coradouro ou quarador, a talha comgua potvel, e, de maneira muito particular e datada, o cambronne, a casinha do

    sanitrio aqui no Norte denominado, mesma poca e um pouco depois, entre a classemdia de retrete (retraite) ou comodidade.

    interessante notar que, em todo o mundo tropical, estes sistemas so muitoparecidos, seja na Indonsia (Michon & Bompard, 1986), em Kerala - ndia (Salam &Sreekumar,1992), na frica (Fernndez & Nair, 1986), na Amrica Central (Anderson,1954; Rico-Gray et al., 1990) seja no manejo secular do cerrado brasileiro feito pelos ndios

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    Kayap, criando ilhas de produtividade e aumentando a oferta de recursos. (Anderson &Posey, 1989)

    IMPORTNCIA DOS SISTEMAS DE QUINTAISAGROFLORESTAIS NA AMAZNIA

    A Amaznia o maior ecossistema de floresta tropical do mundo e possui uma dasmais altas diversidades de espcies. (Gentry, 1982, citado por Amorozo & Gly, 1988) Esseenorme ecossistema florestal amaznico funciona como um refgio a numerosas tribosindgenas e protege, alm disso, espcies medicinais, estimulantes e alimentcias.

    Schultes (1979), citado por Brcher (1988), afirma que a flora amaznica nos ofereceum emprio de germoplasma incrivelmente rico e variado, compreendendo centenas degneros de plantas. Alm disso, a regio apresenta uma considervel diversidade culturalhumana, que se manifesta pela diversidade das prticas de manejo do solo, pela seleo dasespcies, animais e vegetais, tanto para a alimentao como para atender a outrasnecessidades bsicas, do extrativismo ao artesanato local, na linguagem, bem como na

    estrutura social.Segundo Castro (1995), o uso sistemtico da riqueza de recursos que a biodiversidade

    tropical oferece, permitiu que diversos grupos sociais, como os representados pelosagricultores, pescadores e extrativistas da Amaznia, sobrevivessem acima da linha damisria absoluta. A variedade de produtos de mercado e subsistncia contribuiu para osucesso de caboclos, em relao a colonos de outras regies, no programa de colonizaoda Rodovia Transamaznica. (Moran, 1977)

    Apesar de serem freqentemente citados como uma alternativa vivel nos usos daterra na Amaznia, muito pouco se conhece sobre os sistemas agroflorestais existentes naregio. Vrios trabalhos relativos ao uso da biodiversidade por populaes tradicionais vm

    sendo desenvolvidos na Amaznia, com o objetivo de resgatar o conhecimento existentesobre o uso e manejo das espcies, para propor modelos sustentveis de uso da terra.

    Porm, a maioria dos trabalhos se refere s populaes indgenas. (Anderson et al.,1985) Os quintais de povos indgenas tm sido estudados por Posey (1987), que encontrou86 espcies comestveis junto aos Kayap do Sul do Par. Anderson & Posey (1989)registraram uma mdia de 58 espcies cultivadas por roa dos Kayap. Os sistemasatualmente enfatizados na literatura foram desenvolvidos em grupos culturalmente distintosda maioria da populao rural da regio amaznica. (Anderson et al., 1985)

    Conforme afirmam Salam & Sreekumar (1992), as pesquisas cientficas sobre ossistemas de quintais agroflorestais parecem ser raras, provavelmente devido sua

    complexidade ou inadequada apreciao de sua importncia e potencial. possvel avaliar a importncia dos quintais na regio amaznica para a populao

    rural, atravs dos dados apresentados em Saragoussi et al. (1988), ao se referirem a trslocalidades situadas no Estado do Amazonas: Rio Preto da Eva, onde foram entrevistados15 produtores rurais, dos quais 11 tinham quintais (73%); Bela Vista, onde dos 16entrevistados 12 os tinham (75,5%); e em Juma, de 35 entrevistados, 14 tinham quintais(40%).

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    No Estado do Par, Amorozo & Gly (1988) levantaram o uso de plantas medicinaispor caboclos do Baixo Amazonas, relacionando um total de 220 espcies de uso medicinal,amostradas em diferentes ambientes, como os quintais, stios, praias e capoeiras, prximoao local de moradia, revelando a riqueza do sistema teraputico do caboclo, tanto ao nvelda diversidade de recursos utilizados, como ao nvel da utilizao e da manipulao destes

    recursos, sendo a maior parte dessas espcies cultivadas nos quintais. No Estado de Mato Grosso, somente nos ltimos anos, vm sendo realizadas

    pesquisas com quintais, atravs de autores como Ferreira & Dias (1993), Gutberlet (1994),Neuburger (1994), Ferreira (1995), Da Silva & Silva (1995), apesar de seu uso ser umaprtica antiga. Tanto assim que o termo cidade verde para Cuiab, Capital do Estado, serefere principalmente s plantas existentes nos quintais, representadas pelas frondosasmangueiras, cajueiros, goiabeiras e coqueiros. Infelizmente, esses quintais estodesaparecendo do cenrio cuiabano, medida que a especulao imobiliria os vemsubstituindo, juntamente com as casas, pelos edifcios de concreto, com um mnimo de reaverde disponvel para amenizar o calor tpico da regio, alm do espao de convivnciajunto aos familiares e amigos.

    Como afirma Nunes (1994), com o desaparecimento dos quintais, morrer um localprivilegiado, seno uma das fontes principais de nosso imaginrio, talvez entre ns o nicoespao privado, domiciliar, limtrofe da cultura, que nos coloca em contato com o ilimitadoespao da natureza.

    Mesmo nos lotes dos sem-terras, no permetro urbano, observa-se grandediversidade dos quintais, onde, at nos solos arenosos e pedregosos do cerrado, os quintaisproduzem com abundncia. (Gutberlet, 1994)

    A presena de quintais no se restringe ao meio rural. (Castro, 1995) Embora poucoestudado, o quintal extremamente comum nas reas urbanas brasileiras. Alm da suaimportncia na mudana do microclima (a presena de rvores no quintal refresca a

    moradia), tem nas famlias mais pobres a mesma importncia na complementaonutricional e na oferta de medicamentos j vista na zona rural.

