1 Pedro - Comentário (Hernandes Dias Lopes)

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\\y_ COMENTÁRIOS EXFOS1T1VOS HAGNOS Hernandes Dias Lopes 1PEDRO Com os pés no vale e o coração no céu

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LIVRO

Transcript of 1 Pedro - Comentário (Hernandes Dias Lopes)

  • \ \ y _C O ME N T R I OSE X F O S 1 T 1 V O SH A G N O S Hernandes Dias Lopes

    1 PEDROCom os ps no vale e o corao no cu

  • Hernandes Dias Lopes

    1 PEDROCom os ps no vale e o corao no cu

    hagnos

  • 2012 Hernandes Dias Lopes

    Reviso Andrea Filatro Carlos Augusto P. Dias

    Adaptao de capa Patrcia Caycedo

    Diagramao Sandra Oliveira

    EditorJuan Carlos Martinez

    l edio - Setembro - 2012

    Reimpresso - Julho - 2013

    Coordenador de produo

    Mauro W. Terrengui

    Impresso e acabamento Imprensa da f

    Todos os direitos desta edio reservados para:

    Editora Hagnos

    Av. Jacinto Jlio, 27

    04815-160 - So Paulo - SP - Tel/Fax: (11) 5668-5668

    h ag n o s@ h a g n o s .c o m .b r - w w w .h ag n o s .co m .b r

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) ______________________ (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)__________________

    Lopes, Hernandes Dias

    1 Pedro: com os ps no vale e o corao no cu / Hernandes Dias Lopes. So Paulo: Hagnos,

    2 0 1 2 .

    ISBN 978-85-7742-110-7

    1. Bblia. N . T. Epstolas de Pedro - Crtica e interpretao 2. Palavra de Deus (Teologia)

    3. Vida Crist 1. Ttulo.

    12-08105_______________________________________________________________ CDD-227-9206

    ndices para catlogo sistemtico:1. Cartas de Pedro: Novo Testamento: Interpretao e crtica 227.9206

    2. Epstolas de Pedro: Interpretao e crtica 227.9206 3. Pedro: Epstolas: Interpretao e crtica 227.9206

  • Dedicatria

    D e d i c o e s t e l i v r o ao presbtero Oto Jairo Lopes Vargas, homem crente, amigo fiel, irmo precioso, cooperador incansvel, bno de Deus em minha vida, famlia e ministrio.

  • Sumrio

    Prefcio

    1. Introduo Primeira Carta de Pedro(IPe 1.1,2)

    2. Salvao, presente de Deus(IPe 1.1-12)

    3. O estilo de vida dos salvos(IPe 1.13-25)

    4. O crescimento espiritual dos salvos(IPe 2.1-10)

    5. Submisso, um a marca do povo de Deus(IPe 2.11-25)

    6. O relacionamento saudvel entre marido e mulher(IPe 3.1-7)

    7. A vida vitoriosa do cristo(IPe 3.8-22)

    8. Como transformar o sofrimento em triunfo(IPe 4.1-19)

    9. Uma exortao solene igreja de Deus(IPe 5.1-14)

  • Prefcio

    A P r im e ir a C a r t a d e Pedro uma fonte de consolo para os dias sombrios, um blsamo do cu para os que caminham pelos vales escuros da vida e um tnico espiritual para os que sofrem injustias e so fuzilados pelo vendaval da perseguio. Pedro escreve para os cristos perseguidos, desterrados e espoliados da sia Menor. Mesmo perdendo suas casas, suas terras, seus bens e sua liberdade, esse povo caminhava com os ps no vale, mas com o corao no cu. Mesmo suportando o fogo da perseguio, esse povo era inundado por uma alegria indizvel e cheia de glria.

    A alegria do povo de Deus no provm das riquezas deste mundo nem

  • 1 P edro Com os ps no vale e o corao no cu

    do reconhecimento das autoridades. Ao contrrio, essa alegria a despeito das perdas e da perseguio. No uma alegria fabricada na terra, mas derramada desde o cu. No uma alegria produzida pela prosperidade material, mas resultado da herana celestial.

    Pedro mostra que a herana da vida eterna desemboca numa vida santa aqui e agora. O povo de Deus chamado para expressar no mundo o carter santo do Deus a quem serve. A igreja o povo eleito de Deus, o santurio de Deus, as pedras vivas do santurio. A igreja um reino de sacerdotes e ao mesmo tempo o rebanho de Cristo.

    Uma das nfases mais importantes desta epstola a atitude humilde, reverente e submissa com que a igreja deve portar-se no mundo. Devemos ser submissos a Deus e s autoridades constitudas. A submisso deve estar presente no ambiente de trabalho e tambm na famlia. A submisso dos cristos liderana da igreja e o pastoreio exemplar dessa liderana so destaques desta missiva apostlica. Deus resiste aos soberbos, mas d graa aos humildes. No reino de Deus, ser grande ser servo de todos.

    O apstolo Pedro deixa claro que a vida crist no indolor. O sofrimento faz parte da jornada do peregrino rumo ao cu. A cruz precede a coroa, e o sofrimento o preldio da glria. Aqui somos estrangeiros e forasteiros. No temos ptria permanente aqui. No temos residncia fixa aqui. Estamos a caminho da nossa Ptria celestial. Nossa Ptria est no cu. Nossa herana imarcescvel est no cu. Nessa viagem rumo ao cu teremos de suportar o fogo da perseguio. Da mesma forma que o mundo odiou a Cristo, tambm nos odiar. Esse fogo, porm, s pode queimar nossas amarras. Esse fogo s pode depurar-nos, mas no nos destruir. Estamos seguros nas mos daquele

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  • Prefcio

    que criou o universo. Ele poderoso para nos livrar, nos fortificar e nos fundamentar. Ele o Deus de toda a graa. Vivemos nele, somos dele e caminhamos para ele.

