1 Palavras & Sentimentos 2ª EdiçãoEspero que faça uma boa leitura através dos contos aqui...
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1 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
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Palavras & Sentimentos
Escrito por Amilton Júnior
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Índice Apresentação ................................................................................................................................. 6
Amor Genuíno............................................................................................................................... 8
Ao seu lado, pela eternidade ....................................................................................................... 11
De Repente é Amor ..................................................................................................................... 14
Fascínio Coibido .......................................................................................................................... 17
Homens de Paz ............................................................................................................................ 20
Moldar-se .................................................................................................................................... 22
O Sentido da Vida ....................................................................................................................... 25
Olhos do Coração ........................................................................................................................ 29
Para o Amor Apenas Importa Amar ........................................................................................... 31
Peça Perdão ................................................................................................................................. 33
Perdoar para Amar ..................................................................................................................... 36
Quando Tudo Começou .............................................................................................................. 40
Tenha Misericórdia! .................................................................................................................... 43
Trágico Amor .............................................................................................................................. 47
Vazias de Amor ........................................................................................................................... 50
Acorrentados ............................................................................................................................... 52
Sorriso Fatal ................................................................................................................................. 56
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Apresentação
Através das palavras, faladas ou escritas, transmitimos muitos dos nossos
sentimentos, demonstramos tantos dos nossos pensamentos, revelamos até mesmo
diversos dos nossos segredos. Acredito que as palavras são meios que a alma encontra
para se expressar, para falar ao mundo, para compartilhar o que pensa e acredita. As
palavras tocam, suave ou asperamente, agradável ou incomodamente, fato é que as
palavras fazem algo que os gestos não fazem, que os toques físicos não conseguem,
elas adentram nosso íntimo e alimenta nossas mentes, aquece nossos corações, de uma
forma que apenas elas conseguem fazer.
Nessa edição de Palavras & Sentimentos, reuni diversos contos que publiquei ao
longo de 2019, histórias de amor, de mistério, histórias de emoção! Escrever é uma
arte maravilhosa, quisera que todos se permitissem a essa aventura, talvez teríamos
um mundo mais sensível, um mundo menos bruto e grotesco. Quem escreve, quem se
dedica a momentos de introspecção para colocar no papel suas ideias, consegue
encontrar paz, consegue colocar para fora pensamentos que nem sabia ter, consegue
até mesmo se conhecer um pouco mais. É um exercício legítimo! É uma atividade
prazerosa! Convido a você a também escrever, nem que sejam textos curtos e secretos,
coloque no papel as palavras que vierem.
Espero que faça uma boa leitura através dos contos aqui reunidos, mais que isso,
espero que também compartilhe com o maior número de pessoas que puder. A
proposta que sigo é que levemos a literatura aos quatro cantos do mundo, que
espalhemos a leitura por onde pudermos, que motivemos as pessoas a embarcarem em
quantas histórias quiserem. Por isso esse livro é gratuito, para incentivar o mergulho
junto a personagens que tantas vezes nos impressionam pelas similares que possuem
conosco, afinal, a arte também imita a vida!
Estarei sempre aberto a sugestões!
Obrigado pela atenção!
Amilton Júnior
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Amor Genuíno
Quando poderia imaginar que viveria uma história de amor? Nunca passou pela
minha cabeça que alguém como eu, sempre tão tímida, tão retraída, tão discreta,
pudesse despertar os olhos de alguém, pudesse ser notada pelos olhos de outra pessoa.
Mas aconteceu. No final do ensino médio, apaixonada pelo garoto inteligente, dócil e
gentil, fui surpreendida: meu sentimento era recíproco.
Fomos nos conhecendo a cada dia. Descobrimos tantos gostos em comum como
nos adaptamos ao jeito de cada um ser. Ele, sempre que envergonhado, pressionado
pelos protocolos do que “se espera de um namorado”, recolhia-se ao silêncio após um
suave, por vezes intenso, mas sempre demorado beijo. Quando nossos lábios se uniam
nada mais importava, queríamos apenas sentir um ao outro, trocar a respiração,
perceber as batidas dos corações, permitir que as mãos se conectassem. Íamos ao
limite. Desafiávamos nosso fôlego. E lá ficava Luís, corado, tímido, sem saber o que
fazer.
Mas e quando ele me olhava sem piscar? Minhas pernas tremulavam sempre
que ouvia a frase mágica “você é linda, não me canso de contemplá-la”. Seus olhos
fixos, seu semblante sério, ele devia saber o quanto eu ficava perdidamente
apaixonada, sem reação, aposto que usava tão poderoso artifício por conhecer meu
frágil coração.
Ninguém poderia contestar, nem mesmo nós negávamos, o amor que nos unia
era forte o bastante para que nem a morte pudesse nos separar. Sempre acreditei
nisso, sempre confessei que não importava o que acontecesse, jamais esqueceria
aquele a quem me entreguei, jamais o substituiria, ninguém seria capaz de ocupar seu
lugar.
Casamo-nos em uma cerimônia que ficou marcada. Foi um momento lindo, de
realização, no qual olhei para trás, enxerguei aquela garota solitária, sem expectativas
e sorri para ela, foi sim capaz de reviravoltas, era naquele dia a mulher mais feliz do
mundo.
Em nossa lua de mel viajamos para o sul. Fazia frio, parecia que o clima quisesse
nos congelar, mas nossa paixão era quente, nosso amor ardia em chamas, nossos
corpos se aqueciam em momentos de puro êxtase, em horas de utópica magia.
Entregávamo-nos aos nossos sentimentos, embriagávamos no perfume um do outro,
éramos transportados da realidade a cada toque sedento por mais.
Amávamo-nos loucamente.
Em uma das noites durante os quinze dias que passamos no Paraná, deitados
sobre o tapete macio, aquecidos pela lareira cuja chama dançava graciosamente,
cobertos por um generoso cobertor, encostados um no outro, sentindo o calor dos
corpos ofegantes, discretamente molhados pelo suor da paixão, Luís declarou suas
palavras, as que se eternizaram em meu coração.
— Se existisse medida que mensurasse o tamanho de meu amor por você, ficaria
surpreendida pelo número infinito... — soando a voz aveludada que prometia me
acompanhar pelo resto dos anos, envolvendo-me em seus braços que firmemente me
prendiam a ele, o grande amor de minha vida alisou meu rosto, seus olhos verdes
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refletiam a chama às minhas costas, exibiam paixão —. Você é a mulher que sempre
sonhei em ter, é quem me faz feliz, nunca se esqueça disso. Não importa coisa alguma,
quero que seja minha e quero ser seu por toda a eternidade... — beijou-me selando
tão maravilhosa promessa. Não era mais o garoto que se envergonhava, era um
homem que não se enfadava de demonstrar seus descontrolados sentimentos.
— Você mudou a minha vida, transformou meus pensamentos e desvendou
meus olhos para que pudessem contemplar horizontes novos, belos e esperançosos.
Jamais fugirei de seus braços, seria um erro... — sempre fui apaixonada por Luís,
sempre desejei tê-lo vulnerável a mim e naquele momento meu sonho se concretizava.
Alisei seu rosto áspero, passeei os dedos pelos lábios que me garantiam prazeres
carnais e sentimentais, não me via sem a sua companhia —. E também nunca deixarei
que escape de minhas mãos!
Os meses se passaram.
Nossos laços apenas se fortaleciam.
Porém novos sonhos passaram a existir. Como todo casal que se ama
desejávamos ampliar nossa família, fazer nascer de nosso amor um fruto de alegria.
Queríamos abraçar um filho. No entanto, o que para muitos é a tarefa mais simples,
para outros pode ser uma batalha que deixa cicatrizes profundas. Não
engravidávamos.
Buscamos ajuda.
O problema não era com Luís, cheguei a torcer para que fosse, eu
compreenderia, não o trocaria por motivo algum, não lhe daria as costas por algo que
seria possível enfrentar...
O problema era comigo...
Quando recebi a notícia voltei a me sentir como aquela garota desprezada, sem
nada a oferecer. Senti-me inútil, inválida, incapaz de realizar o sonho de quem mais
amava. Chorei como se as lágrimas pudessem me libertar, lamentei como se nada mais
fizesse sentido. Isolei-me. Afastei-me até mesmo daquele que prometi não fugir.
Ele merecia ser feliz.
Eu não poderia lhe garantir esse direito.
Algumas semanas desde que pedi por um tempo, convicta de que abriria o
caminho para que Luís concretizasse seu anseio por ser pai, a campainha tocou
desesperadamente. Pensei que fosse algo sério. Alguém precisando de ajuda. Fui
surpreendida.
— Flávia... — um homem abatido, visivelmente ansioso, abraçou-me como se
fosse tudo o que tinha, derramou seu choro sobre meu ombro, feriu meu ser e
motivou minhas lágrimas —. Flávia... Por que está fazendo isso? Por que me ignora?
Por que me trata como um desconhecido?
— Luís, precisa entender, precisa saber que não posso lhe dar aquilo que por
certo seria seu maior presente, não posso fazê-lo feliz como sei que almeja, como
merece! — ainda que chorando, ainda que relutando contra minha vontade de sentir
aquele que perdidamente amava, fiz minha declaração na esperança de que me
esquecesse –. Não posso arruinar seu futuro, não posso...
— Arruinaria meu futuro se me abandonasse... — beijou-me como das outras
vezes, cheio de desejo, cheio de paixão. Tentei combater contra meus desejos, mas me
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rendi, retribuí, era fraca demais diante tudo o que sentia –. Não importa nada,
lembra? Quero que seja minha e quero ser seu por toda a eternidade...
Com os rostos colados, sentindo os corações balançarem desesperados, sorri,
sorri aliviada, sorri apaixonada. Fui ignorante. Fui tola. Quando o amor é genuíno não
há desafio que o vença!
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Ao seu lado, pela eternidade
O tempo que passamos longe de quem amamos, ainda que sejam poucas horas,
mais parece uma insuportável eternidade, minutos infindáveis, nosso coração clama
por estar próximo daquele com o qual sincronizou.
Imagine dias.
Ou anos.
A alma sofre a dor do amor, esse sentimento paradoxal, capaz de garantir
inexprimíveis alegrias e causar lágrimas de intensa aflição. A alma sofre a dor da
distância, da malquista separação, do indesejável silêncio. Os ouvidos suplicam por
ouvir a voz especial, os dedos anseiam por tocar a pele inconfundível e os lábios se
agitam cansados de esperar para que outra vez sejam unidos.
Bruna sentia essa amargura.
Há anos não dividia a cama com o único homem que amou, o garoto que lhe
jurou fidelidade, que cresceu e se transformou na razão do seu sorriso.
Jovens ainda.
Submersos no mundo de novidades e descobertas já não se olhavam como
amigos, atentavam-se à beleza que o olhar de cada um exibia; quando prestavam
atenção nos próprios pensamentos se surpreendiam com os sonhos, queriam, no
futuro próximo, viverem unidos, como homem e mulher, para que juntos escrevessem
uma história.
— Preciso falar uma coisa. Há dias venho tentando, mas me falta coragem,
porém os desejos que pulsam aqui dentro se tornaram maiores que quaisquer
receios... — o ainda adolescente Hugo, tendo a face iluminada pelo sol resplendor,
exibindo os primeiros fios de barba que tomavam seu corpo, encarou as íris
esverdeadas de uma forma nunca feita, com seriedade, certeza sobre o que declararia.
Esperou que a amiga respondesse algo, mas ela apenas assentiu, prontificou-se a
ouvi-lo, parecia saber quais palavras seriam usadas.
— Sabe como estimo os amigos que possuo, torno-me um valente guardião e os
defendo com a minha própria vida, mas com você é diferente, não a vejo como
alguém que precisa da minha proteção, da minha vigília, sinto a necessidade de amá-
la como a mulher da minha vida... — era maduro o bastante para compreender os
próprios sentimentos, com esforço abrira o próprio negócio, sabia tomar as decisões
certas nos momentos precisos.
A doce Bruna, cuja pele ainda era lisa e os cabelos mais pareciam fios de ouro,
levou a delicada e aquecida mão ao rosto do melhor amigo, encarou os olhos
castanhos, jogou para o lado a charmosa franja que a impedia de contemplar o
constante brilho do olhar juvenil, abriu um sorriso apaixonado.
– Quando percebemos que seremos correspondidos em nossos afetos a vida
ganha mais cor, um significado maior e mais poderoso, enchemo-nos de coragem
para então descobrir a nudez de nossas almas... Não é mais amizade, é amor... —
respondeu.
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Sentados na areia, com um belo e tranquilo mar à sua frente, os jovens
adolescentes beijaram-se sutilmente, sorriam tímidos, sentiram o friozinho da
inexperiência.
Sobre o armarinho repousava um porta-retrato cuja fotografia revelava o jovem
casal, a alegria estampada em ambos os semblantes, quando a distância não os
separava, quando o tempo não parecia tão longo assim, quando nada se colocara entre
eles e o amor que viviam.
Ela já estava avançada na idade.
Perdia as esperanças.
Finalmente, alguns anos depois da tarde especial na qual confessaram o amor,
homem e mulher se casaram e para comemorar em grande estilo optaram por uma
viagem ao Sul do país, onde fazia frio, justificativa para que os grandes amantes
nunca se desgrudassem um do outro.
Hugo pediu que a esposa fechasse os olhos antes que entrassem no apartamento
alugado.
Bruna, que cegamente confiava no esposo, atendeu ao pedido.
Em seus braços, o homem pegou a mulher, subiu com ela as escadas, abriu a
porta do quarto, flores o enfeitavam, som melodiosamente romântico tocava ao fundo,
o aroma remetia ao doce amor.
— Nem acredito que meu maior sonho hoje é realizado — Hugo se tornara um
homem galanteador, perdera a franja que lhe garantia o aspecto infantil, mas as
encantadoras covinhas continuavam a marcar presença em cada sorriso
compartilhado. Atraiu a esposa para si, deu início aos primeiros passos da dança
sincronizada com a suave música.
— Não existe maior prazer... — Bruna, que a cada dia se mostrava uma bela
mulher, lançou o olhar apaixonado àquele que inegavelmente amava, acariciou os
fios castanhos, entregou-se ao momento de paz e sossego.
— Promete que sempre estará ao meu lado? Promete que não importa o que
aconteça não me deixará por coisa alguma? — dispensava beijos sobre o pescoço da
amada, sentia-se o mais realizado dos homens por tê-la em seus braços —. Prometa-
me isso porque não sobreviverei sem o seu amor.
— Prometo que o amarei enquanto aqui estivermos, enquanto aqui vivermos,
alimento-me desse amor inigualável — mantendo os olhos fechados, recebendo as
demonstrações de afeto daquele que nunca deixava seus intentos nem enquanto
dormia, a mulher fez sua promessa, talvez não tivera refletido sobre o que prometia,
algum dia teria tempo para isso.
Do pescoço, os lábios de Hugo procuraram os de Bruna.
Naquela noite separada apenas a eles, entregaram-se à paixão, renderam-se
completamente ao amor, envolveram-se intimamente um com o outro.
Viveram tantas coisas juntos.
Construíram uma bela família.
Ensinaram aos filhos a nobreza do amor.
Mas agora estavam distantes.
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A distância, contudo, não era física.
As almas já não conseguiam se comunicar.
De olhos fechados – ninguém sabia dizer quando fora a última vez que
estiveram abertos –, Hugo era monitorado por aparelhos há três anos. Vítima de um
acidente grave, não conseguia sair do coma.
Bruna, porém, cumpria com sua promessa. Durante os três anos se mantivera ao
lado do homem que tinha rugas na pele, perdera a cor dos cabelos e o olhar já não
exibia o brilho juvenil, mas ainda assim era o mesmo menino pelo qual se apaixonara,
para o qual prometera ser fiel, com o qual era sincera.
Ficaria ao seu lado por quanto tempo precisasse.
Apenas a morte teria o direito de separá-los.
