08 RUI BARBOSA - Atos Inconstitucionais

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Rui Barbosa -------------- ATOS INCONSTITUCIONAIS Selo de Autenticidade 1 11 edição 2003 Campinas/SP

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  • Rui Barbosa

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    ATOS INCONSTITUCIONAIS

    Selo de Autenticidade

    111 edio

    2003

    Campinas/SP

  • IVA EXCEO DOS CASOS POLTICOS

    Desde Marshall, no memorvel aresto em que se sagroua jurisdio dos tribunais contra o exerccio inconstitucionaldas faculdades do governo, ou do Congresso, ficou, ao mesmotempo, reconhecido existir no domnio desses poderes urnaregio impenetrvel autoridade da justia: a regio poltica.

    Mas em que termo se deve entender o horizonte dessaexpresso? Adotada em sua acepo ampla, ela abrangeria noseu raio a esfera inteira da soberania constitucional, baldariaabsolutamente a competncia, que para o Judicirio se recla-ma, de coibir-lhe as incurses no terreno do direito individual,reduzindo essa competncia a nada. O Poder Executivo e oPoder Legislativo so rgos polticos do regime; poltica sua origem, seu carter, sua atividade; polticas todas as suasfunes. A se considerar, pois, a este aspecto a situao dessespoderes, no haveria um s de seus atos, para o qual no sepudesse reivindicar imunidade sindicncia dos tribunais; e oascendente pretendido por estes, corno propugnculo das ga-rantias constitucionais contra a usurpao do chefe do Estado,ou das assemblias representativas, seria pura e simplesmenteurna burla.

    conseqncia extravagante, que Pomeroy quis preve-nir, quando escreveu: "Fundamento no h para a absurda no-o, aventurada algumas vezes, de que, onde quer que o litgiotenda a,um julgamento acerca da validade de um estatuto doCongresso, a matria necessariamente poltica."232

    232 Pomeroy, An introduction to the constitutional law of the UnitedStates, p. 624.

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  • 233 L. Lowell, Essays in government, p. 103.

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    cirio. Versa, enfim, sobre a maneira de exercitar esse poder,sua convenincia, sua oportunidade? Neste caso a questo poltica; porque seus elementos de apreciao pertencem in-trinsecamente funo conferida, e a ingerncia de outropoder a anularia intrinsecamente.

    A questo pode ser poltica (no sentido que nos interessa:no sentido estrito) por trs modos: pela natureza do assunto,pela forma que a controvrsia assumir, pelos termos em que aresolverem.

    Se fosse lcito levantar a questo de constitucionalidadeprincipal, em vez de incidentemente tratar o exame do ato in-constitucional como objeto imediato da causa, e intent-la so-lenemente como meio revogatrio da lei, ou do decreto, que secensura, a questo, ainda que de sua ndole o no fosse, viria ase tornar poltica, pela sua forma, pela sua direo, pelo seualcance. Poltica; porque abriria combate entre os poderes daUnio, entregando a um a autoridade soberana de cassao sobreos atos dos outros.

    As condies, porm (h pouco examinadas por mim),do processo estabelecido para determinar a legitimidade daingerncia judicial nesses assuntos, despem-nos da feio po-ltica, imprimindo-lhes severamente o carter das controvr-sias de direito particular. "O tribunal liquida questes concer-nentes aos limites dos poderes polticos, pelo mesmo modopor que liquida outros pontos jurdicos; isto : resolve-as uni-camente quando suscitadas no decurso de um litgio travadoentre indivduos, ou outras quaisquer pessoas, que demandemno carter de partes em juzo. Destarte extremou-se, quantopossvel, da poltica a interpretao constitucional."234 Esta facedo constitucionalismo americano tem atrado sempre aaten~o dos observadores mais penetrantes. Com ela se ocupo

