03 - ARTIGO CIENTIFICO

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1 DOS LIVROS PARA AS TELAS DE TVS A TRANSPOSIÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA DAS CRÔNICAS DO GELO E FOGO NO ROTEIRO ADAPTADO DA SÉRIE GAME OF THRONES Mélker Queiros da Silva, acadêmico. Rafael Jose Bona, professor orientador. Resumo São muitas as adaptações audiovisuais disponíveis. Transformar um livro em uma minissérie televisiva ou um longa-metragem é algo que vemos acontecer todos os dias. Na série Game of Thrones(2011), adaptação produzida pela rede mundial de tv HBO, a história antes disponível apenas em livros, agora pode ser expectada também na tela da televisão. Com o objetivo de entender a relação que há na linguagem utilizada no seriado, buscou-se fazer uma análise da linguagem usada na adaptação audiovisual do primeiro livro das crônicas do gelo e fogo para a primeira temporada do seriado de TV Game of Thrones. Para tal, foi feita uma pesquisa exploratória descritiva e uma análise do livro e dos episódios, numa amostragem probabilística intencional, analisando e interpretando o material coletado de acordo com os autores descritos na fundamentação teórica. Após as análises, pôde-se identificar os pontos identificar todos os pontos do roteiro mencionados por Comparato (2009). Também foi possível entender a relação entre o texto original e o roteiro adaptado e que na adaptação a fidelidade ao original não é obrigatório, já que mudanças são essenciais para se fazer a transição de uma mídia para outra. Palavras-chaves: Linguagem literária, roteiro adaptado, crônicas de gelo e fogo, game of thrones. Introdução As adaptações existem há muito tempo, e são famosas por trabalharem com algo que já possui público. São vários os exemplos de obras literárias que serviram de inspiração para diretores cinematográficos. Na televisão também temos muitos exemplos de adaptações que fizeram histórias, um exemplo de produção audiovisual para televisão no Brasil que fez muito sucesso, foi a minissérie Capitú (2008), que baseados no romance de Machado de Assis, Dom Casmurro (1899), trouxe para o audiovisual toda a magia do livro, adaptando sua linguagem literária para a linguagem audiovisual das telenovelas. “Muito antes de os livros existirem como objetos físicos, os contadores de histórias transmitiam dados essenciais às sucessivas gerações em forma de narrativa” (EPSTEIN, 2002). Baseado nisso, é possível afirmar que o processo narrativo já existia desde os primórdios da vida humana, mesmo antes do surgimento da escrita. O homem em sua necessidade de exteriorizar e aludir histórias de seu universo, fictício ou não, fazia desta

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    DOS LIVROS PARA AS TELAS DE TVS A TRANSPOSIO DA LINGUAGEM

    LITERRIA DAS CRNICAS DO GELO E FOGO NO ROTEIRO ADAPTADO DA

    SRIE GAME OF THRONES

    Mlker Queiros da Silva, acadmico.

    Rafael Jose Bona, professor orientador.

    Resumo

    So muitas as adaptaes audiovisuais disponveis. Transformar um livro em uma minissrie

    televisiva ou um longa-metragem algo que vemos acontecer todos os dias. Na srie Game of

    Thrones(2011), adaptao produzida pela rede mundial de tv HBO, a histria antes disponvel

    apenas em livros, agora pode ser expectada tambm na tela da televiso. Com o objetivo de

    entender a relao que h na linguagem utilizada no seriado, buscou-se fazer uma anlise da

    linguagem usada na adaptao audiovisual do primeiro livro das crnicas do gelo e fogo para

    a primeira temporada do seriado de TV Game of Thrones. Para tal, foi feita uma pesquisa

    exploratria descritiva e uma anlise do livro e dos episdios, numa amostragem

    probabilstica intencional, analisando e interpretando o material coletado de acordo com os

    autores descritos na fundamentao terica. Aps as anlises, pde-se identificar os pontos

    identificar todos os pontos do roteiro mencionados por Comparato (2009). Tambm foi

    possvel entender a relao entre o texto original e o roteiro adaptado e que na adaptao a

    fidelidade ao original no obrigatrio, j que mudanas so essenciais para se fazer a

    transio de uma mdia para outra.

    Palavras-chaves: Linguagem literria, roteiro adaptado, crnicas de gelo e fogo, game of

    thrones.

    Introduo

    As adaptaes existem h muito tempo, e so famosas por trabalharem com algo que

    j possui pblico. So vrios os exemplos de obras literrias que serviram de inspirao para

    diretores cinematogrficos.

    Na televiso tambm temos muitos exemplos de adaptaes que fizeram histrias, um

    exemplo de produo audiovisual para televiso no Brasil que fez muito sucesso, foi a

    minissrie Capit (2008), que baseados no romance de Machado de Assis, Dom Casmurro

    (1899), trouxe para o audiovisual toda a magia do livro, adaptando sua linguagem literria

    para a linguagem audiovisual das telenovelas.

    Muito antes de os livros existirem como objetos fsicos, os contadores de histrias

    transmitiam dados essenciais s sucessivas geraes em forma de narrativa (EPSTEIN,

    2002). Baseado nisso, possvel afirmar que o processo narrativo j existia desde os

    primrdios da vida humana, mesmo antes do surgimento da escrita. O homem em sua

    necessidade de exteriorizar e aludir histrias de seu universo, fictcio ou no, fazia desta

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    prtica ancestral em forma de oralidade que mais tarde contribuiu na construo do universo

    literrio presente na histria da humanidade.

