02. as Formas Do Valor02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor

120
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA MERCADORIA E TRABALHO SOB A FORMA DO VALOR DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO FORTALEZA 2014

description

02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valorbbb

Transcript of 02. as Formas Do Valor02. as Formas Do Valor 02. as Formas Do Valor

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO BRASILEIRA

    EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA

    MERCADORIA E TRABALHO SOB A FORMA DO VALOR

    DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAO

    FORTALEZA

    2014

  • EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA

    MERCADORIA E TRABALHO SOB A FORMA DO VALOR

    DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao Brasileira da

    Universidade Federal do Cear, como requisito

    parcial obteno do ttulo de mestre em

    Educao Brasileira. rea de concentrao:

    Educao.

    Orientadora: Profa. Dra. Maria das Dores

    Mendes Segundo

    FORTALEZA

    2014

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    Universidade Federal do Cear

    Biblioteca de Cincias Humanas

    __________________________________________________________________________________________

    A446m Almeida, Emanoel Rodrigues.

    Mercadoria e trabalho sob a forma do valor desdobramentos para a educao / Emanoel

    Rodrigues Almeida. 2014. 120f. , enc. ; 30 cm.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Cear, Faculdade de Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira, Fortaleza, 2014.

    rea de concentrao: Educao.

    Orientao: Profa. Dra. Maria das Dores Mendes Segundo.

    1.Marx,karl,1818-1883 Crtica e interpretao. 2.Valor(Economia). 3.Mercadorias. 4.Trabalho. 5.Educao. I. Ttulo.

    CDD 335.412

  • EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA

    MERCADORIA E TRABALHO SOB A FORMA DO VALOR

    DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao Brasileira da

    Universidade Federal do Cear, como requisito

    parcial obteno do ttulo de mestre em

    Educao Brasileira. rea de concentrao:

    Educao.

    Orientadora: Profa. Dra. Maria das Dores

    Mendes Segundo

    Aprovada em: 01/ 04 / 2014.

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________

    Profa. Dra. Maria das Dores Mendes Segundo (orientadora)

    Universidade Estadual do Cear (UECE)

    ________________________________________

    Prof. Dr. Osterne Nonato Maia Filho

    Universidade Estadual do Cear (UECE)

    _________________________________________

    Profa. Dra. Ruth Maria de Paula Gonalves

    Universidade Estadual do Cear (UECE) _________________________________________

    Prof. Dr.Valdemarin Gomes Coelho

    Universidade Federal do Cear (UFC)

  • amvel Karla rika Ferreira Ferro

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Cristo histrico que me ensinou a lutar por uma vida plena e em abundncia.

    minha me Ruth Rodrigues dos Santos Almeida

    minha noiva Karla rika Ferreira Ferro, apoio e compreenso constantes em todo o

    desenvolvimento deste trabalho.

    s minhas irms: Cleuda, Cleide, Cleia e Martha.

    Aos meus amigos e amigas: Jlio, Rafaela, Beto, Bete, Marco Antnio, Priscila,

    Michel, Karoline.

    Aos colegas de turma da linha Marxismo, Educao e Luta de Classes, em especial

    Helena Freres, Daniele e Fabiano.

    minha orientadora Maria das Dores Mendes Segundo e aos (s) professores (as) que

    participaram da banca de defesa de minha dissertao: Mrio, Osterne e Rute.

    Aos demais professores(as) da Linha Marxismo, Educao e luta de Classes e

    funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira.

  • Ouro! Ouro vermelho, fulgurante, precioso! Uma poro dele faz do preto, branco; do feio,

    bonito: Do ruim, bom, do velho, jovem, do covarde,

    valente, do vilo, nobre. [...] deuses! Por que isso? Por que isso,

    deuses; Ah, isso vos afasta do sacerdote e do altar;

    E arranca o travesseiro do que nele repousa; Sim, esse escravo vermelho ata e desata

    vnculos sagrados; abenoa o amaldioado;

    Faz a lepra adorvel; honra o ladro, D-lhe ttulos, genuflexes e influncia,

    No conselho dos senadores; Trs viva carregada de anos pretendentes;

    [...] Metal maldito, s da humanidade a comum prostituta.

    (SHAKESPEARE, em Timo de Atenas1).

    1 SHAKESPEARE, William. Timo de Atenas. In: Obra Completa, v. 1: Tragdias. Traduo de F. Carlos de

    Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1988.

  • RESUMO

    Este trabalho dissertativo tem como problemtica central apresentar, em linhas gerais, o

    processo pelo qual Karl Marx, a partir do estudo da natureza do valor, elaborou sua crtica

    Economia Poltica Clssica. Dito de outra forma: compreender como Karl Marx, ao analisar o

    processo de desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes de produo,

    desvendou a Economia Poltica Clssica como uma ideologia da propriedade privada e do

    enriquecimento sem limite no capitalismo. Diante dessa questo, o presente trabalho

    dissertativo tem como objetivo geral apresentar a anlise que Karl Marx fez da natureza do

    valor; demonstrar o processo de desenvolvimento do valor, ao mesmo tempo, como o

    processo de desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes de produo

    na sociedade mercantil. Ou seja, apresentar a anlise da mercadoria, sua estrutura, seu

    desenvolvimento e seus desdobramentos, como parte do processo de desenvolvimento da

    sociedade mercantil. Os objetivos especficos so: 1) compreender a teoria do valor, a partir

    dos clssicos da Economia Poltica: Smith e Ricardo; 2) apresentar o materialismo histrico

    como instrumento para compreenso e para a anlise da teoria do valor; 3) demonstrar a

    crtica Economia Poltica elaborada por Karl Marx, a partir de sua teoria do valor. Nessa

    perspectiva, ao analisar a origem e a processualidade da teoria do valor-trabalho,

    apresentaremos os fundamentos da sociedade mercantil, que ocultam as relaes de

    explorao do trabalhador. Na construo deste trabalho, lanamos mo do pensamento de

    Smith (1983), Ricardo (1982) e Marx (1985), interpretados por Rubin (1980), Carcanholo

    (2011), Rodolsky (2001), Rumintsev (1980), Mszros (2004), entre outros. Utilizaremos os

    pressupostos onto-metodolgicos no desenvolvimento da pesquisa bibliogrfica.

    Palavras-chave: Valor. Mercadoria. Trabalho. Educao.

  • ABSTRACT

    This dissertation presents, in general lines, the problem related to the issue by which Karl

    Marx, from the study of the nature of value, elaborated his critique of classical political

    economy. In other words: to understand how Karl Marx, in analyzing the process of

    developing the relationship between the productive forces and the relations of production,

    unveiled Classical Political Economy as an ideology of private property and no limit on

    enrichment in capitalism. Faced with this question, this dissertation has as main objective to

    present the analysis of Karl Marx regarding the nature of value; to demonstrate the process of

    value development at the same time as the process of developing the relationship between the

    productive forces and the relations of production in commercial society. In other words, the

    main objective is to present the analysis of the commodity, its structure, its development and

    its consequences, as part of the process of development of commercial society. The specific

    objectives are : 1 ) to understand the theory of value from the classics of political economy :

    Smith and Ricardo ; 2 ) to present historical materialism as a tool for understanding and

    analyzing the theory of value ; 3 ) to demonstrate the critique of political economy developed

    by Karl Marxs theory of value. From this perspective, to analyze the origin and process of

    the labor theory of value, we present the foundations of commercial society, which conceal

    the relations of workers exploration. In designing this study, we used the thought of Smith

    (1983), Ricardo (1982) and Marx (1985), interpreted by Rubin (1980), Carcanholo (2011 ),

    Rodolsky (2001), Rumyantsev (1980), Mszros (2004), among others. We will use the onto-

    methodological assumptions in the development of literature.

    Keywords : Value . Goods . Labor . Education.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO........................................................................................................ 10

    2 A TEORIA DO VALOR E OS CLSSICOS DA ECONOMIA POLTICA:

    PRIMEIRAS APROXIMAES.......................................................................... 24

    2.1 Os fisiocratas: a terra como fonte nica de valor................................................. 25

    2.2 Adam Smith e a teoria do valor.............................................................................. 29

    2.3 David Ricardo e a distribuio da riqueza............................................................ 38

    3 AS FORAS PRODUTIVAS E AS RELAES DE PRODUO:

    PRINCPIO ONTOLGICO DO TRABALHO EM MARX............................ 44

    3.1 Contexto histrico de Karl Marx........................................................................... 44

    3.2 Karl Marx: vida e obra........................................................................................... 51

    3.3 Materialismo onto-histrico: premissa de Marx.................................................. 57

    3.3.1 A produo da riqueza.............................................................................................. 59

    3.3.2 As foras produtivas................................................................................................. 62

    3.3.3 As relaes de produo........................................................................................... 63

    3.3.4 A relao entre as foras produtivas e as relaes de produo............................ 64

    4 MARX E A CRTICA ECONOMIA POLTICA............................................ 66

    4.1 Marx e o Fetichismo da mercadoria...................................................................... 67

    4.2 A teoria do valor: contedo e forma...................................................................... 73

    4.3 Mercadoria como generalidade do capital: desdobramentos............................. 79

    4.3.1 Valor de uso e de troca da mercadoria.................................................................... 81

    4.3.2 As formas do valor.................................................................................................... 86

    4.3.2.1 A forma simples do valor.......................................................................................... 87

    4.3.2.2 A forma desdobrada do valor................................................................................... 90

    4.3.2.3 A forma geral do valor.............................................................................................. 91

    4.3.2.4 A forma dinheiro do valor......................................................................................... 91

    4.4 Trabalho................................................................................................................... 94

    4.4.1 O Processo do trabalho e produo da mais valia................................................... 94

    4.4.2 Trabalho concreto e abstrato: principais aspectos.................................................. 95

    4.4.4 A teoria do valor-trabalho e a Composio Orgnica do Capital........................... 98

    4.5 Desmaterializao do valor................................................................................... 100

    4.6 O valor-capital em crise estrutural e a educao............................................... 104

  • 4.7 Valor e a Emancipao Humana.......................................................................... 106

    CONSIDERAES FINAIS............................................................................... 109

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................ 115

  • 10

    1. INTRODUO

    Este trabalho consiste em um estudo da categoria valor no mbito da Economia

    Poltica; em especial, pretende apresentar a crtica efetivada por Karl Marx Economia

    Poltica burguesa, a partir de sua investigao do valor, enquanto contedo e forma.

