019 Espiao Nazista

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  • (C) 1965 LOU CARRIGAN Ttulo original:

    SI PARLA ITALIANO Publicado no Brasil pela Editora Monterrey

    Digitalizao: JVS 450113/450113

  • CAPTULO PRIMEIRO O encontro marcado e a carta misteriosa

    Convite morte ou convite ao pecado?

    Mulher que a brisa balana.

    Descendo a Quinta Avenida, sob o sol macio de abril, a

    figura elstica de Brigitte Montfort pe um toque

    impressionista paisagem de Nova Iorque.

    Ah! O sol a 14 graus e as mulheres bonitas da primavera

    em Manhattan! Entre a Rua 60 e o setor fervilhante do

    Rockfeller Center, do lado da Quinta Avenida, todo um

    complexo sofisticado de gente colorida e atraente consegue

    plasmar a mais civilizada manh do mundo. Os edifcios de

    oitenta e cem andares reduzindo a zero a escala humana,

    no conseguem esmagar a fora da personalidade da gente,

    da movimentada gente nova-iorquina.

    Tudo isso como prosa de socilogo entre arranha-cus,

    boa para humanizar um comeo de novela policial. Antes

    que o leitor se canse, vamos depressa ao que interessa.

    Brigitte Montfort movimenta-se, como uma pantera

    moderna, ao longo da Quinta Avenida, sob um sol

    temperado. Vai ao encontro do Inspetor Pitzer, no escritrio

    do seu chefe Miky Grogan, Diretor Redator-Chefe do

    Morning News, matutino de maior tiragem de Nova Iorque.

    Alguma coisa de muito interessante deve estar

    comeando a acontecer. No gabinete do velho Miky,

    agitado como uma raposa confinada, o inspetor fuma

    nervosamente cigarros de espera.

  • Ela j devia estar aqui! rosna ele, olhando o relgio pela centsima vez.

    Calma! diz Grogan, conciliador. A hora marcada agora, ou melhor, ainda faltam dois minutos.

    Voc chegou adiantado, como sempre!

    O que deixava Pitzer altamente preocupado era o fato de

    haver recebido de Brigitte, na noite anterior, um bilhete

    lacnico, quase um telegrama, redigido nestes termos:

    ENCONTRE-ME AMANH S DEZ VG NO GAVINETE

    DO VELHO MIKY PT BEIJOS PT BRIGITTE

    Por que no me telefonou ela? Por que no me disse logo o que queria? o velho Inspetor da CIA fazia conjecturas e impacientava-se, mordida pela tremenda

    curiosidade profissional.

    Grogan interferiu:

    Pois voc j devia estar acostumado, seu tira ranzinza! Brigitte mesmo assim: imprevisvel e ardilosa.

    Gosta d construir um suspense at para ns, que a conhecemos to bem. O pior que consegue sempre nos

    deixar nervosos e inquietos, como adolescentes sem

    qualquer tarimba. Um demnio, o que ela !

    Neste instante exato a jovem reprter deu entrada no

    bem decorado escritrio do diretor do Morning News com um sorriso imperturbvel a iluminar-lhe o rosto.

    Os dois homens pularam para saud-la.

    J era tempo minha cara! vociferou Pitzer, Brigitte surpreendeu-se:

    Mas... que zanga esta? L fora o dia est que uma beleza... faz uma temperatura agradabilssima... eu marquei

  • um encontro s dez, cheguei em cima da hora, e vocs me

    recebem com essas caras de aougueiros suburbanos! Que

    humor!

    Brigitte foi dizendo tudo isso enquanto se punha

    confortvel numa das macias poltronas do gabinete do

    Miky, cruzando as pernas naquele ponto exato em que os

    trechos mais bonitos das coxas se deixam ver aos homens

    de boa vontade.

    Pitzer e Grogan estavam agora mudos diante de to

    agradvel presena. Mas o Inspetor teve coragem para

    romper o sagrado silncio:

    Voc nos deixa aflitos, menina! Isto no brincadeira que se faa! A preocupao que tivemos! falava girando as mos no ar, com um cigarro apagado entre os dedos. Quase telefono turma mandando procur-la! Voc uma

    garota travessa, entendeu? Podamos muito bem pensar que

    algum descobriu suas ligaes com a CIA, que estava em

    perigo!

    Brigitte descruzou as pernas, levantou-se muito devagar

    e mastigou as palavras em resposta:

    Pois saibam, meus caros chefes, que algum descobriu mesmo tudo isso!

    Os dois homens entreolharam-se, espantados. Pitzer j

    estava lvido quando perguntou, com voz engasgada:

    Quem? O Baro von Steinheil. Mais precisamente Wilhem

    Steinheil. Disse Brigitte, divertindo-se, um pouco, com a aflio do Inspetor.

    Um alemo! exclamou Grogan.

  • Um perfeito cavalheiro ajuntou Brigitte. A julgar pela carta.

    Carta? E que carta? impacientava-se Grogan. Ora, chefe suspirou a moa. S pode ser a carta

    que o baro me escreveu. Como esto nervosos vocs dois!

    Sorrindo deixou a mesa de Grogan, onde e recostara,

    caminhando at Pitzer e dando-lhe um cndido beijo na

    testa. Depois, voltando-se na direo do velho Miky, repetiu o gesto. O resultado foi imediato: os dois

    cinqentes, como que hipnotizados pelo fascnio da linda

    reprter, sentaram-se quietos e aguardaram as explicaes,

    sem muitos tiques de nervosismo.

    Ento? fez Brigitte, maliciosa. Posso comear conversar tranqilamente, sem medo de provocar enfartes

    prematuros nos coraes palpitantes dos meus queridos

    amigos?

    Os dois sorriram. A moa abriu a bolsa sem falar,

    retirando de l um envelope sobrescritado que passou a

    Grogan, com naturalidade.

    O redator-chefe do Morning abriu vidamente o envelope, correu os olhos pela carta e atirou-a sobre a mesa:

    Bolas! Est em alemo! Brigitte ria.

    Pensei que meu chefe sabia alemo. Afinal, um bom diretor de jornal moderno no pode ignorar a lngua de

    Goethe e de Elke Sommer.

    Pitzer voara sobre as folhas de papel jogadas na mesa.

    medida que devorava a tal carta sua expresso ia-se

    anuviando. Devolveu-a, afinal, reprter.

    Que acha dessa conversa do camelo? perguntou.

  • A moa foi muito delicada:

    Primeiro vou traduzir tudo para meu querido Miky, que no domina o alemo como voc, Inspetor. Afinal, ele

    meu chefe, e devo conservar meu emprego.

    Vamos logo! ordenou Grogan, nervoso. Brigitte olhou para ele, meneando a cabea.

    Notem isso disse. Este papel americano, o carimbo do envelope americano... Em suma, isto veio de

    Miami.

    Leia! tornou Grogan, as mos apoiadas na mesa. Brigitte ficou sria, umedeceu os lbios e comeou:

    Muito bonita senhorita Montfort:

    Cordiais saudaes.

    H muito que admiro sua sorte e habilidade no

    campo minada da espionagem internacional.

    Sobretudo sua extraordinria habilidade em

    conseguir manter-se viva e atraente. Sabemos

    como difcil conservar a forma neste gnero de

    esporte. A esta altura j se deve estar perguntando como

    pude eu saber de suas atividades na Grcia e na

    Prsia, em Roma e outros lugares. Ficaria mais

    surpreendida se soubesse que j a conheo de

    vista. Embora eu no me tenha dado a conhecer,

    posso afirmar que tenho estado a observ-la em

    muitas ocasies. E, sem dvida alguma, uma das

    mais belas mulheres obre as quais meus pobres

    olhos tiveram a alegria de pousar. Uma figura de

    Tanagra em tempos modernos. Se eu fosse um

    literato, desses que se encontram comumente,

  • disposio do Destino, no fundo das bibliotecas;

    se eu fosse um poeta ou um prosador de bons

    recursos estilsticos, diria que sua presena

    feminina um estmulo com unho universal,

    uma prova sedutora da existncia de Deus e dos

    seus desgnios perfeitos.

    Mas no me ponho nestas transcendncias s

    para desenvolver a parte menos objetiva de uma

    carta. Sua beleza, poderia admir-la

    pessoalmente, qualquer dia... se me conceder a

    honra. Nem toda a imaginao de Balzac teria

    substitudo o prazer das emoes concretas de

    Casanova. Mais vale o tato do que a tese. Enfim...

    Desejo propor-lhe um negcio. No

    especificamente senhorita, mas aos Estados

    Unidos, indiretamente, sob sua mediao.

    Disponho de certos planos e estou pronto a ced-

    los sua ptria. Creia-me: so muitssimo

    interessantes. certo que podia entender-me com

    outro agente da CIA, inclusive ir a Washington,

    tratar do assunto diretamente. Mas devo ter muito

    cuidado para no perder a vida nem prejudicar,

    seriamente, pessoas que dependem de mim.

    Alm disso, arriscaria a vida do agente

    americano que entrasse em contato comigo. Por

    isso escolhi-a, senhorita Montfort, levando ainda

    em conta trs razes: Primeira o fato de que suspeitaro menos de sua pessoa do que de um

    homem. Segunda: a deciso, toda minha, de s

    confiar na senhorita. Terceira. ser um prazer v-

  • la de perto, admir-la, mergulhar na doura dos

    seus olhos.

    No desconfie de mim, peo-lhe. Seria uma

    estupidez atra-la a Miami para mat-la ou

    tortur-la com o fim de obter informaes

    secretas no acha? E, outra coisa: no antipatize comigo por ser eu alemo. Conheci sua

    me, aquela extraordinria mulher fuzilada nua

    em Cherche-Midi, mas tudo o que fiz foi admir-la

    pelo inigualvel sacrifcio que realizou pela

    ptria. Admirei-a e respeitei-a como admiro e

    respeito a senhorita, sua filha. Estou disposto a

    provar-lhe minha sinceridade e honestidade do

    modo que julgue conveniente.

    Meu endereo est na parte de dentro do

    envelope, se aceita entrevistar-se comigo, peo lhe

    usar o telgrafo, antes.

    Com admirao, beija sua mo o

    Baro Wilhem Von Steinheil.

    P.S. No temo qualquer traio de sua parte. Sei que vir. Muito obrigado.

    Houve um instante de silncio, quando ela terminou.

    Pitzer baixara a cabea, pensativo. Grogan parecia mascar

    os prprios dentes:

    Como pode esse homem saber de tantas coisas? perguntou o diretor do jornal. No estou gostando da histria, Brigitte! Voc no vai a Miam!

    O Inspetor, entretanto, aquietara-se. E sua voz era fria

    quando disse:

  • Ele tem certos planos e deseja entreg-los aos Estados Unidos. Quanto a isso, tudo bem. Se quisesse matar

    Brigitte, j o teria feito aqui mesmo em Nova Iorque.

    Bastava-lhe esper-la numa esquina qualquer. Alm de

    tudo, Miami no o fim do mundo. Ao contrario, uma

    linda cidade... e americana, O baro no pede a ela que saia

    do pas para encontr-lo. Tudo parece fazer crer que ele

    sincero.

    Voltou-se para a moa:

    verdade que no o conhece? Nunca ouvi esse nome respondeu Brigitte,

    fumando.

    E que acha da carta? Ela deu de ombros:

    Foi um cavalheiro quem a escreveu. Alm disso, no acho nada... a no ser que estou pronta a passar uns dias em

    Miami.

    Grogan deu uma palmada na mesa.

    O fato de ser um cavalheiro no exclui o de ser um assassino!

    Certamente, certamente, Grogan respondeu Pitzer, srio. Que diz voc, Brigitte?

