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    OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA REDE USOS E ESTRATGIAS

    COMUNICATIVAS1

    Catarina Tereza Farias de Oliveira graduada em Comunicao Social pelaUniversidade Federal do Cear (1990), mestrado em Sociologia pela UniversidadeFederal do Cear (1994) e doutorado em Educao pela Universidade Estadual de

    Campinas (2002). Atualmente professora adjunto XI da Universidade Estadual doCear. Na Universidade Estadual do Cear ministra as disciplinas: Sociologia,Metodologia da Pesquisa, Cultura Brasileira, e Sociologia da Educao. Atua

    principalmente nos seguintes temas: comunicao comunitria e movimentos sociais,comunicao e educao, rdios comunitrias, recepo, cultura popular,radiojornalismo, comunicao e cultura e teoria da Comunicao. Tem experincia emextenso universitria onde tem desenvolvido projetos de comunicao popular comsindicatos, escolas e movimentos sociais e ONGs. Atualmente realiza pesquisa com ottulo: Os movimentos sociais na rede: usos e estratgias comunicativas. Possuiexperincia em capacitao nas tcnicas de comunicao alternativa, promovendocursos para a formao de comunicadores populares.

    -E-mail: [email protected]

    Zoraia Nunes Dutra Ferreira graduanda em Comunicao Social com habilitaoem Publicidade e Propaganda na Faculdade Evolutivo (FACE). rea de interesse:comunicao alternativa, cultura popular, mdia digital. Atualmente participa de grupode pesquisa Comunicao, Cultura e Cidadania Gcult no qual pesquisadoracolaboradora na pesquisa: Movimentos Sociais na Rede - Usos e EstratgiasComunicativas.E-mail: [email protected]

    RESUMO A pesquisa investiga os usos que os movimentos populares e

    Organizaes no Governamentais. ONGs, fazem da WEB. Temos observado quenos ltimos anos essa utilizao se tornou freqente no Brasil. Como exemplospodemos citar a pgina da Rdio Favela, emissora situada na cidade de BeloHorizonte e o site VaivaFavela, difusor do movimento VivaRio no Rio de Janeirodentre outras experincias nacionais importantes . Em Fortaleza, o bairro Ellery tevea Rdio mandacaru fechada pela Anatel e encontra-se atualmente com um site deapresentao do bairro e do movimento popular. No Bom jardim, outro bairro deFortaleza encontramos duas ONGS, ambas utilizando sites Nossa pesquisa procuroucompreender os suportes e as linguagens usadas na apresentao desses sites,observando de que forma esses suportes e linguagens representam espaos de

    participao mais efetivos para a populao da comunidade. A pesquisa tambm teveo interesse de compreender os motivos que levam o movimento popular a usar a

    WEB em suas prticas de mobilizao e construo de sua visibilidade.

    PALAVRAS CHAVES: Internet, Comunicao e Movimentos Sociais Populares

    1Essa pesquisa est sendo realizada com a colaborao de alunos de publicidade da faculdade Evolutivo:Zoraia Nunes Dutra Ferreira, Ccero do Nascimento Sousa e Francisco Maurcio Holanda de Sousa. Naelaborao direta do texto contamos com a co-autoria de Zoraia Nunes Dutra Ferreira.

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    Primeiras reflexes como de praxe.

    Numa primeira abordagem a gora grega e apresentada como um espao

    pblico livre de edificaes, um palco para convivncia, para discusses sobre os mais

    variados temas, um verdadeiro tribunal popular onde a expresso do cidado era direitogarantido. No uma simples praa, mas um verdadeiro smbolo da democracia que ali

    teve o seu bero. Contudo sabemos que ser cidado na Grcia era uma representao

    ampla, mas que restringia a participao das mulheres, dos escravos e dos estrangeiros

    dessa plenitude democrtica e rede de conversao.

    Deste riqussimo exerccio de comunicao e persuaso at os dias de hoje,

    muito j se experimentou. Um sem nmero de mudanas se sucedeu at que chegamos

    ao terceiro milnio de braos dados com a tecnologia.

    A parceria comunicao-tecnologia tem sido protagonista de importantesavanos. Um deles mais e mais vem se tornando parte de nossas vidas, modificando

    nosso vocabulrio, nossas relaes sociais, a cultura, o consumo, o trabalho, o lazer e

    at mesmo a psique humana. Referimo-nos ao fenmeno da internet que ano aps ano

    torna-se mais familiar como mostram as pesquisas de Fabin Echegaray (2003)

    expostas em seu artigo: Dimenses da Cibercultura no Brasil. Estamos diante de um

    invento capaz de modificar, ou j fazendo uso desta nova linguagem, capaz de

    reformatar a mente humana como o fez a inveno do alfabeto. Manuel Castells

    (1999)) fala da mente alfabtica e quem sabe dentro em pouco estaremos falando da

    mente digital.