    234 Ibidem.

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    Claro est, pois, que, dentre assuntos polticos e assuntospolticos, mais ou menos propriamente tais, a restrio h deabranger uma limitada classe de casos, e excluir a mais vastacategoria deles; porque alis a tutela judicial ficaria sendo aexceo, quando , pelo contrrio, a regra: "Os americanosconfiaram aos tribunais de justia o encargo (the duty) de re-solver os pleitos que envolvam debate sobre a limitao dosvrios ramos do governo."233 Qual o critrio descriminativo,por onde apurar, dentre os atos do Congresso e do governo,todos genericamente polticos, os estritamente tais, para veri-ficarmos quais os que escapam ao da justia, quais os queno podem esquiv-la?

    A linha diretriz no me parece difcil de traar. De umlado esto os grandes poderes do Estado, com as suasatribui-es determinadas em textos formais. Do outro, os direitosdo indivduo, com as suas garantias expressas em disposi-es taxativas. Em meio a uma e outra parte, a Constituio,interpretada pela justia, para evitar entre os direitos e ospoderes as colises possveis. Quando, portanto, o poder exer-cido no cabe no texto invocado, quando o interesse feridopor esse poder se apia num direito prescrito, a oportunidadeda interyeno judiciria e incontestvel. O assunto ser en-to judicial. Quando no, ser poltico. Versa a questo sobrea existncia constitucional de uma faculdade, administrativa,ou legislativa? A soluo, nessa hiptese, est indicada pelaenumerao constitucional das faculdades consignadas a cadaramo do governo. A matria judicial. Versa ela sobre a ex-tenso desse poder relativamente aos direitos individuais? Oconfronto entra clusula que confere o poder e a clusulaque estabelece a garantia determina, por intuio, ou inter-pretao, o pensamento constitucional. O assunto ainda judi-

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  • 235 De la dmocratie enAmrique, I, p. 171.236 Bryce, I, p. 337.237 Maine, Popular government, p. 223-224.

    238 Hitchcock, Constitutional history ofthe United States as seen in thedevelopment of american lw, p. 80.

    239 "The universal sense of Arnerica has decided that, in the last resort,the jlldiciary rnust decide upon the constitutionality of the acts and laws ofthe general and Stategovernrnents, so faras'they are capable of beingmade the subject ofjudicial controversy."

    Story, Commentaries on the Constitution of the United States, 11,S 1.576, p. 395.

    Tocqueville.235 Bryce no a esqueceu.236 Sumner Maine, cujaautoridade primacial, d-lhe o devido relevo nestas linhas:"A Constituio dos Estados Unidos impe aos juzes um m-todo essencialmente britnico de julgamento. No se estabele-cem, perante o tribunal, proposies gerais, a no serem as quenaturalmente decorram dos fatos em litgio. A fortuna da Su-prema Corte resulta, em boa parte, desta maneira de solver asquestes de constitucionalidade e inconstitucionalidade. O pro-cesso mais lento, mas extreme da suspeita de presso, menosocasionado a despertar zelos do que sucederia na hiptese deuma deliberao judicial acerca de amplas teses polticas. Estahiptese a que preocupa o observador estrangeiro, ao con-templar o espetculo de um tribunal de justia decidindo ale-gaes de violao da lei constitucional."237

    Nos limites postos faculdade judiciria de pronunciar arespeito das infraes constitucionais, escreve um profissionalde valia considervel,238 est precisamente o meio "de tornaressa faculdade prerrogativa judicial, em vez de prerrogativapoltica. Eles resumem-se em que esta atribuio s se exerceem casos litigados; em que toda a sua fora direta se circuns-creve na fixao do direito dos litigantes; em que no se podeinvocar, seno quando se suscite uma questo ajuizvel".239

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    Pelos mesmos motivos resvalaria para a degenerao po-ltica o exame judicial dos atos inconstitucionais da admiriis-trao, ou da legislatura, se julgados, que os resolvessem, pu-dessem atacar o decreto, ou a lei, na plenitude de sua tese,concluindo pela anulao formal de suas disposies, ou pelasupresso direta delas na generalidade dos seus efeitos. Nessecaso a justia se transform aria numa instncia de cancelamen-to para as deliberaes do Congresso, ou do Executivo. Seria aabsoro de todos os poderes no Judicirio, ou o conflito orga-nizado entre os trs. Insulando-se, porm, na espcie deman-dada, a sentena evita rigorosamente a deturpao poltica dopapel dos tribunais.

