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1 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto de Veterinária - Departamento de Medicina e Cirurgia Disciplina de Obstetrícia Veterinária (IV-332) Professor Luiz Figueira Pinto Fisiologia da Gestação 1. Introdução A gestação é uma fase especial na vida da fêmea que leva em seu interior o produto da concepção. Em relação ao feto, este período é definido como o período de vida intra- uterina (McDonald, 1988). Quando a fêmea é fertilizada pela primeira vez se torna primigesta e alcança pleno desenvolvimento orgânico e mental e passa a exercer funções anabólicas primordiais para o desenvolvimento fetal com uma perfeita integração entre os sistemas funcionais orgânicos e os órgãos trabalhando em limiar mais elevado. Concomitante, são ativados diversos núcleos cerebrais no sistema límbico que determinam um perfil comportamental direcionados para a preservação da espécie. A gestante passa a estar atenta a presença de possíveis predadores. O período gestacional vai da fertilização ou concepção à parturição, ou nascimento de um produto. Na natureza as fêmeas são fecundas quando alcançam o desenvolvimento gonadal. Quando ocorre a primeira gestação (primigesta) as fêmeas deixam de ser púberes para se tornarem maduras e completam o desenvolvimento mamário e biotipológico. As elevadas taxas de progesterona competem com o estrogênio nos receptores celulares dos osteoblastos nas cartilagens de conjugação e nas células dos núcleos de calcificação óssea. Isto interrompe as mitoses sucessivas, acarreta em interrupção do crescimento ósseo e encerra o processo de desenvolvimento corpóreo. Geralmente, em condições naturais, o primeiro cio fértil da fêmea ocorre quando ela apresenta pleno desenvolvimento corpóreo. De modo geral, deve-se evitar a cobertura das fêmeas no primeiro cio clínico a fim de se evitar interrupção do desenvolvimento ósseo, e conseqüente diminuição do porte animal e pelve diminuta, o que pode predispor a ocorrência de distocias. Nesses casos o fenótipo do animal poderá não corresponder ao seu padrão genético. As fêmeas dos mamíferos podem ser classificadas em uníparas ou multíparas, de acordo com o numero de filhotes que desenvolvem em cada gestação. As uníparas desenvolvem um ou dois produtos por gestação (gestação gemelar), enquanto que as multíparas desenvolvem de três a 16 produtos. A vaca e a égua são espécies uníparas, enquanto que a cadela, gata e porca são multíparas. Quando uma fêmea unípara apresenta uma ovulação múltipla seguido de fecundação de vários óvulos, em um mesmo cio, se diz que ocorreu uma forma especial de gestação denominada de superfecundação, ensaiando a fêmea uma condição de multiparidade. Há ainda uma outra forma especial de gestação, denominada de superfetação, em que a fêmea unípara uma vez grávida apresenta um novo cio fértil e sofre nova fecundação e desenvolve simultaneamente duas gestações de idade diferente. O parto pode ser fisiológico e ocorrerá em datas diferentes. Tem sido relatada essa ocorrência em vacas, éguas e na mulher. Estes fenômenos denotam a capacidade de variabilidade funcional reprodutiva dos mamíferos que os habilitam a uma adaptação evolutiva.

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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto de Veterinária - Departamento de Medicina e Cirurgia

Disciplina de Obstetrícia Veterinária (IV-332) Professor Luiz Figueira Pinto

Fisiologia da Gestação

1. Introdução

A gestação é uma fase especial na vida da fêmea que leva em seu interior o produto da concepção. Em relação ao feto, este período é definido como o período de vida intra-uterina (McDonald, 1988). Quando a fêmea é fertilizada pela primeira vez se torna primigesta e alcança pleno desenvolvimento orgânico e mental e passa a exercer funções anabólicas primordiais para o desenvolvimento fetal com uma perfeita integração entre os sistemas funcionais orgânicos e os órgãos trabalhando em limiar mais elevado. Concomitante, são ativados diversos núcleos cerebrais no sistema límbico que determinam um perfil comportamental direcionados para a preservação da espécie. A gestante passa a estar atenta a presença de possíveis predadores.

