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1 ANEXO A ESTUDO QUALITATIVO GUIÃO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DE PROFUNDIDADE Questionário de Dados Sócio-Demográficos Nome (Iniciais)______ Género F M Idade____ Anos Anos de Profissão_____ Questões MOTIVAÇÃO PARA A PROFISSÃO: 1. Que motivos o levaram a escolher ser actor/actriz? 2. Que motivos o fazem persistir na sua escolha? 3. Que motivos o fariam desistir da sua profissão? FORMAÇÃO DO ACTOR: 4. Quem é o actor/actriz? 5. Quem é a personagem? 6. Quem é que representa: o actor/actriz, a personagem ou ambos? 7. Tirou algum curso da arte de representar ou é auto-didacta? 8. Quando representa segue algum método ou teoria? ESTRATÉGIAS DE AUTO-REGULAÇÃO EMOCIONAL: 9. Como constrói a sua personagem? (ex. de dentro para fora: visualizando, evocando memórias; ou de fora para dentro: o conteúdo do texto evoca a emoção, recorrendo a técnicas para provocar a emoção?) 10. Prefere representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas (ex. tristeza, raiva); ou positivas (ex. alegria, amor)? 11. Como transmite à personagem vivências emocionais nunca sentidas ou experienciadas por si enquanto actor/actriz? 12. Já lhe aconteceu transferir para a sua vida real um sentimento ou emoção vivida na ficção? Se sim, qual? 13. Quando se liberta da sua personagem? (ex. liberta-se dela quando acaba de a representar, vai- se libertando ou leva-a para casa e vive com ela?) 14. As emoções que a personagem vive "passam" para si, isto é, o actor apropria-se das emoções sentidas pela personagem? Se sim, o que faz para se libertar delas? 15. O seu estado de espírito influencia a forma como representa? Se sim, o que faz para se libertar? 16. Onde é que acaba o actor e começa a personagem? 17. Tem algum ritual antes de entrar em cena ou em plateau? Se sim, qual e por que o faz?

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1

ANEXO A

ESTUDO QUALITATIVO

GUIÃO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DE PROFUNDIDADE

Questionário de Dados Sócio-Demográficos

Nome (Iniciais)______

Género F M

Idade____ Anos

Anos de Profissão_____

Questões

MOTIVAÇÃO PARA A PROFISSÃO:

1. Que motivos o levaram a escolher ser actor/actriz?

2. Que motivos o fazem persistir na sua escolha?

3. Que motivos o fariam desistir da sua profissão?

FORMAÇÃO DO ACTOR:

4. Quem é o actor/actriz?

5. Quem é a personagem?

6. Quem é que representa: o actor/actriz, a personagem ou ambos?

7. Tirou algum curso da arte de representar ou é auto-didacta?

8. Quando representa segue algum método ou teoria?

ESTRATÉGIAS DE AUTO-REGULAÇÃO EMOCIONAL:

9.

Como constrói a sua personagem? (ex. de dentro para fora: visualizando, evocando memórias;

ou de fora para dentro: o conteúdo do texto evoca a emoção, recorrendo a técnicas para

provocar a emoção?)

10. Prefere representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas (ex. tristeza,

raiva); ou positivas (ex. alegria, amor)?

11. Como transmite à personagem vivências emocionais nunca sentidas ou experienciadas por si

enquanto actor/actriz?

12. Já lhe aconteceu transferir para a sua vida real um sentimento ou emoção vivida na ficção? Se

sim, qual?

13. Quando se liberta da sua personagem? (ex. liberta-se dela quando acaba de a representar, vai-

se libertando ou leva-a para casa e vive com ela?)

14. As emoções que a personagem vive "passam" para si, isto é, o actor apropria-se das emoções

sentidas pela personagem? Se sim, o que faz para se libertar delas?

15. O seu estado de espírito influencia a forma como representa? Se sim, o que faz para se

libertar?

16. Onde é que acaba o actor e começa a personagem?

17. Tem algum ritual antes de entrar em cena ou em plateau? Se sim, qual e por que o faz?

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2

Muito Obrigada pela sua participação.

Questões (Continuação)

SATISFAÇÃO COM A PROFISSÃO:

18. Prefere fazer teatro, televisão ou cinema? Por quê?

19. O que sente quando vê o seu trabalho? Quando não gosta, o que faz?

20. Como lida com o reconhecimento público?

21. Que significado tem para si os aplausos?

22. Gosta de ser actor/actriz?

23. O que sente por poder viver “várias vidas” (ex. esvazia-o, preenche-o)?

24. Ser actor/actriz facilita ou dificulta o seu dia-a-dia?

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ESTUDO QUANTITATIVO

PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO DA AMOSTRA DE ACTORES

Esta investigação insere-se no âmbito do Doutoramento Inter-Universitário em

Psicologia, especialidade em Psicologia da Educação. Pretende estudar as estratégias de

auto-regulação emocional utilizadas pelos actores (profissionais e amadores) e

estudantes de teatro na vida pessoal, bem como a sua satisfação com a vida.

A sua participação neste estudo consiste no preenchimento de três questionários

de auto-resposta. A informação obtida será tratada de forma confidencial e anónima,

com os dados a serem utilizados, unicamente, para fins de investigação. Por favor,

certifique-se que responde a todas as questões da forma indicada nas instruções.

Questionário de Dados Sócio-Demográficos

Género F M Idade___Anos

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Actor/Actriz Profissional Actor/Actriz Amador(a) Há quantos anos?____

Habilitações Académicas________________ Artísticas________________________________

Trabalha maioritariamente em Teatro Cinema Televisão

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Estudante de Teatro Ano de Escolaridade____

Curso Técnico-Profissional Licenciatura Mestrado Doutoramento

Outros Cursos

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Actualmente tem uma relação amorosa estável? Sim Não

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Já teve acompanhamento psicológico? Sim Não

Durante quanto tempo? Até 1 ano Entre 1 a 3 anos Mais de 3 anos

Por que motivo?______________________________________________________________

ANEXO B

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Berkeley Expressivity Questionnaire (BEQ)

(Gross & John, 1995)

(Tradução e Adaptação: Pinto Gouveia & Dinis, 2006)

Instruções: Para cada uma das seguintes afirmações, por favor, indique a sua

concordância ou discordância. Para fazê-lo escolha o número da escala que corresponde

à sua resposta e escreva- o no espaço em branco que se encontra, imediatamente, depois

de cada afirmação.

1. Sempre que eu sinto emoções positivas, as pessoas facilmente vêem o que estou

exactamente a sentir.

2. Por vezes choro, quando vejo filmes tristes.

3. Frequentemente, os outros não sabem o que eu estou a sentir.

4. Rio alto quando alguém me conta uma anedota que eu acho divertida.

5. É difícil para mim esconder o meu medo.

6. Quando me sinto feliz, os meus sentimentos revelam-se.

7. O meu corpo reage fortemente a situações emocionais.

8. Aprendi que é melhor suprimir a minha raiva, do que demonstrá-la.

9. Por mais nervoso(a) ou incomodado(a) que eu esteja, tendo em manter a calma

exterior.

10. Sou uma pessoa emocionalmente expressiva.

11. Tenho emoções fortes.

12. Por vezes sou incapaz de esconder os meus sentimentos, no entanto gostaria de o

fazer.

13. Sempre que sinto emoções negativas, as pessoas facilmente vêem o que estou

exatamente a sentir.

14. Já houve momentos em que não fui capaz de parar de chorar mesmo que o tentasse.

15. Experimento (vivencio) muito fortemente as minhas emoções.

16. O que eu sinto está espelhado na minha cara.

1 2 3 4 5 6 7

Discordo

Fortemente

Discordo

Bastante

Discordo

Um Pouco

Não

Concordo

Nem

Discordo

Concordo

Um Pouco

Concordo

Bastante

Concordo

Fortemente

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2

Emotion Regulation Questionnaire (ERQ)

(Gross & John, 2003)

(Tradução e Adaptação: Machado Vaz & Martins, 2008)

Instruções: Gostaríamos de lhe colocar algumas questões acerca da sua vida emocional,

em particular como controla (isto é, como regula e gere) as suas emoções. As questões

abaixo envolvem duas componentes distintas da sua vida emocional. Uma é a sua

experiência emocional, isto é, a forma como se sente. A outra componente é a expressão

emocional, ou seja, a forma como demonstra as suas emoções na forma como fala, faz

determinados gestos ou actua. Apesar de algumas afirmações poderem parecer

semelhantes, diferem em importantes aspectos. Para cada item, por favor, responda

utilizando a seguinte escala (de 1 a 7):

1 2 3 4 5 6 7

Discordo

Totalmente

Não Concordo

Nem Discordo

Concordo

Totalmente

1. Quando quero sentir mais emoções positivas (como alegria ou contentamento),

mudo o que estou a pensar.

2. Guardo as minhas emoções para mim próprio(a).

3. Quando quero sentir menos emoções negativas (como tristeza ou raiva), mudo o

que estou a pensar.

4. Quando estou a sentir emoções positivas, tenho cuidado para não as expressar.

5. Quando estou perante uma situação stressante, forço-me a pensar sobre essa mesma

situação, de uma forma que me ajude a ficar calmo(a).

6. Eu controlo as minhas emoções não as expressando.

7. Quando quero sentir mais emoções positivas, eu mudo a forma como estou a

pensar acerca da situação.

8. Eu controlo as minhas emoções modificando a forma de pensar acerca da situação

em que me encontro.

9. Quando estou a experienciar emoções negativas, faço tudo para não as expressar.

10. Quando quero sentir menos emoções negativas, mudo a forma como estou a pensar

acerca da situação.

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3

Satisfaction With Life Scale (SWLS)

(Diener, Emmons, Larsen, & Griffin, 1985)

(Tradução e Adaptação: Neto, Barros, & Barros, 1990)

Instruções: Encontra a seguir cinco afirmações com as quais pode concordar ou discordar.

Utilizando a escala abaixo indicada, por favor, refira o seu grau de acordo com cada

frase, colocando o número apropriado no espaço em branco que se encontra,

imediatamente, depois de cada afirmação. Procure ser sincero(a) nas respostas que vai

dar.

1 2 3 4 5 6 7

Totalmente

em

Desacordo

Em

Desacordo

Mais ou

Menos em

Desacordo

Nem de

Acordo nem

em

Desacordo

Mais ou Menos

de Acordo De Acordo

Totalmente

de Acordo

Muito obrigada pela sua participação.

1. Em muitos aspectos, a minha vida aproxima-se dos meus ideais.

2. As minhas condições de vida são excelentes.

3. Estou satisfeito(a) com a minha vida.

4. Até agora, consegui obter aquilo que era importante na vida.

5. Se pudesse viver a minha vida de novo, não alteraria praticamente nada.

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ESTUDO QUANTITATIVO

PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO DA AMOSTRA DE ADVOGADOS

Esta investigação insere-se no âmbito do Doutoramento Inter-Universitário em

Psicologia, especialidade em Psicologia da Educação. Pretende estudar as estratégias de

auto-regulação emocional utilizadas pelos actores (profissionais e amadores) e

estudantes de teatro na vida pessoal, bem como a sua satisfação com a vida, em

comparação com um grupo de referência composto por advogados e estudantes de

Direito.

A sua participação neste estudo consiste no preenchimento de três questionários

de auto-resposta. A informação obtida será tratada de forma confidencial e anónima,

com os dados a serem utilizados, unicamente, para fins de investigação. Por favor,

certifique-se que responde a todas as questões da forma indicada nas instruções.

Questionário de Dados Sócio-Demográficos

Género F M Idade______ Distrito____________________________________

Advogado(a) Há quantos anos?_______ Estudante de Direito 1

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Caso responda “Advogado(a)”, indicar por favor:

Habilitações Académicas___________________________________________________________

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Caso responda “Estudante de Direito”, indicar por favor:

Ano____ Licenciatura Mestrado Doutoramento

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Actualmente tem uma relação amorosa estável? Sim Não

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Já teve acompanhamento psicológico? Sim Não

Durante quanto tempo? Até 1 ano Entre 1 a 3 anos Mais de 3 anos

Por que motivo?________________________________________________________________

1 Caso seja advogado(a) e, também, se encontre a estudar preencha, por favor, os dois quadrados (advogado(a) e estudante), o ano curricular em que se encontra e o grau (Licenciatura, Mestrado ou Doutoramento). Caso seja

advogado(a) estagiário(a), por favor identifique-se como tal. Muito Obrigada.

ANEXO C

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1

Berkeley Expressivity Questionnaire (BEQ)

(Gross & John, 1995)

(Tradução e Adaptação: Pinto Gouveia & Dinis, 2006)

Instruções: Para cada uma das seguintes afirmações, por favor, indique a sua

concordância ou discordância. Para fazê-lo escolha o número da escala que corresponde

à sua resposta e escreva-o no espaço em branco que se encontra, imediatamente, depois

de cada afirmação.

1. Sempre que eu sinto emoções positivas, as pessoas facilmente vêem o que estou

exactamente a sentir.

2. Por vezes choro, quando vejo filmes tristes.

3. Frequentemente, os outros não sabem o que eu estou a sentir.

4. Rio alto quando alguém me conta uma anedota que eu acho divertida.

5. É difícil para mim esconder o meu medo.

6. Quando me sinto feliz, os meus sentimentos revelam-se.

7. O meu corpo reage fortemente a situações emocionais.

8. Aprendi que é melhor suprimir a minha raiva, do que demonstrá-la.

9. Por mais nervoso(a) ou incomodado(a) que eu esteja, tendo em manter a calma

exterior.

10. Sou uma pessoa emocionalmente expressiva.

11. Tenho emoções fortes.

12. Por vezes sou incapaz de esconder os meus sentimentos, no entanto gostaria de o

fazer.

13. Sempre que sinto emoções negativas, as pessoas facilmente vêem o que estou

exatamente a sentir.

14. Já houve momentos em que não fui capaz de parar de chorar mesmo que o tentasse.

15. Experimento (vivencio) muito fortemente as minhas emoções.

16. O que eu sinto está espelhado na minha cara.

1 2 3 4 5 6 7

Discordo

Fortemente

Discordo

Bastante

Discordo

Um Pouco

Não

Concordo

Nem

Discordo

Concordo

Um Pouco

Concordo

Bastante

Concordo

Fortemente

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2

Emotion Regulation Questionnaire (ERQ)

(Gross & John, 2003)

(Tradução e Adaptação: Machado Vaz & Martins, 2008)

Instruções: Gostaríamos de lhe colocar algumas questões acerca da sua vida emocional,

em particular como controla (isto é, como regula e gere) as suas emoções. As questões

abaixo envolvem duas componentes distintas da sua vida emocional. Uma é a sua

experiência emocional, isto é, a forma como se sente. A outra componente é a expressão

emocional, ou seja, a forma como demonstra as suas emoções na forma como fala, faz

determinados gestos ou actua. Apesar de algumas afirmações poderem parecer

semelhantes, diferem em importantes aspectos. Para cada item, por favor, responda

utilizando a seguinte escala (de 1 a 7):

1 2 3 4 5 6 7

Discordo

Totalmente

Não Concordo

Nem Discordo

Concordo

Totalmente

1. Quando quero sentir mais emoções positivas (como alegria ou contentamento),

mudo o que estou a pensar.

2. Guardo as minhas emoções para mim próprio(a).

3. Quando quero sentir menos emoções negativas (como tristeza ou raiva), mudo o

que estou a pensar.

4. Quando estou a sentir emoções positivas, tenho cuidado para não as expressar.

5. Quando estou perante uma situação stressante, forço-me a pensar sobre essa mesma

situação, de uma forma que me ajude a ficar calmo(a).

6. Eu controlo as minhas emoções não as expressando.

7. Quando quero sentir mais emoções positivas, eu mudo a forma como estou a

pensar acerca da situação.

8. Eu controlo as minhas emoções modificando a forma de pensar acerca da situação

em que me encontro.

9. Quando estou a experienciar emoções negativas, faço tudo para não as expressar.

10. Quando quero sentir menos emoções negativas, mudo a forma como estou a pensar

acerca da situação.

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3

Satisfaction With Life Scale (SWLS)

(Diener, Emmons, Larsen, & Griffin, 1985)

(Tradução e Adaptação: Neto, Barros, & Barros, 1990)

Instruções: Encontra a seguir cinco afirmações com as quais pode concordar ou

discordar. Utilizando a escala abaixo indicada, por favor, refira o seu grau de acordo

com cada frase, colocando o número apropriado no espaço em branco que se encontra,

imediatamente, depois de cada afirmação. Procure ser sincero(a) nas respostas que vai

dar.

1 2 3 4 5 6 7

Totalmente

em

Desacordo

Em

Desacordo

Mais ou

Menos em

Desacordo

Nem de

Acordo nem

em

Desacordo

Mais ou Menos

de Acordo De Acordo

Totalmente

de Acordo

Muito obrigada pela sua participação.

1. Em muitos aspectos, a minha vida aproxima-se dos meus ideais.

2. As minhas condições de vida são excelentes.

3. Estou satisfeito(a) com a minha vida.

4. Até agora, consegui obter aquilo que era importante na vida.

5. Se pudesse viver a minha vida de novo, não alteraria praticamente nada.

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ANEXO D

ESTUDO QUANTITATIVO

QUESTIONÁRIO DE ESTRATÉGIAS DE AUTO-REGULAÇÃO EMOCIONAL

(QEARE, Andrino, 2012)

Instruções: Por favor, leia cuidadosamente cada afirmação. Utilizando a escala que se

apresenta, coloque o número que melhor indica a frequência com que sente ou faz o que está indicado na frase na construção, representação e desconstrução da personagem.

1 2 3 4 5 6 7

Nunca Raramente Poucas Vezes Às Vezes Muitas Vezes Quase Sempre Sempre

1. É bom sentir que ao representar provoco reacções emocionais nos outros.

2. Para representar não preciso de me envolver emocionalmente.

3. Ver filmes é fundamental para mim.

4. Os aplausos são gratificantes.

5. O encenador e as suas directrizes são cruciais.

6. Não preciso de tempo/espaço para me libertar da personagem.

7. Ler várias vezes o texto é indispensável.

8. Ter o texto decorado ajuda-me muito.

9. Não represento instintivamente.

10. A reacção do público, enquanto represento, é muito importante.

11. Recorro a imagens para a construção da personagem.

12. Tenho jeito para fazer de conta.

13. As emoções da personagem apoderam-se de mim.

14. Observo tudo o que possa contribuir para representar a personagem.

15. O meu estado de espírito influencia a forma como represento.

16. Não encaro como essencial assistir a peças de teatro.

17. A minha experiência profissional é uma mais-valia.

18. Não tenho por hábito recorrer a memórias afectivas.

19. Não considero o valor e sentido das palavras do texto fundamentais.

20. Faço sempre algo para entrar na personagem.

21. O curso de teatro que tirei não é importante.

22. Controlo as minhas emoções para não interferir com a representação.

23. Não valorizo o reconhecimento público.

24. Investigo várias fontes para construir a personagem.

25. Faço sempre a mesma coisa antes de entrar em cena.

26. Aprendo com as personagens que faço.

27. Considero os ensaios determinantes.

28. Tenho facilidade em imitar.

29. Crio mentalmente a personagem.

30. Tenho o hábito de fazer algo sempre que saio de cena.

31. Não visualizo a personagem.

32. Para mim, o texto é determinante.

33. Não valorizo a contracena.

34. Aprendo com os colegas com quem represento.

35. A energia e o olhar do colega, com quem estou a contracenar, ajudam-me.

36. Construo a personagem de forma intuitiva.

37. Liberto-me da personagem assim que acabo de a representar.

38. Quando represento esqueço-me das minhas próprias emoções.

39. Sigo um método de representação.

Se segue algum método, por favor, indique qual___________________________

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1

ANEXO E

ESTUDO QUANTITATIVO

PEDIDOS DE AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS

AOS AUTORES ORIGINAIS

Berkeley Expressivity Questionnaire (BEQ; Gross & John, 1995) e Emotion

Regulation Questionnaire (ERQ; Gross & John, 2003)

Subject: Permission; Date: Mon, 30 Jan 2012 17:04:23

From: [email protected]; To: [email protected]

Dear Gross,

My name is Patrícia Januário and I finished the Master in Psychology of Faculty

of Psychology and Educational Sciences at the University of Coimbra. Right now I am

conducting a work placement in private practice of Dr. Carla Andrino (Clinical

Psychologist) and in this context I am collaborating on a research developed in the

context of her Inter-University PhD (Institute of Applied Psychology). The research

builds on the assessment of which strategies of emotional regulation are used by

professional actors and students of theatre. To make this assessment we would like to

use "Berkeley Expressivity Questionnaire" (BEQ; Gross & John, 1995) and "Emotion

Regulation Questionnaire" (ERQ; Gross & John, 2003). To this propose, we want to

know how we could get permission to make use of this questionnaire in our

investigation. Thank you very much! We appreciate a lot the willingness to cooperate

with us in conducting this research and we are also available for any clarification.

We look forward to a reply from you. Yours sincerely,

Best regards,

Patrícia Januário

Subject: Re: Permission; Date: Mon, 30 Jan 2012 09:14:21

From: [email protected]; To: [email protected]

You'd be welcome to use these measures.

Best, James

James J. Gross, Ph.D.; Department of Psychology

Stanford University, Stanford, CA 94305-2130

Tel: (650) 723-1281; Fax: (650) 725-5699; Email: [email protected]

Stanford Psychophysiology Laboratory: http://spl.stanford.edu

Emotion Regulation Questionnaire (Machado Vaz & Martins, 2008)

1Os pedidos de autorização foram feitos pela Dr.ª Patrícia Januário, colaboradora nesta investigação no âmbito do

estágio profissional da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

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2

Subject: Autorização Questionário; Date: Mon, 30 Jan 2012 17:01:22

From: [email protected]; To: [email protected]

Boa tarde Drª Filipa,

O meu nome é Patrícia Januário, terminei o Mestrado Integrado em Psicologia

da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra em

Setembro de 2011. Estou, neste momento, a colaborar no Doutoramento Inter-

Universitário da Drª Carla Andrino (Instituto de Psicologia Aplicada, Lisboa). A

investigação é sobre "Estratégias de auto-regulação emocional em actores profissionais

e estudantes de teatro" e pretendíamos que o protocolo de avaliação incluísse, entre

outros, o Emotion Regulation Questionnaire de Gross e John (2003), adaptado e aferido

pela Drª Filipa no âmbito da sua tese em 2008. Caso seja possível, gostaríamos de obter

a sua autorização para a utilização do mesmo. Muito obrigada. Subscrevo-me

atentamente.

