05-Assentamento Reunidas.pdf

16
Reunidas Assentam ento Assentamento Reunidas Assentamento Reunidas

Transcript of 05-Assentamento Reunidas.pdf

Page 1: 05-Assentamento Reunidas.pdf

Reunidas

AssentamentoAssentamento ReunidasAssentamento Reunidas

Page 2: 05-Assentamento Reunidas.pdf

177176

mentosassenta

HISTÓRICO1

A história da Fazenda Reunidas, segun-do a pesquisadora Maria Aparecida deMoraes Silva2, “... iniciou-se nos finas da dé-cada de 1930, com o desenvolvimento dapecuária. Aos poucos, os sítios, pertencen-tes sobretudo aos japoneses, foram invadi-dos pelo boi pantaneiro (proveniente da re-gião do Pantanal de Mato Grosso), consi-derado muito bravo, capaz de arrebentar ascercas dos sítios vizinhos à fazenda. Na ver-dade, a culpa não era do boi e sim do seudono, cuja estratégia era provocar a invasãodas terras dos sitiantes por meios naturais,ou seja, a quantidade de bois nos pastos erasuperior a sua capacidade, provocando a des-truição das cercas e a invasão das pastagense plantações dos sítios vizinhos. Outra es-tratégia utilizada pelo fazendeiro era a com-pra de um sítio cercado por outros. Destasorte, assim que as pastagens terminavam,o gado destruía as cercas para se alimentarnas pastagens vizinhas.”

“Não obstante as reclamações dos siti-antes aos órgãos judiciais e policiais, o fatoé que, em virtude da força e do medo im-postos pelo fazendeiro, muitos sitiantes fo-

ram forçados a vender suas terras a pre-ços mínimos, enquanto outros as abando-naram e fugiram da região. A pesquisa de-senvolvida por Stela Lemos Borges recolheuvários depoimentos de pessoas que sofreramesse processo de tomada de terras dos siti-antes, sendo que alguns deles, nos finais dadécada de 1980, voltaram à fazenda. Ela es-tava sendo desapropriada por ter sido cadas-trada como improdutiva, e eles, na condi-ção de demandantes de terra, foram final-mente assentados lá. Os relatos acerca des-sas estratégias, do medo, da destruição deplantações e moradias pelo fogo e das ame-aças de assassinato atestam a violência uti-lizada naquela região”.

Em 1986, a Fazenda Reunidas, locali-zada no município de Promissão, foi desa-propriada pelo Governo Federal para fins dereforma agrária, após realização de vistoriatécnica que considerou a área um latifúndioimprodutivo. No período entre a publicaçãodo Decreto de Desapropriação e a posse de-finitiva da fazenda pelo Incra3, em 1987,ocorreram duas ocupações de grupos que rei-vindicavam a terra para implementar umProjeto de Assentamento.

A primeira ocupação contou com aparticipação de 44 famílias que, depois dedespejadas, permaneceram acampadas àsmargens da rodovia local (BR-153). A se-gunda ocupação foi com o acampamento de350 famílias, oriundas do chamado grupoV de Sumaré/ Campinas, vinculadas aoMovimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST).

Durante o ano de 1988, teve início aentrada nas terras um grupo de 607 famíli-as, inscritas e selecionadas pelos sindicatosde 16 municípios da região, para tornarem-se beneficiárias do projeto de assentamen-to. As famílias permaneceram em áreas pro-visórias de moradia e plantio distribuídaspor toda a fazenda. Também o grupo de 44famílias encontrava-se nessa situação, poisparte da terra ainda estava ocupada por gadodo ex-proprietário e de arrendatários.

Em 1989, o Incra iniciou a demarcaçãodos lotes, sendo que, no mesmo período, 103famílias do grupo de Sumaré /Campinasocuparam a área, reivindicando novamenteserem contempladas na seleção.

Em 1990, um novo acampamento sur-giu com 15 famílias que vieram da FazendaSanto Antonio do Paraíso, município deBarbosa. Nesse mesmo ano, após acordo fir-mado entre as partes envolvidas no proces-so de instalação do assentamento (Incra,Itesp, Sindicatos de Trabalhadores Rurais erepresentantes dos acampados) foi finaliza-da a demarcação dos lotes, contemplando629 famílias, 502 delas inscritas pelos Sin-dicatos Rurais e 127 provenientes dos acam-pamentos citados. O público beneficiado eraconstituído, em sua maioria, de meeiros decafé, pequenos arrendatários, trabalhadores

das fazendas, mas também de trabalhadoresda indústria e do comércio, porém com pas-sado ligado ao meio rural e à agropecuária.

Desde o início do assentamento a Fun-dação Itesp presta assistência técnica e ex-tensão rural aos assentados, por meio de par-ceria com o Incra, implementando progra-mas de apoio ao desenvolvimento social eeconômico das famílias.

CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA

O assentamento Reunidas localiza-se naregião noroeste do Estado de São Paulo, a505 km da capital e relativamente próximode importantes centros urbanos do interior,como São José do Rio Preto, Marília, Baurue Araçatuba. Situa-se a 35 km do centro ur-bano de Promissão, e está entrecortado pelarodovia federal BR-153, que liga Lins a SãoJosé do Rio Preto.

A gleba foi dividida em seis setores, de-nominados Agrovila, que receberam o nomede acordo com a procedência dos trabalha-dores: Limeira (Grupo dos 44), Lins, JoséBonifácio, Promissão, Penápolis e Birigui.

O assentamento Reunidas conta comum Posto de Saúde, ampliado com o Pro-grama Saúde da Família (PSF) e um postode d i s t r ibuição de remédios , ambosconstruídos em parceria do Itesp com a pre-feitura local. O assentamento possui aindaseis galpões multi-uso, construídos com aparceria Itesp/prefeitura, e um Centro deAbastecimento e Comercialização comuni-tário, construído pela Prefeitura e Incra.

Reunidas é o maior assentamento doEstado de São Paulo, com 632 famílias, sen-do 91% dos titulares dos lotes, homens. Apar t i c ipação feminina na pr imei ratitularidade dos lotes (9%) está bem abaixo

Identificação

Nº de Lotes: 629

Área Total: 17.138 hectares

Área Agricultável: 12.735 hectares

Domínio da Terra: Federal

Portaria de Criação: Incra nº 095/1988

Início: Outubro de 1987

Município: Promissão

1 Como fonte de pesquisa, foram utilizados documentosda Fundação Itesp, do antigo Departamento de Assenta-mento Fundiário (DAF) e consulta a técnicos de campoque acompanharam a criação do assentamento.2 SILVA, Maria Aparecidade de Moraes. A Luta pela Ter-ra: Experiência e Memória. Coleção Paradidáticos. Edito-ra UNESP, 2004, pp. 29 e 30.

3 Este assentamento está vinculado ao Plano Nacional daReforma Agrária, que prevê a desapropriação pelo gover-no federal (Decreto 92.876) por constituir-se uma áreaocupada em latifúndio por exploração, não respeitando afunção social da terra.

axiaFairáte

ºNsnemoH % ºN

serehluM % latoT %

6a0 651 83,9 561 85,01 123 69,9

41a7 032 28,31 842 09,51 874 38,41

02a51 192 94,71 382 41,81 475 08,71

03a12 192 94,71 082 59,71 175 17,71

04a13 221 33,7 111 21,7 332 32,7

05a14 491 66,11 571 22,11 963 54,11

56a15 592 37,71 412 27,31 905 97,51

56edsiam 58 11,5 48 83,5 961 42,5

LATOT 466.1 00,001 065.1 00,001 422.3 00,001

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

SEGUNDO IDADE E GÊNERO

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

TITULARES SEGUNDO FAIXA ETÁRIA

Qua

ntid

ade

de p

esso

as

ESCOLARIDADE DOS MORADORES

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

TIPO DE EXPERIÊNCIA ANTERIOR

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

Page 3: 05-Assentamento Reunidas.pdf

179178

mentosassenta

as assentadas – quase 3.300 pessoas – adiversidade na produção se faz presente.Além das a t iv idades vo l tadas para aagropecuária, encontra-se o cultivo do bi-cho-da-seda, a produção de compotas e dedoces e uma oficina de costura chamada Florde Maio.

A oficina de costura funciona desdemaio de 1999, quando um grupo de 15 mu-lheres, em busca de uma alternativa de ren-da diante da crise do setor agropecuário,decidiu formar a associação. Com união edeterminação compraram algumas máqui-nas de costura e, obtendo apoio do párocoda cidade e do comércio local, ganharamoutras máquinas. Em 2002, o Itesp aprovouprojeto de ampliação da oficina, cedendo omaterial de construção. Em parceria com aprefeitura de Promissão, que cedeu a mão-de-obra, a obra foi executada em 2003. AAssociação recebeu ainda um veículo doGoverno do Estado de São Paulo para otransporte da produção.

As culturas anuais e a pecuária leiteiraapresentam equilíbrio na destinação da áreaagrícola, 19,9% e 26,4%, respectivamente.As culturas permanentes ocupam 4% da ter-ra. Todas as atividades utilizam mão-de-obra familiar.

A safra 1999/2000 mostrou que o mes-mo peso que a pecuária leiteira e as lavou-ras tiveram na área ocupada se refletiu narenda gerada. As pastagens ocupam 26,8%da área e respondem por 43% dos valoresgerados; por outro lado, as lavouras perma-nentes e anuais ocupam 24% da área e sãoresponsáveis por mais de 56% da renda ge-rada. A relação entre área ocupada e rendagerada na categoria “outros” apresentadisparidade em termos percentuais visto quesão as áreas ociosas, as inaproveitáveis paraa agropecuária e áreas comunitárias que, jun-tas, somam 50% da área total. Parte da ren-da gerada vem de atividades como apicultu-ra, suinocultura e sericicultura, que ocupampequenas áreas e são responsáveis por 0,56%da renda total gerada no assentamento.

Nas lavouras, que são responsáveis por

56% da renda das famílias assentadas, iden-tifica-se a grande diversificação de cultivos.Na área ocupada por lavouras permanentes,50% tem cafeicultura, que gera 68% do va-lor; neste item podemos destacar também ocultivo da pinha, que ocupa apenas 2% daárea, mas gera 12% da renda; já o eucalipto,que não gerou renda nesta safra, ocupa 27%da área de culturas permanentes.

Nos cultivos anuais, novamente obser-va-se a grande diversidade. No entanto,pode-se destacar o milho ocupando 70%destas áreas e gerando 72% da renda; o fei-jão ocupa 10% da área e é responsável por5% da renda. Englobam-se aqui o cultivo dehortaliças, com grande diversificação, comcultivos tradicionais e em estufa. As horta-liças ocupam 7,5% da área e geram 11,3%da renda.

Considerando que o índice de perma-nência médio para o Estado de São Paulo éde 81,93%, pode-se afirmar que há um ín-dice elevado de permanência das famílias doReunidas, atingindo 83%.

da média do Estado (21%). Outra ca-racterística presente entre os moradores éque 70% dos chefes de família titulares si-tuam-se na faixa etária de 41 a 65 anos.

Acredita-se que as pessoas com menosque 30 anos tenham adquirido seus lotesapós a instalação do assentamento, por in-clusão ou por transferência de titularidadedos mais velhos para os mais jovens, dentrodo mesmo núcleo familiar. Tal conclusão épossível tendo-se em vista que, na época dacriação do assentamento, 1997, as pessoascom idade inferior a 30 anos não tinham aidade mínima exigida para serem assenta-das, ou seja, 21 anos. .

O assentamento Reunidas tem uma dis-posição habitacional que difere dos demaisassentamentos, por possuir casas construídasnos lotes agrícolas e não em agrovilas. So-mente o Grupo de Campinas, formado por35 famílias, optaram por fazer suas casaspróximas ao centro de equipamentos comu-nitários, ocupando um dos lotes dos assen-tados cooperados

Neste assentamento, as crianças contamcom uma escola estadual, que oferece o En-sino Fundamental Completo, e com cincoescolas oferecendo até a 4ª. série do EnsinoFundamental. No entorno do assentamen-to, há uma escola estadual em que as crian-ças e jovens podem freqüentar até o EnsinoMédio.

O nível de escolaridade dos moradoresde Reunidas é bastante baixo, não diferindodo cenário da população brasileira do cam-po; 66% não completaram a 8a série do En-sino Fundamental; 12% chegaram a freqüen-tar o Ensino Médio, sendo que apenas 3% oconcluíram. Embora haja um baixo nível deescolaridade entre os moradores, o índice deanalfabetismo (10%) é menor que a médiaestadual da população do campo.

As famílias selecionadas estavam traba-lhando na agricultura antes de virem para oassentamento (85%). Muitas destas famíli-as chegaram na terra com algum capital ini-cial, como tratores, implementos agrícolas,recursos para construção e custeio de lavou-ras, correspondendo a 20% do contingente

total (proprietários de terra), fruto do tra-balho de longos anos. Pode-se somar a estegrupo os 14% dos trabalhadores arrendatá-rios. Destacam-se, porém, os trabalhadoresque vendiam sua força de trabalho, seja comoassalariado permanente (29%), seja comotemporário (20%), marcando forte presençaentre os trabalhadores descapitalizados.

Observa-se uma expressiva parcela dasfamílias (14%) trabalhando em outros seto-res que não a agricultura. A despeito da ori-gem no meio rural, estas famílias estariamdesenvolvendo outras atividades no setor co-mercial e industrial no momento da seleçãopara o assentamento.

Das famílias assentadas, 57% vivem ex-clusivamente da renda gerada no lote; por-centagem ainda significativa (38,8%) temmais de 70% de sua renda proveniente dolote, elevando este percentual para 96%.

A ocorrência de renda maior que 50%externa ao lote pode ser relacionada à expe-riência anterior de algumas famílias em ati-vidades do comércio e da indústria, o quepode ter facilitado a atividade de membrosde algumas famílias (1,58%) em atividadesexternas ao lote.

