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    68 z  JANEIRO DE 2016

    Pesquisadores tentam compreender

    as reações que ocorrem nointerior de estrelas como o Sol

    Para entender melhor como amatéria na forma de gás quentee ionizado se move dentro das es-trelas, uma equipe internacional

    liderada pelo astrônomo peruano JorgeMeléndez, do Instituto de Astronomia,Geofísica e Ciências Atmosféricas da Uni- versidade de São Paulo (USP), comparouas quantidades dos elementos químicos berílio e lítio observadas na superfície doSol e de outras sete estrelas semelhantesencontradas na Via Láctea. “Não podemosenxergar o interior das estrelas, vemosapenas a luz de suas camadas exteriores”,explica Marcelo Tucci Maia, aluno dedoutorado de Meléndez e primeiro autordo novo estudo, publicado em março de2015 na revista Astronomy & Astrophysics.

    “A abundância desses elementos funcionacomo uma sonda para investigar o queacontece no interior estelar.”

     A conclusão do estudo é de que a maté-ria na superfície de estrelas parecidas como Sol pode se misturar com a de camadasmais profundas do que muitos pesquisa-dores imaginavam, mas não tão internasquanto outros propunham. Meléndez eseus colegas usaram o Very Large Teles-cope (VLT), do Observatório Europeu Austral (ESO) em Monte Paranal, Chile,para observar o Sol e mais sete estrelas,

    ASTRONOMIA y

    Investigação

    solarescolhidas por possuírem massa e compo-sição química muito próximas às solares,mas idades bastante diferentes. Enquantoo Sol tem 4,6 bilhões de anos de idade, aestrela mais jovem do estudo tem apenas500 milhões de anos e a mais velha, 8,2 bilhões de anos. “É como se pudéssemosacompanhar a evolução do Sol, desde jovem até muito velho”, Maia explica.

     A equipe de Meléndez já havia publi-cado outros estudos sobre esses mesmosastros e mostrado que, quanto mais velhaa estrela, menos lítio ela tem em sua su-perfície. Esses resultados confirmaramindicações de estudos anteriores que in-dicavam que estrelas semelhantes ao Soldestroem lítio à medida que envelhecem.

     A maior parte do lítio do Universo foi

    criada na origem dos tempos, a explosãodo Big Bang, há cerca de 13,6 bilhões deanos. Considerado um elemento relati- vamente frágil, o lít io é destruído pordiversos tipos de reações nucleares queacontecem no interior das estrelas a tem-peraturas superiores a 2,5 milhões degraus Celsius. Dentro do Sol, segundoos modelos-padrão de evolução este-lar, temperaturas tão altas só ocorrema grandes profundidades, próximo donúcleo, em uma região chamada de zonaradiativa. A temperatura na zona radiati-

     va varia de 15 milhões de graus, próximoao núcleo, até 1,5 milhão de graus, maisexternamente. Logo acima da camadaradiativa, na chamada zona convectiva,a temperatura diminui gradualmente de1,5 milhão de graus até alcançar 6 milgraus na superfície da estrela.

    Na zona radiativa, a energia produzidano núcleo por meio da fusão de elemen-tos químicos (fusão nuclear) é transpor-tada para regiões mais externas pelaspartículas de luz (fótons), enquanto a ma-téria permanece relativamente imóvel.Já na zona convectiva, o transporte deenergia é diferente. A matéria é aquecidana vizinhança da zona radiativa e sobeaté próximo da superfície, onde liberacalor e afunda novamente.

     Até recentemente, os astrônomos su-punham que a matéria da zona radiativanão se misturava com a matéria da zonaconvectiva. As observações de Meléndeze seus colaboradores, entretanto, indicamque isso deve ocorrer de alguma forma;caso contrário, não seria possível explicaro desaparecimento do lítio na superfíciedas estrelas. Outros pesquisadores vêmmodificando as equações matemáticasque descrevem a estrutura interna dasestrelas para levar em conta outros fe-nômenos físicos que permitiriam o trans-

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    PESQUISA FAPESP 239 z  69

         J    E    N    N    Y    M    O    T    T    A    R    /    N    A    S    A

    ProjetoHigh precision spectroscopy: impact in the study of pla-

    nets, stars, the galaxy and cosmology (nº 2012/24392-2);

    Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável 

     Jorge Luiz Meléndez Moreno (IAG-USP); Investimento  R$

    337.292,40 (para todo o projeto).