Com os melhores cumprimentos,

Patrícia Januário

Subject: Re: Autorização Questionário; Date: Sat, 3 Mar 2012 22:31:06

From: [email protected]; To: [email protected]

Cara Dr.ª Patrícia Januário:

Antes de mais, gostaria de pedir desculpa pela demora da minha resposta e dar

os parabéns pelo tema da investigação que é de facto do maior interesse. Sim, dou

autorização para a utilização do questionário. Gostaria de ter conhecimento dos

resultados para enviar um email posteriormente ao autor do instrumento original.

Com os meus melhores cumprimentos,

Filipa Machado Vaz

Satisfaction With Life Scale (SWLS; Diener, Emmons, Larsen & Griffin, 1985)

A autorização consta do site: http://s.psych.uiuc.edu/~ediener/SWLS.html e encontra-se

abaixo:

Permission to Use: The scale is in the public domain (not copyrighted) and

therefore you are free to use it without permission or charge by all professionals

(researchers and practitioners) as long as you give credit to the authors of the scale: Ed

Diener, Robert A. Emmons, Randy J. Larsen and Sharon Griffin as noted in the 1985

article in the Journal of Personality Assessment.

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ANEXO F

ESTUDO QUANTITATIVO

PEDIDOS DE AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS

AOS RESPONSÁVEIS PELAS VALIDAÇÕES E ADAPTAÇÕES

PORTUGUESAS

Berkeley Expressivity Questionnaire (Pinto Gouveia & Dinis, 2006)

Subject: Autorização Questionário; Date: Mon, 30 Jan 2012 16:47:32

From: [email protected]; To: [email protected]

Boa tarde Professor,

O meu nome é Patrícia Januário, fui sua aluna na FPCE e terminei o Mestrado

Integrado em Psicologia em Setembro de 2011. Estou, neste momento, a colaborar no

Doutoramento Inter-Universitário da Dr.ª Carla Andrino (ISPA). A investigação é sobre

"Estratégias de auto-regulação emocional em actores profissionais e estudantes de

teatro" e pretendíamos que o protocolo de avaliação incluísse, entre outros, o Berkeley

Expressivity Questionnaire (BEQ) de Gross e John (1995), adaptado e aferido pelo

Professor e pela Dr.ª Alexandra Dinis, em 2006. Caso seja possível, gostaríamos de

obter a sua autorização para a utilização do mesmo. Muito obrigada.

Subscrevo-me atentamente.

Com os melhores cumprimentos,

Patrícia Januário

Subject: Re: Autorização Questionário; Date: Tue, 31 Jan 2012 20:00:30

From: [email protected]; To: [email protected]

Cara Patrícia,

Tenho muito gosto em que utilizes o BEQ na tua investigação, pelo que estás

autorizada para o usar.

1 Os pedidos de autorização foram feitos pela Dr.ª Patrícia Januário, colaboradora nesta investigação no âmbito do

estágio profissional da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

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The Satisfaction With Life Scale (Neto, Barros, & Barros, 1990)

Subject: Autorização Questionário; Date: Fri, 3 Feb 2012 17:44:47

From: [email protected]; To: [email protected]; [email protected]

Boa tarde,

O meu nome é Patrícia Januário, terminei o Mestrado Integrado em Psicologia

da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra em

Setembro de 2011. Estou, neste momento, a colaborar no Doutoramento Inter-

Universitário da Dr.ª Carla Andrino (Instituto de Psicologia Aplicada, Lisboa),

orientada pela Doutora Isabel de Sá. A investigação é sobre "Estratégias de auto-

regulação emocional em actores profissionais e estudantes de teatro" e pretendíamos

que o protocolo de avaliação incluísse, entre outros, a Escala de Satisfação com a Vida

(SWLS) adaptada e aferida por Neto, Barros, & Barros, 1990. Caso seja possível,

gostaríamos de obter a sua autorização para a utilização do mesmo. De referir que já

verifiquei na página pessoal do autor a referida autorização. Muito obrigada.

Subscrevo-me atentamente.

Com os melhores cumprimentos,

Patrícia Januário

Subject: Re: ; Date: Wed, 10 Jul 2013 14:29:06

From: [email protected]; To: [email protected]

Boa tarde. Nada a opor quanta à utilização da referida escala na vossa investigação.

Com os melhores cumprimentos,

Félix Neto

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ANEXO G

ESTUDO QUANTITATIVO

EMAIL ENVIADO PARA AMOSTRA DE ADVOGADOS

Boa tarde,

O meu nome é Carla Andrino, sou actriz e psicóloga clínica. Estou a

desenvolver o meu Doutoramento na Faculdade de Psicologia da Universidade de

Lisboa, orientado pela Doutora Isabel de Sá, com o tema: "Estratégias de Auto-

Regulação Emocional e Satisfação com a Vida em Actores".

Para além da amostra acima indicada, gostaria de incluir um grupo de referência

constituído por 200 advogados e estudantes de Direito.

É neste sentido que o contacto (email obtido através do site da Ordem dos

Advogados), solicitando a sua colaboração para o preenchimento de

um curto questionário (3 pp., cerca de 10 minutos), que segue em anexo.

Agradeço, desde já, a atenção dispensada. Para mais informações sobre o estudo

cf. 1.ª pág. do Protocolo de Avaliação.

Aguardo resposta da sua parte, com a maior brevidade possível. Muito

Obrigada.

Com os melhores cumprimentos,

Carla Andrino

Professional Actress/Clinical Psychologist

PhD Candidate | FP-UL | Faculdade de Psicologia de Lisboa

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ENTREVISTA

Data: Janeiro de 2010; Nome: caso A (doravante denominado apenas por A); Género:

Masculino; Idade: 83 anos; Anos de Profissão: 63 anos.

Nota: Para manter o anonimato os nomes próprios, das peças de teatro e dos programas de televisão (séries ou

novelas) foram substituídos pelas iniciais.

Com mais cinco de Conservatório e mais aquelas vezes que eu fiz como amador.

Trabalhei com o S na Casa de Itália. Isso no total dá? 68 anos, mais ou menos. Estreei-

me na Covilhã com 8 anos e comecei a fazer outra vez teatro com 15. Estreei-me com o

R, a dirigir já o Teatro da MP, numa peça de LFR e com música do BS, uma coisa

chamada JNC. Nessa altura já entrava o CC comigo também, éramos colegas de curso

do Conservatório.

1 - No início, que motivos o levaram a escolher ser actor? O viver muito com

actores, minha filha. Eu tinha dois irmãos actores: tive uma irmã, a MC, que era actriz,

não sei se a menina Andrino ainda conheceu a minha mana que trabalhou muito tempo

com os parodiantes, que fazia aquelas velhotas e tal; e o meu irmão J, que morreu

quando eu tinha 4 anos. Eram actores, os dois, filhos do primeiro casamento da minha

mãe, que era viúva quando casou com o meu pai. Sou filho único de um casal de

viúvos. E eu tinha irmãos dos dois lados: irmãos do lado da minha mãe e irmãos do lado

do meu pai. Os do lado da minha mãe eram actores. A minha mãe era pianista. A minha

mãe, depois, acompanhava a minha irmã ao teatro, que ela trabalhava no Teatro

Nacional, e o meu pai conheceu-a lá. O meu pai também era um apaixonado pelos

actores, era militar mas tinha uma paixão muito grande pelas pessoas do teatro e da

música e disso tudo. E conheceram-se e casaram. Eu nasci de uma mãe de 43 anos e de

um pai de 46. E nessa altura comecei a lidar com a gente do teatro, quer dizer, muitos

deles conheceram-me na barriga da minha mãe: o AP, a II, o AS a Dona J, toda essa

gente me conheceu quando eu era pequenino. E outros, que já partiram, o VS, o JV,

também me conheceram mas mais crescido. Eu fui a África com o VS em 1955, uma

tournée a África que durou um ano. Ele ia ficando podre de rico (risos)! Eu tinha muita

facilidade em ir ao palco, conhecer as pessoas do teatro mas não sabia se tinha jeitinho e

um dia experimentei, na Covilhã. O meu pai como era militar foi colocado na Covilhã, e

numa festa de caridade em que a minha mãe era a pessoa que acompanhava os meninos

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a cantar e aquela coisa toda, lembraram-se de me perguntar se eu queria entrar, e eu

entrei. Fiz uma “rabulazinha”, entrava a apregoar um jornal e saia na história da

carochinha. Fazia o mosquito, pronto. Aí foi a minha estreia. Sete anos depois, quando

voltei para cá, fui ao enterro da grande AA com a minha mãe e estava lá a Senhora

Dona ARC, ela olhou para mim e para o meu irmão, quer dizer, viu que eu era parecido

com o meu irmão J, e então perguntou-me se eu não queria ir para o teatro. E nessa

altura tive para me estrear com a MB, numa peça no Teatro Nacional. Esse meu irmão J

foi galã da companhia da Senhora Dona ARC. Morreu no palco, praticamente, porque

lhe arrebentou o apêndice em cena. Ele tinha apendicite crónica e ela tinha mandado

dizer: “Oh J tenho uma matinée clássica tens que vir”. E ele levantou-se, estava ainda

com o apêndice muito inflamado e rebentou-lhe em cena. Fez a peça até ao fim, chegou

ao fim verde. Na altura em que isso se passa, foi há 79 anos, não havia penicilina e não

o conseguiram salvar. O meu irmão morreu e a Dona ARC fechou o teatro três dias.

Tinha 22 anos quando morreu. Então sete anos depois de ter feito o mosquito… Sete

anos depois de ter feito o mosquito fui para o Teatro da MP com o R, por causa da

Senhora Dona ARC. Porque, depois, eu era para entrar no Teatro Nacional mas o SD

não me deixou sem eu tirar o Curso do Conservatório: “Não, ele vai tirar o curso e não

se estreia agora”. (7) E tirou o curso? E tirei o Curso do Conservatório. Tenho o

Curso do Conservatório.

2 - Neste momento, que motivos o fazem persistir em ser actor? Porque é que sou

actor? Em Portugal não se tem uma grande explicação para se ser actor porque há

poucos sítios para a gente trabalhar, não é? Sobretudo o teatro. Hoje já há a televisão

que nos vai apoiando, que nos vai amparando… Mas que tipo de motivações o faz

persistir? Que motivação é que eu tenho? Tenho um medo horrível daquilo que vou

fazer, nunca estou contente. Tenho várias motivações para me obrigarem a ir para o

palco. Depois, depois chego lá e tenho um “clique” que me faz entrar em cena e fazer

coisas que eu nem pensava que era capaz de fazer. Há coisas que me faltam quando eu

estou a ensaiar, por exemplo. Eu não sou um actor de ensaio, sou muito de ensaio mas é

de estudo: gosto de falhar, gosto de me enganar, gosto de errar, não gosto de estar a

fazer tudo certinho. Gosto que me ajudem, oiço quem me ajuda, os que sabem, os que

não sabem não gosto, não me interessa nada que me ajudem porque não sabem ensinar.

Mas aqueles que sabem oiço e sempre ouvi. Mas persiste pelo medo? Parece que é por

medo. Mas o medo vence-se, minha querida. O medo é o contrário da coragem.

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E tem medo de quê, então? De errar, da falta de modéstia. E como tem medo de

errar é actor? Exactamente, como tenho medo de errar na profissão que escolhi, tenho

medo de me enganar. Mas como consigo vencer… Mas quando volto atrás continuo a

ter medo. Nunca estou satisfeito e a minha filha sabe que é verdade, e a minha mulher

ainda sabia melhor que ela. Eu nunca acho que vou conseguir determinado trabalho,

nunca estou satisfeito, sou um crítico horrível, não gosto de ver nada quando acaba…

(19) Não gosta de se ver? Não, só gosto de me ver passado muito tempo, quando já não

sei que fiz asneiras, que o texto foi todo dito, que realmente as inflexões estavam certas,

a parte técnica do nosso trabalho, não é verdade? Não é bem medo, é um respeito

enorme por aquilo que… Mas esse medo termina em respeito, é um respeito que nós

temos. Quando temos medo é porque temos medo do nosso contrário, não é verdade? É

isso, o medo dá isso. E depois dá actos de valentia. O que é que a menina sentiu quando

foi dançar? Um medo terrível. Dançando tão bem, também tinha medo? Tinha medo,

tinha. Pois é, medo. Medo de falhar embora me dissessem que dançava muito bem.

Também a mim me dizem que sou um grande actor e eu acho que não sou. Mas é uma

angústia… É uma angústia terrível porque nós estamos a pensar que não somos

capazes… Mas isso não poderia levá-lo a desistir? Não, não sou homem para desistir

de coisa nenhuma. Isso é o grande problema de alguns colegas que quando começam a

não ter qualidade no trabalho que fazem, desistem. Não é desistir da profissão, não é

desistir da profissão. Vão desistindo de eles próprios? Exactamente desistem deles.

Nós não devemos nunca desistir de avançar. A perfeição não existe mas, atenção, é

sempre o melhor e o melhor serviço. Nós fazemos um serviço público, não é verdade?

De qualidade, que é a arte de representar, e daí as outras artes que a menina também

toca nelas. Se calhar também sabe música? Mais por ser casada com um músico. Eu

também devia saber solfejo mas não sei. A minha mãe também me disse que se não

aprendesse solfejo não aprendia a tocar piano. Mas eu nunca quis aprender solfejo e

nunca aprendi a tocar piano. E tenho uma pena horrível. E foi uma grande falta de

respeito.

3 - Se é um homem que não desiste que motivos o fariam desistir? Eu digo por

brincadeira que sou um actor de bengala, minha filha, só desisto quando morrer. Aí já

desisti, já não tenho capacidade para… Ou seja, não desiste da profissão, deixa de

existir. Exactamente. E acho que a minha profissão serve para outras coisas, o trabalho

que faço agora, muito contacto com pessoas, com idosos, com as pessoas conhecerem-

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me… Eu ontem levei mais beijos que não sei o quê, minha querida. Fiquei todo

besuntado (risos)! Então, foi fazer o quê? Fui relembrar uma coisa que eu há dez anos

lancei que é uma coisa que se chama hoje… É uma coisa de protecção à velhice, e aos

jovens, e no fundo uma protecção social, de uma certa maneira é o acompanhamento da

sociedade, daqueles que são menos fortes, mais pobres de espírito ou materialmente. Os

de espírito também precisam de...como é que se chama aquilo? Segunda, é qualquer

coisa segunda. Não tenho Alzheimer mas de vez em quando esqueço-me das coisas. Mas

foi um dia… Gratificante. Gratificante, porque foi uma ideia que eu dei há 10 anos,

eles puseram-na em movimento e hoje é uma realidade, uma grande realidade. Quer

dizer, tem muita gente, tem os idosos a colaborar, tem os jovens a colaborar, a

população toda de Vila da Feira envolvida nisso. Eles disseram-me isso que eu não

sabia, só soube ontem. E a vida começou a ter outro sentido.

4 - Quem é o actor? É uma pessoa que foi dotada de um bem sublime que é saber

representar, e ter arte para isso, ou para saber ser músico, ou para saber ser bailarino, ou

para saber ser escritor, ou pintor. Enfim, aquele que cultiva as artes e até mesmo as

profissões mais simples. Há pessoas que bordam maravilhosamente, também é uma

arte, também é um dom, é um dom maravilhoso. Os músicos que compõem são todos

maravilhosos, os actores que têm facilidade em improvisar. É um dom? É um dom.

5 - Quem é a personagem? A personagem pretende ser sempre a mais honesta

possível, a mais servidora dos seus semelhantes possível, não é verdade? Gosta de saber

que o seu trabalho é recompensado. Gosto, gosto das palmas, gosto das palmas. É

realmente a nossa grande recompensa, são as palmas que nos dão. (21) Têm muito

significado para si os aplausos? Têm porque quando são sinceros e não são pagos pela

claque obrigam-nos ou a crescer ou a diminuir quando é patiada1. Há duas formas de

aplausos, a patiada e o aplauso com palmas. Os dois são úteis: a patiada ajuda-nos a ter

mais juízo no trabalho que fazemos, a ter uma procura mais intensa, estudar melhor as

coisas que fazemos, as personagens que fazemos. Mais ao serviço do nosso semelhante.

6 - Quem é que representa: o actor, a personagem ou ambos? Ora bem, eu tenho…

Eu na vida não gosto nada… Eu na vida sou tímido. Agora sou menos do que era

1 Forma do público expressar o seu desagrado, batendo com os pés no chão.

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quando era mais novo mas, enfim, tenho mais contacto, mais idade e mais experiência.

Mas eu sou tímido. E sou sempre surpreendido por coisas que me acontecem que não

esperava que me acontecessem como cantar, como dançar, como… Nem versos sei

dizer. Eu não gosto de dizer poesia de cor, gosto de dizer poesia lida, a poesia é tão

íntima que não gosto de a atirar assim. Depende do sítio onde eu estou, depende das

pessoas que estão à minha volta, depende da recepção que têm à poesia. Quem é que

está a representar, então? É um senhor a quem eu ligo à corrente. Faço-lhe assim

(estala os dedos) e ele começa a representar. Perde a vergonha, perde o respeito, perde o

medo e avança. E eu sei que isso tudo aconteceu porque quando comecei tinha alguns

medos e alguns receios físicos: não sabia onde havia de pôr as mãos, os pés pesavam

toneladas… Coisas que nós vamos perdendo com o tempo. Vamo-nos esquecendo que

estão pessoas na sala que são contra nós, que dizem mal de nós, que não nos admitem…

O crítico que é severo demais, que diz que não vale a pena ver que não presta não é

crítico. O crítico que diz: “Não vá porque não presta” não tem capacidade para crítico.

O que deve dizer é: “Vá ver e depois diga se gosta”, porque há meia dúzia que gostam.

E dá aos outros a liberdade de escolher. Exactamente, eu a um disse-lhe mesmo:

“Não faças isso que isso é uma coisa trágica, não faças isso… Para não ir a um

espectáculo?”. Como é que reage a essas críticas? Sou amigo desse crítico, hoje, até

escreveu um livro sobre mim. Ele fazia isso no jornal dele e eu disse-lhe: “Não faças

isso TL que vais contra a tua profissão que é ajudar as pessoas a irem ao teatro. Tu

vais lá ver, vais lá dar a tua opinião para saber se é boa se é má, se aquilo que estão a

ver é bom ou mau”.

7 - Disse-me que tirou o Curso do Conservatório... Valeu a pena? Não era isso que

ia perguntar mas, já agora, valeu a pena? Valeu. Tive bons mestres, tive sim senhora.

8 - A minha pergunta era se quando representa segue algum método ou teoria? Eu

tive um grande mestre, um grande homem de teatro que me ensinou muito, que foi o R,

para além da escola. A escola também me ensinou muito, tive professores de história, da

estética do teatro, de dramaturgia, de cadeiras especiais: o Dr. JF foi meu professor, a

Senhora Dona MM foi minha professora, a Senhora Dona MA foi minha professora de

dança. Também foi minha. E da minha mulher. A minha mulher era bailarina.

E o curso serviu-me, sobretudo, para entrar na nossa profissão com o pé certo, entrar

pela porta certa. O curso ajuda, é um bocadinho de teoria que nós levamos e um

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bocadinho de contacto com os nossos colegas e o respeito que temos que ter por eles. E

começar a amar as nossas colegas como colegas de trabalho e não como pessoas de

quem nos vamos servir. É uma coisa que as pessoas pensam: ”Ah, e o beijinho? Está a

gozar…”. Estou a trabalhar que é muito diferente. E tenho muito respeito pela minha

colega, como ela tem por mim, não é verdade? Claro. Eles não admitem que nós nos

possamos beijar sem estar a trabalhar. Não pensam que nós: “Olha põe-te para ali; olha

que tem cuspe; agora põe a boca para a esquerda; agora espera aí que a luz não está

boa…”. E nós estamos a fazer cenas de amor muito queridas, não é verdade? E o

público acha que isso é tudo… Pensa que estamos ali para ter relações sexuais e não

para representar. Se nos entusiasmasse-mos em cada cena que fazemos a representação

parava.

9 - Como é que constrói as suas personagens? Leio muitas vezes. As leituras vão

sendo diferentes de uma para a outra até que começo a falá-lo, a encontrar respirações, a

forma como nós inflexiona-mos na vida. Mesmo quando é um teatro mais simbólico,

mais experimental, o que é fundamental é que eu veja uma pessoa dentro dessa

personagem, que é uma coisa que acontece com os actores ingleses. Eles, normalmente,

estão sempre a viver sinceramente aquilo que fazem. Podem não estar a ser muito

naturais como as pessoas gostam: “Ai, que natural que ele é”. Porque há várias

naturalidades como nós sabemos e várias épocas em que a naturalidade varia conforme

o sítio onde estamos. Mas o trabalho…é lento, é muito lento. É muito grande,

normalmente quando é um protagonista, mas a certa altura começa a diminuir. Não sei

se a menina já lhe aconteceu isso? “Ai, que eu não consigo! Como é que eu vou fazer

isto, como é que eu vou ter tempo para decorar isto tudo?”. E a certa altura começa a

ter tempo para decorar tudo: “Mas afinal de contas era mais fácil do que eu pensava!”.

O trabalho vai diminuindo quando nós começamos a saber e a mexer. Ora bem, eu

começo a saber que estou dentro do caminho, a encontrar a personagem, quando sei o

que é que eu faço, o que é que eu sou, o que é que ele é, como é que ele funciona, como

é que ele mexe as mãos, como é que mete as mãos nos bolsos, como é que se penteia,

como é que… Isso vem da leitura, das várias leituras? Exactamente, começo a vê-lo.