Quanto à participação do trabalho nointerior do assentamento, verifica-se quemais de 66% das pessoas dedicam-se inte-gralmente ao lote; as 478 pessoas que nãoparticipam, representam cerca de 15% dosmoradores do assentamento. Considerandoque 799 pessoas são crianças com menos de14 anos, e 169 são pessoas acima de 65 anos,a maioria da categoria não participante podededicar-se às atividades do lote de formaparcial ou eventual. Pode-se concluir que aquase totalidade das pessoas com mais de14 anos (2256 pessoas) exercem atividadesem tempo integral no lote. Se considerar-mos a dedicação parcial, este número sobepara 2628 pessoas.

DADOS DE PRODUÇÃO

Tendo em vista o tamanho do assenta-mento (mais de 17 mil hectares, o maior doEstado de São Paulo) e o número de famíli-

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

RENDA FAMILIAR PROVENIENTE DO LOTE (%)

Qua

ntid

ade

de p

esso

as

Intensidade

Fonte: Fundação Itesp – Caderneta de Campo 1998/99

PARTICIPAÇÃO NO TRABALHO DO LOTE

Page 4: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

181

Eu nasci em Bauru, Estado de São Pau-lo. Com quinze anos fui embora para Araraquara.Depois me casei e fui embora para Santo André.Trabalhei por volta de oito anos como motoristade perua escolar, em Santo André. Meu maridoera eletricista de manutenção. Então, eu moreiem Santo André treze anos, e a maior parte daminha vida foi como motorista de perua escolar.

Antes de trabalhar com perua escolar, eu sem-pre gostei de vendas. Já fui não sei quantas vezespara o Paraguai, e sempre mexi com vendas; iapara Ibitinga, Serra Negra, Monte Sião buscar rou-pa. Eu sempre fui uma pessoa despachada. Nessa épo-ca, eu me separei. Tenho um filho com 23 anoshoje; na época acho que ele estava com uns dozeanos, e aí nós fomos para Bauru, porque minhafamília é de lá. Voltei e criei independência, a talindependência. Achava que estava muito presa eeu não sabia o que ia vir pela frente.

Em Bauru, montei um bar com minha irmãe comecei a trabalhar com ela e com a perua esco-lar. Depois, conheci outra pessoa, me casei. É meumarido até hoje. Ele também tinha filhos: um meni-no com uns 2 anos e uma menina de 3. Começa-mos a trabalhar com vendas; nós tínhamos vári-os vendedores, conhecemos quase todos os Esta-dos do Brasil. Eu ia com a perua com os vendedo-res, e ele ia para São Paulo, e chegava no local ondeeu estava, de ônibus, com as mercadorias. Nós tra-balhamos uns dois anos assim.

Em 1992, nós estávamos com 30 vendedoresem Cuiabá, mas já tínhamos ido para Goiás,Espírito Santo, Rio de Janeiro... vários lugares.Então fomos de volta para Bauru. No caminhosofremos um acidente. Meu marido teve queamputar a perna, foi um acidente de moto, eeu fiquei seis meses com um fixador, porquetive duas fraturas na perna. Ficamos dois anospraticamente parados, em tratamento.

Naquela época, tínhamos um padrão de vidamuito bom. Mas nós éramos autônomos, pagáva-

mos INPS referente a um salário mínimo, nãopagava sobre mais. Então, logo já cortaram; oINPS já mandou ele, mesmo com a amputação,ir trabalhar.

Eu fiquei um pouco mais no INPS, masnós tivemos que arrumar uma pessoa para cui-dar da gente; estávamos os dois machucados e ascrianças eram pequenas. Nós tivemos que ter umapessoa cuidando da gente e, pagando essa pessoa,os gastos não eram os mesmos, eram dobrados.Fomos vendendo o que tínhamos. Começamos avender o telefone, vender o terreno, vender a casa,e aí foi embora.

Com nosso último recurso, compramos esselote, que era do primo do meu marido. A gentevinha muito aqui para passear, gostava daqui. Nósnão acampamos. Nós compramos o lote; a gentenem tinha noção de preço, a gente pagou umpreço absurdo, mas compramos.

Nós ficamos aqui, só que o primo do meumarido dizia:“Vocês não podem falar que estãoaqui, vocês estão passeando aqui, não são os donos, odono sou eu”. E foi indo. O lote já tinha um finan-ciamento, e até hoje o cara do Banco vem que-rendo que nós acertemos essa dívida, mas não va-mos pagar porque não fomos nós que recebemoso financiamento. Esse lote em que estamos já pas-sou sete pessoas: entrou e saiu, entrou e saiu, en-trou e saiu...

Agora nós temos essa casinha! Quando che-gamos, a casa só tinha dois cômodos; nós aumenta-mos e depois começamos a construir essa outra, quetem hoje 108 metros quadrados. É bem grande.

Depois de um tempo, o Incra deu autoriza-ção para nós continuarmos, e aí a gente tem lugar.Minha sogra mora ao lado. Temos as duas crian-ças; hoje o menino está com 12 anos e a meninacom treze anos, vai fazer 14 agora.

Depois nós começamos com essa coopera-tiva. Os homens eram cooperados, e aí se falou

Bernadete Silva CallegareBernadete Silva Callegare

Page 5: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

183182

das mulheres se organizarem. Mas eu sempre fuielétrica, eu cheguei, fui fazendo juju; não tinhaenergia aqui, mas eu não sei esperar as coisas che-garem para mim, eu tenho que correr atrás. Comonão tinha energia aqui no lote, coloquei o freezerna igreja e comecei a fazer juju. Vendia duzentosjujus por semana.

Nessa época, a situação começou a apertar, por-que tiramos o resto do dinheiro da poupançapara plantar feijão, aí deu aquela geada de 94 eperdemos tudo! Mas eu não parava quieta, mevirava, assava frango e ia vender onde estavamplantando algodão...

Então, surgiu essa cooperativa. Decidimosfazer doce e aí nós começamos. A única mo-torista mulher era eu, e a cooperativa recebeuum projeto de uma Kombi nova. Então eupegava essa Kombi, nós fazíamos feira emPenápolis e começamos a trabalhar nas casas,na casa de uma, na casa de outra. Éramos 24mulheres. Depois dividiu: ficaram 12 aqui e12 em Campinas, porque era da agrovila de lá.Depois ficaram oito, depois seis, e nós acaba-mos ficando em três. Mas mesmo assim conse-guimos construir essa estrutura. Nesse inter-valo, a cooperativa dos homens faliu.

Mesmo com as dificuldades, nós começa-mos a construir. E os maridos sempre com aque-les problemas de ciúme, sempre falando paradeixar essas coisas de lado; principalmente omeu... É tudo igual. Em Santo André, eu tinhamais autonomia, pegava o carro e ia acamparcom meu filho, se o marido quisesse ir ou não.Mas aqui... Por exemplo, no dia da confrater-nização, depois da reunião das mulheres, quando eucheguei em casa às duas horas da manhã, ele ficoutiririca! E a gente estava na confraternização, umafestinha tão sem maldade, com as pessoas daqui doassentamento.

Existe um machismo mesmo, uma ignorân-cia muito grande. Quando você vive como eu vivi,em cidade grande, convivendo com muitas pes-soas, quando você se vê nessa situação, você ficamuito reprimida!

Então, hoje, a minha situação é assim; e euestou bem. Nossa, acho que eu estou aqui aindacom essa fábrica porque eu sou uma das coorde-nadoras do grupo! Então, eu é que vou negociar,

eu é que vou sair. Igual agora: veio um convitepara nós do MST, oito dias no Rio de Janeiropara apresentar nosso projeto. Eu nem falei ain-da, porque vai ser aquele auê, não sei se voupoder ir.

Fico triste, porque agora, quando temos umespaço para divulgar nossas coisas... Nós luta-mos tanto tempo, quatro anos atrás, e agora quevocê está divulgando, que está fazendo, aí vemuma pessoa e quer te podar! Isso daí para mim émuito triste!

Que nem na festa... nós dançamos, brin-camos, não havia maldade! Mas aí que você vê afalta de maturidade, a ignorância é muito grande,e aí, depois de dez anos você fala: “Com quem eufui me envolver?”. Eu deveria ter pego uma pes-soa que me entendesse melhor, mas agora já étarde. Então você volta atrás e é complicado!Você fica tentando conciliar as duas coisas, masé complicado.

E tem isso também da fábrica, porque vocêvê, nós não temos capital de giro para essa em-presa, não temos retorno, nós não temos nada!Nós temos só assim: vende só os doces e vocêvai lá e compra o açúcar, paga o leite... Então,não é assim que você tem um capital de giro, nempara você trabalhar, então é complicado. Quan-do é um mês que dá para tirar nosso dinheiro,nós vamos tirar; um mês que não dá, não vai tirar.Porque você é a dona, então você tem que cres-cer para depois ter o retorno. Mas muitas mulhe-res não entenderam isso, queriam o retorno paraontem... E nós vemos TV, lemos e vemos quetem empresa nos Estados Unidos que investe di-nheiro para ter retorno dali cinco, seis, sete, oito,dez anos! Mas acontece que eles têm a vida deles,têm o capital deles, tudo bem. Vai ter retorno,vai ter, mas você tem o capital de giro, e nós nãotemos isso... só que para elas entenderem isso, édifícil.

As que entenderam, ficaram. Nós somos emtrês, hoje estamos em cinco, porque tem a meni-na que vem todo dia de manhã, pois precisa irpara a escola, e a nora da Elenice, que vem traba-lhar o dia todo. Só que nós não prometemos quevamos pagar salário.

Essa estrutura da fábrica deve estar prontadaqui a uns quatro meses. Então, o que aconte-

ce? Agora todo mundo vem, vem dez mil, ummonte de menina: “Escuta aqui, mas tem empregopara mim?”. Só que os quatro anos que nósestamos batalhando aqui, no calorzão desse... quetem mais de 40 graus aqui dentro, ninguém lem-bra! E você vai vender na rua. Hoje nós temosvendedor, mas quantas vezes nós chegamos nomercado: “Compra nosso doce?”. É a parte de ven-da. Hoje não, nós não temos mais tempo parachegar no mercado e ficar oferecendo, e nemempregado, porque era nisso que nós tínhamosproblema: a gente vendia, até vendia, mas e aí paraentregar? Entregava hoje, entregava amanhã, “Ah!esqueci de entregar aquele doce”, era pouco profis-sional o negócio! Como não tínhamos conduçãoe tudo é muito longe, às vezes não entregava odoce, e isso descredibiliza. Hoje não, nós temos ovendedor e nós ficamos aqui só preparando osdoces para entregar tudo em dia.

Hoje, entregamos doce para a merenda es-colar da prefeitura. Vamos voltar a entregar daquiuns quinze dias. Estamos nos organizando. A genteentrega 100 quilos por semana para a prefeitura.

Então, a gente trabalhou muito nesses qua-tro anos, e o Itesp reconheceu esse trabalho e deuuma força para a gente. Agora vão chegar mais 43mil reais em material para terminar de montar anossa fábrica!

Meu marido mesmo nunca acreditou nis-so, nunca acreditou em mim, e é horrível vocêse sentir assim, desvalorizada. Ele sempre diz: “Issoaí não vira nada, essas mulheres são tudo fogo de pa-lha. Porque você não traz o dinheiro para dentro decasa? Você trabalha dez, doze horas fora de casa, ficaaté de noite lá, e cadê o dinheiro?”

É por isso que muitas mulheres saíram, nãoagüentam o marido falando essas coisas. É com-plicado quando você não está trazendo dinheiropara casa. De vez em quando a gente traz, quandosobra você tem. Mas você não tem aquela previ-são... Se vendeu bem, deu para acertar tudo, vocêrecebe; se não vendeu, você não traz dinheiro. Nósrecebemos em dezembro e até agora não recebe-mos mais nada, porque até dezembro nós tínha-mos o dinheiro da prefeitura para receber, que é anossa maior e mais certa venda.

E para aumentar nossa produção e vendermais nós temos que ter o SIF, que é o selo do

Serviço de Inspeção Federal. Tem que regula-rizar tudo, ter código de barra, tudo! Precisa-mos legalizar para começar a vender em quan-tidade. Para isso, precisa tempo e dinheiro. Épor isso que essa construção da fábrica é tão im-portante para nós, porque vamos produzir nos pa-drões estabelecidos. Então vamos legalizar e podercomercializar melhor nosso produto.

Estávamos rodando igual peru, sem sair dolugar, mas nós precisamos dessa construção, de tudoisso, para começar com as coisas certas! Então,eles, os maridos, não entendem isso! É compli-cado você ter que lidar com isso! Eu acho que eunão desisti, não fui embora ainda, justamente porcausa da fábrica, porque isso daqui me atrai muito,porque é o sonho da gente. Eu não tenho o so-nho de ter cinco pessoas, eu quero ter dez, vinte!Eu não tenho só o sonho, ou então projeto, defazer só doce; eu quero que os meninos, que estãoem evasão para a cidade, possam estar aqui junto,trabalhando! Então vamos ver uma maneira quedê para encaixar em tudo isso, para que haja umcrescimento geral. Eu não quero ter emprega-dos, eu quero ter sócios! Lógico que nós quere-mos uma participação maior, porque nósestamos aqui lutando; conseguimos tudo isso,mas nós queremos todo mundo sócio. Nosso pro-jeto é esse!