    A problemtica do valor est estritamente relacionada ao nascimento da Economia

    Poltica e ao seu objeto de estudo: a origem e a produo da riqueza capitalista.

    Em saltos largos, destacamos que a Economia, como cincia, nasce com a obra de

    Adam Smith, A Riqueza das Naes, de 1983. Todavia, desde a Idade Antiga, a Economia j

    era observada como algo categorial na construo das civilizaes.

    A origem da Economia Poltica est inserida no contexto dos sculos XVIII e XIX,

    que foram marcados por profundas transformaes socioeconmicas decorrentes da dupla

    revoluo (HOBSBAWN, 2001): a Revoluo Francesa e a Revoluo Industrial na

    Inglaterra.

    Os principais resultados da dupla revoluo foram: a transformao da terra em

    propriedade privada, o surgimento do mundo industrial e, como consequncia, o surgimento

    da classe trabalhadora. Dessas implicaes, a mais catastrfica foi o impacto da dupla

    revoluo sobre a propriedade e o aluguel da terra: ela tinha que ser derretida a qualquer

    custo, de maneira que o solo pudesse ser arado pelas foras da empresa privada em busca de

    lucro. (HOBSBAWN, 2001, p. 168). Tratou-se de um processo de privatizao da terra,

    tornando-a uma mercadoria.

    O triunfo do capitalismo foi resultado do grande crescimento industrial, motivado

    pelas implicaes decorrentes do processo histrico da dupla revoluo.

    Outro resultado inevitvel da dupla revoluo foi a consolidao do mundo burgus,

    na medida em que criou o mundo industrial, marcando o nascimento de grandes reas

    industriais, de famosos centros e de firmas industriais, que passaram a produzir mercadorias

    em larga escala.

  • 11

    A burguesia, classe originria dos burgos, comerciantes provenientes de feudos, dos

    quais foram expulsos, estabelece-se ao longo dos sculos XIII, XIV e XV, tornando-se uma

    classe que almejava as bases do poder concentrado pelos senhores feudais.

    Em meados do sculo XVIII, os burgueses se juntam classe proletria e se tornam

    revolucionrios no combate chamada classe parasitria dos nobres senhores de feudos. Essa

    classe, uma vez no poder, torna-se conservadora, tratando de negar todos os temas

    revolucionrios da cultura ilustrada: liberdade, igualdade e fraternidade. Nesse mbito,

    localiza-se a teoria do valor-trabalho, que servia de fundamento para demonstrar o carter do

    valor do trabalho e a dimenso da explorao, ainda considerada natural para os economistas

    clssicos que a defendiam: Adam Smith e David Ricardo.

    A gnese da Economia Poltica est relacionada com o surgimento do mundo burgus,

    contextualizado na dupla revoluo, na qual a Economia Poltica torna-se a teoria para

    explicar a origem e o desenvolvimento da riqueza capitalista, o mundo das mercadorias.

    Decorre da seu objetivo especfico: a responsabilidade de desvendar a lei natural que

    cimentava uma sociedade econmica dilacerada pela busca permanente do ganho privado.

    (RUBIN, 1980, p. 10).

    Assim, a Economia Poltica se define como uma cincia que procurava investigar as

    relaes econmicas entre os homens na sociedade, em particular no modo de produo

    capitalista: a Economia Poltica terica trata de uma formao socioeconmica determinada,

    especificamente, da economia mercantil-capitalista. (RUBIN, 1980, p. 14).

    A partir da origem e do objeto da Economia Poltica, o valor foi posto como uma

    categoria fundamental para a compreenso do desenvolvimento da relao entre as foras

    produtivas e as relaes de produo na sociedade mercantil. Surgiu como uma tentativa de

    explicar a natureza e o desenvolvimento da riqueza capitalista. O valor , portanto, uma

    teoria sobre a natureza da riqueza capitalista, e particularmente, sobre a produo desta

    riqueza. (CARCANHOLO, 2011, p. 13).

    A riqueza do mundo burgus, representada pela imensa produo de mercadorias,

    constitui-se no objeto de investigao da Economia Poltica Clssica, inaugurada por Adam

    Smith e David Ricardo, considerados os economistas clssicos. Eles descobriram que, por trs

    da riqueza do mundo burgus, representada pelas mercadorias, havia trabalho humano. Assim

    sendo, descobriram a substncia do valor: o trabalho humano. Em outras palavras,

  • 12

    perceberam que, na troca das mercadorias, uma substncia comum a elas era expressa pelo

    tempo de trabalho do homem gasto na produo da mesma.

    Em funo da dependncia entre os economistas clssicos e a burguesia, a

    investigao que fizeram do valor limitou-se apenas dimenso da substncia ou

    quantidade do valor, ao investig-lo como um fato natural, desconectado de um contexto

    histrico determinado. Ou seja, foi naturalizado o fator quantitativo do trabalho como

    processo natural de troca.

    Todavia, na concepo de Marx, que far a crtica Economia Poltica, a compreenso

    do valor como um processo de desenvolvimento da sociedade mercantil implicava em

    investig-lo em suas duas dimenses: contedo e forma.

    Marx parte da premissa que, em funo da dependncia da Economia Poltica Clssica

    com o mundo burgus, ela priorizou o contedo do valor, no investigando, devidamente, a

    forma do valor, ao passo em que no analisou o processo de desenvolvimento histrico pelo

    qual a forma valor passou em diferentes momentos da histria, desde a forma simples at a

    mais complexa, o capital. Coube, nessa via, aos economistas clssicos identificar a

    propriedade privada como um direito natural do homem:

    Los hombres de ciencia burgueses suelen reduzir las relaciones de propriedad a las

    relaciones jurdicas [...] castrando el contenido socioeconmico de la propriedade, y

    proclaman que um tipo de propriedade, precisamente la privada, es um direcho

    natural del hombre e la estiman sagrada e inviolable.2 (RUMINTSEV, 1980, p. 8).

    Na perspectiva marxiana, a Economia Poltica Clssica ao priorizar a dimenso

    contedo do valor, desconsiderou, por completo, a relao entre as foras produtivas e as

    relaes de produo na sociedade mercantil. Ao tomar a dimenso contedo do valor,

    fizeram uma investigao da origem e da produo da mercadoria, a partir de uma perspectiva

    natural, no fazendo as devidas relaes entre produo, distribuio, circulao e consumo.

    Os primeiros a investigar a origem e a produo da riqueza foram os fisiocratas

    franceses que partiam da concepo de que a terra era a nica fonte de riqueza ou de valor: a

    terra a me de todos os bens. (BELLUZZO, 1980, p. 23). Interpretaram as estruturas

    2 Os homens da cincia burguesa costumam reduzir as relaes de propriedade s relaes jurdicas [...]

    castrando o contedo socioeconmico da propriedade, e proclamam que um tipo de propriedade, precisamente a

    privada, um direito do homem e a estimam sagrada e inviolvel. (Traduo livre do autor).

  • 13

    econmicas como se fosse um fenmeno natural, concebendo as formas de produo como

    formas fisiolgicas, como um organismo vivo.

    Os clssicos da Economia Poltica, em particular, Adam Smith e David Ricardo,

    deram um passo adiante no estudo da teoria do valor, superando a compreenso fisiocrtica,

    embora se mantendo, ainda, profundamente ligados concepo da lei natural.

    Como representantes principais da Economia Poltica Clssica, Adam Smith e David

    Ricardo afirmaram em suas obras que o trabalho a medida real do valor de troca.

    Smith e Ricardo, ao sustentarem que o trabalho a medida real do valor de troca de

    todas as classes de bens, esto afirmando que o trabalho , na verdade, o contedo

    natural das relaes sociais fundadas na troca. E que estas relaes s podem ser

    explicadas a partir de uma equivalncia estabelecida em termos de quantidade de

    trabalho. A ordem natural reaparece na anlise de Smith e Ricardo metamorfoseada

    no valor de troca. (RUBIN, 1980, p. 11).

    Adam Smith, considerado um dos grandes expoentes da Economia Poltica Clssica,

    na sua obra A riqueza das Naes, afirmou que o trabalho a fonte da riqueza ou do valor,

    quer seja ele realizado na agricultura, na manufatura ou na indstria. Toda riqueza do mundo

    burgus foi comprada atravs do trabalho: no foi por ouro ou prata, mas pelo trabalho, que

    foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo. (SMITH, 1983, p. 63).

    A teoria do valor foi melhor desenvolvida por Ricardo em sua obra Princpios de

    Economia Poltica e Tributao, de 1982. Nela, Ricardo analisa como a riqueza distribuda

    na sociedade capitalista entre as classes sociais. Para Ricardo, o valor de uma mercadoria

    depende da quantidade relativa de trabalho necessrio para sua produo.

    Seja como for, tanto Adam Smith quanto David Ricardo, representantes da economia

    clssica, desenvolveram a teoria do valor a partir de uma ordem natural. No identificaram,

    no valor, seu aspecto scio-histrico. A troca ou o acmulo da riqueza na concepo deles

    parte da natureza humana, no diz respeito a um processo de desenvolvimento da relao

    entre as foras produtivas e as relaes de produo.

    Nessa direo, fizeram uma anlise do valor considerando apenas sua dimenso

    quantitativa, ou seja, a magnitude do valor: a quantidade de trabalho socialmente necessrio

    para a produo de uma mercadoria. Faltou-lhes fazer a anlise da natureza do valor, isto ,

  • 14

    Entender o valor em sua natureza mais ntima (como processo de desenvolvimento e

    mais do que simples propriedade dos produtos do trabalho, como expresso

    objetivada das relaes sociais mercantis) fundamental para que se entenda o

    conceito de capital, como consequncia, o capitalismo contemporneo, passando

    pelo capital fictcio, pelo capital financeiro. (CARCANHOLO, 2011, p. 18).

    A partir dessa perspectiva natural do valor, os clssicos da Economia Poltica

    transformaram-na numa ideologia burguesa: como ideologia da propriedade privada, da

    concorrncia e do enriquecimento sem limite.

    Sendo a Economia Poltica uma ideologia da burguesia, faltava-lhe a devida

    cientificidade para explicar o desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as

    relaes de produo na sociedade mercantil-capitalista, bem como explicar os

    desdobramentos desse desenvolvimento para o homem.