Amavam-se verdadeiramente.
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De Repente é Amor
Quem sabe quando vai se apaixonar? Quem prevê a aparição de uma insistente
paixão? Quem é capaz de ordenar ao coração o momento certo de palpitar por
amores? Todos são pegos de surpresa, o amor não avisa quando vai acontecer, de
repente ele floresce.
Eram amigos inseparáveis.
Eram cúmplices fiéis.
Os anos que juntos viveram serviram para que um conhecesse mais sobre o
outro, compartilhassem segredos, vivessem aventuras e gargalhassem para a vida.
Pensavam que para sempre teriam a tão agradável amizade os cercando, desejavam
que pela eternidade pudessem contar com o apoio um do outro.
O desejo, até então, era atendido.
Mas o destino propôs uma forma diferente para que o desfrutassem.
Diego, sempre tímido e reservado, enfrentava um dilema nunca antes
experimentado, sentia-se oprimido pelos desconhecidos sentimentos que se
manifestavam em seu peito quando se aproximava da melhor amiga, alguém que
gostaria de preservar em seu caminho. Não a via mais como a garota de antes, com o
olhar infantil que por tanto tempo tivera, seus intentos eram outros, seus anseios se
transformaram, a cada dia se convencia do que mais temia: estava apaixonado.
Mas não queria provar da doce paixão.
Ao seu paladar era ela amarga.
Se confessasse o que sentia correria riscos que não suportaria, se revelasse o
oculto de seu coração poderia afastar quem muito estimava, contudo sentia-se fraco
para combater a força dos impulsos juvenis, talvez não conseguisse guardar o segredo
pelo tempo necessário para que o esquecesse, afinal, todos os dias, a cada
aproximação, ele se manifestava com maior ímpeto.
O adolescente não sabia como agir.
Lamentava-se por não ser mais um menino.
Bianca, focada em seus estudos, ansiosa pelo vestibular que prestaria ao final do
ensino médio, não imaginava que fosse tão vulnerável a um sentimento que não
desejava provar, sentia-se indefesa diante os pensamentos involuntários que surgiam
em sua mente e lhe arrancavam suspiros, sentia-se fraca a cada vez que ouvia o som
de uma voz especial.
Teve que aceitar e confessar a si própria.
Apaixonara-se.
Não entendia como aquilo acontecera. Durante todos os derradeiros anos viveu
uma amizade tão ingênua e despretensiosa, por que agora via seu melhor amigo como
alguém capaz de acolher seu coração? O sentimento de amizade há muito deixara de
existir, amor era o que persistia em abrasar sua alma. Com ele as dúvidas também
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chegaram, os anseios surgiram e o medo de perder alguém querido não permitia que
seu desejo fosse exposto.
Quem melhor que o amigo para ser seu primeiro amor?
Mas e se tudo terminasse da pior forma?
Naquela manhã de sábado, ensolarada e agradável, os adolescentes despertaram
decididos a arriscarem suas chances, a assumirem suas vontades e enfrentarem o
futuro. Precisavam tentar, além de todas as ideias pessimistas existiam as
possibilidades de coragem: e se fosse para acontecer?
Por mensagem marcaram um encontro.
Davam o primeiro passo.
O sol raiava sua luz, aquecia a terra e iluminava o céu. As nuvens discretas e
leves vagueavam pelo tecido azulado, eram carregadas pelo vento que soprava no mar
e fazia as ondas saltitarem em harmonia. Ansioso, balançando as pernas sem que
percebesse ou pudesse controlar, o jovem adolescente encarava o oceano, aguardava
pela garota que deixara de ser uma amiga e passara a ser o desejo ardente de seu
embriagado coração. Pensava nas palavras que poderia dizer, no discurso a declarar,
em como venceria a timidez e se permitiria ao amor, seu primeiro amor.
Bianca, avistando o garoto pelo qual descobrira sentir desejos diferentes do que
acreditava cultivar, abriu um discreto sorriso, o formigamento nas mãos aumentou a
ansiedade por estar ao seu lado, pedir emprestada a sua atenção e revelar de uma vez
por todas o que já não era capaz de esconder.
Finalmente, estavam frente a frente.
Encaravam-se apaixonados.
Sentados no mesmo banco, mantendo os trinta enormes centímetros de
distância, os adolescentes confusos não trocavam palavra alguma, apenas se
permitiam perder na imensidão do mar agitado, tentavam encontrar coragem dentro
de si mesmos. O silêncio se quebrou quando ambos se chamaram pelos nomes,
sorriram envergonhados, mas o cavalheiro admirado deu vez à sua dama conquistada.
— Preciso que me ouça com atenção, não será fácil depois que eu revelar o que
tem me sufocado... — Bianca, desbravando a novidade do se apaixonar, descobriu em
seu parceiro o mais belo dos sorrisos, percebeu uma beleza ímpar nas brilhantes íris
castanhas que a encaravam atentas e não deixou de notar o charme especial que
Diego possuía tendo a testa coberta pela desgrenhada franja. Queria tocá-lo. Queria
senti-lo. Queria tê-lo para sempre.
— Por favor, pode confiar em mim... — o ingênuo Diego, acreditando ser aquele
só mais um diálogo como os outros, sentiu mais uma vez a ardência no peito ao
observar com meticulosidade os olhos azuis que o enfeitiçavam, os lábios delicados
que pareciam convidá-lo para um gesto transformador, romântico, um beijo que
mudaria toda a realidade.
— Pode parecer estranho, confuso talvez, mas não sinto mais que sejamos
amigos, pelo menos não como nos tempos antigos, as coisas mudaram...
— O que quer dizer? — preocupou-se rapidamente, pensava no que poderia ter
feito para que causasse aquele desabafo, faria o impossível a fim de alcançar
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reconciliação, mas não deixaria partir quem tinha por especial —. Se foi algo que fiz
peço que me perdoe, nunca será minha intenção...
— Diego, quero que me ouça... — tranquila, com a serenidade que deixava o
atordoado adolescente ainda mais perdidamente apaixonado, a jovem garota
interrompeu o mover dos lábios de seu ouvinte com um toque discreto, abriu o sorriso
compreensivo, diria tudo o que precisava —. Nós crescemos, guardamos memórias
incríveis e se parássemos para assistirmos ao nosso passado nos divertiríamos
incansáveis, mas sinto que a ingenuidade infantil se acabou, não consigo mais vê-lo
como o irmão que sempre considerei, meus desejos mudaram, estão intensos, descobri
que me apaixonei por você... — suspirou aliviada, esperaria por respostas.
Diego, em sua atônita surpresa, em sua falta de versejares, desenhou no rosto
um sorriso empolgante, exibia o olhar animado, seus olhos brilhavam como quando
ganhava os mais desejados presentes. Amava e era amado.
— Por tanto tempo tenho relutado contra mim mesmo, tenho ofuscado o que
sinto por medo, por incertezas e se não me declarasse o mais agradável dos segredos
talvez nunca tivesse coragem para dizer que, inegavelmente, também me apaixonei
pela única garota a qual posso confiar meu coração, alguém que quero amar como
merece! — finalmente se livrava de um peso tão incômodo.
Fora mais fácil do que imaginaram.
Se deixaram guiar pelas emoções e saborearam o doce sabor do primeiro de
muitos beijos que os uniriam mais e mais.
Entregar-se ao amor não é tarefa fácil, mas quando conseguimos abrir os nossos
corações àqueles que se dispõem em neles viver, conquistamos felicidades preciosas,
incalculáveis.
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Fascínio Coibido
Os convidados entravam um a um.
Todos com máscaras que escondiam seus rostos.
Alguns estavam acompanhados, outros imaginavam encontrar naquela noite
agradável alguém que despertasse o amor.
O rei via o salão do castelo se encher.
A princesa estava ansiosa pela aparição de um alguém especial.
Amores proibidos sempre existiram, são os mais intensos, os mais difíceis de
acabar, são os que se fortalecem pelas dificuldades, pelos perigos, pelas ameaças que
os valentes amantes aprendem a suportar. Amores proibidos são de fato verdadeiros,
ninguém se importa com suas consequências, preocupa-se em vivê-los.
Sofia, a princesa adorável, vivia em segredo um romance suave, uma história
que enchia seu peito de esperança, de força para aguentar a distância, de paciência
para suportar a vida oculta que precisava manter. Vivia um amor proibido com
Rafael, jovem plebeu. Era por ele que esperava no baile de máscaras.
Rafael, um rapaz sonhador e esforçado, digno e honrado, apaixonara-se
perdidamente pela princesa tão logo a vira na cerimônia que celebrou seus quinze
anos, desde aquele dia nunca mais a esquecera. Vendendo sapatos e oferecendo outros
serviços ao rei, conseguiu se aproximar, conseguiu conquistar aquela que não deixava
seus sonhos, mesmo conhecendo os riscos, mesmo convencido sobre o quão difícil
poderia ser, alimentou aquele amor proibido e aproveitaria o baile de máscaras para
descobrir como seria estar com a amada diante tantos olhares.
Conseguiu entrar livremente.
Ninguém o reconheceu.
A música começou.
Os casais se formaram.
Sofia recusava todos os convites lançando um belo sorriso, até que ouviu a voz
inconfundível.
— Concede-me essa honra? — feito um nobre cavalheiro, vestido
elegantemente, disfarçado pela peça fundamental na festa tão aguardada, Rafael se
curvou diante a princesa, estendeu-lhe a mão, convidou-a para o que mais desejava.
— Será um prazer! — ainda mais sorridente, impossibilitada de exibir o brilho
dos olhos, Sofia se entregou ao convite, jamais recusaria as ofertas de quem amava
assim como nunca deixaria de conhecer sua melodiosa voz.
Começaram a dançar calmamente.
Estavam intimamente conectados naquele momento.
— Como é bom estar aqui, não imagina o quanto esperei por esse dia —
animado, satisfeito, o jovem plebeu envolvia a cintura da amada moça, entrelaçava os
dedos e sentia o doce aroma que dela exalava —. Está ainda mais bonita, é quase
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impossível ceder aos impulsos de beijá-la, como consegue ser tão mágica ao mesmo
tempo em que real?
— E o que posso dizer sobre você? Vestido dessa forma, como um verdadeiro
príncipe, provoca-me o desejo de anunciar ao mundo que já encontrei um grande
amor — podendo perceber as batidas do forte coração, mantendo os olhos fechados e
se concentrando no perfume amadeirado que emanava do belo rapaz, Sofia se
aninhou à curva de seu pescoço, esqueceu-se de todo o resto, entregava-se a uma
noite especial.
— E se o fizéssemos? E se declarássemos que estamos apaixonados? Que
queremos um ao outro? Que nos amamos? — lançou as incógnitas —. Não quero
pressioná-la, mas não é possível aguentar por muito tempo um segredo com tamanha
proporção...
— Entendo, meu querido, possuo o mesmo pensamento, mas não é por mim que
evito correr o risco, é por você... — afastou-se alguns centímetros, tocou o resto que
não se cansava de apalpar, como o desejava para sempre —. Não poupariam os
ataques, não sei como o meu pai reagiria, temo que seja você o maior prejudicado.
— Sabe que em nome desse sentimento que cultivo por você eu seria capaz de
morrer, não sabe? Sabe que a fim de viver esse sonho que nunca se acaba eu pagaria o
preço que fosse. A única coisa que quero é amá-la livre e abertamente, é gritar ao
universo que meu coração está em suas mãos.
— Beije-me...
— Como?
— Não há o que temer, qual o problema de amar? Por qual razão deveríamos
esconder o que sentimos? Não estaríamos cometendo um crime por nos entregarmos
ao mais limpo, puro, nobre e belo dos sentimentos, não podem nos condenar porque
amamos... Então, beije-me...
Rafael rompeu as barreiras, diminuiu as distâncias e demonstrou todo seu amor
no beijo apaixonado, sedento por dias diferentes, dias que trouxessem liberdade ao
amor proibido.
Mas há pessoas mal intencionadas que nos perseguem sem que percebamos, que
possuem planos maldosos e percebem na nossa ruína a sua ascensão.
— Sua filha namora um plebeu? — a voz feminina soou ao ouvido do rei.
— Do que está falando?
A mulher apontou na direção do casal que descobria o amor encoberto.
Sem que pudessem prever ou perceber alguém tirou a máscara de Rafael
revelando sua identidade.
Os guardas logo se aproximaram.
Separaram de maneira violenta o casal que se amava ignorando as exigências
para que o não fizessem.
Forte, o rapaz se livrou de seus algozes, lançou o último olhar à amada
namorada e correu pulando obstáculos, empurrando serventes, derrubando taças,
tombando convidados e desviando dos soldados que não puderam com sua destreza
para a fuga, viram-no fugir passivos.
19 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
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A festa chegou ao fim.
Sofia foi trancada em seu quarto enquanto o rei pensava no que fazer perante
tão caótica situação.
Olhando para as estrelas, lançando seus pedidos à formosa Lua, a princesa
interrogou sobre quando viveria aquele ardente amor ou se até mesmo o viveria.
A resposta somente o futuro seria capaz de dar.
20 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
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Homens de Paz
Viver com medo é um castigo insuportável até para o mais valente dos homens.
Viver com medo faz perder a paz, o sono parece traidor e a sombra uma inimiga
cruel. Viver com medo tira de qualquer um a esperança sobre o futuro.
E quando esse medo é imposto de semelhante para semelhante?
Igor vivia com medo.
Medo da própria espécie.
Aos vinte anos de idade, com tantos sonhos ainda vivos em sua alma, com tantos
planos sendo construídos animosamente, o rapaz se via no meio da floresta,
caminhando a passos inaudíveis e extremamente cautelosos, sentindo o suor escorrer
pelo corpo por causa do calor insuportável que o uniforme garantia. Um olho fechado
e o outro sempre muito atento, à sua dianteira ia a metralhadora carregada, perdera
as contas de quantas vítimas tivera que fazer.
E pensar que aquilo poderia ser evitado.
Pensar que o inútil derramamento de sangue poderia ser interrompido através
de um simples acordo entre o governante do seu país e o do país opositor.
O poder sempre enlouqueceu os grandes.
E essa loucura custou a vida dos pequenos.
— Droga! — chutou uma árvore antes de se encostar nela, tirou o quepe que
exibia o brasão do exército, permitiu que os cabelos respirassem, suspirou
profundamente.
A guerra fora instaurada por uma disputa de terras. Os governos rivais tentavam
decidir a quem pertenceria o território cobiçado e encontrado, lugar de fartura
ambiental incrível, o que enchia os olhos de poderosos empresários sedentos por
matéria-prima ou motivados a construírem seus parques luxuosos.
Igor lamentava o homem ser tão ignorante ao ponto de colocar seus irmãos
contra a morte. “Morrer pelo país”. Será que o país morreria por ele? Claro que não.
Quando o pai mais precisou do auxílio do Estado para sobreviver foi desprezado,
negligenciado, quando resolveram dar atenção já era tarde demais, já estava
enterrado.
Sentia saudade da família.
Sentia saudade dos amigos que perdera na batalha injusta.
Sentia saudade dos tempos de criança, quando o mundo mais parecia um
divertido desenho animado, quando acreditava que seria um reconhecido engenheiro,
faria construções que orgulharia sua mãe, nas quais colocaria o honrado nome de seu
pai.
Mas cresceu.
Compreendeu que pela ineficiência do governo e em nome dos interesses de
oligarquias, vivia na miséria, pisado pelos ricos, esquecido pelos governantes,
perseguido por autoridades. Entendeu que seus sonhos não seriam tão facilmente
concretizados, foi obrigado a descobrir a dura realidade que o cercava, a mesma que
levara embora seu amado pai.
21 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Agora, servindo ao Exército, sobre a falácia de que servir a nação é uma dádiva,
confessava que a nação de nada importava enquanto os seus cidadãos morriam de
fome, tinham os seus sonhos apagados, o sorriso de esperança afastado e os
semblantes tomados por amarga tristeza.