E começo a vê-lo na cama, estou deitado e começo a ver-me fora de mim.

Visualiza. Visualizo-me, a ver-me mexer, vejo um boneco. A Carla também deve fazer

isso. Eu tenho muita coisa que digo que já sei na cama. Eu quando digo o texto na cama,

de cor… Mas depois chego ao palco e não consigo porque as palavras são maiores, não

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é? Um advérbio de modo tem um tamanho escrito e um tamanho dito, e vários

tamanhos conforme a inflexão. Ora bem, essa procura vem-me toda quando eu estou

com o papel ao lado na cama. Já sei na cama mas não sei ainda no palco. É na altura de

embirrar com o ponto, quando há ponto (risos)! Então quer dizer, quando sabe o

papel na cama está meio caminho andado. Está meio caminho andado: já me estou a

ver, já me estou a ver mexer, a ver eu sair de mim. Não sou eu, já é o boneco. Vê-se de

fora para dentro? Exactamente, de fora para dentro mas para interiorizar, vou buscá-lo

e depois comando-o. Como a menina faz. Quem comanda é o actor? Claro que sim.

Não se mistura o actor e a personagem? Nada. Nós temos que estar com a cabecinha

fresquinha, minha filha, para nos comandarmos, para fazer tudo o que é preciso em três

horas. Em três horas temos que viver várias sensações que já conseguimos no estudo, no

trabalho, na procura, na cama, a olhar para mim: “Olha eu a chorar! Olha aquilo ali

era bom… Porque é que eu choro? Quando é que eu começo a chorar? Quando é que

eu começo a rir?”. Coloca-se no lugar. Exactamente, vejo-me, tento ver-me o mais

possível fora de mim, o meu corpo, o que vai servir de actor que é o A que depois

sozinho, com o seu jeitinho, que nasceu com algum jeitinho, comanda em cena. Por isso

é que eu digo que tenho um “clique”. Liga e desliga. Eu nunca estou a representar fora

do palco, evito o mais possível.

13 - Era exactamente isso que lhe ia pergunta a seguir. Quando é que se liberta da

personagem? Logo a seguir. Não me ponho de cabeça para baixo, não faço nada dessas

coisas. Faço o trabalho necessário, técnico, isso sim é outra coisa, mas depois… Acaba

a peça… Acabou a peça, não tenho nada a ver com aquilo. Aquele senhor vi-o na cama,

vou buscá-lo um quarto de hora antes quando dizem que vai começar o espectáculo e

meto-o em mim. Que eu não gosto de ter ninguém no camarim quando estou… Antes

de começar tenho que estar limpo, sem pensar em nada. (17) - Tem algum ritual antes

de entrar em cena ou em plateau? Faço, faço. Vou para o palco o mais cedo possível

sempre antes do começo do espectáculo. Estou sempre um bocadinho antes, há qualquer

coisa que eu preciso de estar ali um bocadinho antes. Aboborar, uma espécie de

aboboragem. Gosto de ver os colegas que entram (na peça) também a ir ao palco e

quando algum não vai fico muito triste, acontece-me isso. Há sempre um que não vai,

aquele que chega sempre tarde e que nunca está na hora em que a gente começa, os que

não estão no conjunto. Isto antes de abrir o pano? Antes de abrir o pano. Depois ou há

o pau, ou as pancadinhas, ou a campainha, ou sobe o pano ou a luz… Antes de isso

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tudo gosta de ir ao palco. Exactamente, gosto de vestir e pronto, vesti aquele com

quem sonhei. A primeira coisa que eu gosto de ter é os sapatos, meu amor, saber como é

que vou andar no palco, como é que os meus pés vão mexer, porque os pés representam.

Quem me ensinou isto foi o R. Os pés também representam, os dedos dos pés

funcionam. A Carlinha também deve sentir isso? Claro. Então dançando, ainda mais,

não é verdade? É porque todo o nosso corpo representa. Não gosto de ter sapatos que

não sinta o chão, a não ser que seja de propósito ou a personagem ande com aqueles

sapatos porque quer andar. Não é o sapato ser pesado, o sapato é que tem que parecer

pesado às pessoas. Mas o bom é a gente sentir o chãozinho, sempre. Aliás nós na vida,

na rua, quando andamos com sapatos que nos pesam andamos muito mal: “Ai estes

sapatos incomodam-me tanto, ai estas botas apertam-me as pernas”, nós não gostamos.

A sua personagem tem que estar confortável. Muito confortável e muito comandada

por mim. A ponte de comando é aqui em cima (aponta para a cabeça), nunca posso

estar distraído. Eu tenho que estar preparado para tudo: para a reacção do público, para

a reacção de um colega, para um engano. Eu tenho uma história com o meu filho numa

peça que fiz com ele: nós tivemos uma falha de memória, ele teve uma falha de

memória, e eu segui-o com a falha de memória, também. Mas a certa altura, depois de

um quarto de hora do espectáculo… Mas estava aperceber-se que estava haver ali

uma falha? Completamente, estávamos era dentro do texto. O autor era o meu genro e

ele disse: “Que bom”, estava a gostar imenso, não falámos nada que não fosse certo. O

que é certo é que passados quase 10 minutos do meu filho estar com uma branca

enorme, a responder-me àquilo que eu estava a dizer e eu a responder-lhe ao que ele me

estava a dizer, disse-lhe: “Tu ainda não me disseste tudo” e ele lembrou-se do que é

que tinha de me dizer. Nunca nos desligámos um do outro. Para mim há uma coisa

fundamental: são os olhinhos. Eu tenho que estar com os olhinhos dos meus colegas nos

meus olhinhos, tenho que os ver mesmo que seja de costas, tenho que sentir os olhos

deles. Não é aqui em cima (aponta para a testa), nem aqui em baixo (aponta para o

queixo), nem olhar para outro sítio, é sentir que estão a olhar para mim mesmo de

costas. Porque há colegas, que olham para aqui (queixo), e há colegas que estão à espera

que a câmara entre. E no teatro estão à espera de…de tramar o trabalho dos outros

(risos)! Isso são as adversidades que nós, também, temos… Isso são os actores de

montra, porque os de bengala morrem velhinhos, gostam é de representar, gostam é de

fazer o seu trabalho.

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10 - Prefere representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas

(ex. tristeza, raiva) ou positivas (ex. alegria, amor)? Tem alguma preferência ou…

Não tenho. Eu gostava de saber fazer tudo mas não sei fazer tudo, não sou capaz. Eu

gostava de cantar muito bem, gostava de dançar muito bem mas tem muitas coisas que

eu não sou capaz de fazer. Mas já fiz algumas que eu julgava que não tinha feito: fiz

comédia musicada com a LA, dançava Rock n’ Roll, cantava… Eu no outro dia vi-me e

até fiquei parvo a olhar para mim. Aí já gostou de se ver? Já gostei porque foi há

muitos anos. Mas é verdade, a minha filha que diga, nem pareço eu. Como é que aquele

pezudo que eu sou conseguiu fazer aquilo? É o tal “clique”. Eu fiz várias comédias

musicadas, fiz pelo menos três musicadas e adorei fazer. Uma fiz com a FQ e duas com

a LA, no Teatro Monumental. Nessa altura ainda era muito novinho. Tem uma

memória fabulosa. Pois tenho, ainda decoro muito bem. Eu só não quero é que fique

desiludida comigo. Acha? Eu estou aqui a fazer um borrão de mim…

11 - Com essas vivências todas se calhar esta pergunta não faz muito sentido mas,

se tiver que transmitir à personagem uma vivência que nunca viveu, onde a vai

buscar? Ao meu trabalho, como a menina que é psicóloga. Nós temos que estudar

porque precisamos muito deles para a nossa bagagem, para o nosso arquivo. Faz o quê?

Nós temos grupos de pessoas que funcionam de umas determinadas maneiras. Nós não

fazemos só um se não imitamos, fazemos vários do mesmo grupo: um avarento, um

idiota, um louco, um bêbedo. Há muitos bêbedos, muitos homossexuais, são todos

diferentes, não é verdade? Aqueles que às vezes não têm nada, nem são maus nem são

bons só andam ali, nós também temos que os fazer. Há pessoas que são normais, que a

gente acha que são normais mas não são, em casa, às vezes, não são. Mas nós na rua, na

vida, não os descobrimos, são surpresas. Há pessoas que são surpresas, nunca teve

surpresas? Tive, começa logo pelo conceito de normal, não é? Exactamente, “Ai, este

senhor é muito apagado”, não é nada apagado, tem um conhecimento espantoso de

qualquer coisa. As experiências, se não as viveu, vai buscá-las através da

observação? Exactamente, eu nunca estou sozinho. Por exemplo, a viajar de comboio,

vou sempre a ver os passageiros e interesso-me por todos: vejo como é que funcionam,

como é que se levantam… Estou sempre bem-disposto, nunca estou só, estou no meio

daqueles que me fornecem o meu trabalho.

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12 e 14 - Embora tenha o tal “clique” já lhe aconteceu apropriar-se de uma emoção

vivida na ficção? Já, em certas peças que fiz, já. Por exemplo, houve uma descoberta

que eu fiz, não comigo mas numa peça que eu fiz chamada RL, e eu percebi porque é

que havia um homem que era comunista, que se chamava AC, que gostava tanto do RL.

Ele adorava a peça, foi ele que traduziu a peça, ele adorava o Shakespeare. Foi pedido

para ser a peça dele que eu ia fazer no Teatro Nacional mas como não estava acabada

nem em condições, foi outra tradução. Porque a certa altura o RL pede desculpa aos

pobres: “Eu não sabia que vocês existiam! Não sabia, lá em cima, nunca me apercebi

que vocês viviam cá em baixo! E hoje estou no meio de vocês e desculpem-me que eu

não os conhecia!”. Esse sentimento passou para o actor? Passou, passou, eu tenho

muita preocupação com os pobres, com os que são mais pobres. Mas também já estive

num plano mais alto, nunca me tinha apercebido que havia tanta miséria, e hoje já me

apercebo que há muita miséria. Isto é um exemplo, tive outros. Tive uma personagem

que fiz, que adorei fazer, do JCP, que foi o cego do EH (peça de teatro). Era o povo

português e a sua forma de estar na vida, a sua maneira de apreciar as coisas: cego

quando quer e a abrir os olhos quando lhe apetece. E isso passa depois para si, passa a

ser uma vivência? Passa, passa, foi um ensinamento. Quando eu fiz era muito mais

novo, talvez não tivesse ainda tempo para me aperceber de determinadas coisas. Mas já

lhe aconteceu o contrário, por exemplo, apropriar-se de uma emoção negativa da

personagem? Não porque eu dispo-me. O bom, aproveito, o mau a gente não deve

aproveitar, deve saber é que existe. O mau existe mas nós temos que procurar é o bom.

Mas o mau tem muito mais cabimento na sociedade do que o bom, infelizmente, não é?

O mau entra mais nas pessoas, as pessoas fazem mais maldades do que bem.

15 - E o seu estado de espírito influencia a forma como vai representar? Aquele

quarto de hora antes tira-me tudo: doenças dos filhos, doenças minha… Trabalhei com a

minha mãe morta, trabalhei com um irmão morto, trabalhei na mesma. Tive sorte

porque estava a fazer coisas que não eram comédia, muita comédia, até podia chorar se

fosse preciso, não é? Mas tive essa sorte. Mas não levo nada para a cena, não. Nem

dores, deixo de ter dores, há qualquer coisa que me acontece que não tenho dores.

Físicas? Até uma dor física, por exemplo. Uma dor de dentes, no palco, não tenho,

passa-me. E eu tive muitas dores de dentes mas nunca tive dores de dentes no palco.

Não me lembro de ter parado por causa da dor de dentes, não me lembro de ter parado

por estar constipado. Portanto, o seu estado de espírito não influencia de todo?

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Nada, não influencia nada. Não, é uma outra entrega, é quando saio de mim. Tenho que

sair de mim.

18 - Prefere fazer teatro, televisão ou cinema? Eu sou fundamentalmente do teatro

mas eu gosto é de representar, querida. Eu gosto de representar em toda a parte, com

técnicas diferentes. A menina também aplica isso e muito bem: tem um tom para o

teatro e um tom para a televisão. Embora as inflexões sejam iguais, o seu grito na

televisão é ali, e o outro grito é para as pessoas ouvirem lá em cima, na geral.

20 - Como é que lida com o reconhecimento público? Lido muito bem. Há bocadinho

disse-lhe que ontem levei muitos beijinhos e fiquei muito contente porque é em Vila da

Feira, e no país todo, que eu sou estimado. Eu estou a ser um imodesto a dizer isto. Não,

está a ser verdadeiro. Tratam-me tão bem, cuidam tanto de mim, dão-me tanto

carinho, agradecem-me tanto. Há quem não queira que eu morra. Querem que eu seja

perpétuo mas não posso, eu digo: “Já não posso durar muito, eu tenho 83 anos, 84!”.

Já não posso durar muitos anos, meu amor, eu tenho um limite. Posso ser como o MO

mas…é claro que não sei se sou, não é? Mas esses pedidos: “Que alegria que eu tenho

em vê-lo. Nunca pensei que ia vê-lo…”, essas coisas… Eu estou a dizer isto à menina

porque também é da minha profissão mas não digo a mais ninguém. Mas toda a gente

sabe… Nem toda a gente sabe (zangado)! Não? Eu trabalho com muita gente, e

trabalho com muita gente na nossa profissão, que nem sabe quem eu sou (silêncio). É

verdade, técnicos que nem me conhecem, não sabem a minha vida, o que é que eu fiz,

não conhecem. Às vezes dá-me um grande desgosto. A gente andar metido num sítio

durante tantos anos com uma data de gente indiferente e que trabalha connosco. (longa

pausa). No teatro isso não acontece, acontece mais na televisão e no cinema. E isso

deixa-o triste. Deixa-me muito triste. Uma vez mandaram-me fazer um casting para um

filme francês. Eu ia fazer uma coisa qualquer que tinha que me estar a rir muito. A

pessoa que me chamou disse: “Há um gajo que faz isso e tal…”. Eu depois no fim

convidei-os para verem o A:”Está a fazer o A? Pois estou. Então e está aqui para fazer

isto? Chamaram-me e eu vim”. A pessoa que me chamou não sabia quem eu era: “Ah é

um gajo chamado A e tal, chamo o gajo, é velhote, tem tantos anos e tal…deve servir

para o papel”, e eu fui lá. Mas depois veio-me a vaidade e convidei-os para irem ver a

peça, à noite. Embora não houvesse bilhetes armei-me em forte e convidei-os. E foram

ver? Acho que foram no último dia e que lhes disseram depois quem eu era, o que é que

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eu fazia. E ficaram maravilhados com isso e pediram-me desculpa de me terem pedido

para fazer o casting e mandado rir. E eu respondi: “Eu agora não sou capaz de rir

assim como os senhores querem”. Mas quis ir ver aonde é que está a ignorância. As

pessoas que nos pagam, normalmente, não sabem quem nós somos, minha filha. Acham

que nós ganhamos muito, que somos todos riquíssimos. Normalmente quando fazemos

de pobres ninguém se lembra de nós, quando somos ricos pedem-nos dinheiro

emprestado. A mim pediram-me quando fiz a VF (novela). O público baralha o actor

e a personagem? Agora já não baralha tanto, já não baralha tanto.

22 - Gosta de ser actor? Muito. Muito, embora às vezes tenha vontade de ir para outra

coisa. Era? Sim.

23 - O que sente por poder viver “várias vidas”? Isso é uma maravilha, é uma

maravilha. Ah, mas ainda não vivi todas, ainda não fiz um palhaço. Um palhaço a sério

com os problemas do palhaço, ainda não fiz. Mas gostava de fazer. Eu adoro, gostava de

ser palhaço. De profissão? De profissão. Não me importava de ser palhaço. O que o

encanta tanto? A graça do palhaço é a simplicidade. Quanto mais simples mais graça

tem o palhaço, quanto menos macacadas faz mais graça tem. Os grandes palhaços que

eu vi até hoje, e foram muitos, normalmente são pessoas muito simples e que fazem um

trabalho muito simples porque vão aperfeiçoando o seu trabalho. Mas gosto muito de

palhaços e vou contar uma história à minha querida. Houve um grande palhaço

português chamado P. É claro em Portugal os palhaços não têm vida e foi viver para

Paris. Era um palhaço que trabalhava no PP, em Paris. Era um homem famoso, era

médico neurologista, mas foi palhaço. Quis ser palhaço e foi um palhaço dos melhores

do mundo. Da sua época e provavelmente do seu tempo. Agora há uma história paralela.

Há um senhor que sofre de uma neurastenia imensa, um stress permanente, vai ao

médico e o médico aconselha: “Toma isto, toma aquilo, toma mais isto, toma mais

aquilo…”. Ele ia tomando, mês a mês ia lá e continuava pior até que ele disse: “Olhe, vá

ao PP ver um palhaço que lá está chamado P, que ele para além de tudo é

neurologista. As coisas que faz ajudam-no abrir a sua cabeça, e arranjar boa

disposição, e fazê-lo rir, e fazê-lo abrir, e fá-lo encontrar a vida no sentido mais certo”.

E ele disse: “Mas o P sou eu!”. (longo silêncio). Ele é que era o palhaço, o doente é que

era o palhaço. Metia nele todas as doenças dos outros, a sua neura, a sua tristeza, o seu

stress era pela sociedade onde vivia que ele tentava corrigir mas tinha que se tratar

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pessoalmente. Lá está: o homem e o artista. O artista era um palhaço extraordinário, o

homem era um desgraçado extraordinário. (longo silêncio). Nós também temos isso, de

vez em quando também somos uns desgraçados por muitas razões, pela morte de um

querido, enfim por doenças, por isso tudo e logo a seguir somos alegríssimos. E

dançamos maravilhosamente num programa de televisão. Eu não sei dançar. Não sei,

disse-me que já dançou uma vez e que depois se surpreendeu. Dancei várias vezes

(risos)!

24 - Ser actor facilita ou dificulta o teu dia-a-dia? Facilita muito. Há muita gente que

nos considera, no meio de muitas que não nos conhecem, há muita gente que nos

considera. E normalmente tratam-nos muito bem. Eu sou uma pessoa que sou muito

bem tratada. Tenho essa alegria de me tratarem com muito respeito. A não ser os

miúdos da escola que às vezes me chamam gajo: “Aquele gajo é da televisão!”. Isso

custa-me um bocadinho porque é um bocadinho falta de respeito por nós, sobretudo

pelo idoso. Mas é uma coisa que magoa, e um bocado chato não é, Carlinha? Magoa um

bocadinho. Magoa. Magoa, por ser uma criança, porque está mal-educada. Não sabem

dizer “senhor” chamam “você”: “Então você é actor?”. A maneira como perguntam,

magoa. Se dissessem: “O senhor é actor?” já não me magoava, e eu dizia: “Não meu

filho não me magoa nada”. E depois chamava-lhe filho e havia logo uma intimidade

muito maior. E um sorriso. Mas aquela coisa “você” pára-me logo o sorriso não sei por

quê. Não é porque eu não goste da palavra “você”, gosto. E no Brasil até sou capaz de

tratar por “você" mas… Mas no contexto brasileiro as pessoas tratam-se por você…

É “você”, mas é um “você” que é um “tu”. Exactamente. Muito Obrigada. Oh, meu

amor, Deus queira que seja útil. Com certeza que vai ser. Isto é uma grande baralhada,

não é? Não é nada. Muito Obrigada.

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ENTREVISTA

Data: Janeiro de 2011; Nome: caso B (doravante denominado apenas por B); Género:

Masculino; Idade: 47 anos; Anos de Profissão: 30 anos.

Nota: Para manter o anonimato os nomes próprios, das peças de teatro e dos programas de televisão (séries ou

novelas) foram substituídos pelas iniciais.

1 - No início, que motivos te levaram a escolher ser actor? Eu acho que passei um

bocadinho por aquela coisa que passamos todos na escola que é… Temos uma

tendência mais natural para fazer rir os outros, ou porque nos dá prazer fazer rir. E rir.

Eu acho que é sempre muito mais por aí, pela comicidade. E aquela coisa de fazer os

grupos, formar os grupinhos teatrais e tal, eu fiz isso tudo. E depois acho, acima de

tudo, é o que eu digo sempre: acho que tinha um dom de imitar, imitar bem, ou

minimamente bem, os políticos, as personalidades. Imitavas também os teus amigos

da escola? Sim, também, também. Os professores e… Achavam-te graça? E achavam

graça porque eu, facilmente, apanhava os tiques e os trejeitos, as características das

pessoas. Eu acho que isso é o princípio de tudo, ou seja, para mim há sempre umas

explicações muito filosóficas para a coisa do actor e não sei quê. Eu acho que acima de

tudo é um dom que nasce com as pessoas, como há outros que pintam, outros que

dançam, outros que fazem outras coisas dentro das actividades culturais, das artes. Ou

nasce ou não nasce com a pessoa. Claro que depois desenvolve-se, não é? E há pessoas

que o têm e nunca o desenvolveram por isto ou por aquilo, porque não lhe foi

proporcionado, por aquelas questões culturais que nós conhecemos: os pais que não

deixavam, blá, blá, blá… Agora há um dom que existe nas pessoas que normalmente

depois seguem estas áreas artísticas. Eu acho que tinha esse dom e depois desenvolvi-o.

2 - Neste momento, que motivos te fazem persistir a ser actor? (risos). Oh, por

aquilo que tu e todos nós temos que é uma paixão muito especial por isto. Pronto, é um

amor evidente que existe por esta coisa de criar emoções nos outros, e ver como as

pessoas reagem a uma espécie de personalidades diferentes que nós vamos criando, não

é? E isso dá um gozo ver como é que fazendo personagens tão diferentes, as mesmas

pessoas, por exemplo, reagem de forma tão diferente. É um privilégio, é evidente. E eu

acho que é isso que mais gozo me dá.