Page 6: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

185

Dirceu - Eu nasci no Paraná, na ci-dade de Santo Antônio do Cambira. Fuipara Minas Gerais com a minha família.Trabalhávamos colhendo café. Nessa épo-ca nós morávamos na cidade, pagando alu-guel. Depois vim sozinho para São Paulo.Aqui trabalhei como cortador de cana. Eutinha que ajudar a família, que estava emMinas. Na ocupação, eu lembro daquelaturma de gente, mais de 300 famílias nabeira da pista! Era uma noite maravilho-sa, parecia que era de dia, de tão ilumina-da. Aí nós entramos. Só se via criança cho-rando, cachorro latindo, e o pessoal na-quela festa. A impressão que dava é quetodo mundo ia ficar com seu pedacinhode terra. Era tanta felicidade daquele povo...Quando amanheceu o dia seguinte, foium calorão inacreditável! E não tinha águapra tomar. Apenas uma água de represa.Qual foi o resultado? Deu uma bruta di-arréia no povo. Uma vomitação danada.Acho que pelo costume, porque a regiãoonde nós estávamos era mais fresca. Quandoa gente chegou aqui, a temperatura eracompletamente outra. Bem mais quente!Mas nós tínhamos que terminar nossas ta-refas o mais rápido possível. Aí, juntamosum mutirão. Ficou um grupo de dez pes-soas para cozinhar, outro grupo fazia ou-tra tarefa, tipo segurança, e assim é queera. Ninguém ficava sem comer. Tinhacoletivo para a cozinha e para fazer barra-cos. A qualquer hora do dia, tínhamos queestar alertas, por causa dos policiais. O si-nal era a batida da enxada. A qualquer horado dia ou da noite, se batia a enxada, o povocorria todo junto. Se agrupava.

Cida - Se alguém fosse atacar ali, opovo estava unido. Nesse começo, todo

mundo tinha comida, mas logo a coisafoi apertando. Precisamos fazer arrecada-ções. Os padres ajudaram muito! Porque opovo quase não tinha nada pra comer. Maseu também me lembro que as noites erammuito gostosas. O nosso acampamento eraum dos melhores, porque era muita juven-tude e tinha umas mulheres muito anima-das. Tinha até uma argentina, que era umafigura! Nós fazíamos noites culturais, tinhacelebração, tinha um padre. Era muito fes-tivo. Festa junina, nós comemoramos pravaler! Cada santo tem seu dia, e tinha umacomemoraçãozinha para aquilo. Nós nun-ca ficávamos parados. Às vezes, na noitede sábado, vinha até gente de Promissão,porque era muito gostoso mesmo.

Até que teve a primeira caminhadaque foi para São Paulo. Depois ainda fo-mos caminhando para Brasília, fora as idasaté Promissão. Para Brasília foi a cami-nhada que o pessoal mais se animou. Foitanta gente! Eu não sabia que o nosso mo-vimento tinha tanta gente assim! Era bar-raca que não acabava mais! Você andavaassim e parecia que era uma cidadinhade barraco!

Nós não tínhamos nenhuma verbado governo para nada. Mas não sei comoos coordenadores arrumaram um cami-nhão, bem popular mesmo, e nós fomos.Todos assim, bem sujos. Mas o pessoal iasatisfeito, porque ia buscar o que queria.Tinha uma boa organização. E sempre ti-nham as responsabilidades. Tinha os queficavam responsáveis de ficar tomandoconta dos barracos, da comunicação. Todomundo que entrava no acampamento erarevistado. Essa caminhada marcou atéhoje.

Mas era uma época festiva da nossaDirceu e Cida dos SantosDirceu e Cida dos Santos

Page 7: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

187186

luta. Eu até digo que, pela vista de hoje,naquele tempo tinham coisas melhores.Você não tinha uma casa pra morar, massei lá, pela força e vontade que nós tínha-mos de entrar na terra, a gente nem per-cebia essas faltas. O pessoal lutava por umideal. Então era mais fácil de lutar.

Querendo ou não, no começo, todanossa luta foi obra do MST. O primeiroacampamento, as primeiras caminhadas,primeiras lutas... Tudo foi ele. Foi ele queabriu a oportunidade para todos. Infeliz-mente, o fim dessa história foi outro. Acooperativa foi desanimando, sei lá, aspessoas tendo filhos, tendo sua casa, ven-do sua televisão... A vida muda. Quandonão dava mais certo, cada qual pegou e foitrabalhar no seu lote.

O acampamento tem essas vantagens,mas tem uns momentos que a vida é durade agüentar. No meu caso mesmo, no meucaso não, no caso de todos nós dessas 300 etantas famílias eu cito uma chuva terrí-vel, dessas que só dá de 10 em 10 anos.Por incrível que pareça, ela foi cair justoquando nós chegamos. Mas foi uma chuvagrande mesmo. Eu lembro da minha mãe,que segurava numa ponta da lona, meupai noutra, minha irmã noutra e a lonavirou aquele balão. Deu relâmpago, trovão,eu fiquei desesperada! Pensei: “Agora vaimorrer todo mundo!” , porque foi umachuva que eu nunca tinha visto. Caíramvárias barracas, tinha mulher chorando,criança chorando, foi difícil! A primeira con-quista da luta, no tempo do acampamento,foram 300 hectares em parte da antigafazenda Reunidas. Cada família acampa-da conquistou dois hectares de terra.

Agora, tem uma diferença muito grande dessavida para a vida da cidade. Eu vejo uma me-lhora muito grande aqui. É bem mais tranqüilo.Eu vou a hora que eu quiser, aonde eu quiser.Meus filhos estudam, vão com as roupas queeles querem. Aqui eu não pago aluguel. Na ci-dade não, é outra preocupação. Aqui vocênunca é mandado embora por ninguém, traba-lha quando quer, seus filhos sempre estudando.A gente vai nas casas dos parentes...

Sei lá, é uma diferença tão grande!Veja a diferença dos filhos da gente, quemoram aqui, com os filhos dos nossos pa-rentes da cidade. É uma grande diferença!O modo de pensar então, nem se fala. Pa-rece que os nossos filhos são muito mais cri-ativos, mais espertos. A realidade é saberdo mundo. Eles sabem como é sofrer. Elesvão crescendo com a cabeça completamen-te diferente.

Deus me livre de sair dessa terra! Ja-mais! Aqui é pra sempre. Com toda difi-culdade que vier, daqui eu não saio não.Porque, por maior que for a dificuldade,aqui nós comemos bem. Não vou dizerque comemos do bom e do melhor, tipofilé todo dia, mas nós comemos de tudo.Eu bem que queria que todos que esti-vessem na cidade tivessem o que nós te-mos aqui. Eu queria que o pessoal lá emSão Paulo, ou em qualquer outra cidade,tivesse o que nós temos aqui. Nós não po-demos reclamar.

Meu marido é amigo de todo mundo.Ele trabalha, não bebe e nem fuma. Nóstemos nossa hortinha, que está cheia defruta, manga, goiaba, mexerica... Temosmandioca... E o povo da cidade? Vai co-mer tijolo?

Eu gosto de morar aqui na agrovila.Não queria ficar isolada no fundão do lote.Gosto da comunidade, da participação.Das festas, principalmente as juninas. Nósgostamos de conviver com gente. Se nãoexistisse essa agrovila, nós não teríamosesse bar. Acho que quem sai daqui estácometendo uma loucura. Pegar o lote quevocê lutou tanto na vida e vender! Achouma grande bobagem. E já vi muitos searrependendo muito. Meu único sonho éver meus filhos na faculdade e a famíliasempre unida e crescendo.

Page 8: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

189

Meu nome é Mauro José dos Santos, soude Lins. Toda vida, toda vida, trabalhei com ter-ra, desde criança. Na verdade eu nasci na Bahia,toda a minha família. Mas saímos de lá quandoeu tinha uns 14 anos. Viemos cuidar de café, aquiem São Paulo. Pegamos café de colônia, naqueletempo tinha café de colônia. Nós viemos lutan-do, nunca trabalhamos de empregados, de rece-ber salário por mês, não, nunca. Só mesmo naenxada, no cafezal. Tocávamos 22 mil pés decafé. Depois que nós viemos para cá, fome nósnão estamos passando, mas não dá para compraruma roupa, não.

Vim pra cá porque escutei no rádio, cha-mando para fazer cadastro no sindicato. Nós vi-emos fazer cadastro, logo depois fomos sortea-dos. Só então vim com a família; primeiro fica-mos em um hectare, fizemos o barraco. Depoiso engenheiro cortou três alqueires e meio paracada família, e depois de um ano é que foramcortar as terras que foram sorteadas.

Não estou arrependido de estar aqui não.Vamos vivendo. Como que eu ia sustentar setefilhos na cidade? São cinco moleques e duas fi-lhas. Agora tem 3 casados, que foram emborapara a cidade, porque aqui não estava dando praeles. Os outros estão comigo até agora. Se eu nãotivesse essa terra aqui, não daria para eles esta-rem comigo.

Andei comprando alguma coisinha, fizemosa casa, e o governo estava ajudando com financi-amento. Depois, teve um ano que nós não conse-guimos pagar o financiamento, então não deumais. Cortou o financiamento. Fizemos pouca ven-da, perdemos bastante, e daí para cá nós vamostocando a luta sozinhos, assim, sem mexer comnada. Tenho minha aposentadoria, e assim estouagüentando, senão eu já tinha entregado esse loteaqui e ido embora, porque não está bom! Mas oque eu vou fazer na cidade com essa idade?

Minha esposa está em Promissão, inter-nada. Deu começo de derrame nela. Está na casada minha filha. Trazer para cá não tem condi-ção, ela está fazendo tratamento. Não quer virpara cá não. Ela estava mexendo com a apo-sentadoria, depois atrasou, está faltando umpapel que a gente não acha. Mas se Deus qui-ser vai dar tudo certo.

Esse ano não plantei roça. O ano passadoainda plantei um pouco. Agora, esse ano nãodeu pra plantar nada. Por enquanto estou me-xendo só com café. Plantei um pouco de arrozno meio do café. Agora estou arrumando paraplantar um pouco de feijão. A coisa está feia,não dá para fazer roça, não! Não saiu dinheiroesse ano, o gerente lá do banco segurou. Agoraestamos esperando.

O café que tenho é quase só para o con-sumo; tem ano que dá para vender um pouco,mas tem ano que não dá quase nada. Fora o café,tem as frutas, a horta, tem mandioca à von-tade, aqui fome não passa não. Só que temque passar do jeito que Deus quer!

Trabalho demais aqui nessa terra. Só esseano é que nós não estamos enfrentando roça.Porque nós plantávamos algodão, e esse anonós não conseguimos plantar; nós não pude-mos fazer a terra, não saiu dinheiro, não con-segui roçar, tombar, deixar no jeitinho de plan-tar. Nós tínhamos quem colocasse a sementepara nós, e o adubo, mas não conseguimostombar a terra, fazer a terra. Nós temos umtratorzinho, mas não podia comprar óleo.Como é que nós fazemos? É duro! Nós temosum trator completo, com grade, arado, tudo...Mas não conseguimos fazer a terra este ano. Nãoé fácil, não!

Quando eu vim para cá, eu tinha uma casae um terreno. Está tudo aqui! Vendi tudo parapagar o banco. Teve um ano que eu vendi o

Mauro Jos é dos SantosMauro Jos é dos Santos

Page 9: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

191190

gado que eu tinha no pasto para poder pagarconta no banco. Se eu tivesse segurado o gadoe deixado a conta do banco, eu tinha hoje parapagar ou para tirar leite para vender. Eram boasas cabecinhas de gado! Tem gente que está ven-dendo bastante leite. O preço está baixo, mas com50 litros, 60, 100 litros pra arriba dá para viver.

Eu gosto de viver aqui. É um lugarbom, ninguém entra, pode dormir com aporta aberta. Nunca vem nego atacar a gente,tem perigo não! Os vizinhos são bons, temum que eu conheço desde a Bahia. Eu eramolecão, 10 anos, 8 anos, quando eu conheci ele.Eu acho que ele é dois anos mais novo que eu, agente se dá como primo, parente, para ver nósbrigando precisa ser muita coisa. Pena que nãodeu casamento entre os filhos.

Eu toco o lote com mais dois filhos, oLeonir e o Rubens, e já está difícil! Imaginaesse pessoal que está tentando ainda pegar umpedaço de terra, que está acampado, é piorainda! Elas estão num sofrimento duro! Eufalo a verdade: se fosse para eu ficar acampa-do, do jeito que eles estão, eu não vinha, por-que eu estava bem empregado na fazenda. Estãonum sofrimento danado! Eu apoio eles, soucapaz de andar junto com eles, onde eles fo-rem, ao menos para fazer companhia, mas eunão posso fazer nada. E lá é como aqui: temgente boa e tem gente tranqueira. Aqui mes-mo teve uns tranqueiras que roubaram a de-legacia! Filhos de assentados! Os pais são bons,trabalhadores, mas os filhos...

Graças a Deus, até hoje não tive nenhumproblema com os meus filhos, e falo para elesque no dia em que eles pegarem alguma coisaque não é deles, ou fazer qualquer arte, vão paraa cadeia e eu não vou chorar para tirar, não.Meu pai me ensinou que é só trabalhar parapôr as coisas dentro de casa. Trabalhando, nãoroubando!

Não é fácil criar um filho, que dirá sete! Elesestudaram até quando deu, todos têm pelo me-nos até o quarto ano, só dois estudaram mais.

Eu gosto daqui. Para eu ir na cidade, sóse for um caso muito derradeiro; não tenho von-tade. Aqui eu trabalho, estou com 62 anos, eutrabalho igual os meus filhos; nós trabalhamoso dia inteiro, qualquer serviço que eles fazem,

eu faço. Vou carpir uma horta, vou carpir umquintal, vou mexer para lá, vou mexer para cá.Vou mexer com os porcos, qualquer coisa eufaço aqui.

Tem que ter num sítio uns porcos, umasgalinhas, porque quando os filhos vêm, princi-palmente no fim de ano, tem que ter as coi-sas para fazer uma comida boa. Se a genteestivesse na cidade, não ia dar para comprarum leitão para o almoço! Eu ainda tenho aaposentadoria, que me ajuda muito, mas temmuita gente que não consegue se aposentar,não consegue mostrar todos os documentos.Tem gente que não vende na nota do produ-tor, depois não tem como provar que traba-lhou no campo. Eu guardei tudo, então nãotive problemas para me aposentar.

Tenho todos os documentos guardados,o título de uso da terra, os talões. Dei o nomepara o sítio de São José. São 19 hectares.Tem gente que vendeu e não podia. Depoisse arrependeu! Em Promissão, tem gente quevendeu o lote e foi morar lá. Hoje estão todosarrependidos. E falam que hoje não venderi-am, hoje não sairiam. Tem um aqui perto quevendeu o lote esses dias atrás e foi embora.Mas deixou uma dívida no banco. E o quecomprou o lote dele não pagou e não podepossuir nada enquanto, não acabar de pagaro Estado.

