1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A...

42
1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário, segundo a Teoria Geral dos Sistemas, de Von Bertalanffy, a família para além de funcionar como um todo complexo e integrado, funciona também como parte dos sistemas mais complexos na qual está integrada e com os subsistemas, as partes do todo (Relvas, 2006). Assim, não se pode perceber os indivíduos individualmente ou a relação em família sem perceber a sua dependência, a teia relacional que os une, o que nos leva ao estudo do mútuo impacto dos indivíduos e sistemas na família (Cox, Paley, Burchinal & Pyne, 1999; Relvas, 2002). Como tal, a metáfora ecológica introduzida por James Kelly (1966) e amplamente difundida (Nelson & Prilleltensky, 2005), apresenta uma visão dos problemas e das competências humanas nos contextos das características do indivíduo, integrado num conjunto de sistemas interdependentes 1 : o microsistema (i.e. família), o mesosistema, que medeia as interacções entre os sistemas mais pequenos e a sociedade (i.e. escola e organizações comunitárias) e o macrosistema (i.e. normas sociais e sistemas políticos). Neste sentido, também os desafios inerentes à parentalidade se enquadram nos vários factores contextuais, particularmente para aqueles que estão mais expostos: as famílias em contextos de risco. 1.2. Famílias multidesafiadas e os contextos de risco As famílias em contextos de risco encontram desafios particularmente complexos pelos reduzidos recursos de que dispõem para o desempenho da sua função parental. Nos contextos de risco inserem-se as situações de pobreza 2 , violência doméstica, maus-tratos ou negligência de crianças, abuso de substâncias, entre outros. Surge, a partir dos anos 50 (Mazer citado por Linares, 1997), uma denominação que engloba alguns destes temas e, de uma forma mais relevante, um funcionamento familiar particular: as famílias multiproblemáticas. Cancrini, Gregorio e Nocerino (1997), caracterizam as famílias multiproblemáticas segundo a organização no núcleo familiar das figuras parentais: 1) as famílias em que o pai é uma figura periférica, desempenhando papel secundário em várias 1 Urie Brofenbrenner (1977, cit por Nelson & Prilleltensly, 2005), sugere, no modelo de desenvolvimento ecológico, as seguintes denominações: nível ontogénico ou cronosistema, microsistema, exosistema e macrosistema. Este modelo insere o indivíduo num conjunto de sistemas cada vez mais amplos. 2 Definida como “ a situação de escassez de recursos, de que um indivíduo, ou família dispõem, para satisfazer necessidades consideradas mínimas” (Rodrigues, Samagaio, Ferreira, Mendes & Januário)

Transcript of 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A...

Page 1: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

1

1. Enquadramento Teórico

1.1. Introdução

A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo

contrário, segundo a Teoria Geral dos Sistemas, de Von Bertalanffy, a família para além de

funcionar como um todo complexo e integrado, funciona também como parte dos sistemas

mais complexos na qual está integrada e com os subsistemas, as partes do todo (Relvas,

2006). Assim, não se pode perceber os indivíduos individualmente ou a relação em família

sem perceber a sua dependência, a teia relacional que os une, o que nos leva ao estudo do

mútuo impacto dos indivíduos e sistemas na família (Cox, Paley, Burchinal & Pyne, 1999;

Relvas, 2002). Como tal, a metáfora ecológica introduzida por James Kelly (1966) e

amplamente difundida (Nelson & Prilleltensky, 2005), apresenta uma visão dos problemas e

das competências humanas nos contextos das características do indivíduo, integrado num

conjunto de sistemas interdependentes1: o microsistema (i.e. família), o mesosistema, que

medeia as interacções entre os sistemas mais pequenos e a sociedade (i.e. escola e

organizações comunitárias) e o macrosistema (i.e. normas sociais e sistemas políticos). Neste

sentido, também os desafios inerentes à parentalidade se enquadram nos vários factores

contextuais, particularmente para aqueles que estão mais expostos: as famílias em contextos

de risco.

1.2. Famílias multidesafiadas e os contextos de risco

As famílias em contextos de risco encontram desafios particularmente complexos

pelos reduzidos recursos de que dispõem para o desempenho da sua função parental. Nos

contextos de risco inserem-se as situações de pobreza2, violência doméstica, maus-tratos ou

negligência de crianças, abuso de substâncias, entre outros. Surge, a partir dos anos 50

(Mazer citado por Linares, 1997), uma denominação que engloba alguns destes temas e, de

uma forma mais relevante, um funcionamento familiar particular: as famílias

multiproblemáticas. Cancrini, Gregorio e Nocerino (1997), caracterizam as famílias

multiproblemáticas segundo a organização no núcleo familiar das figuras parentais: 1) as

famílias em que o pai é uma figura periférica, desempenhando papel secundário em várias

1 Urie Brofenbrenner (1977, cit por Nelson & Prilleltensly, 2005), sugere, no modelo de desenvolvimento ecológico, as seguintes denominações: nível ontogénico ou cronosistema, microsistema, exosistema e macrosistema. Este modelo insere o indivíduo num conjunto de sistemas cada vez mais amplos. 2 Definida como “ a situação de escassez de recursos, de que um indivíduo, ou família dispõem, para satisfazer necessidades consideradas mínimas” (Rodrigues, Samagaio, Ferreira, Mendes & Januário)

Page 2: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

2

dimensões adquirindo a mãe um papel central embora caótico; 2) as famílias em que o casal

é instável e onde o conflito está muito presente, habitualmente jovens pais, onde a família

alargada tem um papel central3; 3) as famílias monoparentais, frequentemente constituídas

por mãe jovem vários filhos de diversas relações temporárias; e, 4) a família petrificada,

onde acontecimentos traumáticos conduzem a uma mudança desorganizada de um sistema

familiar que facilmente cristaliza. A hiper-valorização do papel de mãe é ilustrada pela

centralidade do papel parental na identidade pessoal da mulher, centralidade esta decorrente

da insatisfação ou não acesso a outros papéis, como o papéis conjugal ou profissional e que

se traduz, segundo Minuchin (1967) no fornecimento dos cuidados essenciais e na ausência

de controlo ou orientação.

Embora a denominação “famílias multiproblemáticas” continue a ser mais comum na

literatura, outras denominações que melhor espelham as questões importantes para estas

famílias foram aparecendo nas duas últimas décadas. O conceito de famílias multiassistidas,

inicialmente proposto por Reder (1985, cit. por Neto, 1996) e desenvolvido por Neto (1996)

num foco estrutural, ecológico e sistémico, ilustra uma viragem terminológica que tem como

consequência uma visão menos patologizante e negativa do funcionamento destas famílias,

que visa ultrapassar os poderosos constrangimentos conceptuais implícitos na denominação

multiproblemática. A denominação de “famílias multiassistidas” ilustra, ainda, uma

“…relação de mandato, de obrigação e de dependência social…” (Benoit, 1995, p.128) da

interacção entre estas famílias e os serviços de assistência social. Minuchin, Minuchin e

Colapinto (1998), referindo-se a estas famílias que também designam por “famílias

multicrise”, afirmam que mostram uma aparência caótica, funcionado sobre fronteiras

fluidas e permeáveis aos diversos profissionais que visam proteger as famílias, sendo que a

própria intervenção é muitas vezes, intrusiva, desrespeitadora e desestruturante, tornando-se

numa agressão à família. Esta ideia, ilustrada pelo conceito de iatrogenia, reflecte os danos

causados pela intervenção dos agentes do tratamento (Sousa, 2005). No entanto, e como as

denominações cumprem a função de melhor ilustrarem também o zeitgeist4, surge

recentemente a proposta, por Alarcão (2008), da denominação de “famílias multidesafiadas”,

espelhando sem dúvida uma postura americana que abre portas, uma vez mais, para o foco

3 Famílias também definidas como complexas quando um dos elementos parentais deixa o agregado e um familiar doutra geração, normalmente a avó, passa a desempenhar parte significativa do papel parental. 4 A disposição ou atmosfera de um determinado período da história, que se reflecte essencialmente em ideias e crenças

Page 3: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

3

nas potencialidades e recursos destas famílias5. Sucintamente, esta famílias caracterizam-se

pela instabilidade, desorganização, isolamento social, labilidade de fronteiras, estilos

parentais autoritários ou permissivos e frequentes patologias assim como por uma diminuída

capacidade de resposta às necessidades dos filhos (Minuchin 1967; Alarcão, 2005), o que

resulta, por vezes, em situações de maus tratos às crianças e jovens.

As questões dos maus-tratos e negligência são frequentemente associadas a estas

famílias, embora estas não detenham, de todo, o seu exclusivo, já que esta problemática é

transversal a vários tipos de famílias e a vários níveis socioeconómicos (Azevedo e Maia,

2006), sendo que os factores contextuais envolvendo a família multidesafiada podem

potenciar, e não causar, a situação de maus tratos ou negligência. Embora a definição de

maus-tratos e negligência de crianças e jovens não seja ainda consensual (Azevedo e Maia,

2006), são geralmente definidos como qualquer acção ou omissão, não acidental, que

conduza ao risco eminente de danos físicos ou emocionais, e que impeça ou ponha em perigo

a satisfação da suas necessidades físicas e psicológicas básicas, por um prestador de

cuidados responsável pela sua segurança6 (Crosson-Tower, 2005; Scannapieco & Connell-

Carrick, 2005, Azevedo e Maia, 2006; Alarcão, 2006). Os factores de risco para os maus-

tratos e negligência de crianças e jovens são relativos a factores relacionados com os

diversos sistemas já descritos no modelo ecológico. Como tal, as respostas de formação

parental apresentam-se como uma proposta de ajudar os pais a ultrapassarem os desafios

presentes nos diversos sistemas e serão ser caracterizadas em seguida.

1.3. A Estratégia da Formação Parental

A formação parental tem sido definida como o processo de fornecer aos pais ou a

outros prestadores de cuidados, conhecimentos específicos e estratégias para ajudar a

promover o desenvolvimento da criança (Mahoney, Kaiser, Girolametto, MacDonald,

Robinson, Safford & Spiker, 1999; Coutinho, 2004). No entanto, esta perspectiva de

fornecer conhecimentos e estratégias, tem sido, gradualmente, substituída por uma

5 Ao longo do texto, utilizar-se-á a expressão “família multidesafiadas” por, no entender da presente autora, espelhar de forma mais clara a postura positiva e eco-sistémica transversal a esta investigação. 6 A literatura sobre este tema (Scannapieco & Connell-Carrick, 2005, Crosson-Tower, 2005, Howe, 2005) tende a caracterizar vários tipos de maus-tratos: (a) maus-tratos físicos – que provoquem danos físicos; (b) maus-tratos psicológicos ou emocionais - suporte afectivo inadequado, violência verbal, humilhação, ameaças, entre outros; (c) negligência - uma ausência de resposta consistente às necessidades da criança, e (d) abuso sexual - interacção imposta a uma criança ou jovem, com objectivo de estimulação sexual onde o domínio e o poder de um adolescente ou adulto contrasta com a posição subordinada e dependente da criança, e pode ou não implicar contacto físico (i.e. exibicionismo).

Page 4: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

4

perspectiva essencialmente colaborativa, de marcado carácter ecológico e sistémico. A

intervenção precoce com crianças em risco de maus tratos e negligência tem sido uma área

de intervenção e investigação em crescimento, na qual através da influência das abordagens

ecológicas e sistémicas, se observa a substituição do modelo clínico pelo modelo sócio-

educativo, onde as famílias e não só as crianças são objecto de intervenção. Assim, esta nova

abordagem aos programas de formação parental ilustra uma postura de promoção dos

recursos e apoios à família, de forma a potenciar o seu funcionamento, crescimento e

desenvolvimento.

Segundo Ausloos (2003), a perspectiva psicológica vigente a partir do século XX

apostou numa abordagem centrada défice quanto às questões das parentalidade, consequente

de uma colagem ao modelo médico e promovendo uma postura culpabilizante que acentua as

falhas da família. A mudança para um modelo sistémico traduz-se numa procura de

competências, de forças familiares numa perspectiva relacional que permite a circulação da

informação, potenciando assim a inovação (Ausloos, 2003).

Em termos de metodologia e estratégias, muitas são as alternativas utilizadas nos

programas de formação parental com um foco mais ecológico e positivo. O programa de

formação parental Triple P (Sanders, Cann & Markie-Dadds, 2003) que visa a prevenção dos

maus-tratos à criança, organiza a sua intervenção do nível mais populacional e de prevenção

primária – através de anúncios, sessões nas escolas e apoio via linha telefónica - para um

nível mais familiar e individual, de prevenção secundária e terciária – treino específico de

competências parentais (em grupo ou individual). A principal ênfase do programa é na

promoção da parentalidade positiva (Sanders et al, 2003) particularmente no que se refere à

gestão do comportamento, ao reforço do comportamento desejado, ensino de novas

competências, estabelecimento de relações positivas, garantia de um ambiente seguro

envolvente, ambiente positivo de aprendizagem, uso de estratégias de disciplina assertivas,

expectativas realistas e o cuidar de si como individuo (Sanders et al, 2005). Um outro

programa de educação parental, que visa promover a resiliência familiar (Schwartz, 2002),

dirige o seu principal foco para estratégias que visam estimular os conhecimentos e

competências que os pais já possuem, explorando os episódios de parentalidade bem-

sucedida (Shwartz, 2002), em vez de ensinar novas competências parentais. Esta perspectiva

de promoção da resiliência familiar afirma a capacidade familiar para a auto-reparação

(Walsh, 1996).