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3 - Que motivos te fariam desistir da tua profissão? Desistir? Isso só mesmo a cena

dos filhos. Se os meus filhos precisassem de mim, fosse lá pelo que fosse, e eu tivesse

que desistir desta profissão, desistia. Porque é a única coisa assim mais importante que a

minha profissão é, realmente a relação de pai com os meus filhos. E também os amigos,

sim. Se não, mais nada? Não, mais nada, mais nada. Absolutamente mais nada.

4 - Quem é o actor? O actor? Sei lá, vem um bocado ao encontro daquilo que eu estava

a dizer há bocado que é: é uma pessoa que tem o privilégio de provocar emoções nos

outros, de uma maneira geral. Reacções. E eu acho que é mesmo um privilégio, ou seja,

como é que fingindo conseguimos que os outros acreditem numa coisa que nós não

somos, não é? Numa personalidade que nós não temos. Isso é um jogo, é um jogo

fantástico, fabuloso. É um jogo que dá umas sensações que só quem o faz é que pode

explicar e sentir, como tu. Ver aquelas reacções e dizer: “Eh pá, eu não sou isto que

estou a fazer”. Mas provoco isso nos outros. “Mas provoco isso nos outros, que

engraçado! E olha como ele reage se eu realmente fosse aquela pessoa a quem ele está

a reagir”. Estamos a ver por fora, através dos nossos olhos, o que provocamos nos

outros. Eu acho que é um privilégio! É uma coisa que as pessoas não entendem, de uma

maneira geral, porque quando se fala do actor fala-se sempre do: “Ah, são uns

brincalhões, andam aqui a brincar, isto deve ser uma vida facílima”. Aqueles clichés,

aqueles lugares comuns que se dizem e realmente não é nada disso. Nós sofremos,

penso que ainda mais do que as outras pessoas, porque para além de termos os nossos

sofrimentos, próprios das nossas vidas, temos depois este acréscimo de sofrermos por

outras pessoas que não somos nós. E temos que dar essas cargas emocionais quando

representamos.

5 - Quem é a personagem? (risos). A personagem é exactamente a tal pessoa que nós

não somos e que temos que ser por momentos, por meses, por um dia, dependendo dos

trabalhos. É muito, muito gratificante porque obriga-nos a conhecer esses outros seres,

essas personalidades. E a pesquisa que nós fazemos para sermos a personagem, muitas

vezes, é mesmo, mesmo dolorosa. É sempre gratificante mas, às vezes, é mesmo

dolorosa porque… Não é toda a gente que gostaria de entrar na pele de personagens tão

fortes como uma prostituta, como um ditador como…sei lá. Muita gente quereria entrar,

sim, na pele de um palhaço… Quer dizer, não é o melhor exemplo, mas de outras muito

mais ligeiras e alegres.

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6 - Quem é que representa: o actor, a personagem ou ambos? Eu acho que são

ambos porque às tantas a personagem engole um bocadinho o actor, eu acho. Embora eu

seja daqueles que não leva a personagem para casa. Não levo, não consigo. Mas quem é

que representa? Não, não, quem representa tem que ser o actor. Eu acho que é sempre

o actor porque o actor tem que dominar a personagem mesmo quando vai ao clímax na

exploração dos seus sentimentos, ao máximo, tem que controlar isso e estar sempre

consciente de que é um jogo, que é uma brincadeira. E por isso é que é muito difícil!

Por isso é que não é toda a gente que o faz. Por isso é que nós somos actores, porque

temos essa capacidade, o tal dom! Eu chamo-lhe quase uma imitação. Nós imitamos

pessoas, portanto essa imitação pode ser levada ao extremo até que os outros acreditem.

7 - Tiraste algum curso da arte de representar ou és autodidacta? Não, sou auto-

didacta. No princípio, ainda quando não existia o Chapitô (Escola de Circo), mas a T

começou com as ideias do Chapitô, no Bairro Alto, e fiz três meses: um mês de

sapateado com o M, um mês de representação com a FL e um mês de títeres, bonecos…

Fantoches. Fantoches, com uma argentina. Mas um mês não é nada portanto foi… Era

uma espécie de workshop, que na altura nem se dizia isso.

8 - Quando representas segues algum método ou teoria? Não, não, não. Aliás eu

acho que não sou muito bom actor nesse aspecto, que é uma chatice para um encenador,

porque eu quando começo a ler um texto, pelo menos é o que as pessoas dizem, começo

logo, sem querer, a ir por ali na voz, na postura, sei lá. Começo a tentar, não é a tentar

propositadamente, sem querer… Acho que tenho uma certa facilidade em… Era isso

mesmo que ia perguntar-te a seguir…

9 - Como é que constróis a tua personagem? (grande pausa). Eu acho que…não sei!

Sei que começo a ler uma peça, em casa, e começo a… É muito difícil mesmo de

explicar. As pessoas que observam explicam melhor, de certeza. Visualizas? Sim,

visualizo sim. Eu acho que tem muito a ver com a observação que nós todos fazemos

naturalmente, e eu sou muito despistado mas sou um observador nato. Sem querer.

Então quando estás a ler aquelas palavras, aquele texto, fazem-te visualizar a

cena? Aquele texto e, portanto, a minha personagem, e até a dos outros. Para mim

começo logo a desenhar, sem querer, na minha cabeça, mais ao menos, o que são as

relações entre aquelas personagens, o que é, as características dela… E, obviamente

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reportamo-nos sempre a figuras que nós conhecemos. É lógico, não é? Depois pronto,

há um trabalho com o encenador mais técnico mas realmente eu de início dou logo.

Então se há referências de filmes, de histórias… Por exemplo, este que eu estou a fazer,

o VT, eu tinha visto o VT pelo T (actor) há muito tempo, então, sem querer, fui logo ali

(imita a voz grossa do actor) ao T, na voz, na postura, no não sei quê, e ficou

praticamente no primeiro dia… Eu faço hoje como fiz logo no primeiro ensaio, mais ou

menos. Sai-te naturalmente? Sai-me, sai-me. Eu acho que sim. Pode sair mal ou bem

mas à partida começo logo a esboçar, muito sem querer, e muito rapidamente, uma

personagem. Não tenho aquele método de ir pesquisar de ir trabalhar para casa… Aliás,

sou muito preguiçoso, nunca sei os textos, preciso de muito tempo para fixar. E depois

também ou se gosta muito da personagem e da história ou não, não é? As novelas, por

exemplo, é uma coisa que para mim, claro que pode ter personagens apaixonantes

obviamente, e já fiz personagens que me deram muito gozo mas, normalmente, como

não é uma coisa que está pensada do princípio ao fim pelos autores, não é uma coisa que

já está bem definida, está-se sempre à procura e não há tempo para nada. Olha, vou

fazendo, vai-se fazendo, embora nós somos profissionais e tentamos fazer o melhor.

Mas este método para mim, não gosto muito.

10 - Preferes representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas

(ex. tristeza, raiva) ou positivas (ex. alegria, amor)? Eu não tenho preferência porque

acho que até é bom fazer personagens com várias características das que estás a dizer,

portanto energias positivas ou negativas, porque fazem parte da vida. No fundo, nós o

que representamos é a realidade, ou seja, imitamos a realidade e ela é feita de coisas

boas e coisas más.

11 - Como é que transmites à personagem vivências emocionais nunca sentidas ou

experienciadas por ti enquanto actor? Mas isso é que é o grande gozo. Eu acho que

as referências são as tais imagens negativas que nós temos também das pessoas más,

dos momentos maus, da morte, dos maus momentos que passámos e que assistimos. Eu

acho que é, que é… Vais às memórias? Sim, claro que sim, claro que sim. Também,

obviamente. Eu por exemplo, sei lá… Isto não é mau nem bom mas no VT (peça de

teatro) há uma despedida de uma filha, e o meu filho foi para Londres há 3 meses… É

natural que haja uma ligação sempre a isso, por exemplo. Em relação às coisas más ou

boas…

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E em relação às coisas que tu nunca viveste e que naquela personagem tens que

transmitir aquela emoção? Quando nunca existiu? É assim, oh Carla, juro-te que não

sei! Mas o que é certo é que parece quase uma coisa sobrenatural ou mágica. O que é

certo é que nós vamos buscar às entranhas emoções que nunca tivemos. Isso é que é o

grande gozo da representação e do actor. Eu, por exemplo, na RFV (peça de teatro) dava

uma tareia na que era minha mulher na altura, uma coisa que eu nunca na vida fiz a

ninguém, que é bater ou ser agressivo, e muito menos à minha mulher. E lembro-me

que o meu filho que tinha para aí 6/7 anos, o R, foi assistir a um ensaio e o miúdo

começou a soluçar, aos gritos, portanto, acreditou. Era uma coisa visceral. É isso a que

tu chamas a tal magia, que tu não sabes bem de onde vem? Ai não sei, não sei

explicar. Volto à questão do talento, é um dom que se tem de fingir, de fingir muito,

muito credivelmente. Fingir muito bem. Fingir muito bem, que é o que nós fazemos.

12 e 14 - Já te aconteceu transferires para a tua vida real uma emoção vivida na

ficção? Por causa da personagem? Sim, por causa da personagem e depois passar

para ti. Não, eu acho que não. A sério, nunca, defino muito bem as coisas. Como eu

estava a dizer há bocado, há muitas pessoas que levam a personagem para casa, eu

nunca levei. Eu assim que fecha o pano acabou a personagem. Acabou completamente

ali. Mas acabou logo.

13 - Então libertas-te da tua personagem logo? Completamente. Inclusivamente há

pessoas, há colegas nossos que, por exemplo aqui nas novelas, o que é normal, brincam

com as personagens porque fazem-nas todos os dias e quando chegam ao plateau, ou

quando estão nos intervalos das gravações, ou no final, continuam com a personagem

ou para brincar com o colega ou … Quer dizer, eu nem isso faço. Não é por nada é

porque… Acabou. Quer dizer a não ser que haja uma brincadeira qualquer, mas não...

Acabou! Quer dizer, nós somos nós. Sou o B, estou mesmo a fingir outra coisa.

15 - O teu estado de espírito influencia a forma como representas? Sim, por muito

que se diga que não… Somos profissionais, volto a dizer, mas claro que o meu estado

de espírito influencia, é evidente. Uma pessoa não pode receber uma notícia, por

exemplo, de uma morte de um próximo, de um parente querido e como se costuma

ouvir dizer os mais antigos: “Não interessa, abre o pano e…”. Abre o pano “o caraças”,

somos humanos, não é? Somos pessoas.

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E quando isso acontece o que é que fazes para te libertares disso? Eu penso que se

ressente sempre um pouco na performance, se calhar não é tão perfeita como num dia

em que estamos perfeitamente disponíveis. É óbvio, mas isso…mas isso faz parte da

vida.

17 - Tens algum ritual antes de entrar em cena ou em plateau? Nada, não tenho

nada! Nem fotografias no camarim… Não sou nada contra, absolutamente nada, até

acho muita piada. Não, não. Gosto é de fumar um charutinho, quando todos dizem que

faz muito mal, eu sinto-me muito bem em fumar um charuto antes. Antes? Antes e

depois. Eu fumo muitos charutos. Como. As pessoas não comem, eu como, antes. Sem

comer é que eu não consigo fazer aquilo. Há actores que só comem depois do

espectáculo. Nada. Nós temos é que trabalhar juntos porque tu és uma actriz fabulosa e

gosto muito de ti, ainda por cima como pessoa. E as pessoas que fazem coisas comigo

sabem que eu estou sempre, mas sempre, na boa, ou seja, quando entro mesmo para o

palco é que vem a personagem de repente. Não tenho paciência para as concentrações…

Não tenho nada disso, nunca tive. Respeito quem as tem, quem as faz, mas eu não tenho

nada disso. Eu acho que… A personagem é como se engolisse o actor. E depois…

Pronto, acabou logo, logo, logo a seguir. Estamos a brincar, estamos a fingir e tem que

ser visto assim. Tem que ser assim. Se não encarnas aquilo de uma forma que se mistura

e não se pode. Não pode, não pode! Não se mistura? Não, com a personagem não, não

pode. Não pode porque se não não é personagem. Se não é uma pessoa a transformar-se

naquela coisa e já é, se calhar, uma coisa superior, uma encarnação e tem a ver com

outras coisas. Mas isso, desculpa lá, mas já não tem nada a ver com representar. Há uns

exercícios às vezes que fazem, e que grande parte das pessoas do meio teatral acha que

são importantes para o trabalho do actor, em que as pessoas entram quase em transe.

Obrigam as pessoas a fazerem aqueles exercícios e quando dizem para parar as pessoas

não saem dali. Eu acho isso um exagero, sempre achei, sinceramente. Pode ser muito

invasivo, muito perturbador? Eu acho que sim. Muito perturbador em relação à

pessoa, e nós somos pessoas! Primeiro que tudo, desculpem lá, mas somos pessoas,

somos seres humanos, e depois actores. Nós temos direito a existir, não é só as

personagens. Mas é uma profissão linda, maravilhosa.

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18 - Preferes fazer teatro, televisão ou cinema? Prefiro teatro, prefiro teatro. Eu sou

daqueles da escola do NB e do FM, reconheço. Sou muito amigo deles que não têm

paciência nenhuma para estar a fazer teatro durante não sei quantos meses porque é uma

rotina. Eu também não gosto muito da rotina mas eles próprios sabem, e dizem-no, que

os espectáculos são diferentes de dia para dia. A reacção do público é diferente. Tu

próprio, como dizias há pouco, também vens diferente… Exactamente! Vimos com

estados de espírito diferentes e, portanto, nunca é igual. Agora tem essa desvantagem,

de facto, o teatro! E na televisão e no cinema temos a vantagem de fazer uma cena e

acabou ali. Depois vamos já para outra. E é giro porque em termos criativos procura-se,

faz-se sempre coisas novas. No teatro há a vantagem, que é a principal disto tudo quanto

a mim, de teres o público à frente, ponto final. Ou seja, tens o pingue-pongue, a resposta

logo ali, de imediato. Tens reacções a tudo: riso, choro, etc., e estás com eles. E isso dá-

nos muito mais, penso eu, a qualquer personagem, má, boa, grande, pequena, velha,

nova. A reacção do público é que nos pica, é que nos... Nos vai dizendo se estamos no

caminho certo? Exactamente. Aliás é essa energia que eu acho que faz crescer as

personagens. Eu odeio ensaios, ao contrário, também, da maior parte dos actores que

adoram os ensaios. “Mas vocês adoram o quê, estar ali aos gritos para uma pessoa só?

Eu quero fazer para aquilo cheio, não é?”. Claro que temos que estudar primeiro o

texto, e o encenador que nos ajuda, claro que sim, é sempre preciso alguém de fora

mas... Mas podia ser um tempo muito mais reduzido? Muito mais reduzido. Não

tenho muita paciência para essa coisa dos exercícios.

19 - O que sentes quando vês o teu trabalho? Gostas? (risos). Nenhum de nós gosta,

não é? Eu acho que nenhum de nós gosta, porque somos exigentes, é natural. Porque

achamos sempre que podíamos fazer melhor. Quando não gostas o que fazes? Eu vou-

te ser sincero, oh Carla, eu quase nunca vejo as coisas que faço. Não é por opção, é

porque a vida continua. Ou seja, as coisas de televisão foram gravadas, aquele momento

viveu-se, foi giro, gostei. Agora é para os outros verem, não é para eu ver. Às vezes nós

visionamos e: “Eh pá, isto não é possível fazer outra vez?”. Mas isso é por uma questão

de trabalho. Agora, por exemplo, a minha mãe está sempre a dizer: “Oh, B anda cá,

olha ali que engraçado o capachinho! “Oh, mãe mas já me caiu o capachinho 20 vezes,

e subiu, não quero saber, já nem sei em que dia é isso. Não, não, não, isso não me

interessa, amanhã tenho…”. Não sou contra e adoro que as pessoas reconheçam o meu

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trabalho! Então andamos cá para quê? Por amor de Deus. É exactamente a pergunta

que vem a seguir.

20 - Como lidas com o reconhecimento público? Muito bem, adoro. Adoro que as

pessoas digam bem de mim, quem é que não gosta? Por amor de Deus! Andamos cá

para quê?! É de uma grande hipocrisia os nossos colegas, e há muitos que o dizem, e a

minha vontade é dizer-lhes… Eu é que não sou uma pessoa conflituosa, e não discuto

isso com as pessoas mas a minha vontade é logo dizer: “Olha então se não gostas que

te chateiem na rua, que te batam assim no ombro e digam parabéns, então para quê

que fazes? Para quê que apareces? Então desiste, meu! Vai para padeiro vai para o

que tu quiseres, não é?”. Se temos uma profissão pública… Pública, expomo-nos, o

que é que se há-de fazer? E é tão bom! Então não é bom as pessoas chegarem ao pé de

ti: “Olha, gostei” ou então “Não gostei”. Até me dá mais pica ouvir, para saber o que é

que a pessoa acha mal em mim, o que é que está mal, o que é que eu fiz mal, para poder

corrigir ou para pensar nisso em futuros trabalhos. Por isso é fantástico! Nós vivemos

para o público!

21 - Que significado tem para ti os aplausos? Ai…é uma coisa. Oh meu Deus é

inexplicável. É uma sensação maravilhosa que… Até me emociono só de estar a falar

contigo e pensar nisso. Porque as pessoas… Tenho pena que as outras pessoas não

tenham a possibilidade de sentir o que nós sentimos naquele momento, não é? De ouvir

palmas! É assim uma sensação única, fantástica, maravilhosa! Por isso é que o teatro é

superior às outras formas de representar. Aliás costuma-se dizer: o teatro é a arte do

actor, o cinema é a arte do realizador e a televisão é a arte da indústria. A nossa arte é o

teatro, ponto final. Depois, emprestamos o nosso talento a estas coisas que existem, e

porque precisamos de ganhar dinheiro. Onde devíamos ganhar mais era no teatro e não

aqui (televisão). Mas enfim, isso são outras coisas. Mas os aplausos são, de facto, o

clímax do sentimento de um actor. É o reconhecimento total, pronto. É o máximo, eu

adoro!

22 - Gostas de ser actor? (risos). Gosto muito, muito, muito, muito, muito! Adoro!

Amo esta profissão! E depois, além do prazer máximo que é representar, e poder

mostrar essas tais personalidades diferentes às pessoas e brincar com isso, além de tudo

isso temos também o privilégio de conhecer tantas… Olha pessoas como tu, pessoas

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maravilhosas que se não fosse isto não conhecíamos, não é? Estávamos, se calhar,

metidos num escritório, num banco, numa… As outras profissões são muito mais

limitadas nesse sentido, em relação às relações. Porque nós vamos a vários sítios,

trabalhamos nas televisões, nos teatros, ou seja, estamos em vários grupos sociais mas

diferentes. Em muitos. Pois, é o que tu sabes, pronto.

23 - O que é que tu sentes por poder viver “várias vidas”? Ai é tão bom. Vivemos

várias vidas que nunca pensámos que mesmo até como actores as iríamos viver. E às

vezes confrontamo-nos, através dos textos… O texto é uma coisa fundamental

realmente, por isso é que no teatro há muito mais cuidado até a esse nível. E há textos

de autores fabulosos que nós temos o tal privilégio de poder interpretar aquelas coisas

que eles escreveram, aquelas personalidades que eles inventaram e que vão encarnar em

nós. É um privilégio, eu acho um privilégio assim…único! Único mesmo em relação à

vida, ao ser humano. As outras pessoas nunca vão ter esta sorte. Achas que é uma

profissão de eleição? É. Completamente.

24 - Ser actor facilita ou dificulta o teu dia-a-dia? Dificulta a vivência do dia-a-dia?

Sim. Ser actor, para ti, traz mais vantagens ou desvantagens?! Oh Carla, é assim:

todos nós temos momentos na vida mais felizes, outros menos felizes, outros mais

complicados, outros menos complicados… O facto de eu ser actor possibilita-me ter,

nos momentos em que estou a representar ser feliz por estar a viver essas personalidades

e estar a esquecer-me das coisas más da vida. Por isso, até nisso, é um privilégio, é uma

sorte! Porque quando temos problemas, que os temos, mesmo quando vamos fazer a

personagem com a tal carga negativa ou o tal estado de espírito menos positivo mesmo

assim, pelo menos naquele momento, temos que dar muito de nós àquela personagem e

os nossos sentidos não estão tão abertos ao mal que vivemos na vida real. É como se

arrumasses um bocadinho… Exactamente, é isso! É como se: “agora espera aí um

bocadinho, agora estou a fazer esta pessoa e agora sou este”. E naqueles momentos,

claro que não em todos, mas na grande parte daqueles momentos, daquelas duas horas

da peça, ou daquele dia de televisão ou de filmagens, temos que estar abstraídos desse

mal. Ou desse bem. Neste caso, estou a dizer que é muito mais benéfico quando

estamos mal e ali… Por isso é que há muitos colegas nossos que entram em grandes

depressões e têm problemas psicológicos graves por não estarem a trabalhar, porque não

estão bem. Primeiro porque não estão a trabalhar, e precisam até financeiramente de o

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fazer, depois porque… Vários casos de pessoas mais velhas, ou que estão sozinhas, ou

não sei o quê… Isso faz-me muita confusão porque eu se pudesse tinha uma companhia

onde albergava, onde dava trabalho só às pessoas que estão assim. Para estarem

ocupadas porque… Já o fiz com algumas pessoas, quando tive essa possibilidade.

Achas que elas deprimem só por causa do dinheiro? Não, não, não! Por isso é que

um actor é actor até morrer. Um actor não pode estar sem trabalhar porque nos

habituamos a este jogo de fazer as imitações para os outros e de receber do público as

reacções. Quando uma pessoa não tem público, um actor sem público é…deprimente, é

horrível, é…não sei classificar mas é… Eu não me consigo ver sem... Eu sou muito

calão e estou sempre a dizer que trabalho muito, e trabalho, e não precisava de trabalhar,

não sei quê, não sei quê. Mas claro que não conseguiria viver sem representar, nem que

seja um monologozinho, ou um fim-de-semana, ou uma coisa qualquer sem ter uns

momentos com essas reacções do público às coisas que eu faço. Alimenta-te? Alimenta

completamente! O espírito, a alma… Muito Obrigada!