Eu estou devendo um pouco sim, umpouco no Estado, um pouco no banco do Bra-sil, mas não é conta de me assustar não. Maseu não posso dar meu lote a troco de bananapor causa daquela continha, não. Senão, agente arruma de um lado, desarruma de outro.

Nós trabalhamos muito aqui. Nos pri-meiros seis meses, o Incra dava meio salário,depois passamos por conta, mas trabalhamose conseguimos construir nossa casinha de al-venaria. Tem muita gente que até hoje nãotem casa boa para morar. Não estamos bem,mas dá para viver sossegado, não é fácil não.

Eu preferia que meus filhos estivessemaqui comigo, que tivesse condição de todosse sustentarem aqui, porque eles gostam daroça. Mas não dá, não dá renda para muitasfamílias juntas.

Eu gosto de mexer na terra. Gosto deplantar, gosto de estar mexendo um cafe-zinho, gosto de estar mexendo com a criação...Não saio daqui de jeito nenhum, mas aqui pre-cisa de pensamento, se não tiver pensamen-to, ninguém faz nada, não faz! Agora, quemveio com a chave, está com a chave até hoje. Achave é ter um pouquinho de dinheiro paraproduzir bem, plantar na hora certa e não ficarendividado.

Mas eu ainda tenho um sonho, sempreeu falo aqui, às vezes até para a molecada. Eutenho um sonho de ver um gado nesse pastoaqui e eu no meio, tirando um leitinho bom.Eu tenho um sonho de ver isso daqui cheiode roça, eu tenho vontade de formar um cafe-zal muito bom, mas não tenho condições.

Eu mesmo sei fazer muda, mas é difícilmesmo assim. Esse ano, a mulher ficou ruim.Ela também gosta de estar no meio da roça eme ajuda muito. Desde quando nós chega-mos aqui, ela está dentro da roça com nós. Elatrabalhava desde solteira, depois nós casamose continuamos tocando roça, tocamos café ealgodão nas fazendas.

Gosto muito do plantio de algodão e decafé. Só amendoim que não vira mais não. Agente planta e não acha quem comprar... Ago-ra, de café, algodão, é coisa de louco, eu gos-to. Não precisa tombar a terra todo ano. Es-quece da terra, quer dizer que é só cultivar.Às vezes cultiva o café com trator, cultiva comanimal, para não ralar a mão. Não precisa es-tar todo ano mexendo com a terra, tombando.Em dois anos e meio já está produzindo maisou menos uns 10, 15 sacos. Agora, quando es-tiver com 4 anos para cima, produz uma base de40, 50 sacos. Você vai tratando dele, aduba nojeitinho, passa veneno, depois só vai pra arri-ba. Assim, quem planta café nunca fica pobre,não. E tem cafezal que pode durar uns 40 anos!Os meus têm cinco, seis anos. Dá uma vez porano, e mais ou menos em setembro está aca-bando a colheita. Uma lavoura tratada é a coisamais bonita da vida, tenho paixão! Um café bembonito,não tem coisa melhor!

Eu quase não saio de casa. Quando os me-ninos vêm para cá, às vezes a gente vai pescar,

pega o trator e vai uns 12 km até o rio. Eu soumuito ocupado, difícil sair de casa. Tem umaprainha lá embaixo. Eles vão pescar na prai-nha. Na parte da tarde é hora de eu correr comas minhas coisas, mexer com a criação.

Minha mulher cuida do quintal; essasplantas, é tudo ela quem cuida! E agora ela nãoestá aqui, está lá, adoentada; mas logo volta.

Então é essa aqui a minha vida: cuidar dosítio, do café, dos bichos, conversar com ogadinho... Não tem coisa melhor!

Page 10: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

193

Minha infância foi pobre e muito sofrida. Sounordestino. Com a idade de 23 anos vim para oEstado de São Paulo. Depois que perdi meu pai,vim para cá, para São Paulo. Eu sempre fui umapessoa muito sofrida. Trabalhei muito para pa-trão. Enriqueci muito patrão e nunca me deramvalor! Minha gente ficou feliz quando chegamosem São Paulo, mesmo trabalhando para os outros!A vida melhorou. Numas épocas, a vida melhorou100%, em outras épocas melhorou 200%. A gente foilutando, foi lutando... Saímos do sítio e fomos paracidade, mas eu não me adaptei, porque o homemdo campo tem que ser do campo. O homem do ser-tão tem que ser sertanejo.

Em 1964, na época do golpe militar, eu en-trei na reforma agrária. Fui escolhido para nãomorrer. Escapei da morte! Por isso eu estou aquicontando a história. Eu estava lutando pela terranão porque eu queria ser bandido. Eu só queria aterra. Naquela época nós não tínhamos movimen-to sem-terra. Era época do golpe militar. Foi quan-do entrou o Figueiredo, que fez aquele absurdocom o povo. Aí a gente andou se escondendo, maso que é de Deus e o que é do homem, o bichonão come. Hoje nós temos o Movimento dos Sem-Terra aí, dando a maior prioridade para o traba-lhador. Mas, ainda hoje, a gente tem que termuito cuidado. A gente tem que andar com o pémaneiro. Tem que saber onde entra e de onde sai.Antigamente já tinha muita falsidade, mas hojenão é só falsidade. Quando você pensa que não,já aconteceu. Por isso, a gente tem que evitar fazercertas coisas e idéias, porque a gente já é condenado.Já temos um passado. A própria Polícia Federal achaque somos suspeitos. Eu ainda não confio em qual-quer pessoa por isso. Todo mundo está vendo oque está acontecendo com os companheiros dagente: repressão. Por isso a luta naquele tempo eraescondida, mas hoje não é mais. Hoje, nós, do Mo-vimento Sem Terra, somos muito respeitados; nemse compara com aquele tempo! Hoje, nós somoscidadãos. Naquela época, nós éramos palhaços.Hoje, eles é que fazem as coisas escondidas, por-

que pensam: “O Movimento dos Sem-Terra está aí,o Partido dos Trabalhadores está aí para descobriras coisas”. Porque, antigamente, eles faziam as coi-sas e ficavam encobertos. Então nós temos quetrabalhar muito confiantes e pisar no chão direi-tinho. E, sobretudo, dar muito valor ao nossoMovimento Sem-Terra e às nossas entidades,porque nós temos muitas entidades aí, junto coma gente. São entidades boas! Dão o apoio total!Antigamente não, era só o latifúndio. Se fossecomo antigamente, o presidente da UDR já tinhamandado fuzilar nós todos, porque não tinha pe-nalidade para ele. Tudo por causa do dinheiro!Mas hoje não, hoje existe a penalidade. E a lutanossa ainda faz muito medo.

O povo pobre é muito covarde! No nosso as-sentamento tem companheiros que são contra mime contra o MST! Entraram nesta terra junto comnós, comiam o que nossas entidades nos arruma-vam, e hoje são contra nós. E não são só eles, temtantos outros que eu não posso nem falar! Ave Ma-ria! Então é por isso que a gente tem que ter muitocuidado, para não prejudicar nada.

Eu só estou te atualizando o que está aconte-cendo no dia-a-dia da luta da gente, porque o pró-prio companheiro de luta não podia ser contra agente, porque está comendo o mesmo pão queestamos comendo. Por que fazer isso? É por isso que, àsvezes, a pessoa fala uma coisa e nem sabe o queestá falando.

Nós que somos o povo, aqueles que tiveramuma vida mais sofrida, que começaram a trabalharcom sete anos de idade, ainda crianças, somos maisrebeldes e conscientes da situação do Brasil. Pes-soas que nasceram filho de tubarão, que nasceramem berço de ouro, não estão nem aí. Para esse, tan-to faz como tanto fez. Então, nós, que construímosesse Brasil, nascemos e nos criamos no cabo seco, nocabo da enxada, trabalhando, arrancando toco, ro-çando no mato, trabalhando, enriquecendo patrão,nós sabemos o que é sofrimento. E o cabra quenunca trabalhou um dia de serviço para ninguém,come e bebe bem e não está nem aí!

Jo ão e Francisca M. de CarvalhoJo ão e Francisca M. de Carvalho

Page 11: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

195194

Eu fui criado no Estado de Pernambuco, traba-lhei 12 anos para patrão. Quando papai morreu, eu ti-nha 14 anos. Aquele patrão para quem trabalhamosdurante 12 anos, até quando papai era vivo, eleainda foi bem. Mas depois que eu perdi papai, ohomem ficou muito ruim. Depois, comprei umapropriedade e fui morar no que era meu. Dessa eujá parti para uma vida diferente. Eu fiquei com 12irmãos e criei mais 13 filhos. Sou pai de 13 filhos!Tenho 11 filhos vivos, graças a Deus! Eu criei meusfilhos foi sofrendo. Nunca tive rosa de ouro.

Quando eu passei para dentro do que era meu,comecei a trabalhar de empreitada. Ai a coisa muda.Se alguém me chamava para trabalhar, eu dizia: “Sóvou por tanto! Ah, não? Então você pague paraoutro!” Porque eu estava na minha casa, estava noque era meu.

No que é da gente, a gente é rei. No que édos outros... É por isso que eu fui criado revoltoso.Porque pobre nunca teve direito a nada, pobre nun-ca teve direito no dia-a-dia do Brasil. O homemque só trabalha para os outros, só batendo cartão,não é dono da vida dele mesmo. Então, hoje, gra-ças a Deus, olhe aqui ao redor... Eu sou rico! Te-nho meus filhos, tenho minha velha, minha famíliaque me respeita muito e eu respeito eles. Isso aqui éum paraíso para mim. Eu posso receber qualquerpessoa que vier aqui. Para mim, isso aqui é o pri-meiro sol que Deus me deu.

Isso aqui é meu sossego, junto com a minhavelha e meus filhos. Eu tenho filhas que moramem Rio Claro. Quando elas vêm para cá, isso aqui,que já é o sol, vira o céu. A coisa mais linda domundo! Então, se tiver vida melhor do que esta,Deus levou para o céu. Eu digo isso porque nóssofremos, nós andamos, nós fizemos e nós aconte-cemos! Essa terra prometida que Deus me prome-teu, Deus me deu! Tudo a gente tem que lutar parapoder ser feliz.

Tem gente que diz assim: “Vou vender o lote”.Para que, eu pergunto? A riqueza da gente não ésó um mundo de dinheiro não; a riqueza da gente éter o nosso sossego. A gente está pensando no quevai fazer amanhã, e a gente sabe que tem um lugarpara se amparar, amparar um companheiro. Vocêestá trabalhando, está com a barriga cheia. Tem coisamelhor no mundo? Hoje a infelicidade do mundo,a infelicidade do povo, é causada pela riqueza. É ocapital, porque o pobre está sofrendo, mas os ricos...Eu digo isso porque nós não temos medo de nada.Nós vamos sofrer muita pressão, mas eles vão ter mui-ta desgraça também. O pobre, que nem nós que

estamos aqui, o pobre que tem confiança na luta,ele está verdadeiramente rico, ele tem muita consi-deração às coisas. Está rico, porque a melhor coisado mundo que existe é você estar num lugar assim:sossegado, tranqüilo, sem estar de cabeça quente,sem estar se martirizando...

Se eu não tivesse essa revolta dentro demim, ave Maria! Era outra vida diferente. Erauma vida perdida. Era uma vida sumariamentejogada fora. E eu ainda tenho muito medo, aindatenho muito medo que essa luta ainda vá aca-bar, porque a estratégia de derrubar isso estámontada. Igual montaram em 1964. Só que agoratemos entidades mais competentes. Vamos ver oque vai acontecer.

Ser sertanejo é trabalhar sem ser mandado porninguém. Estar na terra que gosta, que quer, e tersua paz, tranqüilidade, e receber qualquer pessoasem cisma de nada. Receber qualquer companheiroseu que chegar. Hoje, qualquer lugar que você vai,existe o medo. Eu fui criado num lugar, naquelesertaozão que a gente chegava, podia ser qualquerhora do dia ou da noite, e gritava: “Ô de casa!” Odono de casa gritava: “Ô de fora!” Já chegava, abriaa porta, e recebia aquela pessoa. Mandava entrarpara dentro de casa. O povo do sertão fazia isso. Hojenão pode mais fazer isso, porque um é assassino,outro é ladrão... Às vezes, não é nem porque o caraqueira, é porque é obrigado. Porque a situação édesgraçada, obriga o cara a fazer aquilo. Hoje, amaior parte dos assassinos e ladrões que têm nasgrandes capitais, é a situação que os obriga a fazeraquilo, porque o cara precisa comer, precisa cal-çar, precisa vestir. Não tem onde morar, não temonde trabalhar! Que diabo ele vai fazer? Ele temque fazer aquilo mesmo. E o povo do sertão não!Eu, graças ao Deus do céu, eu não, eu nem pensonisso. Que Deus me defenda! Por quê? Porque eutenho largueza aí, eu tenho onde trabalhar, eu te-nho para onde ir.

Nós somos sertanejos. Nós somos do sertão,porque nós temos largura aí para andar (mostra comas mãos a vastidão do campo). Nós andamosdespreocupados, graças a Deus! Este é que é osertão!

Nossas festas também são diferentes. Todomundo brinca, sem brigar. Nós dançamos, nós brin-camos a noite todinha, não tem um que diga: “Fu-lano é mais feio do que outro”. Para quê? Nós estamosnos vendo, nós nos conhecemos. Seja bonito ouseja feio, nós estamos nos vendo aí todo dia. Nãotem esse negócio de briguinha.