    J disse: gostei de Miami todas as vezes que estive l insistiu a moa.

    O Inspetor voltou a sentar-se. Acendeu lentamente um

    cigarro que tomara de Grogan. Seu crebro funcionava

    serenamente, lcido como sempre, a medir prs e contras.

    Naquele momento, sua massa cinzenta era uma perfeita

    clula de computador eletrnico.

  • Esse Von Steinheil... comeou devagar tem de ser um homem maduro. A carta clara, erudita, bem

    alinhavada. um sujeito do bom-gosto, conhece as pessoas,

    fatos passados e presentes. Quanto ao passado, revela ter

    conhecido sua me durante a guerra, Brigitte. E como um

    alemo, e ainda baro, deve ter sido um oficial nazista. No

    sabemos quais foram suas relaes com Giselle Montfort;

    no podemos estar seguros de sua honestidade, baseados

    apenas no que !e afirma.

    um espio considerou Brigitte. E um alemo.

    Isso certo assentiu Grogan. Tem preconceito contra os alemes?

    No, absolutamente respondeu ela. Mas preciso estar preparada. O baro pode ser algum que ficou

    prejudicado pela ao de minha me na Europa, durante a

    guerra. E vocs no acham que uma boa vingana, se fosse

    esse o caso, seria maltratar ou mesmo eliminar a filha de Giselle Montfort?

    Tudo possvel grunhiu Pitzer. Entretanto, estou pensando nos tais planos.

    Sero os da V-2? perguntou Grogan, irnico. E quem pode dizer de que Alemanha veio? Ocidental ou

    Oriental? possvel que tenha em mos segredos de Estado

    ou outros que possam nos interessar.

    Se atravessou a Cortina ponderou Pitzer , talvez tenha mesmo em mos planos que nos possam interessar:

    segredos militares, de Estado ou quaisquer outros.

    Grogan soltou um grunhido; apontou um dedo para o

    amigo:

  • Voc pensa com demasiada frieza, Pitzer. Talvez respondeu o outro. Mas vejamos: temos

    uma carta promissora, um baro cheio de planos, em

    Miami... e, tambm a pessoa com quem o baro quer tratar,

    isto , Brigitte. Pelo que vejo, ela deseja ir a Miami. Voc

    no acha interessante, Miky?

    O diretor do Morning News quis protestar, mas acabou acendendo nervosamente um cigarro.

    Brigitte riu, desceu da mesa e ligou o interfone para a

    secretria de Grogan:

    Netty, Frank j chegou? Est aqui respondeu uma voz metlica, feminina. Mande-o entrar. A porta se abriu imediatamente. O atltico Frank

    Minello, redator de esportes do jornal, apareceu com um

    amplo sorriso:

    Al! saudou ele. Como vo vocs? No obteve resposta dos dois homens, mas Brigitte, que

    apagava o cigarro num cinzeiro prateado, indagou:

    Conseguiu, Frank? Aqui esto, minha querida replicou ele, beijando-

    lhe a mo.

    A moa olhou os papis que Frank lhe estendia,

    voltando-se para Pitzer e Grogan, fazendo carinha de anjo:

    Como vem, so passagens para Miami, meus chefes queridos. Imaginei que vocs terminariam por concordar

    com a minha ida e assim, desde ontem, encarreguei Frank

    de providenciar tudo. Eficincia! Eficincia! A velha norma

    deste impetuoso jornal. E desta vez o Frank vai comigo.

    Certo?

  • Pitzer e Grogan no sabiam o que dizer. As cartas

    estavam marcadas num jogo que eles haviam imaginado

    poder controlar. Brigitte era gil demais, alm de qualquer

    previso.

    Frank Minello deu um salto de alegria quando viu, na

    face d Miky Grogan, o irremedivel sinal de assentimento.

    Isto que programa de magnata! gritou ele. Miami com Brigitte... Nem o James Bond!

    A jovem reprter saiu sorrindo, no seu andar elstico de

    modelo, como que embalada por uma imperceptvel brisa

    elegante.

    CAPTULO SEGUNDO Em num aeroporto tambm se pode comprar passagem para o inferno

    Malcia contra esperteza para um final cheio de boas concluses

    Mais vale uma meia rasgada do que duas mortalhas perfeitas.

    No aeroporto La Guardia, Brigitte e Frank Minello

    aguardavam tranqilamente a sada do avio que os levaria

    a Miami.

    O rapaz, excitado como sempre, queria saber a verdade, e a moa tentava explicar-lhe que, realmente, no conhecia o Baro Wilhem vou Steinheil.

    Talvez seja um desses cinqentes barrigudos, de pernas curtas, cabea quadrada e, naturalmente; olhos claros

    disse Brigitte, fantasiando. Voc descreve um homem, vamos dizer,

    desagradvel riu Frank. E por que teria de ser de outra forma? replicou ela.

  • Minello pensou um momento, construindo mentalmente

    a figura descrita pela amiga. E soltou uma gargalhada.

    Ah, essa no! J pensou um espio, do qual se exige principalmente agilidade e um bom fsico, dono de um

    corpo assim to pouco prtico como voc acaba de descrever?

    Brigitte no resistiu e p-se tambm a rir gostasomente.

    Mandou o telegrama, Frankie? indagou, depois. Claro respondeu ele, j compenetrado. A esta

    altura, Herr von Steinheil o ter recebido.

    Na sala envidraada Minello percebeu um carregador

    com a bagagem dos passageiros. Viu que entre as malas

    estava a de Brigitte, pequena e cor-de-rosa.

    Vou ver se encaminharam bem nossas coisas disse. No se afaste, seno terei de ir sozinho a Miami, o que seria uma tristeza.

    Saindo Minello, a moa levantou-se da poltrona onde

    estava, acendeu um cigarro e disps-se a caminhar at o bar,

    na sala contgua, para rpido drink. Quando abria a porta, um homem veio vindo em sentido

    contrrio. Postou-se em frente dela, com um sorriso:

    Senhorita Montfort? indagou ele. Brigitte estudou-o de alto a baixo, para depois confirmar

    com um movimento de cabea.

    Tenho de falar-lhe continuou o homem. No disponho de tempo replicou Brigitte. Meu

    avio sai dentro do minutos.

    Ser breve, senhorita. Pois v dizendo! e ela deu um passo em direo ao

    bar.

  • Aqui, no. Tenho um carro porta retrucou ele, sem deixar de sorrir, e assinalando a sada.

    Estamos bem, l. A testa da garota se enrugou:

    Quem voc? perguntou. E de que quer falar-me?

    Confidencial o sorriso dele alargou-se um tanto mais.

    Brigitte aspirou o cigarro, impaciente:

    No irei a lugar nenhum se no disser do que se trata e no se identificar, meu caro senhor.

    Nesse caso, sou forado a revelar-lhe: basta lhe dizer que o assunto diz respeito a uma carta recebida de Miami...

    assinada pelo Baro von Steinheil?

    Brigitte hesitou, ainda. Era um tipo alto e forte, com

    modos bruscos, mas de sorriso cordial. Enfim, resolveu-se:

    Muito bem. Vamos. Dirigiram-se sada. L fora, o homem abriu a porta de

    um carro, convidando-a a entrar e acompanhando-a.

    Logo que se sentou, a moa olhou para a frente: no

    banco dianteiro, um outro se erguia, tomando posio e

    acionando o motor do carro.

    Ento, apanhou a pombinha, hem? disse o da frente.

    Cale a boca movimente isso grunhiu o outro, segurando um brao de Brigitte.

    O veculo arrancou, suavemente, enquanto a moa,

    subitamente alertada por aquela troca de palavras voltava-se

    para o lado:

    Que significa isto? exigiu.

  • Quietinha a, meu bem, se no quer perder os dentes! foi a resposta.

    Que fazer? O carro afastava-se, atingindo j as primeiras

    casas alm do aeroporto. E aqueles dois no lhe reservavam

    nada de bom.

    Brigitte chegou a maldizer-se por ter cado, to

    ingenuamente, no golpe. Mas precisava agir depressa, pois,

    se esperasse, no poderia receber ajuda de ningum. Ali,

    pelo menos, havia muitas pessoas, e policiais a poucos

    passos.

    De repente soltou o brao que o homem do lado

    segurava. Enquanto empurrava a cabea do motorista contra

    o volante, sua mo esquerda movia a alavanca da porta.

    Esta se abriu; o automvel, num ziguezague repentino,

    ajudou-a a saltar.

    No mesmo instante em que rolava no asfalto mido, o

    carro estacava e os dois homens, surpresos, apareciam de

    ambos os lados, a dez passos dela.

    Brigitte conseguiu deter o prprio movimento, em

    trambolho, batendo contra um dos carros ali estacionados.

    Viu uma pistola, o cano alongado por silenciador, na mo

    do atacante. Do outro lado, furibundo, o motorista que

    tentava cortar-lhe uma possvel fuga.

    Imediatamente, apoiando as mos no selo, impulsionou

    o corpo e protegeu-se atrs do veculo que a detivera. Da

    passou ao segundo. Uma bala, naquele instante, riscou o

    cap do automvel.

    As pessoas das proximidades acorreram. Erguendo a

    cabea, atrs dos vidros do veculo, foi imediatamente

    surpreendida com outro balao, que lhe fez esvoaar os

  • cabelos j desalinhados. Mas, com a rpida olhadela, vira o

    segundo atacante, o motorista, atravessando a rua em sua

    direo. E o atirador tambm se aproximava. Ambos

    pareciam dispostos a tudo para acabar com sua vida.

    A confuso j se estabelecia entre a gente do aeroporto,

    saindo das salas envidraadas, onde uma

    bala penetrara fazendo estilhaos. Ningum ainda

    percebera as dificuldades de Brigitte que tentava sair do

    apuro.

    O terceiro disparo, que o silenciador no deixava ouvir mas

    que o impacto da bala revelava, passou a dois dedos de seu

    nariz, quando ela fugia, agachada, para trs de outro

    automvel. Plida e espantada, ergueu-se e comeou a

    correr at o carro policial, mais adiante, de onde surgiam

    dois homens fardados.

    No dera cinco passos, quando tropeou, caindo. E, ao

    voltar-se, deu com a arma inimiga. Colou-se, junto ao meio-

    fio, entre a calada e um automvel.

    O estampido feriu seus ouvidos, mas, curiosamente,

    nada sentiu em qualquer parte do belo corpo. Nem sequer

    havia comeado a perguntar-se como era possvel a uma

    pistola munida de silenciador fazer tal rudo, quando viu seu

    perseguidor dar um passo em falso, como bbado, a cabea

    caindo-lhe sobre o peito. E logo, tombando de joelhos,

    estatelar-s na calada, enquanto um novo disparo detinha

    seu comparsa.

    S ento percebeu que Minello vinha do lado, pistola na

    mo.

    Correu para Brigitte, inclinando-se:

  • Rasgou as meias, querida? indagou sorrindo. Com a mo esquerda em seu joelho, Minello ergueu um tanto a

    saia, para verificar melhor.

    Brigitte empurrou-o, discretamente:

    Chega de conferir o rasgo da meia, seu maroto! S queria ver como estavam suas pernas!

    protestou Minello, fingindo o srio.

    Ajudou-a a erguer-se, de um modo um pouco

    inconveniente, fazendo com que Brigitte reagisse

    novamente:

    No se aproveite da situao, Frankie! Como ingrata! falou Minello. Acabei de

    salvar-lhe a vida e...

    Telefone a Miky sobre o acontecido. E que ele avise a Pitzer. Imediatamente!

    Mas... no vamos tomar o avio? A moa apontou para a pista, onde um grande Boeing

    brilhava ao sol, correndo e j elevando-se:

    L est seu avio disse. V fazer o que disse! Est bem, est bem concordou Frankie. Depois

    examinarei as meias.