    Leia este livro com a alma sedenta e receba de Deus o mesmo encorajamento que recebi enquanto escrevia este texto!

    Hernandes Dias Lopes

  • Introduo Primeira Carta

    de Pedro(IPe 1.1,2)

    A P rim e ira C a r ta d e Pedro considerada um a carta catlica ou geral. D iferentem ente das cartas paulinas, foi endereada a um grupo m aior de cristos, espalhados por diversas regies da sia Menor. Edm und Clowney entende que esta carta o mais condensado resumo da f crist e da conduta que ela inspira em todo o Novo Testam ento.1 Seu propsito principal est inconfundivelm ente explcito: ... vos escrevo resumidamente, exortando e testificando, de novo, que esta a genuna graa de Deus; nela estai firmes (5.12).

    Vamos destacar nesta introduo alguns pontos importantes.

  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    O autor da cartaH um consenso praticamente unnime de que esta

    epstola foi escrita por Pedro. Assim atestaram os pais da Igreja, os reformadores e todos os estudiosos srios das Escrituras desde as mais priscas eras. Somente alguns telogos liberais, j no sculo 19, colocaram em dvida a autoridade petrina, em oposio s abundantes provas e s insofismveis evidncias documentadas havia quase dois milnios. J nos primrdios da histria eclesistica, os pais da Igreja Policarpo, Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano bem como o historiador Eusbio se referiram a esta epstola como a carta de Pedro.2

    Werner Kummel, em oposio a essas evidncias, diz que a linguagem de 1 Pedro, alm de ser vazada em um grego impecvel, traz citaes do Antigo Testamento originadas, sem exceo, na Septuaginta. Segundo esse escritor alemo, tais caractersticas so inconcebveis para Pedro, o galileu.3 Simon Kistemaker discorda do pensador retro mencionado: tendo como base tanto as evidncias internas quanto as externas, alm das consideraes histricas e estilsticas, aceita 1 Pedro como um livro apostlico escrito por Pedro. Segundo Kistemaker, o ponto de vista tradicional parece ser mais razovel que qualquer hiptese alternativa.4 Estou de pleno acordo com Edmund Clowney, que afirma que a maior segurana quanto autenticidade de 1 Pedro vem da prpria carta. Sua mensagem intimamente ligada aos discursos de Pedro, conforme registrados no livro de Atos.5

    A Primeira Carta de Pedro foi o livro mais antigo e mais unanimemente aceito como autntico. Sua veracidade e autenticidade de Pedro nunca foram contestadas. Tanto a evidncia externa quanto a interna argumentam fortemente a favor da autoria petrina.6

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  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    Pedro foi um pescador galileu, da cidade de Betsaida, irmo de Andr, chamado por Cristo para ser discpulo. Seu nome Simo, em aramaico Cefas, conhecido em grego como Pedro, cujo significado rocha ou fragmento de rocha. Pedro foi escolhido por Cristo como apstolo, e seu nome ocupa sempre o topo dessa lista. Lder natural entre o colgio apostlico, desfrutou com Tiago e Joo lugar de intimidade ao lado do Senhor. Guilherme O rr diz que Pedro foi porta-voz dos doze e figura de proa na igreja primitiva. Enquanto o nome de Paulo mencionado 162 vezes, e os nomes de todos os outros apstolos juntos so citados 142 vezes, Pedro citado nominalmente 210 vezes.7

    Em virtude de um temperamento esquentado, Pedro algumas vezes falava sem pensar, oscilando entre coragem e covardia, entre avanos e recuos. Mesmo tendo negado a Cristo, foi restaurado e poderosamente usado por Jesus para abrir a porta do evangelho tanto a judeus como a gentios. Foi encarregado de apascentar o rebanho de Cristo e fortalecer a seus irmos. Essa missiva o cumprimento desse ministrio que Cristo lhe confiou. Na mesma linha de pensamento, Myer Pearlman escreve: Esta epstola nos oferece uma ilustrao esplndida de como Pedro cumpriu a misso que lhe foi dada pelo Senhor: Tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmos (Lc 22.32).8

    Os destinatrios da cartaPedro escreve aos forasteiros e dispersos do Ponto,

    Galcia, Capadcia, sia e Bitnia, cinco partes do imprio romano, todas elas localizadas na sia Menor (atual Turquia). Os cristos que receberam essa carta eram gentios e judeus. Estavam espalhados e dispersos por uma regio da sia diferente daquela que Paulo alcanou na primeira

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  • 1 P edro Com os ps no vale e o corao no cu

    viagem missionria. Na segunda viagem missionria de Paulo, o apstolo foi proibido de entrar nessa regio e conduzido por Deus at a provncia da Macednia. Agora, aquelas comunidades crists em toda a regio da sia Menor ao norte e a oeste da cordilheira do Taurus recebem de Pedro uma carta de encorajamento. Simon Kistemaker arremata esse assunto: Conclumos, portanto, que Pedro dirige sua carta ao resto da sia Menor que no havia sido evangelizado por Paulo.9

    Que eles eram na sua maioria gentios, depreende-se do fato que Pedro descreve a vida pretrita deles como de ftil procedimento e tambm assegura que no eram considerados povo, mas agora eram raa eleita.