    Quais so agora as matrias inevitavelmente polticas porsua natureza?

    Tomemos a mo a Marshall:Tu duea, tu signore e tu maestro.Dizia ele, sentenciando no processo Marbury versus

    Madison:"Pela Constituio dos Estados Unidos o presidente

    investido em certos poderes polticos importantes, no exerC-cio dos quais tem de usar de sua prpria discrio, ficandoresponsvel exclusivamente para com seu pas, no carter po-ltico, e para com sua conscincia. Em tais casos ( ...) a matria poltica; porque respeitei nao, e no aos direitos indivi-duais (they respeet the nation, not individual rights): e, sendoconfiados ao Executivo, a deliberao deste terminante".:i4o

    Em face dessas premissas doutrina o grande ehiefjustieeque os secretrios de Estado no tm que dar contas, seno aopresidente, dos atos, em que a lei os obriga a se cingirem vontade de seu chefe.

    240 John MarshaIl, Writings upon the Federal Constitution, p. 13-14.-

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  • 241 Ibidem, p. 14.242 Ibidem, p. 17.

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    243 Hampton, Carson's Supreme Court, II, p. 634.

    no interessam garantias individuais. Se entendem com essasgarantias, e no se compreendem na ao constitucionalmentediscricionria do poder, esses atos constituem matria judi~ial.No caso contrrio, so propriamente polticos.

    Escuso advertir que o princpio de caracterizao adotvelpara discernir, nos atos do Poder Executivo, os reservados esfera poltica dos acessveis ao exame judicial, cabe identica-mente, para os mesmos fins, aos atos do Poder Legislativo. Omesmo critrio quadra indiferentemente aos de um e outropoder. E esse critrio ressalta das palavras de Marshall to bemdefinido, que autores e magistrados, aps ele, no tm feitoseno explanar o pensamento do Aresto de 1803.

    "No caso Marbury versus Madison", dizia, h trs anos,na celebrao do centenrio da Suprema Corte Federal, umdos rgos mais ilustres do foro americano, "este tribunal de-finiu com extraordinria fora e lucidez as balizas da autori-dade respectivamente distribuda aos trs ramos do governo.Ento se demonstrou que todo ato legislativo, repugnante Constituio, deve ser desprezado pelos tribunais como nulo;que os funcionrios adrp.inistrativos podem ser compelidospelo Poder Judicirio a cumprir os deveres, que lhe foremexplicitamente impostos, e no envolverem faculdade discri-cionria (and not involving oificial discretion); porquanto,disse o tribunal, o governo dos Estados Unidos um governode leis, no de arbtrio pessoal (a government of laws and notofmen), e a alada judicial limita-se a decidir sobre direitosindividuais, no lhe competindo liquidar questes de seu na-tural polticas, intrometendo-se em assuntos encarregados pelaConstituio, ou pelas leis, ao critrio (to the discretion) deoutro poder."243

    Noutro lugar, Hitchcock doutrina que as questes, que"no tocam provncia da justia, so as puramente polticas,.