Page 5: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

5

A avaliação dos programas de formação ou educação parental tem sido sujeita a

diversas críticas. A metodologia de avaliação tem sido criticada e mais investigação é

necessária para avaliar a eficácia destes programas (Schwartz, 2002), já que os estudos que

documentam de forma credível a eficácia dos programas têm sido reduzidos. Os resultados

positivos surgem particularmente quanto ao desenvolvimento do apoio social e do sentido de

competência parental (Barber, 1992).O envolvimento e a assiduidade consistente por parte

dos participantes em programas de formação parental mostraram estar relacionados com

resultados positivos assim como as estratégias que promovem o empowerment e a

abordagem colaborativa, em oposição aos modelos de intervenção de “tamanho único”

focados no défice (Walker & Riley, 2001 cit. por Schwartz, 2003).

Os programas de formação parental tentam responder às necessidades destas famílias

através da complexidade sistémica inerente à parentalidade. Desta forma, as respostas de

formação parental propõem-se normalmente a desenvolver as competências parentais dos

pais, particularmente a sensibilidade e responsividade às necessidades (Sanders et al, 2005,

Schwartz, 2002, Coutinho, 2004, Spitzer, Webster-Stratton & Wollinsworth, 1991), assim

como os factores ambientais (Sanders et al, 2005) Desta forma, os programas de formação

parental ambicionam uma intervenção que tenha em conta a complexidade sistémica

presente na parentalidade, através de uma intervenção que vise os diversos factores inter-

relacionados que compõem a sua essência.

1.3.1 Estilos parentais: Uma abordagem positiva

Esta perspectiva mais recente centrada nas competência das famílias alarga-se já a

vários programas de formação parental e a passagem, sugerida por Ausloos (2003) de uma

perspectiva da família culpada para a família responsável e, por fim, para a família

competente, espelha também a perspectiva da psicologia positiva no que se refere à

parentalidade.

O desenvolvimento de papéis parentais positivos envolve o estabelecimento de

rotinas que vão ao encontro das necessidades das crianças, particularmente no que se refere à

segurança, afecto, controlo e estimulação (Carr, 2004). Durbin, Darling, Steinberg e Brown,

(1993) desenvolveram um modelo integrativo dos estilos parentais, um conceito introduzido

por Baumrind (1971), definidos como um padrão geral de comportamentos parentais que

ilustra a variação normal nos esforços dos pais para controlar e socializar os filhos

(Baumrind, 1971, Durbin, et al, 1993). Este modelo intersecta as dimensões do

Page 6: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

6

afecto/aceitação e do controlo, identificando assim 4 estilos parentais: 1) Autoritativo – pais

que adoptam uma abordagem afectuosa e centrada na criança, com um grau moderado de

controlo que permite uma certa autonomia apropriada à idade da criança, resultando num

contexto de beneficio máximo para o desenvolvimento da criança, favorecendo a empatia, o

relacionamento interpessoal e as competências de resolução de problemas; 2) Autoritário –

reflecte uma postura com um elevado grau de controlo, que conduz a um estilo de disciplina

com exigência de obediência absoluta, resultando na falta de iniciativa e nas dificuldades

interpessoais; 3) Permissivo – afecto e aceitação elevados e baixos níveis de controlo e

exigência; 4) Negligente/Pouco envolvido – Baixa responsividade e exigência, com risco de

serem rejeitantes. Robinson, Mandleco, Olson e Hart (1995) desenvolveram um instrumento

de avaliação dos estilos parentais de forma a explorar os estilos parentais directamente

através dos pais, e não através dos filhos, como era prática corrente.

A psicologia positiva integra também a temática dos estilos parentais, através do

conceito de disciplina positiva (Durrant, 2007). Aqui, as vertentes de afecto e estrutura são

consideradas como os eixos principais de uma resposta parental adequada que promove o

bem-estar familiar e a satisfação das necessidades da criança. Como tal, segundo Durrant

(2007), a disciplina positiva é não violenta, focada na solução, respeitadora e baseada na

investigação sobre desenvolvimento infantil saudável, nas práticas positivas de parentalidade

e nos direitos das crianças, surgindo como um conjunto de estratégias e escolhas que visam a

optimizar as interacções pais-filhos.

1.4. O foco na parentalidade masculina

As instituições de apoio familiar ou de aconselhamento parental funcionam

maioritariamente com mulheres (mães, avós e outras prestadoras de cuidados). Os elementos

masculinos das famílias são normalmente excluídos das avaliações e intervenções (Sousa,

2005, Alarcão, 2006), por questões de organização, horários de trabalho, desinteresse,

definição dos papéis de cuidador/pai, concepções sobre parentalidade, desadequação das

técnicas de avaliação e intervenção ou por outras questões. Facto é que a intervenção com

homens é muito reduzida (Alarcão, 2006, Sousa, 2005), o que ilustra uma herança do

período pós IIª guerra mundial, onde apesar de ter havido um acumular de tarefas para as

mulheres que, mantendo as suas funções no mundo interior - o mundo doméstico,

respeitante à família e à parentalidade - entraram no mundo exterior, o mundo do trabalho

Page 7: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

7

(Relvas, 2002), não havendo no entanto o efeito semelhante para os homens, que

continuaram no exterior, não entrando no mundo interior.

O estudo de Cowdery e Knudson-Martin (2005) sugere que muitos casais querem os

pais envolvidos com a criança, mas a ideologia que os move baseia-se na crença de que a

maternidade é uma competência ou talento de género, logo há uma perpetuação da separação

das esferas da parentalidade e da desigualdade de género, o que se pode traduzir num stress

familiar acrescido. Matta e Knudson-Martin (2006) defendem que o conceito de

parentalidade emerge da intersecção do significado e da interacção social entre homem,

família, família alargada e comunidade e se torna numa realidade pela forma como é

experimentada no dia-a-dia. Assim, de uma perspectiva sistémica, os pais não podem ser

compreendidos sem as mães e a parentalidade é criada na partilha de movimentos das

pessoas ao longo do curso de vida, por intervalos de negociação, competição, compromisso e

re-arranjo (Minuchin & Fishman, 1981, cit. por Matta & Knudson-Martin, 2006).

O facto de os pais terem normalmente menos experiências com a criança, fá-los sentir

menos confiantes ou confortáveis no seu conhecimento e na capacidade de execução de

tarefas de cuidado infantil que as mães no período pós-natal (Elek, Hudson & Bouffard,

2003). O envolvimento paterno relaciona três aspectos: compromisso, acessibilidade e

responsividade (Lamb et al, cit por Matta & Knudson-Martin, 2006), sendo que os factores

que têm um efeito mais forte (positivo ou negativo) na participação dos homens como pais

são as expectativas e comportamento das mães, a qualidade da relação dos pais, factores

económicos, emprego e práticas institucionais (Doherty et al, 1998, citados por Matta &

Knudson-Martin, 2006).

Os resultados do estudo de Matta e Knudson-Martin (2006) sugerem que 1) as

práticas parentais estão embebidas das ideologias de género e das estruturas de poder e,

mesmo nas práticas parentais mais igualitárias, o pai tem mais poder do que a mãe na

definição das mesmas; 2) os homens são capazes de cuidar7; 3) a participação dos homens

nas famílias é afectada por factores relacionais, institucionais e sociais; 4) a responsividade é

a chave do processo relacional no qual se mudam as noções sociais de género, trabalho e

família; 5) as condições que ajudam o homem no envolvimento com a criança são a

ideologia igualitária de género, a valorização do trabalho das mulheres, a percepção da

escolha e o poder igual.

7 Nurturance, no original.

Page 8: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

8

Estas acções e representações tradicionais de género implicam também questões

específicas na relação com os serviços de apoio à família. As tarefas de cuidar da família,

que transitaram também para o exterior (Relvas, 2202) traduzem-se numa relação entre

família e serviços que é, essencialmente, uma relação entre mulheres, já que são as mães que

se relacionam com os serviços e que os profissionais de apoio à família (técnicos de apoio

social, psicólogos, etc.) são, na sua esmagadora maioria, mulheres. Existe então uma

percepção de funções idêntica, relativamente ao cuidar da família. Uma das consequências

deste contexto é o apoio implícito que os técnicos dão às visões tradicionais de género, já

que existem poucos esforços para incluir os pais homens na intervenção, sem dúvida também

condicionados por outras questões (i.e. horários laborais). Ao serem-lhe delegadas

praticamente todas as funções parentais, a mulher é também sumariamente responsabilizada

por todas as dificuldades das crianças (Imber-Black, 1988, cit. por Sousa, 2005).

1.5. O Curso “NÓS Pais”

O curso “Nós Pais”, que esta investigação se propõe avaliar, é o terceiro curso de

formação parental organizado pelo Centro de Apoio familiar e Aconselhamento Parental da

(CAFAP). O CAFAP é uma resposta inserida na Associação Nós, uma Instituição Particular

de Segurança Social, localizada no concelho do Barreiro (Vide Anexo V). O CAFAP

fundamenta a sua intervenção na formação parental segundo dois modelos de natureza

ecológica. O modelo ecológico de Belsky, (1980, cit. por Tadeu, 2004) que conceptualiza os

maus-tratos em quatro níveis interactivos, que contribuem para o desenvolvimento do

comportamento abusivo: 1) ontogénico - características dos pais que perturbam a sua função

parental; 2) o microsistema - estrutura e dinâmica familiar; 3) o exosistema - família alargada

e comunidade; e 4) macrosistema - crenças e valores da cultura que a família integra,

nomeadamente sobre os métodos de disciplina adequados (Tadeu, 2004). O Framework for

the Assessment of Children in Need and their Families (Department of Health, 2000) é um

quadro de referência britânico, baseado no modelo ecológico, que propõe uma forma

sistemática de analisar, compreender e registar dados relativos à situação em que se encontra

a criança e a família no contexto da comunidade onde estão inseridos. É composto por

directivas e instrumentos8, surgindo como uma resposta institucional proactiva, visando a

recolha de informação integral para uma tomada de decisão e colaboração entre os técnicos

envolvidos nos casos de negligência e maus tratos à criança, a partir da avaliação integral 8 Alguns dos quais se encontram nas fases finais de tradução e adaptação pelo CAFAP, nomeadamente o Instrumento para Avaliação das Necessidades (Department of Health, 2000).

Page 9: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

9

dos casos (Horwath, 2001). Visa também promover a identificação de forças e características

positivas dos pais, a postura colaborativa com a família e a promoção da responsabilização.

Este segundo modelo é utilizado transversalmente nas intervenções do CAFAP,

organizando-se em torno de um esquema triangular, onde se encontram as competências

parentais, as necessidades da criança e os factores familiares e contextuais (Department of

Health, 2000).

O curso Nós Pais consiste num trabalho específico com os pais de crianças e jovens

em risco, com particular destaque para a sensibilidade e responsividade parental às

necessidades dos filhos, através de estratégias da parentalidade positiva (Durrant, 2007).

Através de uma abordagem claramente ecológica e desenvolvimentista, trabalham-se

diversos temas relevantes (Vide Anexo VIII). Este curso propõe-se a aumentar os

conhecimentos, competências, recursos e estratégia parentais, promovendo um ambiente

seguro e estimulante, tendo como meta final a promoção de competências sociais,

emocionais, cognitivas e comportamentais das crianças e dos jovens, através das práticas

parentais positivas desenvolvidas. O curso está organizado em aproximadamente 25 sessões,

com uma duração de 3h semanais.

1.4. Questão de partida e objectivo geral

Este estudo ilustra um processo de avaliação sistemático e estruturado do

curso de formação parental Nós Pais, particularmente focado nas forças e nas competências

dos pais de forma a desvendar pistas para uma intervenção mais eficaz e significativa. A

questão de partida visa conhecer o que funciona no curso de formação parental e qual os seu

impacto positivo percebido. Como objectivo geral, pretende-se avaliar a implementação e o

impacto percebido de um curso de formação parental, através do diálogo entre dados

qualitativos e quantitativos, com o objectivo de encontrar pistas de reflexão relevantes para

uma intervenção mais eficaz. Esta é uma investigação marcadamente qualitativa, apesar de

conter em si uma vertente quantitativa. Como tal, as hipóteses de investigação não seguem

os trâmites mais frequentes nos estudos empíricos mas sim uma linha exploratória, mais

sintonizada com os pressupostos da investigação qualitativa e, particularmente, da Grounded

Theory (aprofundada na metodologia), guiada através de conceitos denominados de

“sensitizing concepts” (Blumer, 1954), que não são conceitos definitivos nem “prescrições

sobre o que ver”, mas sim direcções sugeridas, instrumentos interpretativos ou pontos de

partida para um estudo qualitativo, que serão desenvolvidos posteriormente na Metodologia.

