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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO VALORES E SIGNIFICADOS DO CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO ANDRÉ CAUDURO D’ANGELO Porto Alegre, março de 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ADMINISTRAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO MESTRADO ACADMICO EM ADMINISTRAO VALORES E SIGNIFICADOS DO CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO ANDR CAUDURO DANGELO Porto Alegre, maro de 2004 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ADMINISTRAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO MESTRADO ACADMICO EM ADMINISTRAO VALORES E SIGNIFICADOS DO CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO DissertaodeMestradoapresentada aoProgramadePs-Graduaoem Administrao da Universidade Federal doRioGrandedoSulcomorequisito paraobtenodottulodeMestreem Administrao. rea de concentrao: Marketing ANDR CAUDURO DANGELO Orientador: Dr. Carlos Alberto Vargas Rossi Porto Alegre, maro de 2004. AGRADECIMENTOS Agradeo: ao CNPQ e ao PPGA;ao meu professor-orientador Carlos Alberto Rossi; aosprofessoresNique,SlongoeLuce,pelasobservaesaoprojetodesta dissertao; atodosaquelesquecontriburamdealgumaformacomestadissertao, indicandoentrevistados,sugerindobibliografiaoudandodicasparaa conduodapesquisa:Andres,Francine,Stefnia,Juliano,Jonas,Heleno, Thas,Sabine,Laetitia,PatrciaMenda,MarianaBacaltchuck,Guilhermee JordanaLiberali,professorEverardoRocha,LetciaBellia,LucianaWalther, Marcos Ferreira, Tatiana Soter, Denise Amon, Clia Barth e Suzane Strehlau. a todos os entrevistados que se dispuseram a colaborar, dedicando parte do seutempoafalarsobresuasexperinciascomoprofissionaisou consumidores do mercado de luxo.E sobretudo, agradeo: aoTotonho,DorothyeAlessandra,pelaacolhidaemSoPauloea contribuio decisiva para a viabilidade desta pesquisa; e minha famlia pais, irm, tios e avs que ajudaram de inmeras formas na realizao deste trabalho. A todos, o meu muito obrigado. SUMRIO RESUMO.................................................................................................................................06 ABSTRACT............................................................................................................................07 INTRODUO.......................................................................................................................08 1 DELIMITAO DO TEMA E QUESTO DE PESQUISA...........................................11 1.1 DEFINIES DE CONCEITOS....................................................................................12 2 OBJETIVOS........................................................................................................................16 2.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................16 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS.........................................................................................16 3 JUSTIFICATIVA.................................................................................................................17 3.1 O MERCADO BRASILEIRO DE BENS DE LUXO...................................................17 3.2 ESTUDOS SOBRE O CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO NO BRASIL ......20 4 FUNDAMENTAO TERICA.......................................................................................22 4.1 CONSUMO: CULTURA E SIGNIFICADOS ...............................................................22 4.1.1 Algumas Definies Necessrias..........................................................................24 4.1.2 O Mundo do Consumo: Caractersticas, Componentes e Funcionamento .....................................................................................................................................................27 4.1.3 O Consumidor e seus Objetos...............................................................................32 4.1.4 O Ato de Fazer Compras: Caractersticas...........................................................34 4.1.5 A Dimenso Moral do Consumo: Uma Breve Discusso...............................35 4.2 CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO.....................................................................38 4.2.1 Definio e Classificao dos Produtos de Luxo.............................................39 4.2.2 Luxo: Motivaes e Pblico Consumidor ...........................................................45 5 MTODO.............................................................................................................................49 5.1 FASES DA PESQUISA..................................................................................................53 6 RESULTADOS..................................................................................................................75 6.1 OBSERVAES PRELIMINARES.............................................................................75 6.1.1 Sobre Caractersticas Gerais do Captulo ........................................................75 6.1.2 Sobre a Obteno dos Resultados e sua Estrutura de Apresentao......77 6.2 SOBRE A AMOSTRA: CARACTERSTICAS DOS ENTREVISTADOS...............80 6.3 RESULTADOS DE PESQUISA....................................................................................82 6.3.1 Valores do consumo de luxo..................................................................................85 6.3.1.1 Valor: qualidade intrnseca..................................................................................86 6.3.1.2 Valores: aparncia e hedonismo........................................................................91 6.3.1.3 Valor: distino.......................................................................................................96 6.3.2 Significados do Consumo de Luxo.................................................................... 119 6.3.2.1 Significado: prazer ............................................................................................. 119 6.3.2.2 Significado: impulsividade/compensao............................................ 126 6.3.3. Influncias sobre o consumo de produtos de luxo...................................... 130 6.3.4 Caractersticas da compra ................................................................................... 134 6.4 RESUMO....................................................................................................................... 137 6.5 VALIDAO DOS RESULTADOS .......................................................................... 138 7 CONCLUSES................................................................................................................ 141 7.1 REFLEXES ACADMICAS E SUAS IMPLICAES....................................... 141 7.2 DISTINO E CAPITAL CULTURAL...................................................................... 144 7.2.1 Fontes de Capital Cultural.................................................................................... 149 7.2.2 A Questo da Moda................................................................................................ 152 7.3 SACRALIZAO, MITO E SEDUO.................................................................... 155 7.4 A QUESTO MORAL ................................................................................................. 164 7.5 COMENTRIOS FINAIS........................................................................................... 171 7.6 SUGESTES DE FUTURAS PESQUISAS ............................................................ 175 7.7 IMPLICAES GERENCIAIS................................................................................... 176 7.8 LIMITAES................................................................................................................ 181 REFERNCIAS................................................................................................................... 183 ANEXOS .............................................................................................................................. 202 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Transferncia de Significados na Sociedade de Consumo.................27 Figura 2 Dimenses dos produtos de luxo ...............................................................42 Figura 3 Fases da pesquisa ..........................................................................................53 Figura 4...................................................................................................................................66 Figura 5...................................................................................................................................67 Figura 6 Sntese dos procedimentos de anlise de dados ..................................69 Figura 7 Sntese dos procedimentos de confiabilidade e validade....................74 RESUMO O mercado de produtos de luxo apresentou grande crescimento no Brasil nos ltimos dez anos. Apesar disso, pesquisadores de marketing no dedicaram grande ateno a este fenmeno. A presente pesquisa tem o objetivo de suprir parcialmente essa lacuna, ao investigar quais os principais valores e significados do consumo de produtosdeluxonoBrasil.Apesquisavaleu-sedeummtodoqualitativode investigao,comtrsfontesdeevidnciaprincipais:entrevistasemprofundidade, consulta a materiais e observao. O foco do estudo recaiu sobre duas categoriais deprodutos:vesturioejoalheria.Identificaram-sequatrovaloresfundamentaisa orientaroconsumodeprodutosdeluxo-aqualidadeintrnsecadosprodutos,o hedonismo,apreocupaocomaaparnciapessoaleadistino,edois significados fortemente associados a ele prazer e impulsividade / compensao. A pesquisa indicou ainda que o consumo de bens de luxo influenciado pelos meios social,profissionalefamiliar.Acomparaodosresultadosdesteestudocom trabalhosrealizadosemoutrospasesmostrouqueosprodutosdeluxo compartilhamdiversossignificadosevaloresemsociedadesdomundotodo.A pesquisa aponta tambm para a presena de caractersticas da moderna sociedade de consumo no Brasil. ABSTRACT Inthelasttenyears,Brazilianluxurymarkethasexperiencedan expressivegrowth.However,theconsumptionofluxuryproductshasrarelybeen studiedbymarketingresearchers.Thisresearchhasthegoalof exploringthis gap by investigatingthemainvaluesandmeaningsofconsumptionofluxury productsinBrazil.Theresearch wasbasedona qualitativeapproach,usingthree sourcesofinformation: i n-depthinterviews,deskresearchandobservation. The researchfocusedontwoproductscategories: apparel andjewelry.Fourvaluesand two meanings were found as central tothe consumption of luxury goods. The values are:intrinsicqualityofgoods,hedonism,concernsaboutgoodlookingand distinction.Themeaningsidentified arepleasureandimpulsivebehavior.The research also found that social, professional and familiar environments influence the consumption of luxury products. The comparison of the results of this research with the results found in studies in other countries indicates that the consumption of luxury productshas valuesandmeaningsthatarecommonto manysocieties aroundthe world.Thisresearchalsounveilsaspectsofthemodernconsumptionculture in Brazil. INTRODUO Things R Us James Twitchell