    A interveno do fenmeno da Internet nos mais diferentes campos tem

    chamado a ateno de intelectuais e estudiosos j h algum tempo e vislumbra-se

    inclusive a ampliao de algumas teorias da comunicao que pareciam cristalizadas.

    A possibilidade de difuso das mais diferentes idias, a quebra do monoplio da

    informao, a participao de grupos contra-hegemnios, a ausncia (pelo menos por

    enquanto) de fronteiras, o intercmbio de idias formando um mosaico onde a figura

    final jamais fica pronta, pois a todo momento h uma interveno e um novo n se

    agrega grande rede, tudo isso levou Dnis de Moraes (2000) em seu artigo:

    Comunicao Virtual e Cidadania: Movimentos Sociais e Polticos na Internet, a

    chamar a Internet de gora do terceiro milnio. Seria o ciberespao realmente palco

    do exerccio da democracia onde os cidados poderiam se expressar livremente ou

    manteria, como na Grcia Antiga, a excluso de alguns j que nem todos eram

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    considerados cidados? Todos tm direito a esta cidadania digital? H uma ideologia

    movendo esta gora virtual?

    Gostaramos de lembrar que em todos os tempos as transformaes que

    envolveram o surgimento de tecnologias causaram curiosidades e mudaram as

    sociabilidades. Um texto em particular, O Povo e a Palavra Impressa de Natalie Davis( 1990 ) nos traz essa referncia. A autora reconstri o momento do surgimento da

    impresso no cenrio urbano e rural do sculo XVI. Davis (1990) apresenta detalhes do

    cotidiano dos camponeses, momento em que o livro impresso foi percebido como um

    instrumento de curiosidade. O texto lembra tambm que apesar da cultura oral ser

    central na vida do homem urbano e rural desse perodo, a cultura escrita iniciou nesse

    momento sua introduo na vida cotidiana dessa sociedade, causando talvez o mesmo

    impacto que a internet estabelece hoje para milhares de pessoas.

    Um fator interessante para um olhar que podemos lanar sobre esse momentohistrico nos perguntarmos sobre a relao que as classes populares do sculo XVI

    tiveram com o livro numa poca em que a maioria no sabia ler ou escrever. A esse

    respeito Davis (1990) esclarece narrando as mais diversas formas de relaes que se

    pode estabelecer com o livro. Naquele perodo ela relata que a leitura coletiva foi um

    modo importante que estabeleceu a principal relao entre a palavra impressa e as

    classes populares. Davis afirma que esse estilo de leitura em grupo, realizada nas

    reunies, nas festas, enfim nas relaes cotidianas, constituiu a interao entre

    aqueles que sabiam ler e aqueles que ouviam interessadamente a leitura em voz alta,

    seja nas reunies rurais ou nas tabernas, localizadas nas cidades. Firma-se a uma viso

    mais clara que nos aproxima da realidade vivida nos momentos iniciais da impresso.

    No tnhamos uma cultura escrita estabelecida, mas se estabelecendo sob mediaes de

    leitores e encontros que ocorreram atravs de reunies e da leitura coletiva realizadas

    por pastores, padres, artistas, etc.

    As reflexes de Davis nos deixam, pelo menos, duas pistas para o atual

    momento em que outro meio de comunicao se tornou central na vida das pessoas,

    mesmo num perodo em que no temos a evidncia da cultura digital, da mesma forma

    que no sculo XVI no tnhamos a centralidade da cultura escrita, a internet se impe e

    gradativamente passa a fazer parte da vida das classes populares. No entanto, nosso

    interesse acompanhar o processo de utilizao e relao que as classes populares

    estabelecem com essa tecnologia e investigar de que forma os movimentos sociais

    populares, as ONGs e os grupos culturais propem ou possibilitam essa relao.

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    A realidade social diversa e apresenta uma pluralidade cultural mais rica ainda

    que se reflete nos modos como as pessoas se relacionam com as tecnologias, com as

    artes, com as pessoas, enfim com os contextos e prticas que constituem suas vidas.

    Nesse caso, pensamos que conhecer como a cultura digital est surgindo no contexto

    das classes populares relevante. Alguns autores j esto problematizando essa questo(Castels,1999;Sorj, 2003;Canclini, 2005;;Nunes, 2006). Alguns mais voltados para a

    problemtica das classes populares, outros situando a questo de forma mais ampla

    dentro das discusses de identidade, mobilizao, questes do mundo do trabalho.