    Ferreira & Dias (1993), estudando a vegetao de quintais da rea urbana da cidadede Cuiab, destacam a diversidade de espcies introduzidas, caracterizada segundo suaforma de uso em plantas frutferas, medicinais, hortalias e ornamentais. Estes autoresconstataram ainda que os quintais representam um espao de produo de alimentos, deremdios e de cultura. Os moradores plantam suas hortas nas proximidades da casa, protegidas por velhos jacs, onde predominam cebolinha, coentro, pimento e tomate,usados para preparar principalmente o peixe. Entre estes condimentos, cultivam plantasusadas para cura de doenas como a losna, arruda, hortel, anador e outras.

    De acordo com Neuburger (1994), no comeo do Sculo XX, os posseiros dascomunidades Engenho Velho e Miguel Velho, situadas ao longo do Rio Cuiab, tinham oquintal como um local que fornecia as frutas para a complementao alimentar. Estesquintais estavam situados no dique marginal de 200 a 300m de largura, sedimentado peloRio Cuiab, estendendo-se da margem ao terreno elevado.

    Os quintais em Mimoso, cidade situada no Pantanal Mato-Grossense, constituem pequenas unidades produtivas. Em geral, so muito bem-cuidados, muito limpos eapresentam grande diversidade. Vrias plantas frutferas so cultivadas, principalmente

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    mangueiras, cajueiros e mamoeiros. Eventualmente, fazem pequenas hortas com cebolinhaverde, couve, salsa e coentro. Os quintais so tambm um espao onde porcos, galinhas eoutros animais domsticos (gatos e cachorros) convivem e dividem o espao com o gado.Em geral, o solo coberto com grama forquilha, plantada por eles. No quintal, tambm sofeitos os poos de onde retiram gua para o consumo e para os animais que vivem a. (Da

    Silva & Silva, 1995)Os estudos com os quintais agroflorestais em Mato Grosso foram realizados,

    principalmente, na regio da Baixada Cuiabana e da Plancie do Pantanal Mato-Grossense.Na regio norte do Estado, caracterizada pela floresta amaznica, existe apenas um estudoconduzido por Brito (1996), no municpio de Aripuan, que comprovou a alta diversidadede espcies e de uso pela populao, levantando 79 espcies de uso alimentcio, 53medicinais, 102 ornamentais e 14 para outros usos.

    IMPORTNCIA DOS SISTEMAS TRADICIONAIS DE USO DA TERRA

    Gliessman (1992) define um agroecossistema como uma unidade agrcola particular,

    composta de entradas e sadas que se movem atravs de um caminho interativo decomponentes biticos e abiticos, manejado com a proposta de atender s necessidadeshumanas com respeito a alimento, forragem, combustvel e fibras. Os estudos dessesagroecossistemas tradicionais podero contribuir para o desenvolvimento de prticas demanejo ecologicamente sustentveis.

    Considerando um agroecossistema como um sistema funcional de relaescomplementares entre organismos vivos e seu ambiente, manejado pelos homens com a proposta de estabelecimento da produo agrcola, tem-se uma base para integrar asobreposio das caractersticas ecolgicas e ambientais com o social, econmico, polticoe outros componentes culturais da agricultura. (Francis, 1986, citado por Gliessman, 1992)

    Dessa anlise integrada, pode-se construir a base para o manejo sustentado de reas dafloresta tropical. (Gliessman, 1992)

    A agricultura tradicional, segundo McNeelly (1995), adaptou-se a uma amplavariedade de condies locais, produzindo um suplemento alimentar valioso e diversificadoe reduzindo a incidncia de pragas e doenas. Alm disso, usou a fora de trabalho deforma efi-ciente, intensificando a produo com recursos limitados. Dessa forma, aagricultura tradicional tem fornecido produes sustentveis por sculos, atravs daexperincia acumulada pelos agricultores, sem que estes tivessem dependido da informaocientfica, de entradas externas, de capital, crditos ou mercados.

    Na Amaznia, as populaes indgenas desenvolveram sistemas de manejo queintegram a agricultura aos diversos ambientes e recursos da regio. Ainda hoje possvelencontrar, nas populaes rurais amaznicas, a prtica desses conhecimentos empricostradicionais integrada, em maior ou menor escala, com as prticas introduzidas. Porm,estes conhecimentos se encontram ameaados de extino, como conseqncia damodernizao do meio rural, da destruio das culturas indgenas e da transformao domodo de ocupao e de produo da regio. (Pereira, 1992)

    Os agroecossistemas vm sendo ameaados em praticamente todas as partes domundo. Em vez de um fluxo sustentvel de recursos renovveis, a maioria fornecidos pela

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    natureza, os padres recentes de desenvolvimento da agricultura esto exaurindo os solos ea diversidade gentica e de espcies, tanto nas reas de culturas como nos ecossistemasadjacentes a estas. (McNeelly, 1995)

    De acordo com Amorozo & Gly (1988), a desagregao dos sistemas de vidatradicionais que acompanha a devastao do ambiente, e a introduo de novos elementos

    culturais ameaam muito de perto um acervo de conhecimentos empricos e um patrimniogentico de valor inestimvel para as geraes futuras.

    Como nos demais sistemas tradicionais de uso da terra, os quintais tambmapresentam uma alta diversidade de plantas. Segundo Torquebiau (1992), isso valiosopara o cotidiano do agricultor, pois fornece uma alta diversidade de alimentos e entradas,alm de ser um bem valioso para programas futuros de cruzamento na forma de bancos degermoplasma, este ltimo relevante para a sustentabilidade em longo prazo. H uma boautilizao do espao e do tempo pelas plantas e animais com diferentes ciclos biolgicos eformas de crescimento. A alta diversidade de culturas, a baixa densidade por espcie e osdiferentes ciclos biolgicos das culturas so fatores que reduzem os riscos ligados s pragase doenas.

    Um exemplo disso apresentado por Fernndez et al. (1992), ao se referirem aoshortos dos Chagga, no Monte Kilimanjaro, onde as distintas espcies e variedades decultivos que l se encontram, representam anos de seleo natural para sua sobrevivncia ede seleo artificial para atingir uma melhor produo e qualidade. Estas espcies tm boaresistncia contra pragas, competem bem com as invasoras e tm, geralmente, um nvel altode variabilidade gentica. Os autores concluem que os hortos dos Chagga representam umvalioso banco gentico para ser usado em qualquer programa de fitomelhoramento devariedades de cultivos em sistemas de estratos mltiplos.