Afrasequeabreestadissertaopossivelmentesejaummistode provocaoeexagero,especialmenteseconsideradooretrospectodeseuautor, umnotriodefensordoconsumo;paraTwitchell,omaterialismonospreenchee possuiregastarsoasmaisapaixonantesegeralmenteasmaisimaginativas tarefasdavidamoderna(TWITCHELL,1999,p.286).Porm,concorde-seouno comsuasafirmaes,ofatoqueoconsumoumdosfenmenosmais importantesdassociedadesmodernas.Oexamedasrelaesentreosseres humanoseosobjetospermiteconhecerinmerascaractersticasepeculiaridades individuais e culturais, constituindo um retrato das pessoas e dos grupos sociais. RespaldadoporconceitosoriundosdaAntropologia,SociologiaePsicologia, o estudo do carter simblico e dos significados sociais e psicolgicos do consumo temmerecidoatenodosacadmicosdeMarketing.Aascensodetalinteresse representaaevoluodoconhecimentoparaalmdasfronteirasutilitaristase essencialmenteracionaisdateoriaeconmicatradicional(JAIMEJr.,2001), superando, inclusive, a restrita viso vebleniana do consumo como fator de status e diferenciao social (MCCRACKEN, 1988; ROCHA et al., 1999; CAMPBELL, 2001). Est-se, em ltima instncia, a reconhecer que (...) h smbolos no capitalismo tanto quantohsimbologiasemitologiasentreosndiosdoAmazonas,osnativosda Polinsia e os negros da frica Equatorial (DA MATTA, 1984, p.9) e que objetos de 09 consumosoapartevisveldacultura(DOUGLAS,ISHERWOOD,1996,p.38), contribuindo para torn-la mais tangvel (MCCRACKEN, 1988). Considerandotodasestasvises,nadamaisnaturaldoquelanarumolhar atentoaocotidiano,palcodochamadoteatrodoconsumo,paratentarcaptarum poucodalgicasimblicaedoemaranhadodesignificadospresentenosmais corriqueirosatosdeconsumo.Hquesedesprenderumpoucodacondiode partcipe dessa realidade, tornando-a estranha aos olhos, como manda a tradio de pesquisa da Antropologia Social (ROCHA, 1984; BARBOSA, 1999), na ambio de entend-lamaisprofundamente.NoMarketing,essatemsidoaproposta encabeadaporpesquisadoresdaquiloqueseconvencionouchamarde antropologiadoconsumooudeestudosdaculturadoconsumo,geralmente marcados pela imerso de pesquisadores em um locus determinado de investigao e a transposio de seus relatos, impresses e sentimentos em forma de produo acadmica.FoiassimcomalgumasetnografiasconhecidasmotoqueirosHarley Davidson(SCHOUTEN,MCALEXANDER,1995),praticantesdepra-quedismo (CELSI,ROSE,LEIGH,1993),celebraesfamiliaresdoDiadeAodeGraas (WALLENDORF,ARNOULD,1991)ealgunstrabalhosmenosdivulgados,mas igualmente interessantes como o que abordou a experincia de consumo na Nike Town(PENALOZA,1998).Procurou-se,emtodoseles,promoverocasamentodo MarketingedoComportamentodoConsumidorcomtradiesdepesquisas qualitativas oriundas das cincias sociais, unindo conceitos e interpretaes dos dois campos. Os resultados foram estimulantes. No Brasil, o Coppead da UFRJ possivelmente o principal centro incentivador depesquisasdestanatureza.Recentemente,vriastesesedissertaestmsido produzidas com o intuito de focar valores e prticas de diversos grupos sociais, a fim decompreenderouniversosimblicocomoqualconstroemsuasexperinciasde consumo (ROCHA et al., 1998).Entre esses grupos esto os novos-ricos do Rio de Janeiro, profissionais liberais negros, patricinhas e yuppies. Talvezpoucascategoriasdeconsumosejamtointeressantes,dopontode vistaacadmico,quantoadosprodutosdeluxo.Afinal,essessoosobjetosque 10 melhor exemplificam a subjetividade individual e a influncia da cultura sobre o ser humano(BERRY,1994;TWITCHELL,2002),prestando-seaabordagens multidisciplinaresdepesquisa(BERRY,1994).Sopossivelmenteosobjetosmais repletosdesignificadosdentrodaculturamaterial(TWITCHELL,1999),sendo consideradosverdadeirossignosdeusopolticoesocial(APPADURAI,1990).O luxo o que melhor corresponde expresso dos desejos e das emoes humanas (BERRY, 1994; ALLRS, 2000), de forma que atravs deles pode-se conhecer um pouco do universo das pessoas que os consomem. Um universo no qual, supe-se, osobjetossejamumaparcelaimportanteealtamenterepresentativa,vistoque tangveldeumsistemadevaloresedeumavisodemundocompartilhadaque lhes confere significado. justamentedessesobjetos,edocontextonoqualestoinseridos,quese ocupa essa dissertao. 1 DELIMITAO DO TEMA E QUESTO DE PESQUISA A despeito das dificuldades que possam surgir na tentativa de definir o que umprodutodeluxo(KAPFERER,1998),fatoqueassociedadesmodernas trataram de disseminar, via empresas e seus instrumentos de marketing, uma noo razoavelmentecompartilhadadoconceitodeluxo(BERRY,1994).Emestudosde Administrao e Marketing, convenciona-se chamar de luxo todo aquele produto ou serviodotadodequalidade,esttica,preoeimagemdemarcasuperioresaos convencionais(LOMBARD,1989;DUBOIS,PATERNAULT,1997),podendo pertenceravriascategoriasdebens,emboraalgumasdelas,naturalmente, estejam mais associadas ao conceito. Por isso, no objetivo do presente trabalho promover discusses quanto ao carter relativo do luxo o que luxo para uns pode ser absolutamente comum para outros, afinal (BERRY, 1994; KAPFERER, 1997)esimpartirdeumconjuntode produtos e servios que, para as principais sociedades capitalistas rotulado como luxo,dadooseucarterdiferenciadoemrelaoaosbenseservios convencionais.Nosepretendeconceberluxocomoumcontraponto necessidade1,atmesmoporque,numasociedadedeconsumo,difcilafirmaro que diferencia uma necessidade real de uma social (GUIMARES, 2003), j que o avanodosmercadostransformaoluxodeumapocaemnecessidadedeoutra (BERRY,1994;TWITCHELL,2002).Porumprocessocultural,operadopelas ferramentasdocapitalismo,possvelafirmarqueexisteumgrupodemarcas, objetoseserviosuniversalmenteassociadosaoconceitodeluxo, 1 Para uma discusso a respeito deste tema, ver Berry (1994) e Kemp (1998). 12 independentementedaspeculiaridadesculturaisdecadapasouregio.Estas peculiaridadestendemaemprestarnuancesprpriassem,contudo,demover significadosfundamentaisamplamentecompartilhados(WONG,AHUVIA,1998; PHAU,PRENDERGAST,2000),oquetornaavisoquantoaumprodutodeluxo menos contraditria e mais consensual. A tentativa de garantir objetividade definio do que luxo contrasta com a subjetividadeprpriadoconsumodestesprodutos.Frank(1999)claroquantoa isso: o consumo de bens de luxo depende mais fortemente do contexto scio-cultural doqueoconsumodeprodutoscomuns.Comea-seajustificar,assim,quese procureentenderoconsumodoluxocomoumfenmenosocial,representativode manifestaes culturais, e no como uma categoria de mercadorias que responde a necessidades objetivas (APPADURAI, 1990). Nosetratadeumatarefaexatamentesimples,vistoquesetrabalhacom elementos abstratos e subjetivos por natureza. Por esse motivo, fundamental que, ao estabelecimento do problema de pesquisa fundamental dessa dissertao quais osvaloresesignificadospresentesnoconsumodeprodutosdeluxo?2 siga-se a definiodealgunsconceitosessenciaisdosquaisfar-se-usoaolongoda investigao, buscando elucid-los de maneira mais precisa. 1.1 DEFINIES DE CONCEITOS O uso de termos comosignificados e valores pode obscurecer, por vezes, aaceporealdecadaumadessaspalavrasdentrodosestudossobreconsumo. Desenvolver um trabalho acadmico demanda que o emprego de alguns termos seja efetuadovalendo-sededefiniesconceituaismaisprecisas,demodoafacilitara compreensoeeliminareventuaisambigidades.Aexatidoconceitualseimpe, portanto, como uma necessidade ao incio dos trabalhos. 2 Adota-seaquiadefiniodeconsumocomotodasasinstnciasemqueumapessoa tem contato comaspectosdomundomaterial(Kozinets,2002),podendodesempenharopapeldecriador, comprador e usurio de produtos e servios (McCracken, 1988). 13 Omaisimportanteterclarososdoistermospresentesnaquestode pesquisa: valores e significados.Valoressocrenasparti lhadasounormasde grupointernalizadaspelosindivduos,adquiridasatravsdoprocessode socializaodoserhumano(ENGEL,BLACKWELL,MINIARD,2000).Podemser culturaisesociais,quandoamplamentepartilhadosporumgrupodepessoas,ou pessoais,quandoespecficosdeumindivduo(ENGEL,BLACKWELL,MINIARD, 2000).Aadoodealgunsvalorespresumequedeterminadosobjetivosou condutas sejam preferveis a outros, guardando qualidades intrnsecas (ROKEACH, 1973).Porisso,aquiloqueumapessoaougrupopreconizacomoideale recomendvelpodeserconsideradoumvalor(REZSOHAZY,2001),jqueos valoresestabelecemasposturasecondutasconsideradaspositivasenegativas, atribuindo-lhes,tambm,diferentesnveisdeimportncia(DEVRIES,1999).A importnciadosvaloresemumasociedadeestnofatodequeelesguiamaes, comportamentos, julgamentos, comparaes, atitudes e objetivos das pessoas e dos grupos(ROKEACH,1973),guardandorelativaestabilidadeaolongodotempo (DURGEE, OCONNOR, 1996). Destas definies e caractersticas, depreende-se que os valores influenciam ocomportamentodoconsumidor,ajudandoamoldarpreferncias,escolhase modos de uso dos produtos (ENGEL, BLACKWELL, MINIARD, 2000). Desse modo, quando colocada a inteno de conhecer os valores do consumo de produtos de luxo,est-sesupondoquedeterminadogrupodeconsumidoresouprofissionais enxerga nesses objetos elementos congruentes com suas crenas e normas. Significado,porsuavez,umacombinaodepercepesquepermiteao serhumanocategorizarexperinciasdentrodeseumododeencarararealidade, conferindo-lhessentido(BECKER,1962;LEVY,1963,apudWOLF,2002;KLEINE III, KERNAN, 1988).Os significados no so inerentes aos objetos e aos eventos e simatribudosporquemosinterpreta(KLEINEIII,KERNAN,1988).Daasua caractersticapolissmica-ummesmoobjetoouexperinciapodeassumir diferentessignificados(KLEINEIII,KERNAN,1988e1991)-eoseucarter essencialmente subjetivo (KLEINE III, KERNAN, 1991). 14 Todosignificadoestinseridoemumcontexto,sendodeledependente,de modoquemudanasnocontextopodemacarretarmudanasnossignificados (KLEINEIII,KERNAN,1988e1991).Entretanto,adespeitodediferenas contextuais e individuais, um conjunto mnimo de significados compartilhado pelas pessoas,permitindo,assim,acomunicaosobreexperinciaseobjetos(KLEINE III, KERNAN, 1988 e 1991). Ossignificadosatribudosaosprodutosdeterminamocomportamentodos consumidoresemrelaoaeles(KLEINEIII,KERNAN,1991).Arespostados consumidores,inclusive,d-seemrelaoaossignificadosdeumprodutoou servio,enoaelespropriamente(KLEINEIII,KERNAN,1991).Amaneirapela qualpode-seacessarossignificadosatribudosaumaexperinciaouobjetoest nosrtulospelosquaisosconsumidorestendemaidentific-los(KLEINEIII, KERNAN,1991).Osrtulosso,geralmente,palavras,expressesounomes atravsdosquaisaspessoasexpressamosentidoquedeterminadoevento, experincia ou elemento assume para elas (KLEINE III, KERNAN, 1991). A partir destas definies, cabe fazer uma observao: se a maneira pela qual pode-se acessar os significados atravs do rtulo que as pessoas atribuem, fica evidentequenumapesquisaqualitativacomoaqueserealizouaqui-os significadossoobtidosapartirdaexplicitaodosmesmosnosdiscursosdos entrevistados.Naturalmente,ortuloatribudopodeapresentarmaioroumenor precisoeclareza,conformeonveldefamiliaridadedoobjetooudaexperincia paraoentrevistado(KLEINEIII,KERNAN,1991).Noentanto,somenteoprprio entrevistadosejanumquestionamentodiretoouviaanliseconjuntadoseu discursocapazdeconcordarseortuloatribudocondizentecomassuas intenes.Nemsempreissopossvel,contudo,oqueemprestaumcarter inferencial captao de significados (KLEINE III, KERNAN, 1991) em um processo de pesquisa. De qualquer maneira, os significados so explcitos, pois existe um rtulo a identific-los.Osvalores,entretanto,podemestarexplcitosouimplcitos 15 (KLUCKHOHN,1951,apudDURGEE,OCONNOR,1996).Umvalorpodeser depreendidoatravsdotestemunhodeumentrevistado(maneiraexplcita),mas tambm atravs da observao de suas escolhas, da estrutura cultural e social onde transitaedosseusprpriospadresdecondutanumainteraosocial (OYSERMAN, 2001). 