    E afastou-se rpidamente, enquanto os dois policiais

    chegavam, inquisidores. Um se deteve junto ao homem que

    Minello matara; o segundo acudia o motorista ferido.

    Este homem est morto disse o policial Brigitte. Tomou-lhe um brao e ela no resistiu:

    Ter de explicar-nos esse tiroteio, irmzinha foi a ordem.

    Quarenta minutos depois chegava Pitzer, ajeitando tudo

    junto s autoridades do aeroporto. Sua entrevista com o

  • chefe do policiamento fez-se cordial e rpida, aps ter-se

    identificado.

    Tudo bem disse ele a Brigitte, afinal. Vamos evitar que a imprensa fale do caso.

    Muito bem, minha garota! falou Grogan, que acompanhava o Inspetor. Agora, para casa. E, Frank, voc retorna redao.

    Brigitte levantou-se, impaciente:

    No diga isso, caro chefe. Ns vamos a Miami! Deve estar louca! replicou Grogan. Quase

    morreu antes de sair daqui! Algum sabe de tudo!

    Por isso mesmo que vou! inflamou-se ela. Quero ter oportunidade de revidar.

    Boquiaberto e transtornado, Miky fez um gesto

    desalentado, saindo sozinho.

    Pitzer olhou interrogativo para Brigitte.

    Que diz, chefe? indagou ela. Vou ou no? Voc um agente? retorquiu ele. Sim. Ento, deixe de fazer perguntas. Todos os meus

    agentes j viram a morte de perto uma dzia de vezes. E

    continuam trabalhando! Sei que no quereria ficar limando

    as unhas no escritrio de Miky.

    * * *

    Fez uma pausa: Aqui tem as passagens para o prximo vo.

    O sorriso voltou logo ao rosto de Brigitte. Pegou os

    papis, olhando nos olhos o supercerebral Pitzer:

    Estava certo de que no desistiramos, no ? O Inspetor deu de ombros:

  • Do que estou verto de que posso confiar em voc. Frank estava feliz com o desfecho:

    Que faro com os dois homens? indagou. O que ia ao volante poder salvar-se informou o

    Inspetor. Voc no devia ter atirado para matar. Precisa aprender estas coisas, Frank.

    O rapago apontou-lhe um dedo, meio desconcertado:

    Gostaria de saber o que faria o senhor se visse um tipo qualquer a ponto de matar Brigitte.

    O esperto, mas irritvel Pitzer lanou um olhar de

    escrnio para Minello. A alegria sempre esfuziante do rapaz

    no lhe fazia bem aos nervos. Era um velho lobo

    introspectivo, quase intolerante. Sem dizer nada, deixou o

    casal, apressando o passo at o porto.

    Brigitte, caminhando tambm para a sada o avio devia partir em minutos dava instrues ao companheiro. Este, em trabalho, era srio, e sabia ouvi-la atentamente.

    J no interior do jato, afivelando os cintos para a

    decolagem, a moa concluiu as ordens entremeadas de

    explicaes:

    Espero que tenha entendido bem, Frank disse. Tudo, minha querida sorriu ele. Se me falha, nunca mais quero ver sua cara de bruto

    simptico, ouviu?

    Minha querida replicou Frank se eu falhara voc no poder ver a cara de ningum mais! Pum, Pum,

    entende? Ficar mortinha. Fez uma careta olhando-a de vis fingindo uma dor cmica no rosto: E o pobre Frank vai chorar pelo resto da vida e mais seis meses.

  • Era mesmo um agradvel palhao, e Brigitte riu com

    gosto:

    Entendo perfeitamente, meu caro. E confio em voc. Tambm, a esta altura, no tenho Outro jeito...

    O mesmo no se d comigo retrucou Minello imediatamente, srio. O chefe Grogan tem razo: voc uma louca varrida! No merece confiana.

    Por que acha? sorriu ela. Bem, j quiseram mat-la em Nova Iorque, no ? Matar-me?! No, Frank! Iam raptar-me! Frank Minello suspirou longamente:

    Est certo! Tambm notei que aquele sujeito atirava em voc com chicles de bola em lugar do chumbo! Muito

    bem, querida, voc me diz o que devo fazer e eu fao. Mas

    ainda acho que seria melhor acompanh-la ao hotel,

    guardando-a com minha pistola o meus msculos. Veja l!

    Sei que tem preocupaes por mim, Frank. Mas, sossegue. Nenhuma tragdia acontecer. Chegaremos no

    comeo da noite, com temperatura muito aconchegante... E

    tudo o que tenho a fazer entrevistar-me com o gorducho

    Wilhem Von Steinheil. Um baro que me espera.

  • CAPTULO TERCEIRO Uma rainha entre plebeus milionrios

    Recepo festiva com seqncia rpida

    No bar de um hotel de luxo pode ser visto o farol de Alexandria

    Chegando Miami, Brigitte e Frank giram desconhecer-

    se. Cada qual deveria representar sua parte no grande

    enredo, com exatido e sangue-frio, mas em termos

    independentes.

    A reprter deixou o Miami International Airpor

    compondo, para si mesma, o ar de uma secretria nova-

    iorquina em frias. Pediu ao chofer do txi:

    Eden Rock Hotel, por favor! Depressa que estou louca para dar um mergulho no mar.

    Depois de passar pela Julia Tuttle Causeway e atravessar

    as pontes sobre o Biscayne e o Indian Creek, o automvel

    atingiu a grande avenida Collins e desembarcou a esfuziante

    Brigitte na porta do luxuoso Eden Rock.

    Os empregados da recepo vieram prestimosos acolher a

    belssima nova hspede. Ela entrou como rainha no

    maravilhoso hall onde podem ser encontrados pelo menos

    dois milionrios em cada metro quadrado. Poucos daqueles

    homens que a contemplaram admirados teriam suposto que

    entre os seus provocantes seios estava pousada uma pistola

    minscula, de cabo de madreprola, aguardando

    emergncias.

    O porteiro desmanchou-se em atenes para com

    Brigitte, que escolheu apenas o melhor apartamento do

    hotel, com vista para o mar.

  • E agora disse ela enquanto cuidam de minha bagagem, gostaria que informassem o Baro Wilhem von

    Steinheil sobre minha chegada.

    O porteiro prometeu:

    Imediatamente! Imediatamente, senhorita. Mandarei um moo ao bar e...

    No preciso de nada do bar respondeu ela. S quero ver Herr von Steinheil. Mas, sem dvida, senhorita!... Todavia, Herr Baron

    encontra-se no bar, neste momento e o porteiro apontava para um dos lados do hall.

    Brigitte sorriu-lhe o melhor dos sorrisos e disse:

    Ah, sendo assim, no se preocupe. Irei eu mesma procur-lo.

    Afastou-se, como folha que uma onda do golfo do

    Mxico suavemente agitasse, dirigindo-se ao espaoso bar, que formava, com o hall do Eden Rock, quase uma s pea.

    Os hspedes viam-se cercados ali, de pequenas palmeiras,

    plantas variadas, cristais e aos cuidadosamente polidos, um

    fino aqurio com peixes dourados, trs televisores bem

    distribudos... tudo numa atmosfera moderna, bastante

    agradvel. Ao fundo uma parede deixava de existir: em

    lugar dela, abria-se em toda a extenso uma enorme porta

    corredia dando para um jardim de sonho, um terrao em

    que o sol da tarde se refletia em metais.

    E, dominando tudo, o mar, o eterno recomeado.

    Um brouhaha de vozes contidas, risos abafados, conversas civilizadas. Aquele era o ambiente ideal para

    Brigitte: conforto e discrio.

  • Von Steinheil dissera, na carta, que a conhecia de vista.

    Pois trataria de comprov-lo: postou-se numa banqueta do

    bar, sorriu para o barman, que j se deixara fascinar com

    sua presena.

    Um coquetel pediu. Imediatamente, senhorita! exclamou o rapaz, todo

    feliz, coberto pelo seu olhar azul.

    Com champanha completou ela. Perfeitamente, senhorita! Clarssimo riu Brigitte. E que seja Don

    Perignon o champanha. Adicione trs gotas de limo. Serviu-se de um cigarro, deixando o mao no balco, e

    olhou inquisitivamente para o barman, que parecia

    inconsolvel:

    Algum contratempo? indagou. O rapaz balanou as mos:

    Bem... no temos Dom Perignon, senhorita. O instinto de Brigitte disse-lhe que havia algum s suas

    costas. E no se enganou, pois uma voz masculina,

    profunda e bem timbrada, sugeriu, em perfeito ingls:

    Sirva Poulard. s vezes temos de nos contentar com as conchas, quando no h prolas.

    Ao mesmo tempo, uma forte mo tostada de sol, mo de

    gigante, aparecia ante o rosto de Brigitte. Trazia um

    isqueiro entre os dedos. E, depois de acender seu cigarro, a

    mo avanou para o mao, no balco:

    Permite-me? indagou a voz. Brigitte no se voltara. Estava pensativa, considerando a

    atitude que tomaria.

    Sirva-se disse.

  • Obrigado. As mos desapareceram de sua vista. Logo, houve um

    rudo de isqueiro acendendo-se, displicente.

    Ela pegou a taa que lhe servia o barman, ainda sem

    olhar para o homem que lhe estava s costas. Uma olhadela

    ao espelho do bar no lhe revelou a imagem do

    desconhecido, pois o barman se postara precisamente

    naquele lugar, elaborando um martini.

    Que acha do Poulard? perguntou o homem. Brigitte pensou um momento: devia ser um conquistador

    bem apessoado e empavonado; para esses, a atitude a adotar

    era a de distncia majestosa, superior.

    Don Perignon ou Poulard, d no mesmo disse, voltando-se.

    O cigarro quase caiu de seus belos dedos; seus olhos

    mostraram admirao; a boca to bem feita abriu-se com

    espanto.

    Sem dvida, era um homem raro, aquele diante de

    Brigitte. Quando menos, um metro e noventa de altura.

    Ombros largos, queixo solidamente plantado acima de um

    pescoo reto e forte, olhos e cabelos negros, tmporas um

    pouco prateadas; e os dentes bem dispostos em escala

    perfeita, mostravam-se num sorriso ameno e franco. Dele se

    desprendia um levssimo perfume. E ao perfume juntava-se

    a patente vitalidade, a energia, formando o quadro que

    encantara Brigitte:

    Voil! exclamou ela, depois de considerar tudo. O homem sorriu. Ento, as luzes que se acendiam no

    bar, com o descer da noite, pareceram danar diante dos

  • olhos dela; a banqueta em que se acomodara parecia voar numa lufada de vento.

    O surpreendente quarento tirou outro cigarro do mao,

    acendendo-o na prpria boca o lho estendeu delicadamente:

    Importa-se que eu pea o mesmo Poulard para mim? indagou.

    Oh, no! Brigitte despertava. Fez um sinal ao barman, indicando a taa de Brigitte e

    pedindo mais duas.

    Est s? perguntou, depois. Bem. .. sim, estou s redargiu ela. Posso estar certo disso? insistiu ele. Mas, claro! reafirmou Brigitte. timo limitou-se a dizer o quarento. Vestia-se todo de branco; roupas leves, de vero, sem

    gravata e sem palet, mas com um discreto leno ao

    pescoo.

    Brigitte aproveitou um momento em que no estava

    sendo observada por seus olhos negros para estudar-lhe as

    feies harmoniosas. No lhe pareciam as de um

    conquistador barato, embora fossem altamente atrativas

    para uma mulher.

    Vieram as taas; ambos provaram um pouco.