    Pedro usa trs palavras diferentes para descrever seus destinatrios:

    Em primeiro lugar, o termo grego paroikos, cujo significado exilados. Essa palavra descreve o morador de um pas estrangeiro. Um paraikos algum que est longe do seu lar, em terra estranha, e cujos pensamentos sempre retornam ptria. A residncia estrangeira chama-se paroikia, de onde vem nossa palavra parquia.10 Os cristos, em qualquer lugar, so um grupo de pessoas cujos olhos se voltam para Deus e cuja lealdade est mais alm: Na verdade, no temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que h de vir (Hb 13.14). William Barclay diz que o mundo uma ponte; o homem sbio passar por ela, mas no edificar sobre ela sua casa, pois o cristo um exilado da eternidade.11 Na mesma linha de pensamento, Mueller explica que paroikos um termo especfico e tcnico para designar uma classe da populao que, embora residente em determinado lugar, no tinha plenos direitos de cidadania. Assim, a melhor maneira de traduzir paroikos seria estrangeiros residentes.12

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  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    Em segundo lugar, o termo grego dispora, cujo significado disperso. Essa palavra era atribuda aos judeus dispersos por entre as naes, em virtude de perseguio ou mesmo por interesses particulares. Agora, essa mesma palavra atribuda aos cristos, espalhados pelo mundo, devido aos ventos da perseguio. S que a perseguio, porm, em vez de destruir a igreja, promoveu-a. O vento da perseguio apenas espalhou a semente, e cada cristo era uma semente que florescia onde estava plantado.

    Em terceiro lugar, o termo grego eklektos, cujo significado eleitos. Os cristos foram eleitos por Deus desde a eternidade, antes da fundao do mundo. Foram eleitos em Cristo para a salvao, mediante a f na verdade e a santificao do Esprito. Foram eleitos para a santidade e a irrepreensibilidade. Nao fomos ns quem escolhemos a Deus, foi Deus mesmo quem nos escolheu. No fomos ns que amamos a Deus primeiro, foi ele quem nos amou e nos atraiu com cordas de amor. Nosso amor por Deus apenas uma resposta ao amor de Deus por ns. No fomos escolhidos porque cremos em Cristo; cremos em Cristo porque fomos escolhidos (At 13.48). No fomos escolhidos porque ramos santos, mas para sermos santos (Ef 1.4). No fomos escolhidos porque praticvamos boas obras, mas para as boas obras (Ef 2.10). A eleio divina eterna e incondicional.

    A data em que a carta foi escritaSe a autoria de Pedro matria que desfruta de consen

    so entre os eruditos, a data matria de grandes debates. Alguns colocam a carta antes da perseguio deflagrada pelo imperador Nero, e outros a situam aps o incndio de Roma ocorrido em julho de 64 d.C. Robert Gundry,

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    erudito estudioso do Novo Testamento, categrico em afirmar: O tema da perseguio aos cristos, que percorre essa epstola toda, sugere que Pedro a escreveu por volta de 63 d.C., pouco antes de seu martrio em Roma, por ordens de Nero, o que sucedeu em 64 d.C .13 Nessa mesma trilha de pensamento, Warren Wiersbe diz que mui provavelmente Pedro chegou a Roma depois que Paulo foi solto de seu primeiro encarceramento, por volta de 62 d.C. Sendo assim, Pedro teria escrito sua epstola em cerca de 63 d.C .14 Edmund Clowney refora essa tese uma vez que Pedro no cita Paulo em sua carta nem Paulo cita Pedro em suas epstolas da priso.15

    Simon Kistemaker d seu parecer oportuno sobre a data em que a carta foi escrita:

    Aceitamos uma data de redao anterior a 68 d.C., quando Nero cometeu suicdio. De acordo com a tradio, Pedro foi crucificado nas cercanias de Roma nos ltimos anos do governo de Nero. Pelo fato de 1 Pedro ter vrias referncias s epstolas de Paulo, presumimos que Pedro tenha escrito sua epstola depois de Paulo ter escrito as suas. Romanos foi escrito em 58 d.C., quando Paulo terminou sua terceira viagem missionria, e Paulo escreveu Efsios e Colossenses quando passou dois anos (61-63 d.C.) em Roma sob priso domiciliar. Assim, devemos estabelecer a data para 1 Pedro depois da elaborao dessas epstolas na priso.1 s

    Os leitores de Pedro esto passando por um tempo de prova e perseguio. Tal perseguio assumira forma de acusaes caluniosas, ostracismo social, levantes populares e aes policiais locais.17 O fogo da perseguio j se est espalhando hoje, e os cristos deveriam estar preparados para enfrentar esses tempos difceis. Na poca, o simples fato de algum se declarar cristo j era motivo para sofrer

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  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    retaliaes. Os cristos, entrementes, deveriam suportar, com alegria o sofrimento por causa de sua f. Roy Nicholson diz que, com um tom enrgico, Pedro insta os cristos dispersos coragem, pacincia, esperana e santidade de vida diante dos maus-tratos dos seus inimigos.18 Concordo com Edmund Clowney no sentido de que as mesmas tempestades de perseguio que rugiram no passado esto acontecendo hoje. H muitos irmos nossos que sofreram prises e martrios nos pases comunistas e ainda sofrem toda sorte de perseguio religiosa nos pases islmicos e entre os hindus.19

    De onde Pedro escreveu a cartaSomos informados de que Pedro escreveu esta carta da

    Babilnia (5.13). A grande questo saber a que Babilnia se refere Pedro. Havia naquela poca trs cidades com esse nome.