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Descrevereanalisaroconjuntodevaloresesignificadospresenteno consumo de produtos de luxo. 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS Identificarasprincipaisfontesdeinflunciasobreoconsumodeprodutos de luxo. Identificar caractersticas da compra de produtos de luxo. 3 JUSTIFICATIVA Na Introduo, foram oferecidas justificativas tericas para a realizao desse trabalho. Por isso, este espao ocupar-se- de dois outros aspectos que reforam o interesse pelo tema e por sua forma de abordagem: 1) a dimenso que o mercado deprodutosdeluxoapresentanoBrasil,fartamentereportadapelaimprensanos ltimosanos;e2)o(ainda)baixonmerodetrabalhosacadmicossobreesse universo de consumo no Brasil. 3.1 O MERCADO BRASILEIRO DE BENS DE LUXO Em 2002 e 2003, a economia brasileira viveu alguns perodos especialmente turbulentos.Aindasoboimpactodoracionamentodeenergiaedosatentados terroristasaosEUA,ambosem2001,edaeleioepossedosnovosgovernos estaduais e federal, o pas enfrentou a diminuio dos investimentos e a retrao do consumo(SAFATLE,PACHECO,2003).Nasmontadorasdeautomveis,ptios repletos; nas lojas, pouco movimento; nos restaurantes, menos clientes. Em sntese, aquilo que freqentemente se observa em perodos de recesso ou de estagnao econmica: consumidores comprando menos. Osetordeprodutosdeluxo,noentanto,senopassouinclumeporessa crise, ao menos no sofreu tanto com ela. Segundo a imprensa, a loja brasileira da Diorsuperousuasmetasdevendaemquase40%,enquantoZegna,Montblance EmprioArmaniexperimentaram,em2003,crescimentode72%,10%e48%, respectivamente,emrelaoaoanoanterior(TEIXEIRA,2003).OBrasil 18 considerado o segundo mercado mundial para bens de luxo, em termos de potencial deexpanso(UPDATE,2000),representando40%domercadosul-americano desses produtos (Casado e Horta, 2001). O pas ocupa o segundo lugar em vendas dascanetasMontblancnomundoeononoemcarrosFerrari(WEINBERG,2002). Recentemente,Tiffany,MontblanceLouisVuittonabriramnovaslojasnopas (ALMEIDA, 2003). Chama a ateno que cresa no pas um mercado aparentemente to restrito quanto esse. De fato, a chamada classe A1 (com renda familiar mdia de R$ 7,8 mil) representaapenas1%dapopulaobrasileira(ANEP,2003).Pouco,certamente, parasustentarummercadoestimadoemquaseUS$1bilhonoPasem2000 (CASADO, HORTA, 2001), mas que se soma a outros 5%, constituintes da chamada classe A2 aquela que, com uma renda familiar mdia de R$ 4,6 mil, (ANEP, 2003), se permite desfrutar de alguns produtos caros e sofisticados (VARELLA, 2001). Os integrantesdestaclasseprofissionaisliberais,executivos,pequenosemdios empresriosvalem-sedecomprasparceladaseformam,hoje,cercade40%da clienteladaLouisVuittonerepresentamentre60%e65%dasvendasdaEmporio Armani (VARELLA, 2000). De fato, a incorporao desse segmento de consumidores fundamental para explicaraatratividadedomercadobrasileiro.SegundooconsultorCarlos Ferreirinha, no a bolsa de R$ 27 mil que sustenta o luxo em pas algum (STEIN, 2003,F1).NoBrasil,menosainda;poraqui,depende-semuitodochamado consumidoraspiracional,capazdeficarseismesespagandoumabolsaLouis Vuitton, segundo o consultor Alberto Sorrentino, e ainda assim comprar pelo menos uma pea por ano (ALMEIDA, 2003). Dadas as dimenses do pas, o investimento dasempresasnomercadobrasileirocompensa.ABang&Olufsen,fabricantede equipamentossofisticadosdeudioevdeo,calculouqueapenas0,7%da populaobrasileirateriacondiesdeadquirirseusprodutos.Essepercentual equivaleaaproximadamente1,2milhodepessoas,poucomenosdametadedo mercado potencial da Dinamarca, sede da empresa (VEJA, 2002b). A concluso da empresa, segundo a revista Veja, foi de que o Brasil tem uma populao to grande que quase sempre possvel ganhar dinheiro (VEJA, 2002b, p.28), fato para o qual 19 oprofessordemarketingRaimarRichersjhaviaalertadoanosantes:mesmono Brasil, o mercado de luxo elevado (RICHERS, 1996, p. 121). A cidade de So Paulo constitui exemplo evidente dessa realidade. Principal redutodoconsumodessesprodutos,acidadeostenta,numaregioformadapor quatroruasnobairrodosJardins,quase50lojasdeprodutossofisticados,sendo maisdametadedelasdegrifes3internacionais(KALIL,2000).TambmemSo Paulo localiza-se a Daslu, uma loja brasileira sem semelhante no mundo inteiro. Nos seus11milmetrosquadrados,socomercializadasasmaisimportantesgrifes nacionaiseinternacionaisdeprodutosquevodesdevesturioatpeasde decorao,passandoporprataria,jiasechocolatesfinos.ADaslu,quetem faturamento anual estimado em R$ 130 milhes (PINHEIRO, 2000), j foi motivo de reportagem em revistas estrangeiras, como a norte-americana The New Yorker, tal seu carter mpar no mundo. O auge do mercado de produtos de luxo no pas ocorreu no final da dcada de90(LIPPI,BOCCIA,2003)einciodosanos2000,quandoasmarcas aproveitaram-se de uma demanda reprimida por tudo o que era considerado grife (STEIN,2003,p.F1).Napoca,oBrasilacompanhouumatendnciamundial:ao contrriodoinciodadcada,marcadaporumaretraonoconsumodevido recessoeGuerradoGolfo(THEECONOMIST,1992),omercadodebensde luxomostrounoperodoflegoinvejvelnasgrandeseconomiasmundiaise,em especial, na dos Estados Unidos. A ascenso das empresas de alta tecnologia e de internet,almdadistribuiodebnusdedesempenhocomoremunerao complementar de altos executivos, fizeram o consumo do luxo chegar a patamares antesvistossnosanos20,pr-quebradabolsadeNovaIorque(NUSSBAUM, 1998).Carros,viagens,roupas,jias,serviosprofissionais,equipamentos domsticos, mansestudooquedemaissofisticadoeluxuosohouvesseteve 3Nestetrabalho,apalavragrifeserutilizadacomosinnimodemarcadeluxo,adespeit oda diferenciaoentreostermospropostaporKapferer(1997).Arazoprincipaldestaescolhaestno fatodequesopalavrasutilizadasdemaneiraintercambivelnaimprensaeporalgunsautores acadmicos, o que facilita a comunicao e a compreenso do presente texto. 20 incrementodevendasnosEstadosUnidosnesseperodo(NUSSBAUM,1998; FRANK,1999;VEJA,2002a).OfenmenonoserestringiuaosEUA.EmParis, formaram-sefilasnasportasdasgrifesmaisfamosas,obrigandooslojistasa racionaremonmerodepeasporcliente.Amaiorpartedosconsumidoresera turista, especialmente japons (SCHMIDT, 2001; AQUINO, 2002). NoBrasil,relatossemelhantes,poca,deramumaidiadaforadeste mercado.Naslojasdeluxo,houvelistadeesperaporalgunsprodutos (MOHERDAUI, 2001; KALIL, 2000), obrigando as filiais brasileiras de determinadas marcasapediremsocorrosbutiquesdeMnacoedaCalifrniaparaatender demanda(KALIL,2000,p.85).Entreoslojistas,repetiram-se relatos de produtos que vendem como gua, chegam e acabam ou que somem antes de chegar s prateleiras (VARELLA, 2000, p. 138). At mesmo acessrios de grifes famosas para animaisdeestimaocoleiras,roupinhas,bolsas,perfumespassaramaser comercializados,comsucesso,nasprincipaislojasdeSoPaulo(VEJA,1998; PIEMONTE, 2002). Observa-se, a partir dos dados e informaes referidos acima, que h no pas um mercado significativo para produtos de luxo. Investigar o que pensam e sentem seus consumidores e profissionais revela-se interessante, medida que a aceitao e a legitimao do consumo de produtos de luxo dependem da cultura de cada local (TIDWELL,DUBOIS,1996;PIRON,2000),oquenosimpededesuporqueo comportamentoeasmotivaesdosbrasileirossimplesmenteassemelhem-se aos dos norte-americanos, europeus ou asiticos. Wong e Ahuvia (1998, p.423) lembram que s porque muitos produtos so os mesmos na sia e no Ocidente no significa queosconsumidoresosadquirempelasmesmasrazes,ouqueosprodutos apresentem funes sociais semelhantes em cada sociedade, pois itens materiais podemserfacilmentemovidosoucopiados,masseussignificadossodifceisde ser transferidos atravs de culturas. 21 3.2 ESTUDOS SOBRE O CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO NO BRASIL NoBrasil,emquepeseocrescimentodomercadodeprodutosdeluxoeo interessecomquevemsendodocumentadopelaimprensa,aparentementepouco seproduziuatagoraacercadeseusconsumidoreseempresas.Sobreotema, tem-seconhecimentodeapenasumadissertaodemestrado,defendidana EAESP/FGVem1996,comottuloMarketingdeProdutosdeLuxo:Simbolismo, Marcas e Estratgia, de Celia Barth. Trata-se de um estudo focado no setor sua estrutura,caractersticaseestratgiaspreponderantesenonosseus consumidores e profissionais. TambmoriundodosquadrosdaEAESP/FGV,foipublicadoem2002,nos Anais do ENANPAD, estudo que buscava a validao de uma escala para consumo de status. Sua autora, Suzane Strehlau, prepara tese de doutorado em que analisa, junto aos consumidores, a questo da falsificao das marcas de luxo. Naturalmente, a procura por artigos e trabalhos jamais exaustiva. Porm, a consultasmaistradicionaisbasesdedadosefontes de informao acadmicas apontou a existncia, apenas, dos estudos supracitados como semelhantes ao que seapresentaaqui.Assim,estadissertaoconstituioprimeirorelatoacadmicoa respeitodosconsumidoreseprofissionaisdeumdosmercadosquemaistm chamado a ateno no Brasil nos ltimos anos. 4 FUNDAMENTAO TERICA Duassoasdivisesdessarevisobibliogrfica:aprimeiralanaumolhar sobre o consumo enquanto manifestao cultural, envolta em valores e significados. A segunda, mais especfica, relaciona-se aos produtos de luxo. 4.1 CONSUMO: CULTURA E SIGNIFICADOS Maximizaodautilidade,escolharacional,objetividadedeavaliao. Inmeros termos so capazes de sintetizar a teoria econmica tradicional referente aocomportamentodoconsumidoremsuasdecisescotidianas.Aspremissasso claras: as escolhas do consumidor so racionais e objetivas, visando sempre a uma compra ideal- aquela em que a mxima utilidade e o menor dispndio monetrio se combinam. O consumidor, ademais, visto quase como um indivduo isolado; suas decisesnosofreminflunciadomeiosocial(DOUGLAS,ISHERWOOD,1996), estandounicamentesubmetidasdisponibilidadeeaopreodosprodutos. DisciplinamedoMarketing(ROSSI,2001),nodeadmirarqueosconceitos fundamentaisdaEconomiatenhampredominadonavisodeprofissionaise estudiosos das relaes de mercado por tanto tempo. O estgio atual de desenvolvimento da disciplina, entretanto, exige que outras reas de estudo venhamaosocorrodoMarketingnatentativadecompreensodo comportamentodoconsumidoredosatoresdomundodoconsumo.Opapel fundamental que o consumo desempenha nas sociedades capitalistas demanda que disciplinasmaisdistantesdoMarketingedaEconomiacasodaPsicologia, 23 AntropologiaeSociologiasomemesforosnatentativadeexplicar,entendere preverofenmenodoconsumonasuadimensomicro o indivduo e macro comosistemasocial.Aracionalidadedoconsumidoreautilidadedosobjetosno so,hmuito,oselementospredominantesnasrelaescapitalistas,sequeum dia o foram. Sidney Levy j atentava para tal fato em 1959, atribuindo a necessidade deanalisarosaspectossimblicosdoconsumoexpansodaquantidadede produtosdisponveisnomercado.Segundoele,noclssicoartigoSymbolsfor Sale,emcontraposioaoperodoemquesomentegnerosbsicosconstituam asopesexistentesnomercado,umainfinidadedemercadoriasfaziapartedo universo do consumo de ento, tornando a funo dos objetos um mero coadjuvante dos significados que representavam. Levypavimentouosprimeiroscaminhosparaumentendimentodos significadosdoconsumo.Noentanto,suavisoofereceapenasumaperspectiva parcial desse fenmeno, que tem em algumas razes histricas sua explicao mais profunda e reveladora. A Revoluo