    Para dizer a verdade decidiu-se Brigitte no estou s, em Miami.

    Esperava a confisso respondeu ele. A moa titubeou, ante a franca resposta. E disse ter ali

    um encontro.

    Lamentvel considerou !e, simplesmente.

  • Talvez no seja o que pensa emendou Brigitte. Espero um senhor de cabea quadrada, pernas curtas, ventre

    rotundo...

    No vi ningum assim por aqui cortou ele, sem chegar a ser indelicado. Ajudava-a, ante os constantes

    titubeios dela.

    Chama-se Wilhem, e baro. Pode indic-lo a mim? continuou Brigitte, perdendo o embarao.

    Wilhem von Steinheil, no ? sorriu o homem, fitando-lhe os olhos azuis, como que mergulhando neles.

    Parecia divertir-se, agora. E Brigitte no gostava da

    brincadeira, embora lhe tivesse sido sumamente agradvel

    t-lo encontrado:

    Ele mesmo, senhor! confirmou, aspirando o cigarro naquela atitude superior que antes pensara adotar.

    O homem bebeu outro gole; escondendo o sorriso atrs

    da taa, disse com suavidade:

    No precisa esper-lo mais, senhorita Montfort. Von Steinheil est aqui mesmo. Sou eu.

    Von Steinheil segurou a mo de Brigitte, que

    repentinamente tremeu, quase soltando sua taa de coquetel.

    Fez com que a depositasse no balco. E olhou-a com

    ternura.

    No pode ser! gemeu Brigitte. Vejo que me imaginou um gorducho pedante, talvez

    de monculo, com uma cicatriz no rosto. O baro sorria, divertido.

    Perdoe-me conseguiu balbuciar Brigitte. Comportei-me como uma perfeita idiota, Herr Von

    Steinheil!

  • No estou aborrecido, absolutamente. Foi um prazer desfazer a idia que tinha de mim retrucou ele. Podemos ir a lugar mais discreto?

    Perfeitamente, baro! sorriu Brigitte. Conduziu-a a uma das mesas, a um canto do bar, depois

    de ordenar mais dois coquetis. Sentaram-se lado a lado,

    voltados para o terrao, meio ocultos por uma palmeira an.

    Servidos da bebida, Brigitte foi a primeira a falar:

    Quantos anos tem, Herr Von Steinheil? perguntou, sentindo-se vontade ante o franco sorriso dele.

    Cinqenta e trs foi a resposta, em voz grave. No possvel! exclamou ela. Quando muito,

    mostra quarenta!

    Ele tomou um gole:

    Oxal assim fosse! Os quarenta ficaram muito atrs. Fez uma pausa, meneando a cabea.

    Bem, recebi sua carta disse Brigitte. Quanto a um telegrama que expedi... esperava encontr-lo no

    aeroporto. Mas... houve um atraso...

    Estive l explicou o baro. No vo 701, no chegou nenhuma Brigitte Montfort. E no diga que veio

    disfarada. Eu a teria reconhecido mesmo que se disfarasse

    de homem, raspasse a cabea e tudo o mais. Qual foi o

    motivo da mudana na viagem?

    Quiseram matar-me em La Guardia. Dois sujeitos que se deram mal disse ela.

    Houve um pestanejar quase imperceptvel nos olhos

    profundamente negros que Brigitte fitava. E foi s. Nada

    mais demonstrou o baro; seu sorriso continuou o mesmo:

    Conhecia os atacantes? indagou.

  • No informou a moa. Mas sabiam quem eu era, sabiam que vinha a Miami... e que recebera uma carta

    sua.

    Von Steinheil estendeu a mo para novamente apanhar

    sua taa:

    Desconfia de mim, senhorita Montfort? No. Ento, tudo ir bem ele sorvia o champanha,

    despreocupado.

    Brigitte olhou para o terrao, onde a noite comeava a

    confundir as cores das plantas:

    Para quem trabalha, Herr von Steinheil? perguntou, direta.

    A resposta no se fez esperar:

    Para mim mesmo. E para meus amigos. No entendi bem replicou ela. um espio? No o sou, exatamente. Em sua carta, entretanto... Sem deixar de mostrar amabilidade na voz mas ficando

    srio, ele depositou a taa na mesa:

    Senhorita Montfort: eu falava dos que vivem como ns... Talvez devesse ter-lhe escrito usando

    o tempo passado. Fui um espio, h algum tempo. Trabalhei

    para a Abwehr1. Sou e serei sempre um alemo; minha

    ficha: Comandante Wilhem von Steinheil, servindo na

    Abwehr durante a Segunda Guerra, com servios especiais

    1 ABWRHR: servio secreto militar alemo. NA

  • no Norte da frica, e posteriormente em toda a Europa.

    Meus inimigos me conheciam por Alexandria. Brigitte estava completamente perturbada com aquelas

    revelaes.

    Alexandria! exclamou. Ouviu falar de mim? indagou ele. Vi um relatrio do MI.5 britnico, certa vez, com

    algo sobre Alexandria disse a moa. Li que dominava todo o Norte da frica, onde o prprio declarante

    servira durante a Guerra. No entanto... Bem, vou acreditar,

    Herr von Steinheil.

    O baro acariciou-lhe a mo que segurava a taa.

    Ambos sorriram, francos.

    maravilhosamente amvel, senhorita Montfort agradeceu Von Steinheil. Penso que foi graas a esse mesmo agente do MI.5, o do seu relatrio, que o nome

    Alexandria ficou conhecido no Ocidente. Este ingls foi o adversrio mais inteligente que enfrentei em toda a minha

    carreira. Hoje vive em Londres, e de vez em quando nos

    vemos. J no h dio, apesar das diferenas. A admirao

    entre ns mtua, embora queiramos sempre dissimular.

    Mike , realmente, um grande sujeito. Devido a certos fatos,

    porm, nunca pudemos conversar como amigos.

    Mike? fez Brigitte. Mike do qu? Somente Mike sorriu Alexandria. Mas,

    estamos falando de outros tempos, de outras pessoas. A

    senhorita confia mesmo em mim?

    No posso deixar de confiar, diante de sua franqueza confessou ela.

  • Sim, sim. No estamos em guerra. Se estivssemos, j lhe teria cortado a linda garganta. Houve um brilho nos olhos do baro, que a olhava como se lhe adivinhasse os

    pensamentos. Mas estamos em paz. A Alemanha perdeu a guerra. Os vencedores ajudaram imediatamente a reerguer

    tudo. No posso esquec-lo, senhorita Montfort: o milagre alemo no teria acontecido, no fosse o auxlio americano.

    Compreendo-o Herr Von Stein... Chame-me Alexandria cortou ele, sorridente. Entendo o que sente, Alexandria tornou ela.

    Mas, aqui, no teme represlias? Afinal, foi um espio...

    ... que prejudicou os aliados completou Alexandria. Sim, possvel que algum queira vingar-se. Mas os meus antigos inimigos so poucos; a maioria foi

    vtima da prpria guerra ou ento desapareceu depois.

    Entretanto, creio que ningum mais me conhece como

    Alexandria, e menos ainda na Amrica. Quanto senhorita, estou certo do que nada far contra mim.

    Primeiro, porque tenho algo de que foi encarregada de

    apossar-se. Segundo, porque lhe dei oportunidade de sair do

    dia-a-dia nova-iorquino, acenando-lhe com a aventura, da

    qual sei que gosta muito. Logo, afirmar que nunca viu

    Alexandrina em parte alguma, e muito menos em Miami. Estou mesmo convencendo-me de que voc faz

    amizade com seus inimigos, se eles a merecem confessou Brigitte.

    No somos inimigos, senhorita Montfort retrucou ele.

  • Gostaria que me chamasse Brigitte, simplesmente, Alexandria.

    Obrigado... Brigitte o nome pareceu tomar um significado especial, to profunda era a voz que o

    pronunciava. Havia qualquer tom de venerao na voz de

    Alexandria, ao diz-lo. Brigitte sorriu-lhe com mais cordialidade; estava

    totalmente conquistada por aquele homem incomum.

    Estamos de acordo disse. No vi nenhum Alexandria em Miami, nem voc viu Brigitte Montfort. Esqueceremos tudo, to logo tenhamos chegado ao fim de

    nossa negociao. Ou no se trata de negociar,

    Alexandria? Deixemos para depois, Brigitte respondeu ele.

    Teremos tempo. Alm do mais, preciso aproveitar ao

    mximo estes momentos. Estou conhecendo a famosa filha

    de Giselle Montfort, a belssima e inteligente Brigitte.

    A jovem reprter fez um doce ar encabulado que

    enterneceu Alexandria. Num gesto muito sincero ele tomou-lhe as duas pequenas mos entre as suas, fortes e

    quentes, para um carinho melhor.

    Naquele momento, entrava no hotel o agente Minello.

    Enquanto seguia os movimentos do companheiro, que

    assinava o livro de hspedes e desaparecia num elevador,

    no hall, Brigitte sentiu-se estremecer: Alexandria lhe beijava as mos de moradamente.

    Ele notou o estremecimento, e sorriu:

    Aceita outro coquetel, Brigitte? No, obrigada ela retirou as mos um tanto

    confusa. Fez uma pausa, indagando depois,

  • inesperadamente: Quando conheceu minha me, Alexandria?

    Em Paris, Rue du Bac explicou ele. Ela no me conheceu, se o que quer saber. Himmler requisitou meus

    servios, tirando-me do Oriente por algum tempo. claro

    que a Gestapo nada tinha a ver com a Abwehr, mas no

    pude deixar de atender chamada. Fui a Paris e recebi

    ordens de vigiar uma mulher chamada Giselle Montfort, na

    Rue du Bac. Era suspeita de cumplicidade com o maquis

    francs Paul Zing. Uma espi. Descobri o que fazia: reunia

    oficiais alemes e mulheres francesas. Desprezei os oficiais

    da Gestapo que ali compareciam, to arrogantes e

    poderosos. Quase me convenci de que Giselle praticava a

    espionagem. No gostei nada de seus modos que... perdoe-

    me se a ofendo, no me pareceram corretos.

    Que fez, ento? indagou Brigitte, sria. Fui falar com Himmler. Delatou minha me? Brigitte impacientou-se. Ele moveu negativamente a cabea:

    No tinha certeza disse. E mesmo que a tivesse, creio que s chegaria mesmo a fazer o que fiz: pedi a

    Himmler que me transferisse imediatamente para meu

    antigo campo de operaes. E vi minha solicitao atendida.

    O general no lhe exigiu explicaes?

    Nenhuma respondeu Alexandria. Meu nome j significava alguma coisa. Meus pedidos no eram

    contestados. Fez uma careta, suspirou: Da a algum tempo, soube que havia sido fuzilada em Cherche Midi.

    Lamentei o fato, de certo modo. Mas sua me parecia viver

  • buscando aquilo. Fez tudo por uma causa. Por sua ptria.

    Arriscou-se, era natural.

    Brigitte permaneceu em silencio, olhando para o terrao

    que a noite invadira de todo. Sria e meditativa, quando se

    voltou novamente para o companheiro do mesa conseguiu

    sorrir:

    E como me encontrou, Alexandria? Bem, hoje em dia no me dedico espionagem,

    oficialmente explicou. Mas um homem como eu se aborrece em viver apenas da sua riqueza. Dedico-me a

    percorrer a Europa, descobrindo agentes de todo tipo,

    presenciando suas lutas, vitrias, fracassos. Gasto meu

    dinheiro, fao investimentos neste tipo de atividade. Mas,

    no se esquea de que tudo que lhe conto absolutamente

    confidencial, querida.

    assombroso, na verdade! exclamou ela. E, que acha dos espies da atualidade?