Encarando o céu azul ouviu passos se aproximando.
Armou-se.
Ficou cara a cara com o inimigo.
Não era, na verdade, um adversário.
Era só mais alguém que, como ele, cumpria ordens.
— Não quero que morra, mas também não quero morrer — anunciou, falavam
a mesma língua.
— A ordem é que matemos qualquer um de vocês — o rapaz, que parecia ter a
mesma idade de Igor, recitou o que ouvia nos quartéis, recitou com a voz embargada,
como se pedisse desculpas antecipadas pelo mal que estava prestes a oferecer.
— Como se chama? — tentaria uma conversa, fugira tanto, correra tanto do
inimigo, tudo o que queria era uma chance de voltar àqueles que amava.
— Márcio... — a mão tremulava, as lágrimas corriam pelo rosto ferido, também
ansiava pelo fim do pesadelo.
— Muito bem, Márcio, não tenha medo, não quero feri-lo... Meu nome é Igor,
meus amigos costumam me chamar de Sonhador, tem algum apelido? — sabia que
através do diálogo inteligente podemos alcançar os maiores acordos, não com
violência.
— Por que Sonhador? — quando foi que tivera a última conversa com alguém
disposto não a matá-lo, mas ouvi-lo? Entregava-se àquele raro momento.
— Porque ainda acredito no amor dos homens... — revelou —. Tem família?
— Sim, meus pais são agricultores e minha namorada quer ser escritora —
sorriu ao falar daquela pela qual era apaixonado.
— Sente saudade?
— Todos os dias...
— Também sinto a falta do meu povo, isso arde aqui dentro, há momentos que
parece insuportável... — desabafou —. Tenho sonhos, você também, eu não quero
destruir seu futuro em nome de homens insanos e egoístas que quanto mais têm mais
querem, mesmo que a preço de sangue — começou a se agachar —. Por isso peço a
sua misericórdia, peço que me olhe não como um inimigo, como seu igual —
repousou a metralhadora sobre o solo e se levantou, estava completamente vulnerável.
Márcio, espantado com tamanha confiança que existia naquele que lhe disseram
para tratar como um cruel inimigo, comoveu-se pelo discurso, jogou o armamento
para o lado, permitiu que a distância inútil fosse encurtada.
Os soldados se abraçaram no meio da mata.
Eram irmãos da terra.
Manipulados por homens de perversos, avarentos e injustificáveis desejos.
Homens que fingem se importar.
Importam-se apenas com a própria ascensão custem às vidas que custarem.
22 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Moldar-se
A vida em conjunto não é tão fácil quanto parece, cada um de nós possui seus
próprios interesses, seus característicos gênios que muitas vezes conflitam com o
modo diferente do outro ser. Talvez o maior segredo do mesmo tamanho difícil de
realizar para que os relacionamentos sobrevivam, seja o de moldar-se um ao outro.
Luana, uma gerente de banco muito bem sucedida, orgulhava-se de seus
prêmios, deixava-os expostos na estante que ornamentava a sala onde recebia os
amigos e parentes que a visitavam esporadicamente, via no trabalho uma forma de
extravasar, descarregar todo o estresse, gastar energia.
Mas não poderia falar que na vida pessoal, mais especificamente amorosa,
conquistara o mesmo êxito. Às quatro da madrugada, com os olhos abertos e
submersos à escuridão do quarto, sentia a falta da companhia do esposo, com quem se
casara há dois anos, quando acreditava que as declarações de amor e o intenso
envolvimento durariam para sempre.
A cama estava vazia.
Entregue apenas a ela.
Aquele vazio indesejável manifestava-se também em sua alma. Não ouvir a voz
do marido, não implicar com suas manias que a irritavam, não sentir o seu perfume
amadeirado e nem receber os abraços inesperados ao longo do dia tornavam a
saudade ainda maior. Estavam sem se falar a quase um mês. Luana esperava pelo dia
que dos correios receberia o pedido de divórcio.
Mas o que poderia fazer?
Ele que decidiu sair.
Marcos, um professor de educação física amado pelos alunos e que nas horas
vagas não deixava o violão descansar, não se importava com conquistas profissionais,
buscava mesmo era pela simpatia das pessoas, em falar a língua do outro, em ser
compreensivo com o próximo.
Contudo, talvez esquecera que a esposa também representava o próximo.
Talvez tivesse que ser mais compreensivo com ela. Não estaria no pesqueiro,
segurando o anzol e contando as horas solitariamente.
Era romântico, amava receber a mulher após um longo dia de trabalho com um
lanche especial preparado por suas mãos, amava em ocasiões especiais organizar uma
viagem para que ambos se refugiassem do agito da cidade grande e tivessem apenas a
companhia um do outro no interior, amava também as noites de intensa paixão nas
quais fazia Luana se sentir a mais amada de todas as mulheres.
Gostava de ser meloso.
Chegava a ser grudento.
E quando chegava nesse ponto a esposa parecia jogar um balde d’água fria,
murchava suas expectativas e parecia ser ingrata quanto tudo o que ele procurava
demonstrar. Naquele pesqueiro, sentindo falta da parceira, tendo-a apenas nas
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por Amilton Júnior
lembranças, sendo acompanhado pelas estrelas, Marcos confessou que queria mudar
as coisas.
Mas teria mesmo que dar o primeiro passo?
Bem que ela poderia ser menos insensível, era o que pensava.
Mas a saudade nos corações sufocava as almas que ansiavam por estarem juntas.
O casal se amava apesar das diferenças, mas o orgulho, a falta de humildade em pedir
desculpas, mantinha dois intensos amantes inutilmente afastados.
Precisavam aniquilar o abismo.
Antes que caíssem nele.
Luana se lembrava perfeitamente do primeiro encontro com o esposo, era
primavera, vestia um vestido leve, florido e entre os fios louros prendera uma flor. Foi
assim que o conquistou. Foi até mesmo chamada de linda. E foi assim que se vestiu
outra vez.
Marcos se recordou do dia especial no qual pedira a mão da esposa em
casamento, escrevera uma música e fizera dela sua meiga proposta. Lembrou de ter
provocado as lágrimas emotivas, lembrou de que recebera um suave sim e de que sob
os aplausos da admirada plateia beijaram-se apaixonados. Pegou o violão, faria outra
vez o mesmo pedido.
Luana sabia exatamente onde encontrar o companheiro, estava na fazenda dos
pais, e Marcos sentiu o coração acelerar ao ver passar pela porteira o carro da
estimada parceira.
Ela, de vestido florido.
Ele, com o violão no braços.
Ela entendeu o que significava aquele gesto, recordou-se do pedido de
casamento.
Ele rememorou o primeiro encontro e o quanto se apaixonara em um simples
olhar.
A passos velozes, sob o pôr-do-sol envoltos pela bela paisagem da natureza,
romperam o abismo.
Abraçaram-se saudosos.
Beijaram-se nostálgicos.
— Eu sei que não tenho me preocupado com a nossa união tanto quanto me
preocupo com o trabalho, mas esses dias me serviram para entender que não posso
viver sem a sua presença em meu caminho, você me completa — com lágrimas nos
olhos, sorrindo alegremente, Luana dava voz ao coração.
— Também sou dependente do seu amor e preciso da sua companhia para que
me sinta protegido, realizado e satisfeito nesse mundo cheio de tantos inconvenientes,
contextos que só suportamos ao lado de quem amamos — aliviado pelo encurtar das
distâncias, acariciando o rosto delicado daquela que tão profundamente morava em
seu coração, Marcos declarou a pureza de seus sentimentos —. Prometo entendê-la
melhor, prometo que nunca mais soltarei suas mãos!
— E eu prometo ser menos exigente, mais romântica, lutar pelo nosso amor!
24 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
É...
Poderiam comemorar.
Tiveram a chance da reconciliação.
Mas e quem perde tempo por motivos tão bobos?
25 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
O Sentido da Vida
Era uma agradável tarde.
Os bancos na praça estavam ocupados por pessoas que apreciavam a natureza, a
própria companhia ou a presença de entes queridos com os quais compartilhavam
segredos, causos e sorrisos.
A brisa suave naquela fresca primavera parecia fazer os pensamentos flutuarem,
os sonhos voarem, as imaginações subirem ao mundo dos desejos.
Sentada solitariamente, praticando um de seus hobbies prediletos, Fátima
observava as cenas que inspiravam seus intentos e lhe ofertavam profundas reflexões,
não pôde deixar de notar as inocentes crianças que corriam de um lado ao outro, que
brincavam livres e despreocupadas dos preconceitos que os adultos deixam dominar
seu modo de viver.
Lembrou-se de quando era como elas, quando ainda acreditava na eterna
diversão que a vida aparentava ser, quando cultivava sonhos mirabolantes para o
futuro como acabar com as guerras e não permitir que mais ninguém morresse de
fome. Recordou-se das tardes de inverno que passava na casa da avó, quem fazia
maravilhosos bolinhos de chuva acompanhados de um saboroso e acalentador chá de
erva cidreira, sentia a falta da boa mulher, o lado ruim de crescer é que perdemos
aqueles que mais amamos e que um dia pensamos serem eternos.
Reparou também nos amigos adolescentes que se divertiam contagiosamente
com as piadas que surgiam em seus grupos, pareciam enérgicos, repletos de planos,
cheios de coragem e vontade para os concretizarem. Voltou para os dias de sua
adolescência. Relembrou as emoções que experimentara, os questionamentos que a
ajudaram a se transformar na mulher que era, as respostas que obtivera e que lhe
trouxeram tantas certezas. Sentia saudade dos amigos. Sentia falta de quando pensava
que a juventude era um eterno presente.
Levou a atenção aos jovens casais que uniam as mãos, trocavam doces olhares,
cochichavam inaudivelmente e logo em seguida sorriam com timidez, sorriam
apaixonados. Foi ali, naquela praça, que recebera o melhor dos pedidos.
Seus cabelos, além de enegrecidos, eram longos, chegavam à cintura e
encantavam a muitos. As rugas ainda não existiam. O tremor das mãos nem
imaginavam surgir. A jovialidade era estampada em sua face.
Sentada no costumeiro banco que ficava de frente para o chafariz rodeado por
um belo ornamento de orquídeas que exalavam o agradável perfume, Fátima
repousava a cabeça no ombro do namorado, mantinha os olhos fechados, a respiração
tranquila, entregava-se aos momentos de paz que nunca faltavam quando seu grande
amor ao seu lado estava.
Sentiu as mãos serem envoltas.
Sentiu o rosto ser acariciado.
Sorrindo sutilmente, a jovem mulher permitiu que as íris castanhas fossem
expostas, encarou o sedutor e galanteador olhar do bom Luís, sentiu no coração o
agito do amor.
26 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
— Sempre tão linda... — o rapaz de cabelos louros fez soar a grave, sutil e
melodiosa voz, som amado por aquela que chamava de namorada —. Chego a me
questionar se não ofusco todo o seu brilho... — era bom com as palavras além de
saber como fazer de Fátima a mais feliz das mulheres.
— E eu me pergunto se realmente mereço alguém com tanto amor, com tanta
doçura e com tamanha ternura a ofertar — levou a suave mão
à face que estimava seu toque, que suplicava em todos os encontros para senti-la na
pele —. Você é muito especial...
— Especial é o que tenho vivido desde que nos conhecemos e é o que desejo
viver até o resto dos meus dias... Foi capaz de me transformar, foi capaz de me
esclarecer quanto o real sentido da vida que não está em ser rico, poderoso, notável...
— beijou a mão que por seu rosto passeava —. Está em ser amado.
— O amor nos modifica de dentro para fora, altera nossos pensamentos, garante
novos sentimentos e em pouco tempo já não conseguimos esconder a revolução que
trabalha em nosso ser e todo o mundo descobre quem somos, não poderia existir
sentido de vida melhor e mais lindo! — a aspirante a escritora, sonhadora e
sentimental, declarou o que a alma sentia, feriu o íntimo de seu namorado.
— Estou farto... — endureceu o semblante —. Estou farto das despedidas, farto
das distâncias, estou farto de não ter o direito de vê-la adormecer em meus braços, de
senti-la despreocupada sabendo que estou ao seu lado para defendê-la, estou farto de
dizer adeus... — desabafou o que não aguentava mais, desabafou sobre aquilo que
quando existe amor se torna insuportável.
Fátima não pôde lutar contra a emoção.
Ao ver o anel diante seus olhos não pôde esconder as lágrimas emotivas e
sentimentais.
— Estou farto de não poder chamá-la de minha esposa, é o que mais desejo, é o
que tudo anseio — ajoelhou-se perante a amada —. Aceita se casar com este pobre
apaixonado?
— Quando estamos distantes, quando não podemos trocar palavras de
esperança, quando o relógio parece lento e não conto com a sua presença sei que o
que sinto é verdadeiro, sei que você é o homem que minha alma escolheu para amar,
sei que é o cavalheiro com o qual devo cavalgar pelos caminhos da vida e o que mais
seria isso se não um puro, genuíno, imenso, invencível e verdadeiro amor? — fez o
amante se levantar, encarou-o com a emoção constante, com a admiração persistente,
com a estima interminável —. Mais do que ser sua esposa, quero ser sua melhor
companhia.
Beijaram-se românticos.
Saborearam o prazeroso gosto do amor incorruptível.
Os anos se passaram.
Contemplar os senhores e as senhoras já avançados na idade enganchados um
no outro, caminhando a lentos e sincronizados passos, a renomada escritora confessou
que o tampo também passou para si, os anos se foram, os dias voaram e agora,
beirando seus oitenta anos, já não tinha familiares saudosos, amigos queridos e o
grande amor de sua história, todos o tempo levou.
27 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Não há como fugir.
Não há como correr.
Para todos o tempo passa, os anos se vão e a juventude se finda e com isso
surgem os desafios da velhice, as consequências da experiência longínqua, os
problemas que não podem ser ignorados.
A cada dia Luís perdia mais da memória.
Certas vezes não se lembrava nem de quem era.
Há meses não sabia que a esposa era a mulher que um dia amou
incontroladamente.
Fátima entendia que não era culpa de ninguém.
E nem o seu amor se esfriou.
Ela permaneceria no propósito de ser a melhor companhia para o querido
esposo. Talvez ele não soubesse quem era e nem a história que escrevera, mas ela era
capaz de contar em detalhes cada maravilhoso capítulo.
Luís acabou acometido por outras enfermidades.
Enfraqueceu-se.
Sucumbia aos muitos anos de existência.
No hospital, sentada na maca ao lado do eterno namorado, Fátima derramava
seu pranto, fora avisada de que o esposo não venceria aquela noite, teria todo o tempo
desejado para se despedir.
Acariciou o rosto adormecido.
Beijou a face inanimada.
— Tantas alegrias, tantas conquistas, tanta força, tanta coragem, tanta
esperança, tanta crença, tanta felicidade, tantos momentos, tantas histórias... Você me
ofertou o melhor livro que alguém poderia escrever, que lendo alguém se
emocionaria, que publicado jamais deixaria o carinho dos leitores porque foi algo
escrito com a alma, com o coração, através da veracidade de um amor que todos os
dias foi nutrido, se regenerou e é eternizado... Obrigado por todo esse amor!
Os olhos cansados se abriram encharcados.
Os lábios amortecidos se moveram vagarosos.
E a voz abafada teve forças para soar o que nunca foi escondido.
— Eu sempre te amei...
A vida se foi.
O espírito partiu.
Ficaram as lembranças de um amor bem vivido...
Discretamente, Fátima enxugou as lágrimas de saudade.
Caminhou a passos brandos em direção ao jovem casal sentado no banco que
ficava de frente para o chafariz cercado pelo ornamento de orquídeas.
— Posso entregar um presente? — manifestou-se notando com alegria o livro
que os acompanhava, tinha o seu nome.
— Você não é a autora de Amor na Guerra? — a jovem moça logo reconheceu.
— Sim...