Hoje o povo da cidade não tem como respei-tar uns aos outros, porque é arrocho em cima dearrocho. Porque as grandes cidades, não é que cres-cem, elas incham! Já o sertão é isso, tem largura!Ser sertanejo é o cara que não tem malícia de mui-tas coisas que tem na cidade. Tem gente que temque ter a malícia da cidade, porque senão está per-dido... Por isso, digamos, aqui é o paraíso. Você criaa galinha, você cria o porco, você cria uma vaqui-nha, você tem seu arroz, você tem seu feijão, e estáaí tranqüilo. O povo diz assim: “A roça é difícil!” Por-que dizem que o que a gente planta não dá dinhei-ro. E o que a gente tem para vender na cidade? Agente tem a mercadoria mais sem preço do mun-do, que é a hora de serviço da gente! E saber quetodo dia você tem que bater aquele cartão! Se vocêfaltar cinco minutos, o cara vem te encher: “Ô,onde você foi, caboclo, que você faltou 5 minutos? Ô,já passou a hora! Hoje não te quero mais”.

Patrão não quer saber se sua mulher ficoudoente, se teu filho amanheceu doente ou se vocêmesmo adoeceu. Você está quase escravizado. Opovo do nosso Brasil precisa ter mais liberdade. Eé o que falta para nós: liberdade. A liberdade sóexiste para quem vai chupando o nosso sangue! Épor isso que filho de pobre é tudo criado desnutri-do. Não precisa de mosquito da dengue. Quem vivechupando o povo são esses patrões desgraçados quetem aí, latifundiários, industriais. Eles são os maio-res mosquitos da que existem.

Francisca - O melhor daqui é a paz, paramim, para os meus filhos e para o meu velho. Nãovejo meus filhos vendendo hora para ninguém; vejomeu velho aí sossegado. Porque ele não tinha sos-sego quando estava na cidade. Hoje, ele vive nosossego, trabalha a hora que quer, dorme a hora quequer, come a hora que quer.

José - A gente tem que tentar esquecer o di-nheiro. Embora a gente não viva sem ele, certo?Mas se a gente for correr só atrás de dinheiro, agente está perdido. A gente tem que correr atrásda nossa felicidade, da nossa liberdade! Se os meusfilhos tivessem estudado na cidade, eu não estavaaqui com a cabeça fria e descansada, como estouagora. Estava pensando que eles não tinham umaliberdade para sair e se divertir. Até para ir para oserviço é perigoso. Eu não esquento minha ca-

beça com meus filhos. Eu esquento muito mais acabeça quando eles vão para cidade, do que quan-do vão para um baile aqui na agrovila.

Teve uma vez que os jornalistas fizeram umaentrevista comigo. Eu falei assim: “Olha meu ami-go, a coisa está feia, o governo tem que se cuidar, por-que nós somos trabalhadores e queremos trabalhar eeles não deixam. Dizem que nós não prestamos. Se agente fosse roubar, a gente também não prestava. Então,como é que a gente vai prestar? O governo, então, quese cuide, porque nós vamos para a cidade. Nós nãotemos mais o que fazer. É isso mesmo. Nós já nos cui-damos, agora o governo é que se cuide”.

Francisca - Sabe, a gente se arrisca. Quementra na reforma agrária precisa ter muita cora-gem. Se não tiver coragem, não entra não! Ter mui-ta coragem e consciência! Saber considerar os ou-tros e as situações. Mas como a gente não tem o queperder, e já sofremos que nem cachorro, então agente não tem medo. Eu entro em qualquer lugar,eu não tenho medo. Se eu morrer, eu já vivi o quetinha de viver; fiz 68 anos agora no dia 22 de feve-reiro. Eu sofri para criar esses 13 filhos que eu tive.Tenho 11 filhos vivos! Graças a Deus! A minhamaior riqueza no mundo são meus filhos. Eu crieieles respeitando todo mundo. Respeitando pai e mãetambém. São o meu tesouro, que Deus me deu!Minha maior preocupação é ver que tem muitagente aí que tem a terra na mão e está vendendo!Companheiro da gente vendendo a terra para vol-tar de novo para a cidade. E vai fazer o quê na cida-de? Não tem mais idade de trabalhar direito, só temum filho que trabalha. Amanhã ou depois esse fi-lho se casa e esse homem vai ficar fazendo o quê?Aqui não, aqui é um lugar para aposentado, aqui éum lugar sossegado. Os filhos se casam e a gentefica aqui. Eu só saio daqui quando eu for ocupar ou-tra terra, que é no cemitério (ri). Aí eu vou. Masvender, não! Eu sonhava com esse lugar quando eumorava na cidade. Crio minhas galinhas... Porco eunão crio, porque nós não podemos comer carne deporco por causa da gordura, do colesterol, mas meusfrangos eu crio. Tenho minhas frutas, estão tudo aí.Quando dá fruta, o meu gosto é ver elas se perden-do. Vem um, leva; chega outro, e leva... E é uma abó-bora para um canto, outra abóbora para outro, é uma

fartura! E na cidade, ô meu Jesus, eu passei 13 anosna cidade, eu sei como é duro! Come uma abóboravelha, murcha, quiabo velho e murcho. E hoje agente tem tudo aí nas mãos.

José - Eu participei das Ligas Camponesas,mas essa luta atual é muito mais ampliada. A lutado MST é muito bem amarrada, é uma luta bemconsiderada. Naquela época, as Ligas Camponesasnão tinham uma ligação com outras entidades, va-mos dizer assim, capacitadas. Hoje, o Movimentodos Sem Terra amarrou todos os pontos, entende?O Movimento dos Sem Terra pegou todos pon-tos-chave para ampliar a luta. Não tem quem aca-be com o MST. Não tem um cara de poder quechegue assim e fale: “Não, isso aqui vai acabar epronto!” Não tem mais, não senhor. O Movimen-to dos Sem Terra manda, e não pede. Antigamen-te não era assim. A Liga Camponesa era umacoisa que, se a pessoa tivesse coragem para entrar,entrava. Só que não tinham pessoas que chegavamassim e falavam: “Vamos fazer isso e vamos fazer denovo e de novo”. Hoje, o Movimento dos Sem Ter-ra chega e faz. Não dá para negar que nossa luta éjusta.

Você já pensou se o MST tivesse que levaresse tanto de gente para uma cidade, para umafavela? Essa gente que não acaba mais ia fazer oque? Roubar? Porque comer, a gente tem que co-mer. E aqui não, aqui nós estamos, aqui nós traba-lhamos, aqui nós descansamos, pescamos, tran-qüilos... Então eu acho que agora somos maioresque as Ligas Camponesas. Porque a reforma agráriaé uma coisa para dar sossego. Os que estão na fave-la, nessas grandes cidades, tinham que saber o tan-to de fazenda que tem por aí, grilada! Se desse qua-tro a cinco alqueires de terra para cada pessoa tra-balhar, a coisa virava era outra.

Francisca - Se eu fosse dar um recado para oIncra, eu dava assim: eu acho que tem que por naterra quem trabalha e quem quer trabalhar mes-mo, e aquele que chega aqui na terra e quer vendero lote, não podia vender. O Incra chegava e diriaassim: “Você não quer trabalhar? Pois então larga aterra para outro”. Agora, se ele tem uma casa ou,que seja, um pomar, tudo bem. O Incra avaliariaquanto é que vale aquilo ali para ele vender... Temmuitos coitados na beira da estrada aí, precisandode um pedaço de terra para trabalhar!

Page 12: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

197

Meu nome é Antonio Ferreira, mas todomundo só me conhece aqui por Bandolim. Desde18 de maio de 1986, a gente já estava num progra-ma de partir para o objetivo de conseguir uma ter-ra. O sonho da reforma agrária que é muito antigo.

Eu nasci em Minas Gerais, sempre fui agri-cultor. Nasci na roça. Só tive o primeiro ano deestudo, venci, tirei nota boa, aprendi mais um pou-co, talvez possa até servir para um 4o ano de hoje.Eu aprendi sozinho, acompanhando meu pai, quetinha mais estudo. Eu aprendi um pouquinho. Sóque a gente não tem diploma. Tenho um pouquinhode dificuldade para escrever. Mas de matemáticaeu entendo um pouco. Eu saí da escola para ajudara colher café. Tirei o primeiro ano e fui colher café.Depois eu entrei no 3o ano; estava ganhando notanove, dez. Mas não pude continuar, porque já eracasado e pai de três filhas.

Casei com 19 anos, em 1o de setembro de1962. E agora, no dia 19 de abril, vou fazer 59 anos.Sou pai de 11 filhos vivos. Hoje está um comigoem casa. Dois estão trabalhando fora. Mas estamoscom muita dificuldade, não podemos dar aquilo queeles precisam.

Estamos tocando o lote. Os outros ajudavamtambém, mas já está com um mês que eles estãotrabalhando. Tem muitos filhos de assentados fa-zendo o mesmo, porque a vida aqui está difícil, aagricultura está um pouco esquecida. Esse gover-no não está apoiando a agricultura.

Em 18 de maio de 1986 nós viemos paraCardoso, lá no rio Turvo, perto do rio Laje. Nósficamos seis meses acampados nesse local, e comonão teve jeito, não conseguimos essas terras, nóssaímos e viemos para essa região de Promissão.Acampamos nove meses. Depois desses nove me-ses, nós conseguimos entrar para a terra, que é aárea que nós estamos hoje e conseguimos a imissãode posse da terra.

Era um grupo de 44 famílias. O sindicato jávinha fazendo inscrição do pessoal da região, queestavam na espera de terra também, só que eles não

partiam para a ocupação. Então esses, que só fi-zeram a inscrição, só conseguiram a terra por causadesses 44 que acamparam, pressionaram. E essaluta a gente vem levando até hoje.

No começo foi grande a dificuldade, mas eramais fácil para comercializar os produtos da gen-te. A gente produzia algumas coisas e levava emPromissão. Lá era mais fácil de vender. Hoje édifícil, se a gente levar não vende.

Promissão era muito defasada, estava lá em-baixo, não tinha quitanda para a gentecomercializar. Hoje, Promissão está bastante cres-cida. Se você levasse qualquer coisa para vender lána rua vendia; era difícil vender, mas vendia. En-tão, tinha vez que a gente levava a mercadoria aténas costas para vender e vendia; em um dia oudois, dava para fazer a despesa da semana. Hoje,se a gente levar, não consegue.

Hoje é difícil ter crédito. No começo eles li-beravam uma verba bem pequena, para a gentetocar o lote que tinha conseguido. Mas a política,hoje, está muito ruim para o pequeno produtor;não tem investimento, não tem crédito, não tempreço garantido, tudo é muito caro!

Aqui, o lote é oito alqueires por família, masna verdade não se consegue desde o começo umdinheiro suficiente para tocar o lote, e a maioriase atreve a arrendar, arrendar a terra. Arrenda maisda metade para gente de fora e o dono do lotemesmo não tem aquela vantagem de poder pegarum dinheiro para ele poder tocar o lote. E a gentevem vindo nessa dificuldade.

Os jovens que moram no assentamento, amaioria deles não tem o que fazer aqui, não temcomo eles ficarem, porque o pai de família estásendo escravizado e os filhos também estão sendoescravizados. Não tem um dinheirinho para elessaírem no fim de semana. Eles estão saindo paratrabalhar fora, para ter um dinheirinho para eles.Não tem como segurar esses moços. Nós estamosnuma briga para a gente ter um financiamentomaior que dê para trabalhar no lote e segurar os

Antonio FerreiraAntonio Ferreira

Page 13: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

199198

filhos também. Se é para a gente pagar para umapessoa de fora, a gente paga para um filho. Dá uns5 reais ou 10 para ele no fim de semana, ou 20 paraele ter as coisinhas dele, para não ter que sair dolote. Está acontecendo de sair muitos jovens do as-sentamento para fora, por causa de falta de recursoaqui no assentamento. Só que a gente que é maisvelho na luta, a gente tem espírito de luta, não de-sanima. Mas a gente acaba entrando em sofrimen-to também, mas sempre tentando conscientizar acabeça desses moços, para que, amanhã ou depois,aquilo que a gente conseguiu com luta não se per-der. Mas é muito difícil dizer para um filho ficar,se não podemos dar condições para ele, se a agri-cultura está fracassando... como fazer?

Por conta disso, dessa situação difícil, tem tidomuita venda de lote. Tem pessoa que não vai nemsaber no Itesp se pode vender ou não; acaba ven-dendo para umas pessoas desconhecidas. Aqui mes-mo tem pessoa que entrou no assentamento assim.Teve um que comprou um lote, já ganhou casa po-pular, a casa dele não estava nem regularizada ainda.

Nós estamos enfrentando dificuldades, masnão é por isso que a gente vai parar. A vida nãopára, a luta continua. A gente não quer ter brigacom ninguém, com vizinho nenhum, pois a genteprecisa um do outro. Eu só tenho amizade! E achoque a gente aqui dentro do projeto tem que viveruma vida tranqüila. A gente tem enfrentado difi-culdades, mas a gente não desanima. Nós vamosconseguir nosso objetivo de uma vida tranqüila edigna. Aí, quando ficar mais velho, tem que conti-nuar lutando pelo mais novo. O mais novo vai ter naexplicação, nas experiências, um espelho. É o que eutenho dado para os meus filhos: o conselho de en-contrar vida melhor para frente, para não passar peloque a gente já passou antes de pegar essa terra.

A gente viveu uma vida bem difícil, antes depegar essa terra. E aqui também não se vive fácil,só que é melhor, porque a gente tem onde produ-zir, a gente tem um chão que é nosso e é dono dopróprio tempo. Só que a gente tem que correr atrásdos direitos da gente, correr atrás, procurar unir asforças e ir.

Quando chegamos aqui, Promissão estavabem caída. Hoje, Promissão está bem “em alta”,mas graças ao assentamento. Tem muitas pessoasque não reconhecem a importância do assentamen-to, que acham que assentado não é gente boa. Àsvezes somos malvistos. Não por todos, mas algunsacham isso. Mas, a gente, devagarzinho, chega lá;vai conscientizar, conversar com o pessoal. Porque,

se Promissão está nas alturas que está hoje, é gra-ças ao assentamento. O crescimento que a cidadede Promissão teve foi o assentamento que levou.O assentamento!