    Trabalham bem, especialmente Brigitte Montfort disse Alexandria.

    Isso vai me deixar pretensiosa, mas agradeo- lhe o elogio.

    Houve uma pausa. Ambos estavam satisfeitos um com o

    outro: Brigitte porque encontrara um homem extraordinrio,

    varonil. Alexandria, porque conseguia viver o momento esperado: um quarto de hora de eternidade com Brigitte!

    No quer ainda falar de negcios, Alexandria? perguntou ela, depois. Que que desejava vender?

    No falei em vender, precisamente.. Usei a palavra ceder, na carta. E se fossem teis, os planos, para a

  • Alemanha, no os cederia aos americanos. Alm disso, no

    depende inteiramente de mim a cesso.

    De quem depende? quis saber Brigitte. De um amigo meu; alemo oriental. Seu nome

    Grtner.

    E os planos esto l, na Alemanha Comunista? No me entendeu, Brigitte explicou ele. Quis

    dizer que Otto ficou na parte oriental. Mas jamais esqueo

    os amigos. Otto me fez chegar uma carta, pedindo que o

    ajudasse a sair de l.

    Sabia que voc...? Sim, ele sabia que servi na Abwehr e tudo o mais.

    Confiou em mim tanto quanto confio nele, em nome de uma

    velha amizade. E agora, Otto est aqui, neste hotel.

    Brigitte estava surpresa:

    No houve contratempo, em tudo isso? perguntou. At que no foi difcil disse Alexandria,

    pensativo. Otto est na sute 828. A minha fica em frente... 817, exatamente, para o caso de interessar-lhe.

    E... quem est com os planos? Ele, naturalmente, pois o dono sorriu

    Alexandria. Foi Otto quem desenhou e inventou tudo. proprietrio exclusivo.

    De que se trata? Engenho espacial respondeu ele. Otto trabalhou

    na Alemanha, na Romnia, na Rssia. Ficou de l para c

    durante alguns anos, sempre dedicado ao projeto.

    Brigitte pareceu decepcionada. No era o que esperava:

    No me diga que pode chegar Lua! disse. Ao contrrio replicou Alexandria, srio.

  • O engenho de Otto pode ficar descrevendo rbitas por muito tempo. Mas, a importncia dele reside numa

    particularidade: capaz de localizar qualquer satlite, segui-

    lo e... derrub-lo no momento que se quiser. Seu nome

    Kamikaze.

    Voil! Parece mais interessante, agora! exclamou ela.

    Se Otto afirma, rode acredit-lo tornou Alexandria.

    Brigitte pensou um pouco. O sorriso desapareceu de seu

    lindo rosto; uma leve ruga transtornou a testa sedosa:

    Se... se algum pas quiser, com isto... disse, pensativa. Sim, qualquer satlite tripulado estaria em perigo!

    Um tanto nervosa, Brigitte levou um cigarro aos lbios.

    Depois de Alexandria t-lo acendido, ela perscrutou-lhe os olhos:

    Isso no uma farsa, ? No , e voc sabe respondeu o baro, incisivo.

    O invento segredo, saiba tambm disso. At agora, s

    Otto, voc e eu tomamos conhecimento dele. Em mos

    inescrupulosas, ser uma arma terrvel. O possuidor abriria

    caminho para dominar o espao. Se, por exemplo, os

    Estados Unidos comeassem a perder homens e cpsulas,

    no esforo para chegar Lua e a Marte, quem poderia saber

    que estariam sendo destrudos em rbita? Em poucos anos,

    ento, um dono do Kamikaze de Otto Grtner, se no tivesse

    escrpulos, dominaria o cosmo. E creio que voc j

    entendeu, no?

  • Brigitte assentiu com a cabea, plida, quase no crendo

    no que ouvia. E pensar que Grogan havia ironizado,

    perguntando se Von Steinheil no lhes estaria querendo

    vender os planos das obsoletas V-2?

    Aquilo se mostrava particularmente srio. Quase

    incrvel, at que Otto Grtner demonstrasse o contrrio.

    Bem, Alexandria. . comeou Brigitte, depois de um suspiro prolongado. De quem foi a idia de ceder os planos Amrica?

    Minha confessou ele. Foi a condio que impus para trazer Otto para o lado de c da Cortina, e depois para

    fora da Europa, onde o perigo comeou a ser maior.

    Naquele momento, Frank Minello apareceu no bar.

    Estando voltada para a entrada, descortinando o balco do

    bar e o hall, Brigitte viu-o sentar-se e pedir bebida. Atravs

    das folhas da palmeira an que ficava atrs de Alexandria, seus olhos azuis perceberam a calma que havia no sorriso

    do atltico agente, no espelho um pouco inclinado do bar.

    E quanto pedem por esse engenho espacial Alexandria? indagou ao companheiro de mesa.

    O alemo, que fazia balanar um resto de champanha de

    sua taa, meditativo, ergueu os olhos. Tinha o cenho

    subitamente franzido. Olhou demoradamente para Brigitte,

    fazendo por fim o gesto de quem ia levantar-se:

    Lamento hav-la feito perder tempo, senhorita Montfort disse.

    Brigitte tomou-lhe a mo sobre a mesa. Estava

    surpreendida com a reao:

    Espere! pediu. No me entendeu bem e... Desculpe-me, por favor.

  • Alexandria tornou a sorrir o sorriso franco de antes. Lentamente, reacomodou-se na cadeira, mas naquele

    momento um rapaz do hotel se aproximava:

    Senhor Von Steinheil? Sim respondeu ele Que h? H um cavalheiro que quer v-lo no hall informou

    o rapaz.

    Quem ? No me disse o nome, senhor. Alexandria mostrou descontentamento, mas

    respondeu:

    Bem, j irei e despachou o rapaz. Tenha cuidado, Alexandria avisou Brigitte.

    Foi assim que comeou meu tropeo em La Guardia.

    Von Steinheil sorriu amplamente:

    Tomarei cuidado, no se assuste. disse. Mas acontece que, quando algum me localiza, no costumo

    descansar enquanto no o conheo. Sempre tive por norma

    essa... convenincia, depois da guerra. Fique aqui: depois

    que eu voltar, iremos falar com Otto. Concorda?

    Ela fez que sim.

    Alexandria deixou o bar. Imediatamente, Brigitte retirou da bolsa uma pequenssima caneta, pondo-se a

    escrever algo em vermelho, no mao de cigarros: Von Steinheil esse. H outro, Otto Grtner, no 828, do qual

    voc deve ocupar-se. Deixe o baro comigo. Atravs dos ramos da palmeira, que Von Steinheil fizera

    balanarem-se ao levantar-se, trocou um olhar com Frank

    Minello. Este, sem tirar dos lbios o seu wiskey on the

  • rocks, seguiu o movimento dela, que deixava junto da taa o

    mao de cigarros.

    Em seguida, Brigitte saiu do bar, atravessou o hall,

    procurando Von Steinheil com os olhos. No o vendo, foi

    porta.

    Localizou-o ento, frente de um homem que

    conservava uma das mos metida no bolso do palet azul-

    claro. Tal homem demonstrava certa impacincia, e

    terminou entrando num carro com Vou Steinheil.

    Imediatamente, o automvel arrancou, fazendo uma curva e

    subindo a Avenida Collins.

    Brigitte no perdeu um segundo: fez sinal a um txi,

    entrou e apontou para o carro em que seguia o baro:

    Cem dlares se no o perder de vista, chofer disse. Cem dlares! exclamou o homem. Pode deixar,

    lindeza. No o perderemos. Nem que v at o inferno!

    E partiram rpidos, sob os luminosos coloridos,

    enquanto Brigitte, com uma apalpadela, verificava se a

    pequena pistola estava firme, no devido lugar. Satisfez-se:

    sentiu a arma sob os dedos, entre os seios.

  • CAPTULO QUARTO H mais coisas entre um saguo de hotel de luxo e seus apartamentos

    do que poderia cogitar nossa v filosofia

    Quando se torna importante conhecer o perfume da caa e seguir a sua

    trilha

    A ordem descumprida talvez provoque uma nova ordem de idias.

    Enquanto isso, no bar, Frank Minello fazia o possvel

    para mostrar-se natural e despreocupado. Chegou a olhar

    para a ruiva que, na mesa em fronte, fazia olhares e

    levantava-se para um desfile sedutor. Pernas bonitas tinha o

    diabo da ruiva!

    Frank sorveu tranqilamente o ultimo gole do seu

    usque, sem deixar de seguir os movimentos sinuosos dessa

    garota de cabelos de fogo que parecia querer pux-lo para o

    inferno. Mas no perdia de vista, tampouco, o mao de

    cigarros deixado por Brigitte sobre a mesa do canto.

    Depois que a ruiva desapareceu no hall, bamboleante,

    Frank levantou-se e dirigiu-se at a abertura que dava para o

    jardim semi-obscurecido. Postando-se despreocupadamente

    ao lado da mesa que a jovem reprter estivera antes

    ocupando com Von Steinheil, avanou a mo e pegou o

    mao de cigarros onde estava escrita a mensagem. Leu-a

    com naturalidade, sem despertar qualquer suspeita. Depois,

    guardou-a no bolso e foi para o hall.

    A ruiva l estava, espera do elevador.

    Naquele momento abriram-se as portas e o cabineiro

    anunciou:

    Vai subir. Frank e a ruiva deram entrada na cabina.

  • Oitavo andar, por favor indicou a mulher. Stimo pediu Minello. Era certo que ele tambm ia para o oitavo, mas devia

    tomar toda.s as precaues, pois o trabalho comeara.

    Durante a subida, lanou olhares bonita ruiva, no

    tendo ela, entretanto, voltado a lhe sorrir. Parecia ler algo

    num embrulho que levava.

    Saiu do elevador no stimo piso, correndo logo escada

    acima. Chegou ao oitavo a ponto de ver a mulher

    procurando uma das portas.

    Esperou, oculto. Depois que ela entrasse em algum dos

    apartamentos, trataria de procurar o 828 do al Grtner. Se

    ela o visse ali, certamente pensaria que estava sendo

    seguida como... mulher. E Frank no devia preocupar-se

    seno com Grtner.

    Ao ouvir abrir-se uma porta, ele avanou a cabea. Teve

    tempo de perceber, na porta que a mulher abria, o nmero

    828; nem mais nem menos do que aquele indicado por

    Brigitte.

    Muito, mas muito bem mesmo! pensou Minello. Nosso amigo sabe escolher seus passa- tempos. Um pouco decepcionado, voltou para a esquina do corredor

    atapetado. L dentro podia acontecer o que fosse, mas no

    haveria de perder de vista a porta. Esperaria o tempo que

    fosse preciso, at que Brigitte lhe desse novas instrues.

  • O SEQESTRADO

    Alexandria olhou para o nmero da casa na qual o faziam entrar os dois homens, sob a mira do pistolas com

    silenciadores: era o 280 de Bayshore Drive.

    Sentiu uma estocada sob a espdua:

    Entre! ordenou o mais prximo, que no entanto permanecia a uma distncia conveniente, como se soubesse

    com quem tratava.

    Passou pelo porto do jardim.

    E agora? perguntou. Caminhe para a casa foi a resposta rouca.

    Ralph, v adiante e abra a porta... sem descuidos!

    O segundo homem, que viera ao volante, pareceu

    desprezar o alemo:

    Para que tanta mincia, Orville? riu. Faa o que digo! replicou secamente o primeiro. Ralph passou ao lado de Alexandria, a dois metros.

    Abriu a porta e acendeu as luzes da casa.