    Lanado em abril de 2011 pela rede de televiso a cabo norte-americana HBO, o

    seriado Game of Thrones traz em seu enredo, estruturado de maneira multiplots (diversos

    enredos que correm paralelamente), uma complexa trama ambientada em um universo

    ficcional que mistura elementos de histrias de capa e espada com temas sobrenaturais e

    fico histrica medieval.

    O seriado baseado na saga As Crnicas de Gelo e Fogo, escritos por George R. R.

    Martin, tambm produtor do seriado televisivo. O autor citado vendeu os direitos para a

    emissora de TV paga HBO, que por meio da adaptao audiovisual transformou a histria, j

    aclamada pelos leitores h quase 20 anos, em uma superproduo televisiva e to aclamada

    quanto.

    E no contexto da primeira temporada de Game of Thrones e no primeiro livro da saga

    As Crnicas de Gelo e Fogo que este trabalho se insere, na busca de identificar a relao da

    linguagem literria na transposio para a linguagem audiovisual utilizada na srie produzida

    e apresentada pela rede de TV fechada HBO.

    Adaptaes

    Uma transcrio de um cdigo1 literrio ficcional para a linguagem audiovisual no se

    d de forma simples. necessrio fazer uma adaptao da linguagem.

    Comparato (1983, p. 206) diz que adaptao uma transcrio da linguagem:

    mudamos o suporte lingustico usado para contar uma estria. J Maciel (2003, p.142) d a

    origem da palavra: A palavra transcrio foi primeiramente criada por Haroldo de Campos

    para designar o processo de traduo criativa de textos poticos tradues que eram

    recriaes do original.

    Adaptar uma obra literria para outros meios como cinema e televiso uma realidade

    entre os roteiristas. Seger (2007) diz que tais adaptaes tem como origem contos, peas de

    teatro, romances. Tudo isso possvel, embora passem por processos diferentes.

    Por sua prpria natureza, a adaptao um processo de transio de uma mdia para

    outra. Assim, o material original sempre oferecer resistncia adaptao, como se

    dissesse: Me aceite do jeito que sou. Porm, a adaptao implica mudana. Implica

    um processo que tudo seja repensado, reconhecido. (SEGER, 2007, p. 17)

    1 Cdigo: conjunto de todos os elementos lingusticos vigentes numa comunidade e postos disposio dos indivduos para servi-lhes de

    meios de comunicao; lngua. (Petter, 2002)

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    Muito embora essas adaptaes estejam em variados meios, e esses meios preencham

    parte do espao social ocupado pelo anterior, no caso o romance, vale dizer que a relao

    entre eles deve ser vista mais pela tica da complementaridade que da substituio. Silva

    (2002) afirma que os meios de comunicao ajudam a formar um conjunto de informao e

    formao, deste modo, cada mecanismo no suplanta e sim complementa o outro. Segundo

    Field (1995, p.174) diz que adaptar um livro para um roteiro significa mudar um para o outro,

    e no superpor um ao outro.

    comum verificar uma aparente superficialidade do produto audiovisual em relao

    obra literria, que Rey (1989, p.59) explica que porque a cmera no tem a sutileza das

    palavras. Ela capaz de criar, mas sua profundidade no vai alm da pele. Ela pode revelar o

    sentido de uma obra literria, suas intenes, mas no o recheio nem a beleza ou a

    singularidade do estilo.

    O que mostrado na tela real para o espectador; os atores so as personagens, os

    lugares e fatos so to reais quanto o cineasta consegue faz-los parecerem reais. J o leitor

    evoca imagens de pessoas, lugares e fatos que ele prprio tem em mente e encanta-se com os

    apartes e reflexes do autor. Essa invocao imaginosa e esse vagar sem pressa pela mente de

    quem conta a histria so impossveis num filme, porque, necessariamente, o filme tem de

    expor manifestaes visuais, enquanto o livro usa a imaginao do autor. (HAYWARD, 2000,

    p.38).

    Musburger (2008, p.206) escreve que criar, eliminar, combinar, alterar personagens e

    at acrescentar, so algumas modificaes que podem ser feitas para, por exemplo, aprimorar

    a estrutura dramtica e narrativa da histria, criando assim uma adaptao de um roteiro.

    Para Rey (1989, p. 60) como o livro no foi criado para o audiovisual, ele no atende as

    necessidades que o meio exige para se fazer um bom filme, como ritmo e linguagem, por

    exemplo. No copie simplesmente um romance para o roteiro; faa-o visual, uma historia

    contada em imagens. (FIELD, 2001, p. 176)

    Seger (2007, p.25) defende que s existe um tipo de adaptao impossvel: aquela na

    qual o escritor e o produtor no tenham licena criativa 2, pois mudanas so absolutamente

    essenciais para fazer uma transio de uma mdia para outra..

    Linda Hutcheon (2011) defende que as adaptaes, de qualquer espcie, esto em todo

    lugar nos dias atuais. E ainda faz um importante debate sobre a prtica de classificar as

    adaptaes como secundrias, como trabalhos derivados e, ao tentar entender a constante

    2 Licena criativa ou licena literria: a necessidade do autor de modificar elementos da histria, seja retirando, condensando ou

    acrescentando elementos, na busca de um roteiro mais com cara de audiovisual.

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    critica de que, no cinema adaptado da literatura, as obras secundrias nunca chegam

    consistncia artstica da obra literria.