    Nosso foco da pesquisa procurar seguir um caminho mais prximo daquele que

    Bernardo Sorj (2003) faz pesquisando a realidade do Rio de Janeiro e do Movimento

    Viva Rio. Nosso contexto de enfoque, no entanto, ser a Regio Nordeste mais

    precisamente a periferia da cidade de Fortaleza onde analisaremos a princpio os sites

    elaborado pelas ONGs: Centro de defesa da Vida Hebert de Sousa, CDVHS(http://www.cdvhs.org.br/) e o site do Movimento de sade mental e comunitrio do

    Bom Jardim (http://msmcbj.net/) . Os dois sites foram elaborados por ONGs que atuam

    no Bom jardim e merecem ser investigados para compreendermos em pesquisa posterior

    o cotidiano das classes populares que se relacionam com essas experincias.

    O terceiro site a ser analisado o site do bairro Ellery

    (http://www.bairroellery.com.br/ellery/index.php). Esse site diferente dos anteriores

    porque no se encontra essencialmente no contexto das ONGs, mas prope a relao

    com o bairro e seus moradores dentro de outra perspectiva do movimento popular.

    No mais possvel manter a viso estreita que percebe a internet como um

    palco para o pblico jovem, que se encontra virtualmente e que a usa para

    entretenimento, quando muito para pesquisa ou que um instrumento de trabalho. O

    quadro que se apresenta diante de nossos olhos, destri essa idia de uso to restrito.

    So partidos polticos, ONGs, movimentos sociais, sindicatos e at grupos guerrilheiros

    que descobriram esse ambiente interativo, cooperativo e descentralizado e nele viram a

    possibilidade de difuso de idias e reivindicaes, aproveitando-se do alcance global,

    da velocidade de transmisso e recepo de mensagens e do barateamento de custos,

    entre outras vantagens. Porm, mesmo diante de tantos fatores positivos que atraem a

    participao de mais e mais grupos, nem tudo so flores.:

    Sem dvida, hbitos arraigados no so mudados com um downloadde novas

    verses. Sua mudana fruto de persistncia e trabalho. O prprio fato de esses atores

    sociais estarem presentes no ciberespao prova de mudanas profundas, pois para isso

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    foi necessrio que cada um desses atores quebrasse seus prprios pr-conceitos com

    relao tecnologia e prpria Internet. Foi preciso abandonar a idia de que a

    tecnologia sempre se torna servidora das elites. (Downing, )

    Fato notrio que a Internet propiciou visibilidade a esses movimentos e isto

    de extrema importncia. No entanto, no se trata de simplesmente crer em conto defadas, h a conscincia da existncia das barreiras scio-econmico-culturais e tambm

    das barreiras que tentam ser impostas no sentido de censura de contedos, mas fato

    que a Internet tem um potencial que pode ser utilizado para a transformao social.

    Com tantos discursos diversos e muitas vezes completamente contrrios coexistindo no

    mesmo espao, seria por demais apocalptico pensar nesta nova gora sendo dominada

    por discursos de conotao puramente mercantilista. A acusao de que a rede virtual

    estaria substituindo a rede social no tm fundamento.

    Vale ressaltar que no concebemos o ciberespao como uma

    esfera divorciada dos embates sociais concretos. Embora a

    prxis virtual seja pautada por especificidades que a distinguem

    claramente dos meios convencionais, h uma relao de

    complementaridade com o real, que resulta na progressiva

    hibridao de recursos tecnolgicos. Os processos no se

    anulam, eles se acrescentam e se mesclam. (Moraes,2000 )

    Se pensarmos na realidade de nosso pas e constatarmos o quo nfimo o

    acesso a grande rede, desconfiaremos da possibilidade real de todos terem a cidadania

    digital. Parece surgir um novo campo de excluso, um novo analfabetismo que se

    junta s mazelas sociais existentes. Porto expressa suas dvidas e preocupaes com

    relao introduo ou investimento em tecnologia em um pas, como o Brasil, que

    ainda precisaria testar as possibilidades e impossibilidades dos meios de comunicao

    de massa, que seria um passo muito largo demais.

    Pensamos que as mudanas no acontecem de forma seqenciada seguindo-se

    um manual vlido para todas as culturas e civilizaes. Os avanos tecnolgicos na rea

    de comunicao fato e dele no se pode fugir. A prpria luta contra o analfabetismo

    pode ter a tecnologia como aliada. Barreiras no podem ser encobertas, mas passos

    devem ser dados.