    A um novo empurro da arma, o alemo avanou,

    entrando numa sala. Ralph cerrou a porta, enquanto Orville

    indicava um sof ao alemo. Este sentou-se, paciente:

    Posso fumar? indagou. Fume. Obrigado sorriu Alexandria. Mas no tente fazer bobagens. O sorriso alargou-se no rosto do alemo:

    Nunca fao bobagens disse.

  • Sua mo, ao acender o cigarro, estava firmo. No se

    enervara nem mesmo quando Orville o apanhara no Eden Rock, metendo-lhe a pistola nos rins. Olhava alternadamente para os dois captores e, apesar do sorriso

    dos lbios, seus olhos negros pareciam gelados. No fizera

    perguntas, no se irritara nem mostrara surpresa. Havia

    aceitado, simplesmente, os fatos. Talvez por tudo isso o tal

    Ralph no se sentisse bem, ao dar com aqueles olhos frios.

    Orville fez sinal ao outro para que cuidasse do

    prisioneiro, indo at um consolo onde havia um telefone.

    Sabe, amigo? disse Ralph. Jamais tropecei num sujeito to tranqilo como voc. No pergunta o que vai

    acontecer?

    Alexandria, de pernas cruzadas e fumando como se nada houvesse, apenas dignou-se dar-lhe uma olhadela. E

    Ralph teve a sensao bastante desagradvel de ser nada

    mais que um rato:

    Essa atitude idiota no vai adiantar-lhe disse. Conheci um sujeito que pensava ser...

    Cale a boca, Ralph! ordenou Orville. Ele obedeceu.

    Orville achou um papel no bolso: discou, esperou um

    momento, para logo animar-se:

    Margo? perguntou. Sim, tudo est bem. Temos a caa.

    ... Nada, nada: um sujeito compreensivo. ... De acordo; est bem. No o perderemos de vista nem

    um segundo. At logo.

  • No desligou o telefone; deixou o receptor voltado para

    o sof onde estava Alexandria, depois de manuse-lo um pouco.

    Caminhou depois para uma poltrona e sentou-se, ficando

    a olhar Alexandria enquanto acendia um cigarro: Percebe a situao, Von Steinheil? indagou. No me importa respondeu o alemo. No sente curiosidade? insistiu Orville. Muito pouca. Estou esperando que me expliquem ...

    se quiserem.

    Foi tudo to fcil suspirou Orville. Tem certeza de que Wilhem Von Steinheil?

    Absoluta, carssimo respondeu Alexandria. No sofro de amnsia nem costumo usar o nome alheio.

    O outro encolheu os ombros:

    Est bem disse. No creio que far diferena. Tudo sair bem.

    Para quem? Para vocs? perguntou Alexandria. Claro! Mas VOU dizer-lhe o que acontece, Steinheil. Von Steinheil corrigiu o alemo. Que diferena faz? Para mim, muita retrucou o outro, sereno. V l, est bem. Mas vamos ao assunto: voc chegou

    a Miami com... com um tal Otto Grtner, o qual escapou da

    zona sovitica da Alemanha. Correto?

    Correto Alexandria aspirou o cigarro. Otto no devia fazer aquilo continuou Orville.

    A fuga, em si, no nos importou, mas...

    Ns? Voc do lado de l? indagou o alemo.

  • No precisamente foi a resposta. Aqui, somos Orville Wallen e Ralph Plasman.

    Russos? Tem boa agudeza mental, baro! exclamou o

    outro. possvel que sejamos russos e possvel que no. Mas, voltando ao que interessa: a fuga de Otto no

    teria importncia, caso fosse ele um homem... comum.

    E no ? Alexandria desfazia-se do cigarro amassando-o num cinzeiro dourado.

    De modo nenhum respondeu Orville. E voc sabe disso, baro. Ns, alis, sempre o tivemos vigiado.

    No sei como conseguiu fugir. No entanto, aqui est, em

    Miami. Justamente quando comevamos a ficar

    interessados em seu trabalho.

    Fez uma pausa, voltando a encarar o impassvel prisioneiro: Como conseguiu tir-lo de l?

    Alexandria sorria, satisfeito: Segredo profissional... Wallen. Entendo, entendo sorriu tambm Orville. Confesso que no foi fcil localizar Otto Grtner,

    depois da fuga. No entanto, era preciso, pois a publicidade

    foi demais, em torno do caso. Aquilo cheirou a

    despistamento: com a publicidade e a falta de vigilncia

    quanto a Otto, que passeava na Europa, despreocupado...

    com isso vocs quiseram fazer-nos crer que o homem era

    uma pessoa comum, como tantos. Mas Otto trabalhava num

    projeto muitssimo importante. E quando o caamos, voc o

    trouxe para c. Haviam decidido entregar certos pianos a

    este pas. Estou errado em algo, Herr Von Steinheil?

  • Alexandria descruzou as pernas, recostando-se no sof:

    No respondeu. Felicito-o. Muito amvel. Ralph, ao lado, sorriu com uma

    careta de desprezo.

    Realmente continuou Orville. E, por fim, chegamos ao ponto: sabemos que Otto Grtner tem certos

    planos, baro. Pois bem, ns queremos os papis.

    E eu, que tenho com isso? falou Alexandria, irnico. Otto o dono. Peam a ele, no a mim.

    Orville Wallen sorriu, assentindo:

    o que certa pessoa est fazendo, neste momento disse. E Otto vai entreg-los, em troca da vida do amigo Vou Steinheil... Ou no so amigos?

    Sim, somos amigos h mais de trinta anos confirmou Alexandria, sem pestanejar, embora a notcia o tivesse atingido como um coice.

    Ento, esperemos que Otto Grtner no-los entregue. Ele por certo saber que no estamos brincando. Queremos

    evitar mortes desnecessrias, mas no vacilaremos. Tudo

    claro?

    Acho que sim... Wallen concordou Alexandria com gelo na voz.

    Creio que no haver resistncia, no mesmo? sorriu o captor.

    No sei tomou o alemo. Bem, bem... Vamos esperar pela deciso de Oito.

    Fique vontade, Herr Baron.

    Orville Wallen levantou-se, foi at o telefone ligado:

  • s, Herr Grtner. At logo disse, repondo o aparelho e desligando.

    Caminhou depois para um canto, onde havia um

    pequeno bar, servindo-se de usque com soda:

    sua sade, Herr Von Steinheil ergueu o copo. Que sua vida no tenha de ser cortada esta noite.

    828: UMA VSITA

    No apartamento 828 do Eden Rock, um homem de sessenta anos, magro mas de boa aparncia, olhou para a

    linda ruiva que lhe sorria estranhamente. Desligou o

    telefone, cabisbaixo e preocupado.

    Que achou, Herr Grtner? perguntou a bela mulher. Acredita em mim, agora? Creio que tudo est bem, no?

    Otto Grtner, que acabara de ouvir a conversa entre seu

    amigo Wilhem Von Steinheil e o homem chamado Orville

    Wallen, parecia derrotado:

    Est certo disse, num impulso dar-lhe-ei os planos.

    E um minuto depois, Frank Minello viu sair a ruiva.

    Captou um sorriso feliz no rosto dela, enquanto premia o

    boto, chamando o elevador.

    Frank, oculto na esquina do corredor, tomou uma

    deciso repentina e, silencioso, desceu.

    Brigitte lhe ordenara que vigiasse Grtner, mas o

    homem podia ser encontrado quando quisessem, no 828. E

    aquela ruiva, que funo teria ela? Seria uma simples

  • aventura? Se Otto fosse casado, certamente que Brigitte lhe

    teria comunicado. Depois, o sorriso que ela revelava,

    olhando para a bolsa, ao sair, talvez pudesse significar

    alguma coisa de importante. E se acaso ela desaparecesse de

    vista, sendo pea indispensvel?

    Tudo passava como relmpago na mente de Minello,

    enquanto abalava escada abaixo.

    Quando a bela e sedutora ruiva desceu do elevador, no

    hall, l estava o agente Frank Minello, recostado porta de

    sada. Ela olhou ao redor, como se desse pouca ateno aos

    circunstantes.

    Frank desceu rua, displicente. Chamou um txi:

    Aonde vamos? perguntou o motorista. Espere um momento disse ele. No se enganava na manobra: a ruiva logo apareceu. E,

    porta, deteve-se por um segundo junto de um homem.

    Minello no pode certificar-se sobre o que se falavam, mas

    tudo indicava urgncia.

    Logo o homem entrou no hotel, enquanto ela prpria

    saa, distanciando-se a p.

    Siga aquela ruiva disse Frank. Ela caminhou pouco. Na esquina da Av. Collins com a

    Rua 27, meteu-se num conversvel, tomou o volante e partiu

    tranquilamente.

    E agora, sigo o carro? indagou o motorista a. Frank.

    Claro sorriu o agente.

  • 828: DESOCUPADO

    Brigitte, s dez e meia daquela noite, estava no bar do

    Eden Rock sentada no balco, quando Frank regressou. Ele aproximou-se:

    Whisky, on the rocks pediu ao barman. Olhou para a colega tal qual o faria um desconhecido

    admirado de ver tal beleza:

    Permite-me convid-la senhorita? J estou bebendo respondeu Brigitte num tom

    indiferente. Obrigada. Beba comigo tornou ele, insistente. Bebi o que pretendia, e ainda tenho um copo, senhor

    insistiu ela no jogo. Eu pago sorriu Minello. Ento?... O rapaz trouxe o coquetel, olhando para ele com uma

    careta; o fregus molestava a bela garota era evidente. No aceito, senhor continuava Brigitte. Um cigarro? persistia o jovem fingindo o

    conquistador. Ora, vamos, aceite um! O barman afastou-se, decepcionado, quando Brigitte

    aceitou o cigarro sob um sorriso triunfante do falso Don

    Juan.

    Onde esteve? indagou ela, enquanto Frank lhe acendia o cigarro. Parecia zangada, porm.

    Seguindo uma ruiva deliciosa respondeu ele. No to linda quanto voc, mas...

    Frank! protestou ela.

  • Calma, calma! explicou o agente. No tive interesse pessoal. O caso que a tal ruiva esteve em visita

    ao nosso Grtner.

    At onde seguiu? At Palmetto Motel, mero 22 da Rua Palmetto,

    Coconut Grove. A garota ficou na casinha 12 esmiuou ele.

    E o nome dela, carssimo? interessou-se a colega. Basta perguntar a Otto Grtner, no acha? riu

    Frank

    Brigitte no gostou. Meneava a cabea, suspirando:

    No se pode perguntar. O fato que Otto no est mais vista.

    Minello desmoronou, ante a notcia:

    Mas, se eu o deixei no apartamento... Voc s vezes tem tiradas idiotas, meu bom Frank!

    Quando foi isso?

    Meia hora atrs, pouco mais. Pois no est no apartamento, em no bar, nem na

    piscina, nem no jardim... Ora, em lugar nenhum, aqui! ela mastigava as palavras No h nenhum baixinho, magro, de sessenta anos! No sei por que trouxe voc,

    Frank.

    Porque me ama sorriu ele. Mas, acalme-se. Acalmar-me?! replicou Brigitte. Tudo cheira a

    uma bela armadilha! Ah, se pudesse falar

    com Von Steinheil!

    No pode? admirou-se Frank.

  • Levaram-no! Eram dois. E entraram numa casa de praia, a 280 de Bayshore Drive. Comprovado: o baro se

    foi.

    Diabos! exclamou ele. Brigitte ficou pensativa, fumando, durante algum tempo.

    Quiseram matar-me em Nova Iorque disse, depois. E creio que a armadilha de agora para mim, tambm. Certamente Von Steinheil sabe que eu o segui. Entretanto,

    no responsvel por coisa alguma, est visto, pois foi...

    seqestrado.