    Mas afinal: o que uma adaptao? Nas palavras de Hutcheon (2011), a adaptao

    pode ser estudada em trs vertentes:

    1. ENTIDADE OU PRODUTO 2. PROCESSO DE

    RECRIAO

    3. PROCESSO DE RECEPO

    Entenderamos a adaptao como

    transposio particular de um

    trabalho ou trabalhos, uma espcie

    de transcodificao. Pode-se ento

    contar uma histria sob um ponto

    de vista diferente ou ainda expor

    (transpor) uma nova interpretao.

    Processo de reinterpretao e

    recriao, processo esse no qual

    primeiramente apropria-se do texto

    fonte para depois recri-lo, comum

    na adaptao de obras literrias

    cannicas para pblicos de faixa

    etria jovem.

    Processo de recepo entende-se a

    adaptao como uma forma de

    intertextualidade, o texto baseia-se

    em outros textos para criar-se

    existindo de modo intertextual com

    os primeiros.

    Tabela 1 - Tipos de adaptao na viso de Linda Hutcheon.

    Para Hutcheon (2011), adaptao, pode-se considerar a converso do real pelo

    ficcional, quando dramatizamos ou narramos acontecimentos histricos ou biografias

    pessoais. Afirma ainda que adaptar no significa fidelidade, e fidelidade no deve ser um

    parmetro de julgamento ou foco de anlise para as obras adaptadas. A autora ressalta que por

    um longo tempo, esse foi um critrio comum ao se falar de obras adaptadas, principalmente

    quando se lidava com obras reconhecidas.

    Ao falar em fidelidade, Hutcheon assume primeiramente que a adaptao deve ser uma

    reproduo do texto adaptado, porm a estudiosa manifesta-se contrria a essa suposio ao

    classificar a adaptao como repetio, mas repetio sem replicao, e lembra ainda, que de

    acordo com o dicionrio, adaptar refere-se a ajustar, alterar, o que pode ser feito de diferentes

    maneiras.

    Ao assumir a questo da fidelidade como essencial estaramos assumindo ainda, a

    literatura como mais distinta, venervel e primordial do que o audiovisual. (STAM, 2000). A

    justificativa para essa posio que pelas palavras, verbalmente, existiria uma sutileza maior

    ao se expressar sentimentos e pensamentos. Porm, o autor ressalta exatamente o contrrio,

    para ele os vrios recursos do audiovisual possibilitariam uma maior expresso para a

    exposio das mais diferentes emoes, combinando o verbal com a densidade informacional

    contida nas imagens, assim como fatores relacionados intensidade sonora: msica, rudos,

    entonao, etc.

    O conceito de fidelidade por si s j considerado problemtico pelo autor. No

    podemos falar de exatido absoluta j que se admite que o processo de adaptao ocorra em

    uma mudana de meio, o que denominado como diferenciao automtica.

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    Por diferenciao automtica entendemos os processos ocorridos durante as filmagens

    da obra audiovisual: ngulos so explorados, inseridos, suprimidos/ objetos em cena

    ou detalhes da histria so esquecidos; ocorrem mudanas na edio, dentre outros

    fatores que causam, automaticamente, divergncias entre a obra audiovisual e o texto-

    base. (STAM 2000)

    Ao examinar a perspectivada adaptao como leitura com o objetivo de discutir a

    questo da fidelidade, apoiamo-nos na viso do texto como heterogneo, admitindo que

    qualquer texto ou obra de arte, resulta de um processo de produo de sentidos

    (CORACINI, 2005, p.33). Poderamos ainda usar as palavras da autora, afirmando que no se

    pode falar em: [...] respeitar a unidade do texto ou da obra de arte, unidade esta que, alis,

    no passa de uma falcia e de uma fico; no se trata de respeitar as ideias principais ou as

    intenes do autor, que s fazem sentido no esquema racional, reduzindo tudo possibilidade

    de controle, exercido por quem detm poder. (CORACINI, 2005, p.24).

    A obra audiovisual parte, ento de uma leitura e torna-se o que Gardies (1998)

    conceitua como uma transcritora. A leitura realizada pelos idealizadores do filme transcrita

    em imagens, sons e palavras, levando em conta fatores intra e extratextuais. Nessa viso, o

    autor considera o texto literrio como uma fonte na qual o realizador da obra cinematogrfica

    busca aspectos que ele prprio julga necessrios para que sua leitura pessoal da obra possa ser

    transposta para o novo discurso.

    Ao classificar a obra audiovisual como discurso narrativo, o papel do espectador seria

    tambm o de ler, interpretar, construir sentido em cima da obra, num exerccio de

    reconhecimento e compreenso, prazer e fruir, j citados pelos trabalhos de Barthes (1999).

    Considerando o ato de assistir a uma obra tambm como um ato de leitura, o expectador

    estaria apto a criar sobre a obra assim construindo seu prprio sentido para o texto

    lido/assistido.

    Tendo aceitado que toda e qualquer adaptao uma leitura, exigir a fidelidade seria o

    mesmo que exigir uma leitura nica e universal do texto literrio, e ao exigir esta leitura

    universal estaramos causando a extino do literrio, j que a essncia do literrio s se

    realiza com a leitura, fora isso o que h so traos negros sobre o papel. (SARTRE, 1948).