— Preciso dizer que o amor tem vida através de suas palavras — estendeu o
livro — e que desejo um autógrafo — falou divertida.
28 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
— Com prazer — escreveu os dizeres — e fico feliz que tenha tocado seu
coração — apresentou o presente que tinha a oferecer —. Espero que esse possa falar
diretamente com a sua alma — antes de partir declarou mais alguma importante coisa
—. Amem-se sobretudo, o sentido da vida está em amar e ser amado — repetiu o
ensinamento que anos atrás tivera com o esposo.
Seguiu seu destino deixando a história que escrevia desde o pedido de
casamento.
O Sentido da Vida.
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por Amilton Júnior
Olhos do Coração
Rose nunca se imaginou em um vestido de noiva, caminhando pelo tradicional
tapete vermelho, sendo aguardada pelo noivo sorridente, acompanhada pelos olhares
dos muitos convidados que lotariam o espaço. Nunca acreditou que algum dia viveria
a magia do casamento embora desejasse ansiosamente por esse capítulo na história
que escrevia.
Suas incertezas, contudo, revelaram-se grandes equívocos.
O futuro a ela destinado realizava seu maior sonho.
E lá estava a doce Rose, tendo os cabelos ajustados, recebendo os últimos ajustes
para que participasse da cerimônia que traçaria um novo ciclo.
Por que era tão desacreditada?
Possuía uma deficiência. Não enxergava.
Pedro sempre sonhou com um grande amor, esperou pela pessoa que balançasse
seu peito, que conseguisse tocar em sua alma, aí sim teria a certeza de que era com
quem deveria firmar um compromisso em nome do soberano amor. De coração
disposto a ajudar quem precisava, foi no ônibus, auxiliando Rose a subir os degraus,
que o rapaz conheceu aquela que jamais deixaria seus pensamentos.
Foi conquistado pela sutileza.
Foi atraído pelo toque que ofertou à sua alma momentos de paz e refúgio.
O tempo foi se passando, o que começou como uma forte amizade se
transformou em algo mais íntimo e intenso e fez surgir uma nova ambição: viver a
eternidade com a amada.
Não se importava com deficiências.
O amor não vê como vê o homem.
A marcha nupcial anunciou que a estrela da festa se aproximava.
Rose não pôde conter a emoção quando deu seus primeiros passos rumo ao
compromisso que firmaria, sentia-se feliz, aceita, ia de encontro ao futuro que sempre
planejou, ao futuro que teria a boa oportunidade de construir.
Pedro também não escondeu a intensidade dos sentimentos que o envolviam,
considerava-se o homem mais sortudo do mundo, aquele que teria ao seu lado a mais
bela, meiga e especial das mulheres.
As mãos se tocaram.
Os sorrisos se abriram.
Sendo invadida pelo calor do amor, a mulher apaixonada, submersa à escuridão
dos olhos físicos, acariciou o rosto de seu amado, enxergava com os olhos da alma e
por isso levou a mão ao seu peito, onde estava a maior beleza.
— Você tem um coração valioso, tesouro algum poderia comprá-lo, sou
privilegiada por tê-lo em minhas mãos e prometo que cuidarei dele como se custasse a
minha vida, de fato custa, você é razão para que os meus dias sejam alegres, floridos e
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por Amilton Júnior
esperançosos — ela começou o discurso, seus olhos azulados pareciam dispersos, mas
seus pensamentos estavam bastante determinados em se entregarem aos cuidados de
um alguém especial —. Obrigado por me aceitar, obrigado por permitir que meus
desígnios sejam tão bravamente alcançados! Eu te amo e para sempre amarei! —
jurou.
Se já estava difícil segurá-las, tornou-se impossível para Pedro conter as suaves e
alegres lágrimas que molharam seu rosto, ouvir tão belas palavras o encheu de
certeza: fazia a coisa mais certa que um dia pensou fazer.
— Sou eu quem deve agradecimentos eternos a alguém cuja presença já é capaz
de me transportar para universos longínquos, distantes da pressa desse mundo
estressante, cheios de paz e calmaria — o moreno alto, cujos olhos esverdeados
comprovavam a sinceridade das palavras proferidas, repousou a mão sobre o rosto
delicado, acariciou a suave pele prometendo em seu coração que jamais deixaria de o
fazer —. Devo agradecer por entre tantos ter encontrado a mim para presentear com
esse amor genuíno, forte, que alimenta o meu espírito e me faz acreditar que a vida é
preciosa, é uma dádiva para quem sabe vivê-la apreciando os pequenos detalhes. Eu
também te amo e para sempre te guardarei em meu peito!
Os convidados se emocionaram.
Ninguém foi poupado das lágrimas por perceberem a grandiosidade do
sentimento que unia homem e mulher para toda a eternidade.
Perceberam que para o amor não há barreiras e nem obstáculos, o amor cria
caminhos para quem se sente aprisionado, dá asas a quem precisa voar e realiza o
mais impossível dos intentos que nossa simples alma é capaz de imaginar.
31 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Para o Amor Apenas Importa Amar
O amor desperta em nós sentimentos intensos, desejos apaixonantes e planos
que ansiamos para a eternidade. Quem ama de verdade prova do doce sabor, do
embriagante aroma e quanto mais se alimenta de amor mais se torna dependente do
valoroso tesouro da alma.
Para o amor não existem circunstâncias, condições ou regras. Para o amor não
existem obstáculos, desafios ou problemas que não possam ser vencidos. Para o amor
nem mesmo a morte é invencível. Para o amor só importa uma coisa: amar.
Como amava aquela mulher.
Como sentia desejos apaixonantes por aquela que em seu peito adormecia, que
em seu peito descansava, que em seu peito se protegia do frio do inverno e dos perigos
da vida. Não pôde resistir aos seus impulsos, não pôde conter suas vontades, tocou
suavemente o rosto tranquilo, passeou o dedo calmamente, fechou os olhos e se
entregou aquele contato tão único, tão ímpar, tão especial.
Como amava aquela mulher.
Seus movimentos pelo rosto que não cansava de admirar eram cautelosos, não
queria despertar aquela que tão confiante e despreocupadamente se entregava aos
seus cuidados, aos seus afagos, ao seu amor. Sentia-se importante, sentia-se vitorioso.
Como amava aquela mulher e se não fosse por tão profundo e genuíno amor
talvez tivesse falhado, desistido do privilégio do viver, se rendido às decepções e
desavenças da vida e colocando um precoce ponto final na história que poderia ir
longe.
Conheceram-se em um grupo de alcoólicos anônimos.
Ele, como dependente.
Ela, como alguém que iria ajudá-lo na liberdade.
Em um ambiente tão incomum, tão improvável, surgiu entre eles o laço que
prometia uni-los para todo o sempre, nasceu aquilo que nem o fogo seria capaz de
apagar, nasceu o puro e sublime amor.
Um amor salvador.
Um amor renovador.
A cada palavra trocada, em cada encontro despretensioso, o sentimento era
regado, aumentava nos corações, suplicava para que fosse exposto ao mundo. Ela se
encantava pela coragem daquele que muito admirava. Ele se embriagava pela doçura
que sua oculta amante possuía em todas as palavras proferidas.
Existe algo chamado Tempo, ele trabalha com o amor, são companheiros
pacientes e inseparáveis, um prepara o caminho do outro, um recompensa o trabalho
do outro. O tempo chegou para aquele casal que se amava, que se desejava, que
imaginava um futuro de realizações, mas que não assumia.
O primeiro beijo.
O estonteante, agradável e inesquecível primeiro beijo os envolveu, foi a fúria
para que a chama da paixão ardesse em seus românticos corações.
Ele, antes derrotado, agora era premiado pelo amor.
32 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Ela, sempre sonhadora, agora vivia a realidade.
Casaram-se.
E lá estava ele, admirando sua bela esposa.
Os olhos se abriram.
As íris brilhantes revelaram sua cor.
O sorriso espontâneo denunciou o que sentia a alma.
– Meu amor... — ela não se cansava de assim chamar seu bom e insubstituível
esposo, o homem que a conquistou para que jamais a perdesse.
— Sempre linda... — já ele não se enfadava de elogiar a estimada e amada
esposa, a mulher que o ajudara na construção de um futuro melhor e que fazia parte
desse querido futuro.
Ela sorriu o doce sorriso que enfeitiçava seu nobre admirador.
Ele a beijou com o envolvente beijo que intensificava a paixão em sua preciosa
companheira.
Abraçaram-se como amantes.
Cobriram seus corpos pelo edredom que compartilhavam.
Fecharam os olhos e se manteram em contato naquela fria manhã de inverno,
sentindo um ao outro, aquecendo um ao outro.
E assim o amor segue em manhãs, tardes e noites. Aproxima casais, fortalece
uniões e dissemina o prazer que é senti-lo, tê-lo entre os dedos, exibi-lo no olhar. A
cada dia derrama um pouco de sua virtude, a cada vez de uma forma diferente, o
importante é que para ele o que realmente importa é amar.
33 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Peça Perdão
— Todo final de semana é assim, nunca muda, sempre temos que nos enfiar na
casa de sua mãe, se eu quiser um domingo diferente devo ignorar essa vontade e me
adaptar a essa inútil tradição! — no calor da discussão Rodrigo ergueu a voz —. Até
quando?
— Durante toda a semana vamos aonde quer, encontramo-nos com seus
amigos, vamos à casa de sua família e nunca reclamei, por que está montando esse
espetáculo agora?! — imitando o gesto do esposo, Camila o interrogou encolerizada.
— É claro que vai, mas sempre demonstra a insatisfação que sente, nem parece
aquela de alguns anos atrás que chegou a me dizer que não importava o lugar desde
que eu estivesse ao seu lado seria o melhor do mundo! — na verdade não ouviu o que
disse, não tinha motivos para acusar a esposa, mas na hora da discussão nossa boca
profere palavras que mais tarde poderão nos trazer arrependimento.
— Então é por vingança? Acha que não gosto de frequentar os lugares onde me
leva e agora quer me dar o troco?! – indignou-se —. Como você é infantil! — deu às
costas e começou a subir os degraus.
— Eu infantil? — puxou a mulher pelo braço —. Você não me entende e ainda
me chama de infantil? Isso é egoísmo! — acusou —. Pura ingratidão. Começo a
pensar que todas aquelas declarações foram mentirosas e que me casar não foi a coisa
certa! — não deveria declarar tal argumento.
— Nosso casamento para você não passa de um erro? — a forma como ouvimos
as coisas quando estamos sensíveis podem nos causar grandes incômodos —. Faço o
que posso para demonstrar o meu amor, para agradá-lo e ainda sou chamada de
egoísta? — encarava as íris verdes com olhar de decepção —. Tudo porque aos
domingos gosto de estar com as pessoas que amo?
— Se os ama tanto volte a eles!
Silêncio.
— Não foi isso...
— Já é o bastante — Camila se afastou do marido ariscamente —. Talvez tenha
sido mesmo um erro — abriu a porta da sala —. Quero ficar sozinha — partiu.
Atordoado, Rodrigo se sentou no sofá, levou a mão aos cabelos desgrenhados,
ouviu as próprias palavras soarem em seus ouvidos. Tarde demais.
Relacionamentos, no início, podem se assemelhar às coisas mais maravilhosas e
especiais que a vida é capaz de nos proporcionar, no entanto o tempo passa e os
problemas começam a surgir, sábios são aqueles que os contornam e os usam como
armas para fortalecer o amor que um dia existiu e que para sempre deveria existir.
Os problemas ficam ainda maiores quando falta a compreensão de um para com
o outro, quando o diálogo já não constrói acordos e dá lugar às discussões fervorosas
que não levam a destino algum. Eles se intensificam quando passamos a dar ouvidos
aos de fora e nos ensurdecemos a quem todos os dias está ao nosso lado.
Com as amizades que tinha, Rodrigo aos poucos se esquecia do que prometera à
Camila quando a pediu em casamento, assegurou que a amaria todos os dias e seria o
34 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
motivo do seu sorriso, mas ultimamente parecia se importar mais com a felicidade dos
amigos solteiros ou divorciados que, inexperientes e desiludidos, levavam ao técnico
de informática uma vida que já não lhe pertencia, pensamentos que não devia
cultivar.
Dirigindo, tendo os olhos cobertos por lágrimas, a fala do esposo ecoava na
mente de Camila. “Se os ama tanto volte a eles”. Ela não conseguia entender a
implicância do marido, sempre foi tratado amistosamente na casa de seus pais e nem
eram tantas horas que ficavam juntos, ultimamente Rodrigo parecia pensar apenas
nele.
A escritora reconhecia suas promessas passadas, lembrava-se das palavras que
não se arrependia de ter dito, mas nada daquilo parecia ter importância, por mais que
tentasse nos últimos meses salvar o casamento não conseguia. Culpou-se. Sim, a culpa
era dela, pensava ser a responsável pela falta de carinho que o esposo exibia, afinal,
ela destruiu o seu sonho de ser pai, era estéril.
Estacionou no acostamento.
Pegou o celular.
Procurou na agenda pelo contato “Mãe”.
O carro capotou.
Um caminhão desgovernado, em alta velocidade, acertou em cheio o carro de
Camila, causou um acidente assustador aos olhos que o flagraram.
Nunca sabemos o que a vida nos reserva, quais surpresas nos aguardam no
futuro e quais caminhos o destino a nós determinou, por isso é importante que nossas
palavras sejam moderadas, que nossas atitudes sejam sensatas, não sabemos quando as
pessoas partirão e nem se teremos a oportunidade da despedida.
No hospital, Rodrigo chorava.
Tarde demais.
— O que aconteceu? – o pai se sentou ao seu lado.
— Um acidente...
— Antes disso, o que aconteceu antes dessa tragédia...
O rapaz ergueu os olhos, não teve forças para responder, deitou o rosto sobre o
ombro do pai.
— Quantas vezes conversamos, meu filho, quantas vezes lhe falei para que
valorizasse os esforços de sua esposa e parasse com as brigas infantis? — acariciava o
desconsolado filho —. Por que não me escutou? Em quê os seus amigos são mais
vividos do que eu? Em quê a vida que eles levam pode ser melhor que a sua? Todo o
dia tem um amor genuíno lhe sendo ofertado e tudo que tem feito foi desprezá-lo.
O técnico de informática deu razão às palavras do pai, palavras que deveria ter
escutado há muito tempo, palavras que, jurou em seu coração, adotaria para si se
tivesse uma nova chance.
— Eu errei... — reconheceu —. Errei ao me igualar a eles, homens sem
compromisso, sem preocupação, que preferem a diversão e tratei minha própria
esposa como uma simples companhia... Errei e não sei como corrigir isso.
— Se tiver a oportunidade, peça perdão...
35 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Em alguns instantes o médico autorizou que Rodrigo entrasse na UTI do
hospital, seus passos foram apressados e pesados, seu coração ardia e a culpa o
oprimia sem misericórdia alguma.
Viu a mulher desacordada.
Colocou-se ao seu lado.
Envolveu sua mão.
Derramou as sentidas lágrimas.
O arrependimento é uma amarga e persistente dor, com ela vem a culpa e o
sentimento de incapacidade, incapacidade de acertar com quem merece o nosso amor.
Os olhos castanhos se abriram.
Para a alegria de um homem desesperado.
Camila sorriu discretamente, amava o esposo como a própria vida, seria capaz
de tudo para vê-lo feliz apesar de não compreender seus derradeiros comportamentos.
— Como se sente?
— Bem... Só alguma fraqueza... O que houve? — sentia-se confusa.
— Por minha causa, um acidente.
As últimas palavras do esposo retornaram aos ouvidos da escritora que recolheu
as mãos, rompeu o contato entre as peles.
Rodrigo percebeu, desvestiu-se do orgulho, do medo de ouvir palavras ácidas e
tomou outra postura.