    Os sculos XVIII e XIX, perodo histrico da teoria da Economia Poltica, foram

    marcados, tambm, por profundas contradies do capitalismo nascente. Uma das implicaes

    da dupla revoluo foi o surgimento da classe operria e, como consequncia, a manifestao

    de diversos movimentos de resistncia ao mundo burgus.

    As revolues de 1848, denominadas por Hobsbawn (2001) como a primavera dos

    povos, foram uma expresso das contradies entre classes que surgiram como decorrncia da

    dupla revoluo. Diante da misria e do descontentamento decorrentes do mundo burgus, as

    revolues dos trabalhadores de 1848 refletiam o tropeo da economia capitalista que se

    expressava numa acentuada desacelerao no crescimento.

    O pensamento de Karl Marx foi elaborado em correspondncia com as lutas dos

    trabalhadores, uma vez que a emancipao social anunciada pela dupla revoluo no foi

    efetivada na vida dos trabalhadores, pois se deu apenas no mbito da poltica, quando deveria

    ter se efetivado, de verdade, na vida do trabalhador. Em outras palavras, a emancipao

    humana, almejada pela classe revolucionria, tornara-se apenas uma emancipao poltica. A

    burguesia, uma vez no poder, passara a negar os princpios revolucionrios. Nesse contexto, a

    teoria do valor-trabalho, fundamento econmico na explicao da explorao, substitudo

    pela teoria do valor utilidade. A classe burguesa, agora dominante, no tinha mais interesse

    numa teoria que explicasse a origem da explorao do trabalhador.

  • 15

    Marx vive nesse contexto histrico permeado de conflitos entre classes, da seu

    interesse antes no campo da filosofia, depois na economia poltica para desvelar as leis do

    movimento do capital.

    A relao de Marx com o movimento operrio francs, a influncia que recebeu da

    tradio filosfica alem e o contato com a economia Poltica Clssica lhe ofereceram as

    devidas condies para a reelaborao da teoria do valor. Marx procurou investigar o valor, a

    partir do desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes sociais de

    produo na sociedade mercantil. Estava interessado em investigar a origem e a distribuio

    da riqueza como um processo histrico. Tratou do valor como uma categoria histrica e

    determinada. Essa perspectiva abriu-lhe as portas para investigar alm da dimenso

    quantitativa do valor, a forma valor, ou seja, a natureza do valor enquanto fato histrico

    social decorrente da sociedade mercantil.

    Em oposio aos Clssicos da Economia Poltica, Marx investiga a origem e a

    produo da riqueza a partir da unidade e contradies entre produo, distribuio,

    circulao e consumo no modo de produo capitalista, enquanto sociabilidade historicamente

    determinada.

    Marx puso el descubierto la falsidad cientfica de las afirmaciones de los

    economistas burgueses y mostr que todos ellos, a la vez vean las diferencias entre

    la produccin, la distribuicin, el cambio e el consumo, no vean y no queran ver su

    unidade y concatenacin, su interpretacin y, lo que es ms importante, el papel

    determinante de la produccin.3 (RUMINTSEV, 1980, p. 13).

    Superando os clssicos da economia poltica, Karl Marx faz uma investigao da

    riqueza capitalista a partir da natureza do valor. Ou seja, investiga a forma do valor:

    Antes de Marx, a ateno dos economistas clssicos e de seus epgonos se

    concentrou no contedo do valor, principalmente em seu aspecto quantitativo

    (quantidade de trabalho), ou no valor de troca relativo, quer dizer, nas propores

    quantitativas da troca. Submeteram anlise os dois extremos da teoria do valor: o

    desenvolvimento da produtividade do trabalho e a tcnica como causa interna da

    variao do valor, e as mudanas relativas do valor das mercadorias. Mas faltava-

    lhes a vinculao direta entre estes dois fatos: a forma do valor, isto , o valor como

    a forma que se caracteriza pela coisificao das relaes de produo e a

    transformao do trabalho social em uma propriedade dos produtos do trabalho.

    (RUBIN, 1980, p. 11).

    3 Marx descobriu a falsidade cientfica das afirmaes dos economistas burgueses e mostrou que todos eles uma

    vez que viam diferenas entre a produo, a distribuio, a troca e o consumo, no viam e no queriam ver sua

    unidade e conexo, sua interpretao e, o que mais importante, o papel determinante da produo. (Traduo

    livre do autor).

  • 16

    Karl Marx, com o objetivo de desvendar a Economia Poltica como cincia social, at

    ento constituda e ricamente desenvolvida pelo pensamento burgus, toma como

    investigao a teoria do valor-trabalho dos economistas clssicos, entendendo-o como um

    processo de desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes de produo,

    caracterizado, sobretudo, pelas relaes mercantis de troca:

    Marx, ao contrrio dos clssicos no toma o valor como uma essncia da

    naturalidade da sociedade, mas sim como a expresso de uma sociedade em que o

    indivduo s existe enquanto produtor de valor de troca, o que implica a negao

    absoluta de sua existncia natural. (RUBIN, 1980, p. 11).

    Compreendendo a sociedade capitalista como lcus de mercadorias, em que as

    relaes sociais de produo so coisificadas, Marx desenvolveu sua teoria do valor, tendo

    como base a categoria fetichismo: a teoria do fetichismo , per se, a base de todo o sistema

    econmico de Marx, particularmente de sua teoria do valor. (RUBIN, 1980, p. 19). O estudo

    da teoria do valor em Marx inicia-se, portanto, com a compreenso da categoria fetichismo:

    Marx no mostrou apenas que as relaes humanas eram encobertas por relaes

    entre coisas, mas tambm que, na economia mercantil, as relaes sociais de

    produo assumem inevitavelmente a forma de coisas e no podem se expressar

    seno atravs de coisas. A estrutura da economia mercantil leva as coisas a

    desempenharem um papel social particular e extremamente importante e, portanto, a

    adquirir propriedades sociais especficas. Marx descobriu as bases econmicas

    reificadas em formas objetivas das relaes de produo de um modo de produo

    historicamente determinado: a produo mercantil. (RUBIN, 1980, p. 20).

    Nos termos de uma sociedade fetichizada, Marx elaborou sua teoria do valor, tendo

    como ponto de partida o trabalho humano desprendido na produo de mercadorias.

    Karl Marx fez uma anlise da questo do valor no contexto do desenvolvimento da

    relao entre as foras produtivas e as relaes de produo que se expressava nas relaes de

    troca e relaes de poder.

    Feito o constructo da teoria do valor, Karl Marx esboa sua crtica Economia Poltica

    Clssica, denunciando-a como uma cincia da burguesia: da propriedade privada e do

    enriquecimento sem limite; decorre da, tambm, a sua teoria da mais valia, que demonstra a

    explorao do homem pelo homem, ou seja, do trabalho explorado e apropriado pelo

    capitalista, expresso do lucro e do processo de acmulo do capital.

    Diante do exposto, este trabalho dissertativo tem como problema central apresentar o

    processo pelo qual Marx, a partir do estudo da natureza do valor, elaborou sua crtica

  • 17

    Economia Poltica Clssica, subsdio necessrio para a compreenso da mercantilizao dos

    complexos sociais, com destaque para a educao. Dito de outra forma: como Marx, ao

    apresentar o processo de desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes

    de produo, desvendou a Economia Poltica como uma ideologia da propriedade privada e

    do enriquecimento sem limite.

    Nossa preocupao descrever o caminho cientfico que Marx fez para analisar o

    valor enquanto contedo e forma; de onde ele partiu, qual a processualidade e os

    desdobramentos de sua investigao, reiterando a atualidade de seu pensamento na crise

    estrutural, aprofundada pelo capitalismo contemporneo.

    Diante desse problema, este trabalho tem como objetivo geral apresentar o caminho

    que Marx tomou para analisar o valor enquanto contedo e forma, considerando o

    desenvolvimento do valor, ao mesmo tempo, como o processo de desenvolvimento da relao

    entre as foras produtiva e as relaes de produo na sociedade mercantil. Ou seja,

    apresentar a anlise da mercadoria, sua estrutura e seu desenvolvimento, como o processo de

    desenvolvimento da sociedade mercantil, marcada pela fetichizao da totalidade social.

    Para alcanar o objetivo geral deste trabalho, definimos os seguintes objetivos

    especficos: 1) apresentar a teoria do valor a partir dos clssicos da Economia Poltica, Smith

    e Ricardo; 2) demonstrar o materialismo histrico como instrumento de compreenso e de

    anlise da teoria do valor; 3) apresentar a crtica Economia Poltica, efetivada por Karl

    Marx, a partir de sua teoria do valor; 4) relacionar, em linhas gerais, a teoria do valor com o

    complexo da educao.

    Para apresentao desse estudo, dividimos o trabalho em trs captulos:

    No primeiro captulo, intitulado A teoria do valor e os clssicos da economia

    poltica: primeiras aproximaes, descreveremos a categoria valor a partir dos clssicos da

    Economia Poltica: Adam Smith e David Ricardo, considerados os principais representantes

    da Economia Poltica Clssica, sobre os quais Karl Marx elabora a sua crtica Economia

    Poltica. A primeira parte do captulo se ocupa em situar o contexto histrico do liberalismo

    clssico e as contribuies dos fisiocratas franceses para a compreenso da teoria do valor.

    Em seguida, faremos um estudo da teoria do valor fundado nas contribuies de Adam Smith,

    em sua obra A riqueza das Naes. A terceira parte do captulo procura recuperar as

  • 18

    contribuies de David Ricardo para a compreenso da teoria do valor, em especial em sua

    obra Princpios da Economia Poltica e Tributao.

    No segundo captulo, denominado As foras produtivas e as relaes de produo:

    princpio ontolgico do trabalho em Marx, iremos apresentar o materialismo como um

    princpio ontolgico decorrente da vida e da obra de Karl Marx. A primeira parte do captulo

    trata do contexto histrico que marca a vida e a obra de Karl Marx, a dupla revoluo: a

    Revoluo Francesa, de 1789, e a Revoluo Industrial; as revolues de 1848, denominadas

    por Hobsbawn (2001), como a primavera dos povos; e a grande depresso de 1873. Um

    perodo marcado por profundas contradies e desequilbrios. A segunda parte do captulo

    trata da vida e da obra de Karl Marx que ns dividimos em trs movimentos: o primeiro ns

    denominamos de democratismo radical, marcado pela influncia que sofreu nos crculos

    hegelianos; o segundo Fundao do materialismo histrico, que marcado pela forte

    relao de Marx com o movimento socialista dos operrios franceses; o terceiro

    Construo do sistema econmico de Marx ou marxismo cientfico, marcado pelo seu

    contato com a Economia Poltica Clssica. A ltima parte do captulo trata do materialismo

    histrico: seus pressupostos, o trabalho como categoria fundante do ser social, o

    desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes de produo.