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    "Mas"(aqui se acentua de novo a limitao)"quando alegislatura impe a esse funcionrio outros deveres; quando selhe comete a execuo de certos atos; quando da realizaodestes pendem direitos individuais, j o funcionrio, nesta par-te, agente da lei, responde perante as leis por seu procedi-mento, e no pode ao seu arbtrio dispor de direitos adquiri-dos. Onde, portanto, os chefes de administraes so instru-mentos polticos e confidenciais do poder Executivo, institu-dos apenas para cumprir as vontades do presidente, ou antes,para servir em assuntos, nos quais o Executivo exera discri-o legal, ou constitucional (in cases in which the executivepossess a constitutional or legal discretion), perfeitamentebvIo que seus atos no so examinveis seno politicamen-te. Mas onde a lei estatui especificadamente um dever, e hdireitos individuais, dependentes da observncia deste, igual-mente manifesto que qualquer indivduo, que se considereagravado, tem o direito de recorrer, em procura de remdio, sleis do pas."241

    E, afinal, resumindo o seu pensamento numa frmula ma-gistral:

    "A esfera do tribunal unicamente decidir acerca dosdireitos individuais, no investigar de que modo o Executivo(ou seus funcionrios) se desempenha de encargos cometidos sua discrio. The province of the court is solely to decideon the rights of individuals, not to inquire how the executive,or executive officers, perform duties in which they have adiscre tion. "242

    Nestes trs lances ressai vrias vezes a noo .re que ostribunais s no podem conhecer da inconstitucionalidade, im-putada aos atos do Poder Executivo, quando esses atos se abran-gem na categoria daqueles, que so confiados sua discrio, e

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  • 244 Constitutional history ofthe United States s seen in the developmentof american law, p. 80.245 La rpublique amricaine, tomo 4, p. 124.

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    pessoal. Neste caso a autoridade do presidente h de ser foro-samente discricionria." Poderamos, com o publicista fran-cs, multiplicar a exemplificao "dos poderes de ordem pol-tica e discricionria, que no admitem sindicnciajudicial".246

    Hare, no seu precioso curso de Constituio ainerina,examina uma srie de hipteses, assinaladas todas pelo mes-mo cunho: poderes de ordem essencialmente discricionria,tais como o do presidente em optar e intervir, com as foras daUnio, entre dois governos coexistentes e rivais no mesmoEstado, ou o do Congresso em condenar o governo de um Es-tado como no republicano, sob a faculdade, que, em termosindefinidos, lhe outorga o art. 4. do pacto federal,247

    Toda a gente percebe que subordinar atribuies destaordem instncia revisora dos tribunais seria grosseiro contra-senso e rematada confuso. irregular, ou desastrosa a decla-rao de guerra? intempestiva, ou perigosa a mobilizao damilcia? desigual, ou opressiva a fixao dos tributos? parcial,ou inepta a ingerncia federal nas lutas intestinas dos Estados?So questes de natureza opinativa, que se resolvem, no deacordo com regras pr~estabelecidas e formais, mas segundo ocritrio da observao, da previdncia, da utilidadey8 So,portanto, questes de governo. Incumbem esfera do adminis-trador, do estadista. A justia, porm, gira unicamente no Cr-culodas relaes, acerca das quais o dever e o direito se deter-minam pela vontade positiva da lei.

    Suponhamos agora que, a pretexto de operaes deguer-ra, oPoder Executivo confiscasse a propriedade particular, ne-gando aos proprietrios o direito de indenizao. Admitamosque, a ttulo de levantar a milcia, impusesse, contra as leis, aobrigao do servio militar, abrisse o recrutamento forado,

    246 Ibidem, p. 125-127.

    247 Hare, American constitutionallawi I, p. 124-135.248 Cooley, n. a Story, I, ~ 375, p. 276.

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    isto , as que disposies da Constituio, ou de leis, confiam discrio administrativa, ou legislativa (...questions purelypolitical, or which are by the Constitution and laws committedto either the executive, or legislative discretion)".244