    Infelizmente, as aes voltadas para a modernizao na agricultura consideram ospovos nativos como seres primitivos, no tendo nada a oferecer sociedade moderna.

    (Clement, 1988) Por outro lado, sabemos que esses povos so a origem da diversidadegentica das culturas agrcolas que sustentam a sociedade moderna, de complexosagroecossistemas que so ecologicamente sustentveis para os trpicos midos, e soresponsveis pela conservao in situ da maioria do patrimnio gentico do mundo.

    Os agricultores indgenas, em qualquer regio do mundo, at recentemente, sempremantiveram um amplo limite de gentipos para proteg-los contra flutuaes climticas eecolgicas. (Hawkes, 1983, e Posey, 1984, citados por Clement, 1988) Isto especialmenteverdadeiro nas florestas tropicais, devido sua grande variedade ecolgica. Por outro lado,a degradao dos recursos naturais, bem como a aculturao dos povos indgenas, acabouocasionando severa eroso gentica e cultural.

    Anderson & Posey (1989), ao estudarem os ndios Kaiap, observaram que essascomunidades utilizam tecnologias simples e baratas, no lugar de implementos caros. Emvez de virtualmente eliminarem a heterogeneidade prpria do meio como o faz aagricultura intensiva hoje praticada, que destri a flora nativa , na realidade, aincrementam.

    de fundamental importncia que a prtica tradicional seja vista como parte de umsistema holstico de manejo orientado para a conservao, de forma que o agricultor

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    tradicional tenha uma parte significativa da produtividade agrcola total de uma regio, bemcomo contribua para a conservao de sua biodiversidade. Alm disso, diversos trabalhoscientficos realizados em vrios pases tropicais apontam para a importncia fundamentaldos mltiplos recursos da natureza para a vida de grande parte da populao.

    O conhecimento do universo referente ao uso da biodiversidade por populaes

    tradicionais poder se reverter, segundo Amorozo & Gly (1988), em benefcios tanto paraos caboclos, fornecendo subsdios para a implantao de programas de sade maisadaptados ao seu sistema cultural, como tambm para a sociedade envolvente, atravs daotimizao do uso de plantas com ao farmacolgica comprovada. Esses benefcios sedaro atravs do resgate de um riqussimo acervo de conhecimentos sobre o manejo eaproveitamento dos recursos vegetais e das implicaes que isto poder ter em longo prazona conservao de um patrimnio gentico valioso e na pesquisa de novas drogas compotencial teraputico.

    Em geral, as populaes locais so lembradas de forma utilitria nas discusses entreos vrios setores envolvidos na questo da conservao ambiental, isto , como fonte deinformao para identificar recursos na natureza ou como auxiliares na proteo destes

    recursos, atuando como guardies da biodiversidade. (Castro, 1995) Raramente sediscute a conservao sob o ponto de vista da massa de excludos da economia formal, quecomplementa os seus parcos ganhos com o uso e o manejo dos recursos naturais.

    Dessa forma, somente conciliando os interesses mundiais para preservao com osinteresses das populaes locais, de forma a garantir a sustentabilidade e o acesso a essesrecursos, poderemos obter uma conservao duradoura e socialmente justa. Clement (1988)acredita que, ao longo do tempo, possa ser possvel a obteno de algum tipo de soluovivel que satisfaa tanto a comunidade dos recursos genticos como os povos nativos quedesejam manter suas culturas, enquanto melhoram sua qualidade de vida.

    A conservao ex-situ como jardins botnicos, banco de germoplasma, torna-se difcilcomo uma soluo adaptativa em longo prazo. (McNeelly, 1995) Dessa forma, fica

    evidente que, para preservar a variedade gentica de um sistema agrcola, importantepreservar a produo junto com seu clima e solo e o conhecimento acumulado de seucultivo e uso.

    A agricultura tradicional est sendo tambm ameaada, atualmente, pela nova culturaglobal de consumo, que vem sendo difundida pela televiso, pelas regras de mercado eoutros meios. Assim, sistemas de manejo que foram efetivos por centenas de anos,tornaram-se obsoletos em poucas dcadas, sendo substitudos por sistemas de exploraoque geram lucros em curto prazo para uns poucos e custos em longo prazo para muitos.(McNeelly, 1995)

    IMPORTNCIA DOS QUINTAIS PARA A POPULAO,

    SUAS FUNES E USO

    Os quintais agroflorestais apresentam uma srie de funes, que podem ser resumidasem quatro itens principais: econmica, ecolgica, agrcola e sociocultural.

    A funo econmica dos quintais agroflorestais est representada, principalmente,pela produo de alimentos para autoconsumo e para comercializao, podendo contribuirpara a melhoria da alimentao das populaes rurais e urbanas de baixa renda. Saragoussiet al. (1988) afirmam que os quintais agroflorestais de tamanho suficiente e constitudos

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    por um grande nmero de espcies perenes podem oferecer uma grande parte dos alimentosconsumidos pelo agricultor e sua famlia. Alm de ser usado na complementao daalimentao e da renda familiar, o quintal pode ajudar na auto-suficincia do produtor, e avariedade de espcies plantadas permite uma produo ao longo de todo ano.