    No terceiro captulo, Karl Marx e a crtica Economia Poltica, iremos apresentar o

    caminho que Marx percorreu para, atravs da anlise da estrutura e do desenvolvimento da

    mercadoria, elaborar sua crtica Economia Poltica Clssica. Esse captulo a parte mais

    essencial do trabalho e objetiva descrever a gnese e a processualidade do valor. Iniciamos

    com a anlise do fetichismo da mercadoria, requisito imprescindvel compreenso da teoria

    do valor em Karl Marx. Da anlise do fetichismo, segue a apresentao da teoria do valor em

    Marx: o seu encontro com a teoria do valor; as verses da teoria do valor em sua obra; as

    caractersticas e a concepo da teoria do valor em Marx. Continuamos apresentando a

    anlise da mercadoria e do trabalho, logo descreveremos as cinco formas do valor; como

    consequncia do desenvolvimento do valor, apresentamos a desmaterializao do valor.

    Como decorrncia do desenvolvimento da sociedade mercantil chegaremos mais valia,

    desvelada por Marx, constituindo a categoria preciosa da Economia Poltica Marxiana. Por

    ltimo, descreveremos o valor capital em estado de crise estrutural e seu desdobramento no

    complexo da educao.

  • 19

    Propomo-nos realizar uma pesquisa orientada pelo mtodo do materialismo histrico-

    dialtico, perspectivado na ontologia marxiana. Fizemos uma opo por esse mtodo, por

    entendermos que ele d conta de apreender o ser social e suas determinaes. Um mtodo

    que nos possibilita, enquanto trabalhadores, a compreenso que articula a crtica radical com a

    transformao radical das relaes mercantis, que explica a origem do ser social,

    demonstrando sua totalidade. Fizemos isso, sobretudo, como uma tentativa de resgatar os

    fundamentos desenvolvidos por Karl Marx para investigar a sociabilidade capitalista.

    Entendemos que nosso estudo tem como base esses fundamentos metodolgicos na

    medida em que apresenta o percurso da vida e da obra de Karl Marx, revelando seu

    movimento de ruptura e de superao em relao ao hegelianismo, ao materialismo utpico

    at chegar no que denominamos de comunismo cientfico. Esse percurso deixou-nos claro que

    o pensamento de Karl Marx no se instaurou tendo por base uma perspectiva gnosiolgica

    com a primazia do pensamento sobre o real - mas teve por base uma perspectiva ontolgica.

    Isto porque ele compreende que as questes relativas ao conhecimento s podem ser

    resolvidas aps a elaborao de uma teoria geral do ser social, vale dizer, de uma

    ontologia do ser social. Essa ontologia do ser social, cujos lineamentos fundamentais

    podem ser encontrados nas obras de juventude especialmente nos Manuscritos econmico-filosficos, em Para a questo judaica, em A Sagrada Famlia e em A

    Ideologia Alem est suposta em toda a obra posterior de Marx, que ter um cunho mais acentuadamente cientfico. (TONET, 2013, p. 71).

    Nosso trabalho retoma o percurso feito por Karl Marx. Iniciaremos com a

    apresentao da crtica que Karl Marx efetivou Economia Poltica pela categoria

    Mercadoria. Essa foi uma opo consciente nossa como uma tentativa de expressar o

    caminho, o mtodo que Marx percorreu na sua crtica Economia Poltica.

    Igualmente, na economia poltica, Marx comea sua investigao com o mundo das

    mercadorias, como se este existisse cabalmente por si mesmo e como se a relao

    entre valor de uso e valor de troca representasse um movimento completamente

    fechado em si mesmo. Mas, qualquer pessoa que conhea a dialtica marxista sabe

    que Marx procede assim porque j dispe de um conhecimento abrangente do

    processo total. A orientao concreta do pensamento em direo conexo total dos

    fenmenos est presente mesmo ali onde a exposio no a explica. (KOFLER,

    2010, p. 57).

    Este trabalho expressa o mtodo onto-histrico de Karl Marx, principalmente na

    exposio do seu percurso de vida e de obra. Nesse percurso, apresentaremos trs movimentos

    que revelam a direo que Marx optou: do liberalismo burgus ao marxismo cientfico.

  • 20

    Movimentos que revelam, sobremaneira, o lugar do sujeito na vida e na obra de Karl Marx,

    enquanto militante e cientista social.

    Dessa forma, reafirmamos que Marx parte da gnese do ser social, do ato que funda a

    sociabilidade. na anlise desse ato que ele descobrir a origem, a natureza e a funo social

    essenciais do conhecimento cientfico. (TONET, 2013, p. 74).

    Decorre da sua ruptura com o idealismo como mtodo e sua opo pelo materialismo

    histrico. Interessa a Marx saber o que o ser social e suas determinaes sociais. A base

    material, ou seja, a relao entre as foras produtivas e as relaes de produo so os

    pressupostos de seu mtodo:

    Da resposta a esta questo o que o ser social dependero as respostas s quais relativas ao conhecimento: a possibilidade do conhecimento, o que o objeto (a

    realidade externa), quem o sujeito, como se d a relao entre o sujeito e o objeto,

    o que a verdade, quais os critrios da verdade, como deve proceder o sujeito para

    conhecer o objeto, qual a relao entre cincia e ideologia, etc. (TONET, 2013,

    p.74).

    Nesses termos, resgataremos as ideias dos Economistas Clssicos: Smith (1983),

    Ricardo (1982) e, fundamentalmente, as ideias de Marx (1985), interpretadas por Rubin

    (1980), Carcanholo (2011), Rosdolsky (2001), Rumintsev (1980), Mandel (1980), Mszros

    (2004), entre outros. Utilizaremos os pressupostos onto-metodolgicos no desenvolvimento

    da pesquisa bibliogrfica.

    Para apresentarmos a investigao do valor enquanto contedo e forma processada por

    Marx, tnhamos a clareza, no incio de nossa pesquisa, que a estrutura deste trabalho deveria

    seguir uma ordem bsica: 1) compreender os elementos bsicos do pensamento dos

    economistas clssicos; 2) entender as condies objetivas, em especial o materialismos

    histrico, que contriburam para formao de Karl Marx e, assim, 3) apresentar o caminho que

    ele fez para desenvolver a categoria valor historicamente: seu ponto de partida, sua

    processualidade e seus desdobramentos. Essa estrutura do trabalho exigiria de ns uma opo

    por um referencial terico que nos oferecesse as devidas condies de atender nossos

    objetivos.

    A parte mais essencial de nossa pesquisa est no captulo trs. Evidentemente, o

    captulo um e dois foram fundamentais para reunir os elementos necessrios de nossa

    pesquisa e, assim, apresentarmos o caminho terico de Marx em sua investigao histrica do

  • 21

    valor, enquanto contedo e forma. O primeiro contato com a anlise do valor que tivemos foi

    com Carcanholo (2011), em seu texto Capital: essncia e aparncia. Nele, entramos em

    contato com a natureza do valor. Rubin (1980) desenvolve a categoria forma valor ou a

    forma-mercadoria. Os elementos objetivos fundamentais da sociedade mercantil:

    trabalhadores privados, processo de troca, trabalho concreto e abstrato, entre outros, so

    desenvolvidos, profunda e cuidadosamente, por esse autor. Em nossa pesquisa, a categoria

    sociedade mercantil expressa os diferentes estgios em que a sociedade, desde a forma

    simples do valor at a forma mais desenvolvida do valor, o capital, estabelecida tendo como

    base os produtores privados, o trabalho concreto e o abstrato, o processo de troca, etc. Ns

    partimos do pressuposto que nesta forma de sociabilidade que o trabalho assume o duplo

    carter: trabalho concreto e trabalho abstrato. O ponto de partida do caminho terico de Marx,

    portanto, so as condies objetivas da sociedade mercantil. Nesses termos, o trabalho de

    Rubin foi essencial em nossa pesquisa, pois nos ofereceu as devidas condies de

    entendermos como a estrutura e o funcionamento da sociedade mercantil.

    A processualidade do caminho terico de Marx desenvolvida por Mendel (1980) em

    sua obra A formao do pensamento econmico de Karl Marx: de 1843 at a redao de O

    Capital. Nessa obra, percebemos o movimento de Marx em relao teoria do valor: recusa,

    aceitao e aperfeioamento da teoria do valor. Essa obra nos permitiu compreender a

    processualidade de sua investigao da teoria do valor. No entanto, foi com Rumintsev

    (1980) que tomamos contato com o desenvolvimento histrico da forma valor: forma simples,

    forma desdobrada, forma geral, forma dinheiro e forma capital.

    No captulo trs, apresentaremos essas diferentes formas que o valor assume como

    expresso do desenvolvimento da sociedade mercantil. Apresentaremos a histria do

    desenvolvimento do valor em Marx como a histria do desenvolvimento da sociedade

    mercantil. Em outras palavras, a histria do desenvolvimento do valor corresponde histria

    do desenvolvimento da relao entre as foras produtivas e as relaes de produo, na

    sociedade mercantil. Max foi o primeiro a proceder com a investigao histrica do valor.

    Para apresentar a estrutura da mercadoria, seu valor de uso e de troca, recorremos aos estudos

    de Rosdolsky (2001). Nesse texto, o autor faz uma anlise do lugar do valor de uso na teoria

    do valor em Marx. Alm de Rosdolsky contaremos com o referencial terico de Carcanholo

    (2011), Rumintsev (1980) e Mendes Segundo e Rabelo (2004) para compreender a estrutura

  • 22

    e desenvolvimento da forma mercadoria. Para demonstrar os desdobramentos da investigao

    de Marx, retomaremos a obra de Rubin, A teoria marxista do valor, de 1980.