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    O texto de Porto data de 1986, ou seja, do incio das reflexes sobre esse tema,

    mas nos traz embutido em suas preocupaes os aspectos da excluso digital que mais

    de 15 anos depois sero apresentados por outro autores ( Castels, 1999; Sorj, 2003;

    Canclini, 2005).

    O problema que o texto de Porto traz afirmaes que questionam a convivnciado que ele chama de sistema de comunicao massiva ( televiso aberta , rdios, etc)

    com o novo sistema de comunicao de informao proporcionado pelo computador TV

    a cabo etc, no contexto dos pases pobres. Sua denncia aparece como um apelo para

    que essas tecnologias no sejam implementadas antes do fim da era massiva nos pases

    carentes entre os usurios pobres e analfabetos. Porto utiliza uma expresso por demais

    forte quando diz que Ainda pode parecer ridculo falar da instalao de um terminal de

    videotexto numa favela. Soa mal falar ao mesmo tempo em favela e em telemtica, em

    analfabetismo e em informtica e assim por diante. ( Porto, 1986:75).

    Por outro lado, este novo uso da informao, ou esse novo modo de

    pensar a informao, esta nova racionalidade no massiva em relao

    informao, tudo isso seria preocupante no caso brasileiro. Este pas

    com 100 milhes de habitantes margem do processo produtivo, pode

    rejeitar esse discurso do fim da era massiva nas comunicaes, como

    mais um discurso fora do lugar, mais uma anacronia do pesa mento

    terico. Num pas onde no foram devidamente testadas as faanhas e

    mesmo as impossibilidades da comunicao de massa num pas onde a

    indstria cultural ainda tema de grande uso e controvrsia por qu

    falar de sbito em novas tecnologias da comunicao (NTC)?!.

    (Porto, 1986:75).

    Compreendemos que Porto (1986) chama ateno para o contexto de

    desigualdade social que envolve os segmentos pobres do cenrio brasileiro. A

    preocupao do autor afirmar a necessidade de vencermos o analfabetismo e lutarmoscontra a desigualdade social. No entanto, o cenrio em que as tecnologias se instalam

    em nosso cotidiano dinmico e no vai esperar por essas solues. Portanto,

    consideramos vlida a preocupao de Porto, mas acreditamos que preciso deixar de

    questionar a emergncia das tecnologias desse novo sistema de comunicao e procurar

    entender o que est ocorrendo realmente com os setores excludos.

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    A dimenso a qual propomos esta investigao est ligada as reflexes sobre as

    transformaes que esto ocorrendo 2.700 anos aps a inveno do alfabeto na Grcia (

    Castels. 1999). Para Castels (1999: 354) esta transformao envolve a integrao de

    vrios modos de comunicao em uma rede interativa. O autor ressalta que esse

    Supertexto integra as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicao humana.Ele argumenta ainda que apesar da publicidade ser responsvel pela difuso de parte da

    fico cientfica em torno dessa questo , no possvel negar esse contexto, mas

    preciso tentar afastar-se de excessos e futurologias que envolvem essa temtica. Castels

    (1999) afirma que esse novo sistema se desenvolver abarcando as atividades

    dominantes e os principais segmentos de todo o planeta. No entanto, nossa questo, se

    essas principais atividades e os principais segmentos mencionados por Castels

    envolvem as classes populares, nosso objeto de estudo? interessante perguntar

    tambm como se d esse envolvimento ou essa interao?

    Ao apresentar as reflexes sobre a comunicao mediada por computadores,

    Castels adverte que essa uma comunicao ainda recente que se expandir em ritmo

    fenomenal, mas que:

    ainda excluir a maior parte da humanidade por um longo tempo, ao

    contrrio da televiso e outros meios de comunicao de massa. (...).

    Sem dvida, esse cenrio vai mudar com o tempo, mas o ndice de

    difuso da CMC interativa dificilmente alcanar o da televiso por

    um longo perodo da histria. (Castels,1999: 382).

    Castels (1999) acredita que sistemas multimdias em verses simplificadas sero

    disponibilizados a grande parte da populao. Mas o CMC como tal ficar sob o

    domnio de um segmento populacional instrudo nos pases desenvolvidos, contados

    em dezenas de milhes, porm ainda representando uma elite em escala global (

    Castels, 1999: 383). Castels (1999) defende que o computador em seu incio est se

    consagrando como um meio dos segmentos mais instrudos da populao compropenso a expandir-se nas reas metropolitanas mais sofisticadas. O autor da

    opinio de que os sistemas educacionais colaboraro na expanso dessa tecnologia, no

    entanto, Castels no acredita que essa tecnologia atinja os segmentos populares dos

    pases mais pobres.