    Os quintais so uma importante fonte de nutrientes, e Covich & Nicherson (1966),

    citados por Soemarwoto (1987), registraram que o consumo de 100 gramas de Manilkarasapotilla,Persea americana, Manihot esculenta e Guilielma utilis em quintais situados emDarin, Panam, foi equivalente a aproximadamente 10, 12, 150, 5.5, 31, 25 e 13% dosrequerimentos mnimos dirios de protena, clcio, caroteno, tiamina, riboflavina, niacina ecido ascrbico, respectivamente. Quintais estudados no Oeste de Java produziram umamdia diria de 398,4 calorias, 22,8 g de protena, 185 g de carboidratos, 818,4 mg declcio, 555 mg de fsforo, 14 mg de ferro, 8,362 IU de vitamina A, 1181,2 mg de vitaminaB e 305 mg de vitamina C. Resultados similares foram registrados nas Filipinas e Nigria,por Fernndez & Nair. (1986)

    Em Bangladesh, devido m nutrio das populaes rurais e de baixa renda, o HKI(Helen Keller International), instituio que trabalha em nvel global, com o objetivo dereduzir a incidncia da cegueira provocada pela carncia de vitamina A no organismo,realiza um projeto visando melhoria da qualidade alimentar na dieta dessas populaes.Uma das estratgias utilizadas por esta instituio foi a implantao de um projeto piloto dequintais, onde espcies como amaranto, mamo, espinafre, batata-doce, entre outras, todasricas em vitamina A, foram introduzidas, combinando essas atividades com a educaosobre nutrio. Eles verificaram que houve uma melhora substancial na dieta das pessoasparticipantes do grupo em estudo, com um maior consumo de frutas e verduras, inclusivepelas crianas e jovens. (Marsh, 1994)

    No Brasil, apesar de inexistirem estudos relacionados com a avaliao nutricional doscomponentes alimentcios produzidos nos quintais, estes, geralmente, representam para as

    populaes de baixa renda uma contribuio significativa na dieta alimentar familiar.Conforme Castro (1995), praticamente em todas as regies do pas, os quintais assumemum importante papel na subsistncia sustentada da populao brasileira.

    Em um estudo feito em Java, Stoler (1975), citado por Soemarwoto (1987), verificouque a produo dos quintais era influenciada pelo tamanho da unidade, sendo os de menortamanho considerados relativamente mais produtivos.

    Diversos sistemas de quintais so aptos para fornecer produtos para uso local, bemcomo contribuir para a economia regional, enquanto ao mesmo tempo mantm umacobertura vegetativa diversificada sobre o solo. Complexo de culturas diversificadas,rotao e prticas desenvolvidas pelos proprietrios locais podem fornecer proteo

    ambiental sob condies tropicais, bem como uma farta colheita de produtos alimentcios.(Wilken, 1988, citado por Gliessman, 1992)

    Ferreira (1995) afirma que, para o homem rural, as plantas esto intrinsecamenteligadas sua subsistncia. Integrado natureza, ele supre suas necessidades utilizando osprodutos que a generosa terra oferece. A longa experincia lhe proporciona a vantagem deconhecer e utilizar as espcies vegetais em seu prprio benefcio e as converte em muitosartigos e produtos usados na alimentao, na cura de doenas, na construo de objetos ebenfeitorias.

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    Soemarwoto et al. (1985) afirmam que o horto caseiro pode ser visto como umaatividade dinmica mais que uma rea definida, que varia de tamanho, nmeros e tipos deespcies e na sua estrutura, sendo o resultado das condies agroecolgicas, do espaodisponvel e de aspectos sociais, culturais e econmicos.

    Esta dualidade entre autoconsumo e mercado foi caracterizada por Denen (1993),

    citado por Nasser et al. (1993), que encontrou em Choluteca, Honduras, que as avesdomsticas so produzidas para autoconsumo (somente 7% para venda), enquanto que osporcos so basicamente para a comercializao (86%), porque um animal muito grandepara o autoconsumo e somente se dispe de um quando se sabe que os vizinhos tminteresse em comprar carne ou quando ocorrem festas. As hortalias, frutas e outrosprodutos dos hortos, ainda que sejam produzidos em pequena escala, tambm geram rendaatravs da venda. De fato, no mesmo estudo, Denen verificou que a venda de frutasrepresentava ao redor de 25% da renda familiar, e que uma proporo significativa eracomercializada pelas mulheres.

    No baixo Amazonas, Saragoussi et al. (1988) verificaram, atravs do ProjetoINPA/FAO, que o plantio, nos quintais, de caf e de cana-de-acar teve por objetivosubstituir produtos caros comprados nos mercados.

    Da Silva & Silva (1995) observaram nos quintais de Mimoso a venda do excedenteda produo de frutas, como a manga e a laranja. Por outro lado, Ferreira (1995) observou,nos quintais de ribeirinhos do Rio Cuiab, que a produo excedente era utilizada paraalimentar animais domsticos e, de certa forma, contribua no enriquecimento do solo,como matria orgnica.

    Nasseret al. (1993) afirmam que, ainda que sejam enfatizados aspectos produtivoscom orientao de mercado, no deve ser ignorado e nem menosprezado o fato de que oshortos caseiros so sistemas complexos que cumprem uma multiplicidade de funes, almdo fornecimento de produtos alimentcios.

    Os quintais agroflorestais desempenham vrias funes ecolgicas, incluindobenefcios hidrolgicos, modificaes microclimticas e controle da eroso do solo, almda conservao de recursos genticos. (Soemarwoto, 1987) Os cultivos perenes quecompem esses sistemas, segundo Nasser et al. (1993), modificam o ambiente, proporcionando sombra, funcionando como quebra-ventos, melhorando a infiltrao dagua, produzindo biomassa que se transforma em matria orgnica, criando, desse modo,um microclima que permite manter uma variedade mais ampla de espcies.

    As funes socioculturais dos quintais, segundo Soemarwoto (1987), no tmrecebido muita ateno. Porm, em muitas regies, os quintais fornecem uma variedade deplantas que so empregadas em rituais e cerimnias, como em Bali e Tailndia. Thaman

    (1985), citado por Soemarwoto (1987), verificou a importncia das plantas sagradas presentes nos quintais, listando 35 espcies consideradas sagradas ou supostamentepossuidoras de poderes mgicos ou msticos. Os quintais da populao brasileira tambmso locais onde vrias espcies consideradas como protetoras so cultivadas, sendoposicionadas, geralmente, no espao do quintal que d para a frente da casa, de forma a proteger seus moradores do mau-olhado. Essas plantas desempenham uma importantefuno na vida das pessoas.

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    Nas cidades, principalmente, a funo esttica dos quintais considerada relevante.Nair (1993) afirma que os jardins tm considervel valor ornamental. O embelezamento e aregulao do ambiente em torno da casa so elementos importantes para a famlia. A parteda frente da casa s vezes est ocupada por flores e outras plantas ornamentais queembelezam a entrada, sendo comum ao redor da casa a presena de rvores que fornecem

    sombra e outros usos sociais. O quintal um importante espao onde as crianasdesenvolvem suas brincadeiras e, para os adultos, um local de encontro com os familiares eamigos.