Page 10: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

10

2. Metodologia

Desenho da investigação

Nesta investigação, a partir dos objectivos gerais do curso de formação parental

“NÓS Pais”, das directrizes/guias para acção do CAFAP e da recolha de informação na

literatura científica da(s) área(s) temáticas, surgiram alguns “sensitizing concepts” (Blumer,

1954) que guiaram a concepção da investigação e a elaboração de instrumentos de recolha de

dados, tais como as entrevistas. Nestes “sensitizing concepts” incluem-se: as competências

parentais, nas suas vertentes realizadas e percebidas; o empowerment; o foco nas

necessidades de desenvolvimento da criança; os factores familiares, contextuais e

comunitários; a parentalidade positiva; a história de vida dos pais; a adaptação às

necessidades dos utentes, os factores protectores presentes nos contextos de risco, a

importância do apoio social nas famílias multidesafiadas, a parentalidade masculina, entre

outros. Este estudo utiliza uma metodologia de triangulação entre diversos métodos de

recolha e análise diferentes e complementares. O método quantitativo na sua vertente de

recolha e análise de dados através de um instrumento de medida quantitativa e o método

qualitativo de recolha e análise de dados através de uma entrevista semi-directiva inspirada

nas estratégias da entrevista apreciativa, descrita posteriormente. Esta abordagem garante

uma maior qualidade nas inferências e possibilita a oportunidade de integrar uma maior

diversidade de perspectivas divergentes (Tashakkori & Teddlie, 2003). Neste estudo, foram

utilizadas particularmente as triangulações de dados (a partir de duas fontes: utentes e

técnicos) e de metodologia (qualitativa e quantitativa).

Page 11: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

11

2.1.1 Mapa conceptual

Um mapa conceptual é uma representação gráfica dum conhecimento estrutural que

procura descrever a forma como os conhecimentos prévios lhe deram origem. A técnica tem

as suas origens na concepção (Ausubel, 1968) de que os conhecimentos anteriores são

essenciais na aprendizagem (ou construção) de novos conceitos. Foi desenvolvida por

Joseph. D. Novak que considerou que qualquer aprendizagem realmente significativa,

envolve a assimilação de novos conceitos pelas estruturas cognitivas pré-existentes. A

clarificação destas, através da representação gráfica das relações (links) que ligam os

conceitos (nodes) entre si e formam o mapa conceptual, facilita a reconstrução de sentidos,

essencial na geração de ideias e na comunicação, assim como agiliza a apreciação

(avaliação) do nível de compreensão de fenómenos complexos. Como tal, esta investigação

foi orientada através Mapa conceptual apresentado na Figura 1, ilustrando os vários

momentos da investigação ao longo do curso, assim como as abordagens e estratégias que

guiaram a investigação e que serão descritas posteriormente.

Figura 1. Mapa Conceptual

Page 12: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

12

2.1.2 Abordagem de Investigação qualitativa

A investigação qualitativa define-se como qualquer tipo de investigação que produza

resultados através de métodos que não envolvam procedimentos estatísticos ou outros meios

de quantificação, sendo que a maior parte da análise é interpretativa (Strauss & Corbin,

1967). Este é um processo de interpretação que visa descobrir conceitos e relações na

informação recolhida, organizando-os num esquema teórico explicativo. Os métodos

qualitativos são especialmente usados em investigações que visem compreender a natureza

da experiência humana em situações específica ou em investigações que visem explorar

áreas do conhecimento pouco desenvolvidas onde se procura encontrar novo conhecimento

(Stern, 1980, cit por Strauss & Corbin, 1998). Esta metodologia permite obter detalhes sobre

fenómenos como sentimentos, processos de pensamento e emoções que são difíceis de

extrair através de métodos de investigação mais convencionais (Strauss & Corbin, 1967). As

três componentes essenciais da metodologia qualitativa são os dados, os procedimentos que

visam analisar e interpretar os dados e, por fim, a parte final que consiste nos relatórios

escritos e verbais (Strauss & Corbin, 1998).

2.1.2.1. Grounded Theory

A Grounded Theory foi originalmente desenvolvida por Glaser e Strauss (1967)

influenciados pelas abordagens pragmáticas e interaccionistas, que abrem portas para a

compreensão sobre a complexidade e variabilidade dos fenómenos relativos à interacção

humana (Strauss & Corbin, 1998). Sucintamente, a Grounded Theory refere-se à teoria

desenvolvida de forma dedutiva através dos dados (Glaser & Strauss, 1967; Strauss &

Corbin, 1998), apresentando um quadro de referência para uma investigação qualitativa

precisa (Charmaz, 2004). O investigador que utiliza a estratégia da Grounded Theory

assume a responsabilidade do seu papel eminentemente interpretativo, incluindo, durante

todo o processo, as perspectivas dos participantes. A grounded theory nasce de uma

abordagem construtivista à epistemologia, que transforma as relações entre o objecto e o

conhecimento científico (Glaser & Strauss, 1967; Tashakkori & Teddlie, 2003). A grounded

theory visa, portanto, construir e não verificar a teoria. A construção da teoria opera-se sobre

os padrões de interacção entre os vários tipos de unidades sociais e sobre os processos

decorrentes da mudanças nas condições internas e externas, sendo que, para tal, a teoria

baseada nesta metodologia é informada por um modelos paradigmático (Strauss & Corbin

Page 13: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

13

1998), especificando as características particulares do fenómeno, permitindo, assim, torná-la

preditiva quanto a fenómenos com características semelhantes.

2.2. Objectivos específicos

Os objectivos específicos desta investigação, a parti do objectivo geral proposto no ponto

1.4, são:

1) conhecer as expectativas dos utentes quanto à sua participação na formação parental;

2) recolher informação sobre a forma com os pais relacionam as suas experiências e

desejos positivos da parentalidade com os objectivos e funções da formação parental;

3) avaliar a percepção do impacto do curso de formação parental, pelos participantes

técnicos e utentes, em várias áreas, particularmente na competência parental, no

desenvolvimento pessoal e nos recursos contextuais;

4) recolher informações, dos participantes e utentes e dos técnicos, que permitam

conhecer percepções e expectativas sobre a parentalidade masculina, de forma a

desenvolver estratégias para uma intervenção de eficácia acrescida, ao nível da

parentalidade masculina.;

5) recolher informações, dos utentes e dos técnicos, que permitam conceptualizar pistas

para uma intervenção de eficácia acrescida, ao nível da formação parental.

2.3. Participantes

A amostra de participantes foi composta por todos os participantes no curso de

formação parental “Nós Pais”, promovido pelo CAFAP - Associação Nós, no total onze

mães e um pai. O critério utilizado para inclusão na amostra foi a participação efectiva no

curso de formação parental, ou seja, todos os utentes que completaram o curso com pelo

menos 50 % de presenças, num total 26 sessões. A idade predominante dos participantes foi

entre os 30 e os 39 anos (72.7%), embora estivessem também representadas as faixas etárias

entre os 40 e os 49 anos (18.2%) entre os 20 e os 29 anos (9.1%). O nível de escolaridade na

amostra foi de 27.3% para o primeiro ciclo, 9.1% para o segundo ciclo, 27.3% para o

terceiro ciclo e 36.4% para o ensino secundário. Quanto à situação familiar, 54.5% dos

participantes constituíam famílias monoparentais, 36.4% faziam parte de uma família intacta

e apenas 9.1% pertencia a uma família complexa. A maioria dos participantes (54.5%) era

constituída por pais de crianças em idade pré-escolar (27.3%), sendo que os restantes eram

pais de crianças em idade escolar (9.1%), adolescentes (9.1%) ou pais de várias crianças em

Page 14: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

14

idades diversas (27.3%). O número de filhos predominante nos participantes foi de dois

filhos (54.5%), seguido de três filhos (27.3%) e, por fim, de um filho (18.2%). Cerca de

18.2% dos participantes tinham algum tipo de psicopatologia identificada e 27.3%% dos

participantes tinham dificuldades cognitivas identificadas. O motivo de sinalização para o

curso foi predominantemente a negligência (36.4%), seguido dos maus-tratos físicos e dos

problemas comportamentais dos filhos (ambos com 27.3%) e, por fim, as situações de maus-

tratos psicológicos (9.1%). Quanto à sua situação laboral, a maioria dos participantes no

curso “Nós pais” estava desempregado (63.6%), embora houvessem também participantes

com empregos estáveis (18.2%), com empregos part-time (9.1%) e em situação de reforma

(9.1%). Quanto à rede social secundária9 dos participantes, a maioria (45.5%) estava

envolvida com duas a quatro instituições ou entidades, sendo que os restantes participantes

estavam envolvidos com quatro a sete (36.4%) ou com duas ou menos (18.2%) instituições

ou entidades de apoio. Por fim, quanto à sua participação efectiva na formação parental,

determinada pela assiduidade e contribuição durante a sessão, foi predominante uma

participação moderada (54.5%) seguida de uma participação alta (27.3%) e baixa (18.2%).

Nesta investigação participaram ainda seis técnicos envolvidos no curso “Nós pais”,

cinco mulheres e um homem, com uma média de idades de 30 anos. Estes participantes

técnicos, constituídos por cinco técnicos efectivos da instituição e um estagiário,

participaram de forma rotativa nas sessões do curso. Quanto às áreas de competência

profissional e formativa, a equipa de técnicos era constituída por uma psicóloga e

coordenadora de serviços, uma psicóloga, uma técnica de serviço social, uma jurista e agente

de educação familiar, um técnicos de animação social e uma psicóloga estagiária.

2.4. O instrumento quantitativo

A escala “Parenting Styles and Dimention Questionaire (PSDQ)” foi desenvolvida

por Robinson, Mandleco, Olsen & Hart (1995), a partir dos três estilos parentais sugeridos

por Baumrind (1971) e amplamente estudados: Autoritativo, Autoritário e Permissivo, já

descritos no enquadramento teórico. Esta escala surgiu como uma resposta à falta de

instrumentos de aferissem as tipologias propostas por Baumrind, em 1971, particularmente

com crianças em idade pré-escolar e pré adolescência, investigando também

comportamentos específicos dentro de cada tipo proposto (Robinson et al, 1996). O PSDQ é

composto por 62 itens, com resposta numa escala tipo Linkert. Destes 62 itens, metade 9 Constituída pelas instituições ou serviços com quem se relacionam de forma recorrente (tais como hospitais, técnicos de apoio social, banco alimentar, entre outros).

Page 15: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

15

corresponde ao comportamento e atitudes parentais do cuidador (mãe ou pai) que preenche a

escala, e a outra metade corresponde à percepção do mesmo sobre os comportamentos e

atitudes parentais de um segundo cuidador. No entanto, o questionário pode também ser

utilizado em famílias monoparentais, pelo que nestes casos apenas se preenchem 32 itens. O

factor ou dimensão Autoritativo é composto por 15 itens (inclui o afecto/envolvimento, a

negociação, a participação democrática e a facilidade na relação), o factor Autoritário é

composto por 12 itens (inclui a hostilidade verbal, a punição física, estratégias punitiva/não

negociação e a directividade), e, por fim, o factor Permissivo é composto por 5 itens (inclui a

indulgência, ignorar o comportamento e autoconfiança). O questionário está disponível nas

versões “pais” e mãe”. Os estudos iniciais do PSDQ (Robinson et al, 1996, 2001) encontram

de forma consistente os mesmo três factores em ambientes culturais diversos. A consistência

interna, indicada através do Alfa de Cronbach, foi de .83, .81, e .65, para os factores

Autoritativo, Autoritário e Permissivo, respectivamente. O estudo português de validação da

versão portuguesa deste questionário (Questionário de Dimensões e Estilos Parentais –

QDEP), foi desenvolvido Pedro, Carrapito e Ribeiro (2008), tendo encontrado para as mães

uma Alpha de Cronbach de .744 e para os pais de .751. Os valores do Alpha de Cronbach

encontrados no estudo português são: 1) Estilo Autoritativo(mães:.846; pais: .862); 2) Estilo

Autoritário (mães:.703; pais:.676); e 3) Estilo Permissivo (mães:.387; pais:.481).