    A primeira era uma pequena cidade que ficava no norte do Egito, onde se localizava num posto avanado do exrcito romano. Ali havia uma comunidade de judeus e alguns cristos, mas pouco provvel que Pedro estivesse nessa regio quando escreveu essa missiva.

    A segunda Babilnia ficava no Oriente, junto ao rio Eufrates, na Mesopotmia. Tambm nessa cidade havia grande comunidade de judeus e certamente nessa poca os cristos j povoavam a cidade. Calvino de opinio que Pedro escreveu esta carta do Oriente, uma vez que Paulo no faz referncia a Pedro em sua epstola aos Romanos nem cita Pedro nas cinco cartas que escreveu de Roma.20

    A terceira Babilnia era Roma. Pedro teria usado o mesmo recurso que o apstolo Joo empregou no livro de Apocalipse (Ap 17.4-6,9,18; 18.10), referindo-se a

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  • 1 Pe dro Com os ps no v a le e o corao no cu

    Roma por meio de um cdigo, em linguagem metafrica. A maioria dos estudiosos, dentre eles os pais da Igreja Eusbio e Jernimo, entende que Pedro escreveu sua carta de Roma e, por se tratar de um tempo de perseguio, preferiu referir-se capital do imprio por meio de cdigos.21 Robert Gundry afirma que os primeiros pais da Igreja entenderam que Babilnia era uma referncia a Roma. Diz ainda que a tradio desconhece a existncia de qualquer igreja em Babilnia da Mesopotmia e nada sabe de alguma visita ali feita por Pedro; todavia, a tradio indica que Pedro morreu em Roma.22 Por outro lado, Guilherme Orr ressalta que h escassa evidncia para substanciar este ponto de vista.23

    E quase impossvel fechar questo nesse ponto. Melhor deixar aberta a questo do local onde estava Pedro ao escrever sua epstola. Holmer chega a escrever: Sobre a poca e o local em que Pedro redigiu sua carta, paira uma incerteza impossvel de eliminar.24

    Caractersticas especiais da cartaA Primeira Carta de Pedro considerada a mais pas

    toral e terna do Novo Testamento. A nota dominante o permanente alento que Pedro d a seus leitores para que se mantenham firmes em sua conduta mesmo em face da perseguio.25

    Myer Pearlman diz que a carta foi escrita para animar os fiis a estarem firmes durante o sofrimento e lev-los santidade.26 De fato, trata-se de uma das mais comoventes peas da literatura do perodo da perseguio.27 Pedro se dirige aos cristos da sia como um verdadeiro pastor que cuida do seu rebanho, obedecendo ao desiderato recebido de Cristo (Jo 21.15-17).

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  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    Algumas caractersticas especiais podem ser notadas nessa epstola, como seguem.

    Em primeiro lugar, a carta tem o melhor grego do Novo Testamento. A Primeira Carta de Pedro foi escrita num grego bastante culto.28 Isso provocou srias suspeitas acerca da autoria petrina. Alguns comentaristas chegam a rejeitar peremptoriamente a autoria de Pedro, uma vez que ele era um pescador galileu, homem iletrado e inculto que no teria condies de usar linguagem to escorreita e imagens to vvidas, no melhor grego da poca.

    Em face desse arrazoado, destacamos algumas ponderaes.

    1. Pedro morava na Galileia, a regio mais influenciada pelo helenismo, ou seja, pela cultura e pela lngua grega. Consequentemente, os galileus falavam o grego e ainda estavam familiarizados com a Septuaginta, a verso grega do Antigo Testamento. Sendo assim, a autoria de Pedro no de todo improvvel. Reforando esse pensamento, Mueller escreve: A Galileia no tempo de Jesus era uma regio mista e bastante cosmopolita. Certo que a influncia helenista l se fazia sentir como em nenhuma outra parte da Palestina.29 Mueller prossegue informando que o grego era linguagem corrente na Palestina no tempo de Jesus, o que valeria especialmente para a Galileia, mais ao norte e mais aberta ao comrcio e cultura, bem como a imigrantes gentios.30 Holmer enfatiza que, para o imprio romano como um todo, a Bblia no era o Antigo Testamento hebraico, mas a Septuaginta. Por essa razo, provvel que Pedro tambm estivesse familiarizado com ela, do mesmo modo que os destinatrios da carta. Um missionrio, porm, utiliza a Bblia que entendida na terra em que atua, nesse caso, a Septuaginta.31

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    2. Pedro diz que escreveu esta epstola em parceria com Silvano (5.12), um dos homens notveis da igreja primitiva (At 15.22). Esse Silvano foi o mesmo Silas que acompanhou Paulo na segunda viagem missionria. Ele era cidado romano e tambm profeta (At 15.32). Bem poderia ser que Pedro fosse o autor da carta e Silvano o seu amanuense.32 Barclay sugere que Silvano foi o agente ou instrumento de Pedro para escrever esta carta.33

    3. O mesmo Esprito que inspirou o contedo da carta poderia ter capacitado Pedro para escrev-la de forma erudita e bela.

    Em segundo lugar, a carta destaca a chegada de um grande sofrimento. Matthew Henry afirma que a principal inteno de Pedro em escrever esta carta foi preparar os cristos para o sofrimento.34 Pedro refere-se ao sofrimento em pelo menos quinze ocasies ao longo da missiva, usando para isso seis termos gregos diferentes.35 O tema sofrimento percorre toda a epstola. As pessoas para as quais Pedro escreve esto sofrendo mltiplas provaes (1.6). Submetidos a uma prova de fogo (1.7), padecem uma campanha de difamao (2.12,15;3.16;4.4).A perseguio aos cristos est crescendo (4.12,14,16; 5.9) e eles no devem ficar surpresos com o sofrimento (4.12). Ao contrrio, devem estar preparados a sofrer por causa da justia (3.14,17) e ser coparticipantes do sofrimento de Cristo (4.13).36 Em virtude do encorajamento que esta carta traz igreja sofredora, Warren Wiersbe chega a descrever Pedro como o apstolo da esperana, enquanto Paulo o apstolo da f, e Joo o apstolo do amor.37