    Em Barranco Alto, como tambm em outras comunidades ribeirinhas, os quintais seprolongam atravs das roas (Ferreira, 1995), mas o espao adjacente casa tem umtratamento especial e sua funo , alm de espao para plantas teis, espao de trabalho,de encontros, de festas e de cultura.

    Grande parte das atividades domsticas do ribeirinho, assim como da maioria doshomens de vida rural, ocorre fora do espao da casa, de tal forma que a residncia, o ranchoou a varanda e o quintal se transformam em um pequeno sistema de moradia. (Cndido,1979, citado por Ferreira, 1995) Dessa forma, os quintais so mais do que somente umsistema de produo. (Soemarwoto, 1987)

    Cada sistema de quintais apresenta particularidades que lhe so prprias, definidaspelas condies agroecolgicas ou por suas caractersticas socioculturais. Dessa forma, paraos moradores de Barranco Alto, situado s margens do Rio Cuiab, segundo Ferreira(1995), no quintal que se encontra o rancho que protege o engenho e a fornalha de fazerrapadura; que se encontra o varal de secar peixe; que se abrigam as ferramentas. noquintal que se prepara o fumo, a comida da festa e o mastro do santo. No quintal, encontra-se o pilo onde se pila o arroz, transforma-se o milho em fub e soca-se a paoca. noquintal da casa que se constroem os empaliados para as rezas, os bailes, o cururu e o siriri.

    INTRODUO E DOMESTICAO DE ESPCIESAs plantas cultivadas so elementos essenciais civilizao. So, de certa forma, obra

    do homem e tm influenciado decisivamente no desenvolvimento histrico da humanidade.(Lon, 1987)

    Graas aos amerndios, os exploradores etnobotnicos, fito-genticos, virlogos eentomlogos tiveram acesso aos genes preservados nos genocentros de variedades eraas primitivas, conservados nos hortos familiares. (Brcher, 1988) So numerosos osexemplos de como este antigo patrimnio fitogentico tem sido utilizado na criao demodernos cultivares de plantas alimentcias, industriais e medicinais, produzindo, assim,riquezas que ultrapassam em muito os tesouros roubados pelos conquistadores.

    Todas as espcies domesticadas derivaram, direta ou indiretamente, de espciessilvestres, algumas das quais estavam entre o grande nmero de espcies usadas peloscaadores-coletores, por incontveis e desconhecidos milnios. A diversidade gentica deplantas cultivadas se derivou das espcies ancestrais silvestres, modificadas por adaptaes,em resposta aos cultivos em condies distintas das naturais e aos fatores fsicos,biolgicos, culturais e econmicos do ambiente. (Frankel & Soul , 1981)

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    Os sistemas agroflorestais podem conservar um grande nmero de espcies de plantasou variedades de plantas cultivadas, porm ainda pouco conhecidas pelos cientistas. NaAmaznia, os ndios domesticaram dezenas de espcies e variedades de plantas que, hoje,so cultivadas por seringueiros e ribeirinhos em suas roas e quintais. Essas espcies fazemparte da biodiversidade da regio, e sua conservao depende, em parte, da conservao e

    aprimoramento dos sistemas tradicionais de produo.Clement (1988), estudando as espcies de rvores frutferas amaznicas, afirma que

    h inferncia de que o processo de domesticao levou milnios nestas espcies, devido demora para atingir o estado reprodutivo e por este sistema ser geralmente algamo (utilizaa polinizao cruzada).

    Na realidade, pouco se sabe sobre as interaes entre espcies e sobre o manejo e osmltiplos usos a que os quintais so destinados. Tm-se, no entanto, indcios do seu papelfundamental, tanto na introduo de novas espcies na Amaznia, quanto na economia dosprodutores rurais e no estabelecimento de uma agricultura adaptada regio. (Saragoussi etal., 1988) Segundo Castro (1995), nas regies de colonizao mais antiga, os quintaisestariam em uma fase de estabilidade em sua composio, mantendo-se somente asespcies mais adaptadas.

    Como exemplo desse fato, tem-se, em Amorozo & Gly (1988), o registro de 12espcies de plantas ruderais e de 14 espcies de mata de terra firme e vrzea, cultivadas nosquintais e stios. Dessa forma, o quintal provavelmente um campo de aclimatao eexperimentao de espcies para posterior utilizao em plantios maiores: as frentes decolonizao serviriam de porta de entrada de novos plantios e os quintais, de camposexperimentais. (Saragoussi et al., 1988)

    O processo de domesticao criou diversidade gentica dentro de uma dada espcie,enquanto a ocupao cultural contnua em uma determinada rea aumentou o nmero deespcies usadas, manejadas, cultivadas e domesticadas. (Harlan, 1975) Comparado com as

    espcies usadas pelos caadores-coletores, o nmero de espcies usadas sob domesticaodeclinou, enquanto a diversidade intra-especfica tem aumentado como resultado daexpanso geogrfica, atravs da migrao e do comrcio (Frankel & Soul, 1981).

    Desde o incio deste Sculo, quase 75% da diversidade gentica das culturas maisimportantes desapareceram dos campos agrcolas. (McNeelly, 1995) Isto levou ao aumentoda vulnerabilidade das espcies em relao s pragas e a mudanas climticas e reduziu avariedade essencial das dietas dos povos rurais. A simetria entre o desenvolvimento dereas rurais, bem como a conservao de muitas formas de uso da terra j estabelecida, um tema crtico que o planejamento regional necessita considerar para assegurar amanuteno da biodiversidade em longo prazo, pois, uma vez que essas variedades tradi-

    cionais esto desaparecendo, o conhecimento relativo ao seu cultivo e uso tambm est seperdendo.

    Infelizmente, as variedades uniformes produzidas nos centros de pesquisa, com suadependncia em fertilizantes qumicos e pesticidas, esto substituindo as variedades quevm sendo produzidas tradicionalmente.

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    SUSTENTABILIDADE

    Sustentabilidade, segundo Gliessman (1992), se refere capacidade de umagroecossistema fornecer e manter produo por vrias geraes, em face dos contrastesecolgicos e perturbaes, bem como em resposta s presses socioeconmicas.