2.5. As entrevistas apreciativas

Decorrente das perspectivas supra mencionadas do modelo sistémico cujo foco é na

competência das famílias (Ausloos, 2003) e na abordagem a psicologia positiva à

parentalidade (Carr, 2004), surgem como estratégias de acesso à informação, alguns

elementos ou linhas de acção do Inquérito Apreciativo. O Inquérito Apreciativo10 foi

desenvolvido nos anos 80, inicialmente por David Cooperrrider, visando apreciar de forma

sistemática e deliberada os temas positivos utilizando essa análise positiva para especular

sobre o potencial e as expectativas para o futuro (Cooperrider, Whitney & Stavros, 2003). O

IA é uma forma de indagação transformacional11 que tem como objectivo localizar, ressalvar

10 No original, Appreciative Inquiry. Como, segundo os autores originais, “inquiry” se traduz por “…um acto de exploração e descoberta; …uma abertura a ver novas possibilidades e potenciais”, a autora propõe que uma tradução não literal, mas que espelha este conceito de uma forma mais adequada. A palavra “indagação” poderá substituir a tradução literal “inquérito”, embora para uma maior coerência, neste texto se utilize a fórmula mais conhecida em Portugal (Marujo et al, 2007). Fica no entanto aqui a sugestão

11 O IA é orientado segundo seis princípios gerais (Cooperrider et al, 2003): 1) Princípio construcionista - 2) Principio da simultaneidade – A indagação e a mudança são simultâneas, ou seja, a avaliação é já intervenção; 3) Principio poético – A escolha de estudar o positivo, a co-autoria da história da

Page 16: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

16

e iluminar as forças que dão vida à existência de uma organização. Implica trabalhar para

uma visão comum, procurando de forma cooperativa o melhor das pessoas, das organizações

e do mundo à sua volta. Segundo Marujo, Neto, Caetano e Rivero (2007), o IA é um novo

modelo de gestão e implementação da mudança positiva nas organizações e comunidades,

inspirado no pensamento do construcionismo social, de Keneth Gergen.

O IA organiza-se segundo um processo circular entre quatro fases concretas

(Cooperrider, 2003; Marujo, 2007): 1) Discovery (Descoberta/Apreciar): procura de

sucessos, explorando a experiência mais positiva e o que é mais valorizado; 2) Dream

(Sonho/Ideal) – imaginar o futuro de forma positiva, elicitando temas chave, amplificando o

positivo imaginado e as possibilidades de futuro geradas na primeira fase; 3)Design –

(Delineamento/Determinar): construção colaborativa de imagens positivas do futuro que dá

nesta fase origem a proposições provocativas que ilustram o sonho organizacional e 4)

Destiny – (Construção/Criar) – alinhamento da realidade actual com as proposições

provocativas12, num sentido colectivo de objectivos, execução de actividades e compromisso

conjunto, resultando numa fase contínua do processo que o devolve à sua primeira fase.

Embora este estudo utilize estratégias do IA, não é objectivo do estudo ser um exemplo de

uma iniciativa que cumpra todos os requisitos do IA. De qualquer forma, os seus fundadores

apelam também que o IA não seja tratado como uma receita a seguir, mas sim como uma

aventura e especialmente uma quadro de referência (Cooperrider et al, 2003) pelo que se

poderá adaptar às necessidades da organização ou projecto de intervenção. Com tal, foram

aproveitadas as estratégias do IA que mais se adequam a uma avaliação deste tipo, com

todos os seus constrangimentos inerentes13

A título de exemplo, a entrevista apreciativa, como proposta por Copperrider et al

(2003), tem o seu foco principal na primeiras duas fases do processo acima descrito,

organização; 4) Princípio antecipatório – A imaginação e o discurso positivo sobre o futuro são os recursos mais importantes para gerar a mudança construtiva; 5) Principio positivo – O mommentum de mudança requer uma grande quantidade de disposição positiva e de vinculação social, assim como sentimentos como a esperança, a inspiração e a co-construção; e 6) Principio da totalidade – todo o sistema pode ter voz no futuro.

12 As proposições provocativas são então a ponte entre o que é e o que pode ser, um desafio ao status quo, fundamentado no ideal. São desejadas, afirmativas e expandem a zona de desenvolvimento proximal, espelhando a participação, continuidade, novidade e transição de todo o processo (Cooperrider, 2003) 13 Nomeadamente: 1) os participantes do curso alvo desta investigação ainda não eram um grupo estabelecido no inicio da investigação; 2) alguns participantes estavam particularmente ciosos da sua privacidade, pela percepção do serviços como tendo um carácter judicial, pelo que as intervenções iniciais em grupo contaram com uma participação reticente; 3) o investimento de tempo e de recursos humanos necessário a uma execução tradicional do processo do IA seria demasiado elevado tendo em conta a falta de recursos humanos do próprio serviço; 4) O tempo da investigação é diferente do tempo da intervenção investigada; e 5) Apesar de ter algumas ambições transformativas, esta investigação têm um carácter marcadamente exploratório, pelo que a adaptação de algumas estratégias do IA surge como mais exequível do que o processo tradicional

Page 17: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

17

encorajando os participantes a usarem histórias e exemplos, evocando valores, descobrindo

temas e desenvolvendo uma comunicação empática com o entrevistado. As questões focam-

se no tópico afirmativo previamente escolhido de forma colaborativa. No entanto, para esta

investigação e pelos motivos supramencionados, optou-se por incluir questões sobre as

primeiras três ou mesmo as quatro fases dos processo (4D’s) nas entrevistas apreciativas,

embora não deixando de parte algumas etapas importantes do processo como a discussão e a

devolução de proposições apreciativas, ou seja, o ciclo dos 4D’s, tal como proposto por

Cooperrider (2003) não se esgota nas entrevistas apreciativas e estas etapas terão a sua

continuidade após a apresentação desta investigação, por constrangimentos temporais,

institucionais e relacionados com os participantes da investigação.

A construção dos guiões (Vide Anexo VI) reflectiu, de forma adaptada, as quatro

fases do IA, sendo que, para a primeira entrevista, de carácter mais exploratório, cada uma

destas quatro fases foi constituída por uma média de três perguntas. Nem todas as questões

apreciativas foram utilizadas em cada entrevista, já que as entrevistas de carácter semi-

estruturado com perguntas tendencialmente abertas que promoviam a reflexão, permitiram

que os participantes respondessem extensa às primeiras perguntas, sendo que quando tal não

acontecia, as restantes perguntas eram colocadas para assegurar a homogeneidade das

temáticas exploradas. Cada entrevista demorou cerca de 30m. Para a segunda entrevista, que

reflecte um carácter mais analítico sobre o percurso do grupo de formação parental, foram

utilizadas as mesmas fases, embora cada uma destas tenha sido constituída por menos

perguntas, tornando a entrevista mais curta, tendo durado, em média, cerca de 20 minutos.

Os quatro guiões produzidos (para utentes e para técnicos, para entrevistas iniciais e finais)

foram validados com colegas e com utentes e encontram-se em anexo (Vide Anexo VI)

Nas entrevistas iniciais aos utentes, foi preenchida individualmente um questionário

sobre as preferências relativas aos temas propostos a tratar na formação parental, havendo

também a oportunidade de sugerir novos temas (Vide Anexo VIII e IX)

2.6.Procedimentos

Nesta investigação foram realizadas duas entrevistas, a primeira num intervalo de

duas semanas antes do inicio do curso de formação parental e a segura cerca de uma semana

antes do final do curso. No início de cada entrevista, e para que os participantes pudessem

dar o seu consentimento informado, cada participante foi informado dos objectivos gerais do

estudo, da instituições responsáveis pelo estudo (CAFAP/Nós e FPCEUL), do carácter

Page 18: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

18

confidencial da informação recolhida (Vide Anexo X), do carácter voluntário da participação

no estudo e do facto de não haverem respostas certas ou erradas (APA, 2001). Optou-se por

não gravar as entrevistas através de mecanismos audiovisuais, já que muitos dos

participantes, por terem processos a decorrer nas Comissões de Protecção de Crianças e

Jovens e por percepcionarem a instituição como para-judicial, se sentirem intimidados por

registo mais oficial do seu testemunho. Como tal, construiu-se uma folha de registo que

permitisse anotações relevantes de informação recolhida durante a entrevista e que

salvaguardasse a sua confidencialidade, através da codificação das folhas de registo (Vide

Anexo VII).

Houve dois momentos de devolução de informação aos participantes ao longo do

processo de avaliação da formação parental, cada um após ambos os conjuntos de

entrevistas, iniciais e finais. No primeiro momento, foram devolvidas, em grupo,

informações relativas aos temas que os participantes indicaram como preferidos, assim como

uma visão apreciativa geral sobre as suas expectativas positivas sobre o curso (Vide Anexo

IX). Os resultados globais e específicos desta investigação serão também devolvidos aos

participantes. As entrevistas decorreram nas instalações do CAFAP, numa sala com

privacidade. As entrevistas foram todas realizadas pela investigadora e efectuadas de forma

individual.

O questionário de estilos e dimensões parentais (Pedro et al, 2008) foi aplicado em

dois momentos, o primeiro no início do curso de formação parental, em Janeiro, e o segundo,

em Maio, cerca de uma mês antes do final do curso. Os questionários forma aplicados tanto

em grupos como individualmente (já que alguns dos participantes, pelas suas baixas

habilitações literárias, tiveram de ser acompanhados no seu preenchimento). O

consentimento informado foi recolhido (Ver anexo), de forma prévia à aplicação, incluindo

as informações recomendadas pela APA (2001) – tema, objectivo geral, carácter voluntário e

confidencialidade. Apesar de este estudo contar com 11 participantes, apenas foram

completadas 9 escalas em ambos os momentos de avaliação, já que um dos participantes

recusou o preenchimento e outro participante deixou de frequentar o curso, não podendo por

isso completar o questionário no momento final da avaliação, pelo que os seus dados não

foram incluídos.

2.7. Análise dos dados

Page 19: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

19

A análise do QDEP (REF), seguiu três procedimentos: 1) análise das percentagens de

cada estilo, para cada participante, nos momentos iniciais e finais; 2) análise da diferença dos

estilos de cada participante, entre os momentos iniciais e finais; 3) análise item a item, para

cada participante, de forma a perceber quais os pontos fortes e fracos dentro de cada estilo,

nos dois momentos de avaliação. Devido á dimensão da amostra e a constrangimentos na

recolha dados, outros tipos de análise estatística foram impossibilitados. Com auxiliar de

análise, foi usado o software estatístico de análise de dados SPSS 15.0.

Na análise das entrevistas, seguindo um método contínuo de comparação, (Glaser &

Strauss, 1967; Strauss & Corbin, 1990), determinados temas emergem da análise de dados, a

partir dos quais se faz uma categorização, que permite o surgimento da teoria (Bowen,

2006). A codificação foi feita de três formas (Flick, 2005): 1) codificação aberta, através da

exploração inicial dos dados, identificando e conceptualizando os processos observados; 2)

codificação axial, pela ligação entre categorias que incluem fenómenos, interacções e

contextos; e 3) codificação selectiva, onde se escolhem as categorias centrais de carácter

inclusivo. Desta forma, através da análise exaustiva das entrevistas realizadas e através do

programa de análise de dados qualitativos N6 QSR, foi possível identificar temas emergentes

e, através de uma leitura transversal dos dados, criar categorias inter-relacionadas,

construindo assim uma rede de nodes que culmina em conceitos descritivos baseados nos

dados (Vide Anexo XI)

3. Resultados

3.1.Descrição dos resultados qualitativos

3.1.1 Utentes: Entrevista inicial

Para a primeira fase, relativa ao que mais apreciavam na sua vivência da

parentalidade, os participantes ressalvam as competências parentais (10), particularmente

no que se refere à percepção (10) - de competência (7) – “..consigo pôr as minhas filhas

felizes..”; “..sou uma super-mãe..” de papel parental (7) “…ver que está sempre limpo e

com alimentação”; “A minha maior qualidade é ser responsável e levar este papel

[parental14] a sério”;. “Acompanhar o desenvolvimento enquanto pequenos”– e ao

envolvimento (11), destacando-se aqui as questões relacionadas com a proximidade (7)

14 A utilização de parêntesis rectos indica a inserção de palavras chave, pela aurora deste texto, de forma a clarificar o discurso do participante.

Page 20: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

20

“estar presente em todos os momentos, nos momentos difíceis, nas coisas mais pequenas”,

sensibilidade (7) às necessidades dos filhos “estar atenta”; “falar com eles”; “Atenção ao

desenvolvimento”; responsabilidade (7) “não é um boneco, é uma pessoa com

necessidades”, e afecto (7) “dar miminhos todos os dias, assim ficam todos felizes”, e, ainda,

as estratégias (7) de gestão do comportamento(3) – “…quando levanto a voz…”, “..eles

escolhem o que querem comer, com limites” - a autonomia (2) “liberar (sic) sem faltar ao

respeito.” e as actividades (3) “brinco com eles muitas brincadeiras..estou activa 24h por

dia”. Quanto ao desenvolvimento pessoal (4), os utentes atribuem-lhe menor importância,

destacando no entanto as questões relativas à autonomia (3). Nesta fase, os utentes atribuem

também uma importância reduzida aos recursos contextuais (3), destacando no entanto as

necessidades básicas (2) “dar o essencial: comer, vestir e calçar”.