    Roteiro Audiovisual

    No muito comum que pessoas fora do meio das produes audiovisuais tenham tido

    acesso a um roteiro, mas se questionadas sobre o que um roteiro, muito provavelmente,

    pouqussimas no se arriscariam a responder, muitos talvez acertassem, porm poucos

    poderiam dar uma definio mais profunda.

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    Roteiro uma forma literria efmera, pois s existe durante o tempo que leva para

    ser convertido em um produto audiovisual. No entanto, sem material escrito no se pode dizer

    nada, pois isso um bom roteiro no garantia de um bom filme, mas sem um roteiro no

    existe um bom filme. (COMPARATO 2009).

    O roteiro uma rota no apenas determinada, mas decupada, dividida, por meio da

    discriminao de seus diferentes estgios. Roteirizar significa sair de um lugar, passar por

    vrios outros at atingir um objetivo final. Ou seja, o roteiro tem comeo, meio e fim

    conforme Aristteles observou na tragdia grega como uma necessidade essencial da

    expresso dramtica. (MACIEL 2003).

    H diferentes formas para se definir um roteiro. A mais simples e direta, de acordo

    com Comparato (2009) seria a forma escrita de qualquer projeto audiovisual. J Field

    (2001) define como uma histria contada em imagens, dilogos e descrio, localizada no

    contexto da estrutura dramtica. E, ainda completa, sobre uma pessoa ou pessoas, num

    lugar ou lugares, vivendo sua coisa. Todos os roteiros cumprem essa premissa bsica. A

    pessoa a personagem e viver sua coisa a ao.

    Um projeto audiovisual, seja ele longa ou curta metragem, documentrio, videoclipe,

    publicitrio ou programa para TV, nasce a partir de uma ideia, que se transforma em um

    roteiro. A ideia nasce a qualquer momento, lugar e por diversas razes. A vida de nossos

    amigos, contos, livros, sonhos, tudo que acontece em volta pode se transformar em ideia.

    Para Carrire (1994) o roteirista est muito mais para o diretor e para a imagem do que

    para o escritor. O roteiro o principio de um processo visual e no o final de um processo

    literrio. Escrever um roteiro muito mais do que escrever. Em todo caso, descrever de

    outra forma. Com olhares e silncios, movimentos e imobilidades, com conjuntos

    incrivelmente complexos de imagens e de sons que podem possuir mil ligaes entre si, que

    podem ser ntidos ou ambguos, violentos ou suaves. Podem impressionar a inteligncia ou

    alcanar o inconsciente, se entrelaar, misturar ou at repudiar. Fazem surgir as coisas

    invisveis... Comparato (2009) complementa dizendo que o romancista escreve, enquanto o

    roteirista trama, narra e descreve.

    Comparato (2009) ainda afirma que o roteiro deve possuir trs aspectos fundamentais:

    LOGOS PATHOS ETHOS

    A ferramenta de trabalho

    que dar forma ao roteiro

    e o estruturar a palavra.

    O logos essa palavra, o

    discurso, a organizao

    Um roteiro contm uma histria que

    provoca identificao, dor tristeza. Phatos

    o drama, a poro dramtica para ativar a

    ao. a projeo da vida em ao, o

    conflito cotidiano que eclode em

    A mensagem tem sempre uma

    inteno. Tudo escrito para

    produzir uma influencia, mesmo

    que esta seja somente para divertir.

    o ethos, a tica, a moral, o

  • 7

    verbal de um roteiro, sua

    estrutura geral. A lgica

    intrnseca do material

    dramtico.

    acontecimentos. O phatos afeta os

    personagens que, arrastadas por sua prpria

    histria e drama, reagem aos fatos se

    convertendo em heris ou vtimas, ou

    inclusive em motivo de divertimento numa

    comdia.

    significado ltimo da historia, as

    suas implicaes sociais, polticas,

    existenciais e anmicas. O ethos

    aquilo que se quer dizer, a razo

    pela qual se escreve.

    Tabela 2 - Aspectos fundamentais do roteiro. (Comparato, 2009)

    Escrever um roteiro um processo passo a passo. Um passo de cada vez. Primeiro,

    encontra-se um tema. Depois estrutura-se a ideia. Em seguida as personagens, mais

    tarde procuram-se os dados que faa falta. Posteriormente estrutura-se o primeiro ato

    em fichas e ento se escreve o roteiro. (COMPARATO 2009, p.29)

    A prpria subjetividade da explicao anterior reflete o aleatrio da fragmentao do

    processo. Na realidade, as fases que demonstram a composio de um roteiro provem de uma

    experincia: do autor ou da empresa produtora. No existem receitas magistrais: apenas

    talento e trabalho. Vamos nos propor a cobrir seis etapas no processo que nos leva ao roteiro

    final.

    Ideia

    Um roteiro sempre parte de uma ideia, um fato, um acontecimento que provoca no escritor

    a necessidade de relatar. A procura da ideia ou a sua descoberta so atividades nem sempre

    fceis de abarcar. As ideias so por vezes sutil e difceis de alcanar. Isso exige o maior

    cuidado para descobrir, isolar e definir ideias dramaticamente pertinentes.

    Conflito

    Mas a ideia audiovisual e dramtica deve ser definida por um conflito essencial. A esse

    primeiro conflito, que ser a base do trabalho do roteirista, chamaremos conflito matriz.

    Embora a ideia seja algo abstrato, o conflito matriz deve ser concretizado por meio de

    palavras.