    Artigo científicoTUCCI MAIA, M. et al . Shallow extra mixing in solar twins

    inferred from Be abundances. Astronomy & Astrophysics.

    v. 576. abr. 2015. 

    porte do material da zona convectiva pararegiões mais profundas e quentes. Eles,no entanto, ainda debatem quais seriamesses fenômenos. Alguns defendem queessa mistura adicional seria provocadapela rotação da estrela. Outros imaginamque outros processos, como o padrão dedifusão dos núcleos atômicos em um nível

    microscópico, sejam mais importantes.Para jogar alguma luz nesse debate,Maia, Meléndez e seus colegas decidiramanalisar a abundância de outro elementoquímico frágil, o berílio. Assim como olítio, o berílio é destruído por reações nu-cleares. Mas apenas por aquelas que acon-tecem a 3,5 milhões de graus. “O berílio éum dos elementos químicos mais difíceisde se observar, pois é difícil isolar a suaassinatura na luz da estrela”, diz Maia.

    De acordo com o estudo da Astronomy& Astrophysics, a superfície de uma es-

    trela com o porte do Sol perde muitopouco berílio ao longo de sua evolução.Segundo Maia, essa característica, me-dida agora pelo grupo, estabelece umaprofundidade máxima em que a misturado material da zona radiativa com o dazona convectiva pode ocorrer. A mis-tura deve acontecer em profundidades

    nas quais a temperatura chega a 2,5 mi-lhões de graus e não deve ir muito além,parando na região em que ela alcançaos 3,5 milhões de graus. Esse compor-tamento permitiria explicar por queao longo da vida dessas estrelas quasenão ocorre destruição de berílio, con-sumido a temperaturas mais elevadas,ao passo que uma proporção maior delítio é destruída.

    O resultado já ajudou a descartar umdos modelos astrofísicos de evolução deestrelas como o Sol. Mas as incertezas

    Fótons vindosdo núcleo sãoabsorvidos pelaspartículas de matériae depois reemitidosnessa região em

    que as temperaturasvariam de 15milhões de graus,nas camadas maisprofundas, a 1,5

    milhão, na maissuperficial

    Zona radiativa

    É a camadaimediatamente superiorà fotosfera.A temperaturainicialmente decrescede 5.700 graus

    para cerca de 3.600 edepois volta a subir atéalcançar cerca de 35 milgraus na parte maisexterna dessa camada

    Cromosfera

    Região mais interna, densa e quente

    do Sol, com temperaturas daordem dos 15 milhões de graus.Sob a força da gravidade,núcleos de hidrogênio

    se fundem e liberamenergia na formade fótons, queescapam paraa zona radiativa

    Núcleo

    É a camada maisinterna da atmosferasolar, com

    temperaturas emtorno de 5.700 graus.Toda a luz visíveldo Sol provémda fotosfera

    Fotosfera

    A temperatura diminuí de 1,5

    milhão de graus, na regiãomais interna dessa zona, paracerca de 6 mil graus, na maisexterna. Essa diferença detemperatura faz a matéria

    aquecida na vizinhança dazona radiativa subir e liberarenergia próximo à superfície

    Zona de convecção

    Anatomia de uma estrelaMovimentos de convecção transportam matéria de regiões profundas para a superfície de astros como o Sol

    FONTE  LIVRO MYSTERIES OF THE SUN  - NASA E WIKIPEDIA

    nas observações ainda não permitem dis-tinguir qual seria o modelo mais corretoentre os vários existentes. A equipe deMeléndez espera esclarecer ainda maisa questão ao incluir em suas análises osdados de outras nove estrelas semelhan-tes ao Sol, observadas em julho de 2015com o telescópio japonês Subaru, ins-

    talado no monte Mauna Kea, no Havaí,Estados Unidos.  n Igor Zolnerkevic

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