Para a segunda fase da entrevista, relativa a “como seria o ideal na sua família e

neste curso em que vai participar?”, os utentes destacam de forma muito próxima os

factores relacionados com a competência parental (10) e com os recursos contextuais (9),

sendo que atribuem uma importância moderada factores relativos ao desenvolvimento

pessoal (7). Na competência parental (10), o foco dos utentes surge particularmente no factor

do envolvimento, ressalvando a sensibilidade (6)“aumentar a sensibilidade às necessidades

dos meus filhos”; “aprender sobre a adolescência”, responsabilidade (7)“arranjar um

trabalho para poder dar um futuro melhor” “é difícil a formação afectiva [do filho]”e

estratégias (7) com predominância para a autonomia (3)“vou fazer o possível para manter a

dependência [do filho]” e a gestão do comportamento (3)– “Situações de bullying”;

“estarem mais calmos em termos de comportamento”; “Estratégias de comportamento e

alimentação”. Com uma importância elevada surgem também os factores associados aos

recursos contextuais (9), com um marcado destaque para as necessidades básicas (7)

“Gostava de ter mais comida”; “melhor habitação”; “o único problema que temos é

financeiro” seguido pelos recursos comunitários (4) “integração em equipamento de

infância”; “que o mais velho fosse para a escola”; “arranjar um trabalho para o futuro

dele” e pelo apoio social (3) “partilhar experiências”;”situações semelhantes e outras

ideias”; “ouvir os problemas dos outros e tentar ajudar os outros a resolverem os seus

problemas”; “Sessões divertidas…que a vida não é só tristezas”. Com um destaque

moderado, surge ainda o factor do desenvolvimento pessoal (7), onde surge o predomínio

das questões relacionadas com o projecto de vida (4) “trabalhar em arranjos florais ou em

creches”; “Terminar o 9º ano”.

Page 21: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

21

Quanto à terceira fase, sobre como poderá o ideal explicitado na segunda fase ser

conseguido, os utentes atribuem uma importância moderada a cada uma das três categorias

principais. Na competência parental (7), destacam o envolvimento, nas suas componentes de

responsabilidade (4) “levar isto a sério, focar nos filhos” e estratégias (5). Quando às

estratégias, referem-se particularmente à autonomia (2) “Vê-lo orientado”; “outras formas

de ser protectora sem ser carrasco” e à gestão do comportamento (3) “usar a ameaça.”;

“outros métodos de disciplina”. Nos recursos contextuais (7), os utentes ressalvam

maioritariamente o apoio social (5) “Ter um diálogo entre todos…conversar”; “Boa

convivência com os outros pais”, enquanto no desenvolvimento pessoal (6), os utentes

sublinham a importância do projecto de vida (3)”Começar uma vida diferente”;

“requalificação profissional” e da valorização (4) “tirar elações que valem a pena porque a

pessoa transforma-se”; “perceber o que posso aprender mais sobre isso [cuidar dos

filhos]”.

3.1.2. Utentes: Entrevista final

Na primeira fase, sobre “o que correu melhor no curso”, os participantes

sublinharam de forma preponderante as questões relativas aos recursos contextuais (10) e ao

desenvolvimento pessoal (9), atribuindo uma importância moderada às questões relacionadas

com a competências parentais (7). Nos recursos contextuais, os participantes referiram de

forma principal o apoio social (10) “senti-me bem integrada”; “o grupo agora é como uma

família”; “camaradagem”. Quanto ao desenvolvimento pessoal (9) “tocou-me muito a parte

do desenvolvimento pessoal…emocionou-me”, os participantes sublinharam as questões

relativas à sua história pessoal (6) “lembrar coisas boas do meu percurso de vida”, assim

como temas relativos à sua gestão emocional (3) “lidar com as emoções e gerir melhor as

coisas” e valorização(3) “gostei muito da sessão de desenvolvimento pessoal porque fui eu

que escrevi o poster, fui eu que o fiz e fiquei orgulhosa”. Nas competências parentais (7) os

participantes referiram o envolvimento (5), destacando a sensibilidade (3) “ Somos pais, há

coisas que nos passam ao lado nas atitudes [e] significados, é necessário sermos chamados

à atenção”e as estratégias (5), particularmente as estratégias relativas às actividades (3)

desenvolvidas com os filhos “ponho em prática o que aprendo e dá resultado”

Na segunda fase, relacionada com “o que mudaria no curso para ser ideal?”, os

participantes indicaram maioritariamente questões relacionadas com os recursos contextuais

(7), particularmente o apoio social (7) “mais diálogo e confiança uns com os outros”; “ouvir

e saber ouvir”; “perder menos tempo com outras conversas”. Quanto à mudança, atribuíram

Page 22: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

22

uma importância também moderada ao desenvolvimento pessoal (6), destacando aqui a

gestão emocional (6) “algumas pessoas precisam de ser acompanhadas antes, durante e

depois da sessão”; “dar um tempo pequeno e contado a cada uma para questões mais

pessoais em cada sessão”, “sessão de relaxamento” e uma importância reduzida

relativamente às competências parentais (4), onde destacaram questões relacionadas com o

envolvimento (4), particularmente quanto à responsabilidade (2) “diminuir a distancia pais –

creche…ficávamos a saber como é que os nossos filhos eram tratados”, proximidade (2)

“mais participação das crianças nas actividades com os pais” e estratégias (2).

Na terceira fase, relacionada com “em que é que este curso a/o ajudou”, os

participantes referiram especialmente as questões relativas às competências parentais (8),

ressalvando o envolvimento (8), nas suas vertentes de sensibilidade (7) às necessidades dos

filhos “estou mais atento”, “compreendê-los melhor” e de estratégias (7) de gestão do

comportamento (6) “ Ter mais paciência com ele quando não se porta bem, como está

doente não posso exaltá-lo como dantes, gosto mais assim” e de comunicação (4) “ ajudou-

me bastante na lidação (sic) com os meus filhos...porque eles têm idades muito diferentes”.

Atribuíram um peso reduzido a questões relativas ao desenvolvimento pessoal (5)

destacando, no entanto, a gestão emocional (5) “ mais calma, relativamente a tudo”, “fiz um

processo diferente…foi uma dura luta psicológica”; e aos recursos contextuais (2)

ressalvando aqui o apoio social (2) “aprender com as experiências de outras pessoas”.

Na quarta e última fase, onde se procurou perceber “porque é que valeu a pena

participar no curso?”, os participantes indicaram as competências parentais (6),

particularmente o envolvimento (4) no que se refere à sensibilidade (4) às necessidades dos

filhos “por eles vale sempre a pena aprender para melhor saber o que está mal e mudar”, e

estratégias (2) de gestão do comportamento (1) e comunicação (1) “se calhar antes

continuava a dar umas palmadas mais valentes…agora converso mais com eles”; os

recursos contextuais (5) com relevância do apoio social (5) “as experiências de uns ajudam

os outros também”; “o que nós dizemos não sai daqui”; “fica sempre aquela amizade” e o

desenvolvimento pessoal (3), particularmente quanto à sua gestão emocional (2) “uma

distracção para a cabeça…não pensar nos problemas..viver um ambiente mais calmo”; “a

minha infância foi levar porrada e nunca desabafei”.

3.1.3. Técnicos: Entrevista inicial

Page 23: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

23

Nas entrevistas iniciais, os técnicos atribuíram, na primeira fase, quanto à

experiência positiva nos anteriores cursos de formação parental, igual importância ao

desenvolvimento pessoal (5), aos recursos contextuais (5) e à planificação e execução (5),

atribuindo uma menor importância às competências parentais (3). Quanto ao

desenvolvimento pessoal (5), deram relevância à gestão emocional (4) “aliviar a

tensão…auto-regulação interna”, “…desbloqueou algumas coisas”, embora também

indicassem a história pessoal (2) “falar de coisas pessoais…fazer luto”. Quando aos recursos

contextuais (5) referiram essencialmente o apoio social (5) “encontro e partilha entre

pessoas com dificuldades semelhantes”, “criar laços entre elas”, “espírito de grupo”. Na

planificação e execução (5) referiram as experiências práticas (5) “aborrecem-se menos

porque estão todos a falar e a ouvir”, “é bom quando põe em prática algumas situações,

mesmo que não fique assimilado para o futuro”; o investimento (3) “economia de

intervenção”; a triagem (2) “solução de compromisso entre diferentes capacidades” “mesmo

as que monopolizam a conversa trazem benefícios para os outros” e a participação (2)

“empenham-se muito nas actividades…conseguem aproveitar o tempo”. Por fim, quanto às

competências parentais (3), referiram o envolvimento (2), particularmente quanto à

responsabilidade (1) e às estratégias (1) “dinamizar de forma a que as pessoas saiam daqui

com a sensação que as coisas estão a acontecer de facto”.

Quanto à segunda fase, relativa a “como seria o ideal deste curso a iniciar?”, os

técnicos referiram principalmente a planificação e execução (6), nos seus aspectos de

triagem (4)”que não tenham problemas de ansiedade graves” “que fossem saudáveis física e

psicologicamente”, “[mais] parentalidade masculina”, participação (4) “ que chegassem à

sessão com propostas e sugestões que fossem mais directivas”, “que se envolvessem mais

rapidamente” “que os [pais] homens viessem mais”, “virem todas as pessoas a todas as

sessões” “recompensas por sessão, que fossem úteis e relacionadas com o tema”; e

experiências práticas (4) “em vez de ter uma mãe a dizer que tinha experimentado uma

solução, teria 50% das mães a dizerem-se isso e que tinha resultados”, “que houvesse

condições para aplicações mais práticas (cozinha, casa, mudar a fralda)”. Referiram ainda

aspectos relacionados com o desenvolvimento pessoal (4), particularmente quanto à gestão

emocional (4) “se não houvesse peripaques (sic) era bom”, autonomia (2) “que

continuassem a fazer ginástica de livre vontade”, “era bom virem por si próprias com

iniciativa como num grupo de auto ajuda”, valorização (1) “transmitir positividade

funciona”, e motivação (1) “reforçar o desempenho é bom…aumentar a auto-estima pode

Page 24: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

24

ajudar”. Por fim, os técnicos ressalvaram o apoio social (3) “auto regulação do

grupo…ajudarem-se uns aos outros” e os recursos comunitários (2) “bilhetes pré comprados

para o transporte…mais saídas ao teatro, filmes, [sítios] relacionados com o ser mãe”,

“criar parceria com colectividade para uma aula de ginástica…espaço para ensinarem aos

filhos o que aprendem” que se incluem nos recursos contextuais (4)

Na terceira fase, onde se questionava “como pode esse ideal ser conseguido?”, os

técnicos referiram principalmente questões relativas à planificação e execução (6), nas suas

vertentes de continuidade (4) “todo o curso ser direccionado para a construção de um

projecto..fruto do que já foi trabalhado conjuntamente, senão é chegar ao fim com um

vazio”, investimento (5) “ter mais tempo..mais preparação…mais reflexão” “posso fazer

muita coisa”, experiência prática (5) “para a gestão do comportamento era importante

mostrar sketchs de situações reais, interacções positivas e negativas para a partir da

observação gerar discussão” e participação (3) “colaboração, interesse... assiduidade

...tornar as sessões mais interessantes para aumentar a motivação”. Referiram-se ainda aos

recursos comunitários (5), particularmente no que se refere ao apoio social (5) “aprofundar

a rede de suporte..”; “a grande necessidade delas é falar”; e aos recursos comunitários (2)

“se existisse como uma resposta mais associada a outras ajudava muito” “aprofundar…os

recursos da comunidade”. Por fim, indicaram questões relativas ao desenvolvimento pessoal

(3), quanto ao projecto de vida (2) e à história pessoal (2) “reflectir e crescer enquanto

pessoas”, assim como ás competências parentais (2), nas suas vertentes relacionadas com as

estratégias (1) de envolvimento (2) “pôr as mães…sozinhas numa tarefa e filmar, numa

tarefas conjunta com os filhos”.

3.1.4. Técnicos: Entrevista final

Nas entrevistas finais, nas questões da primeira fase, sobre “o que tinha corrido

melhor neste curso?”, os técnicos deram particular relevância ás questões de planificação e

execução (5), especialmente quanto à participação (4) “foi um grupo com elementos muito

importantes que contribuíram muito”, “participação muito assertiva” “estavam muito

envolvidos nas actividades”, às experiências práticas (2) “a líder do grupo…experimentava

o que aprendia, quer funcionasse ou não” e à continuidade (2) “surgiu a ideia de fazer uma

ficha de situação problema [gestão do comportamento] e aceitaram muito bem [tornou-se

um ritual a cada sessão]”; e às questões sobre recursos contextuais (4), particularmente ao

apoio social (4) “começaram espontaneamente a partilhar” “puxavam uns pelos outros”.

Page 25: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

25

No entanto, indicaram também temas relativos às competências parentais (2) - nos temas de

estratégias (2) “o pai cumpriu a tarefa e foi à feira do livro comprar um livro e leu um

história ao filho” de envolvimento (2), afecto (1) e proximidade (1) e ao desenvolvimento

pessoal (1) – na vertente de gestão emocional (1) “abstraiam-se dos problemas e

relaxavam…é algo que precisavam”.