    Personagens

    Devem-se criar as personagens. H quem pense que so as personagens que do origem a

    uma histria. Kit Reed (1991), recomenda que os roteiros sejam revistos com base nas

    personagens: Comeo pela personagem, porque creio que as personagens se movem juntas para construir um argumento. J Seger 2003 diz Os crticos adoram dizer de um filme que as personagens no se desenvolvem, nem mudam... Uma personagem bem

    desenhada ganha amide com sua participao no argumento, e um argumento ganha

    alguma coisa com a implicao da personagem..

    Ao Dramtica

    a maneira como se contar o conflito bsico vivido por aqueles seres chamados

    personagens. Ao o que, quem, onde e quando, juntados ento com o como. Como se

    contar a histria? Com a ao dramtica. Para trabalhar a ao dramtica, o roteirista

    obrigado a construir uma estrutura. A estrutura um dos fundamentos do roteiro e a tarefa

    que maior criatividade exige de quem o escreve.

    Tempo

    Dramtico

    A noo de tempo dramtico muito complexa. Pode-se dizer que dentro de uma cena se

    desenvolve uma ao dramtica. Esta decorre num determinado tempo, que pode ser lento,

    rpido, gil etc. Jackson (1987) observa que o tempo o segredo, no s para uma boa comdia, mas tambm para qualquer bom texto dramtico. Esse tempo dramtico, juntamente com a ao dramtica, d o sentido da funo dramtica. Tempo dramtico o

    quanto, quanto tempo ter cada cena.

    Unidade

    Dramtica

    Na unidade dramtica, trabalhar-se- as cenas. O roteiro final o guia para construo do

    produto audiovisual. o momento em que a unidade dramtica, a cena, se torna realidade.

    Segundo um dito tradicional, h trs erros que se podem cometer num produto audiovisual:

    erro no roteiro, erro na direo ou erro na montagem.

    Tabela 3 - Etapas de um roteiro por Doc Comparato 2009.

    A vida real no exatamente igual vida no audiovisual. Na vida real, as nossas

    reaes de carter variam de acordo com a situao e o momento. Numa produo

    audiovisual, uma vez definido o carter de uma personagem, suas reaes sero sempre

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    coerentes, ou o expectador ficar confuso. Uma personagem ambiciosa, amoral na

    perseguio dos seus objetivos, ter sempre uma caracterstica de carter durante todo o

    desenrolar da histria. No se deve confundir carter com personalidade. Uma personagem

    pode ter uma personalidade simptica ou rabugenta, mas com carter diferente de sua

    personalidade.

    As crnicas de gelo e fogo o livro.

    O primeiro volume da obra foi lanado em 1996 e hoje conta com 5 volumes

    publicados e 2 ainda sem data marcada para publicao. Tal historia pica, se passa em um

    reino onde h disputa por um trono, traies, alianas e jogos de poder. H um equilbrio entre

    violncia verbal e fsica, intriga poltica, apelo sexual e elementos fantsticos, como drages,

    gigantes, bruxos e wargs3.

    A histria se passa no fictcio reino de Westeros, dividida em regies administradas

    por famlias ou casas, como se fossem feudos. Em A Guerra dos Tronos, o primeiro livro, o

    leitor conduzido para o norte do pas, para Winterfell, cujo senhor Eddard Stark, um nobre

    com princpios e que se destaca por sua honra, tantas vezes aclamada ao longo da historia.

    O livro dividido em pontos de vistas dos personagens e no em captulos. E so as

    perspectivas de alguns deles que conduzem o romance, permitindo que o leitor seja facilmente

    manipulado pelo narrador onisciente. Essa manipulao ocorre de forma natural, pois somente

    o narrador sabe a verdade, e somente ele tem o poder de mostr-la na dose que deseja para a

    compreenso do leitor.

    O fenmeno Game of Thrones afetou e impactou o polissistema literrio4 e cultural,

    redimensionando a obra literria em seu contexto original de produo e trazendo a obra para

    o polissistema brasileiro.

    O ttulo da srie, que tambm o titulo da primeira obra, Game of Thrones, j adquiriu

    no contexto atual um significado de algo perigoso, politicamente complexo, entrando no

    vocabulrio referencial do grande publico. No geral, diversas instancias do universo de Game

    of thrones se transformaram em referencia tambm fora do universo ficcional.

    Game of Thrones A srie.

    Lanado em abril de 2011 pela rede de televiso a cabo norte americana HBO, a srie

    Game of Thrones traz em seu enredo, estruturado de maneira multiplot5, uma complexa trama

    ambientada em um universo ficcional que mistura elementos de histrias de capa e espada

    3 Seres humanos que podem assumir e controlar o corpo de animais e at de outros humanos. 4 5 Diversos enredos que correm paralelamente

  • 9

    com temas sobrenaturais e fico histrica medieval. At o momento j foram exibidas trs

    temporadas compostas por dez episdios cada, a quarta temporada est em exibio semanal

    na HBO.

    Ambientada em um universo ficcional formado pelo continente de Westeros e pelas

    cidades livres situadas do outro lado do Mar Estreito, a narrativa, que mistura esses elementos

    fantsticos e fico histria medieval, tem como arco narrativo principal a disputa pelo poder

    e pela possibilidade de governar os sete reinos do continente.

    Uma caracterstica importante que marca a complexidade narrativa em Game of

    Thrones o grande nmero de personagens, mais de 40 aparecem na primeira temporada,

    alm daqueles que so citados durantes os dilogos, o que torna difcil definir uma

    personagem que seja a principal, pois a inter-relao entre os enredos dificulta a definio de

    um centro, alm de todos os arcos narrativos terem um papel de destaque no desenvolvimento

    da narrativa.