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    Portanto, embora realmente esteja revolucionando o processo de comunicao e por

    meio dele a cultura em geral, a CMC uma revoluo que se desenvolve em ondas

    concntricas, comeando nos nveis de educao e riqueza mais altos e provavelmente

    incapaz de atingir grandes segmentos da massa sem instruo, bem como, pasespobres. (Castels, 1999:384)

    As reflexes referentes ao acesso mais criticadas em Porto ganham um tom de

    constatao e evidncia em Castels. Entretanto, tais evidncias se concretizaro mais

    ainda nas pesquisas de Bernardo Sorj (2003) quando esse autor investiga a realidade do

    Movimento Viva Rio na sociedade brasileira. As reflexes de Castels ganham reforo

    nas idias de Bernardo Sorj (2003) quando esse autor tambm afirma que a relao entre

    consumidor e bem de consumo material na sociedade moderna de consumo no pode

    ser percebido apenas a partir do acesso a esse produto (telefone, televiso, internet),

    Sorj defende que a desigualdade social de acesso a esses bens materiais tambm se

    expressa atravs da capacidade do usurio de retirar, a partir de sua capacidade

    intelectual e profissional, o mximo proveito das potencialidades oferecidas por cada

    instrumento de comunicao e informao. (Sorj, 2003:59). Sorj vai mais alm e chega

    inclusive a levantar atravs da anlise do projeto Vivafavela, implementado a parir do

    Movimento VivaRio, que providncias podem ser tomadas para que os setores

    populares fiquem mais prximos do que deveria ser uma realidade distante, ridcula,ou quase impossvel, conforme destacou Porto (1986)

    Moraes (2000) tambm aponta desafios a serem vencidos pelos movimentos

    contra-hegemnicos para que haja um pleno aproveitamento da Internet. So eles: a

    necessidade de polticas competentes de comunicao eletrnica, capazes de ampliar o

    raio de difuso dos sites e a exigncia de ampliao do nmero de usurios conectados,

    o que pressupe vencer obstculos econmico-financeiros, como por exemplo, o custo

    de computadores e provedores e a simplificao dos procedimentos informticos de

    acesso rede. Para pensarmos em polticas pblicas o caminho inicial parece serobservar como as Organizaes No Governamentais ONGs e os movimentos sociais

    populares esto usando a rede.

    . interessante observamos que os sujeitos sociais atuantes no cenrio das

    classes populares fazem uso dessa estratgia de comunicao nos trabalhos e prticas

    sociais que desenvolvem em bairros de periferia e, nesse caso, aparecem como

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    mediadores entre as classes populares e essa tecnologia. Nesse sentido, tomaremos

    essencialmente o uso da internet pelos movimentos sociais populares, as Organizao

    No Governamentais, ONGs e os grupos culturais que de formas diversas propem a

    aproximao da classes populares com o computador e a internet de uma forma mais

    ampla.

    A anlise dos sites: primeiro olhar.

    O movimento organizado desde 1996 tem o objetivo de cuidar da dimenso

    psquica do indivduo para que este venha a ter melhores condies de se colocar de

    uma forma positiva no enfrentamento dos diversos problemas do cotidiano. Esse

    processo de organizao surgiu no Bom jardim por ser esse um cenrio de extrema

    pobreza e grandes problemas scio-econmicos. Os agentes organizadores domovimento foram um grupo de voluntrios, composto por lideranas das Comunidades

    Eclesiais de Base, efervescentes nessa poca no Bom jardim.

    O primeiro passo foi preparar profissionais para o atendimento

    comunidade e, em parceria com a Universidade Federal do Cear

    (UFC), com a superviso do idealizador da tcnica da terapia

    comunitria, professor Adalberto Barreto, formou-se um grupo de

    terapeutas comunitrios. Dando continuidade e aprofundamentos aos

    espaos de escuta, em maro de 1998 os terapeutas comunitrios

    sentiram a necessidade de se organizarem numa ONG e assim foi

    fundado o Movimento de Sade Mental Comunitria do Bom Jardim.