Nas questões da segunda fase, sobre “o que mudar para ser ideal?”, os técnicos

ressalvam maioritariamente a planificação e execução (6) nas vertentes de experiências

práticas (6) “técnica de vídeo”, “mais saídas ao exterior…ficavam encarregues de conhecer

e depois eram os guias da visita”, “horários conjuntos para actividades com os filhos”, e

participação (4) “envolvê-los na preparação de sessões”; “haver uma forma de motivar a

assiduidade”, “trabalhos de grupo em que apresentassem temas” “mais pais homens”.

Destacam ainda o desenvolvimento pessoal (4) “experimentar duplicar o curso reforçando

as questões da parentalidade e separadamente as do desenvolvimento pessoal”– na vertente

de gestão emocional (3) “momentos de relaxamento”; e os recursos contextuais (2) – nas

vertentes de apoio social (2) e dos recursos comunitários (4), como ”parcerias”, “dinheiro

para transportes”, “espaços que possam dar a conhecer aos filhos”, “para as enraizar mais

no tecido da comunidade e para estabelecerem contactos” .

3.1.5. Parentalidade masculina

No âmbito das questões relacionadas com a forma de trazer mais pais homens para

o curso de formação parental, os técnicos referem de forma determinante a experiência

positiva (5) “actividades que lhes interessem…nada melhor que um pai para convidar outro

pai”, “sessões mais práticas”, “e porque não um grupo de homens?”, “adaptar os temas

que lhes fazem mais sentido a eles”, o envolvimento prévio (5) “aproveitar os pais que já

temos e envolvê-los muito antes do curso, em pequenas actividades aqui”; “estratégias

especificar para os chamarmos cá pontualmente e…adquirirem outra perspectiva do

serviço”; ”envolver…desde o principio da intervenção porque se calhar muita da culpa é

nossa, fazemos muitas actividades dirigidas às mães”, “fazer dois dias só para homens e só

depois juntar as mães”, personalizar a necessidade (4) “eles também devem ter muito para

dizer”, “ são diferentes, focar essa especificidade” e o papel parental (3) “responsabilizá-

los por áreas especificas do desenvolvimento…como o brincar”; “valorização de si

enquanto pai”. Já os utentes referem como particularmente relevante para esta questão a

experiência positiva (6) “precisam de um incentivo”, “uma surpresa”, “convite a estimulá-

Page 26: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

26

los do curso, numa cartinha dizer… [que] vai ser divertido…sabemos isso pela experiências

dos homens que já participaram”, embora sublinhando também a importância da

personalizar a necessidade (3)”mostrar interesse pessoal”, “escrever uma carta dizendo que

a participação dos homens é essencial para que o curso se realize…que é necessário ter

pelo menos metade de participantes masculinos” e do papel parental (3) “apelar ao

sentimento de serem pais”, “tomarem consciência do papel de pai”.

Nas entrevistas finais aos utentes, estes referiram que o que tinha sido melhor na

participação masculina no curso de formação parental, foi o papel parental (7) – nas

vertentes de sensibilidade às necessidades (4) “faz-nos [pais homens] reparar nos

pormenores que nos passam ao lado””convém aprenderem novas experiências para lidarem

com os filhos” e gestão emocional (2) “é importante para serem mais calmos e

compreensivos”, “quando têm problemas perceber que podem aprender coisas do mundo lá

fora”; e a necessidade (7) “é mais importante para nós, homens, porque os homens também

têm que estar presentes e ajudar”, “os homens têm ideias importantes a transmitir”, “os

pais também têm opinião e mais experiências” Quanto à participação masculina ideal no

curso, referiram a participação igualitária (6) “metade homens, metade mulheres”,

“participação igual à das mulheres”, “participarem nas actividades…como uma mãe” e a

verbalização (4) “expressarem opiniões”, “falarem”, “fazerem perguntas”, “contar

histórias”, “quererem saber mais”, e “variedade de opiniões”.

3.2. Descrição dos dados quantitativos

Através da análise do Questionário de Estilos e Dimensões Parentais – QDEP

(Robinson et al, 1995), observou-se que o estilo parental predominante em todos os

participantes (utentes), em ambos os momentos de avaliação, é o estilo Autoritativo seguido

pelo estilo Autoritário, e por, fim, pelo estilo Permissivo (Vide Anexo I e II). Quanto à média

percentual, no momento inicial da avaliação os participantes apresentam para os estilos

Autoritativo, Autoritário e Permissivo, respectivamente, as médias de 83,2%, 35,1% e

32.9%. No momento final de avaliação, os participantes exibem uma média percentual para

os mesmo estilos de 86,5%, 35,2% e 44.4% (Autoritativo, Autoritário e Permissivo).

. Quanto à magnitude das diferenças encontradas entre os dois momentos de

avaliação, final e inicial (Vide Anexo III), foi considerando que uma diferença de 6 pontos

de cotação seria considerada uma diferença com significado, por se entender que esta

Page 27: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

27

corresponderia a uma resposta com pontuação máxima (5pontos) mais um ponto, de forma a

não penalizar os participantes apenas com base numa única resposta. Desta forma, foram

encontradas diferenças com significado para seis participantes, dos nove que completaram a

escala em ambos os momentos de avaliação (Vide Anexo III). Dos seis participantes que

revelaram diferenças com significado, quatro mostraram uma mudança positiva entre os dois

momentos de avaliação, sendo que: 1) um participante aumentou a sua pontuação no estilo

Autoritativo (+13) e diminuiu a sua pontuação no estilo Autoritário (-8); 2) dois participantes

aumentaram a sua pontuação no estilo Autoritativo (+9 e +6); e 2) um participante diminuiu

a sua pontuação no estilo Autoritário (-7). Dos seis participantes que revelaram diferenças

com significado, dois mostraram uma mudança negativa entre os dois momentos de

avaliação, tendo um aumentado a sua pontuação no estilo Autoritário (+9) e o outro

diminuído a sua pontuação no estilo Autoritativo (-8). Para os restantes três participantes,

não houve alterações com significado quanto ao questionário aplicado. Para todos os

participantes, o estilo Permissivo não mostrou alterações com significado entre os dois

momentos ( a variação máxima entre as pontuações nos dois momentos foi de 3 pontos).

Quanto à análise dos pontos fortes e fracos (Vide Anexo IV), verificou-se que, dentro

do estilo Autoritativo, uma elevada percentagem de pais (entre 80-100%) respondeu

“muitas vezes” ou “sempre” aos itens 1, 7, 14 e 12, relativos aos Afecto/Envolvimento,

considerando-se por isso um ponto forte. Quanto aos itens 25, 11, 31, relativos à

Negociação, uma elevada percentagem de pais (entre 80-100%) respondeu “muitas vezes”

ou “sempre”, considerando-se por isso um ponto forte. Já na vertente de Participação

democrática, apenas 60% a 70% dos participantes responderam “muitas vezes” ou “sempre”

aos itens incluídos (3,9,22,18), pelo que se considera um ponto a melhorar

Quanto ao estilo Autoritário, uma elevada percentagem de pais (90%-100%)

respondeu “nunca” ou “algumas vezes” aos itens 2, 6, 16, 32 e 13 relativos à Punição Física

e à Hostilidade Verbal, considerando-se por isso um ponto forte. Uma percentagem muito

baixa de pais (40%), respondeu “nunca ou algumas vezes” ao item 30, relativo à

Directividade, pelo que se poderia consideram um ponto a melhorar.

No estilo Permissivo, não foram encontrados valores passíveis de consideração como

um ponto forte ou a melhorar.

4. Discussão

Page 28: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

28

Ao longo da investigação, o contacto com os participantes do curso “NÓS Pais”, pais

e técnicos, e a posterior análise dos dados, revelou expectativas, crenças e sentimentos que

ilustram um impacto com significado.

A partir da leitura da análise dos dados qualitativos, alguns pontos importante surgem

de forma consistente. De forma a facilitar a reflexão, estes pontos serão organizados

segundos os momentos de avaliação, os participantes (utentes e técnicos) e as fases utilizadas

nas entrevistas.

Os Pais…Antes do curso

No momento inicial, antes da formação parental ter começado, os pais consideraram

que aquilo que já existia de positivo eram essencialmente as suas competências parentais,

mostrando uma elevada percepção de competência parental, nas suas vertentes de

envolvimento, proximidade, sensibilidade, responsabilidade, afecto e estratégias. No

desenvolvimento pessoal e dos recursos contextuais, revelaram maiores dificuldades,

particularmente no que diz respeito à sua própria autonomia e às necessidades básicas, algo

que seria já esperado pela situação de precariedade socioeconómica em que a maioria destes

pais se encontravam. Quando ao que sonhavam como ideal, os pais sublinharam questões

relativas à competência parental e aos recursos contextuais, ressalvando o desejo de

responder de forma mais apropriada ás necessidades dos filhos, algo que não estaria só

dependente dos próprios mas também dependente de uma melhoria nas questões

relacionadas como as necessidades básicas (i.e. rendimento e habitação). Quanto à forma

como conseguir atingir esse ideal, surge aqui a importância dada ao apoio social e

especificamente à partilha de experiencias entre pais e ao convívio. Para além desta questão,

surge ainda o desejo de encontrar novas estratégias de gestão do comportamento dos filhos.

Os pais iniciaram então o curso com uma elevada percepção de competência parental, com a

noção de que a falta de recursos materiais influenciava de forma negativa a sua competência

parental e com o desejo de conseguirem melhorar a sua situação económica através do

projecto de vida, partilharem experiências com os outros pais e passarem momentos

positivos no curso.

Os Pais…Depois do curso

No final do curso, os pais participantes apreciaram as contribuições nos três níveis,

competências parentais, desenvolvimento pessoal e recursos contextuais, salientando a

importância de terem desenvolvido o seu apoio ou rede social, explorado as questões da sua

Page 29: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

29

história pessoal e gestão emocional e de terem desenvolvido o seu envolvimento parental,

particularmente no que se refere às estratégias e actividades na relação com os filhos.

Relativamente ao que poderia ser melhorado no curso, destacam essencialmente uma maior

ênfase no apoio social, na gestão emocional e na proximidade com os filhos, no que se refere

à participação das crianças em algumas sessões. Referindo-se às contribuições específicas do

curso para a melhoria da sua situação, os pais salientam as questões relacionadas com a

sensibilidade às necessidades dos filhos, a gestão do comportamento dos filhos, a gestão

emocional e o apoio social. Por fim, os pais participantes consideraram que o curso valeu a

pena por aumentarem a sua sensibilidade às necessidades dos filhos, pelo apoio social e pela

gestão emocional. Estes três factores, sublinhados como essenciais por estes pais, referem-se

a vários níveis da metáfora ecológica (Kelly, 1966): às características pessoais dos pais como

indivíduos (nível ontogénico), ao microsistema (interacções pais filhos) e ao mesosistema

(suporte social). A questão do apoio social, que surgiu como tema transversal à maioria das

entrevistas, reflecte a importância e a significância do tema para estas famílias, tendo um

impacto coerente também com outros programas de formação parental (Barber, 1992).

Os Técnicos…Antes do curso

Quanto aos técnicos, iniciaram a participação no curso ressalvando diversas crenças

como valor do curso de formação parental, naturalmente informadas com a experiência

prévia noutros cursos anteriores. Destacaram o foco na gestão emocional e na história de

vida dos pais, no apoio social, na possibilidade dos pais encetarem experiencia práticas no

curso e no envolvimento parental. Imaginando como seria o curso “NÓS Pais” ideal, os

participantes técnicos salientaram um curso com uma triagem cuidadosa no que se refere a

participantes com psicopatologia, uma participação assiduidade elevadas (destacando um

maior número de participantes masculinos), sessões com elevada componente prática, e um

maior nível de autogestão do grupo (em que o técnicos tivesse um papel maioritariamente de

moderador e de distribuidor de diálogo). Pensando na concretização desse ideal, os

participantes técnicos sublinharam a importância de uma linha condutora ao longo do curso,

de forma a que não fosse apenas um agregado de sessões, mas que enfatizasse a “construção

de um projecto”15. Salientam ainda a importância de um maior investimento do serviço na

formação parental, a necessidade das componentes práticas na sessão (quanto ás interacções

com os filhos), o foco no desenvolvimento da rede de apoio social e dos recursos

15 Expressão utilizada por um dos técnicos entrevistados.

Page 30: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

30

comunitários. Os técnicos iniciaram então o curso “NÓS Pais” focando as questões mais

relacionadas com o planeamento do curso, particularmente a selecção dos participantes e a

necessidade de tornar o curso mais orientado para as experiências práticas. Introduzem aqui

a questão da autogestão do grupo, mostrando sem dúvida o desejo de uma postura de “não-

especialista” abrindo portas a uma alteração da balança do poder do técnico sobre o utente,

que espelha a postura transversal na equipa, a de devolver a competência e a liderança aos

pais.