    Os cristos da sia, alm de estarem espalhados pelas provncias romanas no continente asitico, ainda se sentiam sem ptria, sem cho, como peregrinos. A disperso no era apenas geogrfica. Agora, era impulsionada

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  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    tambm pelos ventos furiosos da perseguio. A perseguio atingia os cristos no porque eles praticavam o mal, mas porque praticavam o bem. Os cristos eram perseguidos no porque eram rebeldes, mas porque eram cordatos. Ser cristo passou a ser ilcito no imprio. Os cristos passaram a ser caados, espoliados, torturados e mortos pelo simples fato de professarem o nome de Cristo. Esse fogo ardente da perseguio no atingia apenas os cristos da sia, mas se espalhava por todo o mundo.

    Em terceiro lugar, a carta destaca a graa de Deus. Warren Wiersbe tem razo quando afirma que somente quando dependemos da graa de Deus que podemos glorific- lo em meio ao sofrimento. Pedro escreve: ... vos escrevo resumidamente, exortando e testificando, de novo, que esta a genuna graa de Deus; nela estai firmes (5.12). A palavra graa usada em todos os captulos de 1 Pedro (1.2,10,13; 2.19,20; 3.7; 4.10; 5.5,10,12).38

    Em quarto lugar, a carta destaca a glria de Deus. Est coberto de razo Warren Wiersbe quando diz que tudo que comea com a graa de Deus que conduz glria (5.10). Assim, sofrimento, graa e glria unem-se para formar uma mensagem de encorajamento para os cristos que enfrentam tribulaes e perseguies.39 Esses temas so resumidos em1 Pedro 5.10.

    Em quinto lugar, a carta destaca a doutrina de Deus. A doutrina de Deus central na epstola de Pedro. O apstolo enfatiza logo no incio de sua epstola a doutrina do Deus Trino: o Pai elegeu seu povo de acordo com sua prescincia, Jesus Cristo verteu seu sangue por esse povo, e o Esprito Santo o santificou (1.1,2).

    Em sexto lugar, a carta destaca a doutrina de Cristo. Pedro enfatiza tanto a humanidade quanto a divindade de

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  • 1 Pe d ro Com os ps no vale e o corao no cu

    Cristo. Mostra Cristo como nosso exemplo (2.21), nosso substituto (2.24) que morreu pelos nossos pecados (3.18). Pedro apresenta Cristo como Senhor (1.3; 3.15).

    Em stimo lugar, a carta destaca a doutrina do Esprito Santo. Mesmo em esparsas referncias, o apstolo descreve de maneira ampla a obra do Esprito Santo. O Esprito santifica o povo de Deus (1.2) e orienta a pregao (1.12). Agiu na ressurreio de Cristo (3.18) e repousa sobre os cristos que sofrem (4.14).

    Em oitavo lugar, a carta destaca a doutrina da igreja. Embora a palavra igreja no aparea na carta, toda a epstola se refere a ela ao descrever o povo de Deus como eleitos e forasteiros do mundo (1.1,2); raa eleita, sacerdcio real, nao santa, povo de propriedade exclusiva de Deus (2.9).

    Em nono lugar, a carta destaca um chamado veemente santidade em meio ao sofrimento. O sofrimento pode trazer endurecimento de corao e decepo com a f. Muitos, como a semente lanada entre os espinhos, sucumbem diante da dor. Outros se revoltam, como a mulher de J. H outros que preferem a apostasia ao martrio, como Demas. Pedro escreve essa missiva para encorajar os cristos santidade em meio ao sofrimento.

    Em dcimo lugar, a carta destaca a salvao como o fu n damento da nossa alegria. Os cristos no tinham ptria permanente. Viviam dispersos pelos cantos da terra, mas podiam, mesmo nessas fugas constantes, alegrar-se na salvao. Essa salvao foi planejada pelo Deus Pai, executada pelo Deus Filho e aplicada pelo Deus Esprito Santo. A prpria Trindade estava engajada nessa gloriosa salvao, e os cristos, mesmo provando o fogo ardente da perseguio, deveriam exultar por causa de sua herana imarcescvel e gloriosa.

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  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    Em 11 lugar, a carta destaca as mesmas nfases dos sermes de Pedro em Atos. Citando C. H. Dodd, Barclay diz que a pregao da igreja primitiva estava baseada em cinco pontos principais:

    1. O tempo do cumprimento tinha amanhecido; a idade messinica havia comeado. Esta a ltima palavra de Deus. Inaugurou-se uma nova ordem e os eleitos so chamados a unir-se nova comunidade (At 2.14-16; 3.12-26; 4.8-12; 10.34-43; IPe 1.3,10-12; 4.7).

    2. Essa nova era tinha chegado por causa da vida, morte e ressurreio de Jesus Cristo, em cumprimento das profecias do Antigo Testamento e como resultado do definido conselho e prescincia de Deus (At 2.20-31; 3.13,14; 10.43; IPe 1.20,21).

    3. Em virtude da ressurreio, Jesus foi exaltado destra de Deus como o cabea messinico do novo Israel (At 2.22-26; 3.13; 4.11; 5.30,31; 10.39-42; IPe 1.21; 2.7,24; 3.22).