    Pde se identificar na srie certas estratgias arregimentadora de pblico. A rapidez na

    progresso das tramas, os conflitos que surgem e so rapidamente solucionados, dando lugar a

    novos conflitos, o que faz com que a narrativa progrida de forma rpida, esse ritmo de

    desenvolvimento condiz com a realidade do homem contemporneo, que a cada dia dispe de

    menos tempo para o lazer, ento, ao buscar a fruio num objeto cultural como as narrativas

    seriadas, ele optar por aquele que identifique uma correspondncia com a sua realidade. Os

    novos formatos demandam novas competncias de leitura por parte dos telespectadores.

    (JOHNSON, 2012 p. 54).

    Certas narrativas nos foram a pensar mais para alcanar uma compreenso ao passo

    que outras so deixadas em suspenso e depois at somem. Parte do trabalho cognitivo que

    vem dos mltiplos fios narrativos manter as linhas do enredo tranadas na cabea enquanto

    se assiste srie. Mas outra parte envolve o espectador de modo que ele v preenchendo as

    lacunas, tirando um sentido da informao que foi deixada obscura de propsito. Narrativas

    exigem que o espectador insira elementos cruciais para a complexidade, num nvel mais

    desafiador.

    Todos esses elementos identificados na complexificao das narrativas seriadas,

    especificamente no seriado Game of Thrones, despertam nos telespectadores a curiosidade

    sobre os detalhes da trama, fazendo com que se tornem um pblico engajado, que busca

    informaes e as dissemina, assumindo uma postura ativa.

  • 10

    Metodologia

    A metodologia empregada neste estudo foi exploratria, pois teve a inteno de

    aprofundar o conhecimento sobre um determinado tema tendo como pano de fundo um estudo

    de caso que, nada mais do que um estudo profundo de um ou de poucos objetos. A pesquisa

    exploratria aquela que objetiva proporcionar maior proximidade com o problema. O

    planejamento da pesquisa possibilita a considerao de vrios aspectos relativos ao tema

    estudado. De acordo com Gil (2002), a grande parte das pesquisas exploratrias envolve

    levantamento bibliogrfico, entrevistas com pessoas relacionadas ao objeto de estudo e a

    anlise dos dados.

    Alm de exploratria, a pesquisa tambm descritiva, pois as pesquisas descritivas

    tm como objetivo primordial a descrio das caractersticas de determinada populao ou

    fenmeno, ou ento, o estabelecimento de relaes entre variveis GIL (2002, p. 41).

    Pode-se definir pesquisa como o procedimento racional e sistemtico que tem como

    objetivo proporcionar respostas aos problemas que so propostos. (GIL, 2002 p. 41).

    O universo estudado foram todos os episdios da primeira temporada do seriado Game

    of Thrones. Para amostra da anlise foram coletados fragmentos de 02 minutos de 03

    episdios da primeira temporada que, ao todo, constituda por 10 episdios, alm dos

    captulos inerentes a esses episdios do primeiro livro da saga as Crnicas de gelo e fogo, A

    Guerra dos Tronos.

    Os episdios fragmentados e posteriormente analisados foram:

    .Winter Is Coming. 2011 Primeiro Epsdio 00:00:11:00 00:00:13:00

    The Wolf and the Lion 2011 Quinto Epsdio 00:00:31:00 00:00:33:00

    Fire and Blood 2011 Dcimo Epsdio 00:00:47:00 00:00:50:00

    Tabela 4 - Relao dos Epsdios e das cenas fragmentadas / tempo.

    De cada Epsdio foi selecionada uma cena de dois minutos, decupada e em seguida,

    analisadas.

    Anlise do objeto

    As Cenas foram descritas uma a uma para depois serem analisadas.

    Fragmento Descrio

    01 Um desertor da grande muralha capturado nas terras de Winterfell, Lorde Eddard Stark, o

    protetor das terras do norte, rene seus filhos para presenciarem a execuo do desertor, j que

    essa a pena para quem abandona seu posto na patrulha da noite.

    02 Em Porto Real, o Rei Robert Baratheon se rene com seus conselheiros a fim de enviarem um

    assassino alm-mar, assassinar a Jovem Daenerys Targaryen, filha do antigo rei, destitudo pelo

    rei Robert. Ned Stark se recusa a participar da morte de uma criana, sob a premissa que ela no lhes causaria dano nem ameaa ao reinado de Robert. O Rei o obriga a aceitar a proposta do

    assassinato, ento Ned retira o distintivo de mo do rei e diz que voltar ao norte, no mais querendo ocupar tal cargo, pois no compactuaria de tal crime. Robert grita com Ned e o

  • 11

    destrata.

    03 Nas terras alm-mar, a rainha dos Dothraki Daenerys Targaryen, se prepara para queimar o

    corpo de seu filho, nascido morto e de seu esposo Khal Drogo, que esta em estado vegetativo.

    Ela faz um discurso aos seus liderados, dizendo que quem desejar seguir outro caminho est

    livre, e quem desejar segui-la que fiquem. Aps coloca a bruxa que matou seu filho na pira de

    fogo e a acende. Enquanto queima a bruxa canta e os demais observam.

    Tabela 5 - Descrio das cenas fragmentadas

    As trs cenas selecionadas dentre os dez episdios foram analisadas sob a tica de

    Hutcheon (2006), Comparato (2009) e Carrire (1994).