ComercialentendidaaquicomoacombinaodaRevoluo IndustrialiniciadanaInglaterranosculo18comaRevoluodoConsumidor, aquela que deu vazo a gostos, modas e interesse dos indivduos pelo consumo representaapassagemdasociedadetradicionalparaamoderna(SLATER,2002). Na sociedade tradicional, o consumo vinculava-se ao status social, geralmente fixo, imvel; na modernidade, a estabilidade das posies sociais d lugar a uma ordem marcadapelamobilidadeepeloquasedesapegostradies,emqueas possibilidades de escolha e os ideais de ascenso perpassam, legitimamente, todos osgrupossociais(SLATER,2002).Asrelaescapitalistas,mediadaspelo mercado, tomam o lugar da regulamentao e da restrio da sociedade tradicional e assumem papel central na vida econmica, cultural e social (SLATER, 2002). Nessa nova ordem, os objetos de consumo deixam de ser privilgio de alguns e passam a ser aspirao de todos. De elementos funcionais ou de mera sinalizao destatus,ganham,gradativamente,significadosnovos,reflexodaceleridadedas mudanassociaisedasnovasesferasdemanifestaoeexpressocoletivase 24 individuais. Na sociedade moderna, a identidade social, outrora uma herana que se mantinhaestvelaolongodavidadeumapessoa,passaaserconstrudapelo prprio indivduo, que se vale, principalmente, de produtos e servios para mold-la (CASOTTI, 1998; SLATER, 2002). assim que os produtos se tornam, na referncia deLevy,smbolosesignificados(LEVY,1959;SLATER,2002),apontodos consumidoresnodesenvolveremlealdadesmarcaspropriamente,massimaos smbolos e imagens que produzem no momento do consumo (FIRAT, VENKATESH, 1995). Nosculo20,aprimoramentoscontnuosnastecnologiasdeproduo associam-sesofisticaodastcnicasdemarketingepropagandae disseminaodosmeiosdecomunicaodemassaparapotencializaras caractersticas da sociedade moderna, em comparao com a tradicional (SLATER, 2002).Tomaforma,ento,asociedadedeconsumoasociedadeemqueo consumooelementocentraldavidasocial,asaspiraesdecompraeusoso legtimas e em que a insaciabilidade dos desejos de posse de objetos, mais do que umacaracterstica,umanecessidademanutenodosistema(FULLERTON, PUNJ, 1998). Uma sociedade em que no existem barreiras a quem possa consumir enemaoquepossaserconsumido(SLATER,2002)eondeosprodutossoo principal reflexo da ordem social vigente (FULLERTON, PUNJ, 1998). Em suma: a sociedade em que vivemos hoje. 4.1.1 Algumas Definies Necessrias Finalizadaestabreveexposio,surgenaturalmenteasuspeitadeque cultura e consumo guardem ntima relao nos nossos dias. Embora no to popular quanto a expresso sociedade de consumo, o termo cultura do consumo, tentativa desintetizarabuscadecompreensodosfenmenossociaisdamodernidade, indicaclaramentequeoentendimentodeumtermopassapelacompreensodo outro (ROCHA, 2000). 25 Paraabord-los,sonecessrios,deimediato,quesepromovamalgumas definies bsicas. Oconsumo,numavisoabrangente,podeserdefinidocomoa criao, a compra e o uso de produtos e servios (MCCRACKEN, 1988). Cultura, por suavez,oconjuntodevalorescompartilhadosporumacoletividadequeimpe umaordemeumaclassificaoaomundo,naturalmenteheterogneoedisperso (APPADURAI, 1990; KOPYTOFF, 1990; SLATER, 2002). a expresso, via idias e atividades,docarterdeumasociedade,indicandoaquiloqueconsiderado desejvel(NICOSIA,MAYER,1976).Aculturacontribuiparaconferiridentidadea umacomunidadeedot-ladeparmetrosqueapermitamconstruireinterpretaro mundoqueacerca(MCCRACKEN,1988;SLATER,2002).Soaslentescomas quaisassociedadesenxergamosfenmenoseosguiaspelosquaisos compreendem e assimilam (MCCRACKEN, 1988). Aculturadoconsumo,porsuavez,dizrespeitoaomododominantede reproduoculturaldesenvolvidonoOcidenteduranteamodernidade,designando um acordo social onde a relao entre cultura vivida e os recursos sociais (...) so mediados pelo mercado. (SLATER, 2002, p. 17). o modo de reproduo cultural emqueomercadoeasrelaescapitalistas,atravsdeseusmaisdiversos elementos, desempenham papel central. Culturaeconsumoencontraram,apartirdosculo20,umaligaosem precedentes na Histria da humanidade (MCCRACKEN, 1988), visto que o consumo tornou-seaformapelaqualasociedadepassouaassimilarsuaprpriacultura (SLATER,2002).Oconsumosetornou,naspalavrasdeBaudrillard,apalavrada sociedadecontemporneasobresimesma,omodocomoanossasociedadese fala (1981, p. 241). Mais do que a mensagem de um sistema, tornou-se o sistema emsi(DOUGLAS,ISHERWOOD,1996,p.49),demodoqueassignificaes assumidas pelos objetos no se manifestam isoladamente, e sim na relao de uns comosoutros(BAUDRILLARD,1981).Todooconsumo,porconseqncia, cultural, pois envolve valores e significados partilhados socialmente e porque tudo o queconsumimospossuiumsignificadoculturalespecfico,atravsdoqual reproduzimosnossosistemaderelaessociais(SLATER,2002).Noterritriodo consumo possvel enxergar parcela representativa dos valores (crenas e normas 26 vigentes, segundo Engel, Blackwell e Miniard, 2000) existentes em uma sociedade, assim como compreender caractersticas sociais e individuais atravs da leitura dos significados (formas de categorizao) imputados a produtos e servios. Aestaaltura,oleitorpodersentir-setentadoaconcluirqueaunioentre culturaeconsumoumprivilgiodomundocapitalistae,portanto,umfenmeno relativamenterecentenaHistriadahumanidade.Naverdade,nuncaseobservou uma separao entre cultura e consumo, simplesmente porque todos os fenmenos sociaissoculturalmentedeterminados,jqueemergemdointeriordasociedade (SLATER,2002).Ouseja:osobjetosnotmsignificadoalgumforadaqueles atribudospeloshomens(APPADURAI,1990)emesmoafunodeumobjeto definidaculturalmente,jqueelainexistedemaneirainerenteaoobjeto(SLATER, 2002).Poder-se-iaafirmaratqueafunoumsignificado,dadasua determinao cultural (SLATER, 2002). O entendimento que se pretende transmitir dequeemnenhumaoutrapocaossignificadosatribudosaosobjetosse multiplicaramcomtamanhavelocidade,reproduzindo-seconstantementee suplantando inclusive as caractersticas funcionais, como atualmente. O sistema de signos e smbolos vinculado aos objetos jamais foi to forte e to representativo da ordem social e to enredado na coletividade. Essa a caracterstica que distingue a sociedadecontemporneadassuaspredecessoras:omundodoconsumouma rede de signos e significados interligados e interdependentes e oferece um modo de socializao aos seus indivduos (BAUDRILLARD, 1981). Evidencia-se, ento, que para entender o consumo necessrio entender a cultura,e,nasociedademoderna,arecprocatambmverdadeira:spossvel compreender a cultura contempornea se entendermos as relaes capitalistas e de consumo que nela vigoram. No momento em que cultura e consumo so operados conjuntamente, o consumo deixa de ser um mero produzir, comprar e usar produtos parasetornarumsistemasimblico,atravsdoqualaculturaexpressaseus princpios, categorias, ideais, valores, identidades e projetos (ROCHA, 2000). 27 4.1.2 O Mundo do Consumo: Caractersticas, Componentes e Funcionamento Produtoseserviostmsignificadoseimportnciaquetranscendemsua utilidadeevalorcomercial,carregandoconsigoacapacidadedetransmitire comunicarsignificadosculturais.Apartirdessapremissa,fundamentadana literatura, o antroplogo Grant McCracken prope uma espcie de sntese do modus operandi do mundo do consumo nas sociedades capitalistas. Segundo McCracken, daproduoatoconsumidorfinalexistiriaumfluxodesignificadosculturais transferidosdeumagenteaoutro,atravsdemecanismosdiversos(1988;1989). Esse fluxo de significados permearia as atividades de diversos agentes (empresas, instituies,etc.)ecategoriasprofissionais(comopublicitrios,designers,etc.)e culminaria com o prprio consumidor que, em ltima instncia, consumiria smbolos em forma de produtos. A partir desse esquema geral de McCracken representado na Figura 1 poder-se-ia compreender o funcionamento da sociedade de consumo e de seus principais atores. Figura1 Transferncia de Significados na Sociedade de Consumo Fonte: adaptado de McCracken (1988) Contexto CulturalProdutosConsumidorContexto CulturalPropagandaModaProdutosConsumidorRituais de Posse, Troca,Arrumao e Descarte 28 SegundoMcCracken,ento,ocontextoculturalmeiosocialeculturalno qualaspessoasconvivemaorigemdosignificadoimputadoaprodutose servios.Apartirdasrepresentaesscio-culturaisdosgrupossociaisquese buscaamatria-primaatravsdaqualapropagandaeamodairotransferira produtoseserviosseusdiversossignificados.Atransfernciadessessignificados do produto at o consumidor ocorre atravs de diversos rituais tpicos da sociedade deconsumo,comoaposse(comparao,avaliao,demonstraodebens pessoais),atroca(especialmenteoatodepresentear),aarrumao(cuidados dedicados a pertences pessoais) e o descarte (aquisio de produtos que eram de outra pessoa ou descarte de um produto prprio). ExistemnomodelodeMcCracken,portanto,trslocaisdesignificado (contexto cultural, produtos e consumidor) e dois momentos de transferncia de tais significados:docontextoculturalparaosprodutosedosprodutosparao consumidor. OesquemadeMcCrackenconstituiumaboasnteseeumreferencial proveitosoparaestudosnareadeantropologiaesociologiadoconsumo.Torna evidente,atravsdeumarepresentaogrficasimples,adimensoscio-cultural dopapeldecadaatornomundodoconsumoeoportunizaumainterpretao integradadasaesquemarcamocotidianodassociedadescapitalistas.Como afirma Allrs (2000), (...) difcil e intil distinguir os atos totalmente individuais dos atossociais,pois(...)cadaatoindividualserevestedeumadimensosocial(p. 49).Oconsumo,lembraSolomon(1983,p.319),noocorreemumvcuo,visto queprodutoseserviosfazempartedavidasocial.Ouseja:necessrio,para ambicionaracompreensodasquestesrelacionadasaosignificadodoconsumo, reconhecer que os agentes no podem ser analisados isoladamente e que somente a compreenso de seu papel no conjunto de relaes permite captar a essncia de cada atuao (SOLOMON, 1983; ROCHA et al., 1999). oportuno,agora,proporcionarumaanlisesintticadecadaelementodo esquema proposto por McCracken (1988). 