O período gestacional vai da fertilização ou concepção à parturição, ou nascimento de um produto. Na natureza as fêmeas são fecundas quando alcançam o desenvolvimento gonadal. Quando ocorre a primeira gestação (primigesta) as fêmeas deixam de ser púberes para se tornarem maduras e completam o desenvolvimento mamário e biotipológico. As elevadas taxas de progesterona competem com o estrogênio nos receptores celulares dos osteoblastos nas cartilagens de conjugação e nas células dos núcleos de calcificação óssea. Isto interrompe as mitoses sucessivas, acarreta em interrupção do crescimento ósseo e encerra o processo de desenvolvimento corpóreo. Geralmente, em condições naturais, o primeiro cio fértil da fêmea ocorre quando ela apresenta pleno desenvolvimento corpóreo. De modo geral, deve-se evitar a cobertura das fêmeas no primeiro cio clínico a fim de se evitar interrupção do desenvolvimento ósseo, e conseqüente diminuição do porte animal e pelve diminuta, o que pode predispor a ocorrência de distocias. Nesses casos o fenótipo do animal poderá não corresponder ao seu padrão genético.

As fêmeas dos mamíferos podem ser classificadas em uníparas ou multíparas, de acordo com o numero de filhotes que desenvolvem em cada gestação. As uníparas desenvolvem um ou dois produtos por gestação (gestação gemelar), enquanto que as multíparas desenvolvem de três a 16 produtos. A vaca e a égua são espécies uníparas, enquanto que a cadela, gata e porca são multíparas. Quando uma fêmea unípara apresenta uma ovulação múltipla seguido de fecundação de vários óvulos, em um mesmo cio, se diz que ocorreu uma forma especial de gestação denominada de superfecundação, ensaiando a fêmea uma condição de multiparidade. Há ainda uma outra forma especial de gestação, denominada de superfetação, em que a fêmea unípara uma vez grávida apresenta um novo cio fértil e sofre nova fecundação e desenvolve simultaneamente duas gestações de idade diferente. O parto pode ser fisiológico e ocorrerá em datas diferentes. Tem sido relatada essa ocorrência em vacas, éguas e na mulher. Estes fenômenos denotam a capacidade de variabilidade funcional reprodutiva dos mamíferos que os habilitam a uma adaptação evolutiva.

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A gestação é também designada como período pré-natal. Podemos encontrar diversas designações para este período, tais como, a fêmea esta prenha, cheia, gestando ou mojando.

O período pré-natal é a fase da vida menos conhecida e a mais importante. A taxa de mortalidade neste período é maior do que em qualquer outro período da vida, de igual comprimento, posterior ao nascimento. A morte precoce do ovo fecundado ou do pequeno embrião, que resulta em absorção ou aborto, são freqüentemente considerados como esterilidade ou infertilidade, pois geralmente passam despercebidos.

2. Fases da Gestação

O período gestacional pode ser didaticamente dividido em três etapas, de acordo com o desenvolvimento dos tecidos e órgãos em fase tubárica ou blastogênica, fase embrionária ou organogênica e fase fetal (Jainudeen & Hafez,1993).

a) Fase tubárica ou blastogênica Este período dura de 10 a 12 dias nos bovinos e vai da fecundação, que ocorre

habitualmente dentro de poucas horas após a ovulação, até o aparecimento das membranas embrionárias. A fecundação ocorre no terço médio da trompa uterina, a ampola tubárica, forma o ovo ou zigoto que passa por mitoses sucessivas ou clivagens até chegar ao estagio de mórula que apresenta 16 a 32 blastômeros. A mórula chega ao útero por volta do 4o dia, quando se forma uma cavidade no seu interior pela penetração de liquido proveniente da cavidade uterina. Esta secreção é produzida pelo endométrio modificado e é designado de leite uterino. A mórula é então convertida em blastocisto. O blastocisto se constitui em uma massa celular externa, designada de trofoblasto, e um grupo de células que forma uma massa celular interna ou embrioblasto, o que ocorre por volta do 6ª ao 10º dia gestacional. O trofoblasto gradualmente se diferencia em duas camadas: uma interna, o citotrofoblasto, e outra interna, o sinciciotrofoblasto. Enquanto o blastocisto se implanta ou se adere, dependendo da espécie animal, tem inicio a diferenciação do embrião a partir da massa celular interna surgindo uma camada de células, formando o endoderma embrionário que constitui uma espessa lâmina chamada disco embrionário.