    A partir dela, identificaremos os dois principais desdobramentos da investigao de

    Marx: 1) o modo de produo capitalista, fundado sob a propriedade privada e sob o trabalho

    concreto e abstrato, uma forma de sociabilidade histrica e transitria; 2) a Economia

    Poltica a ideologia da burguesia: da propriedade privada, da concorrncia e do ganho sem

    limite. Evidentemente, o captulo trs de nosso trabalho dissertativo uma demonstrao do

    percurso terico de Karl Marx (1985) interpretado por diferentes autores.

    Dentro da perspectiva marxiana, queremos deixar claro que este trabalho dissertativo,

    apresenta, em linhas gerais, com base na Economia Poltica Clssica, em especial Adam

    Smith e David Ricardo, as categorias: valor, valor-trabalho, valor de uso e de troca da

    mercadoria, trabalho concreto e abstrato, como premissas da sociedade regida pelo capital,

    em que a educao est subsumida.

    Finalmente, desejamos registrar a relevncia deste estudo para a compreenso das

    razes do trabalho explorado e precrio no desdobramento do valor de troca no complexo da

    educao. Particularmente, vislumbramos que esta pesquisa tem um grande significado na

    medida em que, como professor substituto, desde 2009, na Universidade Estadual do Cear,

    conheo e vivo sob as condies objetivas do trabalho precrio. Na condio de professor,

    tenho procurado investigar a relao da educao com o processo de valorizao do valor, em

    particular nas condies do modo de produo capitalista. Entendo que esta pesquisa me

    ofereceu elementos para uma melhor compreenso da educao como um desdobramento do

    valor capital em estado de crise estrutural (MSZROS, 2004).

    O interesse pela temtica do valor das mercadorias, contedo e forma, deu-se atravs

    da disciplina da linha Marxismo, Educao e Luta de Classes, em que os aspectos da crise do

    capital e os fundamentos marxianos constituem o fio condutor para a compreenso do real e

    de suas contradies. No aspecto prtico, conforme j foi dito, sentia na pele a condio de

    precariedade do trabalho docente, procurando, desse modo, entender a razo do

    empobrecimento da classe trabalhadora, uma vez que a sociabilidade do capital havia

    alcanado um acentuado desenvolvimento das foras produtivas.

    Nesse contexto, a educao, setor em que atuo, est profundamente desviada de sua

    funo genuna de formao humana, limitando-se a atender as necessidades demandadas

  • 23

    pelo capital. Outrossim, a educao se torna uma mercadoria de troca, produzindo um ensino

    descartvel, como qualquer outra mercadoria.

    Entendemos tambm que este estudo alcana sua relevncia junto classe trabalhadora

    e aos profissionais da educao, em geral, na medida em que se coloca como um instrumento

    de compreenso que possibilita a crtica e a transformao radical das condies desumanas

    de trabalho sob as quais se encontram a maioria de nossos irmos trabalhadores. Diante deles,

    cuja nica alucinao suportar o dia-a-dia (Belchior, em Alucinao4), a relevncia

    pessoal desse estudo se torna indiferente.

    Esta pesquisa, na medida em que investiga a histria do desenvolvimento do valor,

    fundada na estrutura e desenvolvimento da mercadoria enquanto valor de uso e valor de troca

    desemboca no estudo da categoria trabalho: trabalho concreto e trabalho abstrato; categoria

    fundante da sociabilidade humana. Decorre da, ento, que se trata de uma pesquisa que se

    articula com a linha de pesquisa Marxismo, educao e luta de classes.

    4 BELCHIOR, A. C. G. Alucinao. In: BELCHIOR, A. C. G. Auto-retrato. [S.I.]: BMG, 1999. CD 2. Faixa 1.

  • 24

    2. A TEORIA DO VALOR E OS CLSSICOS DA ECONOMIA POLTICA:

    primeiras aproximaes

    Neste captulo, apresentaremos, em linhas gerais, as principais ideias dos clssicos da

    Economia Poltica no que diz respeito teoria do valor.

    No sculo XVIII, sob o contexto das revolues Industrial e Francesa, nasce a

    Economia Poltica com a responsabilidade de desvendar a lei natural que cimentava uma

    sociedade econmica dilacerada pela busca permanente do ganho privado. (RUBIN, 1980, p.

    10).

    Nesses termos, podemos dizer que a Economia Poltica resultado das revolues

    burguesas:

    O nascimento da Economia Poltica, como disciplina autnoma, est amplamente

    comprometido com as transformaes ocorridas na Europa Ocidental que

    culminaram com a revoluo Industrial na Inglaterra, e a revoluo Francesa, no

    Continente. (RUBIN, 1980, p. 9).

    As profundas transformaes socioeconmicas que levaram a cabo a desestruturao

    do feudalismo culminaram no que Hobsbawn (2001) denominou de dupla revoluo: a

    Revoluo Industrial e a Revoluo Francesa. As revolues, particularmente a Revoluo

    Industrial, criaram um mundo industrial:

    O panorama industrial era, assim, muito semelhante a uma srie de lagos cobertos de

    ilhas. Se tomarmos o campo em geral como o lago, as ilhas representam as cidades

    industriais, os complexos rurais ou as reas industrializadas [...] Se tomarmos como

    lago a massa de artesos independentes, os camponeses produzindo mercadorias

    para vend-las. (HOBSBAWN, 2001, p. 194).

    nesse contexto industrial que a Economia Poltica surge como uma tentativa de

    explicao de um mundo abarrotado de mercadorias. (BELLUZZO, 1980, p. 18).

    Nesse cenrio, o debate da Economia Poltica girava em torno do problema de definir

    qual era a fonte de valor e de riqueza da sociedade capitalista que estava se constituindo. A

    categoria valor passa, portanto, a assumir lugar de destaque na investigao da Economia

    Poltica, tanto para legitimar a revoluo burguesa quanto para questionar a ordem burguesa.

    Os economistas polticos clssicos se apropriaram da categoria valor para justificar a

    dupla revoluo e a consequente riqueza burguesa, ao passo que a Economia Poltica

  • 25

    Marxiana (HARVEY, 2013), questionava a ordem burguesa, na medida em que esta tomou o

    valor como uma categoria scio histrica em suas duas dimenses: contedo e forma.

    Pretendemos, portanto, neste captulo descrever a categoria valor a partir das

    contribuies dos clssicos da Economia Poltica: Adam Smith e David Ricardo.

    A primeira parte do captulo se ocupa em situar o contexto histrico do liberalismo

    clssico, em particular as contribuies dos fisiocratas franceses para a compreenso da teoria

    do valor. Em seguida, faremos um estudo da teoria do valor baseado nas contribuies de

    Adam Smith, a partir de sua obra A riqueza das Naes. A terceira parte do captulo procura

    recuperar as contribuies de David Ricardo para a evoluo da teoria do valor, em especial,

    em sua obra Princpios da Economia Politica e Tributao.

    2.1 Os fisiocratas: a terra como fonte nica de valor

    Inicialmente, iremos descrever, brevemente, o contexto histrico no qual surge o

    pensamento econmico, em particular, a concepo de valor dos fisiocratas. Alm disso,

    descreveremos a concepo de valor dos fisiocratas franceses.

    O contexto socioeconmico no qual nasce o pensamento econmico fisiocrata situa-se

    na crise do Feudalismo. Um processo que decorrente

    de uma revoluo - econmica e poltica cujos contornos se esboaram sculos antes. O renascimento do comrcio comprometera a base econmica do feudalismo,

    j desgastada desde as Cruzadas pelo depauperamento e atmesmo pelo extermnio

    fsico da mo-de-obra. O processo de formao dos Estados nacionais solapara o

    poder poltico dos senhores feudais, cada vez mais centralizado nas mos do

    soberano; as monarquias nacionais cimentavam pouco a pouco o mosaico

    inarticulado do poder feudal. (BELLUZZO, 1980, p. 17).

    Como consequncia dessa revoluo, nasce um novo cenrio mundial marcado por

    forte desenvolvimento econmico, social e demogrfico; crescimento das cidades;

    disseminao do comrcio de curtas e longas distncias; intensificao das relaes

    socioeconmicas. Trata-se de um momento no qual as relaes comerciais passam a tomar

    propores mundiais.

    A desintegrao do feudalismo est, portanto, associada ao surgimento da economia

    mercantil simples dos artesos e camponeses: La economa mercantil simple de los artesanos

  • 26

    y los campesinos constitua en las entraas del Feudalismo la base sobre la que, en ciertas

    condiciones, brotaban las relaciones capitalistas de produccin. 5 (RUMINTSEV, 1980, p.

    92).

    Conforme afirmamos acima, a Economia Poltica surgiu na tentativa de explicar a

    origem e a produo da riqueza. Ela tinha a responsabilidade de desvendar e de anunciar os

    mecanismos que regiam o novo modo de produo de mercadoria: o capitalismo.

    A Economia Poltica nasce com a responsabilidade de desvendar e anunciar a lei

    natural que regia a nova sociedade econmica. Essa preocupao com a lei natural

    pressupunha a identificao de um princpio unificador que reduzisse todos os

    fenmenos da vida econmica a um sistema inteligvel e coerente. (BELLUZZO,

    1980, p. 18).

    Sob a liderana de Quesnay (1972), os fisiocratas franceses foram os primeiros a

    preocupar-se em explicar como se d o funcionamento da economia. Ou seja, eles foram os

    primeiros a desenhar um embrio de um sistema inteligvel e coerente que procurava explicar

    a origem e a produo da riqueza.

    O contexto em que vivem os fisiocratas marcado por uma crise econmica,

    caracterizada por problemas nos mecanismos de tributao; ou seja, h a presena de um

    Estado que tributa de maneira bastante intensa. O Estado tem um papel extremamente

    regulador sobre as relaes mercantis; a agricultura era baseada em tecnologia prpria do

    feudalismo e cultivada em pequena escala. Portanto, trata-se de um desenvolvimento

    tecnolgico bastante perpassado pelas relaes feudais: demanda crescente por alimentos,

    decorrente do crescimento das cidades e da populao; restries governamentais ao

    comrcio, etc.

    Os fisiocratas franceses compreendiam que os homens deveriam dominar a natureza.

    Focaram-se, ento, na agricultura e no no comrcio ou na indstria. O que predominava, na

    concepo econmica dos fisiocratas, era o mercado baseado na produo agrcola. Diante da

    crise do velho regime, em particular da falta de alimentos, os fisiocratas acreditavam que a

    soluo estava na terra e em sua fertilidade.