    (http://msmcbj.net/historia.htm,2006)

    Atualmente o Movimento desenvolve muitas atividades: grupos de terapia

    comunitria; grupos de auto-ajuda para o resgate da auto-estima; atendimentos de

    massoterapia; atendimentos psicolgicos individuais; trabalhos de acompanhamento de

    crianas e adolescentes, atravs do projeto Sim Vida No s Drogas; trabalhos de

    formao profissional na Casa de Aprendizagem Ezequiel Ramin; resgate da relao e

    do trabalho com a terra, na horta comunitria; investimento na melhoria da qualidade da

    educao, com o apoio ao Centro de Aprendizagem do Bom Jardim, no qual se faz

    preparao para o vestibular.A promoo de cursos de informtica. Essa ltima

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    atividade interessa particularmente a nossa pesquisa por ser identificada como forma de

    interao possvel de ser promovida paras que as classes populares possam se

    relacionar com as tecnologias emergentes.

    O site do Movimento de Sade Mental Comunitria do Bom Jardim, cumpre

    oseu objetivo de divulgar o trabalho que vem sendo realizado no bairro do BomJardim.No site encontramos depoimentos de pessoas da comunidade e de visitantes que

    expem suas percepes sobre o trabalho do movimento. Analisamos que esse recurso,

    alm de demonstrar a mobilidade do movimento e de suas atividades, tambm funciona

    como uma publicidade do MSMCBJ. Diversas fotos so colocadas no site como forma

    de ilustrar as atividades desenvolvidas ao longo da histria do movimento. No entanto,

    as fotografias no so acompanhadas de nenhum comentrio ou legenda. Desse modo,

    consideramos que essa lacuna impossibilita o entendimento e contextualizao do

    movimento. Sabemos, entretanto, que essa falha fruto da imaturidade do MSMCBJ narea eletrnica, fator que representa nossa emergncia recente no mundo da cultura

    digital. A partir desse dado podemos refletir que se as lideranas que propem o uso do

    computador a comunidade ainda encontram dificuldades em utilizar esse meios, qual

    ser a realidade vivida pela grande maioria dos segmentos populares pblico-alvo desse

    projeto?

    A interao com o receptor praticamente inexistente no site. Essa aparece

    apenas pela possibilidade de envio de e-mail. No notada a participao de pessoas

    da comunidade em termos de criao de material para o site. No encontramos tambm

    nenhuma enqute, instrumento que possibilitaria um certo grau de interao com

    o.movimento atravs do site. Porm, poderamos dizer que o site um carto de visita

    ou portal publicitrio do movimento e ainda no percebido como elemento de

    interao entre movimento e comunidade.

    A navegao do site do MSMCBJ no se faz agradvel devido quantidade de

    cores que no combinam entre si, m diagramao e na pgina principal tambm so

    elementos que dificultam a interao do internauta com o site. Houve a escolha pelo

    texto no esttico, o qual o internauta no consegue acompanhar com facilidade pelo

    movimento constante do texto que dificulta a leitura. O ideal seria um texto fixo ou que

    at poderia est em movimento, mas que se tornaria fixo ao contato com o cursor

    acionado pelo internauta.

    O Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa, CDVHS, caracteriza-se como

    uma ONG que surgiu em 1994 para mobilizar e animar o movimento do grande Bom

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    jardim, bairro localizado prximo ao Siqueira, Conjunto Cear, Modubim, dentre outros

    bairro. O centro envolve diversas lideranas e entidades que so mencionadas na

    histria da ONG descrita no site.

    CDVHS foi fundado em 26 de maro de 1994, com apoio do entoarcebispo de Fortaleza, Dom Alosio Lorscheider e das seguintes

    organizaes: Critas, Centro de Defesa e Promoo dos Direitos

    Humanos da Arquidiocese de Fortaleza e Missionrios Combonianos.

    Atualmente, so associadas ao CDVHS vinte e nove pessoas, sendo

    lideranas comunitrias, militantes de pastorais sociais, profissionais

    liberais e colaboradores

    internacionais(http://www.cdvhs.org.br/,2006)

    O site do CDVHS (http://www.cdvhs.org.br/) extremamente limpo e bem

    cuidado, sem excessos. Mantm-se fiel a um estilo talvez clssico, talvez elitista.

    Podemos perceber que esse site recebeu um tratamento profissional de qualidade, pois

    apresenta um equilbrio em termos de cores e diagramao. Outro fator positivo para

    esse site a ausncia de grandes efeitos visuais na tela principal. Tudo isso torna a

    navegao agradvel, clara e direta.

    As informaes dispostas no site so colocadas de forma clara, h a apresentao

    da ONG, seu incio e sua relao com o socilogo Herbert de Sousa, as parcerias, os

    programas e projetos que so explicados de forma detalhada. Vale observar que muitos

    desses projetos no se restringem ao bairro do Bom Jardim. H uma rea no site

    destinada exclusivamente ao debates. Nessa rea so colocados artigos de acadmicos,

    fotos com qualidade artstica mostrando eventos ocorridos na comunidade e cenas da

    prpria comunidade. interessante ressaltar que as fotografias trazem uma legenda

    explicativa. O site traz ainda a possibilidade para o internauta fazer downloadsde um

    jornal e de uma revista que so publicaes pela ONG.