    4. Esses acontecimentos messinicos alcanaro pleno cumprimento com a volta de Cristo em glria e com o juzo dos vivos e dos mortos (At 3.19-23; 10.42; IPe 1.5,7,13; 4.5,10-18; 5.1,4).

    5. Esses fatos so a base de um apelo ao arrependimento e do oferecimento do perdo, do Esprito Santo e da promessa da vida eterna (At 2.38,39; 3.19; 5.31; 10.43; IPe 1.13-25; 2.1-3; 4.1-5).40

    Em 12 lugar, a carta destaca a segunda vinda de Cristo, a consumao da nossa esperana. A esperana da segunda vinda de Cristo, como a consumao de todas as coisas, tal qual um fio dourado, percorre toda a epstola (1.5,7,13; 2.12; 4.17; 5.1,4). Estamos no mundo, mas no somos do mundo. Nossa herana no est aqui. Nossa recompensa no est aqui. Nossa ptria permanente no est aqui.

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  • Aguardamos nosso Senhor que est no cu. Mueller diz que esta carta inteira respira essa perspectiva e os leitores sao exortados repetidamente a fazerem dela a sua perspectiva de vida.41

    1 Pe d ro Com os ps no vale e o corao no cu

    N o ta s d o c a p t u l o 1

    1 C l o w n e y , Edmund. The Message o f l Peter. Downers Grove, IL: Inter-Varsity Press, 1988, p. 15.

    2 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas. So Paulo: Cultura Crista, 2006, p. 12.

    3 K m m e l , Werner G. Introduction to the New Testament. Nashville, TN: Abingdon, 1966, p. 297.

    4 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 17.5 C l o w n e y , Edmund. The Message o f 1 Peter, p. 20.6 N ic h o l s o n , Roy S. A Primeira Epstola de Pedro. Em: Comentrio

    bblico Beacon. Vol. 10. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 205.7 O r r . Guilherme W. 2 7 Chaves para o Novo Testamento. So Paulo:

    Imprensa Batista Regular, 1976, p. 57,58.8 P e a r l m a n , Myer. Atravs da Bblia. Miami: Vida, 1987, p. 323.9 K is t e m a k e r . Epstolas de Pedro e Judas, p. 26.10 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro. Buenos Aires: La Aurora,

    1974, p. 193,194.11 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 194.12 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio. So Paulo: Vida

    Nova, 2007, p. 30.

    24

  • Introduo Primeira Carta de Pedro

    13 G u n d r y , Robert H. Panorama do Novo Testamento. So Paulo: VidaNova, 1978, p. 390.

    14 W ie r s b e , Warren W . Comentrio bblico expositivo. Vol. 6. Santo Andr: Geogrfica, p. 501.

    15 C l o w n e y , Edmund. The Message o f 1 Peter, p. 23.16 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 29.17 G u n d r y , Robert H. Panorama do Novo Testamento, p. 390.18 N ic h o l s o n , Roy S. A Primeira Epstola de Pedro, p. 207.19 C l o w n e y , Edmund. The Message o f l Peter, p. 15.20 Efsios, Filipenses, Colossenses, Filemom e 2Timteo.21 N i c h o l s o n , Roy S. A Primeira Epstola de Pedro, p. 206.22 G u n d r y , Robert H. Panorama do Novo Testamento, p. 391.23 O r r , Guilherme W. 2 7 Chaves para o Novo Testamento, p. 59.24 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro. In: Cartas de Tiago, Pedro,

    Joo e Judas. Curitiba: Esperana, 2008, p. ##.25 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 160.26 P e a r l m a n , Myer. Atravs da Bblia, p . 323.27 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 1 6 0 .28 M u e l l e r , Enio R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 19.29 M u e l l e r , Enio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 21.30 M u e l l e r , n io R. I Pedro: Introduo e comentrio, p . 2 1 .31 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p . 134.32 G u n d r y , Robert H. Panorama do Novo Testamento, p. 390.33 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 166.34 H e n r y , Matthew. Comentrio Bblico Atos-Apocalipse. Rio de

    Janeiro: CPAD, 2010, p. 857.35 W ie r s b e , Warren W . Comentrio bblico expositivo, p. 501.36 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 1 8 4 .37 W ie r s b e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 502.38 W ie r s b e , Warren W . Comentrio bblico expositivo, p. 502,503.39 W ie r sb e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 503.40 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 163.41 M u e l l e r , Enio R. IPedro: Introduo e comentrio, p. 42.

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  • Salvao, presente de Deus

    (IPe 1.1-12)

    J CONSIDERAMOS NO CAPTULO anterior a introduo desta epstola. Agora, prosseguiremos com sua exposio. De acordo com o modo antigo de se escrever, 1 Pedro comea com a sequncia: autor, destinatrios, sauda-

    ^ 4 2ao.Vamos destacar quatro fatos impor

    tantes apresentados na introduo.Em primeiro lugar, o remetente da

    carta. Pedro, apstolo de Jesus Cristo... (1.1). Na poca em que os livros eram escritos em rolos, o nome do remetente e dos destinatrios era informado logo no incio do documento, para que se soubesse com clareza de onde o texto procedia e a quem era enviado. Pedro

  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    se apresenta como apstolo de Jesus Cristo. Sua autoridade no procede de si mesmo, mas delegada pelo prprio Filho de Deus. Simon Kistemaker alerta que um apstolo no transmite suas prprias ideias sobre a mensagem daquele que o envia.43 Pedro fala da parte de Cristo, enviado por Cristo e com a autoridade de Cristo. Segundo Enio Mueller, o que vai se ler remonta para alm do apstolo, provindo em ltima instncia do prprio Cristo.44 Ningum tem competncia para constituir-se apstolo, e nenhuma igreja ou denominao pode legitimamente constituir algum apstolo. Essa uma prerrogativa exclusiva de Jesus Cristo.