    No l.ivro de Carlier sobre a Repblica americana h, aeste respeIto, algumas pginas que merecem ser consideradas.. "Como d~ixar sem limitao", diz ele, "o Podei' Legisl:-tIvo e o ExecutIvo? Desse modo a Constituio mal ficaria comu~a autoridade moral, sem sano legal de espcie nenhuma;POI~desses poderes dependeria dobr-la aos seus caprichos,ou mteresses. Por outro lado) que meio haveria de conciliarcom esse estorvo :'. ii'oerdade, que a cada um dos rgos do~~,::r~lse deve deixar, para se desempenharem utilmente desua misso? Estabeleceram-se, com o intuito de solver estesgraves problemas, certas distines entre os poderes pela Cons-tituio conferidos. Uns so de ordem poltica; a saber, tem ocarter discricionrio. Os demais (e o maior nmero) inte-ressam vida civil, e devem ser encarados, abstraindo-se daautoridade que os exerce."245

    Vrios so os exemplos, que o autor aduz, para esclare-cer estas distines, "geralmente admitidas". O primeiro aludeao poder, conferido ao Congresso, de declarar a guerra, decre-tar e aplicar os impostos, regular as relaes comerciais e in-ternacionais. "So assuntos de ordem poltica superior. No secompreenderia que se institusse um tribunal de reviso, paradevassar as resolues do Congresso, em tais assuntos." Nasmesmas condies est a prerrogativa, deixada ao presidente,de convocar e mobilizar a milcia. "O chefe do Estado , e deveser, o nico juiz da oportunidade, para entrar em campanha, edirigir essas foras, como lhe parea, sob sua responsabilidade

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  • 249 An introduction to the constitutionallaw, S 146,:.:p.:624n.

    ou constrangesse ao imposto de sangue cidados isentos porescusa legal. Figuremos que, no uso da prerrogativa tributria,o Congresso criasse alfndegas entre os Estados, gravando ocomrcio interior com impostos de fronteira entre as provn-cias da Unio. Imaginemos que, sob a cor de reconstruo po-ltica de um Estado, entregue violncia das faces, o PoderLegislativo suspendesse, para os habitantes dele, o Cdigo Civil.Pergunto: em qualquer destas hipteses, no ser evidente odireito dos tribunais a intervirem, o seu dever de faz-lo, aindaque qualquer dessas ilegalidades, dessas inconstitucionalidadesse procurasse coonestar com o verniz dos poderes discricion-rios, em cujo nome a administrao, ou a legislatura as perpe-trou? O carter discricionrio de uma funo no legitima se-no os atos ditados pela natureza de seus fins. A discrio legalno uso de uma atribuio no importa o direito de associararbitrariamente a ela competncias, que ela naturalmente noabrange. E, se um poder, senhor de uma prerrogativa discricio-nria, a estende a domnios, que a lei manifestamente reservoua outros poderes, ou vedou sob a invocao de outros direitos,os tribunais no invadiro o terreno da funo privilegiada, seinterpuserem a mediao legal do seu juzo, para obstar a queela transborde os limites de seu objeto.

    O arbtrio, administrativo, ou legislativo, onde a Consti-tuio o autoriza, o arbtrio de cada funo poltica no crculode si mesma, tem sempre o seu termo nos direitos individuais,ou coletivos, que a prpria Constituio garante. "A matria deum pleito poltica e alheia ao domnio da justia", djzPomeroy, "to-somente quando envolve a existncia dejure deum governo, ou a legalidade de medidas puramente governati-vas (purely govemmental)."249 Mas, se o ato no prende ex-clusivamente com interesses polticos, se, de envolta com es-.tes h direitos individuais, de existncia constitucional, que

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    ele atropela, a jurisdio dos tribunais ento inegvel; por-que ela, de seu natural, abrange todo o campo das questes,em que se acharem "fundamentalmente interessados o direitoe a propriedade particulares".25o Esta distino, respeitando acircunferncia privativa a cada poder nas extremas de sua dis-crio legal, no permite que essa circunferncia alongue arbi-trariamente o seu dimetro, ou se multiplique em pretensesexcntricas ao seu objeto.