Os Técnicos…depois do curso

No final do curso, os técnicos consideraram que o que tinha sido mais positivo estava

relacionado com a composição particular deste grupo de pais, salientando a sua participação

e capacidade de liderança, e com o desenvolvimento do apoio social. Imaginando como seria

um próximo curso ideal, destacaram a importância das experiencia práticas nas sessões;

propondo diversas estratégias, a aposta numa co-construção do curso com os pais, referindo

uma vez mais a questão da liderança no grupo; a assiduidade dos pais, eventualmente

facilitada através de parcerias comunitárias; e a aposta nas competências de gestão

emocional dos participantes.

Sobre a Parentalidade Masculina

Quanto á parentalidade masculina, os participantes pais e técnicos mostraram alguma

uniformização nas sugestões de como envolver mais os pais homens na intervenção do

serviço, particularmente no que se refere à participação no curso de formação parental.

Ambos realçam a importância do curso conter actividades relacionadas com os interesses dos

pais homens e da transmissão de uma imagem positiva, surpreendente e divertida do curso.

Consideram que os pais homens poderiam contribuir de forma muito relevante para o curso,

pela especificidade e importância do seu papel parental, e que isso se traduziria também num

forte impacto positivo para os próprios pais homens. A abordagem inicial é descrita como

sendo de extrema importância, devendo incluir um foco na valorização das características

pessoais relacionadas com a parentalidade masculina. Os técnicos destacam ainda que o

envolvimento prévio com os pais homens, tanto ao longo de outras intervenções do serviço

como a um nível mais informal, seria de extrema importância para a sua participação no

curso. Os utentes consideraram que a participação do único pai neste curso tinha não só

muito positiva, entendendo também a participação masculina como uma necessidade com

Page 31: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

31

vantagens para todos (pai, mãe e crianças). O pai participante afirmou igualmente a

importância de outros pais homens participarem em acções semelhantes, considerando que,

para além de uma experiencia positiva e com impacto, poderá ajudar os homens a

participarem de uma forma mais activa nas questões da parentalidade, algo que considera

como essencial. Os utentes entendem ainda que um curso “NÓS Pais” ideal teria uma

participação igualitária de pais e mães, tanto em termos de número de participantes como em

termos da participação per se em sessão, ressalvando a importância dada à verbalização por

parte dos pais homens, durante a sessão.

Perspectiva qualitativa a partir de um ponto de vista quantitativo

Os resultados da aplicação do QDEP mostram uma predominância da mudança

positiva, havendo o dobro dos casos de mudança positiva do que de mudança negativa.

Adicionalmente, todos os participantes que mostraram uma mudança negativa apenas o

fizeram parcialmente, diminuindo a vertente do estilo autoritativo ou aumentando a do estilo

autoritário. As situações em que não houve alteração nos estilos foram superiores às

situações em que houve mudança negativa, sendo que no entanto foram inferiores às

situações de mudança positiva, que se destacam como sendo a maioria.

O subfactor de Afecto/Envolvimento, relativo ao estilo Autoritativo, foi considerado

como ponto fortes do grupo, o que vai ao encontro dos dados das entrevistas, já que também

os pais o assumiram como algo positivo e sem dificuldades de maior. Surpreendentemente, o

subfactor Negociação foi também um ponto forte do grupo, o que não é consistente com as

preocupações expressadas pelos pais quanto à gestão do comportamento dos filhos. No

entanto, esta preocupação com a gestão do comportamento é consistente com os resultados

encontrados para o subfactor Participação democrática, já que foi considerado como uma

ponto fraco. Adicionalmente, esta questão é também relacionada com o outro ponto fraco

encontrado, este já no estilo Autoritário, o subfactor da Directividade. De forma global pode-

se sugerir que estes pais mantêm a necessidade de desenvolver estratégias relativas à

componente de providenciar estrutura, parte fundamental dos princípios da disciplina

positiva (Durrant, 2007). Já as questões relativas à Punição Física ou à Hostilidade Verbal

não foram encontradas dificuldades, pelo que se considerou um ponto forte.

Pistas para reflexão sobre a intervenção

Page 32: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

32

Na leitura integrada dos resultados, emergem 10 pistas para reflexões sobre a

intervenção, das quais se destacam:

1) A co-construção do curso entre técnicos e pais utentes, através do envolvimento

contínuo dos pais na escolha dos temas das sessões, na preparação de sessões e na sua

execução;

2) A potenciação da auto-gestão do grupo, sublinhando uma postura de depowerment

(Nelson & Prilleltensky, 2005) dos técnicos, ou seja, a promoção a liderança dos pais

participantes dentro do grupo, devolvendo-lhes as competências de intervenção no grupo,

reduzindo assim a postura de maior poder e liderança dos técnicos presentes na sessão. Esta

auto-gestão do grupo poderá ser facilitada através de uma triagem cuidadosa e estratégica

que, assegurando a diversidade do grupo, inclua alguns pais não só com competências de

liderança mas que possam também despoletar nos outros participantes essas competências;

3) A continuidade entre sessões, sentido da construção de um projecto partilhado, em

que os participantes sintam que estão a caminhar para objectivos que eles próprios

escolheram e assumiram, podendo desta forma também aumentar os níveis de assiduidade,

sentimento de grupo e participação;

4) O investimento desejado e necessário na parentalidade masculina implica o

compromisso de um esforço partilhado para o envolvimento prévio dos pais homens, não só

na formação parental como em todos os níveis da intervenção, surgindo a ideia de se

colaborar com os pais homens que já participam nas actividades do serviço, com o objectivo

de ajudarem neste esforço;

5) O foco no apoio social, determinante para estas famílias poderá ser ampliado, de

forma a promover as relações sociais informais, activando a sua reciprocidade (familiares,

amigos, vizinhos) já que estas redes são particularmente importantes para as famílias

multidesafiadas, como geradoras de soluções, sendo que o papel do técnico poderá ser

dirigido para a descoberta do positivo nestas redes (Sousa, 2006b);

6) As estratégias de gestão emocional dos pais podem ser expandidas dentro e fora da

sessão, dependendo da diversidade e das necessidades do grupo, sendo que para isso poderá

contribuir um foco mais consistente nas técnicas de relaxamento e no exercício físico;

7) O foco nas experiências práticas durante as sessões, particularmente no que se

refere à participação dos filhos em algumas sessões com possibilidade de interacção pais –

filhos, às saídas para o exterior, às diferentes técnicas utilizadas (i.e. vídeo), poderá reflectir-

Page 33: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

33

se num maior nível de participação e assiduidade, decorrente também da diversidade da

sessões;

8) A maior ligação aos recursos comunitários visa não só aprofundar da ligação dos

participantes às estruturas comunitárias, por exemplo através de visitas a locais de interesse e

posterior apresentação destas ao grupo, por parte dos participantes, com também o

desenvolvimento de parcerias entre o serviços e certas estruturas comunitárias (i.e. empresas

de transporte, de forma a facilitar as deslocações dos participantes);

9) A promoção da assiduidade poderá ainda ser fortalecida, para além dos factores já

mencionados, através de recompensas ou reforços em casa sessão, que estejam relacionados

com o tema da sessão e que tenha de facto utilidade parra os pais:

10) A partilha de estratégias, particularmente no que se refere às estratégias de gestão

do comportamento, poderá beneficiar da implementação de uma situação mais estruturada,

que se repetisse todas as sessões, de forma interactiva e divertida como um ritual da sessão.

Questões metodológicas

O facto dos estilos parentais, segundo os dados quantitativos, não terem sofrido

alterações de grande relevância levanta algumas questões. Através uma leitura global e

reflectida dos dados qualitativos, emerge uma predominância das questões relativas aos

recursos contextuais e ao desenvolvimento pessoal, particulares ao apoio social e à gestão

emocional, sendo que embora as competências parentais surjam como um importante foco

do curso, tanto ao nível dos seus objectivos como ao nível do impacto percebido, estas não

são, aparentemente, percebidas como o que foi mais alvo da mudança durante o curso. Como

tal os resultados do QDEP poderão não ter revelado essa mudança porque também os

participantes não a identificaram como a mudança mais relevante. Outra interpretação seria a

de que os estilos parentais, ao contrário das práticas parentais, possuem alguma estabilidade

temporal (Bornstein & Bornstein, 2007) pelo que as mudanças a curto prazo seriam menos

perceptíveis, não impedindo no entanto, que mudanças a médio ou longo prazo sejam

relevantes. Nas outras questões relativas ao QDEP que poderão ter contribuído para os

resultados, incluem-se: 1) A desejabilidade social, eventualmente reforçada pela percepção

de serviço pelos participantes como um serviço com contornos judiciais, pela sua relação

com as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens; 2) A análise de dados quantitativa ter

sido em parte limitada pelo reduzido número de participantes; e 3) O facto de alguns

participantes não terem respondido a alguns itens, o que os prejudicou na cotação.

Page 34: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

34

A estratégia de acesso aos dados, inspirada na entrevista apreciativa e nos princípios

do IA permitiu ainda, pelas suas características inerentes, concretizar uma postura de

“devolver competência” às famílias, através da circulação da informação pertinente (“aquela

que vêm do sistema e que a ele retorna para o informar do seu próprio funcionamento” –

Ausloos, 2003, p. 155), que espelhou ao longo de todo o processo de investigação uma

postura de co-construção e proximidade que creio ter sido particularmente útil tanto para os

participantes como para a investigação. No entanto, como já foi referido, estas estratégias

não reflectem o modus operandi tradicional do IA, nem nunca tal pretenderam fazer, por

constrangimentos vários, particularmente no que se refere à sincronia entre o tempo

necessário para a intervenção e para o processo de mudança e o tempo do curso, dos

participantes e dos técnicos. No entanto, a médio prazo seria provavelmente útil para o

serviço, para a equipa e para os utentes, uma intervenção mais estruturada do IA, segundo os

trâmites propostos pelos seus autores, embora sempre adaptados a este contexto específico.

A relação com os serviços de apoio

Acrescentando á ideia de Ausloos de que “as famílias sabem mas não sabem que

sabem e não sabem o que sabem” (2003, p. 155), julgo que esta investigação mostrou

também que estas famílias muitas vezes “sabem que sabem”, ou seja, estão bem cientes das

suas competências parentais positivas, mesmo que recebam informações contrários por parte

de alguns técnicos ou instituições que continuam a apostar numa perspectiva de défice.

Imber-Black (1988, cit por Sousa, 2005) aponta temas que ilustram esta perspectiva

de défice, particularmente no que respeita à relação entre as mulheres e os serviços de apoio

à família ou serviços sociais: 1) Tendência para ver os problemas da família como uma falha

da mãe, competindo-lhe a ela a responsabilidade da sua resolução; 2) Desqualificação das

experiências e preocupações da mulher pelos serviços; 3) Envio de mensagens paradoxais

(i.e. são resistentes e também demasiado envolvidas com os serviços; são o repositório

emocional da família mas são demasiado emotivas); 4) infantilização das mulheres clientes;

e 5) Postura de especialista por parte dos técnicos que visam resolver as falhas da mãe.

Surgiu nesta investigação uma marcada vontade e necessidade ultrapassar algumas

destas questões, incluindo os homens na intervenção. Matta e Knudson-Martin (2006)

referem que a capacidade de nurturance16 dos homens como cuidadores dos filhos está

relacionada com as construções internas e sociais próprias de masculinidade. Pelo contrário,

16 Capacidade de cuidar, de educar, de providenciar afecto.

Page 35: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

35

Kimmel (2004, cit. por Matta & Knudson-Martin, 2006) defende o paradigma de igualdade

de género, referindo que o que restringe os homens e mulheres é a “instituição de género do

mundo” – o local de trabalho, a família, escola e as politicas onde as definições dominantes

são reforçadas e reproduzidas e onde se cria o género próprio numa sociedade de género, na

qual os caminhos alternativos não são apoiados ou encorajados. Os homens têm a capacidade

de estabelecerem relações e, quando o fazem, alteram a sua experiência e a forma como se

empenham na paternidade é significante para si, para as crianças e para as suas relações

íntimas (Matta & Knudson-Martin, 2006).