29 Ocontextocultural,segundooautor,divide-seemcategoriasculturais(que classificaminmerosfenmenossociaisdeacordocomreferenciaiscomognero, idade,classesocial,etc.)eprincpiosculturais(idiasevaloresqueorganizame avaliamosfenmenosequefundamentamsuacategorizao).Aimportnciado contextoculturalevidenteejfoireferidaanteriormente;entende-sequeforam mudanasnocontextoculturaldosculo18,porexemplo,quefomentarama ascensodachamadasociedadedeconsumo(MCKENDRICK,1982,apudCahill, 1994;CAMPBELL,2001).Mudanasnocontextoculturalocorridasnametadedo sculo 20 seriam, tambm, a fonte de novos referenciais de consumo que perduram at hoje nas sociedades capitalistas, especialmente a dos EUA (BUCHHOLZ,1998). Propagandaemodarefletemocontextocultural,atribuindoaosprodutos determinadossignificados.SegundoMcCracken(1989)apropagandaum mecanismoextremamentepoderosoparatransfernciadesignificados,apontode poder atribuir qualquer significado a qualquer produto. Valendo-se de uma narrativa de vida idealizada, a propaganda cria mitos e assim refora valores e idias oriundos do contexto cultural (ROCHA, 1984; RANDAZZO, 1997). Sua importncia na cultura doconsumofundamental:apropagandaumdosprincipaiselementosque completaatransiodasmercadoriasdomundodaproduoparaodoconsumo, em um processo de decodificao e conferncia de significados. A propaganda e os demais instrumentos de marketing, em menor escala torna possvel o consumo aooferecerumsistemaclassificatrioquepermiteacirculaodossmbolose significados atrelados s mercadorias. Desempenha, portanto, uma funo decisiva de socializao do consumo (ROCHA, 1984 E 2000; SLATER, 2002). Amoda,porsuavez,realizaomesmoprocessodesocializaodos significados, mas de maneira um pouco diferente, visto que constitui um mecanismo maiscomplexodevidossuasinmerasfontesdesignificado,agentesde transfernciaeformasdecomunicao.Hsempreumatendnciadeassociara modasmudanasconstantesnovesturioeemoutroselementosdeadorno pessoal.Essa,contudo,umavisoparcialdofenmeno;algicadamodaa efemeridade,amudanaperidica,avalorizaodanovidade-tempermeado diversasesferassociais,indodoconsumodifusodeidiasecomportamentos 30 (LIPOVETSKY,1989).Noprprioconsumoumfenmenoirrestritoaovesturio, valendopraticamenteparatodasascategoriasdeprodutos.Nocasodacultura material,pode-secompreenderofuncionamentodestemecanismodemaneira semelhanteaodapropagandatransfernciadesignificadoscom,entretanto, uma distino: a moda capaz tambm de criar novos significados culturais atravs dosmeiosdecomunicao,deformadoresdeopinioedegruposgeralmente margem da sociedade, como homossexuais, hippies e punks (MCCRACKEN, 1988). Ossignificadosgenricostransferidosatravsdamodapodemganharcontornos maisespecficosjuntoaosconsumidores,queosutilizamnaelaboraodesuas identidadessociais.Assim,amoda,paraoindivduo,assumedimenses diversas, derivadasdaquelasdescritasanteriormente;nocasodovesturio,porexemplo, podefuncionarcomouminstrumentodecomunicao,deintegrao(entreo indivduoeasociedade),deindividualidade,deteatralizao(nodesempenhode papissociais),deautoestimaedetransformao(emumcarterteraputico,na buscadecompensaesafetivasviaconsumo),conformearealidadevivenciada pelo consumidor (MIRANDA, MARCHETTI, PRADO, 1999). Osprodutossodepositriosdesignificadosculturaisquepodemestar evidentesouescondidosparaoconsumidor(MCCRACKEN,1988). Independentementedaformacomosemanifestam,soossignosesmbolos contidosemumprodutoquelheconferempodersocial(Allrs,2000),poiso consumoocorre,propriamente,nomomentoemqueoobjetoproduzidoinserido na sociedade, tornando-se um objeto social (DA MATTA, 1984). Deixa, portanto, de ser um produto fabricado em srie e passa a ganhar nova significao (DA MATTA, 1984). Osrituaissoaformapelaqualosignificadofinalmentetransferidodo produtoparaoconsumidor.Osrituaissoaessimblicasquemanipulamo significadoculturaldemodoafavoreceracomunicaoeacategorizaoentre gruposeindivduos(MCCRACKEN,1988).umaformaqueasociedadetemde falar de si prpria (Rocha, 1984), tornando pblicos seus valores e definies sociais (DOUGLAS,ISHERWOOD,1996).Oconsumopossuirituaisprprios,conforme mencionado anteriormente (posse, troca, arrumao e descarte) e considerado, de 31 maneiramaisgenrica,comooritualdavidamoderna(WRIGHT,SNOW,1980, apud ROOK, 1985, p. 252). Os rituais ganham aspecto tangvel atravs da utilizao deartefatos(objetoseprodutosutilizados/consumidosnoritual),daexistnciade scripts(guiasqueespecificamautilizaodosartefatoseaseqnciade procedimentosecomportamentos),daperformancedepapisporpartedos participantesedapresenadeexpectadores,queacompanhamoritual(Rook, 1985).ApesardeMcCrackennoinclu-loentreosrituaisquepromovema transferncia de significados, razovel afirmar que o prprio ato de fazer compras por si s um ritual, como poder ser observado mais adiante. Porfim,oconsumidor,ltimolocusdesignificado,fazusodossignificados culturais a fim de se autodefinir socialmente. Atravs dos objetos e produtos que o indivduo adquire percepo da sua prpria vida, j que a utilizao ou exibio de umprodutocontribuiparaaconstruodapersonalidade(SOLOMON,1983;DA MATTA,1984;WALLENDORF,ARNOULD,1988;MCCRACKEN,1988e1989; TWITCHELL,1999;BELK,2000).Oconsumo,convmlembrar,nodepende somente de recursos financeiros do consumidor seu capital econmico, segundo Bourdieu (2002) , mas tambm da teia de relaes pessoais e institucionais na qual est inserido seu capital social , que um potencial influenciador da aquisio. Depende, igualmente, do conjunto de conhecimentos e gostos desse consumidor chamado de capital culturalquerefletecaractersticaspessoaisdesseindivduo oudoagrupamentonoqualtransita,equefuncionacomoelementoclassificadore hierarquizantenocontextosocial.Cadaumdessestrscapitaispodefuncionar como instrumento para a aquisio de outro: capital social ajuda a conquistar capital econmico,queporsuavez,conduzaocapitalcultural,porexemplo(SLATER, 2002). Aimportnciadosprodutosedeseussignificadosnaconstruoda identidadedosindivduosmereceumexamemaisdetido,pois,emltimaanlise, representaoprincipalfocodeinteresseemestudosdecomportamentodo consumidor. O tpico seguinte traz este enfoque. 32 4.1.3 O Consumidor e seus Objetos Belk(1988;2000)definitivoquantorelaodaspessoascomseus pertences; para ele, (...) ns consideramos nossos pertences como partes de ns. Nssomosoquetemosepossumos(2000,p.76).Belk(1988)propequeos objetosconstituemumaextensodoselfdecadapessoa,queabrangeriatambm pessoas e lugares. Enquanto o self representa a identidade do ser humano, o eu, a extensodoself representariatambmaquiloquepertenceacadaum,ouseja,o eu e o meu. Osobjetosnosoapenaspartedaspessoas;comoSolomon(1983), McCracken (1988) e Belk (1988; 2000) apontam, os pertences ajudam a desenvolver o sentido de self de cada um. O mundo do consumo prov aos indivduos o material culturalnecessrioformaodaidentidadepretendidaporcadaum (MCCRACKEN,1988).Osprodutosfuncionam,dessaforma,comoguiasde comportamento,estandorelacionadosaoprocessodedesempenhodepapisna vidasocial(SOLOMON,1983).Aimportnciadedeterminadosobjetosmudaao longo da vida, visto que a necessidade e o desejo de desempenhar diferentes papis tambmsemodifica(Belk,1984,1985e2000).Porm,adespeitodasdiferentes maneirasqueosobjetospodemserutilizadosedasdiversassimbologiasque podemcarregar,praticamenteimpossvelconsumirprodutosdesprovidosde significados (TWITCHELL, 2000) e, em decorrncia, no comunicar ou desempenhar qualquer papel social ao adquiri-los e us-los. Comumavisoumpoucodiferente,KleineIII,KleineeKernan(1993) afirmam que os objetos guardam uma relao mais forte com as identidades de uma pessoa do que com o self propriamente. Os autores distinguem identidades e self ; segundoeles,oselfglobalseriacompostodeinmerasidentidadessociais papis sociais desempenhados na vida cotidiana e que, embora separados uns dos outros,emconjuntoformamumsensogeraldequemsomos.Osindivduos difeririamnosemrelaosidentidadesqueatribuiriamasiprprios,como 33 tambm em relao importncia conferida a cada uma delas. Os objetos que mais atrairiam o consumidor, ento, seriam aqueles que mais contribuiriam para o reforo das identidades consideradas relevantes para o indivduo. Paralelamenteimportnciaqueosobjetosapresentamparaoindivduo, sobrevmnovamenteanecessidadededestacaradimensosocialecoletivados produtos e das atividades de consumo. Aqui, pode-se estabelecer a ligao entre os significados assumidos na relao do indivduo com os objetos e a sua insero em determinados grupos sociais. Convm destacar que o self mantm quatro nveis de representao o individual, o familiar, o comunitrio e o grupal (BELK, 1988) dos quais trs so eminentemente coletivos. Uma das formas de se expressar e definir a participaoemqualquerumdostrsnveiscoletivosdoselfatravsdo compartilhamento de smbolos de consumo (BOORSTIN, 1973, apud BELK, 1988). Taissmbolosdeconsumoassumemcontornosdiferentesemcadaumdos trs nveis coletivos do self, mas no deixam de estar presentes em nenhum deles. Nombitofamiliar,porexemplo,objetosrelacionadosdecoraodacasasoos maisproeminentes,enquantoquenombitocomunitrioaquelesrelacionadosao exteriordosdomicliosassumemmaiorrelevncia(Belk,1988).Nosgrupos,o uniforme informalsemelhanaencontradanomododevestirenautilizaode determinadosobjetos-identificaosseusmembros.Nocasodosgruposos exemplossomuitos,podendosercitadosdesdeaquelescominteressesbastante especficosefortementeintegradoscomoosmotoqueirosHarleyDavidson (SCHOUTEN,MCALEXANDER,1995)atoutrosmaisgenricosedispersos, como executivos (ver, por exemplo, WICKLUND, GOLLWITZER, 1982, apud BELK, 1988). Oqueosconceitosdesenvolvidosataquireafirmam,emsntese,a importnciadosobjetosparaaformaoeamanutenodaidentidadedoser humano.Toimportanteeinteressantequantoarelaodaspessoascomseus pertences a forma pela qual os objetos so adquiridos. Faz-se necessrio, assim, prover um breve apanhado terico relacionado ao ato de comprar. 34 4.1.4 O Ato de Fazer Compras: Caractersticas Comprar,segundoO'Shaughnessy(1989),umaatividademotivadae direcionadapelacrenadequesuasconseqnciasfaroavidadeumapessoa maisfeliz.,igualmente,umatoquetranscendeomerosuprirdealgumas necessidades,poisconformeUnderhillvalemo-nosdascomprascomoterapia, passatempo,entretenimento,umadesculpaparasairdecasa,paramatarotempo ou at mesmo para paquerar, encontrar pessoas (GRECCO, 2002). inevitvel que assim seja, pois os mercados shoppings, supermercados, ruas comerciais, etc. apresentamcaractersticasmarcadamentesociais,maisdoquepuramente econmicas, e funcionam como foco de reunio social (SLATER, 2002). Ademais, a diversidade de atrativos que um mercado oferece corrobora essa viso: exibio de bens,diverso,comodidadeseatraessociais,tudoemumespaos(SLATER, 2002).Aprofusodeapeloscomerciaisexistentesemumshoppingcenter,por exemplo,emblemticaquantoexperinciadefazercompraspois,conforme Underhill,comprarpodeserdefinidocomoumatodecatarse,quemobilizavrios denossossentidos.umaexperinciasensorial,corporal,sensual.(GRECCO, 2002).Poressemotivo,paramuitosconsumidoresoprodutoadquiridomenos importante do que a experincia de compra em si (BENSON, 2000). Comprar,tambm,umritual.Olharvitrines,examinaretestarprodutos, comparar preos e caractersticas so atos que precedem a aquisio de um objeto ouque,svezes,sorealizadospelopuroprazerqueproporcionam,sema consumao da compra. Como afirma Campbell (2001, p. 134-135) (...)aindaqueaspessoaspossamirscomprasdeumladopara outro procura de mercadorias, no sentido de comparar preos e de tentar, desse modo, averiguar o que pode ser a melhor aquisio, elas tambm se entregamscomprassem,naverdade,adquirirabsolutamentenada, embora, claro, extraindo prazer da experincia. O motivo, Campbell explica, advm do 35 (...)prazerprovenientedousoimaginativodosobjetosvistos,isto, deexperimentarmentalmenteasroupasexaminadas,ouverosmveis arrumados dentro de sua sala. (p. 135) Assim,oprocessodetransfernciadesignificadosedeinteraosimblica que caracteriza as relaes de consumo est presente no ato de comprar tambm. No por acaso osshoppingscenters,espaosprincipaisdoconsumonasgrandes cidades, desempenham umpapel significativo na formao da identidade social das comunidades, inspirando relaes de cunho afetivo entre as pessoas e esse espao pblico (ARNOULD, 2000). Para Benson (2000, p. 502), comprar o modo pelo qual (...)nsprocuramospornsmesmosepelonossolugarnomundo. Embora conduzido a maior parte das vezes em espaos pblicos, comprar essencialmente uma experincia ntima e pessoal. Comprar experimentar, tocar,analisar,refletir(...).Comprarconscientementenoprocurar somenteexternamente,comoemumaloja,masinternamente,viamemria e desejo. Comprar um processo interativo atravs do qual ns dialogamos no apenas com pessoas, lugares e coisas, mas tambm com uma parte de ns mesmos. , portanto, uma atividade que vai alm do simples comprar ou possuir. Ou como define Benson (2000, p. 502), (...) is not about buying, its about being. 