    Somente a terra tinha a capacidade de gerar e multiplicar a riqueza. Assim sendo, o

    valor para os fisiocratas franceses estava na fertilidade da terra, algo externo ao homem, que

    5 A economia mercantil simples dos artesos e os camponeses constitua nas entranhas do feudalismo a base

    sobre a qual, em certas condies, brotavam as relaes capitalistas de produo. (Traduo livre do autor).

  • 27

    no dizia respeito s relaes de produo e s foras produtivas. A produtividade estava

    associada fertilidade natural da terra e no era decorrente de relaes de produo.

    A terra a me de todos os bens. O trabalho era apenas um instrumento capaz de

    tornar esta fertilidade disponvel, soba forma de bens indispensveis vida humana,

    e o excedente, aparecia, portanto, como um dom da natureza. (BELLUZZO, 1980, p.

    23).

    A manufatura era vista pelos fisiocratas como um segmento estril nas relaes de

    produo, expressando apenas um papel transformador da matria-prima produzida pela

    agricultura.

    Considerados pela teoria econmica como a Primeira Escola de Pensamento

    Econmico, os fisiocratas franceses

    achavam que as sociedades eram governadas pela lei natural e que os problemas da

    Frana eram devidos incapacidade de seus dirigentes compreenderem essa lei

    natural e ordenarem a produo e o comrcio de acordo com ela. Quesnay formulou

    um modelo simples de como uma sociedade deveria ser estruturada, a fim de refletir

    a lei natural e com base nesse modelo, os fisiocratas advogavam a reforma poltica.

    [...] Propuseram a substituio da agricultura em pequena escala e ineficiente, ento

    vigente, pela agricultura capitalista em grande escala. (HUNT, 2005, p. 33).

    Na tentativa de construir um sistema que explicasse o funcionamento econmico, a

    partir de uma concepo da lei natural, eles

    conceberam as formas de produo como formas fisiolgicas da sociedade imposta

    pela necessidade natural da produo, independente da poltica, da vontade. A

    sociedade econmica era um sistema de circulao de riquezas semelhana do

    sistema circulatrio dos organismos vivos. (BELLUZZO, 1980, p. 19).

    A sociedade econmica, enquanto organismo vivo, era constituda por trs classes

    sociais, a saber: a classe produtiva de agricultores; a classe estril e a classe dos latifundirios.

    Classes estas divididas seguindo o critrio do excedente.

    A classe produtiva de agricultores era representada pelos donos da terra e pelos

    trabalhadores que trabalhavam na agricultura. Se a agricultura a fonte da riqueza, logo a

    classe produtora da riqueza so os donos da terra e os trabalhadores destas terras. A classe de

    agricultores era a nica produtiva, pois era a nica capaz de produzir excedente, mesmo

    diante das trocas que precisa efetivar com a manufatura.

  • 28

    A agricultura, por outro lado, troca uma frao de seus produtos pelas manufaturas

    de que necessita para o sustento da populao agrcola (vesturio, etc.) e uma outra

    parte por utenslios indispensveis ao prosseguimento da produo, no perodo

    seguinte(arados, ps, enxadas, etc.). Mas o que troca pelo conjunto de manufaturas

    (implementos+ vesturio), mais o que reserva como sementes, para a subsistncia de

    seus prprios trabalhadores, no esgota o total produzido pela terra. (BELLUZZO,

    1980, p. 20).

    A classe estril era composta pelos donos das manufaturas e pelos trabalhadores que

    trabalhavam nelas. Eles eram estreis por no produzirem riqueza, apenas transformarem a

    matria-prima da agricultura:

    A classe estril trocava suas manufaturas por alimentos para seus trabalhadores e

    matrias-primas requeridas pela produo. A indstria, por esse ato de intercmbio,

    nada mais fazia que entregar um equivalente por um equivalente recebido, isto ,

    cobria apenas o custo de produo das manufaturas. (BELLUZZO, 1980, p. 20).

    A classe de latifundirios era constituda por todos os segmentos sociais que, de

    alguma forma, apropriavam-se do excedente, nela se incluam a Igreja, o Estado, e os

    proprietrios de terras. Estes viviam principalmente do aluguel das terras.

    Ao tentar explicar o funcionamento da sociedade econmica, a origem e a produo da

    riqueza, os fisiocratas deixaram grande relevncia para a Economia Poltica, em especial

    quanto noo de equivalncia e distino entre excedente e custo: a relevncia da

    contribuio dos fisiocratas est na introduo da noo de equivalncia e na distino entre

    excedente e custo. (BELLUZZO, 1980, p. 21).

    Os conceitos de equivalncia, distino entre excedente e custo, a caracterizao da

    sociedade econmica, como um sistema de atividades interdependentes, e a introduo da

    ideia de circulao constituem-se nas principais contribuies que os fisiocratas franceses

    deram para a Economia Poltica. Todavia, esses conceitos esto profundamente marcados por

    uma concepo de ordem natural, na qual o trabalho era constrangido a assumir sua

    naturalidade mais imediata e mais restrita: trabalho direto sobre a natureza. (BELLUZZO,

    1980, p. 23).

    Faltava-lhes, todavia, definir a existncia de um invariante capaz de responder pela

    formao do custo real. (BELLUZZO, 1980, p. 21).

    A responsabilidade de definir tal invariante ficou a cabo dos economistas clssicos:

    Adam Smith e David Ricardo. Ambos foram conduzidos a definir o trabalho como a fonte de

  • 29

    toda a riqueza e, ao mesmo tempo, a base segura para a anlise do processo de troca e para a

    definio do custo real das mercadorias:

    O custo real para a humanidade, que ganhava sua vida trabalhando, consistia na

    quantidade de trabalho que era necessrio inverter e parecia natural que as diversas

    mercadorias fossem estimadas ou avaliadas em proporo ao trabalho que requeria

    sua produo. (DOBB, 1959, p. 24).

    Embora os clssicos da Economia Poltica deslocassem a origem e a produo da

    riqueza para o trabalho, independente de sua forma (agricultura, indstria, fbrica),

    permaneceram fortemente ligados concepo de ordem natural, sendo incapazes de oferecer

    relevncia terica e, sobretudo, histrica, ao processo de enriquecimento na sociedade

    capitalista.

    2.2 Adam Smith e a teoria do valor

    Pretendemos apresentar as contribuies de Adam Smith para o desenvolvimento da

    teoria do valor. Iniciaremos descrevendo o contexto histrico e filosfico que influenciou sua

    vida e sua obra. Em seguida, destacaremos alguns aspectos de sua obra A Riqueza das

    Naes, relacionando-os com a teoria do valor: o trabalho como fonte de riqueza, a diviso do

    trabalho como raiz do aumento da produtividade e o valor de troca de uma mercadoria.

    Concluiremos, apontando alguns limites de sua teoria para a compreenso do valor.

    Superando os limites do pensamento fisiocrata, mas ainda ligado tradio deste pela

    concepo de ordem natural, Adam Smith nasce na Esccia no sculo XVIII, cresce no

    contexto de uma famlia da classe alta e torna-se o fundador do que hoje chamamos de cincia

    econmica.

    Adam Smith nasceu em Kirkcaly, Fifeshire, Esccia, em 1723, filho de uma tpica

    famlia da classe alta no nobre da poca. Seu pai, Adam Smith, era funcionrio

    pblico que chegou a ocupar postos de certa importncia na administrao escocesa

    e sua me, Margareth Douglas Smith, descendia de proprietrios de terras do

    condado de Fife. (FRITSCH, 1983, apud SMITH, 1983, p. 7).

    Em sua formao, Smith recebe duas fortes influncias que esto presentes em suas

    obras. A primeira forte influncia, presente em A Riqueza das Naes, recebe do

    jusnaturalismo:

  • 30

    A influncia original e mais marcante sobre Smith foi a de seu mestre Hutcheson,

    herdeiro em linha direta de sucesso dos filsofos protestantes, como Grotius e

    Pufendorf, da Filosofia do Direito Natural. Para os propsitos da presente discusso,

    o jusnaturalismo pode ser definido como uma teologia racionalista que afirma existir

    uma ordem natural e harmnica do universo. (FRITSCH, 1983, apud SMITH, 1983,

    p. 17).

    Essa influncia do jusnaturalismo conduz Smith a interpretar os fenmenos

    econmicos como manifestaes de uma ordem natural a eles subjacente, governada por leis

    objetivas e inteligveis atravs de um sistema coordenado de relaes casuais. (FRITSCH,

    1983, apud SMITH, 1983, p. 17).

    A segunda forte influncia que marca a vida e a obra de Smith o acelerado processo

    do crescimento econmico, que deve ser compreendido no contexto de transformao

    econmica da Inglaterra e da Esccia no sculo XVIII:

    Smith no ficou alheio a essa transformao. Grande parte de seu circulo de amizade

    em Glasgow era composta de homens de negcios da regio e no difcil, portanto,

    de identificar na percepo direta dos fenmenos que acompanharam o processo

    acelerado de crescimento econmico britnico aumento de produtividade, acumulao de capital, melhoria dos padres de vida e crescimento populacional a fonte de inspirao emprica de sua obra. Seu toque genial decorre, entretanto, de

    percepo das consequncias analticas da paralela e acelerada generalizao dos

    mtodos capitalistas de organizao da produo, do progressivo aumento da

    competio e da maior mobilidade de capital entre as diferentes ocupaes:

    surgimento do lucro na agricultura e na transformao industrial como forma estvel

    e quantitativamente significativa do excedente e teoricamente distinta das outras

    parcelas distributivas no que concerne a sua formao, e o papel da taxa de lucro na

    orientao dos investimentos como pea essencial do ajustamento dinmico nesse

    novo contexto. (FRITSCH, 1983, apud SMITH, 1983, p. 20).

    Essas duas influncias tornaram A Riqueza das Naes um produto tanto do

    iluminismo francs quanto do desenvolvimento histrico do capitalismo.

    O ambiente de transio do feudalismo ao capitalismo torna-se ideal para Smith

    entender as relaes de produo. Desse modo, testemunhou os principais desenvolvimentos

    histricos que produziram a dupla revoluo (HOBSBAWN, 2001) e o tipo de sociedade

    decorrente dela: privatizao das terras, nascimento do mundo industrial, surgimento da classe

    trabalhadora e todos os problemas sociais decorrentes.

    Esses fatos histrico-econmicos incorporados sua concepo de lucro e de acmulo

    de capital iro dar maior cientificidade Economia Poltica.