— Negligenciei o nosso amor e tenho me comportado como um adolescente
inconsequente, despreocupado, que deixa se levar por efêmeras emoções, não tenho
sido o homem que merece — ajoelhou-se ao lado de Camila e tornou a acolher seus
dedos —. Quero que me perdoe por ser um egoísta, um ingrato, uma criança tola e
rebelde, preciso que me perdoe e que acredite em mim pela última vez, prometo que
não cometerei a loucura de errar com quem mais amo nesse mundo...
Tomando uma expressão sorridente, Camila passou a mão pelo rosto do homem
pelo qual tão inteiramente se apaixonara, amava contemplar os olhos verdes, adorava
enxergar-se neles.
— Beije-me...
O casal apaixonado rompeu o protocolo e contaminou o ambiente com o vírus
do amor.
— Graças a Deus o acidente não trouxe grandes impactos, mas nos revelou uma
agradável notícia — o médico, já conhecido pelo casal, comemorou o milagre que
alcançara a escritora —. Vocês serão pais!
Encararam-se maravilhosamente espantados.
Não conseguiam acreditar.
Fizeram o médico repetir tantas vezes a notícia e a cada anúncio o coração
transbordava.
Ganhavam um motivo novo para se manterem na luta pelo amor.
36 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Perdoar para Amar
Amor e ódio são dois extremos completamente distantes e opostos, porém jamais
provaríamos do doce sabor do amor se não experimentássemos o amargo gosto do
ódio. São dependentes. São fortes. Um é o calor opressor. O outro é o refresco do
alívio.
Thomaz e Júlia, dois jovens inexperientes, ainda assim destemidos, eram
inegável e descontroladamente apaixonados. Mais que isso. Eram dois amantes
enlouquecidos, rendidos ao invencível sentimento que brotara em seus corações, um
sentimento poderoso, capaz de encorajar o mais covarde e fazê-lo batalhar em lutas
antes impensadas.
Mas todo esse amor era ameaçado pelo ódio mortal que rondava suas famílias,
ambas não se comunicavam, não se suportavam, um fato passado, que parecia durar
pela eternidade, causou a ruptura. Gerações iam embora e outras chegavam, mas a
rixa nunca era superada.
Contudo, ainda adolescentes, o casal se atraiu e nada do que pensassem,
intentassem ou planejassem, mudava essa verdade, destituía tão perigosa realidade.
Ignoraram os discursos, desprezaram os boatos, interessaram-se por apenas duas
coisas: não eram como seus patriarcas e se amavam mais que tudo. Às escondidas,
longe da luz, encobertos pelo secreto, assumiram o romance, comprometeram-se um
com o outro, renderam-se aos sentimentos.
O tempo foi se passando, os anos se findaram, ambos já estavam com seus vinte
e poucos anos e o amor que os unia apenas aumentava, crescia inevitavelmente, o
desejo de um pelo outro se intensificava, tornava-se insuportável, encorajava-os a
saírem do escuro e revelarem a verdade.
— Não podemos mais marcar encontros em lugares abandonados, ocultos a
todos os olhos, não é justo que vivam amores, sejam felizes despreocupadamente e nós
tenhamos que nos privar da vida que possuímos o direito de viver — o rapaz, atento
aos olhos azuis que o enfeitiçavam, que lhe garantiam tantos bons sonhos, declarou
seu pensamento, estava cansado de fugir, cansado de esconder o que sentia.
— Também não aguento mais marcar encontros com intervalos tão imensos,
não suporto essa distância abismal que insiste em se colocar entre nós, mas é arriscado
se rebelar, é perigoso enfrentar aqueles que se julgam donos de nossos destinos, não
quero perdê-lo... — sentimental, sempre prevenida quanto ao futuro, Júlia passeou os
suaves dedilhares pelo rosto de seu amado, deixava-se perder nas íris castanhas que
ardiam apaixonadas, que confirmavam a veracidade das inúmeras declarações de
afeto.
— Eu te amo tanto — buscando calma, controlando os próprios impulsos
revoltosos, Thomaz acariciou os cabelos soltos, abriu um sorriso apaixonado, seu
coração era daquela jovem mulher —. Seria capaz de entregar o meu futuro por esse
amor, sabe disso, sabe que por você faço o impossível — beijou-a se esquecendo dos
problemas, beijou-a sedento por senti-la, por tê-la, por jamais soltá-la.
37 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
O desejo entre eles era intenso.
A cada reencontro aumentava.
Júlia perdeu o controle naquele beijo tão renovador, embriagante, que a
transportou para um mundo de paz, de segurança, um mundo que só existia quando
se entregava ao nobre cavalheiro. Levou as mãos aos seus cabelos, pressionou-o contra
si, queria mais daqueles instantes, os únicos nos quais era feliz.
O jovem rapaz, há muito rendido aos braços daquela que não deixava seus
intentos, que se fazia presente em cada paisagem que contemplava, a cada som que
apreciava e a cada devaneio que o envolvia, levou as mãos à cintura de sua donzela,
atraiu-a para seu corpo, passou a depositar seus beijos firmes e românticos pelo
pescoço do qual exalava o mais doce dos perfumes.
Por alguns instantes o casal se separou.
Ofegantes, encararam-se sem declarar palavra alguma.
Seus corações pulsavam enérgicos.
Romperam os centímetros de distância.
Entregaram-se à paixão e ao amor incontroláveis.
Deitada sobre o peito descoberto de seu sedutor amante, ouvindo seu coração
potente e sentindo a respiração profunda, Júlia deu um sorriso despreocupado, livre,
passara pelos melhores momentos de sua vida junto a quem mais estimava.
— Posso saber no que está pensando? — perceptivo, Thomaz questionou.
— Que não importa a situação e nem a condição, não importa se estaremos
numa casa abandonada como essa ou em uma fazenda repleta de tantos luxos, se você
estiver comigo estarei indescritivelmente realizada...
Tal declaração foi o estopim para que o rapaz sugerisse o que há dias se
manifestara em seus anseios, o que se tornara um objetivo a alcançar.
— E se fugíssemos? E se partíssemos para longe? Aceitaria desbravar o
desconhecido comigo?
A jovem mulher refletiu por alguns minutos, permaneceu em silêncio
analisando os próprios pensamentos e foi respeitada naquele momento de tão
importante escolha.
— Não importa o que façamos, o quanto tentamos mudar mentes tão fechadas,
continuaremos privados de nosso maior desejo. Não quero ter que esperar dias,
semanas, para ouvir sua voz. Já não me contento com cartas, preciso ouvi-lo, vê-lo e
tocá-lo. Também quero ser feliz e só o serei estando contigo — entrelaçou os dedos,
pressionou-os com ternura —. Eu aceito. Eu aceito ir aonde me levar!
∞
Finalmente, o dia da fuga, depois de tanta ansiedade, chegou.
Montados em seus cavalos, cheios de força e valentia, obstinados à vida que
almejavam, os jovens cavalgavam contra o tempo, levantavam poeira, deixavam para
trás todos os preconceitos, todas as intolerâncias, os ressentimentos e as mágoas lhes
impostos, recomeçariam suas vidas, construiriam o próprio futuro.
Os animais frearam contra a vontade dos cavalheiros.
Armas lhes eram dirigidas.
38 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Tentaram recuar.
Da estrada saltaram mais dois perigosos homens.
E de cada lado os pais do casal, com sangue nos olhos, ira nas mãos.
Não tinham para onde correr, fugir ou se esconder.
— O que pensam estar fazendo? — Frederico, pai de Thomaz, um homem
obcecado pelo bem, pela boa conduta, interrogou o filho, em seu tom de voz exigia
uma clara resposta.
— Correndo atrás da nossa felicidade! — o rapaz alçou a voz.
— Acha mesmo que esse arrogante será capaz de fazê-la feliz? — João, pai de
Júlia, um homem que buscava pela solução mais sensata em seus confrontos, já não
estava disposto a convencer seu rival de desistir do passado.
— Ele não é como vocês, não vive à sombra de ódios sem sentido, é com quem
quero viver! — a jovem mulher protestou.
— Ódios sem sentido? — Frederico riu —. Quer dizer que de nada importa
matar alguém? Filho, houve um confronto entre as fazendas e os homens dessa gente
mataram o meu avô!
— Sabe muito bem que aquela guerra não foi motivada por nenhum de nós,
nossos servos entraram em desacordo, por motivos audaciosos deram início a um
briga cuja proporção nos assustou, mas os meus avós nunca levantaram o dedo contra
vocês, quantas vezes mais precisarei explicar?
— Não importa! Eu vi com meus próprios olhos a tragédia acontecer.
— E sinto por isso, mas não pode me culpar por algo que eu nem compreendia,
que estava alheio ao meu controle. Éramos crianças, passou da hora de seguirmos em
frente!
— Para você é fácil, não perdeu ninguém.
— Está enganado, perdi um amigo cuja falta sinto até hoje...
Eram unidos.
Cresceram assim.
Mas por desentendimentos foram forçados a se odiarem.
Frederico se calou. Seria muito melhor voltar atrás, superar o passado, mas isso
feriria seu orgulho.
Levantou a mão.
Dois homens dirigiram os armamentos ao casal.
— Thomaz, qual é a sua escolha? Saiba que não permitirei que nosso sangue se
misture aos de uma gente sem escrúpulos.
O valente jovem desmontou do cavalo e se colocou ao lado da namorada,
envolveu sua mão gélida, lançou-lhe um olhar de conforto. Não importava o que fosse
acontecer, estavam juntos.
— A vida é curta demais para que sejamos privados por nós mesmos de
vivermos um amor arrebatador ou uma amizade transformadora. O ódio é veneno
para nosso suicídio. Enquanto odiamos bravamente, perdemos de viver momentos de
consolo, de paz e felicidade. Já conhecíamos essa história, sempre soubemos que tudo
fora motivado por forças alheias aos nossos patriarcas. Não vale a pena dizer não ao
amor, não vale a pena fugir do abraço de um amigo querido por motivações ilusórias,
nada disso corrigirá o passado. Pode ceifar a minha vida, não me importo, tenho tudo
o que sempre quis ter, o amor de Júlia!
39 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
A jovem mulher se emocionou.
Thomaz aguardava ansioso pelo veredicto.
Frederico cerrou os punhos. Estreitou os olhos. Abriu a boca. Suspirou. Relaxou
o corpo tensionado. Encarou o chão. Ergueu o rosto.
— Somos bombardeados por muitas informações e levados a culpar os outros
pelo nosso sofrimento mesmo que eles não tenham o menor domínio sobre os fatos e
assim nos aprisionamos em nossa tristeza, somos aparentemente recompensados
causando a dor dos inocentes... Poderão ser felizes desde que João perdoe minhas
investidas e aceite meu acordo de paz!
— Sempre soube que meu amigo ainda vivia nesse coração! — abriu os braços
—. E ele sempre terá espaço no meu!
Às vezes é necessário insistir, persistir e até colocar a vida em risco pelo amor,
mas vale à pena, a consequência é um eterno júbilo.
40 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Quando Tudo Começou
Braços enganchados.
Cabeças cobertas por chapéus.
Passos sincronizados e lentos.
Caminhavam pela praça onde tudo começou.
Luana era uma jovem atraente, cheia de expectativas quanto aos dias vindouros,
vaidosa, gostava de se cuidar para cumprir com suas obrigações. Porém, sofrera uma
decepção que jamais imaginara, as amargas dores ofuscaram o brilho da vida, fizeram
o prazer de viver seguir outros caminhos, diminuíram as forças daquela que
esbanjava energia para fazer da experiência de nesse mundo estar ser a melhor
história que alguém poderia escrever.
Os dias se passavam, menos as dores.
Amara verdadeiramente, entregara-se completamente, confiara o coração, seu
maior tesouro, a mãos que não souberam manuseá-lo, protegê-lo, antes foram as que
o estraçalharam.
Sentada no banco da agitada praça, sem admirar como antes a beleza da
natureza, o show do sol se escondendo e cedendo espaço à noite, a mulher de cabelos
castanhos e olhos atraentes mantinha o rosto escondido, depois de tanto relutar cedeu
às lágrimas.
Marcos era um rapaz de valente espírito, sempre esperançoso, sempre buscando
crer na melhor das situações, sempre procurando nos problemas um belo
aprendizado. Possuía a querência de muitos, contagiava a tantos com sua maneira
espontânea e sonhadora de viver: se quisessem um conselho, o procuravam; se
precisassem de um conforto era nele que encontravam.
Amava viver. Amava fazer a diferença na vida daqueles que se permitiam à sua
companhia.
No entanto, fugia do amor.
Sim, não acreditava no sentimento que arranca suspiros, desenha sorrisos,
aquece corações e consola almas, sabia que esse mesmo sentimento causava dores,
frustrações, amargos sofrimentos àqueles que nele confiavam cegamente.
Vivia outros amores.
Não o romântico.
Isso porque não encontrara a pessoa que faria seu coração pulsar de uma forma
diferente.
Sorridente, como sempre estava, caminhava pela inspiradora praça de cabeça
erguida, olhos atentos aos espetáculos que Deus garantira aos homens, olhos atentos a
quem precisasse de um cumprimento, olhos que se atentaram à moça solitária que
parecia distante, parecia submersa a prantos incômodos.
— Seria muita ousadia de minha parte oferecer a essa perfeita obra de arte as
rosas que merecem? — prostrou-se perante Luana como os nobres cavalheiros,
estendeu-lhe os ramos que montara em poucos minutos.
41 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Surpresa, a jovem voltou em si, tomou noção da realidade, perdera o controle
sobre o tempo divagando em tantos pensamentos, percebeu que as estrelas já
despontavam.
Notou também os alegres olhos azulados que lhe eram dirigidos.
— Obrigada... — abriu um discreto sorriso aceitando as flores.
— Sei que esse riso é pura educação, não engane a mim, sou fascinado por
sorrisos e tenho certeza de que o seu é melhor do que isso — estava apenas sendo ele
mesmo, queria garantir contentamento a alguém visivelmente abalado.
— Sorrisos verdadeiros só podem ser dados quanto temos motivos verdadeiros,
certas coisas não conseguimos mudar... — desabafou mantendo-se na tristeza que a
perseguia.
— E se os motivos tiverem que ser criados por nós? — ligeiro, sentou-se ao lado
da moça, permitiu que o perfume amadeirado a alcançasse —. Quando era criança
chorava como um doido quando caía e via todos rirem, depois, aprendi a afastar a dor
gargalhando de mim mesmo, por que seria o sofredor da minha história se posso ser o
palhaço? — tirou do bolso uma foto de quando era mais novo, franzino, um menino
assustado —. Parecia o patinho feio — disse com piedade —. Mas se eu não
aprendesse a me valorizar nunca seria esse cisne maravilhoso! — colocou-se em pé
outra vez, através de sua ingênua e despretensiosa exaltação pôde inspirar o sorriso
mais espontâneo na face de Luana —. Era disso que estava falando, seus lábios
desenham curvas embriagantes...
Tímida, a mulher abaixou o rosto.
Mas o rapaz o ergueu.
— O que aconteceu?
— Traições. As pessoas nos decepcionam...
— Perdoe-me, donzela, mas quem a feriu dessa forma merece o prêmio de
jumento do ano — foi simplesmente franco —. Não vale a pena se lamentar por
jumentos, vale?
— Eu o amava...
— Ama, amou e amará. É assim mesmo. Nem sempre reconhecerão o nosso
valor, mas em algum lugar há alguém digno de receber a sua confiança!
Depois daquele dia nunca mais deixaram de se falar, construíram uma vida
juntos, escreveram memórias que jamais seriam apagadas.
— Foi ali, foi ali que me salvou... — já avançada no tempo, com os cabelos alvos
e a voz trêmula, sempre que passava pelo banco onde esteve sentada Luana declarava
tais palavras.
— Seria digno do prêmio de jumento do ano se permitisse que escapasse... —
Marcos perdera o vigor da juventude por conta do tempo, mas nunca a essência que o
marcava na vida das pessoas —. Fui salvo também...