    A primeira temporada de Game of Thrones, teve seu roteiro adaptado do primeiro livro

    das Crnicas do Gelo e Fogo, a partir destra transposio de linguagem puderam-se extrair

    trs pontos que Hutcheon (2006) define como as vertentes de uma adaptao.

    ENTIDADE OU

    PRODUTO

    Na verso literria, a histria contada com muito mais detalhes, como se o narrador oculto

    estivesse na cena. J na verso audiovisual a histria ganha uma sequencia mais lgica e o

    expectador assume o papel do narrador, que agora observa de longe os acontecimentos.

    PROCESSO DE

    RECRIAO

    O roteiro adaptado do livro ganha elementos inexistentes do livro, como aes suprimidas

    da verso original e perde algumas explicaes importantes no livro, mas que no seriado

    perde-se a importncia.

    PROCESSO DE

    RECEPO

    O texto todo baseado na historia original, no foi identificado intertextualidade com outros

    textos pr-existentes, apenas ao texto da histria original.

    Tabela 6 - Anlise das Cenas na tica de Hutcheon (2006)

    Alm destes pontos, as cenas tambm foram analisadas sob a tica de Comparato

    (2009) que cita 6 passos do processo de criao de um roteiro.

    Figura 1 - Cena do fragmento 01

    IDEIA Anncio da histria, introduo do enredo que perdurar por toda a temporada.

    CONFLITO O desertor corre para longe da muralha por ter medo dos White walkers, e por isso foge

    para o mais longe que puder.

    PERSONAGES Desertor, Lorde Eddard Stark, Bran Stark, Rob Stark, John Snow, Soldados do Castelo.

    AO

    DRAMATICA

    A pena para quem foge da muralha a morte, e como a captura aconteceu em Winterfell,

    o guardio das terras deve executar a ao.

    TEMPO

    DRAMATICO

    O tempo acontece de forma lenta, para evidenciar a necessidade da execuo e dar tempo

    de todos os personagens se fazerem entender da situao.

    UNIDADE

    TRAMATICA

    O momento em que Lorde Eddard d a sentena e corta a cabea do acusado.

    Tabela 7 - Anlise da Cena/Fragmento 01 na tica de Comparato (2009)

  • 12

    Figura 2 - Cena do Fragmento 02

    IDEIA O princpio da disputa pelos sete reinos.

    CONFLITO Rei Robert temendo perder sua coroa para a filha de seu antecessor, pretende assassin-la.

    PERSONAGES Rei Robert, Lorde Eddard, Lorde Varys, Mindinho, Henley Baratheon.

    AO

    DRAMATICA

    A filha do rei assassinado por Robert casa-se com o lder dos Dothrakis, a mesma pretende

    retomar o reinado tirado de seu pai. Robert tenta evitar que isso acontea.

    TEMPO

    DRAMATICO

    O tempo acontece de forma rpida, quando Lorde Eddard nega participao na deciso de

    enviar um assassino para matar uma Criana, Daenerys Targaryen.

    UNIDADE

    TRAMATICA

    O momento em que Lorde Eddard abre mo do cargo de Mo do rei e causa a ira do rei

    Robert.

    Tabela 8 - Anlise da Cena/Fragmento 02 na tica de Comparato (2009)

    Figura 3 - Cena do fragmento 03

    IDEIA A morte do Lder dos Dothrakis e o nascimento da Rainha dos Dothrakis, me dos

    drages.

    CONFLITO Com a morte de seu filho e a demncia de seu esposo, causado por uma bruxa, Daenerys

    resolve queim-los acreditando que a mesma no morreria, por ser a Nascida do Fogo.

    PERSONAGES Daenerys Targaryen, Khal Drogo, a Bruxa, os guerreiros Dothrakis.

    AO

    DRAMATICA

    Com a morte de seu lder, a maioria dos guerreiros deixa o grupo e vo embora. Daenerys

    cria uma pira de fogo e coloca seu filho Natimorto e seu marido com demncia e a bruxa

    que causou a morte de ambos.

    TEMPO

    DRAMATICO

    O tempo lento, para evidenciar o sofrimento e esperana de Daenerys enquanto observa

    seus entes queimar junto bruxa. Que canta sua dor.

    UNIDADE

    TRAMATICA

    A bruxa cantando e queimando amarrada pira de fogo.

    Tabela 9 - Anlise da Cena/Fragmento 03 na tica de Comparato (2009)

    Diferente da produo audiovisual, no livro os captulos no seguem a lgica

    identificada nos episdios.

  • 13

    No livro, cada captulo aborda um personagem e seus feitos, alm de que todos os

    acontecimentos so pela tica deste personagem. A ligao entre os captulos so feitos

    atravs dos personagens que possuem alguma afinidade e/ou que estejam tratando do mesmo

    tema dentro da histria maior.

    Discusso e resultados

    Em cada cena analisada, pode se identificar todos os pontos do roteiro mencionados

    em Comparato (2009). Nas cenas, que uma vez fragmentadas, tomam, de certa forma, o

    formato do identificado no livro.

    No primeiro fragmento, no qual so apresentados os protetores da Grande Muralha, os

    caminhantes brancos e posteriormente a famlia Stark, possvel identificar todos os pontos

    citados por Comparato, pontos esses fundamentais na produo de um roteiro audiovisual.