Esta fase culmina com a formação dos anexos embrionários, que na fase seguinte se desenvolverão em anexos fetais, a partir dos folhetos embrionários. O âmnio se origina do ectoderma, o alantóide terá o seu folheto interno originado do endoderma e o folheto externo da vesícula vitelina, o saco vitelino se forma do mesoderma extra-embrionário e o cório terá sua origem a partir do trofoblasto. b) Fase embrionária ou organogênica

Este período se estende desde o 12o ao 15o dia, até por volta do 45o dia de gestação nos bovinos; do 11o até aproximadamente o 34º dia nas ovelhas; e, provavelmente, do 12º ao 55º ou 60º dia nos equinos.

Esta fase se caracteriza pela formação da primeira circulação, denominada onfalomesentérica, da diferenciação sexual e da placentação (aderência do corio-alantóide

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ao endométrio). Neste período se formam os tecidos, os órgãos e os sistemas mais importantes do corpo. É quando ocorrem quase todos os defeitos de desenvolvimento ou anomalias teratogênicas mais graves e também o embrião pode morrer e ser expulso no estro seguinte sem que se perceba, ou macerar-se e ser absorvido sem sinais externos. Estas duas primeiras fases da gestação são muito sensíveis. É quando se deve tomar muito cuidado durante o exame clinico, na realização de toque retal, contenção química ou mecânica e em exames complementares, como exame radiográfico ou outros. c) Fase fetal ou de crescimento fetal:

Este período se estende por volta do 34º dia de gestação nos ovinos e caninos, até o 45º dia em bovinos e entre o 55º ao 60º dia em eqüinos, até o parto. Esta fase caracteriza-se pelo completo desenvolvimento do feto. O crescimento do feto se faz de modo geométrico, no qual o peso do feto aumenta muito rapidamente nos últimos 2 a 3 meses de gestação, principalmente dos grandes animais e chega a triplicar o peso.

3. Duração da Gestação

A duração da gestação ocorre em período de tempo variável e depende da hereditariedade e a influencia do meio ambiente. Nos mamíferos domésticos conta-se como inicio da prenhez o dia da copula ou da inseminação. O conhecimento da duração da prenhez é fundamental para se saber a idade ou maturidade do feto ao nascimento:

a) Feto normal ou maduro: está completamente formado ao nascimento e logo

após o parto é capaz de locomover-se e amamentar-se sozinho. A pelagem do neonato se apresenta com uma coloração própria da raça e o peso se encontra na faixa de normalidade para a espécie. O bezerro apresenta um peso ao nascimento em torno de 6 a 8% do peso da vaca, enquanto o potro apresenta um peso na ordem de 1/14 a 1/15 do peso da égua.

b) Feto imaturo: apresenta uma pelagem com pelos curtos, pouco pigmentados,

e podem faltar em algumas regiões do corpo. O pelo do umbigo é curto, ralo e despigmentado. O peso corporal é abaixo da média.

c) Feto demasiado maduro: A pelagem é vasta com os pelos longos e

encaracolados. O recém nato é avantajado com o peso corporal acima da média.

4. Fórmula de Keller

Esta fórmula é empregada para a mensuração da idade gestacional tendo como referencial o tamanho do feto abortado ou prematuramente expulso. Pode ser utilizado a partir do 2º mês de gestação nas grandes fêmeas. A formula de Keller é a seguinte:

X (X + 2) = Y onde:

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X = número de meses da gestação 2 ou 1 = constante para a vaca e égua, respectivamente. Y = comprimento do feto, tomado na coluna vertebral.

5. Fatores que podem influenciar na duração da gestação

a) Raça: nas raças precoces a gestação evolui mais depressa do que nas menos aperfeiçoadas.

b) Sexo do feto: de modo geral os bezerros e potros do sexo masculino nascem

um, dois ou três dias mais tarde do que as fêmeas. c) Idade da Mãe: nas primíparas o período gestacional é menor. As novilhas

parem os fetos um ou dois dias a menos que as vacas. d) Tamanho e numero de fetos: os fetos mais desenvolvidos nascem mais cedo

do que os de menor desenvolvimento e quanto mais numerosos tanto menor será a gestação.

e) Estação do ano: na estação chuvosa (época de boa alimentação) os bezerros

nascem mais cedo e na estação seca (época de alimentação deficiente) verifica-se o contrário.

6. Sinais clínicos de gestação.

a) Sinais maternos ou prováveis i. Ausência de cio

ii. Aumento do poder de assimilação iii. Aumento do aparelho mamário iv. Mudança de hábitos v. Modificação da garupa

b) Sinais fetais ou certos i. Movimentos ativos do feto

ii. Presença do feto iii. Batimentos cardíacos iv. Exames complementares: radiológicos, biológicos, hormonal.