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ENTREVISTA

Data: Janeiro de 2011; Nome: caso C (doravante denominado apenas por C); Género:

Masculino; Idade: 43 anos; Anos de Profissão: 24 anos.

Nota: Para manter o anonimato os nomes próprios, das peças de teatro e dos programas de televisão (séries ou

novelas) foram substituídos pelas iniciais.

1 - No início, que motivos é que te levaram a escolher ser actor? Falta de auto-

estima! Uma nítida sensação de… Necessidade que gostassem de mim, mesmo que isso

representasse ser outras pessoas. E sobretudo ser outras pessoas, ou seja, tinha a perfeita

noção de que… Acho que isso hoje se diluiu mas estamos a falar do passado, razão pela

qual me revejo assim. E no princípio era esse verbo. Portanto, acho que basicamente

não gostava de mim, achava que não gostavam de mim, e via-me como uma pessoa que

tinha que se transmutar noutras para ser aplaudido. Ser qualquer coisa que não era eu

era maravilhoso, sentia-me muito bem nesse papel.

2 - Neste momento, que motivações te fazem persistir como actor? (longa pausa).

Esta pausa é porque não tenho pensado muito no assunto. Há… Há um desamor imenso

que fui tendo pela profissão. Foste ganhando esse desamor? Sim, gigante. Isto é uma

coisa pessoal mas a sensação que tive a dada altura foi que aquilo já não me era

necessário. Ou seja, de alguma forma a profissão foi catártica para mim, portanto eu

acabei por me repor e equilibrar e não necessitar dela para os primeiros efeitos, os

motivos que me levaram a ela. Mas, por outro lado, depois, há todo o lado laboral, o

metie em si, o meio, as regras, os critérios, a rejeição, a insegurança inerente à profissão

e não sei quê, fez-me muitas vezes, acho que a muitos de nós, pensar n vezes: “O que é

que eu estou aqui a fazer? Será este o caminho certo? Há tanta outra coisa que eu

gostaria de fazer! Porque é que não apostei?”. Porque é que persistes, então? Persisto

por uma questão se calhar de cobardia, economicista que é: “se já faço isto vou fazer

agora o quê, com esta idade?”. Sempre com a sensação: “mas se não me querem

porque é que eu insisto?!”. Depois vem um trabalho ou outro que corre bem e eu sinto

de forma objectiva que pronto que… Que correu bem. Que correu bem, que está tudo

no sítio e até faz sentido, até me dá gozo e imenso prazer. Mas é um prazer intermitente,

não é? Temos noção disso, nem sempre, nem todos os trabalhos… Comecei a gostar

muito mais de estar de fora, dirigir actores é que me encanta, o montar espectáculos é

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que me encanta, o estar na sombra é que me encanta. E é o que tens feito

ultimamente? E é onde, no fundo, eu tenho investido mais. Agora para isso, e como

não tenho subsídios e aquelas coisas, tenho que ir trabalhar de alguma forma, vou

trabalhar naquilo que sei. É muito difícil estar a responder-te a isto porque eu hoje digo-

te isto e amanhã se calhar digo: “Porque ainda adoro, porque ainda gosto”. Esta

novela, por exemplo, foi muito particular não pela personagem mas pelas pessoas, pela

amizade que fui trabalhando e criando relações, melhorando relações com pessoas que

até conhecia mal e…está-me a custar imenso acabar. Mais uma vez eu penso: “Afinal

eu digo que não gosto mas gosto”. Não te sei explicar… Mas sei-te explicar pela

negativa: já tentei não estar na profissão, já estive um ano afastado, depois estive no

meio disso nove anos em Macau, vinha aqui de vez em quando, fazia umas coisinhas,

voltava para trás, e depois dei por mim a chorar. E em Macau estavas a fazer o quê?

Estava a dar aulas de teatro mas não estava a fazer teatro, a trabalhar como actor, e sinto

de facto uma falta. Ou seja, depois de longos períodos em que trabalho como actor o

que me acontece sempre é se se depara com um deserto em que não estou no palco, ou

que não estou a fazer televisão, começo a ficar muito mais desequilibrado. Ok, então já

percebi qual é a razão: equilibra-me! Sou, por tendência, um trágico, ou chama-lhe um

pessimista ou o que tu quiseres, sou muito sensitivo, tudo para mim é vivido a mil e

quando tenho hipótese de despejar isso na actividade ficcional, depois, o meu dia-a-dia

é muito mais calmo, sou muito mais sereno e dá-me assim um certo poder sobre mim!

Continua a ser catártico. Continua a ser catártico. Sim, pois é, olha que giro!

3 - Que motivos te fariam desistir da tua profissão? Dedicar-me a outra coisa por

inteiro que me preenchesse mais, nomeadamente, escrever. Ou outra actividade solitária

que tem a ver comigo que é estar a cozinhar, estar num espaço meu. Se houvesse

oportunidade de teres um espaço teu para cozinhares largavas a profissão? À

partida, sei lá, não sei. Mas acho que… Sobretudo o da escrita. Eu poder ganhar o

ordenado para poder escrever e gerir o meu tempo e… Ah, era a melhor coisa do

mundo.

4 - Quem é o actor? Quem é o actor?! É um comunicador, eu acho. É uma pessoa com

uma necessidade imensa de chegar aos outros, de se auto-conhecer através das

personagens que interpreta. De conhecer profundamente a maneira de pensar de outrem,

de se pôr na pele, na cabeça de, no contexto de outras pessoas, e, portanto, é uma

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espécie de psicólogo no activo. Para mim, as coisas são completamente simbióticas e é

isso que é absolutamente fabuloso na profissão. E depois também porque ela tem um

acréscimo, isso é uma coisa muito positiva, não sei se já estou a responder alguma

pergunta mais à frente mas pronto, que é: as personagens ensinam-te coisas. A gente

nesta profissão, e digo muitas vezes aos meus alunos: “Tanto recebemos como damos”.

Começo por dizer a parte má: que damos, que o corpo é nosso, as emoções são nossas, a

memória é nossa, o desgaste é nosso. Mas muitas vezes, por exemplo, quando fiz o AR

(série de televisão) que era um falsário mas que toda a gente sabe que foi um tipo

brilhante, eu passei de um tipo muito inseguro, para acabar de rodar a série e sentir-me

capaz de qualquer coisa, de fazer sozinho qualquer coisa, bater a qualquer porta. Não é

enganar, não é no sentido de desonestidade, mas sentia-me com uma integridade tal que

conseguiria dar qualquer passo sem hesitar. (14) - As emoções que a personagem vive

"passam" para ti, ou seja, o actor pode apropriar-se das emoções sentidas pela

personagem? Completamente, muitas vezes isso aconteceu. Ou seja, devo isso à

profissão n vezes. Foi mais do ponto de vista do conjunto da tua personalidade, não é

tanto só as emoções porque isso é uma coisa que me acontece muitas vezes.

5 - Quem é a personagem? Quem é a personagem?! Eu acho que é um remix do teu

próprio puzzle de cores. Tu nasces com uma série de matizes e usas as que queres,

porque constróis a tua personalidade e, portanto, decides que não queres ir por ali, que

não és aquilo, que não ages assim, e pautas-te por uma série de valores que são teus:

“isto eu não faço, não concordo com, a minha posição na vida é esta…”. A

personagem, às vezes, usa cores que são as tuas, usa coisas que são paralelas em ti e,

outras vezes, vai remexer, vai buscar gavetas de coisas, do potencial assassino que tens

dentro de ti, o potencial tirano, o potencial manipulador, o que quer que seja que a

personagem… E é muito giro porque tu consegues abrir essa porta e podes fechá-la

outra vez. Eu digo que os actores acabam por ter, e isso acontece-me constantemente,

um biorritmo completamente alterado dos outros seres humanos, porque tu sais um dia

vais para o escritório, vais para a tua vida normal e ela decorre como é suposto decorrer,

ao sabor do destino. E tu, quando mergulhas no efeito da personagem, estás a viver

durante não sei quantas horas uma história que não é tua, emoções que não são tuas…

Quando fiz o R (novela), lembro-me da última semana em que todas as cenas,

estávamos a gravar mais ou menos cronologicamente porque eram todas sequenciais,

tinham a ver com a morte da minha filha na história… Ouve, eu estava completamente

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arrasado, eu não conseguia… Senti-me exactamente igual a quando fui enterrar,

infelizmente na vida, algumas pessoas que amei, amigas e amigos e, portanto, não havia

diferença, ou seja, eu estou tão… Entreguei tanto que estou igual, as minhas olheiras

vincaram, o meu cansaço, a minha incapacidade de falar, a minha necessidade de estar

duas horas em silêncio sem que ninguém abra a boca para mim ao chegar a casa, tem

tudo a ver com um biorritmo que num dia normal, noutra profissão qualquer, se calhar

seria um dia positivíssimo e eu estaria bem-disposto e feliz. Mas pronto, eu acho que

auto-abri a mergulhar numas emoções que não eram as que estavam destinadas para ti.

Isso deve ser por um lado o tal desgaste que eu falo por outro, também, uma forma

fantástica de reciclar. Como é que eu hei-de explicar isto? Eu acho que os actores

também têm tendência, se se cuidarem minimamente, a ter um cérebro mais activo

quando forem velhos. Não é só pelo uso da memória, mas todo o teu sistema de

neurónios deve-se regenerar muito mais rápido, eu acho.

6 - Quem é que representa: o actor, a personagem ou ambos? O actor… O actor é

um fingidor, como no poema, chega a fingir tão completamente que chega a fingir que é

dor a dor que deveras sente. E para mim isto define-me. Eu sou mais “Stanislaveskiano”

do que Meyerholdiano. Sou o tipo que faz por fora se preciso for mas, para mim, só está

certo quando eu, mesmo construindo um boneco, lhe sinto a alma. Mas quem é que

representa? Não sei, não te sei dizer. Depende do trabalho, depende... Em vários

trabalhos posso dizer que vou pela parte da minha cabeça, vou pelo lado intelectual, vou

cerebralmente à coisa, ou tecnicamente me defendo porque, obviamente, com alguns

anos de traquejo tu começas a perceber: “Não me vou mutilar aqui, não há necessidade.

Tenho que repetir isto dez vezes e portanto tenho que fazer credível”. Para mim, e

depois para fora. Às vezes és tu, outras vezes eu não me lembro do que fiz. Eu pura e

simplesmente vou no toboggan e vou pela neve abaixo. E adoro quando isso acontece e

acho que é muito mais forte e muito mais fundo.

7 - Tiraste algum curso da arte de representar ou és autodidacta? Sim, sou formado

pela Escola Superior de Teatro e Cinema.

8 - Quando representas segues algum método ou teoria? Sigo o meu (risos). Acho

que esta coisa não é muito científica. É técnica sim, obviamente, e muita gente

discordará disto, mas eu acho que é o que tem de menos. Isso é um acréscimo.

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Sobretudo é instinto e sigo o meu instinto. É isso que eu considero certo e é isso que

explico às pessoas que estão comigo a formar-se: aprender a voltar a confiar no teu

instinto, na tua intuição. A intuição no actor é fundamental. Muitas vezes estão a dizer-

te uma coisa e tu sabes que aquilo está errado, estão a dirigir-te e tu dizes: “Não, não é

isto!”. Quando tu te aproprias da personagem, quando ela já fala por ti, quando tu já

respondes em nome próprio, quando a dada altura do processo és a personagem e te

esqueces um bocado de ti, e estás no mood em que ele está naquela cena… Dizias há

pouco que eras muito mais “Stanislavskiano” do que… Meyerholdiano. Meyerhold

diz que… Assim resumidamente: enquanto Stanislavsky procura a verdade, a

autenticidade, ir buscar a memória afectiva, trabalhares intelectualmente a cena toda e

depois colocares-te em cena criando um passado, um futuro, uma razão, todos os

subtextos inerentes, tudo aquilo e mergulhares dentro de ti e procurares uma coisa

autêntica, Meyerhold, diz que o actor não é nada disso. O actor, o grande actor, é o tipo

que está no meio do palco a engatar as meninas do balcão para depois sair com elas no

final da noite. E está a fazer a cena com brilhantismo e a enganar toda a gente, com uma

emoção que parece verdadeira mas não é. Eu acho que é um misto das duas coisas.

Acho que nem um está certo nem o outro está errado. Agora, como processo, sou mais

do primeiro.

9 - Como é que constróis a personagem? Tento perceber primeiro o que é que vai de

exterior na cabeça das pessoas (ex. autor, encenador): como é que ele se veste, como é

que ele anda, que tipo de homem é que ele é, como é que o imaginam, perceber o que é

que querem. Não adianta estar a ir contra a maré, tenho que perceber o perfil. E depois

dessa parte eu penso noutro tipo de coisas: como é que ele fala, que cores é que ele usa,

que cor é que ele é, qual é o signo… Eu tenho que o ver de fora, eu tenho que pensar,

imagina: já gravei, já filmei, já estive sentado a ver-me, não é? No primeiro momento,

que é o processo dos ensaios ou das primeiras cenas ainda, da primeira semana, eu

tenho que perceber como é o tipo por fora. Quando eu o visualizar então aí é rápido, já

pus a 5ª e o carro já está andar. Mas tenho que o ver de fora, tenho que perceber como é

que ele é. E às vezes eu não consigo ver nos primeiros momentos, como é óbvio. Não

consigo, não tenho essa capacidade. Só depois é que eu já o entendo. Ok, aí já ligo o

turbo, como costumo dizer.

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10 - Preferes representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas

(ex. tristeza, raiva, ódio) ou positivas (ex. alegria, amor)? (longa pausa). Eu prefiro

personagens que transmitam emoções, sejam elas quais forem. Nunca pensei se

negativas se… Se me dá mais gozo fazer um tipo que é diferente de mim, então isso

incutir-me-ia a responder-te que gosto mais das personagens que são completamente

negativas… Ok, eu respondo-te a isso: tudo o que não estiver na minha zona de

conforto é o que eu prefiro. Odeio fazer personagens que tenham muito a ver comigo. E

por mais gozo que seja para mim fazer este L (personagem de uma novela) que tem um

lado que não é nada meu, mas no grosso é muito meu, é muito a minha maneira de

sentir, alguma ingenuidade quase, que felizmente ainda tenho, rectidão, no sentido de:

“Não, não vacilo, não traio, sou leal” e aquelas coisas… Mas prefiro quando as

personagens são opostas.

11 - Como é que transmites à personagem vivências emocionais nunca

experienciadas por ti, enquanto actor? Se na tua história pessoal não há essa vivência

respondo-te o mesmo que digo aos meus alunos: a gente tem que fazer pesquisa de

alguma forma, não é? Se não percebe a personagem à partida tem que procurar bué, tem

que perder muito tempo, tem que ler muita coisa, tem que falar com muita gente.

Quando não há essa experiência tento acercar-me de tudo o que for auxílio exterior para

entender qual é o mundo daquela pessoa, o que é que a leva a ser assim, como é que ela

reage, em que contexto é que ela está, porque isso clarifica-me a maneira de fazer. É por

aí quando ela não é clara. Quando ela é muito clara, quando ela é muito transparente,

muito óbvia, ou fujo ao óbvio ou assumo-o. E então tento encontrar pormenores e

requintes e não sei quê… Mas é sempre um trabalho de pesquisa. Não é: “Ah, vou

fechar-me agora em casa…”, às vezes, é. Eu lembro-me que na primeira grande

experiência que tive em televisão, tinha para aí 19 anos, foi a GM (série de televisão),

acabado de sair do Conservatório, “virgenzinho”. “Virgenzinho” não, que tinha feito o

RJ (peça de teatro) e tinha tido uma experiência porreira, mas televisão era a primeira

coisa a sério. E fiz coisas como ficar fechado no meu decor que era na Quinta da

Marinha, portanto, eu dormia lá, a equipa ia toda embora e eu queria sentir as coisas,

queria sentir a casa como minha… Eu fazia um toxicodependente, estive nas Taipas 15

dias nas urgências como se fosse um deles, o tempo todo a vê-los entrar, a sentir aquilo,

disfarçadamente para não ofender, para não perceberem que era um actor que estava ali.

Estava ali como um doente qualquer. E quando posso fazer este tipo de coisas, quando

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tenho oportunidade, e tem sido cada vez mais rara porque a gente está cheios de coisas

para fazer, e as coisas aparecem de repente e não temos quase nenhum tempo de

preparação, acabamos por não ir por ai. Mas quando posso eu acho que é uma mais-

valia muito grande.

12 - Disseste há pouco que já te aconteceu transferir para a vida real uma emoção

vivida na ficção. Já aconteceu n vezes. Os primeiros que me lembro e que foi uma

tragédia para mim, estava a fazer o RJ e chegava a casa e dizia assim: “O que eu tenho

aqui em casa não é amor, aquilo é que é. Aquela paixão, eu não sinto aquilo, só no

palco”. E lembro-me de estar agarrado à CC a chorar que nem uns doidos… E

estivemos para aí 40 minutos agarrados sem nos conseguirmos separar e, não nos dava-

mos assim particularmente bem mas… Como colegas sim, mas não éramos amigos lá

fora nem nada disso, e tínhamos a perfeita noção, e falámos sobre isso a seguir, que

chorávamos não só pela aquela dor inerente do acabar de um projecto e separar das

pessoas, mas porque nunca mais iríamos sentir na nossa vida um amor tão maior, tão

grande, como aquele que vivíamos ali no palco. Sabíamos que isso não está ao alcance

de um ser humano normal… E portanto sabíamos que era… É uma emoção que a

personagem nos tinha oferecido e que a gente não ia ter para nós a não ser ali! E há

coisas que eu digo muitas vezes enquanto ensino que é: “Aproveitem isto, vocês na vida

não vão poder ser isto. Divirtam-se a ser isso, usem isso em vosso benefício”.

13 - Quando é que te libertas da personagem? Libertas-te quando acabas de

representar, vais-te libertando, leva-la para casa? A depender do grau de

profundidade emotiva, emocional de uma cena, às vezes…isso demora um bocadinho a

sair, não é? Por exemplo, fiz alguns tiranos, alguns filhos-da-puta, e o meu feitio nos

corredores, entre veste e despe… Quando eu fiz o primeiro que foi na FV (novela), eu

não me reconhecia, eu era uma besta sem querer, eu dizia: “Eh pá desculpa, isto é da

personagem”. Eu estava, eu tinha umas coisas, aquilo não era meu! Mas também

quando eu tentava voltar a mim e ser normal, e estar a tentar ser simpático e não sei quê,

depois quando ia para a cena a seguir fazia um esforço enorme para voltar a puxar o

indicador para aquecer, reaquecer. Portanto, isso acontece-me n vezes. Eu ando um

bocadinho de acordo com o mood da personagem n vezes. Mas não faço

conscientemente. Se calhar faço mas não tenho… Não, conscientemente não é mas…

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14 - Há pouco, também, já me respondeste a esta questão (4), que as emoções que a

personagem vive passam para ti. Passam, passam. E não só as emoções como tiques e

coisas. Quando passam o que é que fazes para te libertares delas? Acciono a minha

cabeça e digo: “Calma, felizmente isto já passou e…”. Isso é o tempo que te dá.

Acredita que as primeiras vezes era muito complicado, mesmo muito complicado. Eu

lembro-me das primeiras cenas mais fortes da minha vida, eu não conseguia parar,

quase psicodrama. Quer dizer, de repente: “Estou completamente descontrolado, então?

Agora tens que respirar que a seguir tens uma cena que não tem nada disto”. E essa

coisa, sobretudo a da televisão que é muito rápida, tens dez minutos para passar de uma

cena tramada para uma outra zona qualquer, ensina-te a… Se não acho que é loucura.

15 - Então e o contrário: o teu estado de espírito influencia a forma como

representas? Sim, completamente. Pela negativa, pela negativa. Quando o meu ego se

sobrepõe ao ego da personagem eu acho isso gravíssimo e isso acontece-

me…constantemente. E o que fazes para te libertares disso? Esforço-me por me

concentrar mais, por me deixar levar mais, por acreditar… Há sobretudo uma coisa que

me policia imenso que é o meu sentido de auto-crítica. Um sentido de auto-crítica geral,

quase estético, em relação às palavras, em relação aos textos, em relação àquilo que eu

gosto mais… E se eu não acredito eu não consigo envolver-me. Eu acho que eu não

conseguia ser prostituta porque tinha que amar, estás a ver? Para mim não faz sentido.

Eu posso ser, tenho em mim o tipo mais promíscuo do mundo, sim, na boa, percebo isso

lindamente. Agora entregar-me a uma coisa ou a alguém sem ser por desejo, por

sinceridade, não me faz sentido. E acho que como actor sou igual. E montes de vezes as

cenas estão sofríveis, da minha parte, e tento sempre zelar para não estragar a cena ao

colega, porque às vezes não acredito no que estou a dizer: “Não podia dizer aquilo

daquela maneira, nem naquele momento, nem com aquela construção frásica, nem

nada”.

16 - Onde é que acaba o actor e começa a personagem? Não sei. Onde é que acaba o

actor e começa a personagem?! Dá-me um exemplo, não estou a perceber?! Quando é

que deixas de ser tu e passa a ser a personagem? Acho que não é preto e branco. Eu

acho que passa ali por uma zona cinza que ainda não é, que ainda estou a tentar deixar

entrar a personagem, a deixar que ela te possua. Outras vezes estás completamente já

em personagem mas por uma coisa técnica, por um erro, por um deslize, por um

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pequeno engano, por uma coisa mal executada tua, ou pela pessoa com quem

contracenas ou com quem estás, aquele C de repente desce a ti, ficas tu, e depois tens

que recuperar aquilo… Não é contínuo. Não sei mesmo, não sei mesmo!