Em uma simples conversa entre desconhecidos nasceu um verdadeiro amor.
Quantas oportunidades são perdidas por aqueles que preferem manter o semblante
fechado a descobrir novos sorrisos?
42 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Se soubesse...
Se soubesse que a vida passa como num conto ligeiro e que o presente, como
num piscar de olhos, se transforma no distante passado, teria valorizado mais os
momentos de companhia, de alegria, de satisfação, de amor. Teria vivido cada dia
como se fosse o derradeiro, aquele que se encerrará anunciando que jamais retornará.
Teria aproveitado as horas, não apenas as horas, teria saboreado os segundos como se
experimenta a mais gostosa sobremesa. Teria vivido de verdade.
Quantos sorrisos deixou de dar por ser orgulhoso demais? Quantos abraços
negou em nome de sua aparente perfeição? Quantos amigos afastou por acreditar ter
em suas mãos a soberana razão? Quantos amores deixou esfriar por não saber como
alimentá-los? O quanto insistiu na tolice ao ponto de deixar escapar o coração que
para sempre possuiria?
Agora, já velho, indo para frente e voltando para trás, sentado naquela cadeira
costumeira, observando as gotas pesadas que do telhado caíam e soava o impacto
contra as poças formadas, escutando as trovoadas severas daquele fim de tarde em um
verão atípico, Eliseu assistia ao filme de sua vida. Muitos erros. Poucos acertos.
Negligências. Posturas erradas. Não era mais o de antes, não era mais o empresário
rodeado por amigos, cercado por tanta gente, agora vivia solitário, sentia o desprezo,
colhia os frutos de uma plantação mal feita.
Queria voltar ao passado. Queria dizer aos amigos que os amava mais que
qualquer fortuna. Queria dizer aos filhos que eram mais importantes que qualquer
negócio. Queria dizer à esposa que era apaixonado ao ponto de abandonar sua
própria ganância a fim de tê-la em seus braços eternamente.
Mas já era tarde.
Tratou as pessoas como simples marionetes, usava-as e descartava-as em nome
de seus interesses, colocou acima de qualquer sentimento sua adoração à riqueza
material, esqueceu-se de que da vida só levamos o amor que doamos.
Seu dinheiro não lhe daria novas oportunidades. Suas propriedades não seriam
capazes de pagar uma viagem ao passado. Sua fortuna não era o bastante para
comprar perdão, amor e companheirismo. Teve a oportunidade de, gratuitamente,
enriquecer-se dos valores da alma, adquirir espaço no coração de pessoas
importantes, mas preferiu investir seu interesse nas coisas momentâneas e
corruptíveis. Achou que “ter” e “poder” lhe dariam o que quisesse.
Restava-lhe apenas arrependimento. Em seus últimos dias de vida provava de
afastamentos, esquecimentos. Não tinha com quem conversar. Não tinha com quem
dividir suas angústias. Estava pobre de espírito, miserável de amor, infelizmente a
culpa era apenas sua.
Se soubesse, teria feito diferente...
43 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Tenha Misericórdia!
De cabeça baixa, olhos estáticos, pensamentos distantes, caminhava pelo prédio
que cheirava a castigo, que soava maldade, que abrigava gemidos de dor, gritos de
ordem, ouviu em seus ouvidos um doce pedido, o que machucava sua alma,
desmantelava seu coração.
“Tenha misericórdia, pai...”
Roberto era um metalúrgico muito exigente em seus relacionamentos, cumpria
acordos, zelava pela confiança das pessoas e prezava por manter as boas aparências
diante da sociedade. Era um homem rígido, um tanto machista, de sua forma confusa
amava a esposa, quem recebia seu amor de forma nítida era Paco, o filho com o qual
muito se divertia, do qual esperava se orgulhar grandemente, naquele que colocava
expectativas para que se tornasse um grande e honrado homem.
Além de metalúrgico, era um brilhante carpinteiro, bastante requisitado em sua
região, possuía clientes em lugares longínquos, sua fama corria pelos móveis que
produzia, não deixava de ensinar ao filho a atividade que aprendera de seu pai que
aprendera com o avô que fez questão de suplicar para que a tradição jamais se
acabasse.
Paco crescia como qualquer criança, cheio de energia para aventuras, disposição
para descobertas e com uma sensibilidade incrível para ajudar o pai nos detalhes que
embelezavam as cadeiras, ornamentavam as estantes e deixavam irrecusáveis os
bancos de balanço. O talento corria em sua veia de uma forma muito mais sofisticada.
Tornou-se um adolescente adorável, querido entre os amigos, estimado pela
vizinhança e admirado pelos parentes, sempre disposto a ajudar, a estender a mão
inclusive aos que o pai considerava indecentes e por esse motivo ouvia sermões cujo
significado não conseguia encontrar, em seu coração acreditava que todas as pessoas
eram dignas de amor.
Amadureceu.
Por volta dos dezessete anos fez uma descoberta que mexeu com o seu ser, que
atraiu pensamentos turbulentos e criou inúmeras dúvidas, incertezas e fez nascer um
medo que jamais imaginou sentir: medo do próprio pai.
Quanto mais o tempo passava mais se sentia sufocado e angustiado por guardar
um segredo que se tornava insuportável de manter, por guardar um segredo que
transformaria o modo de muitos o enxergarem, que em alguns despertaria repulsa,
em outros espanto, tinha a noção de que poucos o apoiariam em sua essência, naquilo
que ele era, mas precisava negar.
Nunca foi de esconder a verdade.
Nunca foi de viver escondido dos pais algo que quisesse.
Sempre confiou neles para qualquer desabafo.
Confiaria mais uma vez.
Sentados ao redor da mesa, curiosos pelo que Paco tinha a declarar, imaginando
até mesmo que o filho conquistara alguma bolsa pelo ótimo desempenho escolar, seus
44 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
pais balançavam as pernas, sorriam ansiosos, se incomodavam pelo tamanho suspense
criado.
— E então? — Roberto questionou —. O que é de tão importante para nos
reunir dessa forma?
— Primeiro quero que saibam que meu amor por vocês é maior que qualquer
desejo, supera qualquer outro sonho e por isso preciso ser transparente, verdadeiro,
preciso confiar a vocês cada passo que pretendo dar, cada conquista que venha a ter,
sempre moraram, moram e morarão no meu peito — os olhos esverdeados não
puderam conter as discretas lágrimas que atravessaram o sutil sorriso.
— Também te amamos, meu querido, sempre poderá contar com o nosso apoio
nos caminhos que deve seguir — Eunice, a sensível mãe, acariciou as mãos do filho,
ofertou seu olhar de compreensão, acima de tudo queria vê-lo feliz.
Roberto, no entanto, percebendo o teor sentimental daquela conversa, preferiu o
silêncio, preferiu avaliar com cuidado tudo o que ouvia, criava hipóteses, não eram as
melhores.
— Tem sido muito difícil tomar a decisão de revelar a vocês o que está aqui
dentro, o que todos os dias me pressiona a contar a verdade, a desabafar meus
intentos, tem sido cansativo guardar um segredo que não aguentaria ocultar por
muito tempo, esconder algo que faz parte de quem eu sou, do que represento, do que
quero viver.
— Aonde quer chegar? — a grave voz do pai soou imperativa.
Paco gaguejou.
O pranto travou sua garganta.
Os lábios estremeceram e o coração balançou.
As mãos foram recolhidas.
Os ombros encolhidos.
O rosto abaixado.
— Paco... — Eunice já sabia, ninguém precisou lhe contar, sempre soube a
verdade oculta, não se deixou dominar por muitos conceitos que julgava inúteis,
abrir-se-ia ao filho, seria a mãe que ele precisaria.
O jovem garoto ergueu a face.
As lágrimas o tomavam.
— Vocês sabem — a voz fraquejou —. Eu não preciso dizer...
A louça saltou.
A mesa foi duramente golpeada.
Bufando iradamente, passando a mão sobre os olhos como se a visão estivesse
agarrada, sem conseguir ordenar os furiosos pensamentos que subiam à sua mente e
aceleravam o coração, Roberto dirigiu o olhar severo ao filho, esqueceu-se do quanto
o amava, das alegrias que conquistara, dos elogios e parabenizações que recebia por
ser o pai de um jovem tão querido e admirado, encarava-o como se fosse um
abominável inimigo.
— É a sua escolha?
— Eu não escolhi... Apenas sinto... — respondeu em lamento.
— Não pode estar falando a verdade, precisa ser muito imbecil para dizer uma
coisa dessas olhando para a minha cara, quem colocou isso na sua cabeça? — não
aceitaria, se recusaria ao que tinha por humilhação, demonstraria toda a repulsa que
45 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
era capaz de sentir —. Quem foi que o encheu de dúvidas perversas? — segurou o
braço do filho, pressionava-o com determinada força, queria mais que tudo estar
passando por um pesadelo, queria despertar e perceber que tudo não passava de um
sonho maldito.
— Não são dúvidas, é a verdade que está dentro de mim, ninguém precisou me
manipular ou seduzir, descobri por mim mesmo! — não acreditava que pudesse ser
tratado como um criminoso apenas por ser diferente da maioria, mesmo com todo o
amor que compartilhava agora era visto como um terrível meliante.
Um tapa.
Na face.
Paco caiu da cadeira.
Eunice se levantou na intenção de conter o esposo.
— Roberto, precisa se acalmar, precisa entender que nossos filhos seguem
caminhos opostos aos nossos, não são como nós, possuem os próprios meios para
serem felizes e se sentirem realizados.
— Não... Meu filho não me garantirá tal desgosto! — a voz soava firme e fria,
impiedosa.
— Que desgosto, meu esposo? Todos o amam, chegam a dizer que o desejavam
ter como filho, vai deixar que uma ignorância ultrapassada seja maior que todo o
orgulho que ele nos dá?! — tentou convencer, mas foi empurrada.
— Sabe o que penso de pessoas como você, não sabe? Para mim são como
vermes capazes de nos garantir as piores doenças, as mais humilhantes vergonhas, são
dignos de serem extirpados! — levantou o filho pelo colarinho, fixou os olhos
ardentes contra os assustados, intimidava-o grandemente —. Vou lhe dar a última
oportunidade para que volte atrás e me prometa manter essa loucura bem escondida!
Paco permaneceu em reflexão, não seria capaz de se esconder atrás de uma vida
que não lhe pertencia, não poderia viver episódios que a sociedade esperava, seria
infeliz, faria outras pessoas infelizes, não conseguiria negar quem era.
— Somos diferentes, nenhum de nós é completamente igual e as pessoas
precisam entender que nem todos trilharão pelo mesmo caminho, não teremos os
mesmos pensamentos, sempre divergiremos em algum ponto... Não posso prometer o
que não serei capaz de fazer.
— E eu não passarei pelo que não posso suportar — jogou o filho contra o chão,
subiu em seu corpo, passou a distribuir socos ferozes —. É isso o que merecem! —
gritava em meio ao choro de raiva —. Custa controlar seus desejos doentios? Custa
não se transformar em um animal desprezível? — mantinha-se nas agressões —.
Prefiro ter um filho morto a servir de zombaria!
Sentindo o coração arder, vendo o filho se debater sem conseguir liberdade,
recebendo hematomas pelo corpo, tendo o resto deformado por feridas desumanas,
cuspindo sangue e quase engasgando com ele, Eunice avançou contra as costas do
esposo, mas foi assustadoramente lançada para trás pelo homem descontrolado, bateu
a cabeça contra a parede, caiu desmaiada.
Paco não aguentava mais.
Sua alma ardia em indignação.
— Tenha misericórdia, pai... — foi a última súplica.
— Vá para o inferno!
46 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Os portões se abriram.
O homem cabisbaixo cumprira toda a pena.
Não era mais castigado pelos homens por um assassinato frio e sem
justificativas.
Mas sua consciência era oprimida por enorme culpa: não soubera amar quem
acreditava no seu amor, não pôde aceitar quem compartilhava do seu sangue, antes se
vestiu de arrogância e destruiu o próprio filho, o único que em todos os momentos
estaria ao seu lado, em nome de preconceitos e da preocupação com o que os outros
falariam, outros que nunca mais o procuraram, que esqueceram sua existência.
Não suportava aquela culpa.
Esperou anos por aquilo.
Subiu no edifício abandonado.
Jogou-se da altura de mais de cem metros.
“— Tenha misericórdia, pai...”
47 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Trágico Amor
O amor, para alguns, representa satisfações, conquistas, vitórias que se
eternizarão em suas vidas e garantirão momentos de paz, no entanto, para outros, o
amor pode atrair dores, amarguras e insuportáveis sofrimentos, lágrimas inesgotáveis.
Como isso é possível? Como pode um sentimento tão nobre, tão soberano e
poderoso causar tantas guerras? Sofia jamais compreenderia a razão pela qual era
punida por amor, mas também não deixaria de por ele lutar, nunca desistiria de
satisfazer sua alma a partir do único alimento suficiente. A filha do poderoso barão de
Montes Claros era apaixonada por Arthur, um pobre escravo.
Aquele romance fatal, potencialmente trágico, não começou de repente, através
de uma simples troca de olhar, tudo teve início quando as jovens crianças, puras de
quaisquer ignorâncias, preconceitos e segregações, compartilhavam de uma bela
amizade. Eram grandes amigos. Eram sinceros amigos. Só não compreendiam o
porquê de precisarem esconder a realidade dos olhos invejosos, maldosos e perversos.
A baronesa sabia.
A mãe do escravo também sabia.
Mas concordaram em esconder a verdade. Não foram capazes de afastar duas
ingênuas crianças que só almejavam união. Não foram capazes de combater a
humanidade que permeava ambos os corações. Não seriam as responsáveis por
decepções evitáveis. Não colaborariam para que a prepotente arrogância humana
colecionasse mais vítimas.
O tempo se passou.
Os dias correram.
Mas o sentimento não acabava, ao contrário, se intensificava e atribulava as
pobres mães que não tinham forças para descobrir o véu da crueldade. Porém a
verdade se manifestou, os adolescentes viram que entre eles havia um abismo enorme,
uma diferença gritante, não eram da mesma classe, não faziam parte do mesmo
grupo, eram proibidos de viverem como iguais.
Contudo o preconceito não era mais forte que a amizade genuína que os
envolvia, não foi empecilho para que permanecessem naquele saudável
relacionamento, para eles não existiam diferenças, pouco importava a falsa soberania
que uns sentiam possuir sobre outros. Recusaram-se às falácias, consideravam-se
iguais.
A adolescência. Foi na adolescência que Arthur descobriu outra verdade em um
dos encontros secretos com sua melhor confidente. Estavam à beira do riacho, jogando
pedras sobre o rio, assistindo-as saltitarem sobre a superfície da água, quando o
escravo, com tantos sonhos aprisionados em seu peito, teve os olhos descamados,
abertos, descobriu o amor.
— Vale mesmo a pena correr tantos riscos por alguém como eu? — lançou a
inesperada indagação, encarou os olhos castanhos firmemente, esperaria por uma
decisiva resposta —. Meu povo é visto como inferior, é tido como nojento, faço parte
dele, sei que tais afirmações não passam de mentiras e jamais o negarei, nunca
deixarei aqueles que fazem parte de mim e nem esconderei quem sou. Mas e você?
48 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Por que insiste nisso? É livre para escolher caminhos melhores, é livre para evitar
atritos com aqueles que nos torturam. Por que não se veste de sensatez? — as palavras
soaram diferentes, estavam firmes, frias, precisavam ser assim.
Sofia refletiu sobre cada questionamento. Entendeu a colocação do querido
amigo, compreendia suas insatisfações, concordava que injustiças impiedosas o
cercavam fervorosamente. Mas não o perderia, nunca, nem que perdesse a vida.