  • 31

    Em tempos de crescimento industrial, que provocou uma revoluo no modo de

    produo da riqueza na Inglaterra, Adam Smith supera os fisiocratas quando defende o

    trabalho como fonte da riqueza: O trabalho foi o primeiro preo, o dinheiro de compra

    original que foi pago por todas as coisas. No foi por ouro ou por prata, mas pelo trabalho,

    que foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo. (SMITH, 1983, p. 63).

    A Riqueza das Naes, publicada em 1776, elabora um modelo terico sobre a

    natureza, a estrutura e o funcionamento do capitalismo. Nessa obra, Smith se recusa a admitir

    a concepo fisiocrata de que s a agricultura produtora de riqueza e defende a tese de que a

    nica fonte de valor, a partir da qual se constitui toda a riqueza, o trabalho humano, esteja

    ele situado na indstria, na agricultura ou em qualquer outra atividade.

    O trabalho anual de cada nao constitui o fundo que originalmente lhe fornece

    todos os bens necessrios e os confortos materiais que consome anualmente. O

    mencionado fundo consiste sempre na produo imediata do referido trabalho ou

    naquilo que com essa produo comprado de outras naes. (SMITH, 1983, p. 35).

    Decorrem dessa afirmao dois aspectos fundamentais da obra:

    A riqueza de uma nao consiste nas coisas necessrias e teis de que ela dispe; o

    trabalho o fundo de proviso dessas coisas, seja pela possibilidade de fruio direta

    de seu produto, seja pela possibilidade troca por mercadorias de outras naes.

    (MONTELLA, 2010, p. 4).

    Ao produzir mercadorias, estas tm valor de uso e de troca. Trocam-se coisas por

    valores equivalentes. O valor da mercadoria o trabalho empregado nela. Quando se troca

    uma determinada mercadoria, troca-se, na verdade, trabalho humano. Para Smith, a essncia

    da mercadoria o trabalho humano, portanto, o pr-requisito para ser mercadoria ser

    produto de trabalho humano.

    Portanto, o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas no

    tenciona us-la ou consumi-la ela prpria, seno troc-la por outros bens, igual

    quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe d condies de comprar ou

    comandar. Consequentemente, o trabalho a medida real do valor de troca de todas

    as mercadorias. (SMITH, 1983, p 63).

    A essncia da mercadoria est no trabalho como medida real do valor de troca. A

    troca, diante da diviso do trabalho, tornou-se uma condio fundamental para o homem

    realizar suas necessidades. Assim, grande parte das necessidades humanas realizada

    mediante a troca do excedente do trabalho:

  • 32

    Assim como por negociao, por escambo ou por compra que conseguimos uns

    dos outros a maior parte dos servios recprocos de que necessitamos, da mesma

    forma essa mesma propenso ou tendncia a permutar que originalmente gera a

    diviso do trabalho. [...] Ao contrrio, entre os homens, os caracteres e habilidades

    mais diferentes so uteis uns aos outros; as produes diferentes dos respectivos

    talentos e habilidades, em virtude da capacidade de propenso geral ao intercmbio,

    ao escambo e troca, so como que somados em um cabedal comum, no qual cada

    um pode comprar qualquer parcela da produo dos talentos dos outros, de acordo

    com suas necessidades. (SMITH, 1983, p. 50).

    Com o desenvolvimento da sociedade mercantil, diante da diviso do trabalho, a troca

    passou a ser uma condio para a subsistncia dos homens:

    Uma vez plenamente estabelecida a diviso do trabalho, muito reduzida a parcela

    de necessidades humanas que pode ser atendida pela produo individual do prprio

    trabalhador. A grande maioria de suas necessidades, ele a satisfaz permutando

    aquela parcela do produto de seu trabalho que ultrapassa o seu prprio consumo, por

    aquelas parcelas da produo alheia de que tiver necessidade. Assim sendo, todo

    homem subsiste por meio da troca, tornando-se de certo modo comerciante; e assim

    que a prpria sociedade se transforma naquilo que adequadamente se denomina

    sociedade comercial. (SMITH, 1983, p. 57).

    Na sociedade mercantil, muitas necessidades so realizadas atravs de negociaes,

    como o escambo e a troca, que implicam num processo de compra do trabalho alheio.

    Conforme Smith, a base da riqueza o uso do trabalho alheio e a apropriao deste

    decorrente da natureza egosta do homem; ou seja, o indivduo, por sua natureza, egosta e

    desenvolve, atravs do seu esforo pessoal, as suas funes laborais em prol do seu prprio

    enriquecimento. Assim sendo, o ser humano nasce com uma propenso troca e a realiza

    como parte de sua natureza humana, sempre motivada pelo principio de obter algo que ele

    prprio no produz, para atendimento de suas necessidades, o que possvel, somente, atravs

    da diviso do trabalho e do comrcio.

    De qualquer maneira, essa propenso encontra-se em todos os homens, no se

    encontrando em nenhuma outra raa de animais, que no parecem conhecer nem

    essa nem qualquer outra espcie de contratos. (SMITH, 1983, p. 49).

    Acrescenta ainda que o processo de diviso do trabalho representa a fora motora da

    riqueza, em que o capitalista, na sua ganncia por acumulao, passa a utilizar o trabalho do

    outro com o propsito de acumular renda ou capital.

    Todo homem rico ou pobre, de acordo com o grau em que consegue desfrutar

    destas coisas necessrias, das coisas convenientes e dos prazeres da vida. Todavia,

    uma vez implantada plenamente a diviso do trabalho, so muito poucas as

    necessidades que o homem consegue atender com o produto de seu prprio trabalho

  • 33

    (esforo pessoal). A maior parte delas dever ser atendida com o produto do

    trabalho de outros, e o homem ser ento rico ou pobre, conforme a quantidade de

    servio alheio que est em condies de encomendar ou comprar. (SMITH, 1983, p.

    63).

    Sendo assim, a riqueza se mede pela capacidade de se dispor do trabalho do outro;

    quanto mais trabalho uma nao tiver condies de comprar, mais rica ela ser.

    Partindo da compreenso que s ter valor o que tem trabalho humano, Smith entende

    que o aumento da produtividade do trabalho condio para o aumento da riqueza e para o

    progresso do homem. Em contrapartida, o aumento da produtividade do trabalho resulta, em

    primeira instncia, da diviso do trabalho.

    O maior aprimoramento das foras produtivas do trabalho, e a maior parte da

    habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho em toda parte dirigido ou

    executado, parecem ter sido resultados da diviso do trabalho. (SMITH, 1983, p.

    41).

    Nessa direo, o pensamento smithiano afirma que a diviso do trabalho vai gerar,

    consequentemente, maior produtividade, barateamento dos preos, especializao do

    trabalhador, aumento de salrio dos trabalhadores e condies vantajosas de um pas sobre o

    outro.

    Versando sobre o aumento da produtividade, Smith em seu exemplo clssico para

    demonstrar a importncia da diviso do trabalho no processo de acumulao de riqueza,

    compara a produo de alfinetes feita por uma nica pessoa com a mesma produo que

    envolve a diviso das diferentes tarefas entre os diversos trabalhadores:

    Um operrio desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto

    faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocao da cabea do alfinete;

    para fazer uma cabea de alfinete requerem-se 3 ou 4 operaes diferentes; montar a

    cabea j uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes outra; a prpria

    embalagem dos alfinetes tambm constitui uma atividade independente. Assim, a

    importante atividade de fabricar um alfinete est dividida em aproximadamente 18

    operaes distintas, as quais, em algumas manufaturas, so executadas por pessoas

    diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operrio s vezes executa 2 ou 3 delas.

    Vi uma pequena manufatura desse tipo, com apenas 10 empregados, e na qual

    alguns desses executavam 2 ou 3 operaes diferentes. Mas, embora no fossem

    muito hbeis, e portanto no estivessem particularmente treinados para o uso das

    mquinas, conseguiam, quando se esforavam, fabricar em torno de 12 libras de

    alfinetes por dia. Ora, 1 libra contm mais do que 4 mil alfinetes de tamanho mdio.

    Por conseguinte, essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48

    mil alfinetes por dia. Assim, j que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil

    alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4.800 alfinetes

    diariamente. Se, porm, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem

    que nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada

  • 34

    um deles no teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo 1,

    ou seja: com certeza no conseguiria produzir a 240 parte, e talvez nem mesmo a 4

    800 parte daquilo que hoje so capazes de produzir, em virtude de uma adequada

    diviso do trabalho e combinao de suas diferentes operaes. (SMITH, 1983, p.

    42).

    Com a diviso do trabalho, um trabalhador capaz de produzir, em um mesmo

    intervalo de tempo, 240 vezes mais, potencializando o aumento da produtividade,

    principalmente, quando agregado s inovaes tecnolgicas. Essa diviso implicou,

    sobretudo, em um grande aumento da quantidade de trabalho, motivada por trs

    circunstncias distintas:

    Em primeiro lugar, devido maior destreza existente em cada trabalhador; em

    segundo, poupana daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar

    de um tipo de trabalho para outro; finalmente, inveno de um grande nmero de

    mquinas que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma nica pessoa

    fazer o trabalho que, de outra forma, teria que ser feito por muitas. (SMITH, 1983, p.

    43).

    Nesse contexto, as manufaturas constituiriam o lugar por excelncia do aumento da

    produtividade e do consequente aumento da produo da riqueza, pois so nelas que a diviso

    do trabalho vai efetivar-se verdadeiramente, algo que no ocorria na produo baseada na

    agricultura. Ou seja, na manufatura que o trabalho se potencializa, criando condies para

    que o pas se torne mais rico, em dimenso maior do que aqueles que exerciam somente a

    produo agrcola.

    As naes mais opulentas geralmente superam todos os seus vizinhos tanto na

    agricultura como nas manufaturas; geralmente, porm, distinguem-se mais pela

    superioridade da manufatura do que pela superioridade na agricultura. (SMITH,

    1983, p. 43).

    Destarte, a riqueza das naes est estritamente ligada manufatura que, com o

    fortalecimento da indstria, formaliza o lugar, por excelncia, da diviso do trabalho, uma

    condio potencializadora da gerao de riquezas.

    No tocante ao Estado, Smith compreende ainda que o aumento da produtividade

    depende da presena de um Estado menos regulador e de um mercado mais livre e

    concorrente. Nessa concepo liberal, o aumento da produtividade do trabalho est

    relacionado a uma economia de mercado concorrencial, sem interveno do Estado.