17 - Tens algum ritual antes de entrar em cena ou em plateau? Não, não tenho.

Tento que…não gosto… Sobretudo quando não estou à vontade não gosto, ou em certos

espectáculos, em certas coisas: “Preciso mesmo de ter esse momento…” Não vou fazer

ioga, não vou rezar, nem ponho o pé à frente, nem faço cruzes, nem faço nada disso.

Mas preciso só de silêncio tipo, deixem-me estar, não se metam muito. Então aquele

teu momento de concentração acaba por ser um ritual? Sim, sim, deixarem-me só

um bocadinho… Não me chateiem, não me venham agora com coisas muito

comezinhas, muito diárias, muito caseiras. Hoje não, agora não, depois, depois.

18 - Preferes fazer teatro, televisão ou cinema? Prefiro fazer aquilo que for bom. O

bom, o bom trabalho, o bom projecto, independentemente do instrumento que for.

Agora por gosto, até enquanto espectador, cinema. Adoro fazer televisão, ao contrário

da maior parte dos meus colegas. Quase que tinha vergonha quando era miúdo toda a

gente: ”Ah fazer televisão, que disparate!” Adoro fazer televisão, sabes por quê?

Porque é o põe disquete e tira disquete. Faço aquilo uma vez, duas ou três, e nunca mais

volto a fazer aquela cena. É maravilhoso. Porque se vêm dizer que o teatro não é rotina,

isto também é uma rotina. Mas que o teatro é rotina, é. Assim ligas e desligas. É, e

agora estou noutra. E é tão giro, é como abrir prendas na árvore de natal: abres uma e já

estás a querer desembrulhar outra.

19 - O que é que sentes quando vês o teu trabalho? Gostas? Não. Gosto de algumas

coisas. Posso apontar-te três ou quatro coisas na vida em que fui bem. Quando não

gostas o que fazes? Evito ver, desaconselho, digo às pessoas que é mau, não vejam,

tipo, peço desculpa: “Olha que esta cena não está assim grande coisa”! Mas também

me habituei, com o tempo, a olhar e a dizer assim: “Mas também tenho que reconhecer

que isto eu fiz bem. Então, também mereço! Isto está bem, não está?”. Eu hoje consigo

dizer isso, consigo dizer coisas maravilhosas que não era capaz de dizer há algum

tempo.

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20 - Como lidas com o reconhecimento público? Muito mal. Se é uma pessoa ou duas

e tal que te vão abordando… Agora se vem um grupo direito a mim… Isto aconteceu-

me, por exemplo, no sábado passado na Figueira da Foz. Eu tive que pôr imediatamente

um Victan debaixo da língua. Estava todo a tremer. Eu tenho ataques de pânico com

multidões, tenho fobias. Não vou a concertos, não entro numa discoteca a não ser que

fume um charro ou beba um copo. Por exemplo, se alguém vai à frente, já lá está no

sítio, e depois diz: “Oh C depois vai lá ter…”, esquece, 99,5% das vezes não vou, não

consigo. Agora quando as pessoas são queridas, quando são inteligentes, quando dizem

coisas positivas… Também já me aconteceu, isto tem um lado maravilhoso também,

houve uma vez que, naqueles períodos, eu pensei assim: “Eu não quero mais isto para

mim, eu não quero ser actor, não vale a pena isto, não faz bem a ninguém”. Estava no

hipermercado junto às arcas congeladoras e uma senhora com bom aspecto virou-se

para mim e disse assim: “que gostava muito do meu trabalho, você é muito importante

na minha vida porque eu estou ali àquela hora da noite, e adoro o seu trabalho, e sinto

que o conheço, eu sou uma pessoa muito só. E já em vários momentos foi uma alegria

poder contar com o episódio da novela aquela hora e não sei quê”. Isto tem um lado

benemérito. E estava de lágrimas nos olhos: “Eu a dizer que não sirvo para nada e se

calhar… Sirvo, sim senhor”.

21 - Que significado tem para ti os aplausos? Olha, têm tudo. Eu fiz há muitos anos, e

uma única vez, Revista (género teatral). Fi-la em Alenquer durante uma data de meses,

era uma coisa profissional com amadores pelo meio, e depois fizemos uma digressão e

acabámos em Vila Franca de Xira, num teatro. E lembro-me que a minha família, que

sempre reprovou o facto de eu ter escolhido ser actor, fui super criticado, eu fugi de casa

e aquela coisa toda… E tinha algumas primas e tias da zona de Vila Franca que estavam

pela primeira vez a ver-me em palco. E no último espectáculo, tínhamos 2.000 e tal

pessoas dentro do teatro. Eu fazia o compère (personagem da revista) e nunca tinha tido

tantas palmas para mim, nunca tinha… Aquilo tinha uma marcação com música, eu era

dos últimos a chegar ao palco e foi altamente perturbador! Eu parei de chorar uma hora

e meia depois, em casa já. Foi uma coisa de aprovação, é sempre uma cena de

aprovação. Mas é giro falar disso. Sabes que há uma cena, não sei se interessa para

alguma coisa, mas é assim: enquanto eu estou num palco e tenho uma sala

absolutamente cheia eu amo, aquilo é maravilhoso, não tenho fobia de coisa nenhuma,

quanto mais melhor, está óptimo. E depois chega o momento do aplauso que é a tal

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transição, aí é notória, estou a largar a personagem e começo a ser eu. E quando as

palmas são muitas eu começo a perceber que sou eu que estou ali exposto. Eu começo a

tremer todo e quero é sair dali! Aí estão aplaudir o actor. E não a personagem que eu

desempenhei. E aí: “Ai estão a olhar para mim, nos meus olhos, estão-me a ver, estão a

ver a minha barriga, estão a ver a minha fieldade”, o que tu quiseres. E penso: “Ai que

horror, que nojo, estão a olhar para mim”. Então só quero sair. Como se ficasses

transparente? Fico transparente. E aí, odeio. Portanto…isso talvez responda à primeira

pergunta: é a capa de ser outras coisas que me ajuda. E no entanto, se falares com

qualquer amigo meu, sou o tipo que mais diz o que pensa, que menos mentiras ou

segredos tem e escarrapacha a vida toda. Ou seja, é como se aguentasses um

reconhecimento à personagem mas não aguentasses um reconhecimento a ti? Isso é

claro! Mas mexe-me com os nervos, completamente. Fico completamente alterado e é

uma cena que não controlo muito bem.

22 - Gostas de ser actor? É como te disse há bocado, às vezes.

23 - O que é que sentes por poder viver “várias vidas”? Esvazia-te, preenche-te,

invade-te… Ah, não, preenche-me. Pronto, há circunstâncias e personagens que te

esvaziam, não é? Obviamente que se dás mais do que recebes a balança fica um pouco

tremida. Mas a maior parte das vezes acho que dão-te coisas e tu ganhas coisas.

24 - E ser actor facilita ou dificulta o teu dia-a-dia? Dificulta e facilita. Dificulta

mais. Dificulta a privacidade, dificulta o poder ter uma loucura saudável que eu tinha e

que hoje não consigo encontrar, nem às vezes já na solidão da minha casa com uns

amigos. Porque já não sou o tipo brincalhão que era porque o facto de ser uma cara

reconhecida, não posso fazer o que eu quero no meio da rua, dizer os disparates, mandar

pulos, pôr-me nu… Que eu andava nu no meio da rua… Porque os outros estão a

olhar para ti? Porque está tudo a olhar para mim. Eu odeio, eu odeio, eu odeio essa

parte! Agora se facilita, facilita porque às vezes em pequenas circunstâncias normais,

corriqueiras, as pessoas são mais simpáticas contigo, nas finanças por exemplo, porque

te reconhecem da novela e até dá jeito. Pronto, graças a Deus que existe também essa

parte mas a outra… O lado actor produto, o actor mercantil, o actor que se vende, o

actor que tem que estar na festa, que tem que dizer não sei quê, que tem que vender a

sua vida privada ou criar uma história falsa de vida para agradar as revistas…eh pá, não.

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É tirado a saca-rolhas cada vez que tenho que fazer uma coisa dessas. Se estiver muito

bem acompanhado com colegas muito fixes é óptimo, se não, não sou capaz. Estou-te a

dizer: eu apresentei os Globos de Ouro e saí assim que fiz a apresentação porque não

estava a aguentar mais aquela porcaria. Eu vou a este tipo de circunstâncias, às festas da

TVI, às Galas e não sei quê, e saio no intervalo. Quer dizer, o apresentador está lá

mas depois o C… Mas no palco sou outra pessoa. O problema é estar lá, na plateia. É

de um egocentrismo, não é? Não, é a tal máscara que dizias há pouco. Ali estás

resguardado. Exacto. Muito Obrigada.

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ENTREVISTA

Data: Março de 2011; Nome: caso D (doravante designada apenas por D); Género:

Feminino; Idade: 82 anos; Anos de Profissão: 70 anos.

Nota: Para manter o anonimato os nomes próprios, das peças de teatro e dos programas de televisão (séries ou

novelas) foram substituídos pelas iniciais.

1 - No início, que motivos a levaram a escolher ser actriz? Não, não houve motivos.

Toda a gente era e, portanto, não houve motivos. Eu comecei com cinco anos porque a

minha família toda do lado da minha mãe, portanto do lado materno, eram todos

actores. Tias, várias, porque a minha mãe tinha três irmãs e um irmão, portanto eles

eram cinco, mas era só um rapaz o resto eram tudo mulheres. E a minha avó que eu

ainda ontem levei uma fotografia que tenho para o meu camarim, para lhe prestar essa

homenagem àquela mulher que me comovia até às lágrimas, que me aterrorizava

quando fazia coisas dramáticas. A empregada tinha que pegar em mim e levar-me

porque eu não parava de gritar e de chorar, e chorar, e chorar, e chorar. E por quê que

isso acontecia? Porque ela me tocava muito quando dramatizava, tocava-me muito,

comovia-me muito, afligia-me muito, aterrava-me. Porque acreditava? Acreditava,

acreditava completamente. Ou então fazia coisas “comiquíssimas”. Era uma actriz

espantosa, uma actriz extraordinária. Como é que é possível que se perca assim um

talento pelo caminho, não é? Mas na época o meu avô era um republicano convicto e

tinha efectivamente um cuidado com as filhas e com a mulher. Era um guardião da

mulher e das filhas e jamais elas estariam em Lisboa. Para ele, Lisboa era um sítio onde

havia areias movediças e ele tinha medo. Estavam aonde? Andavam na província.

Depois, por fim, o meu avô comprou uma casa na Amareleja, que foi a casa onde eu

nasci, e onde a senhora às pessoas que lá vão diz assim: “Foi neste quarto que a D

nasceu” (risos)! Enfim, é muito terno isto, faz-me imensa ternura. Mas ali ficaram, e a

partir daí faziam as sociedades de recreio. O teatro desmontável que chegámos a ter

durante uns anos, depois é já uma derivação, certamente vem um pouco do meu pai que

pertencia a uma grande família de circo: a minha avó fazia volteo a cavalo e o meu avô

era violinista. É muito interessante porque o meu avô tinha o Curso do Conservatório de

Madrid, de Violino, e um dia vê aquela mulher e fica tão apaixonado por ela. Além de

tudo mais era um bocado provocante porque ela quando fazia o volteo tinha umas

malhas justas nas pernas que eram uma coisa para a época. E o avô ficou

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completamente rendido àquela mulher e foi pedir se lhe davam trabalho na orquestra do

circo para poder estar ao pé dela. Até que finalmente chegaram a Elvas. Tinham como

projecto partir, e partiram para Espanha para casa do meu avô e da família do meu avô.

E raptou-a. A minha avó tinha quatro irmãos, que não eram brincadeira eram todos

italianos, e eram homens que faziam assim um certo medo. O meu avô tinha imenso

receio deles. Raptou-a, e conseguiram através de sistemas perfeitamente corriqueiros:

ataram lençóis uns aos outros e ela veio por aí fora. Como era uma mulher muito

ginasticada não tinha problemas. Pela janela? Pela janela. À filme. À filme, à filme, é

cinema. Uma carruagem que estava à espera com a bagagem dela e foram para a estação

apanhar o comboio para Espanha. Uma história de amor. É uma história de amor, de

paixão. E o meu pai contava-me essa história e dizia que o meu avô lhe contava que

estava completamente aterrado por causa dos irmãos, e ele dizia que ia na carruagem e

tinha a sensação que ouvia os cavalos atrás dele até chegarem. Depois foram para

Espanha, tiveram o primeiro filho, portanto o meu tio, e mais tarde vieram até aqui

também porque o meu pai se divertia imenso a contar que o meu avô, o pai dele, decidiu

ser chefe de estação (risos)! E parou tudo porque ele foi para chefe de estação (risos)! E

começou a haver realmente grandes dificuldades naquela casa porque chefe da estação

ainda estava para ser um emprego (risos)! Eles eram muitos, eram quatro filhos com ela.

Era muito engraçado porque do lado da minha mãe eram três raparigas e um rapaz, e do

lado do meu pai era exactamente o contrário eram três homens e uma rapariga. E essa

única rapariga casou com o único homem do outro lado da minha família. E casaram e

tiveram filhos, pronto. Já partiram e houve sempre assim uma história de amor. Ora

bem, formou-se o teatro desmontável, que era um modesto teatro evidentemente, e fez

várias terras durante alguns anos, mas poucos aliás, mas fez. E eu tive essa experiência,

eu era uma criança e vivi isso: os dramas do vento, por exemplo, que era realmente o

maior inimigo de um teatro daqueles de lona. É como os circos que têm que baixar o

Chapitô, porque é sempre muito perigoso em tempo de vento. E o vento ficou sempre

assim como uma lenda, uma lenda temível, temível. Toda a família se levantava, toda a

gente estava a postos para tratar de baixar aqueles panos todos. O vento era um factor

determinante. Era determinante. E entretanto a minha mãe, tenho a imagem da minha

mãe embrulhada praticamente naqueles panos todos, porque era a minha mãe que cozia

aqueles panos todos quando havia algum rasgão. É uma imagem extraordinária ver a

minha mãe no meio daqueles panos todos. Porque aquilo era um pano muito forte e

portanto levanta um pouco, não é? Uma imagem inesquecível da minha mãe que era

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uma mulher extraordinária realmente, porque era uma mulher de uma dedicação:

representava, cozia os panos, tratava dos filhos. Quem é que estava à frente desse

teatro? Era a minha mãe e o meu pai que por sua vez contratavam uma parte da família,

algumas das minhas tias. E a sua mãe representava? A minha mãe representava, a

minha mãe era actriz. Representou comigo aqui, aliás. E o seu pai? O meu pai, no

teatro, não tinha jeito nenhum, um canastrão daqueles que assim que entra em cena a

gente dizia: “Oh meu Deus o que é que este homem vem aqui fazer?” (risos). Nós

gozávamos imenso com o meu pai, dizíamos-lhe isso. A mãe não, a mãe era muito

vocacionada, mas o pai era uma desgraça. Estava lá também a pensar nas contas dele,

quanto é que tinha a bilheteira, quanto é que não tinha, e aquilo sem jeito ainda por

cima… (risos)! E eu gostava imenso de contar o dinheiro, adorava contar dinheiro, era a

minha paixão. Então o meu pai no final de cada espectáculo trazia o dinheiro da

bilheteira numa caixa, punha uma mesa no meio do palco e era ali que contava o

dinheiro. E eu era a grande colaboradora dele a contar o dinheiro, e adorava contar o

dinheiro. Acho que as crianças têm sempre uma grande atracção pelo dinheiro, não é? E

eu não fugi à regra, pronto. Quantos filhos eram? Filhos era eu, o meu irmão…éramos

três. Curiosamente tinha uma diferença grande de nós, enfim de mim, tinha 14 anos e do

meu irmão tinha 13. O meu irmão tem menos um ano que eu e partiu primeiro que nós,

partiu um homem relativamente novo. Sabe que o Alentejo é a minha região, é a minha

região. Outro dia fui lá, fui agora há muito pouco tempo, e foi realmente muito bonito!

Só me entristece um pouco, mas pronto estas coisas modificam-se muito, é que a

planície está muito diminuída. As oliveiras tomaram conta de quase tudo e essa parte é

aquela que eu mais gosto, da planície, de que tanto falava a Florbela Espanca. Mas

depois desde que o meu avô comprou essa casa, essa casinha na Amareleja, as coisas

modificaram-se um pouco. Aliás, o avô sempre representou com a avó, que chegou a

representar no teatro dos meus pais, mas de resto eram sociedades de recreio da época.

E a D entra naturalmente. Estava lá, sempre estive desde que nasci de volta das

minhas tias, e isso. E representava também? Quando existiam papéis de criança era eu

que fazia. Desde já lhe digo que não gostava nada, não gostava nada, nada, detestava!

Não gostava de representar? Não, não gostava nada de representar, inventava coisas:

dores de barriga, que estava doente, que não estava bem, para não entrar. Porque era

muito miúda mas já tinha sexo, se isso se pode dizer de uma criança, uma certa

exigência em relação às pessoas que estavam lá fora. A mim chocava-me imenso se as

pessoas, se o espectador, era mais grosseiro, se era capaz de dizer alguma coisa, se

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dizia: “Oh compadre não sei quê!”. Todas essas coisas que às vezes ouvia chocavam-

me, chocavam-me imenso, imenso. Então eu preferia não ter conhecimento e receber o

carinho extraordinário da minha mãe que dizia logo: “Ah pois coitada ela não pode, ela

não pode!”. E arranjava logo uma maneira qualquer porque eu estava com dores porque

não podia ser: ”Oh H, o meu pai era H também, não pode ser, não pode ser, coitadinha.

Vamos arranjar as coisas de outra maneira!”. Aquela mãe, aquela mãe, aquela mãe! A

história do Dona Maria (Teatro) nasce porque nós fazíamos nos últimos anos quando eu

tinha 11/12/13 anos. Depois aos 7 anos vim para Lisboa. E a partir daí fazia-se

espectáculos em sociedades de recreio, indo e voltando. Então havia um cantor que

tinha tido um grande nome, mas pronto estava no fim da carreira, chamava-se SR, era

um tenor e, enfim, já nessa decadência, a precisar de ganhar a vida e tendo ainda alguma

voz, era contratado para estes pequenos grupos ao qual eu pertencia, que nessa altura

não era nada dramática era a cantar, cantava umas modinhas brasileiras. Quem é que

cantava era a D? Eu, eu. Porque tinha uma voz pequenina mas afinada. E então o SR

num desses espectáculos ouviu-me, achou que era muito engraçada e que era capaz de

ter jeito. Soube entretanto que a ARC, a minha querida e mais amada mestra, precisava

de uma miúda novinha para entrar numa peça da VV que se chamava o V. Que o 1º

Acto era passado num colégio e esse papel estava precisamente nesse 1º Acto. Depois já

seguia com a protagonista que era a ML. E assim foi, mandaram-me chamar e a minha

mãe ficou delirante porque, efectivamente, o Dona Maria foi sempre um teatro

exemplar. Sermos contratados pelo Nacional era uma coisa prestigiadíssima! Um actor

do Dona Maria! Na minha maneira de ser a mãe estava com um grande entusiasmo e eu

gostei mas não estava assim tão entusiasmada, e a mãe ficou muito surpreendida:

“Então tu, tu com a idade que tens és convidada, uma oportunidade destas para ir para

o teatro, não sei quê?!”. E eu olhei para ela e disse: “e por que não?” (longo silêncio).

Fantástico, não é? Foi sempre uma coisa que me ficou na cabeça. Tão engraçado, eu

disse à mãe por que não como se eu merecesse isso, como se fosse uma coisa natural.

Porque é que não hei-de ir? Devia pensar inconscientemente que era capaz e portanto…

devia ser isso. Mas era a tal menina que não queria ir para o palco. Era, era, era.

Sim, sim, sim mas nunca estive tão agarrada assim. Eu estreei-me com 7 anos e só parei

um ano porque não se podia, tinha que ir para o Conservatório e só se podia entrar no

Conservatório aos quatorze anos, portanto eu fiz o Curso dos 14 aos 17.

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7 - Tirou o Conservatório? Tirei o Conservatório. Tive realmente grandes mestres

porque eram grandes actores: o AC, a MM, o AP, eram tudo realmente muito bons

actores, o que foi óptimo. E nos últimos já estava a receber lições deles durante a manhã

e à noite a representar com eles. Quando tinha dezasseis para dezassete anos e estava

acabar o Camões, estava a ter aulas no Conservatório e estava a representar à noite duas

sessões com a MC e o VS no Variedades (Teatro).

2 - Neste momento, que motivos a fazem persistir a ser actriz? Porque me apaixonei

pelo teatro! Quando eu deixei o teatro aos 23 anos, que regressei quatro anos depois,

quando eu deixei o teatro estava muito farta. Deixou o Teatro D. Maria? Não, eu fiz

em vários sítios. Eu estreei no Dona Maria mas a partir dos quinze comecei a estar fora

a fazer opereta, por exemplo, com o A. E comecei realmente a ter imenso trabalho,

imensos papeis, e fiz a N (comédia), no Maria Vitória (Teatro) com o VS. Fiz as

Raparigas Modernas (comédia) que era eu, a II e a ML, no Variedades. Trabalhei muito,

eu trabalhei sempre muito, eu trabalhei sempre muito. Tive sempre uma energia, que

ainda agora tenho, graças a Deus. Aos 23 anos saio do teatro porque estava cansada.

Ah, de fazer teatro! Estava farta de fazer teatro, estava farta. Tinha feito tanto. Tanto,

desde os 5 anos, estava farta! Queria conhecer outra gente já estava farta. Outro

mundo. Outro mundo, outra coisa, outras conversas que não tivessem nada que ver com

o teatro. Afastei-me completamente. Estudei um pouco de dactilografia, primeiro estive

ao balcão de uma casa de cortiças do MK, na Rua da Escola Politécnica, que era um

belo homem, inteligente, um bom homem que percebeu perfeitamente a minha situação.