— Conhecemo-nos por tempo suficiente para que soubesse que não me
contamino por pensamentos medíocres, ditados por homens oportunistas que à custa
dos outros procuram por sua própria ascensão — observava o semblante atento,
observava-o de forma diferente, não via mais Arthur como amigo de infância, aquele
menino destemido com o qual vivera tantas aventuras, a visão era outra —. Sempre
defenderei a dignidade do ser humano, se ainda não iniciei a luta por libertar o seu
povo é por não me sentir preparada, mas não há uma noite que eu me deite, procure
pelo sono e deixe de lamentar a perversa realidade à qual foram obrigados viver. Não
há sequer uma noite que eu deixe de pensar em como garantir a alguém que tanto
gosto uma vida digna! — descobriu que o sentimento de compaixão que ardia em sua
alma não era consequência de uma amizade infantil, era amor, confessou que o
amava.
O coração do jovem escravo, cheio de tantas incertezas, palpitou forte,
estremeceu surpreso, o sorriso que brotou em seus lábios eram de um alívio
prazeroso, uma libertação almejada.
— Mas meus questionamentos não acabam aqui, há um sentimento maior, uma
força que me oprime todos os dias e eu preciso confessar meu segredo —
impulsionado, conteve as delicadas mãos de Sofia, sentiu-se embriagado naquele
momento revelador —. Foi amizade, foi intensa e foi verdadeira, foi o que nos
aproximou a cada dia e fortaleceu nossos laços, mas há muito deixou de ser uma
simples amizade, há muito me sinto diferente quando ouço sua voz, estou apaixonado,
mais que isso, estou amando, preciso saber se é capaz de me aceitar...
A felicidade estampada na face da sonhadora garota entregava sua resposta,
declarava seus intentos, talvez aquele sentimento fosse recíproco.
— Demorou demais para que percebesse o mais visível dos segredos, talvez
tenhamos escondido de nós mesmos, negamos em nossos próprios corações a verdade
que nos aflige, mas não há o que negar, não há o que recusar e nem adiar. Quem pode
contra o coração? — seu olhar lacrimejado não desviava de Arthur, alguém que se
revelava seu maior tesouro —. É claro que o aceito, mas essa não é a questão, você me
aceitaria sabendo o preconceito que me cerca? Estaria disposto a lutar ao meu lado?
As palavras não foram reveladas.
O beijo intenso e desejoso falou por elas.
Os dias se passaram.
Os planos foram arquitetados.
Mas por um descuido fatal foram descobertos, oprimidos e presos, escondidos da
sociedade, escondidos dos olhos abertos, fadados a aguardarem por um julgamento
que os condenaria pelo crime de amar.
Não queriam se separar.
Não suportariam viver sem que ao lado tivessem o amor.
49 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Encararam-se.
Deitaram-se um sobre o outro.
E morreram.
Eternizaram-se tragicamente, alcançaram seu desejo e se libertaram de
opressões injustas, covardes, mesquinhas. Mas os opressores seriam punidos por
matarem o amor.
50 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Vazias de Amor
Dizem que nada pode durar para sempre, que as coisas mudam, desaparecem e
perdem seu gosto. Dizem que as pessoas enjoam do que conquistam e deixam de lado
tudo aquilo que para elas já não possui valor. Dizem até que o amor pode chegar ao
fim.
Discordo. Não acho que o amor seja tão comum, tão usual quanto os valores
terrenos ao ponto de se esgotar, de perder seu prestígio, de perder o seu brilho e o seu
sabor em nome do desgaste chamado tempo. Para mim o amor é eterno.
Ao contrário de Deus, que depende apenas Dele mesmo para se eternizar, o
amor depende do interesse, da retribuição, da manutenção, da valorização daqueles
que se dispuseram a vivê-lo. O problema é que ninguém quer se esforçar, ninguém
analisou ainda que é a partir do esforço que conquistamos os maiores valores, e depois
reclamam, insultam a nobreza de um sentimento precioso, dizem que por sua causa
sofreram amargamente.
Fui acompanhado pelo amor desde a juventude. No ápice da adolescência,
naquele momento de experiências e descobertas, quando nossas mentes constroem o
cenário do Futuro e as cenas do Porvir, apaixonei-me perdidamente por uma garota
especial. Ela era linda! Sua fala sutil envolvia meu coração, seu toque sublime era
conforto à minha alma. Se em um primeiro momento me vi preso por sua beleza
exterior, descobri que seu interior era ainda mais belo... Eu não era um simples
apaixonado, era um amante enlouquecido.
Acham que foi fácil conquistá-la? Entendo vocês, pobres jovens, mirados por
tantos medos, pensar que se assumisse meus sentimentos à Helena causaria seu
afastamento amedrontava esse velho que vos escreve, mas o desejo era forte, a vontade
de tê-la somente para mim se tornava insuportável, no dia em que a beijei
amorosamente e arrisquei todo o Futuro fiz uma descoberta inigualável: meus anseios
também eram os dela.
Ah... Nossa época de namoro foi maravilhosa. Se o tempo nos permitisse voltar
atrás nunca mais sairia de lá. Vejo os casais atualmente, quanta frieza, quanta
superficialidade, muitos não amam a pessoa, amam o status, amam o prestígio que é
anunciar “fulano de tal é meu namorado” apenas por beleza ou por riqueza, amam
lotar o famoso e complicado Instagram de fotos desenhando uma vida vazia e fria.
Namorei de verdade e ninguém precisou ficar sabendo, para mim bastava que Helena
soubesse o tamanho do meu sincero amor.
Teme o casamento? Muitos o temem, dizem que é nele que descobrimos a
verdade sobre quem está ao nosso lado, dizem que nele os sentimentos se esfriam. Não
acreditem nessas mentiras, foi o casamento que me deu meus maiores presentes: filhos
queridos, família dos sonhos. Se enfrentei brigas? É claro que sim, a convivência
humana não é fácil, mas nunca me deitei sem pedir perdão. Se eu me incomodava por
assumir a culpa mesmo sendo inocente? É claro que não, a vida é ligeira ao extremo
para perdermos tempo com mágoas, além disso, quantas vezes Helena não fez o
mesmo? Casamento é isso, é uma união, um acordo sagrado, às vezes um cede e em
outras o outro é flexível.
51 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Hoje não tenho mais a minha amada, guardo sua memória, guardo suas doces
lembranças. Orgulho-me por saber que estive ao seu lado mesmo quando ela não
sabia mais quem eu era, mas sei que seu coração nunca me esquecera. O que
concluo? Hoje ninguém mais quer amar, ninguém mais se importa em fazer o outro
feliz, o amor tem sido trocado por aventuras e os seres humanos têm se vendido por
tão pouco... O resultado? Pessoas vazias, vazias de amor!
52 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Acorrentados
Há muitos anos, em uma sociedade com rígidas e resistentes regras, existia uma
jovem chamada Luara. Filha do mais poderoso barão, cobiçada pelas mães de tantos
rapazes predestinados a assumirem os negócios de suas famílias, era também alguém
de revolucionário coração que, cansado das ordens injustificáveis, anseia por alterar
tudo que foi construído ao longo das gerações.
Mas como combater?
Como deixar de ser vista como mero objeto nas mãos de homens opressores e
arrogantes? Como convencer as caladas mulheres quanto aos direitos e à dignidade
que mereciam apalpar? Como se levantar diante toda uma civilização escrava de
discursos dominadores e ultrapassados?
Sentia-se fraca diante enorme desafio.
Até conhecer o formoso, gentil e humilde Lucas.
Apesar de conhecerem a lei que os governava, os jovens apaixonados não
ousaram confrontar o imbatível amor que entre eles nascia e os envolvia, seria inútil,
cansativamente inútil buscar fugir do inevitável.
Entregaram-se aos sentimentos.
Deixaram-se levar pelas muitas e intensas emoções.
A cada dia suas almas se conectavam mais e mais.
Porém, o mesmo amor que nos fortalece e enche de coragem para que vençamos
quaisquer estigmas, é o que nos impossibilita de imaginar as consequências das
escolhas que fazemos em nome de um sentimento tão devastador quanto ele.
Esqueceram-se de que forças fatais os rondavam.
Subestimaram a capacidade dos maldosos em descobrirem o romance que tão
intensamente às escondidas viviam.
Augusto, o terrível barão, não demorou a descobrir os passos da filha que
prometera a uma família influente, jamais voltava atrás em seus acordos e em
nenhuma hipótese permitiria que o forçassem a posturas contrárias ao que
previamente firmou. Evitou escândalos e discussões, evitou revelar o que sabia, apenas
marcou um jantar no qual oficializaria o destino da jovem mulher.
— Não há mais o que esperar, nossos filhos são dois adultos e nem vimos o
tempo passar, é chegada a hora de combinarmos o casamento — sem qualquer
cerimônia o barão informou sua decisão —. Luara, eis o seu esposo.
À mesa, ninguém questionou, ninguém se quer vestiu um semblante de espanto,
pena ou repulsa, reagiram da forma mais passiva e conformada possível, afinal,
sempre foi daquele jeito, sempre os homens ditavam a vida de suas mulheres tidas
como simplórias propriedades.
Lembrou-se de Lucas.
A revolucionária, pela primeira vez e para espanto dos presentes, levantou-se
bruscamente, encarou o pai com severidade, desafiaria o ultimato patriarcal, agrediria
os valores de uma sociedade estagnada.
53 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
— Quando fui questionada quanto a minha intenção de casar-me? Em nenhum
momento! Por qual razão acreditou que decidiria algo tão importante que diz respeito
somente a mim?! Recuso-me a continuar no silêncio. Viver infeliz jamais será o meu
propósito!
— Aconselho que reavalie suas palavras e procure ouvir o que diz antes de
pronunciar qualquer fala, não pedi sua opinião, que manifeste seus pensamentos,
apenas comuniquei algo que tenho todo o direito de decidir e não será você quem
mudará isso!
— Sempre há uma primeira vez para tudo, o que nunca imaginei é que seria a
primeira a contestar suas ordens, não haverá casamento e se não quiser ser motivo de
falatórios por conta do escândalo que causarei, acatará minha decisão! — lançando os
talheres sobre a mesa deixou o ambiente, ficou o silêncio e a surpresa naqueles que
assistiram à cena tão anormal.
O barão, no entanto, jamais se rebaixaria às ordens de uma mulher, nem que
fosse a própria filha, alguém que compartilhava do seu sangue e não pouparia
esforços até que suas determinações fossem fervorosamente seguidas.
Adentrou os aposentos de Luara tão logo os convidados se retiraram.
Encarou-a diretamente nos olhos.
— Dê-me um bom motivo para reconsiderar meus conceitos — a voz grave
soou aos ouvidos sensíveis.
— Dizer que a vida pertence a mim e que, portanto, sou dona dos meus próprios
caminhos não é o bastante? — não se intimidou, falou ao pai de igual para igual.
— Lembra-se de quando me viu caçar e do quanto implorou para que eu
poupasse a vida de um simples e inofensivo coelho? — o barão trouxe à tona uma
antiga lembrança.
— É claro...
— Não queira assistir ao mesmo evento outra vez, garanto que já não atenderei
ao seu clamor e o seu bichinho adorável será privado de ver o dia amanhecer —
apertou a perna da filha com força o bastante para lhe causar angústia, deixar seu
aviso —. Sabe do que estou falando, meus olhos tudo percebem e meus ouvidos tudo
escutam...
A ameaça estava feita.
A perigosa ameaça.
Lançando pedras sobre o rio e vendo-as afundarem tão logo tocavam a
superfície da água, Lucas escutou os passos sobre as folhas caídas ao redor da mata,
aguardava por eles, não hesitou em receber a amada com o beijo quente de todos os
encontros.
Ciente de que aquela era a última demonstração de afeto, Luara se entregou aos
lábios do galanteador rapaz, até que se afastou bruscamente, empurrou o amante para
trás e, com os olhos marejados, proferiu as palavras que pensou nunca declarar.
— Temos que nos separar...
Lucas não compreendeu de imediato, encarou a mulher pela qual se apaixonara
exibindo confusão no olhar, como duas pessoas que se amavam daquela forma teriam
que se afastar de repente? Seria isso possível? Claro que não!
— Por que disse isso?
54 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
— Se quiser continuar vivo terá que me abandonar... — não resistia aquela
insuportável distância, rendeu-se ao abraço afetuoso e protetor do único capaz de lhe
garantir segurança e paz, permitiu que as lágrimas caíssem bruscamente —. Ele
exigiu que me casasse com alguém que nem conheço, sabe sobre nós e prometeu que
o machucaria se eu me recusasse às suas ordens. Não suportaria essa culpa. Não
sobreviveria sabendo que sofreu alguma dor por me amar. Prefiro vê-lo vivo, nem que
para isso precise renegar minha própria felicidade!
O jovem comerciante, alguém de espírito trabalhador e coração aplicado,
apertou o que poderia ser o derradeiro abraço, intensificou-o, sentiu as lágrimas
densas molharem sua camisa.
Mas não desistiria daquele amor.
E se Luara o amasse de verdade também não desistiria.
— Pode parecer loucura, uma decisão difícil de escolher, mas tenho a solução.
Se aqui não podemos nos unir que outro lugar nos conceda essa dádiva! Estou disposto
em fugir com você e cumprir a mais importante das promessas que fiz, fazê-la a mais
realizada de todas as mulheres!
Partir a destinos desconhecidos, deixar para trás uma história vivida, afastar-se
de pessoas que valiam à pena. Tudo isso pesou no coração da jovem mulher que não
se deixou abalar por inseguranças, queria ter o amor de Lucas, desejava amá-lo por
todo o sempre. Ciente de que sua escolha a forçaria a importantes renúncias, a filha
do temido barão aceitou a proposta, quem sabe um dia teria a chance de retornar e
mostrar o quanto era feliz? Naquele momento o que de fato importava era viver seu
maior sonho.
Na calada da noite, quando todos deveriam estar rendidos ao cansaço, Luara
escalou as paredes da fazenda, libertou-se da prisão que a impossibilitava de uma vida
plena.
À cavalo, Lucas a aguardava.
Cavalgariam contra o vento.
Partiriam rumo ao amor.
Tão logo adentraram a estrada ouviram disparos violentos.
Assustado, o animal passou a ignorar os comandos do cavalheiro, penetrou a
mata à procura de refúgio, quando finalmente se acalmou voltou a dar atenção às
investidas de seu dono.
Luara gemia.
Suas vestes estavam manchadas.
Seu corpo tremulava e suava.
Enfraquecia.
Fora atingida.
Com a ajuda do lampião que garantia luz em meio à escuridão, Lucas acolheu a
namorada em seus braços, sentou-se sobre a relva, repousou o corpo que desfalecia
em seu colo, identificou que o disparo fora direto ao peito da amante, um disparo que
deveria tê-lo atingido.
— Precisamos voltar... — contra sua vontade as lágrimas rolavam desesperadas
—. Você precisa de um médico!
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por Amilton Júnior
— Não, não há o que fazer... — com dificuldade para respirar, Luara abriu um
sorriso gentil, seus olhos se esforçavam por contemplar o rosto do bondoso rapaz, a
última visão que teria —. Não daria tempo... — gemeu pela fisgada que sentira.
— Precisa ser forte! — tentou erguer a jovem, mas ela já não conseguia reagir
—. Precisa continuar ao meu lado...
— E eu estarei... — tocou o peito do estimado guerreiro, alguém que nunca a
decepcionaria —. Não deixe de acreditar no que vivemos e ajude outras pessoas a se
libertarem da opressão, sabe que esse sempre foi o meu sonho, ser livre, livre para
amá-lo... — as mãos frias tocaram o rosto molhado por lágrimas, era o derradeiro
toque —. Partirei feliz...
A mão perdeu sua força.
Angustiado, Lucas deitou-se sobre a mulher.
Jurava vingança em meio ao pranto.
Unir-se-ia a tantos outros injustiçados para que as correntes fossem
arrebentadas.