  • 35

    Na concepo smithiana de economia, o memorvel Princpio da Mo Invisvel do

    Mercado o instrumento regulador da produo, distribuio e consumo, sem a necessidade

    de atividade interventora do Estado.

    Ao preferir fomentar a atividade do pas e no de outros pases, ele [o capitalista]

    tem em vista apenas sua prpria segurana; e orientando sua atividade de tal maneira

    que sua produo possa ser de maior valor, visa apenas a seu prprio ganho e, neste,

    como em muitos outros casos, levado como que por mo invisvel a promover um

    objetivo que no fazia parte de suas intenes. Alis, nem sempre pior para a

    sociedade que esse objetivo no faa parte das intenes do indivduo. Ao perseguir

    seus prprios interesses, o indivduo muitas vezes promove o interesse da sociedade

    muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promov-lo. (SMITH,

    1983, p. 438).

    O Princpio da Mo Invisvel fundamentado no egosmo e na propenso natural

    troca, caractersticas inerentes ao ser humano, desencadeando, assim, um processo na

    sociedade que extrapola a intencionalidade desses indivduos, colaborando para o crescimento

    da sociedade como um todo. Essa concepo de Smith decorrente das influncias que

    sofreu do jusnaturalismo, em particular das ideias relacionada ordem natural:

    Essa ordem natural requer, para sua operao eficiente, a maior liberdade individual

    possvel na esfera das relaes econmicas, doutrina cujos fundamentos racionais

    so derivados de seu sistema terico, j que o interesse individual visto por ele

    como a motivao fundamental da diviso social do trabalho e da acumulao do

    capital, causas ltimas do crescimento do bem-estar coletivo. (FRITSCH, 1983,

    apud SMITH, 1983, p. 18).

    A ordem natural a base de sua concepo acerca da origem da riqueza, aumento da

    produtividade e, em particular, da sua compreenso a respeito da diviso do trabalho:

    Esta diviso do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, no , em sua origem, o

    efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral

    qual d origem. Ela a consequncia necessria, embora muito lenta e gradual, de

    uma certa tendncia ou propenso existente na natureza humana. (SMITH, 1983, p.

    49).

    Para o pai da Economia Poltica, a sociedade capitalista o momento privilegiado da

    vida humana, alcanando atravs dela, um desenvolvimento nunca presenciado na histria dos

    homens.

    Assim sendo, defende a sociedade capitalista por excelncia, pelo fato de produzir

    mercadorias num processo amplo de produo e de troca. A sociedade capitalista na

    concepo smithiana o momento da realizao plena da natureza humana.

  • 36

    Los economistas burgueses definenlos procesos y fenmenos fundamentales del

    sombro medievo como anomalia y fracaso en el desarrollo histrico de la sociedad

    humana. Y el capitalismo l califican de rgimen social natural, propio de la

    natureza del hombre. 6 (RUMINTSEV, 1980, p. 99).

    O capitalismo surge, desse modo, como um processo natural, no qual o trabalho, a

    diviso do trabalho e a troca so expresses da natureza humana e no decorrentes de um

    processo histrico. a partir dessa perspectiva natural que a questo do valor deve ser

    compreendida em Adam Smith, j que ela posta a partir das implicaes da diviso do

    trabalho e da troca como fenmenos naturais.

    Diante do processo de troca cada vez mais generalizado, os clssicos da economia

    poltica tinham uma questo a resolver: como encontrar uma unidade de medida independente

    capaz de quantificar o valor das mercadorias? Descobriram que o trabalho a substncia, a

    medida do valor de uma mercadoria. o trabalho que d a medida da riqueza de uma nao:

    No foi por ouro ou prata, mas pelo trabalho, que foi originalmente comprada toda a

    riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles que a possuem, e desejam

    troc-la por novos produtos, exatamente igual quantidade de trabalho que essa

    riqueza lhes d condies de comprar ou comandar. (SMITH, 1983, p. 63).

    Numa sociedade mercantil, marcada pela diviso do trabalho e pelas consequentes

    relaes de troca, os bens ou mercadorias necessrios proviso de uma pessoa, advm cada

    vez mais do trabalho dos outros. A riqueza ou pobreza de uma pessoa depender da

    quantidade de servio alheio que poder comprar ou comandar.

    A riqueza de uma pessoa seu poder de compra; sua capacidade de comando sobre

    todo o trabalho ou sobre todo o produto do trabalho disponvel no mercado. O valor

    de troca de uma mercadoria, por sua vez, igual extenso do poder de compra

    conferido a seu proprietrio. (MONTELLA, 2010, p.7).

    Decorre da que o trabalho comandado a medida real do valor de troca das

    mercadorias. A ideia do trabalho comandado pressupe a equivalncia entre trabalho e

    produto do trabalho.

    Segundo Montella (2010), a teoria do valor-trabalho comandado apresenta duas

    inconsistncias. A primeira inconsistncia diz respeito falta de equivalncia entre o trabalho

    e o resultado do trabalho numa sociedade baseada na forma mais desenvolvida do valor, a

    forma capital.

    6 Os economistas burgueses definem os processos e fenmenos fundamentais do mundo medieval sombrio

    como anomalia e fracasso no desenvolvimento histrico da sociedade humana. E o capitalismo os qualifica de

    regime natural, prprio da natureza humana. (Traduo livre do autor).

  • 37

    Numa sociedade baseada na forma simples do valor, a troca acontece de forma rude e

    primitiva e os produtores so independentes, logo, donos dos meios de produo, detendo

    todo o produto de seu trabalho. Nessas circunstncias, a teoria do valor-trabalho comandado

    de Adam Smith encontra coerncia, havendo equivalncia entre trabalho e produto do

    trabalho (A=B).

    Todavia, numa sociedade fundada sob a forma do valor capital, os trabalhadores no

    so donos dos meios de produo. A fora de trabalho a nica mercadoria que possuem e,

    uma vez vendida ao capitalista, recebem em troca apenas uma parte do produto de seu

    trabalho. Nestas condies, no h equivalncia entre o trabalho e o produto do trabalho.

    A teoria do valor-trabalho comandado , portanto, incompatvel com a forma valor

    capital, logo, com o capitalismo, pois no explica o processo de explorao em que est

    envolvido o trabalhador. Na tentativa de explicar esta incompatibilidade, Smith recorre

    teoria dos custos da produo, segundo a qual o valor de uma mercadoria era resultado da

    soma dos salrios, do lucro e da renda da terra (D M D).

    A segunda inconsistncia diz respeito ao princpio ordenador das quantidades

    trocadas: no sendo o valor de troca uma relao qualitativa entre mercadorias, mas, sim,

    uma relao quantitativa, seria preciso encontrar um princpio ordenador das quantidades

    trocadas. (MONTELLA, 2010, p. 8).

    Para Smith, o princpio ordenador que permite a efetivao das trocas o trabalho.

    Quando trocamos uma mercadoria por outra estamos efetivamente trocando trabalho,

    cambiando sacrifcios equivalentes:

    Portanto, o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas no

    tenciona us-la ou consumi-la ela prpria, seno troc-la por outros bens, igual

    quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe d condies de comprar ou

    comandar. Consequentemente, o trabalho a medida real do valor de troca de todas

    as mercadorias. (SMITH, 1981, p. 63).

    Essa teoria encontra coerncia na sociedade mercantil simples, onde os produtores

    livres e diretos so donos do produto de seus trabalhos. No entanto, na sociedade

    fundamentada no valor capital, marcada profundamente pela generalizao da troca, o

    trabalhador no livre e no usufrui, por completo, do produto de seu trabalho. Nessas

    condies, o trabalho contido em uma mercadoria diverge do trabalho comandado por uma

    mercadoria. (MONTELLA, 2010, p. 9). H, portanto, uma divergncia entre o trabalho

    contido e o trabalho comandado nas condies do modo de produo capitalista:

  • 38

    Porque deixam de ser iguais a quantidade de trabalho invertida na produo de uma

    mercadoria e a que com esta se pode comprar ou comandar, assim que aparece na

    sociedade a acumulao de capital? Como possvel, a partir de tal poca, comprar

    com a mercadoria uma quantidade de trabalho igual que custou produzi-la [....] e

    outra adicional que pode ser trocada pelo lucro? Smith no explica; se limita a

    insistir diversas vezes nesta caracterstica especfica do capitalismo (de que o

    trabalho contido diverge do trabalho comandado) e a repetir que o valor do lucro e tambm da renda mede-se deste ento pela quantidade de trabalho que cada um deles pode comprar. (ZAMORA, 1984, p. 36).

    Diante dessa incoerncia, mais uma vez, Smith abandona a teoria do valor-trabalho

    comandado e recorre teoria dos custos da produo, afirmando que o valor de uma

    mercadoria resultado da soma dos trs elementos que compem o seu preo de custo:

    salrio, lucro e renda da terra.

    A origem da incoerncia est na manuteno da igualdade entre o valor do trabalho

    (salrio) e o valor do produto do trabalho, a qual, como vimos, correta para a

    anlise da troca em uma sociedade de produtores independentes, mas errnea

    quando se trata da sociedade capitalista. (BELLUZZO, 1980, p. 27).

    Dessas incoerncias decorrem trs questes fundamentais: a teoria do valor-trabalho

    de Smith incompatvel com a forma valor capital, ou seja, com o modo de produo

    capitalista; o trabalho contido nas mercadorias no modo de produo capitalista diverge do

    trabalho comandado; a teoria dos custos da produo no modo de produo capitalista foi

    criada para velar o processo de explorao e de expropriao que envolve o trabalhador.

    A teoria do valor-trabalho na forma em que Smith a props acaba se reduzindo a

    uma ingnua e inaceitvel teoria do custo de produo. E, dessa forma, possvel

    afirmar-se, como Blaug, que uma teoria do valor baseada no custo de produo de

    um produto se acha claramente desprovida de significado se no inclui alguma

    explicao acerca da maneira como se determina os preos dos servios produtivos.

    (BELLUZZO, 1980, p. 28).

    Mesmo diante dessas inconsistncias, podemos afirmar que a teoria de Smith ofereceu

    grandes avanos Economia Politica Clssica. Como supracitado, Smith viveu nos

    primrdios da Revoluo Industrial, e sua obra um re