    Uwe Holmer diz acertadamente que a palavra Cristo no um nome como entendemos hoje, mas um ttulo que o significa o Ungido, o Messias. Pedro , portanto, um apstolo do Messias Jesus. O Crucificado foi exaltado por Deus como Senhor e Messias (At 2.36).45

    Em segundo lugar, os destinatrios da carta.... aos eleitos que so forasteiros da Disperso no Ponto, Galcia, Capadcia, sia e Bitnia (1.1). Antes de Pedro nos dizer onde vivem os destinatrios da missiva, ele os descreve espiritual, social e politicamente.46 Esta carta uma epstola geral, enviada a vrias igrejas da sia Menor, aquela parte que Paulo no evangelizou, ou seja, as provncias localizadas no norte, leste, oeste e centro da sia Menor.

    Esses cristos so descritos como eleitos de Deus, mas esto dispersos pelo mundo. So forasteiros, vivem como estrangeiros na terra e exilados da eternidade, mas seus nomes esto arrolados no cu. Eles no tm aqui cidade permanente, mas caminham para a cidade santa. Vivem na terra, mas so cidados dos cus. Uwe Holmer descreve os cristos como a semeadura de Deus que precisa ser disseminada. E assim que os cristos se inserem na dispora.47

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  • Salvao,presente de Deus

    Simon Kistemaker caracteriza os destinatrios como4 8segue:

    Espiritualmente, so eleitos de Deus. Os cristos so o povo de Deus, escolhidos na eternidade, separados do mundo, padecendo o dio do mundo e suportando sofrimento e perseguio, mas ao mesmo tempo proclamando as virtudes de Deus no mundo (2.9).

    Socialmente so, forasteiros no mundo. Os cristos so moradores estrangeiros deste mundo (Hb 11.13). Aqui no o seu lar, pois sua estada na terra temporria (2.11). Sua cidadania do cu (Fp 3.20). Portanto, sendo eleitos de Deus, vivem aqui na terra como exilados e residentes temporrios. William Barclay diz que o povo de Deus o povo exilado da eternidade. Embora esteja no mundo, no do mundo. Mesmo apartado do mundo, insere-se no mundo como sal e luz.49

    Politicamente so dispersos. A palavra disperso se refere ao exlio e a seus resultados. Aps a morte de Estvo, os judeus cristos foram espalhados e tiveram que ir morar em outros pases (At 8.1; 11.19;Tg 1.1).

    Enio Mueller observa que os cristos tm a sua disperso originada na eleio. O fato de serem eleitos por Deus, e assim separados do mundo, faz que o mundo todo seja dispora para eles. Onde quer que estejam, encontram-se sob o signo da eleio de Deus, que os torna diferentes e os desarraiga do mundo, mesmo morando em seu prprio cho. Eles j no tm mais aqui uma ptria ou propriedades consideradas exclusivamente suas; experimentaram uma realidade qualitativamente diferente e aspiram agora pela estada definitiva em sua nova ptria.50

    Em terceiro lugar, o plano eterno de Deus. Eleitos, segundo a prescincia de Deus Pai, em santificao do Esprito, para a

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    obedincia e a asperso do sangue de Jesus Cristo... (1.2). Logo no incio de sua missiva, Pedro deixa claro que a salvao obra exclusiva do Deus Trino, e no fruto do merecimento humano. Trs verdades so afirmadas aqui.

    1. O Pai escolhe mediante sua prescincia. A eleio divina um decreto eterno de Deus. O Senhor nos escolheu antes dos tempos eternos,51 em Cristo,52 pela santificao do Esprito e pela f na verdade,53 para sermos santos e irrepreensveis54 e praticarmos boas obras.55 A prescincia {prognosis) de Deus, ou seu conhecimento prvio, no significa meramente que Deus sabe quem ser salvo, mas que est ativamente empenhado no processo, determinando antes do tempo a salvao de cada um de ns e concretizando-a, depois, no tempo e no espao.56 Concordo com Enio Mueller quando ele diz que estamos diante de um paradoxo, que tem seu fundamento ltimo na inapreensibilidade de Deus. Por um lado, a nossa salvao depende completamente da nossa deciso e somos pessoalmente responsveis por ela. Por outro lado, contudo, a nossa salvao repousa totalmente na eleio prvia da parte de Deus, na sua incompreensvel bondade para conosco em Jesus Cristo.57

    2. O Filho redime com seu sangue. A eleio eterna no dispensa o sacrifcio de Cristo na cruz. O Deus que nos escolheu antes da fundao do mundo para a salvao, esse mesmo determinou salvar-nos mediante a morte vicria de seu Filho. O sangue de Cristo vertido na cruz a causa meritria da nossa salvao.

    3. O Esprito Santo santifica os eleitos redimidos. O Pai escolhe, o Filho redime e o Esprito aplica a salvao nos eleitos e santifica-os para a vida eterna. Todos aqueles que so eleitos pelo Pai so redimidos pelo sangue de Cristo e santificados pelo Esprito Santo. A eleio divina, longe de

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  • Salvao, presente de Deus

    ser um desestmulo santificao, seu maior encorajamento, uma vez que fomos eleitos e redimidos pela santificao e para a santificao.