    Dessa forma, os sistemas de quintais agroflorestais ou tree home gardens soclassificados como sistemas de uso da terra eficientes e sustentveis. Porm, h poucaevidncia quantitativa e anlise detalhada de forma a comprovar tal afirmativa.(Torquebiau, 1992) Por outro lado, apesar das diversas definies de sustentabilidade, aindano h um claro acordo sobre o que exatamente , e como medi-la.

    Nair (1993), baseando-se em Lundgren & Raintree (1983), cita que um conceitoimportante na pesquisa agroflorestal a sustentabilidade, que determinada pela estruturado sistema, suas funes ecolgicas e sua contnua habilidade em preencher asnecessidades bsicas das pessoas, combinando as funes ecolgicas da floresta comaquelas funes de prover as necessidades socioeconmicas dos povos.

    Alguns critrios poderiam auxiliar na avaliao da sustentabilidade de um sistema de

    uso da terra: (1) baixa dependncia sobre entradas adquiridas externamente; (2) funo primria sobre o uso de recursos renovveis, bem como disponveis localmente; (3)apresentao de benefcios ou impactos negativos mnimos sobre o ambiente; (4)focalizao da capacidade produtiva em longo prazo; (5) conservao biolgica ediversidade cultural construdas sobre o conhecimento e cultura dos habitantes locais; (6)fornecimento de bens domsticos e exportveis. (Gliessman, 1992) A agriculturasustentvel depende da integrao de todos esses componentes, e isso envolve oentendimento do agroecossistema em todos os nveis de organizao, da planta ou animalindividualmente no campo, unidade de produo inteira, regio ou entorno.

    Os hortos familiares permitem aos agricultores a obteno de uma produo

    sustentada com um mnimo de insumos externos. Representam, portanto, um bom modelode uso da terra para ser extrapolado a outros lugares com caractersticas ecolgicas esocioeconmicas similares. (Fernndez et al., 1992) De acordo com Gliessman (1992), ofato de eles ainda estarem em uso uma forte evidncia de que esses sistemas apresentamestabilidade social e ecolgica.

    A cobertura contnua do solo e um alto grau de reciclagem de elementos nutritivosso os principais fatores que permitiram que os hortos dos Chagga fossem sustentveis nasencostas propensas eroso do Monte Kilimanjaro. (Fernndez et al., 1992) Apesar deesses sistemas de cultivo terem sido estveis durante pelo menos um sculo, recentemente,eles esto sendo submetidos, como um todo, presso populacional, devido ao rpidocrescimento demogrfico e, conseqentemente, diminuio do recurso terra e tambm s

    trocas nos hbitos dietticos (o milho est substituindo a banana como alimento principal).O Comit de Agricultura Sustentvel para os Pases em Desenvolvimento (1987)

    descreve sustentabilidade de um sistema agrcola como sendo sua habilidade para reunir asnecessidades humanas sem destruir e, se possvel, melhorar a base de recursos naturais soba qual ele depende. (Torquebiau, 1992) Um sistema de produo rural sustentvel apenasum dos elementos no conceito global de sustentabilidade, que inclui uma srie de condiesfora do sistema rural, classificada como econmica, social, ecolgica, poltica einstitucional.

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    Para um sistema agrcola ser sustentvel, dever preencher v-rias exigncias. Emprimeiro lugar: a) conservao do solo, incluindo controle da eroso e manuteno dafertilidade; b) uso eficiente e conservao dos recursos existentes (gua, luz, energia,recursos genticos, trabalho); c) uso de interaes biolgicas entre os diferentes elementosdo sistema agrcola (por exemplo, fixao de nitrognio, controle biolgico de pragas e

    doenas); d) uso de entradas que esto facilmente disponveis e de entradas e prticas queasseguram a sade humana e a conservao ambiental.

    Em segundo lugar, especialmente para o caso distinto de produtores de pequenaescala, que dependem tanto das culturas comer-ciais quanto das culturas de subsistncia,um sistema sustentvel deveria preencher exigncias rigorosas, como: a) atender snecessidades de energia do agricultor (combustvel, aquecimento, trabalho); b) atender snecessidades do agricultor para subsistncia, assegurando que ele possa ter uma dietaadequada e balanceada; c) fortalecer a cooperao entre os membros da comunidade local;d) assegurar que eqidade social, integridade cultural, tnica e de gnero sejamconsideradas adequadamente. Essas exigncias podem ajudar os agricultores em perodosde dificuldades, causados por estresse climtico ou econmico, e melhorar as condies de

    vida em reas rurais, enquanto atravessam o espao entre as estaes de produo,cuidando de vrios interesses sociais e assegurando a sobrevivncia dos sistemastradicionais rurais.

    COMPOSIO DE ESPCIES NOS QUINTAIS AGROFLORESTAIS

    Apesar de a seleo das espcies ser determinada por uma grande extenso de fatoressocioeconmicos e ambientais, bem como hbitos de dieta e demanda do mercado local,Nair (1993) afirma que h uma similaridade notvel com respeito composio de espciesentre diferentes quintais agroflorestais distribudos na regio tropical, especialmente comrelao aos componentes herbceos. Essa similaridade se deve ao fato de a produo de

    alimentos ser a funo predominante da maioria das espcies herbceas. Por outro lado, a presena de um subdossel requer que as espcies sejam tolerantes sombra, sendoselecionado, assim, um grupo restrito de espcies que apresenta caractersticas ecolgicasde adaptao a esses ambientes.

    A magnitude e o padro de produo, bem como a facilidade e o ritmo demanuteno dos sistemas de quintais, dependem da sua composio de espcie. A seleodas espcies est tambm relacionada com o aspecto cultural do produtor. Dessa forma,Ferreira (1995) afirma que as plantas remanescentes de matas e cerrados, presentes nosquintais, desempenham funes especficas, que fazem parte do cotidiano da comunidadecomo integrantes da cultura destes homens e mulheres, integrantes da paisagem ribeirinha.Assim, o novateiro que cresce no fundo do quintal, no futuro ser transformado em mastro

    de santo para comemorar uma determinada festa. O chico-magro ter suas cascas usadas nafervura da garapa, no processo de produo de rapadura. Com as cascas do tronco dojatob, ser preparado um lambed para algum que estiver com tosse. O babau fornececonstantemente cocos, cujas castanhas deliciam as crianas, e suas folhas serviro pararenovar a cobertura do rancho ou constituir o empaliado de algum evento. O ing, abocaiuveira, o siput e o tarum oferecem frutas saborosas. O jenipapo e o coquinho sousados na pesca do pacu. Os sars, as figueiras e o louro sero transformados em utenslios

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    de uso dirio do ribeirinho. As demais plantas tm a sua serventia e, em ltima instncia,qualquer pedao de pau se transforma em lenha.