Agora, o plantio de cana começa a querer au-mentar na região, porque a usina de cana tem maisincentivo que o trabalhador rural que produz o ali-mento para todo o Brasil. É a pequena agriculturaque leva o alimento para o povo, e não temos in-centivo para produzir. Tudo sai do campo: o arroz,o feijão, carne, batata; tudo é para alimentação. Oque faz o movimento é a agricultura. É ela quemfaz, mas ela está esquecida. Por que a fábrica deálcool e todas essas coisas que fazem parte dasmultinacionais têm mais valor do que aquilo que éalimento? Nós estamos encontrando dificuldade,mas não é por isso que vamos parar com a luta,não. A gente vai continuar na luta e conversandomais com o companheiro, conscientizando para verse as pessoas não desanimam.

Eu ainda me considero um sem terra, porisso continuo essa luta, porque a terra, quandoDeus criou o mundo, ele deu a terra para cultivar,para tirar nosso sustento. Nós nascemos da terra,a terra é nossa mãe! A gente tem que dar muitovalor à terra, porque ela nos cria e depois nósretornamos para ela. Mas a terra é nossa mãe.Aqueles que compram terra para vender, estãovendendo a própria mãe! A própria mãe está sen-do vendida! Quando o filho vende a mãe, ele nãotem amor, então penso que nós temos que zelarpela mãe, que é a terra. Nós temos três mães,uma no céu, a terra e nossa mãe material, carnal,e temos que zelar por todas as três.

A terra não pode ser vendida. Tenho a puracerteza de que a terra tem que ser do povo. Temosque estudar para que não seja tirado proveito emcima da gente, porque a terra é nossa mãe, nós te-mos que ter amor nela. Da terra nós vivemos, e nóscuidamos dela e ela de nós. Dela nós tiramos nossosustento e levamos o sustento para a cidade. Entrecidade e campo, os dois têm que viver em conjun-to. E deve valorizar um ao outro, e não explorarcomo tem acontecido: o campo sendo exploradopela cidade.

O governo quer industrializar totalmente oBrasil, mas não consegue. Então, hoje está criandomuita marginalidade, porque o povo vai tudo paraa cidade e não encontra trabalho, não encontranada. Então a pessoa tem que voltar para o campo;e tem outras pessoas que nem foram criadas na roçae vêm para a roça.

Aqui, a pessoa pode plantar um pé de manga,pode plantar um pé de abóbora, uma banana. Édinheiro! Tudo que está ali gera dinheiro, só quena hora de comercializar, também não tem aqueleincentivo do comércio.

Hoje, aqui no lote, eu tenho abacate forma-do, tem café, tem plantio de coco, tem banana... Ea gente planta arroz, planta feijão, planta milho,mas na hora de vender, não tem segurança de pre-ço, de preço mínimo. A gente paga caro para pre-parar a terra, o investimento é muito caro, não so-bra nada para a gente, e quando colhe, acaba nãosobrando nada. Então, a gente trabalha e fica “elaspor elas”, não consegue sair do lugar e progredir.A gente está vivendo. Mas tem arrendatário de foracom trator bom, e os assentados mesmo não estãopodendo manter nenhum maquinário. Tem pes-soa assentada que tem maquinário, outros tinhame venderam, porque era difícil manter. Tem uns ar-rendatários que têm seus maquinários, têm dinhei-ro, têm capital e podem investir. Não sei se estásendo investido emcima deles, isso é uma coisa quea gente não pode afirmar. Mas que para nós assen-tados está faltando muito recurso e o apoio dosgovernantes, isso está!

O problema aqui é a desorganização. Eu mes-mo luto para ajudar a organizar, mas tem algumaspessoas que lutam para desorganizar, e não vêemque podem estar prejudicando o futuro dos pró-prios filhos.

Nós estamos com um advogado correndoatrás dos problemas daqui. Ontem mesmo estavatentando arrecadar um dinheiro para pagar essesserviços. Tem muita gente com situação enroladacom o banco, está difícil. Muita gente arrenda umaparte do lote para poder se manter, e na verdadenão podia fazer isso.

Eu já fui colono. Trabalhei de colono e existiauma mesada: a gente podia trabalhar na roça a se-mana inteira, se divertia só sábado e domingo, masdurante a semana sabia que tinha aquele dinheirogarantido. E hoje não estamos tendo um saláriogarantido aqui dentro. E, às vezes, a gente colhebastante, investe bastante na hora de produzir.Quando vai vender, não dá para cobrir o que pro-duziu, aquilo que a gente investiu. Então, vai fi-cando difícil. Tem muitas pessoas que chegam aquibem forte e hoje estão fracas. Por isso que tem pes-soas vendendo o lote, vendendo mais a benfeitoriadele. É aquela coisa. Eu sou uma das pessoas maisvelhas daqui, mas não vou desanimar não; vou fi-car! Eu estou no Movimento dos Sem Terra e o

objetivo dele é esse: que as pessoas entrem na terrae permaneçam nela e tirem dela o seu sustento.

Sou um dos mais velhos aqui. Acampei, eumesmo que furei meu poço aqui, ninguém sabiacomo fazer, a bem da verdade nem eu, mas furei,deu certo. Então comecei a furar outros, nem co-brava.

No acampamento, tinha mais união, tinhaassembléia para discutir um problema, todo mun-do era de acordo. Então, era mais fácil para resol-ver os problemas. Aí, depois que teve o assenta-mento, mais pessoas queriam morar nos lotes, enão nas agrovilas. E eu acho que na agrovila seriamelhor para conseguir energia elétrica, posto desaúde, escola. Mas as pessoas foram individualis-tas, só pensavam no próprio sossego, queriam ficarno seu lote e esquecer do resto. Então, depois ficoumais difícil, entrou político no meio, usando o povo,fazendo um poço para um em troca de voto; erasempre uma coisa ou outra. Hoje, na câmara, te-mos três vereadores a favor da gente, mas tem 12contra.

Eu me candidatei duas vezes, perdi, mas nãodesanimo, não, e até parei de me candidatar: vouapoiar um companheiro que é do mesmo partido.Sou do Partido dos Trabalhadores. Sou filiado. Vouapoiar companheiro meu que luta por uma lutaséria. Vou trabalhar junto com ele. Vou lutar juntocom ele. Agora, quem estiver falando mentira aqui,a gente vai denunciar, se tentar enganar as pessoas,falar que vai fazer isso e depois não fizer...

A luta sempre continua! Se a gente morrer,ficam outros brigando, até terminar a luta.

Esse ano tem eleição e eu estou esperandovitória. Pelo que a gente está ouvindo falar, onde agente passa está vendo que as pessoas estão cansa-das dessa política, dessa política atual. Então elasvão partir para uma política nova, que é o Partidodos Trabalhadores. Nosso candidato à presidência,o Lula, sempre foi muito criticado porque não temestudo, mas eu trabalhei em fazenda que o admi-nistrador não tinha estudo, e ele sabia passar a ad-ministração. A mulher escrevia e ele trabalhavamuito bem na fazenda. Isso foi em 1954. Foi em1954! O administrador não sabia, não tinha estu-do, mas sabia administrar. Ele falava o que tinhaque fazer, a mulher escrevia. Então, por que dizerque nosso candidato a presidente da República nãotem preparo? Ele é o mais preparado pela vida! Eletem cabeça para administrar. Eu acredito que nes-se ano vai, ele vai ganhar.

Depois do governo de Fernando Henrique,estragou mais ainda as coisas aqui para a gente, temmais desemprego, cresceu mais a marginalidade.Então a gente está lutando para que isso não per-maneça.

Eu já fiz parte de cooperativas que não de-ram certo, por conta dessa falta de política para aagricultura. E eu sou sempre o último a sair! Nãofaço parte da cooperativa, porque no começo nãosenti firmeza nas coisas. Mas, se engrenar agora,pretendo ser cooperado dela também, mas aindanão sou. A cooperativa daqui já teve muitos pro-blemas, dívidas, brigas. Entrou agora um novo pre-sidente, um sujeito honesto, trabalhador, mas elepegou uma bucha, a coisa está difícil. Eu já faleipara ele enfrentar com paciência e ver se não acon-tece de ter que vender o patrimônio da cooperati-va, porque acho que a gente deve sempre comprare não vender. Se tiver duas cabras, se puder com-prar mais uma para inteirar três, é melhor, porqueeu vou ter mais leite, mais produção. Agora, se eutiver duas, eu vendo uma, perco produção e vouacabar vendendo a última e fico sem nada.

Essa cooperativa existe há bastante tempo. Oprimeiro presidente dela foi o José Camilo da Sil-va, cumpadre meu. É um homem muito sereno,muito direito também, mas ele enfrentou bastantedificuldade na cooperativa, e depois passou, tro-cou a diretoria. Seu Nadir pegou e está enfrentan-do dificuldade. Então, a idéia é pensar um pouco,não ir fazendo de qualquer jeito. Tem que pensarum pouco no que fazer. Uma sugestão é plantarhorta, que para isso não precisa mais que um trator275. Falta mobilizar todo mundo, fazer os planeja-mentos e trazer água para todos, porque tem mui-tos de nós que não têm água.

A idéia é produzir junto. Precisava que se jun-tasse as idéias emcima disso. Mas tem pessoa quenão pensa muito assim, em conjunto, pensa somentenele. E a cooperativa, se cada um começa a pensarindividual, dificilmente funciona. Porque quandoa gente pensa no conjunto, a gente pensa em todosque precisam. Não é só a gente. Se eu querer entrarnuma organização e pensar só em mim, aí vou pre-judicar o vizinho. E se eu estiver prejudicando ovizinho, eu vou prejudicar a comunidade também,vai arrastando aquele, até prejudicar. Então, a gen-te tem que procurar organizar. Meu pensamento éassim, se eu tiver, eu quero que o outro tambémtenha.

Page 14: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

201

Cinqüenta e um anos já se passaram, então agente conta parte da nossa vida, assim, bem por cima.Tem que ser bem resumido. Meu nome é José Mar-tins, mas sou conhecido como Benê. Nasci na Bahiae vim para São Paulo com nove meses de vida. Tra-balhei plantando café de colono, até a idade de de-zoito anos. Eu lembro muito do meu pai e minhamãe plantando café.

Naquele tempo quase não existia esse negóciode tecnologia, mas mesmo assim eu tomei gosto pelaterra. A gente plantava milho, feijão, arroz, café... Po-rém, essa época passou e minha família começou atrabalhar como arrendatária. Depois, perdemos todoo espaço da terra. Fomos obrigados a ir embora para acidade e trabalhar de bóia-fria. Eu trabalhei muito debóia-fria. Completei meus 18 anos, fiz o alistamentoe caí no mundo, atrás de uma vida melhor. Eu fariaqualquer coisa para sair daquela situação horrível detrabalhar de bóia-fria. Não ganhava nem para comer.Eu fui embora para um grande centro. Lá, eu fuimetalúrgico e trabalhei como mecânico de máquinade costura quatro anos. Fui açougueiro e trabalhei mais11 anos numa outra firma metalúrgica, quando eu játinha feito alguns cursos profissionais.

Nos 17 anos que eu vivi na cidade grande, euvivi o tempo todo trabalhando em função de voltarpara o campo. Eu queria voltar para o campo, não paratrabalhar como eu já tinha trabalhado no passado, paraos fazendeiros. Eu queria trabalhar em um pedaço dechão que fosse meu mesmo, porque de outra forma eujá tinha percebido que não dava para viver. Por isso eufui obrigado a ir para um grande centro, atrás de coisamelhor. Eu queria voltar para o campo se fosse paratrabalhar para mim mesmo, num pedaço de terra.

Tive até uma oportunidade. Eu medi as minhasforças e descobri que já dava para conseguir um peda-ço de chão. Estava até negociando... Mas aí surgiu aopção de ocupar essa terra que estou até hoje.

Eu tive muita participação nessa ocupação. Nãodiretamente na organização do MST. Outro tipo departicipação: no sindicato, nas Comunidades Eclesiaisde Base, na pastoral operária, grupos de fábrica. Fuicoordenador de grupos de trabalhadores em 17 co-munidades do setor, lá em Campinas. Em minha par-

ticipação ouvia se falar muito em reforma agrária Aíjuntou a fome e a vontade de comer, porque eu sem-pre sonhei em vir para a terra. Aí, de tanto ouvir efalar em reforma agrária, eu resolvi viver a reformaagrária. Porque falar é uma coisa e viver é outra. Euresolvi que eu tinha que viver a reforma agrária. Euaté tinha a oportunidade de comprar uns 4 alqueiresde terra e viver isolado, mas como eu estava muitoengajado nas organizações, eu optei pela ocupação deterra através do MST. Mesmo porque, um grandeamigo meu, o Adelino, começou a conversar comigo.Resolvi fazer parte das reuniões e acabei chegando atéaqui. Toda essa trajetória de vida foi bastante difícil,tivemos que passar muitas necessidades. Mas passa-mos muitos momentos felizes.

Acho que eu não tive um momento tão difícil,para decidir ir embora e largar tudo. Não! Às vezes,dava revolta de ver tanta terra largada e você precisan-do, um grupo de gente, várias famílias necessitandotrabalhar para tirar o sustento e não ficar mendigandocesta básica do governo. Sair pedindo alimento parapoder agüentar a luta, e a coisa emperrar de tal formaque dava a impressão que você estava dentro de umaareia movediça. Você se afundava cada vez mais, até opescoço. Esses foram os momentos mais difíceis.

Toda essa história de sair da terra, ir para umacidade do interior trabalhar de bóia-fria e depois irpara um grande centro trabalhar em fábrica foi muitodifícil. Tive que fazer muita economia, porque meuobjetivo era voltar para a terra. Decidi vir para a ocu-pação. Nessa ocupação a luta foi ainda mais difícil. Eunão faria de novo. Não gostaria de passar o que eupassei novamente com a minha família. Eu entrei numbarco onde o destino era um só. Não tinha como vol-tar. Não dava para voltar da onde eu tinha saído. Eu játinha perdido praticamente tudo.