    A ideia, o conflito, as personagens, a ao dramtica, o tempo dramtico e a unidade

    dramtica, so facilmente identificados em cada fragmento de cena. Tais elementos, por

    exemplo, no fica to explicito nos captulos do livro, j que o tempo dramtico um pouco

    mais lento.

    Uma constatao simples que pode ser observada em todo o seriado, a fidelidade

    encontrada nas cenas quando se relacionadas com o capitulo literrio. claro que para que os

    elementos da cena tenham seu espao no roteiro, muitos outros elementos foram esquecidos

    ou mesmo que estejam presentes, se encontram de forma subjetiva.

    Hutcheon (2006) diz que a adaptaes esto em todo lugar, e que elas no precisam ser

    totalmente fieis ao texto original, e isso podemos encontrar nos fragmentos analisados.

    No fragmento nmero 2 por exemplo, quando o conselho do rei est reunido para

    decidir o futuro de Daenerys, no audiovisual o foco principal a confiana que o Rei Robert

    deposita em seu amigo e mo do rei Ned Stark, e na frustrao que este o causa ao negar

    participao em tal deciso. J nos material literrio, a cena muito mais abrangente,

    destacando cada participante do conselho, contando um pouco de sua origem e as atividades

    que exercem no castelo do rei.

    No fragmento 03, Daenerys est desolada com a morte de seu filho e esposo, tambm

    tem dio da bruxa que foi a responsvel por tais feitos, mas no roteiro audiovisual, Daenerys

    tem atividade e usa o momento de queimar os corpos como oportunidade para chamar os seus

    contra os inimigos, que agora eram inimigos comuns. No material literrio, Daenerys, alm de

  • 14

    sempre pensar em reconquistar seu reino, ela precisa conquistar seu povo e essas partes ficam

    em segundo plano do audiovisual.

    Logo ao comparar o texto do livro com a Decupagem das cenas identificado nos

    fragmentos retirados dos episdios da primeira temporada, podemos ver que a adaptao no

    necessariamente precisa ser fidedigna ao material original, mesmo que consigamos identificar

    bastantes elementos praticamente idnticos, tais elementos foram adaptados para compor um

    roteiro assertivo.

    Assim como Stam (2000) que diz que ao exigirmos a fidelidade dos textos, estaramos

    elevando a literatura a um patamar mais alto, deixando a linguagem do audiovisual em uma

    posio inferior.

    Nos episdios de Game of Thrones, existe sim certa fidelidade com o texto literrio,

    porm essa fidelidade existe como uma essncia do meio de expresso estudada por Stam

    (2000). No necessariamente fidedigna a ponto de trazermos os mesmos elementos da obra

    literria para a obra audiovisual.

    Consideraes finais

    Escrever um roteiro um processo lento, gradual, um degrau de cada vez. Comparato

    (2009) diz que depois de percorrer todos os passos da construo, revises e alteraes

    necessrias, ai que se podem chamar de roteiro.

    Um roteiro adaptado tambm muito trabalhoso e demorado, pois alm de ter todos os

    cuidados em seguir todos os passos e inserir todos os elementos, o roteirista antes precisa ter o

    cuidado de no deturpar a historia e deixa-la irreconhecvel para os espectadores.

    Mesmo sendo visto como cpias, as adaptaes devem manter elementos da historia

    original para no perder a sua essncia, assim como Amorim (2012) no deixa de frisar.

    Neste trabalho, podem-se entender as semelhanas e as dessemelhanas entre uma

    obra literria e um roteiro audiovisual adaptado. Pode-se tambm entender que para de

    adaptar uma obra, no necessrio mant-la fiel em sua totalidade, pois muitos elementos no

    caberiam na historia adaptada, outras nem sentido fariam.

    Mesmo em uma mega produo audiovisual como a Srie Game of Thrones, no qual o

    prprio escritor acompanha a criao dos roteiros, cenrios e filmagens, adaptaes so

    necessrias e na maioria das vezes fundamentais. No extraindo assim o brilho j alcanado

    da obra adaptada.

  • 15

    Como Hutcheon (2006) j disse que o processo de adaptao algo livre e sem

    necessidade de ser fiel, tambm o processo de criao do roteiro adaptado livre, desde que

    siga os elementos fundamentais do processo citado por Comparato (2009).

    O presente trabalho teve como principal intuito estudar essa relao entre o texto

    original e o roteiro adaptado, a fim de entender se realmente necessrio haver uma maior

    fidelidade entre os dois.

    Enquanto nos livros os detalhes no apenas constroem ideias, fornecessem

    informaes uteis e fascinantes por si s, j na adaptao o escritor e o produtor tem total

    liberdade de mudar, pois as mudanas so absolutamente essenciais para se fazer a transio

    de uma mdia para outra. (SEGER, 2007)

    Sugestes de estudo

    Sugiro que para os estudos futuros sobre o tema, outras vertentes sejam estudadas, tais

    como o fenmeno que acontece entre os fs dos livros e srie, que se apaixonam de tal forma

    que muitos at criam comunidades baseadas na histria ficcional.

    Tambm poderia ser estudado o porqu de essa histria em especfico se destacar tanto

    das demais histrias fantsticas existentes na literatura mundial. Qual o diferencial que esta

    histria tem em relao s outras.

    Referncias

    AMORIM, Marcel lvaro de. A traduo/adaptao de obras literrias para o cinema

    sob a tica do dialogismo-intertextual. Ed. Temtica, v. 01, p. 1-12, 2012.

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