Eu nessa altura já tinha a minha filha, porque eu tinha feito o meu primeiro casamento

com 18 anos, tinha tido a minha filha com 19 e separei-me do meu primeiro marido para

aí aos 20 anos. Meu Deus, aos 20/21. Foi tudo muito cedo, muito cedo, muito cedo. E as

emoções que são dadas por tudo isso também muito cedo, não é? Depois saí, primeiro

estive no MK ao balcão, foi uma barulheira, os jornais, essas coisas, e iam e tiravam

fotografias… Andava toda a gente meia tonta porque eu já protagonizava nessa altura,

não era propriamente assim uns papelinhos. Era mesmo protagonista e tinha um nome já

a…enfim! Ficou tudo um bocado tonto mas eu fiquei contente, sabe por quê? Já tinha a

minha filha, claro que tive sempre as preocupações de uma pessoa que ganhava 80 e

passou a ganhar 10, não é? Portanto, era diferente e eu suportei isso com dificuldade e

com muito sacrifício. Mas valeu a pena, depois. Então estive um ano e meio dois anos

numa fábrica na SC, uma fábrica de cabos eléctricos na Venda Nova e eu vivia em

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Lisboa, para ali para os lados de São Bento. Era muito pesado, era muito duro, tinha que

deixar a minha filha muito cedo na escola para depois apanhar uma camioneta para a

Venda Nova. Que era longe. Longíssimo, mas tinha que ser. Foi bom, foi uma

experiência riquíssima. Precisou de fazer isso, esse corte? Precisei muito de fazer esse

corte, precisei muito de fazer, pronto. Que acto de coragem cortar com tudo já com

uma carreira… Foi, foi, foi. Quanto tempo demorou esse corte? Quatro anos, ainda

foram quatro anos. No último ano fiz um pouco de teatro radiofónico porque pronto, eu

podia fazer as duas coisas. E na fábrica senti-me muito bem porque conheci gente com

outros interesses, outras naturezas, outros sonhos, outros projectos, outras lutas. Foi

muito bom. Não tinha saudades? Não, não tinha saudades, ainda não tinha saudades.

Entretanto, o meu segundo casamento é exactamente com o engenheiro dessa fábrica,

com quem casei e de quem tenho quatro dos meus filhos. Recomecei por insistência do

VM e do director técnico da fábrica de quem eu era secretária, que era uma pessoa

bondosa, maravilhosa, uma pessoa extraordinária. Faleceu. E ele não estava nada de

acordo e dizia: “Oh D, você não tinha necessidade nenhuma disso, tinha o seu lugar no

teatro tão bom”. E estava sempre, volta e meia… Até que por fim o VM, que era um

amigo, e o PC que era um figurinista notabilíssimo e um grande amigo meu também,

foram desafiar-me. Então ele, VM, desafia-me com a JA (peça de teatro) com uma

grande peça, efectivamente. Por fim eu fiz e foi um êxito estrondoso, filas de gente

naquele passeio, na Avenida da Liberdade. Existe uma fotografia dessa multidão no

nosso museu, na grande exposição que se fez sobre mim que durou dois anos. Foi uma

exposição extraordinária feita pelo meu querido VPS. E volta a sentir? E volto a sentir.

A partir daí eu percebi que era essa, realmente, a minha estrada e que não valia a pena

estar a sair dela. E cada vez me apaixonei mais, cada vez as coisas foram mais difíceis,

mais difíceis de luta, de trabalho, muito trabalho, muito trabalho, trabalho de paixão. A

partir de uma certa altura passou a ser, uma paixão, porque os grandes papéis

apaixonam-nos, não é? Apaixonam-nos os encenadores, porque acho que é… A figura

máxima são eles. O encenador é um pai que nos orienta, que nos diz que talvez o

caminho não seja por ali, e é por ali, e nós já temos grandes encenadores, felizmente. É

uma satisfação muito grande. O ensaio é o mais importante. Na altura os seus pais

devem ter ficado… Ai os meus pais coitados ficaram, foi um desgosto para eles

enormes, um desgosto enorme, um desgosto que durou quatro anos. Ainda foi muito

tempo, não é?

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3 - Que motivos a fariam desistir da sua profissão? Que motivos? O sentir que não

era capaz, o estar fisicamente muito apanhada, a minha cabeça também já não estar a

funcionar. Aliás eu estou convencida, segundo a minha maneira de ser, a minha

natureza, que eu sou a primeira a não querer. Mas de qualquer modo tenho a minha

família bem avisada, e os meus amigos mais íntimos, para me dizerem se eu perder o

juízo e pensar que sim que posso. Eles têm que fazer isso, que é difícil, que é duro, mas

têm que o fazer, dizer-me e convencer-me que já não estou em condições de. Enquanto

estiver em condições de, que é o que se passa neste momento, eu vivo o meu trabalho…

nem imagina, com uma paixão enorme, uma paixão enorme. Deve ser porque eu sei que

falta pouco, eu sei disso. Tenho 82 anos, portanto não sei quando é que fará clique na

minha cabeça. Pode fazer e nessa altura terei de parar, com grande desgosto (silêncio

prolongado).

4 - Quem é a actriz? Eu acho que é uma pessoa que tem que viver de olhos abertos,

muito bem abertos para tudo. Para tudo. Porque a nossa profissão é sempre uma cópia,

sempre. Nós inspiramo-nos em certas personagens e temos que ter realmente o

equilíbrio para não nos deixarmos apanhar completamente porque há papeis que exigem

tanto de nós que temos que controlar, não é? Eu conto-lhe: quando estava a fazer a MC

(peça de teatro) havia uma cena muito difícil, muito violenta, que era o facto de para

não denunciar, porque era muito perigoso a denúncia, podia acabar com vida deles

todos, o filho que foi morto, ela tinha dizer que não o conhecia. Era uma cena terrível. E

nessa cena todas as noites eu sentia, a tensão era tão forte… Lá está, quer dizer, não

soube controlar, a tensão era tão forte, tão forte, tão forte dentro de mim, era tão terrível

dentro de mim que eu própria dizia: “Calma, calma D, calma, calma!”. Parámos a peça

no Verão e depois continuámo-la no Outono. E eu fui com uma das minhas filhas fazer

férias. E um dia aluguei uma casa de campo, uma casa baixinha, com aquela porta que

tem o postigo, e havia um banco de pedra cá fora e uns fios eléctricos que passavam. E

eu olhei para o fio e disse para a minha filha J: “Olha que esquisito, estão aqui dois

fios, por que é que estão aqui dois fios?!” E a J diz-me: “Não mãe está só um fio!”. E

eu estranhei imenso aquilo, chamou-me muito à atenção. Mas eu vi dois fios. E foi num

crescendo, a partir daí eu via em duplicado. Via-a a si mas depois via a continuação do

seu rosto que ia mais acima, portanto a duplicidade de imagens. E era tudo assim. E eu

fui tratar disso, não é? O médico que me tratou ficou surpreendido como é que eu podia

andar. Mas uma das minhas filhas levou-me lá a Santarém, ao Dr. P, que era um homem

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extraordinário, realmente um grande médico e ele disse-me: “Como é que você pode,

como é que a sua cabeça aguenta!”. Porque os valores que existiam nos olhos, entre um

e outro… “Como é que pode andar aqui, como é que pode estar…!“. Porque era

terrível, principalmente a viagem foi muito difícil porque aquelas pinturas que existem

nas estradas entravam-me pelos olhos dentro. Era uma coisa assim complicada. Então o

Dr. P tratou-me. Mas enfim, com esta tendência que nós às vezes temos para o lado de

fora é que bom, que aliás muitas vezes não existe razão para isso, temos grandes

médicos, temos realmente pessoas extraordinárias aqui na nossa terra, no nosso país, fui

a Barcelona, ao célebre B (médico) de Barcelona. Pronto, lá fomos, eu estava um pouco

melhor porque o Dr. P, pelo menos para a cabeça descansar um pouco, tinha-me posto

uma lente que não era mais do que uma espécie de… Devo estar a dizer imensas

asneiras mas pronto não sei, que se colava aos óculos. Foi bastante bom, ajudou-me

imenso, ele disse que depois era uma coisa para mudar mas… E depois passei lá por uns

médicos, o sistema é esse, vai-se passando por vários médicos até chegar enfim ao

Director com todos os exames que se fez até aí, e depois ele deu-me umas lentes que eu

aliás continuo a usar, são lentes prismáticas, e eu disse-lhe, e eu perguntei-lhe: “Sabe

que eu penso que isto aconteceu porque eu estava a fazer uma peça assim, assim,

assim”. Ele ficou a olhar para mim e disse-me: “Pois é, há muita coisa que nós não

sabemos!”. E aí ficou. Ele não disse nem sim nem não, respondeu que há muita coisa

que nós não sabemos. Mas eu sei que foi isso, eu sei que foi. (12) A D enquanto actriz

agarrou as emoções dessa personagem? Agarrei, agarrei, passaram para mim e isso é

que não pode ser. E quando isso acontece como é que faz para se libertar… Foi aí

que aconteceu mas não voltou a acontecer, não voltou a acontecer. Eu entrego-me, eu

faço a entrega, mas a minha entrega é sempre controlada. A partir desse momento? A

partir desse momento, eu senti que não podia, não podia ir além. É perigoso, é muito

perigoso. Pode-nos acontecer coisas como aconteceu a mim, por exemplo, em relação à

visão. E depois ficou boa? Sim, hoje em dia, depois dessas lentes prismáticas é muito

raro, só se for uma luz assim muito estranha que apareça onde eu esteja, mas há anos

que isso não acontece. Mas a D associou isso a esse momento? Associei. Saía de mim

própria porque era demais, era demais, a emoção era tanta, tanta, que eu própria me

queria controlar, eu própria falava comigo e dizia: “D, calma, calma, não pode ser

calma, calma!”. Porque aquilo é uma coisa… só silêncio, não tinha falas. Ela estava de

boca fechada quando lhe perguntam se ela conhece aquele homem e ela diz que não,

mas diz que não com a cabeça. Foi uma coisa medonha, medonha! E nunca mais

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deixou que as personagens… Não, a partir daí tenho muito cuidado, muito cuidado. Eu

estava a observar-me repare, mas a emoção estava a tomar conta de mim e a emoção

não pode tomar conta de mim assim, não é? Eu outro dia, mas acho que aí houve muito

cansaço, quando acabei a peça (CM), quando fiz a última cena, chorava, chorava,

chorava… Abriu-se o pano e eu estava a soluçar ainda e estive imenso tempo a chorar!

De emoção? De emoção, de emoção. Estive a chorar, a chorar, a chorar. Ela tomou

conta um bocado de mim. Então às vezes… Às vezes. É preciso cuidado, estar ali à

esquina, não é? (risos)! Às vezes, ainda lhe acontece? Às vezes ainda acontece. Agora

aconteceu: fiz a peça sim senhor, comovi-me imenso sim senhor, mas quando acabou a

peça, a última cena com o PC, pronto foi a chorar, a chorar, a chorar… Quando eu

venho mudar de roupa para depois aparecer com aquela jóias todas e os anéis já estava a

soluçar, a soluçar. Já estava aquele querido do FA a cuidar-me, a arranjar-me… E eu já

estava a chorar, a chorar, a chora. Já começava a estar toda a gente assim... Porque não

era a chorar era a soluçar. Já fiz um esforço para fazer a última cena para não estar a

soluçar, e quando acabou a cena foi um pranto que nunca mais acabava. Precisava disso,

devia precisar disso. A peça é muito cansativa, são três horas mais os ensaios de trás,

também! Quando se colam à sua pele o que faz para se libertar? Não faço nada.

Choro, choro, choro, choro o tempo que for preciso, aquele que a minha natureza diz

que eu devo chorar. E respeita esse tempo? Claro, respeito completamente esse tempo.

E fico contente por estar viva e ter paixão dentro de mim, que faz com que isso

aconteça.

15 - E o contrário já lhe aconteceu: o seu estado de espírito influenciar a forma

como representa? Não, não. Não posso permitir, isso não posso, não, não, isso não.

Controla? Tenho que controlar. Esteja triste se o papel for alegre é alegre. A Carla sabe

isso, acontece com todos nós, temos que nos deixar à porta. Deixamos no camarim e

levamos a personagem para cena connosco. Tem que ser.

5 - Quem é a personagem? A personagem é aquela que tentamos interpretar o melhor

possível. Trabalhámos para isso, fixámos…e amamos. Amamos a personagem! Eu

ouvi-a dizer isso numa entrevista na televisão. A D dizia que mesmo que fossem

uns trapalhões, uns aldrabões… Assassinos. Tinha que os amar. É, não consigo de

outra maneira. Ama as suas personagens? Claro amo-as a todas.

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6 - Quem é que representa: a actriz, a personagem ou ambas? (longo silêncio). A

personagem tem que ser criada pela actriz, portanto, são inseparáveis. Daqui a pouco

quando entrar para fazer a peça quem é que está a representar? Está a actriz, tal

como eu a vejo, observando permanentemente a personagem. A actriz é que comanda e

ai dela se não comandar, pode-se perder. O auto-controle é permanente, é preciso um

auto-controle, por vezes, muito violento. Nas outras profissões podemos levar alguns

dos nossos problemas, nesta não.

8 - Quando representa segue algum método ou teoria? Não, sigo só a verdade.

Dentro da personagem a minha verdade. Não pensa em técnicas… Não. Para mim, que

faço em Novembro 70 anos de profissão, já a cena acaba por estar dentro de mim e eu

dentro dela. Francamente já há muito pouco segredos se é que existem. Segredos

existem, efectivamente existem, mas é… (longa pausa). O meu segredo é sentir, sentir,

sentir e ter a luta constante de querer chegar lá, querer chegar ao máximo, dar o

máximo. Esse é o meu segredo, e nunca fico contente. Nunca fica contente? Nunca

fico contente! (19) - O que sente quando vê o teu trabalho? Vê-lo, não gosto, isso não

gosto. Não gosta? Não gosto, raramente gosto, raramente gosto. Então fica uma coisa

meia cómica de me estar a ver. Primeiro, não gosto de me ver acho que… Estou

convencida de que não é aquilo que eu devia estar a... E depois, quando começam a

projectar qualquer coisa de mim eu afasto-me, vou-me embora. Não vê? Não vejo. Por

exemplo, a MC eu depois ia ver assim uns bocados e depois falo exactamente como se

fosse outra pessoa: “Olha este bocado aqui acho que está bem. Aquele não gosto nada

mas isto está bem. Sim, a emoção está!”. Está a avaliar o seu trabalho como se fosse

outra pessoa? Outra pessoa, completamente como outra pessoa.

9 - Como é que constrói a sua personagem? Isso fica uma coisa muito pretensiosa por

que… A personagem nasce através de, primeiro que tudo, coisa que eu contrario

permanentemente, através do instinto. Eu sou completamente uma actriz de instinto. E

tenho uma intuição enorme e isso é muito interessante, é uma graça de Deus. Por outro

lado, facilita demasiado as coisas e, portanto, eu tenho que as tornar difíceis. Sempre

houve no teatro esta coisa, esta lenda, eu sei que é assim, porque se disse muitas vezes:

“Ela pega na leitura, a primeira leitura que ela faz já encontrou o papel, já está!”. Isso

é uma coisa corrente, não é? E isso foi uma coisa que a partir de certa altura eu quis

fazer muito para destruir isso, para contrariar isso porque não é bom. Não é bom porque

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pode ser repetitivo. Isto não é infindável, posso repetir coisas que já fiz. Receitas.

Receitas que me são familiares e eu emprego porque sei que funcionam, não é? E eu, a

partir de uma certa altura, comecei a querer contrariar isso tudo, estudando mais,

aplicando-me mais, e agarrando-me mais aos encenadores porque graças a Deus são

muito bons e ajudam-me imenso nisso e percebem o que isso é. O JP, o JL, o DI, o JM,

hoje em dia é uma satisfação. E novos encenadores que começam a aparecer muito

interessantes, muito interessantes. Dá muito valor aos encenadores. Muito. Ai, muito,

muito, muito, muito. Eu não percebo como é que não se pode valorizar o encenador, ele

é o mestre é o chefe de tudo, ele tem todas (personagens) na cabeça, não é? Nós temos

que o ouvir e nos aconselhar. E hoje temos muita sorte porque temos realmente grandes

encenadores. Porque na minha geração também havia encenadores muito fracos e com

esses é que era complicado. Mas pronto, as coisas iam-se compondo e com esta intuição

danada que eu tenho, esse instinto que eu tenho que eu acho que devo à minha avó.

Devo-lhe isso porque não é por acaso que ela toca uma criança daquela maneira, não é

por acaso. Tem que ser muito grande e ela era! E ela deu-me isso, ofereceu-me isso. Eu

agasalho isso e trato com muito, muito, muito amor. Construo as personagens de dentro

para fora e amo-as. Porque elas podem ser terríveis mas eu amo-as (risos). A Z

(personagem) era uma coisa! O JP dizia-me: ”Mas ela é péssima, como é que tu podes

gostar dela? É péssima, ela é um estupor!” Depois começo: “Não é bem um

estupor…!”. Começo a argumentar para defender a personagem.

10 - Prefere representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas

(ex. tristeza, raiva) ou positivas (ex. alegria, amor)? Não, para mim é igual. O que é

preciso é que sejam grandes papéis e grandes dramaturgos. Isso é que é bom para nós.

11 - Como é que transmite à personagem vivências emocionais nunca sentidas ou

experienciadas por si, enquanto actriz? (longa pausa). Sabe que eu, como todos nós

devemos ser, sou um observador. Além de gostar muito das pessoas eu observo-as

sempre. E muito. E vou muitas vezes buscar a elas determinadas coisas que me fazem

falta para uma determinada personagem. (longa pausa). Somos um bocado morcegos,

não é?

13 - Quando é que se liberta da sua personagem? Fico com saudades, primeiro. Fico

com muitas saudades da personagem porque ela me deu grandes alegrias, grandes

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compensações. Porque quando nós interpretamos uma personagem que efectivamente

está bem, atrai as outras pessoas, os espectadores ficam tocados, não é? Porque é muito

bonito sentir isso. Graças a Deus tem-me acontecido muitas vezes sentir que as pessoas

estão presas, ao longo da minha vida tenho sentido isso, com todas as idades. Na Z, no

Trindade (Teatro), dei comigo a dizer ao JP, porque ele defendia que os jovens estavam

lá, iam gostar dessa peça. E eu fiquei muito surpreendida e disse: “JP o que é que

interessa agora a um jovem uma senhora de idade que está aqui a contar as suas

aventuras?”. E ele disse: “Não, não, estás enganada!”. E é extraordinário porque ele

tinha razão. Porque a Carla não imagina como é que aquele Teatro da Trindade, em

1968, a MC foi em 66 e a Z foi dois anos depois, como eles estavam de pé a aplaudir!

Mas o importante era ver as expressões deles, isso é que era muito bonito, muito bonito!

Foi na altura dos negros, que eles vestiam todos de preto desde as botas até ao resto, e

era assim o espectáculo… Hoje no CM é isso que também aparece. Evidentemente que

não será em todas mas é tão compensador ver como é que as pessoas olham, como é que

estão agarradas, é uma graça de Deus, não é? Agradeço a Deus todos os dias. Neste

espectáculo, por exemplo, quando é que a personagem sai de si? Vai saindo aos

bocados. Eu sou sempre a última pessoa que sai do teatro, mas sempre em todos os

teatros. Eu devo ter o ódio dos porteiros em cima de mim (risos), porque eles saem mais

tarde porque eu saio mais tarde. Não sou capaz, não sou capaz de chegar, despir e ir

embora para a rua. Não sou capaz, nem pensar. Tem que ser devagar, tem que se tirar a

maquilhagem, tem que se conversar porque aparecem amigos, colegas que são capaz de

estar ali a conversar connosco, não é? Ou amigos que vieram, que estiveram a ver a

peça, ou técnicos que estão connosco, por exemplo. Há sempre uma conversa, há

sempre uma coisa distractiva. Mas fala-se da peça, fala-se da peça. Por exemplo, como

eu e o PC falamos naquilo que aconteceu em cena muitas vezes. Se há coisas que

modificámos um pouco e que deram resultado ao nível das marcações, ao nível dos

ritmos, etc. Esse tempo vai ajudando… Esse tempo vai ajudando e nós vamo-nos

libertando, vamo-nos libertando. E depois quando sai do teatro já é a D? Depois

quando saio do teatro já sou eu, sim. Mas mudo de roupa, tiro o roupão, depois tiro a

maquilhagem, tudo isso é um cerimonial que eu faço que não posso deixar de fazer, não

posso. Sair ir para o camarim a correr, e despir, e sair eu não sou capaz de fazer isso,

não quero, não quero. Eu quero ter aquele prazer de me despedir daquela personagem

até amanhã. E pronto, tiro a roupa dela, visto a minha roupa, tiro as pinturas dela, tiro a

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pintura toda, porque quase sempre ando com muito pouca. E despede-se dela. Despeço-

me.

17 - Tem algum ritual antes de entrar em cena ou em plateau? Sempre. Faço uma

oração para que Deus me ajude (longa pausa). Reza? Rezo. Antes de entrar em cena?

Rezo, sempre.

21 - Que significado tem para si os aplausos? Têm muito significado, claro está. Nós

entendemos os aplausos logo: se agradou, se não agradou… É uma coisa que está à

vista, não é? E os aplausos de teatro são muito importantes porque são espontâneos,

ninguém obriga ninguém a aplaudir, portanto, temos essa segurança. Na televisão, por

exemplo, não temos segurança nenhuma nesse aspecto, as coisas são feitas de maneira

diferente, o público reage ou não reage. Há que ver e há que tentar descobrir porque é

que ele não reage tão bem assim. Mas enfim é uma aventura, o público gostar ou não

gostar de um texto, gostar ou não gostar de uma peça é uma carta fechada, nunca se

sabe. Dia-a-dia ou peça a peça? Não, peça a peça. Nunca se sabe, nós podemos gostar

muito dela e o público não lhe pegar.