4.1.5 A Dimenso Moral do Consumo: Uma Breve Discusso Emborasinttica,aexposiodeconceitosdesenvolvidaaolongodessa fundamentaotericapermiteque,intuitivamente,depreenda-se que sentimentos deidentidadedepositadosempertencespossamserextremamentealtos(BELK, 2000).Imediataeinevitavelmentevemmenteaimagemdasconseqncias negativasatreladasaoapegoexcessivoabensmateriais,crticarecorrenteao marketing e ao capitalismo (BELK, 1985). A prpria posio de Twitchell, citado na 36 aberturadestetrabalho,contestadajustamenteporrepresentarumadefesa candentedoconsumocomoelementoessencialebenficodavidadaspessoas (BLINDER, 2000; SEVCENKO, 2002). Oqueseestevocando,emquestionamentosdessaordem,dizrespeito principalmente ao materialismo excessivo e s suas conseqncias negativas, assim como s psicopatologias vinculadas ao consumo. Explorar esse ngulo do mundo do consumo no constitui o alvo principal do presente estudo, o que no impede que se faa uma rpida abordagem do tema, tangenciado por alguns dos autores citados ao longo deste trabalho. Assim, registre-se que, segundo Belk (2000), os objetos podem suscitar tanto sentimentosdebem-estarquantodevazioevulnerabilidade.Emboraexistentes, patologiasrelacionadasaoconsumoconstituemexceesregrado comportamento de consumo usual (MCCRACKEN, 1988; BENSON, 2000). Estariam associadas,primeiravista,comdisfunesdenaturezaemocionalqueso canalizadas para o consumo. Por certo a existncia de tais disfunes no se deva atribuiraomundodoconsumo,vistoqueoutroscomportamentoscompulsivos tendemaacompanh-las(FABER,2000).Porm,noprudentedescartarsua contribuio para um eventual agravamento. Afinal, o mundo do consumo apresenta umamultiplicidadeinsistentedeapeloselegitimaabuscadobem-estar individual atravsdeobjetos,oquesugereumefeitocatalisadorsobreasdisfunes mencionadas. Areboquedasquestesrelacionadasspatologiasdeconsumovema discussoquantoaoimpactosocietaldasatividadesdeconsumo.Inserem-se aqui questesrelacionadasatodainflunciaqueasaesde consumo podem exercer na sociedade de maneira geral. Meio-ambiente, bem-estar social e polticas pblicas so alguns dos elementos que fazem parte dessa abordagem macro da questo do consumo (BUCHHOLZ, 1998). 37 A dicotomia entre cidado e consumidor emblemtica dessa abordagem. O mundodoconsumo,porvezes,ofereceaoconsumidorapelosqueocidado presumivelmente preocupado com as conseqncias dos seus atos desaprovaria, criando,aomenosaparentemente,umconflito.Todoatodeconsumotemuma repercusso social e, por isso, pode ser examinado do ponto de vista coletivo, e no somente individual. NacontramodasidiasdeTwitchell,umentusiastadoconsumo,h,por exemplo,oprofessorRobertFrank,umquestionadordasociedadedeconsumo. Paraele,enquantoosnorte-americanosgastamcomprodutossuprfluos,ainfra-estruturapblicadopassedeteriora,exigindoumareflexosobreamelhor aplicaodosrecursosindividuais,emnomedeumasociedademelhor(Frank, 1999). Prope, como alternativa, o aumento de impostos dos produtos considerados suprfluos,eenfatizaque(...)mudarnossospadresatuaisdeconsumoencerra uma dimenso moral tambm (p. 12). Frank aborda um tpico ao qual outros autores tambm tm se dedicado: os perigosdainsaciabilidade.Emboraconsideremosesteumfatonaturaldosnossos dias,Borgmannrecordaqueessanaturalidadesocorreemumambientede superabundncia(p.421),poisumambientenaturaloferecelimitesaoapetite humano.Csikszentmihalyi(2000,p.270)refora:comprarenoscercarmosde objetosumamaneirarelativamentefcildeevitarotemordano-existncia, mesmoqueissopossatersriasconseqnciasemtermosdeaumentode entropia. Quando se traz tona vises como essas, inelutvel que se promova uma leiturasobreosistemaeconmicoeideolgicovigente.Aascensodasociedade moderna fez-se com a companhia ou pelas mos da ideologia liberal, cuja marca asoberaniadoindivduoe,conseqentemente,doconsumidor.Osinteresses pessoais, em forma de desejos, escolhas ou crenas, so as fontes da legitimidade socialeumdireitoirrevogveleintransferveldocidado.Sobreeles,nocabe julgamento moral (SLATER, 2002). O problema, aponta Slater (2002), que 38 Noimportaseosindivduosestoexpressandoumaprefernciapor herona,esmaltesdeunhaouentradasparapera(...)(pois)(...)aforma queariquezamaterialdasociedademodernadeveassumirditadano porobjetivosecritriossociaissobreoqueumavi daboa(...)esimpelas prefernciasconstitudasdosindivduosdemodoprivado,que(...)no podemserjulgadas.(...)Abelezadomercadodeve-seaofatodeabster-se dojuzomoral:tudotemseupreoquandoosindivduosexpressamuma demanda.Oliberalismorigorosofazdosindivduosasnicasautoridades sobre seus desejos (...). (p. 52) Forosamente,emumcontextocomoesse,soconstrangimentocoletivodo Estado vem julgar a exacerbao dos individualismos (BAUDRILLARD, 1981, p.96). Portanto,ficantidoque,seadiscussodoconsumodemandauma compreenso do ambiente scio-cultural em que toma forma, tambm imperiosa a anlise do sistema ideolgico que o alimenta. Como afirma Baudrillard (2002, p. 16) (...) a descrio do sistema de objetos no se d sem uma crtica ideologia prtica do sistema. Encerradaestaexposiogeraldeconceitosetemasligadosaoconsumo, passa-se agora a tratar de um de seus espaos mais especficos e fascinantes: os bens de luxo. 4.2 CONSUMO DE PRODUTOS DE LUXO Afundamentaotericarelativaaoconsumodeprodutosdeluxoser divididaemdoistpicos:oprimeirotratardadefinioedaclassificaodos objetos e servios rotulados como luxo. O segundo abordar as motivaes para a aquisiodoluxoealgumasconsideraessobreopblicoconsumidordesses bens. 39 4.2.1 Definio e Classificao dos Produtos de Luxo relativamentefcilarrolarprodutoseserviosque,nanossapercepo, fazempartedouniversodoluxo.Parafinsdeumainvestigaoacadmica, entretanto,convmformalizarumalistagemmaisprecisadaquiloqueest enquadradocomoprodutodeluxo,esclarecendo,desdelogo,aqueconjuntode objetosest-seafazerreferncia.Paratanto,trsfontesprincipaisdeinformao soutilizadas:otrabalhodaprofessorafrancesaDanielleAllrs(1999,2000), especializadaemestudossobreouniversodoluxo;aproposiodeCastarde (1992);eaanlisesetorialdaconsultoriaMcKinsey&Co.,publicadaem1991(e referidapelaTHEECONOMIST,1992).Ocruzamentodaslistagensdessastrs fontes e a adio de um item4 - indica que se pode incluir no universo do luxo as seguintes categorias: 4Acategoriaincludapeloautorfoiadeimveis,apartirdaconsultaamaterialpublicadona imprensa e na literatura (LYNCH, 1992; BARTH, 1996; TOWNE, 1998; TEICH, 1999; CRTES, 1999; MOHERDAUI, 2000; SABOIA, 2001; PINHEIRO, 2001; CAPARRS, 2002). Mercado cultural Objetos de arte Meios de transporte Automveis,iates,avies particulares Imveis Manses,apartamentos, propriedadesterritoriais (ilhas, fazendas, etc.) Produtos de uso pessoal Vesturioeacessrios (altacostura,prt--porter); Bagageria;Calados;Cosmticos e perfumaria;Relgios;Artigos de escrita;Joalheria e bijuteria Objetosdedecoraoe equipamentosdomsticos em geral Cristais;Porcelanas;Artigos de prata;Antiguidades;Faiana Alimentos Bebidas(especialmente vinhosechampanhes)e especiarias Servios Hotis, restaurantes,spas, vosdeprimeiraclasse, etc. Lazer Colees,esportes(plo, equitao),turismo (cruzeirosetc.). 40 primeiravista,podecausarcertaestranhezaquenumamesmalistagem sejamrotuladoscomoluxoprodutostodsparescomocarrosebijuterias.O motivo dessa aparente incongruncia reside no fato de que, em todas as categorias mencionadas,hoportunidadedediferenciaoedesofisticaodaoferta, vislumbrandoumsegmentodeconsumidoresespecfico.Existem,assim,carros comunsecarrosdeluxoFerrari,Jaguar,RollsRoyce;bijuteriascomunse bijuteriasdeluxo;evinhosregularesevinhosdeluxo,porexemplo.Nenhuma destascategorias,porexcelncia,oespaodoluxo,masalgunsdeseus representantes so, inegavelmente, expresses evidentes desse universo. Em todos eles,novamente,estar-se-iaaconsiderarmarcaseprodutosdestinadosaum determinadonichodemercadoefrancamenteidentificadoscomosuperioresaos bens convencionais. Hque,noentanto,diferenciarosobjetosdeluxodaquelesconsiderados comopremiumoutopdelinhademarcasconvencionais.Estesprodutosso versesincrementadasousofisticadasdeobjetoscomuns.Produtosdeluxo,por sua vez, so em geral produzidos por empresas que operam exclusivamente nesse mercado e cujamarca facilmente associada ao conceito. Assim, uma definio de produtosdeluxocomoadeKapferer(1997)segundoaqualsoobjetoscuja relaopreo/qualidadeamaiselevadadomercado,conseguindojustificar,ao longodotempo,preossignificativamentemaioresdoquedeprodutos funcionalmenteequivalentesapenasparcialmentevlida.ela,convm adicionarumamaiscompleta,extradadeLombard(1989)ecomplementadapor Dubois e Paternault (1997)5. Assim, conforme Lombard (1989), produtos de luxo so aqueles dotados de qualidade superior, devido excepcionalidade de sua matria-prima,deseuprocessodefabricao(muitasvezesartesanal)ouda tecnologia empregada; 5ListagemdositensprincipaisconformeLombard(1989);caractersticascomplementaresdecada um deles extradas de Dubois e Paternault (1997) 41 caros, em termos absolutos e comparativos, especialmente frente queles produtos que apresentam utilidade semelhante; raros, ou seja, distribudos de maneira seletiva ou exclusiva; esteticamentebemelaborados,sendodonosdeumaaparnciaparticular, o que conduz a um consumo emocional e hednico; dotados de uma marcafamosa, de imagem reconhecida em vrios lugares do mundo; adquiridosporumaclientelaespecial,devidoaumacapacidadede apreciao do produto ou apenas do poder aquisitivo elevado; esnobes, por valerem-se da atrao de pequenos grupos de formadores deopinioparadifusodoprodutoe,tambm,pordemandaremuma capacidadedeapreciaodoproduto,nosentidoartsticoesensorial (KAPFERER, 1997). Pode-se afirmar que a combinao desses elementos que confere o carter deluxoaumproduto;todasessascaractersticas,afinal,contribuemparacriaro imaginrioeoglamourquecircundamoobjeto,algofundamentalparaa manuteno de sua imagem (BECHTOLD, 1991). Reunidos, esses atributos todos podem ser sintetizados em quatro categorias fundamentais(ALLRS,1999),chamadasaquidedimenses.Dessemodo,os produtosdeluxoapresentamquatrodimensesfundamentais(representadas graficamente na Figura 2): funcional, que se refere utilidade propriamente;cultural, representada pela histria do produto ou de seu criador;simblica, vinculada ao hedonismo e ao narcisismo do consumo do objeto; e 42 social,evidenciadaatravsdosdesejosdedistinoeimitao despertados. Figura 2 Dimenses dos produtos de luxo Fonte: Allrs (1999) De posse desses conceitos que ajudam a caracterizar os produtos de luxo e aentenderocontextoqueoscercaest-seaptoadaropassoseguinte:oda classificao dos bens de luxo.H nuances que diferenciam um objeto de luxo de outro, levando-nos a entender que nem todo luxo igual. Existe, assim, oluxoinacessvelformado,entreoutros,pelaaltajoalheria, obrasdearte,altacostura,veculoseimveis,quetemumcarterpatrimonial, podendosertransmitidoaolongodegeraesdeumamesmafamlia.Holuxo intermedirio, constitudo de objetos fabricados em poucas quantidades, como peles, prt-a-porter, acessrios e artigos de escrita. Nesta faixa encontra-se a maior parte dosprodutosresponsveispelocrescimentodomercadodeluxonoBrasil:bolsas LouisVuitton,canetasMontblanc,trajesArmani.Porfim,holuxoacessvel perfumes, produtos alimentcios, bebidasqueatendesdemandashednicasdo indivduo, sendo voltado essencialmente qualidade e ao bem-estar (CASTARDE, 1992; ALLRS, 2000). Produtode LuxoDimensoFuncionalDimensoCulturalDimensoSimblicaDimensoSocial 43 Peladescrio,intuitivamentedepreende-sequehumvnculoentreas categoriasdeprodutosdeluxoesuautilizaopelosdiferentesestratossociais (conforme o Quadro 1). Classesocial6MotivaesEstilode vida Modelos de consumo Categorias de luxo Classe abastada Distino absoluta; fuga para frente (estabelecimento contnuo de padres mais elevados de consumo). Conservao dos privilgios; distino de usos e escolhas. Objetos tradicionais raros e caros, alm de objetos novos e originais. Luxo inacessvel. Classe intermediria Distino relativa; tentativa de reduzir as distncias sociais em relao classe abastada. Imitao da classe abastada. Certos objetos tradicionais; objetos de srie limitada. Luxo intermedirio. Classe mdia Mimetismo de escolhas e de usos; acesso a um patrimnio cultural (representado pelas marcas famosas). Vinculao a uma classe; distino.Objetos em srie.Luxo acessvel. Quadro 1 Classes sociais, estilos de vida e categorias de produtos de luxo Fonte: adaptado de Allrs (1999 e 2000) leituradahierarquizaodosprodutosdeluxo,cabeagregarorelatode umatendnciainteressantequetemmarcadoestemercado.Apartirdoinciodos anos90,asgrandesmarcasvislumbraramemtrsfrentesdeaoapossibilidade de expanso de seus negcios (THE ECONOMIST, 1992): a internacionalizao da suaatuao(comoconseqentedesembarquedasgrandesgrifesemmercados emergentescomoasiaeoBrasil);adiversificaodaoferta(operacionalizada pelasextensesdelinhaedemarca,almdoslicenciamentos);eaconseqente democratizao dos seus produtos. 