    Ferreira & Dias (1993), estudando a vegetao de quintais da rea urbana da cidadede Cuiab, destacam a diversidade de espcies introduzidas, caracterizada segundo suaforma de uso em plantas frutferas, medicinais, hortalias e ornamentais. Os quintais

    representam um espao de produo de alimentos, de remdios e de cultura.Um dos aspectos mais assinalveis da agronomia e da botnica indgenas sua

    preocupao em manter a heterogeneidade gentica das plantas, tal como ocorre nanatureza. (Kerr, 1988) Isso foi observado por Anderson & Posey (1989), ao estudarem osKayap, que ao iniciarem uma roa introduzem um grande nmero de espcies evariedades, em mdia 58 espcies por roa.

    A composio de espcies dos quintais agroflorestais permite a combinao deculturas agrcolas e rvores de mltiplos usos, de forma a atender maioria dasnecessidades bsicas das populaes locais, enquanto a configurao e a alta diversidade deespcies dos quintais ajudam a reduzir a deteriorao ambiental, comumente associada aos

    sistemas de produo monoculturais. Alm disso, os sistemas agroflorestais vmproduzindo colheitas sustentveis por sculos, utilizando os recursos ambientais, na maioriadas vezes, de forma eficiente.

    ESTRUTURA ESPACIAL DOS COMPONENTES VEGETAIS DOS QUINTAIS

    A estrutura est intimamente ligada funo e, apesar de seu grau de relao serbvio, freqentemente ignorada. (Soemarwoto, 1987) Dessa forma, manipulaes naestrutura freqentemente levaram perda de funes valiosas, ou vice-versa, e, em troca,resultaram em condies contrrias s expectativas ou mesmo ao colapso do sistema.

    O horto caseiro pode ser visto como uma atividade dinmica, mais que uma rea

    definida, que varia de tamanho, nmero e tipo de espcies, bem como na sua estrutura,sendo o resultado das condies agroecolgicas, do espao disponvel e de aspectos sociais,culturais e econmicos. (Soemarwoto et al., 1985)

    Baseando-se nas informaes levantadas no Inventrio Global dos SistemasAgroflorestais (ICRAFs), Fernndez & Nair (1986) realizaram uma avaliao da estruturae funo de 10 sistemas de quintais selecionados em diferentes partes do mundo.

    Estes sistemas so caracterizados por apresentar uma alta diversidade de espcies,distribudas, geralmente, de 3 a 4 estratos, resultando em uma forte associao de plantas.Algumas espcies herbceas e lenhosas so tambm caractersticas do sistema. (Nair, 1993)

    O espao do quintal dividido com as pessoas componentes da famlia, com a criao

    (porcos, aves de terreiro e cachorros) e uma grande variedade de plantas, em umacomposio onde componentes da paisagem humana se integram paisagem natural e ondeplantas da mata, fruteiras e plantas medicinais se misturam. (Ferreira, 1995)

    Para Nair (1993), na maioria das vezes, o tamanho mdio de um quintal muitomenor que 1 hectare, indicando a natureza de subsistncia desta prtica. Dessa forma,Viana et al. (1996) afirmam que os sistemas agroflorestais podem contribuir para amelhoria da alimentao das populaes rurais, e os quintais agroflorestais, de tamanho

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    suficiente e constitudos por um grande nmero de espcies perenes, podem oferecer boaparte dos alimentos consumidos pelo agricultor e sua famlia.

    Nos quintais multiestratificados da Amrica Central h uma explorao completa dosespaos vertical e horizontal, podendo parcelas menores de 0,1 ha conter duas dezenas oumais de diferentes plantas econmicas, cada uma com sua prpria necessidade de espao.

    (ILEA, 1992)Wielken (1987), citado por ILEA (1992), descreve, de forma didtica, a estrutura de

    um quintal localizado em Puebla, Amrica Central, onde a parcela dispunha,aparentemente, de uma distribuio horizontal ao acaso, porm to cuidadosamentearranjada, verticalmente, em 4 estratos, representados por rvores altas, como mangueira,mamoeiro e leucena; numerosas rvores de altura mdia; e arbustos, incluindo a bananeira,pessegueiro, abacateiro, citrus, Eritrina, Annona; e o estrato inferior era ocupado porculturas agrcolas como milho, feijo, tomate, intercalados com flores, ervas medicinais econdimentos. As trepadeiras de valor econmico, incluindo o feijo, ocupavam, por outrolado, os espaos restantes. Todo o quintal era cercado por plantas ornamentais e deadicional produtivo, como o colorau, o bambu e o jacarand. Ainda tinham galinhas e perusvivendo entre as plantas e contribuindo, na sua forma, para o produtivo espaotridimensional do quintal.

    Uma caracterstica estrutural proeminente dos quintais agroflorestais a grandediversidade de espcies, representada por muitas formas de vida, variando de ervas como abatata a rvores de 10 metros ou mais, alm das trepadeiras, criando uma estrutura dodossel multiestratificada nos quintais. (Soemarwoto, 1987)

    Fernndez e Nair (1986) afirmam que a disposio no espao dos componentes irregular e parece ser feita ao acaso, com rvores, arbustos e cultivos alimentcios emntima combinao. Por outro lado, verticalmente, possvel distinguir vrias zonasrelativamente diferentes, havendo uma considervel sobreposio de estratos, assim como

    um contnuo recrutamento de espcies nas diferentes zonas. Estes autores apresentam umaestratificao para os sistemas de quintais agroflorestais em quatro zonas:

    Zona 1- (0-1m): cultivos alimentcios;

    Zona 2-(1-2,5m): caf com rvores e arbustos jovens, assim como plantas medicinais;

    Zona 3-(2,5-5m): banana, com algumas rvores frutferas e forragem;

    Zona 4- (5, 30m): rvores de madeira valiosa e outras espcies para forragem e lenha.