Conclusão

“Intervention is more effective if the staff can restrain their expertise, using their skills to

encourage family members to see each other as a resource and to mobilize help from within

their own network. That may involve a new role for workers, requiring a lesse central

position than is customary, and a less active effort to solve the families’ problems for

them”17(Minuchin, Minuchin & Colapinto, 1998, p. 65)

Minuchin (1998) sugere que os principais obstáculos a uma abordagem sistémica a

estas famílias são a natureza da burocracia (muitos serviços, pouco integrados entre si, pouco

trabalho em rede e procedimentos centrados no individuo), a formação dos profissionais

(tornam-se vulneráveis se não seguem os procedimentos, postura de ajudar e curar, não de

potenciar) e as atitudes sociais para com esta população (atitudes moralistas do técnicos

dissimuladas mas latentes – famílias são vistas como parte do problema e não como parte da

solução). De facto, estes são obstáculos complexos e difíceis de ultrapassar. No entanto, a

pessoa do profissional poderá contribuir de forma determinante para a abordagem do serviço

a estas questões, já que os seus valores, que, segundo a perspectiva da psicologia

comunitária, devem informar a prática profissional (Nelson & Prilleltensky, 2005),

determinam em grande parte a sua postura e o tom da sua intervenção com as famílias

17 “A intervenção é mais eficaz se os profissionais contiverem a sua mestria, utilizando as suas competência

para encorajar os membros da família a verem-se uns aos outros como recursos a mobilizarem ajuda na sua

própria rede social. Isso poderá envolver um novo papel para os técnicos, exigindo destes uma posição menos

central que o que é costume e um esforço menos activo para resolverem eles os problemas da família”.

Page 36: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

36

Quanto a direcções futuras, seria interessante fazer uma análise destes dados através

de outras estratégias, nomeadamente através da análise do discurso (Burr, 2005) para a

componente mais qualitativa e através da utilização de outros instrumentos de avaliação dos

estilos ou até das práticas parentais, quanto à componente quantitativa. Para além disto, seria

também importante, num futuro estudo, analisar outras variáveis possivelmente relacionadas

com o impacto de um curso de formação parental, tais como o historial relacional com os

serviços de apoio à família, a percepção de apoio da rede social secundária, a preparação

para a mudança e o impacto familiar destes programas, particularmente nas práticas ou

estilos parentais do cônjuge ou companheiro/a do participante (embora a elevada

percentagem de famílias monoparentais neste contexto dificulte esta tarefa).

Em Portugal, as respostas de formação parental têm sido uma área alvo de reduzida

atenção, investigação e investimento (Coutinho 2004), começando recentemente a ganhar

alguma relevância Este estudo procurou, para além de gerar pistas de reflexão para um

serviço em particular, contribuir para o interesse e para investigação nesta área.

De forma a espelhar a evolução e o impacto deste curso, “NÓS pais”, ficam as palavras de

um dos técnicos envolvidos, retirada das entrevistas finais:

“Foi o momento a partir do qual observei as mães a partilharem umas com as outras as suas experiências e conselhos. Não sei precisar quando foi exactamente, mas considero que a partir desse momento estas mães estavam a partilhar também comigo que estávamos em

sintonia quanto ao maior objectivo do curso: “de pais para pais”.

Page 37: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

37

Referências Bibliográficas

Alarcão, M. (2000). (Des) Equilíbrios Familiares. Coimbra: Editora Quarteto.

Alarcão, M. (Janeiro, 2008). Comunicação apresentada no Seminário “Os nossos primeiros

passos: Percursos de estágio iluminados pela sistémica. Faculdade de Psicologia e

Ciências da Educação, Universidade de Lisboa.

American Psychological Association (APA). (2001). Publication Manual of the American

Psychological Association. 5th Edition. Washington: American Psychological

Association:.

Ausloos, G. (1996). A competência das famílias – tempo, caos e processo. Colecção

Sistemas, Famílias e Terapias. Lisboa: Climepsi Editores.

Ausubel, D.(1968). Educational Psychology: a cognitive view. New York: Holt, Rinehart

and Winston.

Azevedo, M. C. & Maia, A. C. (2006). Maus-tratos à criança. Lisboa: Climepsi Editores.

Barber, J. G. (1992). Evaluating parent education groups: Effects on sense of competence

and social isolation. Research on Social Work Practice, 2(1), 28-38.

Baumrind, D. (1971). Current patterns of parent authority. Developmental Psychology, 4(1)

1-103.

Benoit, J. C. (1995). Tratamento das Perturbações Familiares. Lisboa: Climepsi Editores.

Blummer, H. (Agosto, 1953). "What is wrong with social theory." Comunicação

apresentada no Encontro Anual da American Sociological Society. Retirado em 29

de Maio de 2008, de Mead Project

http://www.brocku.ca/MeadProject/Blumer/Blumer_1954.html

Bornstein L. & Bornstein, M.H. (2007). Parenting Styles and child social development.

Encyclopedia on Early Childhood Development, Centre of Excellence for Early

Childhood Development. Retirado a 20.05.2008, de

http://www.child-encyclopedia.com/documents/BornsteinANGxp.pdf

Bowen, G. A. (2006). Grounded theory and sensitizing concepts. International Journal of

Qualitative Methods, 5(3), 2-9.

Burr, V. (1995). What do discourse analysts do? In An Introduction to Social

Constructionism. London: Routledge

CAFAP (2007a) Plano de acção 2007. Centro de Apoio Familiar a Aconselhamento Parental

– Associação Nós.

Page 38: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

38

CAFAP (2007b). Enquadramento do serviço – protocolo de avaliação e acompanhamento de

crianças e jovens em risco e suas famílias. Centro de Apoio Familiar a

Aconselhamento Parental – Associação Nós

Carr, A. (2004). Positive Psychology: The science of happiness and human strengths. NY:

Routledge.

Cooperrider, D. L., Whitney, D., & Stavros, J. M. (2003). Appreciative Inquiry Handbook.

Bedford Heights: Lakeshore Communications, Inc.

Charmaz K. (2004). Grounded theory. In: S. N. Hesse-Biber & P. Levy (Eds.), Approaches

to qualitative research: A reader on theory and practice (pp. 81–110). New York:

Oxford University Press.

Cancrini, L., Gregorio, F. & Nocerini, N. (1997). Las familias multiproblemáticas. In M.

Coletti & J.L. Linares (Eds.) La intervención sistémica en lo servicios socials ante la

familia multiproblemática. (pp. 45-80). Barcelona: Paidós.

Cowdery, R. S., & Knudson-Martin, C. (2005). The construction of motherhood: tasks,

relation connection, and gender equality. Family Relations, 54, 335-345.

Cowen, P. S. (2001). Effectiveness of a parenting education intervention for at-risk

families. Journal for Specialists in Pediatric Nursing, 6(2), 73-82

Coutinho, M. T. (2004). Apoio à família e formação parental. Análise Psicológica, 1(XXII),

55-64.

Cox, M. J., Paley, B., Burchinal, M., Payne, C. C. (1999). Marital perceptions and

interactions across the transition to parenthood. Journal of Marriage and the Family,

61, 611-625.

Department of health (2000). Framework for the Assessment of Children in Need and their

Families. London: The Stationery Office

Durbin, D., Darling, N., Steinber, L. & Brown, B. (1993). Parenting style and peer group

membership among European American adolescents. Journal of Research in

Adolescence, 3, 87-100.

Durrant, J. E. (2007). Positive discipline: What it is and how to do it. Save the Children;

Sweden Southeast Asia and the Pacific.

Elek, S. M., Hudson, D. B., Bouffard, C. (2003). Marital and parenting satisfaction and

infant care self-efficacy during the transition to parenthood: the effect of infant sex.

Issues in Comprehensive Pediatric Nursing, 26, 45-57.

Flick, U. (2002). Métodos Qualitativos na Investigação Científica. Lisboa: Monitor.

Page 39: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

39

Glaser, B., & Strauss, A. (1967). TheDiscovery of Grounded Theory. Chicago: Aldine.

Hoffman, L. (2003). Terapia Familiar. Lisboa: Climepsi.

Horwath, J. (2001). The Child’s World – Assessing Children in Need. London: Jessica

Kingsley Publishers

Howe, D. (2005). Child Abuse and Neglect – Attachment, development and intervention.

London: Palgrave McMillan.

Kelly, J. G. (1966). Ecological constraints on mental health services. American Psychologist,

21, 536-539.

Marujo, H. A., Neto, L.M., Caetano, A., & Rivero, C. (2007). Revolução positiva: Psicologia

Positiva e práticas apreciativas em contextos organizacionais. Comportamento

Organizacional e Gestão, 13(1), 115-136.

Matta, D. S., Knudson-Martin, C. (2006). Father responsivity: couple processes and the

coconstrution of fatherhood. Family Process, 45, 19-37.

Linares, J.L. (1997). Modelo sistémico y familia multiproblemática. In M. Coletti &

J.L. Linares (Eds.) La intervención sistémica en lo servicios socials ante la familia

multiproblemática. (pp. 23-43). Barcelona: Paidós

Minuchin, S., Montalvo, B., Guerney, B., Rosman, B. & Schumer, F. (1967). Families of the

Slums: an Exploration of Their Structure and Treatment. New York: Basic Books.

Minuchin, S., Minuchin, P. & Colapinto, J. (1998). Working with the families of the poor.

New York: The Guilford Press.

Nelson, G. & Prilleltensky, I. (2005). Community Psychology: In pursuit of liberation and

well-being. New York: Palgrave Macmillan.

Neto, L. M. (1996). Familias pobres y multiassistidas. In M. Míllan (Ed). Psicología de la

Familia: Un Enfoque Evolutivo y Sistémico (Vol.1). Valencia: Editorial Promolibro.

Novak, J.D.(1993). How do we learn our lesson?: Taking students through the process.

Science Teacher, 60(3), 50-55.

Patton, M. Q. (2002). Qualitative research and evaluation methods. Thousand Oaks, CA:

Sage Publications.

Pedro, M., Carrapito, E., & Ribeiro, M. T. (2008). From couple relationship to positive

parenting: a study with portuguese families. Comunicação no XVI World Family

Therapy Congress (International Family Therapy Association), 26-29 Março, Porto,

Portugal.

Relvas, A. P. (2006). O Ciclo Vital da família – Perspectiva Sistémica (4ªEd.). Porto:

Page 40: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

40

Edições Afrontamento.

Rodrigues, E. Samagaio, F., Ferreira, H. Mendes, M. & Januário, S. (2008). A pobreza e a

exclusão social. Retirado a 14.05.2008, de:

http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1468.pdf.

Robinson, C. C., Mandleco, B. Olsen, S. F., Hart, C. H. (1995). Authoritative, authoritarian,

and permissive parenting practices: Development of a new measure. Psychological

Reports, 77, 819-830.

Robinson, C. C., Mandleco, B. Olsen, S. F., Hart, C. H., Russel, A., Aloa, V., Shenghuq, J.,

Nelson, D. A., & Bazarskaya, N. (1996). Psychometric support for a new measure of

authoritative, authoritarian, and permissive parenting practices: Cross-cultural

connections. Comunicação no Simpósio “New Mesaures of Parental-Child Rearing

Practices Developend in Diferent Contexts”, XIVth Biennial International Society for

the Study of Behaviour Development Conference, Quebec City, Canada, 12-16

Agosto. Retirado da EBSCOhost: http://web.ebscohost.com/ehost /search , a

27.12.2008.

Robinson, C., Mandleco, B. Olsen, S., Hart, C. (2001). The Parenting Styles and

Dimenstions Questionaire (PSDQ). In B. F. Perlmutter, J. Touliatos & G. W. Holden

(Eds.), Handbook of family measurement techniques. Vol. 3. Intruments & Index

(pp.319-321). Thousand Oaks: Sage.

Sanders, M.R., Cann, W. & Markoe-Dadds, C. (2003). The triple P-positive parenting

programme: A universal population-level approach to the prevention of child abuse.

Child Abuse Review, 12, 155-171.

Scannapieco, M. & Connell-Carrick, K. (2005). Understanding child maltreatment: An

ecological and developmental perspective. New York: Oxford University Press.

Sousa, L. (2005a). Famílias Multiproblemáticas. Lisboa: Quarteto Editora.

Sousa; L. (2005b). Building on personal networks when intervening with multiproblem

families. Journal of Social Work Practice, 19(2), 163-179.

Spitzer, A., Webster-Stratton, C. & Wollinsworth, T. (1991) Coping with conduct-problem

children: Parents gaining knowledge and control. Journal of Clinical Child

Psychology, 20(4), 413-427.

Strauss, A., & Corbin, J. (1998). Basics of Qualitative Research – Techniques and

Procedures for Developing Grounded Theory. CA:Sage.

Schwartz, J. P. (2003). Family resilience and pragmatic parent education. The Journal of

Page 41: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

41

Individual Psychology, 58, 250-262.

Tadeu, A.D. (2004). Efeitos do mau trato e da negligência parental no desenvolvimento

sócio-afectivo da criança: auto-estima, estratégias de elaboração da ansiedade e

comportamento. Tese de mestrado não publicada. Faculdade de Psicologia e das

Ciências da Educação – Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

Tashakkori, A. & Teddlie, C. (Eds) (2003) Handbook of Mixed Methods in social and

Behavioural Research. Thousand Oaks: Sage Publications.

Walsh, F. (1996). The concept of family resilience: Crisis and challenge. Family Process,

35, 261-281.

Page 42: 1. Enquadramento Teórico - ULisboa€¦ · 1 1. Enquadramento Teórico 1.1. Introdução A parentalidade não se esgota na sua esfera mais quotidiana e doméstica. Pelo contrário,

42