18 - Prefere fazer teatro, televisão ou cinema? Teatro, claro. Primeiro que tudo teatro,

não é? Mas televisão acho interessante, também. Dá-nos possibilidades curiosas, não é?

Vivemos rodeados da técnica mas de qualquer modo tem que se ter essa irmandade,

temos que ter essa irmandade, não é? Compor uma personagem, e ambas sabemos que

isso é interessante, é muito interessante que não tenha nada a ver connosco,

absolutamente nada.

20 - Como lida com o reconhecimento público? (risos). Lido bem, lido bem.

Francamente choca-me um pouco que não tenhamos para com alguém que se nos dirige,

e às vezes emocionado, que não sejamos ternos, compreensivos, meigos, pacientes,

ouvindo. Eu oiço sempre. Mas acho que não é nada de extraordinário, é a minha

obrigação. É uma pessoa que se dirige a mim falando do meu trabalho e dizendo bem, e

às vezes muito emocionado. Claro, tenho que abraçar, beijar, e isso é bom. A pessoa

fica feliz e eu também fico feliz porque dei essa emoção às pessoas. A coisa mais linda

do nosso trabalho é isso. É passar emoções? É a coisa mais bonita passar as emoções.

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Quer coisa melhor? Não há melhor do que uma pessoa que vem cheia de lágrimas dizer

que viu e que gostou tanto, que se emocionou. É uma graça de Deus.

22 - Gosta de ser actriz? Sim (risos). Muito!

24 - Ser actriz facilita ou dificulta o seu dia-a-dia? Ser actriz? O facto de ser actriz.

Não. Não, não, trabalho mais. Trabalho mais porque trabalho em casa e trabalho no

palco. Porque vivo sozinha, porque tenho empregada mas poucas horas por semana e

tenho esta satisfação. Eu gosto muito da casa, eu sou muito bicho de casa. Bem sei que

também tenho necessidade de sair um pouco. Quer dizer, se eu estiver dois dias em casa

e não sair para lado nenhum faz-me impressão. E sou filha de espanhol, o meu pai era

uma pessoa que andava sempre sai e entra, sai e entra. Estar encerrado em casa era uma

coisa que a ele lhe fazia…

23 - O que é que sente por poder viver “várias vidas”? Que sou uma mulher feliz que

tive a oportunidade de poder viver isso. É extraordinário, é o melhor! Que profissão tão

extraordinária que permite que isso aconteça, não é? (longa pausa). Já viveu milhares

de vidas! Já, já, já, já. Pois, que enriquecimento o meu e que compreensão perante os

outros, que compreensão. Aprende com as suas personagens? Aprendo imenso. Cada

vez sou mais compreensiva, mais atenta. Mas isso é realmente a idade que traz essa

coisa maravilhosa de estar atento a tudo, não é? E de ser compreensivo, de ter um

grande respeito pelo ser humano cada vez mais. Francamente, se com a minha idade as

pessoas não tentam estar junto dos outros, não é? Aquilo tudo que já passei: tive uma

vida muito aventurosa, casei-me três vezes, portanto, apaixonei-me várias vezes. Ter

essa compreensão para com as paixões dos outros, não é? A vida é uma coisa

maravilhosa, esta vida vale muito a pena viver. Seja como for, tive momentos muito

difíceis na minha vida, muito difíceis. Aqueles quatro anos foram muito duros para

mim, muito duros. Mas valeram a pena, valeu a pena. Valeu a pena porque me deu essa

hipótese, essa possibilidade, esse enriquecimento de conhecer gente diferente que não

tinha nada a ver com o teatro, mas que tinha outros interesses outros sonhos, outra visão

das coisas. Os operários da fábrica, as dificuldades deles, tudo isso foi um

enriquecimento enorme para mim. E se calhar tinha que fazer esse percurso de se

desviar para se encontrar? É capaz de ser. Parecia que se estava a perder… Mas

não estava. E repare que foi um dos grandes êxitos da minha vida, as duas (peças).

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Aliás, eu dessa segunda parte eu divido um pouco, entre a MC e a JA. Quer dizer, são

os dois pólos completamente diferentes de direcções, de tudo, mas são as duas grandes

forças, os dois grandes apoios para mim, os dois grandes apoios para mim. (longa

pausa). E hoje quando represento… (longa pausa). É como se não pudesse ser outra

coisa. Era isto que eu tinha que ser. Mesmo querendo fugir? Sim. Não havia volta a

dar? Não havia volta a dar. É bom viver, é muito bom. Muito Obrigada.

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ENTREVISTA

Data: Janeiro de 2011; Nome: caso E (doravante denominado apenas por E); Género:

Feminino; Idade: 46 anos; Anos de Profissão: 27 anos.

Nota: Para manter o anonimato os nomes próprios, das peças de teatro e dos programas de televisão (séries ou

novelas) foram substituídos pelas iniciais.

1 - No início, que motivos te levaram a escolher ser actriz? No início de tudo era um

sonho de criança. Desde criança que eu vestia roupas da minha mãe e calçava sapatitos

de salto alto, punha fitas, baton, e punha-me em frente ao espelho sozinha a dizer textos.

E adorava ver cinema, cinema português. Aqueles filmes, aquela época áurea do cinema

português. Só que achava que era… Para mim era uma ilusão, era uma brincadeira,

nunca pensei… Era um sonho irrealizável. Até que aos 19 anos… Tanto que eu, depois,

andada indecisa: eu queria ser médica porque queria tratar dos doentes com carinho;

queria ser advogada porque queria defender as causas justas; queria ser agrónoma

porque também gostava muito dos animais e do campo. Portanto, queria ser tudo e

queria ser nada. No fundo, eu queria era ser actriz porque posso reunir isso tudo. Até

que um amigo meu, e como fiz dança, como fiz ballet também, iam fazer cá o “Musical

A” e entretanto diziam: “se souberes cantar, se tiveres jeito para cantar, dançar e

representar, vem”. Fui fazer a audição, na altura ainda se dizia audição não se dizia

casting, e fiquei. Pronto, e a partir daí o processo foi irreversível.

2 - Neste momento, que motivos te fazem persistir em ser actriz? Neste momento

não me vejo a fazer outra coisa, obviamente, porque amo profundamente a minha

profissão. Embora se estivesse aflita eu acho que estou apta a fazer seja o que for: eu

vou ser cabeleireira, vou servir à mesa, vou lavar pratos, servir num restaurante…

Então continuas a ser actriz porque amas o que fazes? Porque amo o que faço,

profundamente.

3 - Que motivos te fariam desistir da tua profissão? Que motivos?! Só por doença de

alguém. Mas isso também seria complicado porque neste momento ser actriz é a minha

subsistência, não é? Não sou rica, não tenho bens, não tenho pais ricos nem tenho conta

no BES (risos), neste momento não podia deixar de trabalhar. Eu acho que nada me

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poderia levar a deixar de ser actriz. A não ser se eu ficasse…tetraplégica.

Incapacitada? Incapacitada, mesmo. Só isso.

4 - Quem é a actriz? É uma mulher normal, normalíssima como as outras. Que tem

sentimentos como as outras pessoas, que tem dúvidas, depressões, momentos de

felicidade, infelicidade, de alegria, de tristeza, que chora e ri como toda a gente no

mundo, não é?

5 - Quem é a personagem? A personagem… São as várias que nos dão a fazer, mas

que eu acho que empresto sempre um bocadinho de mim a cada personagem que eu

faço, para lhe dar um bocadinho de verdade. Em cada personagem que faço há sempre

qualquer coisa minha.

6 - Quem é que representa: a actriz, a personagem ou ambas? Eu acho que são

ambas. Eu não fiz Conservatório, mas eu sei que uma das coisas que ensinam é a

distanciação, que é o Método de Stanislavsky, que é criar distanciação, que é a actriz, o

actor não se pode misturar com a personagem. Eu não consigo. Eu tenho que me

envolver, porque as coisas têm que ter verdade. Essa coisa da técnica para mim não dá.

Eu envolvo-me profundamente.

8 - Quando representas segues algum método ou teoria? Não, é intuitivo. Eu acho

que é tudo por intuição. Eu não fiz escola, não fiz Conservatório, não tirei nenhum

curso. Tenho aprendido com os colegas com quem represento, com os actores, com os

encenadores, com os directores, a ver filmes, a ver teatro. Mesmo quando se vê mau é

bom porque a gente diz: “aquilo não é bom fazer daquela maneira. Aquilo é mau, ou

pelo menos eu não gosto, não é o meu conceito”.

9 - Como é que constróis a tua personagem? Constróis de dentro para fora… De

dentro para fora. Sempre. Eu acho que tem que vir de dentro para fora. Embora eu, por

exemplo, a nível de texto, eu tenho que uma coisa boa que é decoro bem. Eu tenho que

saber o texto na ponta da língua para depois a coisa ser muito visceral, intrínseca. O

texto está sabido e depois a coisa tem que sair de dentro para fora. Constróis a

personagem de dentro para fora mas como? Por exemplo, se estamos a fazer uma

cena dramática em que é preciso chorar… É as palavras. É as palavras que têm muita

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força. Eu tenho que sentir o que estou a dizer. E, sobretudo, é a contracena, é o olhar do

colega, é os olhos, é a expressão. Se temos um bom actor, e eu adoro trabalhar com

bons actores, e oxalá eu tenha essa oportunidade de trabalhar sempre com bons actores,

porque só nos ajuda a nós, o nosso trabalho. É tão bom, puxa por nós. Então, quando

estás a ler uma cena já estás a ver… Já estou a visualizá-la, exactamente. Sim, estou a

desenhá-la. É como se estivesse a esboçá-la, a fazer um esquiço. E depois, quando estou

a contracenar com o colega, ou ser dirigida, dão-me mais umas dicas, não é? E depois é

aquela energia que se estabelece com o colega. E é a força das palavras. Mas há alturas

em que uma pessoa está um bocado vazia e que não… Eu já cheguei a dizer: “ai pá,

hoje tenho uma cena dramática para fazer e não me apetecia nada chorar! Hoje é

daqueles dias que estou tão bem disposta que não me apetecia nada, nada, nada!”. E,

às vezes, é preciso recorrer a imagens. Aí evocas memórias? Aí evoco memórias. Vais

buscar coisas que te deixaram triste? Sim, sim, sim, sim. E ajuda-te à emoção?

Exactamente. Nunca é de fora para dentro, por exemplo, recorrendo a técnicas

para provocar a emoção? Não, não, isso não é bom. As coisas têm que ter verdade. E

como eu acho que sou uma pessoa muito verdadeira, sou transparente, jamais… Sou

contra a mentira na vida e enquanto actriz também sou contra a mentira. Tem que ser

verdade, tem que ser transparente.

10 - Preferes representar personagens que vivam e transmitam emoções negativas

(ex. tristeza, raiva) ou positivas (ex. alegria, amor)? Eu acho que é bom, é bom

intercalar, não é? Mas eu gosto muito… Eu acho que sou uma dramática (risos)! Sou,

sou uma dramática! Eu gosto daquelas personagens que choram baba e ranho, e que têm

raiva e… E se calhar, às vezes, também é uma forma de exorcizar as nossas dores, não

é? Através das nossas personagens ou, às vezes, através de um filme que nós estamos a

ver, estamos a chorar mas não estamos a chorar pelo filme, estamos a chorar as nossas

mágoas. Então preferes representar personagens que sofram. Sim, sim, sim.

11 - Como transmites à personagem vivências emocionais nunca sentidas ou

experienciadas por ti enquanto actriz? Pois, isso é estranho. Eu às vezes não sei.

Onde é que te inspiras para transmitir um sentimento que, na realidade, nunca

viveste? Às vezes lembro-me de pessoas que já o viveram ou porque falo com alguém,

ou porque há sempre casos muito perto de nós, ou de amigos, ou família, ou amigos de

amigos. Por exemplo, uma vez fiz uma heroinómana que morria de overdose e eu fiz

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uma pesquisa fui mesmo a... O autor tinha um ex-cunhado que tinha sido heroinómano e

ele ensinou-me exactamente tudo como se faz, os sintomas… Pronto, a gente tem que

saber, não é? E quando não tens essa oportunidade? É tentar ler, tentar ver filmes

onde há personagens que passam por essas situações…

12 - Já aconteceu transferires para a vida real uma emoção que estás a viver na

ficção? Sim, e vice-versa. Eu acho que nós actores também aprendemos com aquilo

que... Antes de mais, eu acho que é assim: ser actor não é simplesmente ser actor, eu

acho que é uma função muito, muito, muito específica na sociedade. Nós temos uma

função que é transformar as mentes das pessoas, ou seja, ajudar o mundo a ser melhor.

Eu acho que os actores existem para criar sensações, boas ou más, mas mesmo que

sejam más é para levar às boas. Para tornar os seres humanos melhores, inclusivé a nós

próprios. Eu acho que enquanto actriz também aprendo com as personagens que faço. E

já estive, eu “E”, acordar, estar mal e de repente tenho que fazer uma cena e tiro uma

lição dessa cena que eu faço. Já aconteceu.

13 - Quando é que te libertas da personagem? Agora mais facilmente me liberto. Ao

início, as coisas ficavam muito coladas à minha pele. Às vezes quando, lá está, eram

dramáticas, e pesadas, e fortes, eu ficava um bocadinho perturbada. Mais até a nível do

teatro que às vezes estás duas horas em cena a fazer uma peça que é deprimente e aquilo

cola-se à pele e custa um bocadinho, não é? Eu acho que depois com os anos a gente vai

conseguindo ultrapassar isso, é tipo…é estar a brincar! Então quando é que te libertas

da personagem? Libertas-te quando te despes, quando acabas de representá-la,

vai-se libertando, ou levas para casa? Depende das cenas, depende das cenas. Se eu

vier aqui fazer uma ou duas cenas, depois fico aqui um bocadinho na galhofa, sabes

como é que é, gostamos de brincar uns com os outros. Felizmente, ao contrário do que

as pessoas pensam, gostamos muito de conversar uns com os outros e isso ajuda-nos

muito, apoiamo-nos muito uns nos outros. E, às vezes, fica aqui (estúdio de gravação).

Mas se estiver um dia inteiro a gravar vinte cenas dramáticas é impossível ficar aqui, às

vezes ainda vai connosco para casa. Mas quando entro em casa tento que isso não

perturbe a família, é tentar separar. É a mesma coisa que se eu tiver problemas lá fora,

entro aqui… Quanto mais problemas, ou quanto mais em baixo eu estiver, mais alegre e

mais exuberante. Claro que é uma capa muito grande, como sabes, porque ninguém tem

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que levar com os meus problemas aqui. Se eu estou mal entro aqui e tenho que estar o

mais para cima possível. Às vezes até exageradamente.

14 - As emoções que a personagem vive "passam" para ti, o actor apropria-se das

emoções sentidas por ela? Sim, sim, sim, sim. O que fazes para te libertar delas?

Era aquilo que te referias há pouco de falar com os colegas, rir um bocado… É, é

por aí. E às vezes é mesmo assim: apetece-me beber qualquer coisa alcoólica agora;

apetece-me beber um whisky; apetece-me anestesiar-me um bocadinho; apetece-me ter

um bom jantar com a família, beber um bom copo de vinho. Para esquecer aquela

dor? Para esquecer aquilo.

15 - O teu estado de espírito influencia a forma como representas? Claro que sim,

claro que sim! O que fazes para controlar isso? Às vezes é muito complicado. Se eu

chegar aqui muito vulnerável… Já me aconteceu, por exemplo, nesta novela, ter que

gravar uma cena com uma colega em que a cena era mesmo dramática, era pesada, era

forte mas eu não podia chorar nessa cena. Tinha que estar toda para cima porque tinha

que, enquanto actriz, tinha que lhe estar a dar apoio, ela é que estava de rastos. Eu fiz

um esforço tão grande, tão grande, tão grande para não chorar, porque só me apetecia

chorar durante a cena, que fiquei com uma dor de cabeça horrível. Fiquei com uma

enxaqueca que fui para casa completamente de rastos. Porque tive que contrariar todo o

processo. Então é muito difícil que o teu estado de espírito não influencie… Sim,

sim, sim, sim. Eu sou muito emotiva, não é? Choro mais facilmente do que o contrário.

Basta estar a fazer uma cena dramática em que o actor, o meu colega, está a sofrer na

história que eu, sem querer, colo-me a ele. Sou solidária com essa tristeza. E às vezes a

personagem não pode ser. A personagem tem que ser forte, tem que estar ali para dar

apoio.

16 - Onde é que acaba a actriz e começa a personagem? (Silêncio). Como é que se

separam? Eu não sei se alguma vez se separam, não sei se alguma vez se separam! Ou

se se separam é por momentos muito fugazes. (Silêncio. Hesitação). Isto é inexplicável.

Por exemplo, eu às vezes saio daqui, vou no carro… Nós, às vezes, dizemos aqui: ”ah,

ninguém fala sozinho!” Mas falamos. Eu vou no carro, vou a falar sozinha, vou a falar

para mim, vou a mentalizar-me às vezes: “Vá lá, tu agora vais chegar ali, vais ser forte,

o teu filho vai para Londres e tu não vais chorar porque isto vai ser muito bom para

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ele, tens que estar feliz porque isto é um momento feliz, não há motivo nenhum que te

leve a chorar”. Ou vais ter com um amigo que perdeu alguém e: “agora vais chegar lá

e ser forte, vais dar apoio a essa pessoa que, essa pessoa precisa de apoio, precisa é de

um sorriso!”. Dizes isso a ti própria enquanto vais para casa. Eu converso comigo,

mentalizo-me! Uma coisa é aquilo que a gente sabe que é certo e outra é aquilo que nós

enquanto seres humanos conseguimos, temos capacidade de assimilar, ou não.

17 - Tens algum ritual antes de entrar em cena ou em plateau? Eu acho que criei

rituais ao início por influência de outros colegas. Aquela coisa da pessoa se benzer,

bater três vezes na madeira… Mas depois aos poucos e poucos fui perdendo isso. Até

porque nós também estamos em constante transformação, o ser humano está em

constante transformação e… Hoje em dia não tens? Não, não, não ligo. Tento entrar

descontraída, dar as mãos aos colegas, “Força, embora lá”, mais quando é no teatro,

não é? Tentar criar ali uma boa energia. Enquanto estamos nos camarins a maquilhar,

estar a rir e bem-dispostos, ainda que se vá fazer drama. Pronto, para criar ali laços.

18 - Preferes fazer teatro, televisão ou cinema? Eu acho que a base de qualquer actor

é o teatro. Todos nós preferimos o teatro. No entanto, eu gosto também muito de fazer

televisão. Porque no teatro a gente tem logo ali ou o silêncio do público, que também é

muito importante se estamos a fazer uma coisa dramática, ou as gargalhadas se estamos

a fazer comédia. Mas também gosto muito de fazer televisão, eu gosto de televisão. Fiz

muito pouco cinema. Mas tudo o que faço, faço com o mesmo empenho, com o mesmo

amor, com o mesmo carinho. Esforço-me por fazer o melhor que posso e sei.

19 - O que é que tu sentes quando vês o teu trabalho? Eu nunca gosto de me ver,

nunca gosto! Acho sempre que podia fazer melhor. Então quando é em teatro, se

estamos x meses em cena, quando acaba, quando acaba uma peça é que eu acho que se

calhar estava pronta para a estrear, percebes? O que é que fazes quando não gostas?

Não gosto, pronto. Mas também é assim, não sou eu que tenho que gostar é o público. E

desde que o público goste! É sempre aquela sensação que “se fosse hoje já não fazias

assim”. É isso. Por acaso às vezes quando vejo anos mais tarde coisas gosto, acho

piada. Mas às vezes na altura… A gente acha sempre que podia ser melhor, achamos

sempre que podia ser melhor. Mas pronto. Mas às vezes há assim umas cenas que a

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gente fica contentinhos, e depois ouvimos os comentários dos colegas, ou da equipa

técnica…

20 - Como lidas com o reconhecimento público? Muito bem porque o público sempre

foi muito carinhoso comigo. Eu tenho essa sorte. Talvez porque tenha feito também

sempre personagens simpáticas e o público é muito carinhoso. Muito. E faço sempre

questão se me pedem autógrafos, ou se me pedem fotografias de o fazer. Porque se eu

existo é porque o público… Eu existo porque o público existe. É o reconhecimento do

meu trabalho, portanto, tenho que estar grata a isso.

21 - Que significado tem para ti os aplausos? Os aplausos para um actor eu acho que

são… É o clímax! É como quando se está a fazer amor, é o orgasmo do actor, são os

aplausos. Estás um bocadinho emocionada! Estou. Por isso é que nós às vezes temos

muitas depressões. Porque, às vezes, o trabalho do actor tanto pode ser um colectivo

como pode ser muito solitário. Porque nós às vezes estamos em cena com colegas,

temos os aplausos, temos ali uma plateia a aplaudir-nos, estamos no auge. A peça

acabou, vamos para o camarim e depois vamos para casa, sozinhos. Às vezes temos lá a

nossa família, há outros actores que não têm e vivem sozinhos. E depois há um vazio…

Por isso é que às vezes entre peças, ou entre trabalhos, quando nós não estamos a

trabalhar, sentimos um vazio porque eu acho que nós precisamos. Nós alimentamo-nos

desse carinho do público, também. Além do nosso trabalho é do carinho do público. É

dos aplausos, das gargalhadas, dos silêncios.

22 - Gostas de ser actriz? Muito.

23 - O que sentes por poderes viver “várias vidas”? Isso esvazia-te, preenche-te,

invade-te… Preenche-me, invade-me, às vezes esvazia-me mas… Faz-me buscar

verdades, outras verdades, outros mundos. E também me torna… Acho que me ajuda a

tornar melhor ser humano. É essa busca que eu procuro, é a perfeição. Andamos sempre

todos, eu acho que somos todos não sou a única. É a busca da perfeição.

24 - Seres actriz facilita ou dificulta o teu dia-a-dia? Facilita muito. É maravilhoso

ser actriz. Eu gosto muito do que faço. Muito. Muito Obrigada.