6OstermosutilizadosparadesignarasclassessociaissooriundosdostrabalhosdeAllrs publicadosnoBrasil(1999e2000),traduzidosdiretamentedofrancs.Infelizmente,atravsdos termosempregadostorna-sedifcilfazerumaassociaodiretacomarealidadebrasileira;nose podeafirmar,porexemplo,seadesignadaclasseintermediriaseriaumequivalentechamada classemdiaaltabrasileiraouseessaseriamaisbemdefinidapelotermoclassemdia simplesmente. 44 Interessanteobservarqueadiversificaoeademocratizaodoluxopodemserapontadas,juntocomaflexibilizaodasformasdepagamento,como responsveispelocrescimentoepelaatratividadedomercadobrasileiro.Noplano internacional,foramtambmestasduascaractersticasasresponsveisporuma mudana no perfil dos consumidores de luxo: antes divididos entre consumidores e no-consumidoresdessesprodutos,soagoraescalonadosemconsumidores regulares,consumidoreseventuaiseno-consumidores(DUBOIS,LAURENT, 1995).Obinmiodiversificao/democratizaopermitequeconsumidoressem recursos para adquirir um produto da linha principal de uma grife de luxo comprem itensquepodemsercarosemcomparaoasimilaresdemarcasinferiores,mas no em termos absolutos (TWITCHELL, 2002). Os perfumes so o exemplo principal dessatendncia,ehojerepresentam,paramuitasgrifes,boaparceladeseu faturamento (AGINS, 1999). Entretanto,cabeumalerta:luxodemocrticonosinnimodeluxo emergente, formado por produtos comuns subitamente incrementados. Ao luxo no se oferece a mobilidade permitida s pessoas, que podem ascender socialmente; o luxo, para ser luxo, deve nascer luxo (RICHERS, 1996). Por essa razo, elementos comoantiguidadeetradiodamarca,assimcomoorigemgeogrficae genealgica(referenteaoprestgiodocriador)soeternamenteessenciaisnesse universo (CASTARDE, 1992). Oadventodademocratizaodoluxo,igualmente,norepresentauma mudana na lgica preponderante no setor, que subverte o marketing convencional. Aocontrriodavisodequeaempresadeveadaptar-seaosdesejose necessidades dos consumidores (WEBSTER, 2002), no mundo do luxo o processo inverso:asgrandesgrifesforjamosdesejosdesuaclientela(AQUINO,2002). Preponderaumaespciedemarketingdeofertasobreodedemanda(BARTH, 1996, p.68), ancorado na criatividade e na inventividade dos criadores e desprovido deumsuportemaiornoqueconcernecaptaodaopiniodoconsumidor (WETLAUFER, 2001). 45 De qualquer sorte, as empresas no esto alheias ao ambiente que as rodeia e,emespecial,aosconsumidores.Todastrabalhamcomumconjuntomnimode informaesquelhespermiteacertarnolanamentodeprodutosemanteruma imagemdemarcapositiva.Essasinformaesdizemrespeitoprincipalmentes motivaes essenciais para a compra do luxo e ao perfil de cliente pretendido pela grife, ambos abordados no tpico a seguir. 4.2.2 Luxo: Motivaes e Pblico Consumidor Porseroconsumodosbensdemaiorexcelnciaprovaderiqueza, elesetornahonorfico;reciprocamente,aincapacidadedeconsumirna devidaquantidadeequalidadesetornaumamarcadeinferioridadeede demrito (VEBLEN, 1965, p. 79) Comofalardesuprfluoaesserespeito,quandosetratado essencial,deumcomplementodaalma,semoqualascoisasdavida pareceriam to insignificantes? (JACQUES MOUCLIER, 2000, p. 12) Semdvida,soumtantodistantesasperspectivasdeVebleneMoucliera respeitodosprodutosdeluxo,atmesmopeloespaotemporalqueassepara:A Teoria da Classe Ociosa foi originalmente publicado em 1899, enquanto a frase de Mouclierdatadofinaldosculo20.Asbiografiassoigualmentebemdistantes:o filsofo Thorstein Veblen o criador do conceito de consumo conspcuo, ilustrado noinciodessaseooconsumocujoobjetivonoestariaemdesfrutarda qualidadedosobjetosesimemexibi-loscomoumsinaldedistino(VEBLEN, 1965).JacquesMouclier,porsuavez,presideumaassociaodeprodutoresde bens de luxo com sede na Frana. Independentemente da origem e da formao dos autores,edacentenadeanosqueosdistancia,asduasvisesabremestaseo porque fornecem uma sntese do que o luxo representa, segundo a literatura: status e prazer. Statusporque,defato,osprodutosdeluxoservemaumabuscade distino e reconhecimento social (STREHLAU, ARANHA, 2002), contribuindo para 46 reforareelevaroconceitodeumindivduojuntoaosseuspares(NIA, ZAICHKOWSKY, 2000). Para os estratos superioresouaclasseociosa,como preferia Veblen esses produtos funcionam como instrumentos de diferenciao de outrasclassesatravsdeavanoscontnuosnoconsumo;umavezqueseus padressoalcanadospelogrupoimediatamenteinferior,oluxousadopara alargarnovamenteoespaoqueosseparam(ALLRS,2000).Dessemodo, constituem-seinstrumentosdehierarquiasocial(ALLRS2000,p.74),gerando porvezesumasatisfaooriundasomentedareaocausadapelaexibiode poder pecunirio (MASON, 1983). Plausvel,pormincompleta,avisodeVeblennoalcanoualgumasdas possibilidades que os estudos em comportamento do consumidor e de antropologia do consumo atingiriam mais tarde. No vislumbrou, por exemplo, o carter hednico eautoexpressivoqueoconsumodeobjetosdeluxopoderiaoferecer.Aquientraa frasedeMouclier,representativadaquiloquepoderiaserbatizadodeluxocomo prazer.Oconsumodessesbensapresentatambmumcarterhednico, funcionandocomoumaformadeautogratificao.Quandooprazeramotivao paraoconsumodeluxo,prevaleceoselfindependentedoconsumidor,aquele menosamarradosconvenessociaisespreocupaescomaobservao externa, enquanto no consumo exibicionista o self interdependente seria o condutor das decises de compra (para uma discusso a respeito, ver Wong e Ahuvia, 1998). Adespeitodasdiferenas,pode-seafirmarqueVebleneMouclierdetm parte da razo, e quem confere o veredicto a prpria academia. A maior evidncia estnotrabalhodeDuboiseDuquesne(1993),queidentificouduasformas principaisdeacessoaosprodutosdeluxo:aprimeira,maisprximateoriado consumo conspcuo, em que a ostentao a motivao principal para a aquisio e onde aspectos tangveiscomopreo,designequalidadesofundamentais.A segunda,maisapegadaateoriasrecentesdecomportamentodoconsumidor, vislumbra na compra e utilizao de objetos de luxo uma possibilidade de extenso doselfeexpressodevaloresindividuaisoudogrupo,enfatizandoseucarter simblico. 47 Ouseja:antesdeinconciliveis,asvisesdeVebleneMouclierso complementares. Seinexisteumanicamotivaoparaoconsumodoluxo,razovelsupor queinexistaumpblicoconsumidoruniformeparaessesprodutos.ARISC International, consultoria europia que anualmente estuda os principais mercados do luxo no mundo, identificou algumas mudanas nesse universo entre as dcadas de 80,90e2000.Segundoaempresa,nosanos80,marcadospelaascensodos yuppies(DAWSON,CAVELL,1987;SILVEIRA,2002),teriamprevalecidoo hedonismo e a ostentao, em uma verdadeira competio de status. A dcada de 90,porsuavez,teriasidomarcadaporumaposturademenosostentaoemais responsabilidadeetica.Oluxoteriaservidonoexibio,esimartede viver(RISC,2001,p.4),saindodaesferadaemulaosocialparaadaexclusiva satisfao pessoal do consumidor (DUBOIS, LAURENT, 1996). Os anos 2000 teriam iniciado, por fim, uma poca de otimismo, prazer e audcia, com os produtos de luxo servindo a uma erotizao da vida cotidiana (RISC, 2001, p. 4). O leitor mais atento dever ter percebido que a anlise da RISC contraria, de algumaforma,algoquefoimencionadonoitemdasJustificativasdestetrabalho. Ali, citavam-se o crescimento do consumo de luxo nos EUA, Europa e Brasil no final dadcadade90,sugerindoumcenriocontrrioquelereferidopelaconsultoria como de menos exibicionismo e mais responsabilidade. O que essa aparente discrepncia indica? Ora, convm lembrar que a febre do luxo, nos anos 90, foi originada por um surtodecrescimentoeconmicoquecriouumanovaclassedepessoasricas, especialmentenosEUA.Dapoder-se-iaespecularque,aexemplodadcadade 80, a ostentao e o exibicionismo tenham sido proporcionados pelo novo dinheiro, enopelosricostradicionais,geralmentemaiscomedidos.Aspessoasrealmente ricasfogemostentao,lembraRichers(1996,p.127),aoqueAllrs(2000, p.100)complementa,falandodassociedadesdossculos18,19e20: 48 Duas classes sociais se enfrentam atravs de seus cdigos distintivos dereconhecimentosocial:aquelaque,pelonascimentoepelahistria, persiste em guardar a distncia, em conservar seus privilgios e marcar sua diferenapelorecursoausosinacessveis,eaoutra,quetenta permanentementeesquecerasorigenstrabalhadoras,sonhaempertencer classedominante,copiaseususosecompensaavacuidadedesua histriacomumfrenesideaquisiesseletivas,comofimdeapagaro fossoentreessasduasclasses.(...)Semhistria,semrefernciassociais particulares,umagrandeparceladessanovaclassedaburguesia recuperarsuasdiferenasatravsdeumaavidezconsumidorasem precedentes. Nosurpreendeentoqueosanos90(ouqualqueroutrapocaforado alcance dessa anlise) tenham sido marcados por posturas contraditrias quanto ao luxo,poisinexisteumperfilnicodeconsumidoresdessesprodutos.Comobem colocaBarth(1996),omundodosconsumidoresdosprodutoseserviosdeluxo no constituem (sic) uma massa uniforme, existindo uma segmentao que no somentedeterminadaporestratificaesdepodereconmicodecompra(p.10), mastambmporelementosculturais.Kapferer(1998),porexemplo,verificoua existnciadequatroperfisdistintosdejovensconsumidoresnasuarelaocomo luxo, cada qual valorizando um conjunto de atributos nos produtos. A cada grupo de consumidorescorrespondiammarcasprototpicas,capazesdesintetizaras caractersticas preferidas por cada um deles. Porisso,comprarumobjetodeluxocompraroingressoaumclube (CASTARDE, 1992), seja ele qual for: o dos tradicionais, o dos novos-ricos, o dos yuppies, o dos fashion, etc. Na Louis Vuitton, por exemplo, so quatro os perfis de clientes:osqueadquiremosprodutospelatradio,osquesepreocupam essencialmente com a funcionalidade, os caadores de status e os lanadores de moda(GES,1999,p.64).Ouseja:umamesmamarcadeluxoserveaquatro objetivos distintos de manipulao da cultura material. Dapoder-sedizerqueoluxoserveapropsitosdiferentesdeumpblico relativamenteheterogneo.Adiversidadenaofertadoluxonadamaisdoque reflexo da diversidade da sociedade (DOUGLAS, ISHERWOOD, 1996), reafirmando, mais uma vez, que cultura e consumo esto sempre interligados. 