Nós estávamos condenados ao despejo. Mas aca-bamos ganhando na Justiça o direito de ficar aqui. Aí,tudo começou a clarear, porque daí você começa a pisarem chão firme. Só dependia de nós. Apesar de maisclaras, foi aí que a luta se intensificou mais ainda, aí quecomeçaram realmente as negociações a sério.

As negociações eram muito complicadas. A cú-pula governamental chegava e dizia que a gente nãotinha a menor chance de entrar na terra. Mas nós resis-

Jos é e Alice MartinsJos é e Alice Martins

Page 15: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

203202

timos na ocupação. Eu não me arrependi do que eufiz porque, da forma como eu vivo hoje, tenho certe-za que muitos gostariam de estar no meu lugar. Maseu não aconselharia ninguém a entrar numa luta da-quele jeito que eu entrei. A vida hoje é completa-mente diferente, o governo que nós temos aí não dáapoio nenhum, pelo contrário. Na época, já não dava,mas pelo menos você tinha a chance de negociar.Hoje está difícil até para sentar e negociar com eles.Eles radicalizaram a tal ponto de dizer que quemocupar terra não terá mais chance de entrar e traba-lhar nela. E, sei lá, talvez pela minha idade, eu pensocom a cabeça mais cansada, sem o ânimo para fazero que eu fiz na época. As minhas crianças gostamdaqui, adoram o lugar em que vivem. Embora eu nun-ca neguei para eles que isso daqui não deixa rico, dejeito nenhum.

Nós precisávamos plantar, nós precisávamos fa-zer a moradia. Tínhamos muitas necessidades urgen-tes. Fizemos os barracos de lona várias vezes. Aí, jácomeçaram as discussões e negociações com os ban-cos, para conseguir crédito. Isso foi em 1994, 1995.Daí para frente, o pessoal começou a se enfiar emdívida. Ficavam devendo em banco, não por culpa dotrabalhador, mas por culpa do Estado, que não teminteresse nenhum que a reforma agrária dê certo. Paraeles, quanto mais gente desistir da terra, melhor. Nãoé objetivo do governo que a reforma agrária vença nopaís. Se abrisse esse espaço, imagine você quantas pes-soas gostariam de estar aqui. Iria encher esse campode gente, trabalhando para melhorar.

Para resumir, hoje nós vivemos aqui com todasas dificuldades. A grande maioria está inadimplente,porque, quando vinha um custeio para o produtor,para nós assentados, ninguém se importava emacompanhar para ver o que ele ia fazer com o di-nheiro. Então, ele fazia o que achava melhor. Masexistiam muitas necessidades acumuladas que atro-pelavam todos os planos.

Não temos crédito para os investimentos e,quando tem, não temos projetos. E aí entra a ques-tão do escoamento da produção. Quando alguémconsegue descontar alguma coisa aqui, ele cai nasgarras dos intermediários, na hora de escoar sua pro-dução. Boa parte do que sobraria para ele o interme-diário leva. Não que esse intermediário não tenhaseu trabalho. Tem sim. É ele que vem buscar a mer-cadoria aqui. Mas é um caso muito sério, porque agente sempre diz que produzir, até que não é difícil,difícil é escoar. Se for para plantar milho, que é o quevocê consegue vender mais fácil, não agüenta o sus-tento da família. Nem milho, nem algodão, nem fei-jão, nem arroz. Então, você tem que arrumar algumacoisa que você consiga produzir e vender em peque-nas áreas de terra. É muito complicado.

Alice - Eu sou nascida no Estado do MatoGrosso e fui criada aqui no interior do Estado de SãoPaulo. Com 14 anos fui para a cidade de Campinas.Morei lá 18 anos, depois vim para a terra ondeestamos, que é Promissão. Nesse trajeto todo, o quemais me marcou, que eu nem gosto muito de estarfalando, lembrando, foi o tempo do acampamento.Marcou, porque é uma luta muito árdua. A gente nãoera rico, mas tínhamos o conforto da cidade grande.Tínhamos uma casa boa, tínhamos carro, até telefonedentro da nossa casa a gente tinha. Deixar tudo isso eter que entrar no barraco de lona, com uma porta depano, é duro!

Ainda mais que meu marido já chegou e foientrando nas negociações pesadas; até para Brasíliaele foi. E a gente com duas crianças pequenas, queficavam no acampamento. Eu segurava toda a barra.Eu nunca tinha me visto naquela situação, mesmo naminha infância. A gente era bem pobre, mas era umaoutra situação. Quando eu me vi dentro da lona, numatarimba e um colchão... Os móveis tinham ficado láem Campinas, porque viemos dentro de uma Belina.Nossa mudança veio toda dentro de uma Belina. Só atrouxa de roupa e uma colcha com talheres e pratos,só isso. Eu me lembro uma noite muito chuvosa, umtemporal terrível, e eu com as crianças segurando acortina, que era a porta de pano. Por causa de outrastarefas, não tínhamos terminado o barraco direito. Eaquele temporal veio de uma certa forma, foi horrí-vel! Eu segurando, não sabia o que fazer. Estava de-sesperada. O vento levou o barraco. Aí eu fiquei notempo, com as duas crianças. A Andréia, que hojetem 20 anos, tinha 6 anos, e o Adriano tinha 3. Aíembrulhei o menor e fui correndo no barraco do vizi-nho, que também não podia abrir a porta para mim,porque estava do lado do vento. Ele falava assim: “Cal-ma, eu sei que você está aí querendo entrar, mas eu nãoposso abrir a porta”. Aí ele foi abrindo, devagarzinho,de ladinho, abriu só um pouquinho e falou: “Força umpouco para cá, desse lado, nem que rasgue um pouco. En-tra, porque eu não posso abrir a porta, senão o vento meleva o barraco também”. Isso foi coisa de minutos, coi-sa rapidinha mesmo, minutos, talvez segundos. Masmarca muito. Levei o menino para lá, embrulhado nocobertor, joguei lá e busquei a outra, porque já eraquase uma hora da manhã. É uma coisa que eu nuncaesqueço. Por isso, até hoje, quando vem o vento, eunão sei onde eu fico direito, nem como vai ser aquelemomento. Peguei um certo trauma mesmo.

A luta pela terra é muito árdua, mas tem suasvantagens. Hoje, essa terra é nossa! Quem vem aqui

só vê esse paraíso. Nem imagina o que nós passa-mos, o que nós sentimos para conseguir o que temoshoje. Eu não aconselho ninguém. Eu digo o seguin-te: “Se você quer e tem vontade, venha disposto”. Masfalar assim: “Tem que ir sim, vale a pena!”. Eu não! Euacho que tem que partir de cada um. Porque, muitosvieram e muitos foram embora. É difícil mesmo. Eumesmo, olho o que a gente tinha em Campinas, umacasa tão boa quanto essa de hoje. Deixamos todoaquele conforto e viemos morar numa barraca, atésem porta!

Por amor à terra e por amor a uma luta, temque ter força de vontade. Tem que ter uma opiniãofechada mesmo. Nós tivemos motivos de sobra paranão estar aqui hoje. Mas a gente tinha um objetivo.Nós nunca perdemos de vista o objetivo, que era con-seguir a terra.

Quando minha mãe veio aqui, ela foi chorar atrásdo barraco. Viu aquilo e ficou abatida. Como que eutinha uma casa boa e vinha com as crianças para essefim de mundo? Na beira da pista, sem casa, sem nada,só aqueles barracos. Parecia um bando de ciganos! Masela nos acompanhou durante toda a trajetória. Veioaté morar com a gente. Todos os momentos marcantesque tínhamos, parecia que ela adivinhava e estava pre-sente. Quando a coisa estava pegando fogo mesmo,ela aparecia.

Teve um dia que a minha mãe foi chorar atrásdo barraco e eu vi. Aí eu tive que dar uma dura. Eutive que me endurecer: “Em vez de vir me encorajar, asenhora vem me desanimar? Isso aqui está assim hoje, masnão vai ficar assim para sempre não!” Olha, são coisasque marcam muito. Quando passo na pista e vejo aque-le povo nos barracos, Nossa Senhora! Eu fico indig-nada. Até quando, meu Deus?

Benê - Até a demarcação, foram quatro anos deacampamento. De 87 a 91. Teve umas horas que eume sentia culpado de ter vindo para cá, porque a ansi-edade de vir para a terra era muita. Eu queria viver nocampo, ter a família na terra. Mas isso demorou qua-tro anos para se decidir. Na primeira ocupação de ter-ra que teve em Sumaré, era para nós estarmos, masminha mulher não quis. Aí teve a segunda, o grupodois, ela também não quis. Depois, a de Porto Feliz, eela não decidia. Até que houve essa daqui. Eu já tinhaparticipado de várias reuniões de organização do MST.Só que dessa vez ela tinha se decidido. Eu fui chegarda fábrica duas horas da manhã. Ela estava acordada,esperando para combinar, para decidir mesmo. Nósbrigamos até às seis e meia da manhã. Brigamos não,

ficamos pondo os “pingos nos is”, como ela mesmadiz. Discutimos. E eu falando para ela tudo de ruimque podia acontecer, porque eu já tinha uma certa ex-periência, já tinha participado de reuniões, discussões,já tinha visitado acampamentos. Tinha mais prática.Coloquei tudo quanto foi obstáculo que eu podia ima-ginar para ela. Dizia que agora quem não queria maisir era eu. Mas só falava assim da boca para fora. Eunão queria que depois, quando viesse o sofrimento, aculpa ficasse só em mim. Mas eu fiz assim. Eu jogueilimpo. Falei: “E tem mais: nós corremos o risco de ser des-pejado e tudo, tudo, tudo”. Aí, ela falou assim: “Mas mes-mo assim eu quero ir”. Eu não tinha mais condições deficar trabalhando em fábrica. Eu estava ficando comum problema muito sério. Meu maior fantasma era odesemprego e, se um dia eu tivesse que me aposentar,aposentadoria lá na cidade. Morro de medo de apo-sentadoria urbana! Quem trabalha em firma a vidainteira parece que não acostuma a parar de trabalhar.Continua trabalhando na cabeça e continua vivendoas mesmas coisas. Parece que você tem uma correiaque, se você parar, você cai, e se você correr, você nãochega em lugar nenhum. Aquilo eu já tinha na idéia...Meu sistema nervoso parecia que estava desequilibran-do. Estava à flor da pele.

Eu só sentia que, se eu saísse daquela vida agita-da, se seu conseguisse tirar minha família daquela vidaagitada, as coisas poderiam melhorar. Piorar era im-possível. Tanto é que eu estava negociando a casa e elasabia disso. De qualquer maneira, eu ia para terra. Eunão estava desempregado, mas sabia que, se um dia euficasse desempregado, acho que eu morria louco por-que, se começasse a faltar as coisas dentro de casa, eusei lá o que poderia acontecer. E eu não queria jamaisme aposentar morando na cidade grande. E aí ela re-solve falar: “Não, mesmo assim eu quero ir!”

Alice - Eu peguei uma colcha de cama, estiqueiem cima da cama e peguei as roupas do guarda-roupa,e fiz uma trouxa. Fui na cozinha, catei uma caixa depapelão, catei prato, garfo, copo, embalei tudo e disse:“Isso aqui vai. Somente as coisas mais necessárias”.

Benê - A gente diz que quem tem de ser já nas-ce. Eu comecei a participar de lutas a partir do mo-mento que eu conheci esta menina aí, esta minhamulher. Mas eu já era revoltado. Dentro de mim existiauma revolta que vinha do golpe militar. Começouquando começou o golpe militar. Porque meu pai so-freu na mão da repressão dos militares. Meu pai erauma pessoa muito trabalhadora, minha mãe se esfor-çava ainda mais. Nós éramos em 7, e começaram a

empurrar a gente para fora da terra onde a gente vi-via. E você sabe que quando a gente é adolescentegrava muito as coisas. Eu criei uma revolta dentro demim tão grande que eu mudei. Uma revolta aindameio indefinida. Ainda bem que eu mudei para me-lhor. Quando ela me conheceu, quando nós começa-mos a namorar, eu era um animal. Era um revoltado!Queria mexer com o sistema, mas não sabia como.Foi quando eu entrei nas Comunidades Eclesiais deBase. Como eu tinha aquela revolta e vontade de mu-dança, de fazer mudança, de estar envolvido em al-guma coisa que um dia pudesse mudar, então me con-vidaram para participar do sindicato. Daí eu falei:“Esse é um caminho”. Aquilo para mim foi uma mãona roda. E dali começou a se falar de reforma agráriae das injustiças sociais. Eu comecei a entender me-lhores aquelas injustiças que tinham acontecido coma minha família e formavam aquela revolta dentrode mim. E eu sempre me perguntava: “Por que revo-lução de 1964?” Eu sempre perguntava, perguntava,perguntava, até que um dia um padre, muito firme-za, falou assim: “Você quer saber mais o que é que acon-teceu naquela revolução?” Falei: “Eu quero saber tudo,porque ninguém me conta, ninguém me fala”. Eu tinha14 anos. Era um caipira da roça, mas eu ouvia rádio.Aí ele me deu de presente aquele livro “Brasil NuncaMais”. Puta, a hora que eu li aquilo lá, aumentoumais minha vontade de participar e começar a darum basta nas coisas. Quantas pessoas não morreramtentando fazer alguma coisa para que esse país me-lhorasse? Vocês sabem da história, não preciso nemcontar. Então daí que eu fui, aí que eu entrei na lutapela terra e pela reforma agrária. Entrei por dois mo-tivos: era um apaixonado pela terra, sonhava viver nocampo, criar minha família no campo e, por outrolado, mostrar que o trabalhador também consegueas coisas. Não é porque ele é analfabeto que ele é umZé-Ninguém, não! Ele sabe falar, ele sabe conversar,ele sabe debater. A gente prova isso.