    Marshall, na opinio dos jurisconsultos americanos/51deixou traada indelevelmente a linha divisria entre as duasidias, quando, em 1804, sentenciou que o capito de um na-vio de guerra, acionado pela apreenso ilegtima de bens parti-culares, era sujeito a perdas e danos pelo atentado, conquantohouvesse procedido sob as instrues diretas do presidente.Est nas atribuies do Poder Executivo armar vasos de guer-ra; est em sua competncia comission-los polcia dos ma-res territoriais, reprimindo, por meio deles, quando convenha,as infraes martimas contra interesses e leis da Unio. Mas,se sobcar de exercer nos limites de sua discreo natural essaautoridade o Poder Executivo concuIcar direitos individuais,, .a funo discricionria no pode cobrir usurpaes, que a pre-texto dela se ousarem.

    que o princpio de direito comum, muitas vezes secularentre os anglo-saxnios e transmitido pela jurisprudncia in-glesa americana, no permite que haja agravo ao direito par-ticular, sem a correlativa reparao legal. Toda injustia temseu remdio jurdico. Where there is a wrong, there isaremedy.252 "O princpio que, em sofrendo agravo uma pes-

    250 Burgess, op. cit., vol. lI, p. 362,

    251 Constitutional history of the United States in the development ofAmerican law, p. 80.

    252 Fischel, Constitution d'Angleterre, trad. Vogel, Paris, 1864,vol. I,p. 344. Bertolini, Delte garanzie delta legalit, Roma, 1890, p. 90.

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    soa, ou uma entidade coletiva, o caso d lugar a ao judicial,e h sempre reparo na lei."253

    Nem somente no regime americano que se reconheceaos tribunais a autoridade de examinar atos de outro poder, enegar-lhes aplicao, quando violem a lei, em prejuzo "de di-reitos individuais. Esta regra da prpria natureza das Consti-tuies, onde esse direito se resguardar sob garantias eficazes.A Constituio belga, por exemplo, determina (att. 92) que "ascontestaes, que tiverem por objeto direitos civis, so exclu-sivamente da alada dos tribunais". A mesma disposio con-tm-se no art. 93, em relao aos direitos polticos, "salvo",quanto a estes, "as excees estabelecidas em lei". Ora, peloart. 67 da Constituio belga, o rei "expede os regulamentos edecretos necessrios para a execuo das leis". Conquanto,nesse texto mesmo, se proba ao chefe do Estado suspender asleis, ou dispensar na execuo delas, no se pode negar a somaevidente de arbtrio, que se encerra nessa faculdade de regula-mentar os atos legislativos, e prover aos meios de sua efetuao.Quid, pois, se ocorrer contestao quanto a um decreto, ou re-gulamento, expedido pela Coroa, que se acuse de molestar di-reitos individuais? A faculdade de regular as leis uma facul-dade poltica. Mas demos que, no exerccio dessa faculdade, oPoder Executivo, intencional, ou inadvertidamente, adote pro-vidncias, que desrespeitem garantias individuais. Se os ofen-didos provocarem a ao da justia, a natureza poltica da atri-buio, em cujo nome se praticou o ato agravativo, tolhe acasoaos tribunais o exame da questo? No, responde a Constitui-o belga (art. 107): "As cortes e os tribunais no aplicaro osdecretos e regulamentos gerais, provinciais e locais, seno en-quanto conformes s leis."

    Todo direito, portanto, assegurado num texto de lei, sejaela fundamental, ou ordinria, goza da proteo dos tribunais