    O site do CDVHS aposenta apenas uma enqute mas essa no tem relao com o

    bairro e nem mesmo com os projetos da ONG. A enqute est relacionada com os

    objetivos de desenvolvimento do milnio que um projeto da ONU. Consideramos que

    este assunto tenha importncia, mas o fato da ONG no apresenta enqute com temas

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    mais prximos a realidade do bairro do Bom Jardim cria uma impresso de afastamento

    do site com a realidade local.

    Constatamos que o site do CDVHS no apresenta a possibilidade de interao

    do receptor com o site a no ser atravs do envio de e-mail. Percebe-se que no h

    tambm uma interao com a comunidade. No h a presena de atividadesdesenvolvidas por moradores locais> como elaborao de textos, fotografias,

    depoimentos, etc. O site no tem a cara do bairro e nem se torna palco para participao

    deste.

    Diante dessas constataes perguntamos como a ONG CDVHS promove a

    relao dos segmentos populares do Bom jardim com as tecnologias mais atuais:

    computador, internet, etc. Afinal, essa perspectiva faz parte de sua posposta ou a

    utilizao do site apenas um marketing publicitrio da ONG. Tudo no site combina

    com este estilo mais cuidado e que certamente se destina a um pblico especfico. Quepblico esse? Organismos Internacionais que poderiam se tornar parceiros ao

    conhecer o trabalho? Socilogos? Outras ONGs? Eis a questo.

    O Bairro Ellery localizado na zona norte de Fortaleza entre os bairros de

    Monte Castelo, Pirambu, Carlito Pamplona, Presidente Kennedy e Morro do Ouro,

    dentre outros. Desde 1986 os moradores do Bairro Ellery tinham iniciado sua

    organizao comunitria, primeiro mobilizando-se pela construo da igreja e da sede

    da associao dos moradores do bairro, depois essas atividades voltaram-se para a

    distribuio do tquete do leite. Esse ltimo evento deu s mobilizaes um carter

    assistencialista e de atuao religiosa. Posteriormente pessoas ligadas ao PCdoB

    (Partido Comunista do Brasil), passaram a fazer parte do movimento e se juntaram aos

    membros da igreja na organizao da associao dos moradores. Esse ltimo segmento

    era identificado com uma tendncia tradicional catlica. Em 1987 o movimento popular

    iniciou diversas ocupaes e mutires no bairro. Esse fato interrompeu o processo de

    integrao entre catlicos e militantes. Os integrantes da igreja voltaram-se mais

    intensamente para um trabalho religioso, enquanto a associao dos moradores definiu

    um trabalho de mobilizao por moradia, creche, dentre outros direitos. A partir de

    ento essas mobilizaes passaram a ter uma caracterstica mais poltica. A presena do

    PCdoB no movimento popular do bairro Ellery no deu s mobilizaes e organizao

    no bairro uma caracterstica eminente deste partido. H sem dvida uma presena

    marcante do partido na associao comunitria deste bairro, entretanto, as atividades

    que a associao comunitria desenvolve exige do grupo uma relao com setores da

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    igreja, com membros do Lyons Clube e inclusive dilogos com as mais diversas

    instncias do Estado, bem como relaes com os moradores e comerciantes da

    comunidade que no so ligados ao Partido Comunista do Brasil.

    O site do Bairro Ellery (http://www.bairroellery.com.br/ellery/index.php), criado

    h seis meses um campo com as mais diversas atraes e expresses do movimentopopular do bairro. Embora colorido e dinmico, o site no peca por excessos.

    Esse site apresenta muitas informaes sobre assuntos diversos como: histria

    do bairro, entidades culturais e sociais do movimento popular, notcias locais e

    nacionais, fotografias, etc. Entretanto, isso no compromete a navegao para o

    internauta. Uma constatao importante que percebemos um clima de coletividade

    no processo de criao do site.

    No boto que apresenta a histria do bairro encontramos informaes bastante

    densas como: a histria do nome das ruas que foi levantada por um morador do bairro.A participao esse moradora demonstra o significado mais coletivo do site. Nesse

    mesmo boto encontramos uma catalogao de todos os equipamentos do bairro, desde

    quantidade de praas, instituies religiosas at os estabelecimentos comerciais. O site

    possui uma agenda do bairro atualizada. Apresenta a galerias de fotos dos eventos

    realizados no bairro: bloco de carnaval comunitrio ( Bloco Sai na Marra), quadrilhas

    juninas do bairro, mobilizao realizada durante a copa de 2006, etc. Com relao aos

    parceiros, temos notado um sensvel aumento desde que comecei a acessar.