Como nas negociações no Palácio dos Bandei-rantes, com o Orestes Quércia. Nós sentamos comele três vezes. Só de falar esse nome já dá vontade dexingar. Aquele cara sacaneou nós de tal forma... Tejuro por Deus, eu tive uma vontade tão grande dedar um soco na cara dele - até tremo quando falo -estourar a cara daquele homem. Ele teve a cara-de-pau de assinar um documento para nós, dizendo queia nos assentar até o final de dezembro de 1988, e odia que nós fomos cobrar dele, porque não tinha acon-tecido nada, ele falou assim: “Não tem terra para vocês

Page 16: 05-Assentamento Reunidas.pdf

vistasentre

205204

nem aqui, nem lá, nem em lugar nenhum do Estado deSão Paulo. Vocês têm mais é que voltar de onde vocêssaíram”. Dá vontade de pegar um cara desse e moerde pancada! Desculpe falar assim, mas essa é a ver-dade. Tanta gente passando necessidade, passandofome, uma vida dificultosa, sabe, doída mesmo. Erabarraco rasgando, não tinha mais lona, água do poçocontaminada. A gente era um punhado de gente mo-rando em um pedacinho de terra assim, você imagi-na, passando para o segundo ano nessa vida. Rapaz,aquilo deu uma revolta tão grande, deu vontade dedar um soco na cara daquele desgraçado. Se fossenum barzinho, assim, eu falo para você, podia levarum pau de lascar dele, mas que primeiro eu marcavaele, eu marcava.

Uma das coisas que me revolta muito é quemuitas pessoas deram tudo que tinham para conse-guir a terra, e depois do lote conquistado, abandonama terra. Largam. A gente colocou a vida na luta paraque todos pegassem terra. Esse era o compromisso danossa organização. Enquanto tiver gente que querpegar terra, ninguém vai ser excluído. Porque o Incrafez pontuação: solteiro, viúva, casada, blá, blá,... Eu ea Alice não tínhamos pontuação. Pelo Incra, não erapara nós pegarmos a terra. Então nós falamos assim:“Nós vamos brigar até as últimas conseqüências, para quetodos tenham um pedaço de chão”. Chegamos até a abrirmão coletivamente de quase um alqueire de terra, paraque todos conquistassem seu chão.

Só que depois veio a tristeza. Quando você vê ocompanheiro que lutou pra caramba e ele larga o lote:“Não quero mais, estou indo embora...!” Hoje, eu vejogente que conseguiu construir com muita luta, ficararrependido de ter saído e querer voltar. Mas voltar deque jeito? Isso aí me deixa bastante revoltado.

Alice – Eu também acho que faltou um traba-lho de consciência. Para as famílias aprenderem a ad-ministrar o pouco que tinham. Porque é de pouco empouco que se consegue. Não tem como ficarem naterra duas pessoas já aposentadas, sem forças para tra-balhar, e os filhos trabalhando fora...

Benê - Sai um, entra outro, sai um, entra outro,porque as pessoas não vieram como um Benê da vida,que tem paixão e com o apoio da Alice, que se deci-diu: “Nós vamos para ficar. Nós não vamos voltar. Custe oque custar, nós temos que ficar”. Nós viemos para ficar,porque nós éramos da organização. Participávamos da

organização da igreja e tudo mais. Eles falavam muitoda reforma agrária, e reforma agrária para nós só temvalor quando você chega, planta, faz a terra produzir evocê sobrevive emcima daquela terra. Porque reformaagrária não é só entrar no lote e ficar esperando ascoisas cairem do céu. Reforma agrária é entrar nolote e fazer produzir. E a opção pela terra é uma opçãoque você faz dentro de todas as dificuldades, mas hásempre uma forma de você viver. Nesse mundo e nes-se país, quem é pobre sempre será pobre. Mas de po-bre a miserável ainda tem uma distância longa, se ocara trabalha e luta por seu objetivo.

Enquanto houver um sem-terra, somos todossem-terra. A razão de ser da reforma agrária é resu-mida naquela frase: “Ocupar, resistir, produzir!” Comoé que você ocupa, resiste e produz, se você não fica nolote? Ocupar não é difícil, resistir também não. Ago-ra, produzir é difícil! Mas, se você não encarar, a re-forma agrária deixa de existir. Você tem o lote, masnão produz. Assim, já não existe reforma agrária. Ima-gine você não produzindo no lote! Você está enten-dendo o que eu estou dizendo? E nós viemos aquipara pôr em prática a reforma agrária.

Passamos por todas as dificuldades mas ocupa-mos, resistimos e produzimos. Nós conseguimos pro-duzir e nos sustentar aqui, emcima desse pedaço dechão. Isso prova que a reforma agrária dá certo. Tantodá certo que o governo não incentiva nós. Ao contrá-rio, atrapalha. O governo não libera crédito, nem decusto nem de investimento, porque, se der ponto deapoio, nós removemos esse mundo! Dá dinheiro paranós, que projeto na cabeça nós temos de monte.

Falando assim, no geral, nosso povo em assen-tamento não tem conhecimento do cooperativismo.Não tem nem noção do que é uma cooperativa. Quan-do se fala em cooperativa, vários que se dizem coope-rados acham que a diretoria da cooperativa tem a obri-gação de arrumar dinheiro para eles trabalharem naterra. Eles esquecem que a cooperativa tem que seestruturar para eles crescerem juntos. Enquanto elequiser ficar tirando pedaço da cooperativa, é melhoraté não entrar na cooperativa. Porque a cooperativa éum sonho de várias pessoas que querem vencer jun-tas. E esse tipo de pessoa assim não é cooperado. Elequer acabar com a cooperativa. Ele simplesmente pensasó no lado dele. Ele esquece que tem mais gente que ésócio, que têm os mesmos direitos dele. Mas ele fala:“Se o trator é meu, também eu posso!” Mas antes de falar,ele tem que pensar: “Espera aí: o trator não é só meu. O

trator é dele também. O mesmo direito que eu tenho, eletem. Será que a cooperativa pode fazer isso por mim e podefazer isso para ele?” De repente, a cooperativa não podefazer isso pelos dois, e tem que fazer igual, porque osdois são sócios iguais. Os dois têm o mesmo direito.Mas essa visão o pessoal não tem.

Eu sempre sonhei com uma cooperativa que fun-cionasse no nosso acampamento. Mas aqui eu vejoque é quase impossível. O povo não é preparado e nãoreconhece, nem sabe o valor de ter uma cooperativaforte. Enquanto isso não ocorre, nós vamos penden-gando com essa daí, a Cooperativa de Comercializaçãode Promissão, torcendo para não acabarem com ela,porque ela também já esteve por um fio. As pessoasquerendo acabar com ela.

Depois que eu caí aqui, eu comecei a participarna organização interna. Era o MST que ditava as car-tas, e a gente acabou fazendo parte. Nunca fui da co-ordenação do MST, nem nacional, nem estadual. Te-nho muitas queixas do MST, da forma como eles tra-balhavam com a gente. Inclusive tivemos atritos. Umdebate muito forte no MST. A maior queixa do MSTé que, quando nós estávamos num primeiro grupo co-letivo de trabalho, nós estávamos crescendo economi-camente, porque nós trabalhávamos todo mundo quenem louco. E a gente tinha uma certa visão da coisa.Então o grupo estava crescendo. Nós resolvemos criaralguma coisa para passar em documento o que nós játínhamos. Nós já estávamos com três tratores,implemento, tinha carreto, tinha tudo, mas uma coisaera no nome de um, outra no nome de outro. Aí agente começou a se preocupar. Todo mundo é mortal,todos somos mortais, e de repente um daqueles pode-ria faltar, e a viúva poderia ficar sem nada, ou vice-e-versa. Decidimos fazer isso. Quando nós estávamosmontando isso, apareceu o Movimento dos Sem Ter-ra com uma proposta de fazer uma cooperativa no sis-tema do MST. Nós acreditamos na proposta, e foi aíque nós começamos a se lascar. Fundamos a coopera-tiva, a Copajota (Cooperativa de Produção Agro-pecuária Padre Josimo Tavares).

O principal ponto de atrito foi com a questão dadivisão. Nós tínhamos uma proposta da divisão da so-bra, e o MST não aceitou essa proposta. E foi bemradical: “A proposta do MST é essa daqui, ó! Esse é o siste-ma cooperativista do MST. Quem não estiver contente,pode sair”. Foi aí que desanimamos.

O sistema cooperativista deles não funciona, éum fracasso. Quando eu fui falar que era um fracasso,disseram que eu era contra o MST. Que eu era umcapitalista. Capitalista e individualista. Não sabiamnem o que estavam falando. “Benê é individualista!”.Como que Benê é individualista e saiu de uma coope-rativa e formou outro grupo? Fundou outra associa-

ção? A única que teve sucesso neste assentamentofoi a nossa! Pode perguntar para qualquer um. Nósdestituímos uma associação para fundar uma coo-perativa. O que sobrou de sucata da cooperativa foivendido, e cada sócio ainda saiu com 543 reais nobolso. Fundamos a nossa cooperativa e, graças aDeus, é a única cooperativa que não deve para nin-guém, pelo contrário, devem para nossa cooperati-va. Fazer cooperativa não é brincar de empresa, temque gerenciar bem.

Não tenho bronca do MST, porque eu aindaacredito que é a única organização que ainda conse-gue aglutinar gente e bater de frente com o governona luta pela terra. É a única organização no nossopaís. Agora, que tem gente no MST que é vagabun-do e não gosta de trabalhar, e está lá mais para atra-palhar, isso tem! Ou, pelos menos, aqui teve.

Vamos ver se você me entende. A quantidadede terra era a mesma para os cadastrados, que eramos titulares do lote. O valor do custeio também. En-tão tinha, por exemplo, um companheiro que era sol-teiro e que investia uma quantidade de dinheiro, igualpara todos, com a mesma quantidade de terra. Eletrabalhava e recebia sua parte do saldo final. Até aí,tudo bem. Só que outro companheiro que tinha cin-co filhos - perceba você - entrava com a mesma quan-tidade de investimento, a mesma quantidade de ter-ra, e na hora da divisão ele recebia seis partes, a suamais as dos cinco filhos. Não que o trabalho dessescinco filhos não tivesse seu valor. É que, na realida-de, naquele pedaço de terra, esse trabalho não davaum aumento proporcional na produção. Tinha quecriar outras linhas de produção.

Na essência, nós estávamos dizendo que a re-compensa do nosso trabalho deveria ser feita em fun-ção da produtividade. Mas não era assim que funcio-nava. O pessoal às vezes até brincava. Eu defendiaque cada setor da cooperativa, tínhamos uns oito se-tores, teria que se autosustentar. O setor que aindanão tivesse condições de se autogerir teria sua forçade trabalho incorporada a outro setor que estivesseproduzindo. Naquela fase da cooperativa, o mais im-portante era fixar raízes e deslanchar na produção.Mas não, o pessoal já queria parar de comer ovo comarroz para ir direto para o filé. E não tinha condições.Um ano depois, a cooperativa quebrou feio.

As pessoas também já não estavam agüentan-do mais. Queriam que se dividisse a sobra por cadas-trado, e não por força de trabalho. Nós éramos em40. Sobrou 40 mil reais? Mil reais para cada pai defamília. Essa era a nossa proposta. E a proposta doMST não, era por força de trabalho, por hora traba-lhada. Então tinha família que tinha seis pessoas tra-balhando e entrava com o investimento do custeio, 3

mil reais, e aí pegava um Benê que estava trabalhandosozinho na época e entrava também com 3 mil reais.Durante a safra toda eu recebia uma parte, que eram ashoras trabalhadas minhas, e quem tinha 6 recebia 6partes. Não era justo. Para eles estava bom, para aque-las famílias. A contribuição era por cadastrado. E a re-tirada era por sócio, por força de trabalho. Então, quemtinha seis, estava bom.

A proposta nossa era para o cadastrado, mas osistema cooperativista do MST queria que fosse porhora trabalhada. Ô, gente, não dava! Você estava ven-do família passando necessidade! No primeiro ano éque foi feita a distribuição, no segundo ano eu percebique tinha família que ia passar fome! E não era esse oobjetivo nosso, na nossa cooperativa. Nós fizemos umacooperativa para que todos vivessem bem. Não paratrabalhar para encher o bolso de outro. Era pior do queo capitalismo. Foi aí que nós fomos para a assembléiacom a proposta de dividir por cadastrado, até as coisasirem melhorando e você vai encaixando os filhos dossócios, de acordo com o crescimento. Nós sonhávamoscoma agroindústria. Hoje já tem gente que está fazen-do isso. Eu sonhava com isso. Que era possível ter umaagroindústria! Trabalhar com porco, com galinha, agre-gar valor no que nós produzíssemos, e isso precisariade mão-de-obra. E isso nós tínhamos. Nós éramos ri-cos em mão-de-obra. Nós não éramos ricos de capital.Terra nós tínhamos: 280 alqueires de terra! Sabe lá oque é isso? Nós sonhávamos com a pecuária, começarcom pecuária leiteira. Compramos gado muito bom,cerca, tudo, porque veio um belo projeto da Bélgica,com investimento. Dava essa sustentação...

Mas aí vem a maldição das pessoas gananciosase de irresponsáveis, que não conseguiam analisar umpalmo em frente do nariz, e deixar as coisas chega-rem aonde chegaram. Isso me revolta. Isso foi umacoisa que me marcou muito, porque eu me senti uminútil, um imprestável. Parecia que tudo o que eu ti-nha feito durante 16 anos de participação não valianada. Eu senti que não valeu mais a pena. Acabar tudoassim. Eu voltei a ser bóia-fria em cima de setealqueires e meio de terra.

O que me revolta é isso. Todo aquele trabalho e,de repente, vai por água abaixo, por gente irresponsá-vel que acha que o trabalhador rural é simplesmenteum Zé-Ninguém, que está aqui só para meter a enxa-da, que o resto nós fazemos, que é a parte fácil dacoisa. Nós éramos para ser exemplo de reforma agrá-ria bem sucedida. Mas cadê? Não quero passar queeu sou contra o Movimento, somente existem deter-minadas pessoas e concepções que estão erradas. Eeu tenho certeza que eles vão perceber isso no futuro.Mas eu sei que o verdadeiro Movimento somos nós:a base e os trabalhadores.