    253 De Chambrun, Droits et liberts aux tats Unis, 1891, p. 277.

    contra o arbtrio do Poder Executivo, ainda quando este se veri-fique no exerCcio aparente da discrio essencial eficcia desuas prerrogativas. "No pode haver a menor dvida em que",diz um sbio magistrado belga,254"o direito de assegurar a exe-cuo das leis por meio de ordenaes emanadas quer direta-mente do rei, quer dos agentes do Poder Executivo, compreendetambm o de estatuir acerca das dificuldades e contestaes, quese depararem na aplicao desses atos. H, entretanto, uma es-pcie de questes, que, em razo de sua importncia, foram reti-radas competncia da administrao. A ao administrativano tem, nem pode ter outro objeto, que no seja o interessecoletivo da sociedade: no pode tocar nos direitos individuais,que a lei afiana aos cidados; e precisamente porque na invio-labilidade dos direitos individuais consiste a primeira condiode toda ordem social, o legislador confiou a manuteno dessesdireitos ao amparo do Poder Judicirio." Essa doutrina cor-rente na jurisprudncia e na administrao belgas. "O art. 107",escreve Thonissen,255"ps termo aos debates, que se tinham sus-citado sobre a questo de saber se os tribunais podiam, em cer-tos casos, deixar de aplicar decises do Poder Executivo. Dandosoluo afirmativa a este grave problema jurdico, a Constitui-o restituiu ao Poder Judicirio todas as suas prerrogativas etoda a sua independncia." De modo que, se os tribunais nopodem abster-se de sancionar as deliberaes da administrao,"quando esta no transps o crculo de suas atribuies consti-tucionais", o mais estrito dever obriga-os a procederemopostamente, a recusarem efetividade a esses atos, "se foremilegais, e ferirem direitos civis, ou polticos, das partes" .256

    Nem entendem os tribunais belgas que, procedendo se-gundo esta regra, se adiantem pela esfera poltica, estabelecen-

    254 De Cuyper. Citado por Thonissen, n.o 384, p. 267.

    255 Op. cit., p. 330, n.o 503.256 Ibidem, p. 331, n.os 505 e 506.

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  • 118 RUI BARBOSA ATOS INCONSTITUCIONAIS 119

    do confuso entre os poderes. Pelo contrrio, a Corte de Ape-lao de Bruxelas,257invocando-a altamente como sua normade ao, declarou que "os tribunais, quando recusam aplicardecretos ilegais, do cpia de docilidade lei, seu guia absolu-to, mantendo-se assim nos limites de suas atribuies". E toimperioso lhes parece o dever dessa interveno que, nos ca-sos.duvidosos, manda a jurisprudncia, entre eles,-opinar pelacompetncia da justia. "Se o juiz se achar em presena dedvida sria, cumpre que se pronuncie pela competncia dostribunais."258

    Desses elementos podemos bem extrair concluses posi-tivas.

    Atos polticos do Congresso, ou do Executivo, na acepoem que esse qualificativo traduz exceo competncia dajus-tia, consideram-se aqueles, a respeito dos quais a lei confioua matria discrio prudencial do poder, e o exerccio delano lesa direitos constitucionais do indivduo.

    Em prejuzo destes o direito constitucional no permitearbtrio a nenhum dos poderes.

    Se o ato no daqueles que a Constituio deixou dis-crio da autoridade, ou se, ainda que o seja, contravm sgarantias individuais, o carter poltico da funo no esbulhado recurso reparador as pessoas agravadas.

    Necessrio , em terceiro lugar, que o fato, contra que sereclama, caiba realmente na funo, sob cuja autoridade seacoberta; porque esta pode ser apenas um sofisma, para dissi-mular o uso de poderes diferentes e proibidos.

    Numa palavra:

    A violao de garantias individuais, perpetrada som-bra de funes polticas, no imune ao dos tribunais.

    257 Acrdo de 26 de abril de 1834. Thonissen, p. 333, n.o 508.258 Thonissen, p. 268, n.O 385 .

    .~.

    j

    I

    A estes compete sempre verificar se a atribuio polti-ca, invocada pelo excepcionante, abrange em seus limites afaculdade exercida. 259

    259 Nota do Atualizador: no h que se discutir a natureza ~o ato prati-cado pelo poder, se poltico ou no; mas as suas conseqncias sobre osdireitos e garantias constitucionais, por exemplo.

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