56 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Sorriso Fatal
O pintor agachado se levantou tranquilamente com as mãos ensopadas pelo
líquido vermelho, parecia ter derramado toda a tinta sobre o carpete, uma forma
estranha de exercer o adorável talento. Ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven, como se
regesse para a volumosa e enérgica orquestra que com tanto afinco executava cada
importante figura musical expressa na admirada partitura, o artista não usava pincéis,
sua arte era feita com as próprias mãos, os dedos davam a liberdade para que sua
imaginação fosse expressa.
A pintura abstrata não fazia sentido a quem contemplasse.
Porém, para o focado pintor, era mais que uma perfeita obra, ali eternizava a
história de alguém.
Antes de tudo...
Jake Summers era um homem absurdamente sedutor, ao ponto de causar ciúmes
em muitos amigos e êxtase em tantos admiradores. Seu porte atlético e seus olhos
vorazes juntavam-se à forma desleixada de pentear os fios castanhos, parecia não se
importar com a aparência, porém a pele invejavelmente lisa e bronzeada derrubava
por terra tal hipótese.
Mas não era apenas um rostinho atraente.
Destacava-se como o mais talentoso TI da região, bastante requisitado por
empresas poderosas, o trabalho independente lhe garantia a vida de conforto muito
cobiçada.
Tinha um defeito.
Como tantos outros de seu naipe.
Não dispensava as oportunidades para uma noite de lascívia e quando se atraía
por alguém não sossegava enquanto não o experimentasse.
Na atual empresa para a qual prestava serviços não foi diferente, seus olhos se
voltaram à gerente, viu-se perdidamente desejoso por ela, precisava possuí-la,
necessitava satisfazer seus anseios, encontrar a parte que lhe faltava.
Jessica Taylor era uma mulher confiante que com coragem assumiu um dos
postos mais altos, embora muitos acreditassem que a beleza exuberante fora a
responsável por tão invejável ascensão, mas ela sabia que não, cada conquista
abraçada envolveu muito esforço e dedicação.
A morena de longos cabelos não economizava no perfume, passava e deixava
rastros, aproximava-se e já alarmava os curiosos encantados, fazia fechar o cenho
daqueles que a tinham por rival. O olhar cativante esbanjava beleza rara, as íris que
mais pareciam um par de esmeraldas colocadas como ornamentos na face sutil
chamavam ainda mais atenção.
Contudo, nos últimos dias, vinha sentindo-se cansada pela correria do trabalho,
pelo peso das muitas responsabilidades e dos diversos problemas que recaíam sobre
57 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
suas costas. Sentia falta de ter um tempo para se divertir, esvaziar a mente, tempo que
parecia impossível de recuperar.
— Está atrasada! — seu superior a importunou no escritório —. Eu falei! Falei
que seria um erro dar a vaga de gerente a uma... — pressionou fortemente os lábios.
— A uma mulher? — Jessica concluiu —. Agora entendo qual estratégia tem
utilizado, como fui ingênua! — sorriu indignada —. É só mais um machista frustrado,
não aceita que mulheres ocupem cargos de liderança e me sobrecarregou na intenção
de provar seus argumentos! — encolerizou-se —. Pois então terá que encontrar
alguém com o mesmo talento e empenho, reconheço meu valor e garanto que não será
fácil me substituir! — saiu da presença do homem de mente tão ultrapassada sem
poupar força ao bater da porta, se por um lado sentiu alívio em saber que se livrava
do lugar que já não lhe garantia prazeres, por outro temia não conseguir novas
oportunidades. Preocupar-se-ia com isso depois, queria relaxar.
O que ninguém sabia era que dos olhos atentos de Jake nada escapou.
Quando fora a última vez que se sentou num banco como aquele rodeado por
flores e crianças que não se cansavam de agredir suas gargantas? Ele não sabia dizer,
mas repetia a si mesmo que um dia apenas não o mataria, o perfume das rosas não o
intoxicaria e os gritos infantis não sangrariam seus ouvidos, porém algo excepcional
com certeza teria início.
Fingindo ler o livro que falava sobre representatividade feminina, Jake lançava
olhares discretos ao banco que dele se distanciava no comprimento de outros três.
Observava aquela que em silêncio tinha os pensamentos cercados pela música que
somente ela conseguia ouvir. Parecia refletir. Parecia desejar por alívio. O alívio que
ele daria.
Era o momento certo.
Desejava-a. Era seu novo desafio. Sua nova motivação.
A passos tranquilos, como sempre se comportava, o belo rapaz aproximou-se da
moça atraente, sentou-se ao seu lado sem nem ao menos ter sido convidado, não
achou que fosse algum problema.
Curiosa, Jessica abriu os olhos, encarou o intrometido como se quisesse indagá-
lo, mas se calou ao assistir o brilho do sorriso alinhado, perdeu-se por alguns
instantes, há muito tempo não se encontrava com alguém que não fizesse parte do
mundo profissional que a afogava.
— Aposto que esteja meditando sobre como chegou até aqui, como foi difícil e o
quanto ainda sonha com futuras conquistas, mas se me permite dizer, mulheres como
você alcançam qualquer sonho — a voz arrastada soou sensual aos ouvidos sensíveis,
as palavras soaram surpreendentes —. É o que diz aqui — exibiu a capa do livro —.
Acredita nisso?
Jessica abriu o próprio sorriso, surpreendeu-se por encontrar alguém
interessado em assuntos tidos como feministas, ainda mais por ser alguém como o
homem desconhecido.
— Acredito que somos muito mais do que pensa ou determina a sociedade, mas
não é tão fácil demonstrar, somos subestimadas... — reclamou, alcançou liberdade o
bastante para reclamar algo que a incomodava.
— Problemas no trabalho?
58 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
— Esse é o pior lugar para se lutar contra machistas...
— E acha que desistir é o caminho?
— Desistir? — estranhou o questionamento que definia sua decisão, tinha
mesmo desistido, mas como o rapaz insuportavelmente bonito descobrira?
— A esse horário, mulheres vestidas como você estão enfurnadas no escritório
assinando papéis e preenchendo planilhas, não perdem tempo em parques — insistia
no jeito arrastado de discursar e no modo embriagante de proferir palavras entre o
sorriso galanteador, controlava-se para não ceder aos impulsos de revelar à morena
sensual a forma como a queria, não por enquanto —. A menos que tenha percebido
que a vida é muito mais do que dias a fio atrás de uma mesa e que merece ser vivida
plenamente — levantou-se estendendo a mão —. Por que não aproveitar esse
pensamento e recomeçar?
Parecia bom demais para ser real.
Jessica decidiu desfrutar do sonho antes que fosse desperta.
Entregou-se à mão ofertada.
Talvez se arrependeria de ter encarado a realidade como uma boa fantasia.
Odiava aquele lugar, detestava aglomerações, o som de pessoas falando
inesgotavelmente como se os assuntos nunca chegassem ao fim, não entendia como
aquilo era possível, sempre procurou objetividade nas palavras exceto quando
precisava conquistar alguém como a companheira, aí se transformava num poeta que
ansioso por ser escutado recita seus versos nas praças.
Caminharam pelo parque.
Sorriram despreocupados.
Distraíam-se quanto à vida.
Ao menos para Jessica tudo era despretensioso, Jake, no entanto, sabia
exatamente a qual objetivo correr.
— E, então, valeu à pena? — o sol se escondia, Summers se despedia de sua
presa, permitiria que ela partisse, ao menos por agora, tinha paciência.
— Muito... — seduzida pelo bom papo, conquistada pela inegável boa presença,
a mulher cedia aos encantos do predador como uma ovelha inocente confia no lobo
—. Às vezes tudo de que precisamos é que alguém nos entenda e encoraje a seguirmos
nossos planos...
— Quer dizer que quer ser entendida? — trouxe a desejada morena para perto
de si, exalou o perfume amadeirado com maior intensidade, Jessica pôde sentir o calor
que dele emanava, Jake teve a certeza de que fazia mais uma vítima —. Sempre
haverá alguém que nos entenda... — beijou-a fortemente, acariciava suas costas
sedento por algo mais, provocou na mulher cegada por aparências um desejo
inconsequente. Afastou-se ofegante. Contemplou surpresa no olhar esverdeado —.
Posso estar disposto a entendê-la — partiu deixando e sentindo vontades.
As semanas se passaram, os encontros foram frequentes e os sentimentos se
mostravam cheios de intensidade, um desejava ao outro, mas apenas um confiava no
outro.
Marcaram um jantar.
Na casa de Jake.
59 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
O especialista em assuntos de informática organizou o ambiente como assistira
em filmes românticos que tantas vezes fora obrigado a assistir com suas parceiras, o
curioso era que nenhuma delas permanecia ao seu lado, mas isso ele explicava
facilmente: não as amava como era amado, apenas ansiava por satisfazer seus desejos
carnais.
Não amava Jessica.
Como nunca amaria ninguém.
A campainha tocou.
Ajeitando os fios espalhados sobre a testa, aprumando a camisa social que vestia,
sentindo o próprio hálito e certificando-se de que estava agradável, o anfitrião abriu a
porta, contemplou a morena coberta pelo vestido marsala que destacava suas curvas,
modelava seu corpo e guiava os olhos vorazes a um ponto específico. A sedução
envolvia aquele casal.
— Você está linda... — elogiou com a voz quase ofuscada, seus pensamentos
lascivos o enlouqueciam —. Mais que todos os dias... — tocou a mão quente, trouxe
sua convidada para dentro.
— É muito gentil... — apercebida, encantou-se pela perfeita arrumação, pelas
velas que iluminavam a mesa, pelo aroma sensual que envolvia a casa e pelo perfume
ardente que do rapaz era sentido —. Não precisava de tudo isso.
— Ainda é pouco... — Jake curvou-se para beijar o rosto de Jessica, inalou o
doce perfume, segurou-a pela cintura e não conteve o impulso de farejar seu pescoço.
Fechando os olhos, suspirando como se as forças lhe faltassem, a morena
pressionou as costas do homem sedutor, senti-lo era uma sensação estonteante, algo
que não conseguiria explicar por palavras simples e usuais.
Finalmente dominava sua presa, tinha-a em suas mãos, vulnerável a qualquer
violento ataque. Abriu o zíper do vestido apertado, despiu-a exibindo todo seu anseio
por aquele momento de puro prazer. Era o que a mulher também queria. Não hesitou
em desabotoar a camisa colada ao corpo másculo arrebentando seus botões, seu corpo
estremeceu ao tocar a pele tão bem cuidada.
Jogaram-se no sofá.
O clima esquentava furiosamente.
Em algum momento Jessica pareceu distante, como se não respondesse às
investidas românticas daquele que sedento por ela a beijava calorosamente, talvez
refletisse sobre o quão insano era se entregar a quem conhecera em tão poucas
semanas, tinha medo de sofrer.
Summers percebeu.
Precisou conquistar completamente aquela que jamais deixaria sua vida.
— Eu te amo... — sussurrou firme, fez a morena se render ao momento de
intensa luxúria, quando dois corpos se complementam e se rendem ao deleite.
O jantar ficaria para depois.
O que começou na sala terminou no quarto.
Exausto, Jake se virou para o lado, não queria nenhum contato com a parceira,
nenhum vínculo, já alcançara o que queria e o que parecia um desejo incontrolável se
transformou em desinteresse.
60 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
Mas ela jamais suspeitaria que não representava mais do que um objeto àquele
que lhe lançava palavras tão belas. Aproximou-se do namorado. Abraçou-o com
carinho.
No meio da madrugada, os olhos vorazes se abriram.
Jake se levantou, entrou no ateliê cheio de quadros, cada um com um nome
escrito no rodapé, todos com gravuras vermelhas e abstratas, procurou por uma tela
em branco, levou-a até à sala, sentou-se com o tronco nu e encarou-a com se
pensasse na próxima arte que desenvolveria, na vida que daria ao plano inanimado.
Da estante, escolheu seu disco preferido intitulado como 9ª Sinfonia de
Beethoven.
Permitiu que o toca-discos, no meio da madrugada, fizesse soar a conhecida
melodia pela casa.
— Também é pintor? — Jessica, que deveria ter fugido, ou melhor, que jamais
deveria ter cruzado o caminho de alguém como Jake Summers, adentrou a sala e
encontrou o homem pensativo —. O que mais não sei sobre você?
— Há muitas coisas que não sabemos sobre muitas pessoas, isso pode ser um
problema dependendo do ponto de vista.
— Gostaria de saber mais... — sentou-se no sofá, estava apaixonada demais para
ver a verdade, o amor cega fatalmente.
— Tudo bem, terá o direito de me fazer uma única pergunta e então responderá
a minha — desviou a atenção do quadro para a morena, não a via mais com paixão,
encarava-a como um analista disposto a desvendar os mistérios mais obscuros de
quem se permite a isso.
— Qual o seu maior dilema? Parece tão confiante, tão seguro, mas qual é o
desafio que enfrenta todos os dias?
— Uau! — forçou o sorriso sedutor, o que fora dirigido a tantas outras, o que
arruinou a história de várias —. Não sei quem eu sou — respondeu seriamente —. É
como se esse corpo não me pertencesse, é como se a vida não me importasse, então
procuro nas pessoas a minha essência, o que chamam de outra metade, aquilo que me
completaria e me daria uma identidade, diria quem sou...
— Encontrou isso comigo?
— Tinha direito a somente uma pergunta — falou calmo, respeitando as regras
do jogo —. Quanto a você, quero saber qual é o seu maior medo, quero que me conte
o que mais teme, quero ser aquele que a salvará de todos os males e talvez isso
responda ao seu questionamento.
Sentiu-se amada.
Tinha certeza, era a outra metade de Summers.
— Tenho medo de que coisas boas como a que aconteceu hoje um dia terminem
e fiquem apenas na lembrança, tenho medo de ter que dar adeus e não receber a
mesma importância que dou àqueles que entram em minha vida, tenho medo de ser
esquecida...
— E se eu prometer que a eternizarei? — ajeitou a tela disposta a receber seus
traços.
— Não era apenas uma pergunta? — sorriu esperta.
61 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
— Não quer ser eternizada? — caminhou até a namorada, passos serenos —.
Não quer ser lembrada para sempre? — encarou-a direto nos olhos, seu sorriso não
era mais sedutor, era perverso, era fatal —. Posso garantir isso a você — segurou com
força as mãos que por seu corpo passearam —. Aceita? — a música encaminhava-se
ao ápice.
— O que quer dizer? — confundiu-se.
— Quero dizer que não, mais uma vez não encontrei a minha outra metade —
tirou do vão do sofá o canivete afiado, reluzente, nem a luz fraca impedia seu brilho
de ser refletido. A orquestra se agitou —. Infelizmente... — cortou, em um movimento
ligeiro, a garganta de sua vítima. Instrumentos de corda tiniam seu sonido,
instrumentos de sopro pareciam receber todo o fôlego de seus tocadores.
Assustada, levando as mãos ao pescoço, desesperando-se pelo sangue que
jorrava às suas mãos, Jessica estalou os olhos, tentava gritar, pedir ajuda, tudo que
conseguia era contemplar os olhos obscuros estampados na face sombria.
Engasgou.
Passou a tossir compulsivamente.
As pernas fraquejaram.
Já não sentia o próprio corpo.
As vistas se escureceram.
E a morte a tragou.
Jake apreciou cada minuto da trágica cena, algo acostumado a assistir, algo que
por muito tempo ainda assistiria.
O pintor agachado se levantou tranquilamente com as mãos ensopadas pelo
líquido vermelho, parecia ter derramado toda a tinta sobre o carpete, uma forma
estranha de exercer o adorável talento. Ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven, como se
regesse para a volumosa e enérgica orquestra que com tanto afinco executava cada
importante figura musical expressa na admirada partitura, o artista não usava pincéis,
sua arte era feita com as próprias mãos, os dedos davam a liberdade para que sua
imaginação fosse expressa.
Deu um passo para trás.
Sujou novamente as mãos com o sangue que inundava o carpete.
No rodapé escreveu o nome de Jessica.
— Está eternizada! — a música acabou.
62 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição
por Amilton Júnior
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