    Seqestrado! espantou-se Frank. Que classe de homem ele?

    Daqueles que merecem ajuda. Voc deve sair daqui e esperar-me diante do 170 da Bayshore Drive.

    No disse 250, agora mesmo?! estranhou ele. No amole. V para l! ordenou Brigitte. Pela primeira vez, Frank Minello deixou um copo pela

    metade: o assunto se tornava srio, e mais srio ainda o

    rosto de Brigitte.

  • CAPTULO QUINTO Uma faca na escurido

    Campo de batalha tranqilo, inimigos intranqilos

    Reminiscncias de velhas operaes

    Onde se v que a malcia de uma raposa s morre com a prpria raposa.

    No discreto chal do Palmetto Motel, lugar tranqilo, para descansos de velhos casais em frias ou empolgaes

    de jovens namorados, reuniam-se, naquela noite, trs

    diferentes personagens, muito pouco adequados ao cenrio:

    Margo Sanderson, a ruiva bamboleanto que desfilara

    perante Frank Minello no Eden Rock. Earl Brown, um cara de patife.

    Stephen Cozza, troncudo guarda-costas, homem para

    bofetes.

    Os tipos no condiziam com suas personalidades. Juntos

    ali, procuravam vidamente decifrar papis importantes,

    algumas plantas e frmulas de alta indagao cientfica.

    Parecem -complicados demais para mim, Margo! disse Earl, tirando os olhos das estranhas garatujas escritas

    nos documentos. E voc, Stephen, que acha? No tenho a menor idia do que possa significar isso!

    respondeu o outro, amuado. Por qu? perguntou Earl. Viemos apenas

    apanhar isso, e j o temos. Quanto a Grtner...

    O velho deixou o Eden Rock informou a mulher. Eu tinha postado l o Band, vigiando-o. Ele o

    seguiu. Informou que no levava malas nem nada. Apenas

    deixou o hotel.

  • Earl Brown deu uns passes pela saleta. Era um homem

    de aparncia tranqila, sempre pensativo:

    Precisamos comunicar-nos com Hair e Bowden, em Nova Iorque. Ser que conseguiram desfazer-se da bela

    jornalista?

    No vejo por que no replicou Margo, fumando, satisfeita. Mas no vale o risco, para eles, de se comunicarem conosco. Logo voltaro. No se esquea que

    Hair, Bowden, Plasman e Wallen residem -nos Estados

    Unidos e sabem se mover melhor do que ns, aqui.

    Os dois homens aprestaram-se para sair:

    Que fazemos, Stephen e eu? perguntou Bari. Fiquem aqui, comigo ordenou Margo. Esperando o qu? Naquele momento soou o telefone. Margo deixou de

    responder pergunta para atender chamada:

    Pronto. Oh, alo, Arnold! Que h de novo? Houve uma pausa, depois do que ela tornou:

    Est bem, continue vigiando. Se voltar a sair, siga-o. Especialmente se levar bagagem ou qualquer coisa.

    Olhando depois para os dois homens, ela sorriu:

    Otto Grtner comprou passagem area num escritrio do Biscayne Boulevard. Decerto saiu do hotel para que

    ningum saiba que pretende viajar, pois lhe bastaria um

    telefonema portaria para obter a passagem. Nosso cientista

    parece seriamente inquieto.

    Sem motivos, claro! riu Stephen, acompanhando a ruiva. E quanto a Von Steinheil?

  • Esperaremos disse Margo, ainda reprimindo o riso goza-dor. Primeiro precisaremos descobrir o que far Otto Grtner.

    Wallen e Plasman devem estar impacientes, Margo ponderou Stephen.

    Vou telefonar-lhes. Precisam ficar tranqilos, para que no estraguem tudo. No h pressa, todos os trunfos

    esto conosco.

    E sorrindo, Margo Sanderson ergueu o telefone,

    discando para Orville Wallen. Este atendeu, na casinha 280,

    onde mantinham, ele e Ralph Plasman, o prisioneiro

    Wilhem Von Steinheil.

    Tudo corre otimamente, caro Wallen disse Margo. O seu homem, como est? Seguiu-se uma pausa. Frio, hem! exclamou Margo, em seguida.

    No outro lado da linha, Orville informava:

    O mais frio que j vi. Fumou, pediu um trago de usque, e foi tudo. Parece que est esperando algo. No se

    alterou nem por um segundo. Que fazemos, Margo?

    Nova pausa.

    Est bem, esperaremos, Margo concordou Orville. Desligou o aparelho, voltando-se para Alexandria: Observe s como ela se interessa por voc, Steinheil.

    Voc devia agradecer-lhe, pois uma linda mulher.

    Agradecer tambm pela ordem de execuo? indagou Alexandria, irnico.

    Wallen olhou consternado para Ralph Plasman. Tornou

    ao prisioneiro, sorrindo:

    Pensa mesmo que vamos mat-lo, alemo?

  • Alexandria depositou o copo de usque sobre a mesinha ao lado, acendeu um cigarro, cruzou as pernas,

    cruzou s braos... e sorria sempre cora demonaca frieza:

    Ora, meu caro, voc pensa que sou idiota? Foi uma sua amiga quem chamou... para dizer que tudo estava

    correndo bem, que j se apoderou dos planos de Grtner e

    que vocs deviam cuidar de mim, mais seriamente, daqui a

    algumas horas. Estou certo? Ou eu devia crer que iria ser

    solto sem mais nem menos, para juntar-me a Grtner?

    Plasman ria nervoso, apontando-lhe a pistola:

    Voc realmente um homem esperto, Steinheil disse.

    Von Steinheil! corrigiu Alexandria. - E voc devia saber, Plasman, que a palavra baro se coloca antes de

    meu nome.

    Orvilie Wallen riu gostosamente:

    E orgulhoso, o gajo! exclamou. H anos, na Rssia, os de sua classe passaram por maus bocados,

    Steinheil.

    Conheo a histria russa, mujique respondeu Alexandria.

    Plasman comeou a rir novamente, mas um olhar duro

    do comparsa f-lo calar-se. Wallen, soltando um grunhido,

    dirigiu-se ao bar, num canto da sala:

    No me convida para mais um trago? indagou Alexandria, sorrindo.

    Pea-o por favor, Herr Baron Von Steinheil ele soletrou sardonicamente todo o nome.

    E por que no? tornou o alemo. Seu sorriso estava mais gelado, ao solicitar: Pode servir-me um

  • trago, mister Wallen? foi sua vez de soletrar o nome do outro.

    Orville no se deu por achado, entretanto:

    J est bem melhor, bem mais democrtico disse. ... no seu ponto de vista completou Alexandria. Quando Orville, contrafeito, depositava o copo de

    bebida sobre a mesinha, sem se aproximar demais do

    prisioneiro, algum bateu porta. Ele trocou um olhar com

    Plasman, que deu de ombros, som mover- se.

    Atenda, Ralph! impacientou-se Orville, afastando-se do sof e de Alexandria.

    Plasman caminhou at a porta, ocultando a arma s

    costas enquanto Orville se postava atrs de uma nesga de

    parede que separava a sala do minsculo vestbulo. Quem

    olhasse da porta veria apenas um gigante sentado calmamente, tomando usque, e no veria Orville nem a

    arma que este apontava para Alexandria, o irnico e interessado alemo.

    Plasman abriu a porta, ficando de lado. Um tipo alto e

    espadado, com um sorriso bobo nos lbios, saudou muito

    amvelmente:

    Boa noite, senhor inclinou-se. Sou John Leighton; Johnny, para os amigos. Pode chamar-me assim.

    Que deseja? inquiriu Plasman. Bem... comeou o visitante. Minha profisso

    preciosa para a humanidade, e o senhor vai ser um dos

    beneficiados com...

    Diga o que deseja e zarpe replicou Ralph. John Leighton gaguejou, ante a m acolhida:

    Bem... A North Miami Insurance oferece...

  • Representante de seguros, hem?! sorriu Ralph. No acha um tanto incomoda a hora?

    Sim, trabalho com seguros, senhor. Mas nunca tarde para se precaver contra catstrofes, no acha? Temos,

    por exemplo...

    No me interessa! cortou Ralph. Boa noite! Mas, senhor! volvia o persistente visitante. Veja isto: nossos seguros so universais! Chegam at

    Rua du Bac, em Paris, Chegam ao Cairo, ao Oriente

    Prximo! Em Alexandria, em Beirute, em Istambul, em...

    Amigo, soletrou secamente Plasman ou voc se manda para outros lugares com suas bobagens ou algo de

    desagradvel vai acontecer, entendeu?

    Mas, oua-me um instante, senhor o homem no parecia ter ouvido a ameaa. Tambm temos seguros contra curtos-circuitos. Temos de tudo! Por exemplo: se a

    luz de sua casa se apaga por cinco minutos, ns o

    indenizamos; se.

    Nunca lhe disseram que um idiota? atalhou Plasman.

    Bem... bem... Nunca respondeu o desconcertado agenciador de seguros. J me chamaram de estpido, palerma, impertinente... Mas, de idiota, no, senhor. Devo

    entender que recusa ouvir- me?

    Exatamente! grunhiu Plasman. Bateu a porta no nariz do vendedor de aplices John

    Leighton, indo a mastigar palavres at o bar, onde abriu

    uma garrafa.

  • Calma, Ralph falou Orville, ante o sorriso gelado de Alexandria. s um pobre estpido que tenta um bico nas horas vagas.

    Tenho ganas de acabar de uma vez com isto! respondeu Plasman. to fcil meter duas balas na barriga desse baronete sorridente. Para que esperar tanto?

    Bebera j do copo, e atirou-o contra a parede, quase

    atingindo Alexandria, que no se moveu. Este sorriso dele me faz crescer uma raiva aqui

    dentro, Orville! exclamou, apontando o peito. Imperturbvel, o alemo seguia com o sorriso glido,

    olhando para os dois. Depois, dedicou-se a estudar as coisas

    em redor, como se estivesse aborrecido com o far niente da

    espera.

    Ali por perto, uma linda garota via aproximar-se o

    solcito John Leighton. Um pouco nervosa, ela perguntou:

    Tudo bem? No tenho certeza, minha querida responde John,

    que no era outro seno Frank Minello.

    Ele olhou para mim, sorrindo complacente, mas no moveu um dedo, mesmo quando mencionei o curto-circuito

    em cinco minutos. Penso que voc est enganada, Brigitte.

    Von Steinheil no parecia um prisioneiro, mas um homem

    satisfeito, bebendo usque com soda, sorridente.

    Acha ento que ele est contra ns, Frankie? sorriu Brigitte. No seja idiota!

    Foi o tratamento que recebi de um sujeito, agora mesmo, queridinha disse ele. idiota para c e idiota para l! Ser que nunca estou certo?

  • O falso vendedor de aplices enxugou o suor da testa,

    inconformado.

    Mencionou a Rue du Bac? Claro! respondeu Frank. E o Oriente Prximo? insistiu Brigitte. At mesmo as cidades importantes daquelas paragens

    tornou Minello. E o baro nem pestanejou. No importa disse Brigitte. Ele no como

    voc.

    Sim, no confirmou Frank. No creio que seja mais do que um estpido pior do que eu.

    No obstante essa impresso que voc colheu, meu bom Frank, acho que ele est em apuros. Precisamos agir

    com cuidado. Talvez um dos homens o mato, ao ver-se em

    perigo. Quanto tempo j passou depois que voc deixou a

    casinha?

    Frank olhou o relgio, pouca luz do lugar em que

    estavam:

    Trs minutos informou. Ento, voc dispe de dois minutos para cuidar do

    curto-circuito. V logo! ordenou ela. E se ficar eletrocutado? Frank fez uma careta; mas

    sorriu, em seguida, complacente.