    Com relao interao com o receptor e com o bairro em si, o site

    extremamente rico. Tem diversos mecanismos que permitem esse contato, como por

    exemplo: enquetes com assuntos que dizem respeito ao bairro, possibilidade de criao

    de conta de e-mail no domnio bairro e Ellery, possibilidade de comentar os artigos e as

    fotos. O site usa colunistas que so moradores do prprio bairro, oferece possibilidade

    de anncio nos classificados. A promoo Minha Rua mais Brasil ,criada durante a

    copa do mundo movimentou o bairro e foi tema de reportagens nos jornais e programas

    de televiso locais.

    Dentro do prprio site h referncia s diversas entidades que fazem parte da

    organizao social do bairro, como bandas de vrios estilos musicais, grupos de

    quadrilha junina, grupos de teatro, etc, porm no vimos a presena mias efetiva dessas

    entidades ou grupos no site e nos perguntamos por qu. Pensamos que seria uma porta

    aberta para aproximar ainda mais o site dos moradores e aumentar o nmero de acessos.

    Esses grupos e entidades poderiam fazer uso do site para se expressarem, contarem sua

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    histria, dizer o que fazem. Por outro lado, essa interao acontece com o Bloco Sai na

    Marra, que um bloco de carnaval criado no bairro h trs anos com o intuito de

    reconstruir um pouco da ludicidade do carnaval antigo.

    Um fato que chama nossa ateno a preferncia do uso da palavra stio e no

    site pelos idealizadores do site. Vemos isso como uma valorizao da lnguaportuguesa, como explicado no prprio site. No h, porm uma explorao desta

    opo com artigos explicando essa escolha. Apesar de valorizar a cultura local e

    nacional, a utilizao da palavra stio em lugar de site pode inclusive causar confuso ao

    receptor no acostumado com essa nomenclatura.

    O site no tem nenhuma rea que atraia o pblico infantil. Desenhos e

    quadrinhos poderiam ser usados para falar de assuntos srios de uma maneira mais leve

    e acessvel. Charges tambm poderiam ser utilizadas com este fim. Essas alternativas

    caberiam bem no estilo do site que traz uma o que seria impensado nos outros sitesanalisados.

    O site do Bairro Ellery principalmente leve. O compromisso que informa ter

    com a propagao da cultura e com melhorias do bairro e conseqentemente da vida dos

    moradores no o torna pesado.

    As influncias da Internet ainda so subsdio para muitas reflexes e pesquisas.

    No apenas o usurio conectado influenciado, mas toda a sua teia de relaes sociais

    e familiares. Surge o fenmeno do acesso indireto e com ele a teia se expande. Talvez

    se faa til deletar algumas concepes que fazem com que a percepo dos

    acontecimentos se torne lento.

    Referncias Bibliogrficas

    CASTELS, MANOEL, A Sociedade em Rede ( A era da Informao, economia,

    sociedade e cultura, vol. 1).So Paulo, Paz e Terra, 1999.

    CANCLINI, Nestor Garca. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro:

    Editora UERJ, 2005.

    DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do ovo, sociedade e cultura no incio da Franamoderna.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

    ECHEGARAY, Fabian. Dimenses da Cibercultura no Brasil. Opinio Pblica, Vol9 n 2 , Campinas, outubro, 2003.

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    MORAES, Denis. Comunicao virtual e cidadania:Movimentos sociais e polticos na Internet. Setembro, ano III. Vol. 2/2000.http://www.saladeprensa.org/art156.htm

    NUNES, Mrcia Vidal. Novas tecnologias e cidadania: a internet como fator depolitizao ou de adequao das comunidades excludas ao sistema produtivo?.

    Universidade Federal do Cear ( memeo), 2006.

    PORTO, Srgio. Dayrell. As teorias da comunicao de massa diante das novastecnologias: incio do fim da comunicao massiva?. In: FADUL, Annamaria (org).Novas tecnologias de comunicao: impactos polticos, culturais e socio-econmicos.So Paulo, Summus/INTERCOM,1986.

    SORJ, Bernardo. [email protected], a luta contra a desigualdade na sociedade dainformao. Rio de janeiro, Jorge Zahar, 2003.http://www.cdvhs.org.br/http://www.bairroellery.com.br/ellery/index.php