5 MTODO Omtododepesquisa,essencialmente,umaconseqnciados pressupostos adotados pelo pesquisador quanto natureza dos fenmenossociais eprpriaformacomooconhecimentoconstrudo.Essespressupostos chamadosdeparadigmas(MERTENS,1988,apudMILLIKEN,2001) compreendemumasriedeopesmetodolgicasalinhadascomosprincpios defendidos. EmMarketingenascinciassociaisemgeral,osparadigmasdepesquisa sodois:positivistaeinterpretativista(tambmchamadodeparadigma naturalstico).Oprimeiroderivadeumavisonicaeobjetivadarealidade, enxergandonosfenmenossociaistendnciasracionaiseregularesde manifestao,compostasdeumconjuntoobservveldefatoresedotadasde previsibilidade e causalidade (BURRELL, MORGAN, 1982; LINCOLN, GUBA, 1985). Opositivismoacreditaqueageraodeconhecimentoocorremedidaquese repetem relatos conclusivos acerca de determinado fenmeno, eliminando eventuais ambigidadesevisesconflitantes.Ointerpretativismo,aocontrrio,crqueos fenmenos sociais provm de uma construo cultural mltipla e complexa, derivada dasinteraesentreosindivduos(BURRELL,MORGAN,1982;LINCOLN,GUBA, 1985).Oconhecimentoconstrudojustamenteapartirdacombinaode diferentesperspectivassobreummesmotema,semhavernecessariamente concordnciaentreelas.Paraointerpretativismonohpossibilidadede estabelecerleisgeraisoualcanarprevisibilidadeatravsdapesquisa,dadaa singularidade e complexidade dos fenmenos sociais, e sim, somente, descrev-los e interpret-los. 50 Revendoosconceitosrelacionadosaosestudosdeantropologiado consumo expostos na Introduo e na Fundamentao Terica no qual enfatiza-seointeressenadimensosimblicaenossignificadosscio-culturaisdarelao das pessoas com os objetos-,depreende-sequetrabalhoscomestaspretenses adotam uma viso predominantemente interpretativista dos fenmenos relacionados aoMarketingeaoconsumodemaneirageral.Nobuscam,pois,alcanara previsibilidade,nemsequerindicarrelaescausaisourestringirolequede explicaeseinterpretaes;aocontrrio,buscamadiversidadedeanlisese entendimentos sobre um mesmo fenmeno, de maneira a oferecer diferentes vises dotemainvestigado.Apresentedissertao,portanto,filia-seaoparadigma interpretativista. Dopontodevistaterico,asdecorrnciasmetodolgicasdafiliaoaum paradigmasorelativamenteclaras.Mtodossodesenvolvidosdeacordocom determinadospressupostosquantorealidadeegeraodeconhecimento; compartilham, portanto, de um conjunto de crenas e premissas e diferem na nfase a aspectos especficos, sejam eles de carter tcnico ou meramente operacional. No positivismo,emergemcomomtodos7 depesquisaapsicologiacognitivista,o estruturalismoeocomportamentalismo,porexemplo(MURRAY,OZANNE,1991), todos alinhados com a tentativa de oferecer uma perspectiva objetiva e tangvel da realidade.Nointerpretativismo,destacam-seafenomenologia,aetnografia,a hermenuticaeasemitica(MURRAY,OZANNE,1991),todosobservantesdos preceitos de pluralidade e subjetividade do paradigma em questo. Contudo,adespeitodaaparentefacilidadeemarrolarosmtodosprincipais decadaparadigma,nomomentoemqueaescolhametodolgicaseimpeas fronteirasentreosprocedimentosdeinvestigaotornam-seumpoucomais nebulosas.Aconstanteevoluodopensamentoepistemolgicoedasprprias cincias sociais leva inevitvel combinao de mtodos e tcnicas, de modo que 7 Est-se chamando de mtodo o que alguns autores chamam de estratgia de pesquisa (caso de Denzin e Lincoln, 2000). Mais adiante, utilizar-se- o termo tcnica de coleta de dados quantitativa ouqualitativaparareferirprocedimentosqueDenzineLincoln(2000)nomeiammtodode pesquisa. 51 as divises estanques tornam-se mais eficazes do ponto de vista didtico do que da utilidade prtica para o pesquisador. Tome-se o exemplo dos mtodos interpretativistas citados. A fenomenologia definidacomoomtodoapropriadoparainvestigaesemquehnfasesobrea experinciadavidadaspessoaseaprojeodesignificadosenvolvida(MOSER, 1992;MOREIRA,2002).Sualinhadeprocedimentosmetodolgicosprev,aofinal dotrabalhodeinvestigao,noentanto,umafasehermenutica(MOSER,1992; MOREIRA2002)enquantosesabequeahermenuticatratadaporalguns pesquisadorescomoummtododeinvestigaoporsis,enocomotcnica acessriadeummtodo(THOMPSON,POLLIO,LOCANDER,1994;THOMPSON, 1997). H, neste caso, a incorporao de algumas premissas acerca da importncia do significado da linguagem objeto da hermenutica que a configura, na viso de algunscientistassociais,comoummtododeinvestigaopersepelacorrente fenomenolgica, o que j obscurece, em parte, a diviso citada. Damesmaforma,omtodoetnogrficoesthabilitadoautilizarrecursos diversosdeinvestigaonabuscadecompreender,damelhormaneirapossvel, determinado fenmeno; entre eles podem estar, por exemplo, a semitica e a prpria hermenutica.Aetnografiapodetambmsedebruarsobrefenmenosque possuemtodasascaractersticasfundamentaisasugeriremumainvestigao fenomenolgica,sendotoeficazemetodologicamentedefensvelquantoesta ltima. Naprtica,portanto,difciltraarumalinhadivisriamuitoclaraentreos mtodosdisponveis.Estadissertao,porexemplo,reneelementosquea aproximamdaclassificaodefenomenolgica,postoquedesdeoinciofocou-se sobreaosignificadoimputadopelaspessoasrealidade,enoaumapretensa visoabsolutadarealidade(GRAFTON-SMALL,1987;MOREIRA,2002).Aotratar deaspectosrelevantesdavidadosparticipantesdapesquisa,comnfaseparaa dimensocotidianaqueofenmenoocupa(SCHWANDT,2000),cumpriutambm algunsdospressupostosbsicosdafenomenologia.Igualmente,seguiuboaparte dosprocedimentosdescritosnaliteraturacomoconstituintesdeumapesquisa 52 fenomenolgica(MOSER,1992).Entretanto,reafirma-sequeaproximaoo termo mais adequado para descrever o enquadramento do presente trabalho, dado que como as fronteiras entre diferentes perspectivas no so to claras, as formas hbridasdeinvestigaosoasmaiscomuns,adespeitodortulodefinitivoque geralmente acabam por receber nas produes acadmicas. Fundamentalcompreenderque,independentementedomtodoadotado, compartilha-senointerpretativismodecertospreceitosquenorteiamqualquer investigao:aausnciadepr-julgamentosacercadofenmeno;ocarteramplo da investigao, sem uma delimitao mais rgida a priori ; a imerso do pesquisador noambientedeocorrnciadofenmenoemestudo;eautilizaodoprprio pesquisadorcomoinstrumentodepesquisa,entreoutros(LINCOLN,GUBA,1985; MURRAY,OZANNE,1991).Amaneiracomocadaumdestespreceitos operacionalizada, assim como a tcnica de coleta e anlise de dados adotada, que tende a diferir, justamente por depender das caractersticas do fenmeno em estudo e da disponibilidade de recursos para a realizao da pesquisa. Embora no exista necessariamente uma vinculao entre tcnicas de coleta dedadoseparadigmasdepesquisa,historicamentehumaassociaode positivismocomtrabalhosquantitativos,edeinterpretativismocompesquisas qualitativas.Estasltimastm-semostradoasmaisadequadasparacumpriros preceitosdointerpretativismo:compreenderosfenmenossociaisdemaneira integrada,apartirdossignificadosqueaspessoasconferemaeles,partindodas relaessociaiseculturaisqueseestabelecememseuinterior(Godoy,1995ae 1995b;DenzineLincoln,2000).Oresultado-emcontraposioaabordagens quantitativas-tendeaapresentarumariquezadeinformaoeinterpretao superior,dadaacapacidadedecapturarasnuancesdasaeshumanasde maneira mais fina e precisa (GERGEN, GERGEN, 2000). Tcnicas qualitativas tm sidoempregadascomsucessoempesquisasrelacionadasculturadoconsumo, corroborando sua adoo na presente dissertao. 53 5.1 FASES DA PESQUISA A pesquisa foi desenvolvida em 6 fases, baseando-se nas diretrizes sugeridas naliteratura(LINCOLN,GUBA,1985).Aprimeirafasefoimarcadapor definies geraisquantoaocarterdainvestigao,enquantoasduasseguintestrataramdo trabalho de campo propriamente dito. A fase 4 marcou a consolidao e anlise do material reunido durante o trabalho de campo, enquanto a fase 5 tratou de validar os resultados verificados. A ltima fase contemplou a interpretao dos resultados. Cadaumadasfasesdescritademaneiramaisdetalhadaaseguir.Um resumo do processo de pesquisa apresentado, de maneira grfica, naFigura 3. Figura 3 Fases da pesquisa D e f i n i o d a s C a r a c t e r s t i c a s d aP e s q u i s a 1O b s e r v a o +C o n s u l t a + E n t r e v i s t a s P r e l i mi n a r e s 2O b s e r v a o +C o n s u l t a + E n t r e v i s t a s ( c / r o t e i r o ) 3C o n s o l i d a o Ma t e r i a i s + A n l i s e d a s E n t r e v i s t a s 4V a l i d a o 5D i s c u s s o d o s R e s u l t a d o s 6D e f i n i o d a s C a r a c t e r s t i c a s d aP e s q u i s a 1O b s e r v a o +C o n s u l t a + E n t r e v i s t a s P r e l i mi n a r e s 2O b s e r v a o +C o n s u l t a + E n t r e v i s t a s ( c / r o t e i r o ) 3C o n s o l i d a o Ma t e r i a i s + A n l i s e d a s E n t r e v i s t a s 45D i s c u s s o d o s R e s u l t a d o s 6 54 Fase 1 Aprimeirafaseabrangeuadefiniodofocodepesquisa,dolocuspara realizaodamesma,dasfontesdeevidnciaaseremutilizadasedesuas respectivas caractersticas. Oprimeiroitem,almdadefiniodosobjetivosdepesquisa,marcouuma delimitaodascategoriasdeprodutoserespectivasmarcasafazeremparteda investigao.Dentreasdiversascategoriasdeprodutosdeluxo,optou-sepor aquelasrelacionadasaoadornopessoal:vesturioeacessrios(daquiemdiante chamados genericamente de vesturio); e jias, relgios e instrumentos de escrita (joalheria).Asrazesparaaescolhadevem-seaofatodessascategoriasesuas principaismarcasseremfacilmenteassociadasaouniversodoluxo,mesmopor consumidoresrelativamentealheiosaosegmento(ALLRS,2000),contribuindo para criar e manter a aura que reveste o setor.Alm disso, foi nessas categorias representativas,naclassificaodeCastarde(1992)eAllrs(2000),donvel intermedirio dos produtos de luxo - que ocorreu o grande boom do mercado de luxo no Brasil (ALONSO, 2000; KALIL, 2000). Eventuaisdificuldadesnadefiniodaquelasmarcasrepresentativasdo mercado de luxo foram dirimidas a partir do cruzamento de listagens elaboradas pela RISCInternational(BARNIER,2001)eporoutrosautoreseinstituiesque acompanham o mercado (DUBOIS, LAURENT, 1993; DUBOIS, DUQUESNE, 1993; PAMBIANCO,2000;PHAU,PREDERGAST,2000).Assim,foramconsideradosos produtosdeluxorelacionadosnalistagemdasprincipaismarcasmundiais(ver anexo1),sendoaptosapertencerpesquisa,comoentrevistados,profissionaise consumidores dessas marcas. Cr-se que essas listagens sejam representativas das marcas de luxo no s por terem sido elaboradas por especialistas, mas tambm por preservarem o conceito que exclui verses premium de marcas comuns, abarcando empresasqueoperamexclusivamentenosetordeluxo(NUENO,QUELCH,1998; VIGNERON,JOHNSON,1999).Marcasbrasileirasnoforamconsideradas,sendo exceesaDasluumaverdadeirareferncianacionaleinternacionaldeste mercado(PINHEIRO,2001;MEAD2003;BYDLOWSKY,2003 )ealgumas 55 joalherias brasileiras (conforme listagem tambm no anexo 1, fornecida pelo Instituto BrasileirodeGemaseMetaisPreciosos-IBGM).Nocasodasjoalherias,as principais justificativas residem no fato de que muitosprodutosdegrifesinternacionaissocomercializadosnopasem redes nacionais, que funcionam como revendedores autorizados de marcas comoTagHeuer,Chopard,Omega,Bulgari,Rolex,PatekPhilippe,etc. Dessamaneira,algumasdasmarcasinternacionaislistadaspelos especialistas s so encontradas em lojas brasileiras; apresenadasgrandesredesmundiaisdejoalherianoBrasil,atravsde lojas prprias, consideravelmente menor que no mercado de vesturio; algumas empresas e profissionais brasileiros do setor de jias rivalizam em qualidadedeprodutoepreocomredesinternacionaisconsideradasde luxo. O locus de pesquisa escolhido foi a cidade de So Paulo. A cidade mostrou-seamaisindicadaporabrigarasprincipaisempresaseosmaisreconhecidos profissionaisdosetordeluxo,constituindo