    De acordo com Nair (1993), um equilbrio dinmico pode ser esperado com respeito matria orgnica e nutrientes de plantas sobre o solo, devido adio contnua do "litter"foliar e sua constante remoo atravs da decomposio, ficando um acmulo de razesabsorventes de todas as espcies prximo da superfcie do solo. Nas profundidadesinferiores do solo, a distribuio das razes das vrias espcies, provavelmente, segue umaconfigurao vertical aproximadamente proporcional aos estratos do dossel.

    Entretanto, os estudos relacionados com os padres de enraizamento e configuraesem sistemas de quintais com espcies de mltiplos usos so escassos, permanecendo aquesto como um aspecto importante para ser investigado.

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    As caractersticas estruturais dos quintais agroflorestais apresentam muitas vantagens,que so atribudas s associaes de esp-cies em estratos mltiplos, como a conservaodo solo, a reciclagem de nutrientes e a maior eficincia no seu uso, o melhoramento domicroclima e outros benefcios, como eficincia de mo-de-obra, minimizao do risco eproduo contnua. (Fernndez et al., 1986)

    INTERAO ENTRE OS COMPONENTES DOS QUINTAIS

    Segundo Nair (1993), a interao dos componentes se refere influncia de umcomponente de um sistema sobre o desempenho dos outros componentes, bem como dosistema como um todo. Entretanto, para Jacob & Allens (1987), apesar de ser bvia aexistncia de interaes entre as plantas e entre as plantas e seu ambiente, tal como nossistemas de profunda associao de plantas, ainda no h nenhum dado disponvel sobreeste aspecto.

    Fernndez et al. (1992) afirmam que a ntima distribuio dos componentes presentesnos quintais agroflorestais resulta em interaes tanto no tempo como no espao, e a

    natureza das interaes varia, podendo ser: direta: forragem e gado, rvores e abelhas,adubo orgnico e cultivos; cclica: resduos de cultivo e gado; e competitiva: banana ecaf, rvores e cultivos.

    Segundo Nair (1993), os principais tipos de interaes positivas na interface rvore-cultura esto relacionados com o melhoramento do microclima e balano dos nutrientes.Em sistemas agroflorestais, a melhoria do clima, envolvendo relaes de umidade etemperatura do solo, resulta, primeiramente, do uso das rvores para sombra ou comocercas vivas ou quebra-vento. Willey (1975), citado por Nair (1993), afirma que a sombraocasiona um efeito lquido de interaes complexas que ultrapassa a mera reduo de calore luz. As mudanas estabelecidas no ambiente tm uma influncia direta no aumento daproduo. As inumerveis prticas que os agricultores tradicionais desenvolveram para

    atingir esse objetivo, atestam a importncia atribuda ao manejo microclimtico.Outra interao potencialmente positiva em sistemas agroflorestais, segundo Nair

    (1993), est relacionada com a supresso das invasoras. O efeito da sombra mais severopara as plantas helifilas do que para as tolerantes sombra. Por outro lado, as plantaspodem apresentar entre si interaes negativas, como a competio, sendo comum estaremutilizando a mesma reserva dos recursos de crescimento, como luz, nutrientes, gua e gscarbnico.

    A MO-DE-OBRA NOS QUINTAIS AGROFLORESTAIS

    Os sistemas de quintais agroflorestais tm evoludo atravs da utilizao eficiente da

    mo-de-obra familiar. Conforme os trabalhos relacionados abaixo, verifica-se que a mulhertem sido a principal responsvel pela manuteno desses sistemas, especialmente nas reasdo quintal destinadas ao cultivo de plantas medicinais e de alimentcias herbceas, quenecessitam de cuidados freqentes, e na criao de animais para autoconsumo e/oucomercializao. A mulher tem desempenhado uma importante funo no aprimoramentodesses sistemas.

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    Na frica "sub-sahariana" e no Caribe, as mulheres produzem de 60 a 80% dosalimentos bsicos. Na sia, mais de 50% do trabalho dedicado ao cultivo de arroz realizado pelas mulheres. Na sia sul-oriental, no Pacfico e na Amrica Latina, os hortosfamiliares cultivados pelas mulheres representam um dos mais complexos sistemasagrcolas. As mulheres so, evidentemente, "agricultoras" por direito prprio e contribuem

    de forma decisiva na conservao e ordenao globais dos recursos fitogenticos para aalimentao e a agricultura. Os hortos familiares das mulheres so, s vezes, "centrosexperimentais no oficiais" que elas utilizam para transferir, fomentar e cuidar de espciesautctones, experimentando-as e adaptando-as, para fornecer produtos especficos e,possivelmente, variados (FAO, 1996).

    Na regio rural da Amrica Central, o cuidado do horto caseiro e das espcies deanimais de criao, dentro de um contexto de horto misto, constitui parte do trabalhorealizado pela mulher para o benefcio familiar, considerado por ela mesma como tarefadomstica, porque a efetua ao redor da casa. (Nasseret al., 1993)

    Amorozo & Gly (1988) observaram uma certa diferenciao entre os conhecimentosdo homem e da mulher com relao s plantas que crescem em ambientes manejados ouno. De modo geral, a mulher domina melhor o conhecimento das plantas que crescemprximo casa, no quintal e no stio, enquanto o homem conhece mais as plantas do mato.

    Lubbers (1993), citado por Nasseret al. (1993), afirma que, quando os hortos estorelacionados com o trabalho da mulher, estes se encontram tradicionalmente limitados aoentorno da casa, rea na qual a mulher dedica grande parte de seu tempo de trabalho.

    Os pequenos produtores da plancie do mdio rio Cuiab, especialmente osmoradores de Barranco Alto, fazem uso predominantemente da mo-de-obra familiar.(Ferreira, 1995) A unidade de produo est constituda pelo chefe da famlia, sua esposa eseus filhos. Quando o homem se dedica pesca como nica atividade econmica, em gerala responsabilidade pela roa transferida para a mulher e os filhos menores. Estes,

    enquanto pequenos, participam do processo produtivo como fora de trabalho adicional,ajudando no plantio, na colheita e em outras atividades, como a produo de rapadura e apesca.

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