    Ningum se eletrocuta com uma corrente de uso domstico enervou-se Brigitte.

    Est enganada, minha querida insistiu Frank. Uma vez...

    De uma vez por todas: voc vai ou vou eu? Ele no se resolvia ainda, apesar do escasso tempo de

    que dispunham:

  • No seria melhor que a gente fosse danar? Brigitte suspirou, resignada:

    Danaremos em outra ocasio, Frank. No seu apartamento? insistiu ele. No meu apartamento mastigou Brigitte, com raiva. Minello ergueu os braos, contente:

    E depois de danarmos, um banho a dois, que acha? Brigitte lhe replicou com um puxo de orelha, fazendo-o

    dar um passo desajeitado.

    Est bem, est bem, querida falou ele. J vou indo.

    Distanciou-se a toda a pressa. Alcanou o ponto que j

    escolhera para cortar o suprimento de fora da casinha 280.

    E enquanto se dispunha a cortar os fios, viu Brigitte

    empunhar a pequena arma, tirando-a do decote, e

    encaminhar-se para um lado da casa. Utilizando um punhal,

    descobriu os fios seguindo os ponteiros luminosos de seu

    relgio para que tudo sasse exatamente dentro do tempo.

    LUTA

    Dentro da casinha 280, Wilhem Von Steinheil se esticara

    no sof, firmando os ps no tapete e bocejando.

    Olhe s, Orville! exclamou Plasman. Qualquer um diria que o sujeito vai dormir.

    Wallen, menos nervoso, riu a gosto:

    Deve estar ensaiando para o sono eterno disse. Deixe-o em paz.

  • Ralph Plasman aproximou-se do bar, sem deixar de rir, e

    despejou mais usque em seu copo. Voltou- se para

    Alexandria, saudando-o ironicamente, em silncio. Foi naquele momento que o melhor aconteceu: quando

    Minello provocou o curto-circuito, l fora viu-se um

    esplendor de azul vivo. Dentro, reinaram as trevas, e ao

    mesmo tempo um corpo caa, sem rudo, parecendo rolar

    sobre o tapete.

    Atire, Ralph! ordenou Orville Wallen. Ambos miraram o sof, na escurido. De suas pistolas

    brotaram lnguas de fogo alaranjado, sem que o rumor de

    disparos fosse ouvido, dando sala uma iluminao

    fantstica. As balas varavam o sof em todos os pontos, mas

    nem luz dos disparos perceberam eles o vulto que corria

    clere at a cozinha, depois de ter-se atirado ao cho e

    rolado at o bar.

    No atire mais, Ralph! gritou Orville. No pode escapar daqui. Quando se aproximar da porta, ns o

    veremos. Fique quieto. Ele ter de mover-se, e ento

    ouviremos.

    Reinou absoluto silncio na casa. Ligeira claridade

    chegava da janela, cujas cortinas estavam fechadas.

    Plasman sentia a boca seca. Anunciava-se, no seu

    esprito, uma desgraa.

    Na cozinha, um vulto gigantesco movia-se ligeiro mas

    sem rudo algum; suas mos, como se tivessem olhos,

    percorriam uma prateleira. Logo, os dedos tocaram um

    objeto frio, correram sobre ele, examinando-o, at

    perceberem uma ponta aguda.

  • Depois, a sombra silenciosa deslizou, quase rente ao

    piso, at a sala, postando-se junto ao bar.

    Alexandria, com uma faca nas mos, estava agachado, prendendo o flego, os olhos bem abertos no meio da

    escurido.

    De repente, como uma exploso naquele silencio mortal,

    ouviu-se uma leve batida porta.

    Von Steinheil! chamou uma voz feminina. Houve um movimento na sala. Uma sombra se delatou

    luz dos disparos que golpeavam a porta, atravessando-a.

    Alexandria saltou sobre Ralph Plasman, que se denunciara. Seu brao esquerdo enlaou o pescoo do

    nervoso adversrio, que balbuciou:

    Wallen? No, no era Wallen. E no mesmo instante ele o saberia,

    pois um pontao dilacerante lhe foi buscar o corao.

    Ouviu-se um gemido abafado, um espernear breve... e o

    silncio voltou.

    Imediatamente outros disparos iluminaram a sala.

    Alexandria percebeu o choque das balas no corpo inanimado de Ralph Plasman, que sustinha como um

    escudo. Soltou-o, atirando-se para um lado ao mesmo

    tempo em que Orville Wallen tornava a disparar.

    Da boca de Wallen saiu uma exclamao de espanto

    incontido, ao sentir o peso de algum sobre suas costas.

    Mas a exclamao apenas foi iniciada, pois a faca lhe

    cortava a voz imediatamente, atravessando-lhe o pescoo.

    Nem chegara o alemo a largar o corpo estertorante de

    Orville Wallen, quando a porta se abriu repentinamente e

    um corpo voou para dentro, ocultando-se na escurido.

  • Houve um tropeo, um respirar sfrego... e novo silncio.

    Ali estava algum para ajud-lo.

    Na cozinha, os vidros da janela se partiram com

    estardalhao. Ele sabia que o tal John Leighton estava l.

    Era mais ajuda.

    Alexandria sorriu: os dois ajudantes chegavam tarde, pois o espetculo terminara.

    Deixou cuidadosamente no solo o corpo de Orville

    Wallen. Deslizou, depois, para o lugar de onde ouvira o

    tropeo. Conteve o flego, mas no ouviu o mais leve

    respirar da pessoa. Todavia, um perfume inconfundvel lhe

    chegou s narinas.

    Deu um passo mais, adiantando a mo esquerda. Tocou

    um ombro, muito levemente; depois, num timo, sua mo

    tapou uma boca, embora no a estivesse vendo, e a faca

    ensangentada encostou-se numa garganta.

    Quieta falou o alemo. Retirou depois a mo, rindo baixinho. E logo a voz de

    Brigitte se fez ouvir, ansiosa:

    voc, Alexandria? Se no fosse, estaria morta, minha querida

    respondeu.

    Ela calou, suspirando de alvio. E Alexandria sentiu no rosto o hlito perfumado de sua boca. No resistia,

    quase, vontade de beij-la. E suas mos, deslizando por

    aquele corpo magnfico, pareciam vtimas de uma corrente

    eltrica.

    Quando as mos de Brigitte deixaram cair a arma, que

    no chegara a usar, para apertar ansiosamente as dele, o

    Baro Voa Steinheil no se conteve mais. Beijou os lbios

  • frescos e ternos que lhe eram oferecidos. Suavemente, e

    depois com fora, abraou aquele corpo clido e palpitante,

    percorrendo-lhe o contorno ondulado.

    Temi que no pudesse ajud-lo balbuciou ela, correspondendo plenamente s carcias, num xtase maior.

    Enquanto a apertava nos braos, Alexandria sentiu-se voltar a vinte anos atrs. Pareceu-lhe viver os tempos em

    que outro corpo trmulo, o nico amor de sua vida, se

    entregava a seus beijos. Tal como Brigitte, era assim sua

    esposa de havia vinte anos passados, quando voltava das

    misses em que jogava a vida. Vinte anos!... O mesmo

    alento, a mesma entrega, o corpo de Zaida, sua esposa rabe

    que um dia fora crivada de balas por seus inimigos! E era o

    nome dela que Alexandria balbuciava, tendo Brigitte Montfort entregue em seus braos.

    Ouvindo palavras rabes, cheias de sofreguido,

    pronunciadas junto a seus ouvidos mas dirigidas a outra

    mulher, Brigitte tentou despert-lo:

    Est mesmo bem, Alexandria? perguntou, lutando por um pouco da lucidez que os beijos lhe

    roubavam.

    Ele imobilizou-se instantaneamente. Mesmo sua

    respirao ficou suspensa.

    Sim, estou bem respondeu quase num pedido de perdo.

    Brigitte entendeu o sentimento que o possua: a mgoa

    de no ser ela a sua Zaida bem-amada. E beijou-o

    suavemente nos lbios:

    Talvez no devesse t-lo beijado, antes disse.

  • Ele se pos em p, ajudando-a a levantar-se. Dentro da

    escurido, Brigitte no lhe via o rosto, mas ouviu o longo

    suspiro que lhe escapou dos lbios, como se expelisse as

    impresses daquele momento de calor, voltando a ser o

    mesmo Alexandria de antes: Voc no fez nada de que se deva desculpar, minha

    querida. Um pobre velho como eu sente-se rejuvenescer

    com essas coisas.

    Do fundo da cozinha veio a voz de Minello:

    Brigitte, tudo bem a? Ela tremeu ligeiramente, ouvindo-o:

    Tudo bem, Frank respondeu. V reparar os fios.

    Permaneceram em silncio, os dois, espera de que

    Frankie fizesse voltar a corrente eltrica s lmpadas.

    Quando a luz tornou a iluminar o cenrio, Brigitte olhou em

    redor, pasmada: as poltronas estavam emborcadas, uma

    mesinha quebrada, o sof perfurado em inmeros lugares...

    e os cadveres de dois homens, ainda empunhando pistolas

    munidas de silenciadores, vertiam copioso sangue no tapete

    claro.

    Frank Minello apareceu na porta, armado. Estacou ali,

    observando os estragos. Olhou depois para o alemo,

    boquiaberto.

    Um pobre velho, hem? sussurrou Brigitte para Alexandria.

    Ele umedeceu os lbios com a lngua:

    No pude fazer melhor respondeu. Foi bastante desagradvel.

  • Foi voc o autor... sozinho? perguntou Frank, anda espantado.

    Entendi a mensagem... John Leighton respondeu simplesmente Alexandria. Quando voc apagou a luz, corri para a cozinha. Esta casa estava mobiliada. Havia

    bebida no bar. Logo, devia haver utenslios na cozinha. E

    no me enganei: foi fcil encontrar uma faca. Alm do

    mais, ambos estavam inquietos. Eram fceis de vencer,

    principalmente na escurido.

    Examinando as armas dos adversrios mortos, Frank

    voltou-se:

    E suas meias, Brigitte? Como esto? No estou usando meias, Frank respondeu ela.

    O clima de Miami melhor do que o de Nova Iorque.

    pena sorriu Frank. Mas, Herr Vou Steinheil, que vamos fazer agora? Certa ruiva esteve com seu amigo

    Otto e...

    Sei cortou Alexandria. O nome dela Margo. Est com os planos. Descobriu onde se encontra

    ela?

    Palmetto Motel informou Brigitte. Bem... J que vocs deixam a deciso a mim, vamos

    primeiro ver Otto Grtner disse o alemo. Creio que o condenaram morte, tal como fizeram comigo. E tenho de

    proteg-lo. Para mim, ele vale mais que os planos.

    que fazemos com esses dois? indagou Minello, indicando os corpos de Wallen e Plasman.

    Leve-os para adornar sua biblioteca, meu bom amigo respondeu Brigitte. Mas, antes, arranje um txi por a.

  • CAPITULO SEXTO Pausa para esclarecimentos e conselhos de amigo

    Um cientista no deve acreditar em tudo que lhe dizem

    Depois da sada lgica uma partida sem explicaes

    O que haveria no embrulho do alemo nervoso?

    Quando o taxia se aproximava do Hotel Eden Rock, Alexandria, que estivera sombrio e quieto, deu ordem a Minello:

    Entre por trs, pela porta que d para a praia. Ele prprio e Brigitte desceram; o txi deu a volta,

    levando Frank.

    Enquanto a garota e o alemo entravam, tomando o

    elevador para o oitavo pavimento, Minello vinha pelo outro

    lado, e depois de passar pelo corredor, atravessando o

    edifcio,