    Em quarto lugar, a saudao apostlica.... graa epaz vos sejam multiplicadas (1.2b). A graa a base da salvao, e a paz, seu resultado. A graa a raiz, e a paz, seu fruto. A graa a causa, e a paz, sua consequncia. No h graa sem paz nem paz sem graa. Ambas caminham juntas. A graa o favor imerecido de Deus aos pecadores indignos, e a paz o estado de reconciliao com Deus assim como a harmonia dela resultante.

    A fonte e a natureza da salvao (1.3)Num tempo de extrema perseguio, sofrimento e dor, o

    apstolo Pedro inicia a sua carta com uma doxologia. No comea com o homem, comea com Deus. No inicia com as necessidades humanas, mas com os louvores que Deus merece. Aqui Pedro mostra a fonte da salvao: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que segundo a sua muita misericrdia.... Pedro comea louvando a Deus por sua salvao. A salvao uma obra exclusiva de Deus. Ele deve ser exaltado por to grande salvao. Seu nome deve ser magnificado por presente to auspicioso.

    Antes de apresentarmos nossas dores, nossas lutas, nossas lgrimas e nossas perdas neste mundo, devemos levantar os olhos ao cu e exaltar aquele que nos amou, nos escolheu e providenciou todas as coisas para a nossa salvao. Quando exaltamos a Deus por quem ele e por aquilo que ele tem feito por ns, sentimo-nos fortalecidos para enfrentarmos nossas leves e momentneas lutas.

    Pedro faz uma transio da fonte da salvao para a sua natureza, mostrando que o plano estabelecido na eternidade

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    concretiza-se no tempo. Aquilo que foi planejado no cu realiza-se na terra. Duas verdades preciosas so aqui destacadas.

    Em primeiro lugar, a regenerao. ... nos regenerou... (1.3). A regenerao uma obra do Esprito Santo em ns. Ele muda nossas disposies ntimas, dando-nos um novo corao, uma nova mente, uma nova vida. Nascemos da semente incorruptvel. Temos no apenas um novo status (justificao), mas tambm uma nova vida (regenerao). Tornamo-nos filhos de Deus, membros de sua famlia. Enio Mueller diz que o cristo renasce dentro de uma nova famlia (Ef 2.19), passando a ter com Deus uma relao de filho (Jo 1.12), e com Jesus, uma relao de irmo (Rm 8.29).58

    Em segundo lugar, a viva esperana.... para uma viva esperana, mediante a ressurreio de Jesus Cristo dentre os mortos (1.3). O apstolo Paulo descreve o mundo pago como sem esperana (Ef 2.12). Sfocles escreveu: No nascer , inquestionavelmente, a maior felicidade. A segunda maior felicidade , to logo nascer, retornar ao lugar de onde se veio.59 O cristianismo a religio da esperana. No caminhamos para um futuro desconhecido, marchamos para uma glria eterna. A regenerao nos leva a uma viva esperana. Somos regenerados para uma qualidade superlativa de vida.

    Somos regenerados para a esperana, e essa esperana tem duas caractersticas: Primeiro, ela viva. Segundo, ela segura, pois est fundamentada na ressurreio de Jesus Cristo. Nossa esperana no vaga e incerta, mas definida e garantida. Concordo com o parecer de Simon Kistemaker: Sem a ressurreio de Cristo, nossa regenerao no seria possvel e nossa esperana no faria nenhum sentido.60

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  • Salvao, presente de Deus

    A recompensa da salvao (1.4}A salvao planejada na eternidade e realizada no tempo

    aponta para uma recompensa futura. Pedro escreve: para uma herana incorruptvel sem mcula, imarcescvel, reservada nos cus para vs outros (1.4). Os eleitos de Deus, remidos pelo sangue, santificados pelo Esprito e regenerados para uma viva esperana, tm a promessa de uma herana gloriosa. Quais so as caractersticas dessa herana que est reservada nos cus para os salvos?

    Em primeiro lugar, uma herana incorruptvel. A palavra grega ajiharton, traduzida por incorruptvel, significa algo que no perece, no apodrece, no se deteriora. Roy Nicholson explica que aftharton pressupe a ideia de no conter sementes de deteriorao.61 William Barclay acrescenta que essa palavra significava no assolada por nenhum exrcito inimigo.62

    Em segundo lugar, uma herana imaculada. A palavra grega amiantos, traduzida por sem mcula, significa algo absolutamente limpo, sem nenhum tipo de sujeira ou de contaminao que possa levar a uma posterior degenerao.

    Em terceiro lugar, uma herana imarcescvel. A palavra grega amarantos, traduzida por imarcescvel, significa inaltervel. E mais aplicada a coisas da natureza, representando na poesia uma flor que nunca murcha nem perde a sua beleza. Em vez de murchar, ela permanece num frescor perptuo, que nunca se deteriora quanto ao seu valor, graa e beleza.63

    A segurana da salvao (1.5)Como podemos saber que a salvao planejada na

    eternidade e executada no tempo no se perder? Como ter certeza de que a salvao planejada pelo Deus Pai,

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    executada pelo Deus Filho e aplicada pelo Deus Esprito Santo segura? Que garantia temos de que aqueles que foram salvos permanecero salvos para sempre? Qual o alicerce da nossa certeza? O apstolo Pedro nos d a resposta com difana clareza. Destacamos trs pontos importantes nesse sentido.

    Em primeiro lugar, a segurana de nossa salvao garantida pelo prprio Deus. Que sois guardados pelo poder de Deus... (1.5). A palavra que Pedro usa em grego frourein, um termo militar. Significa que a nossa vida est guarnecida por Deus, que atua como sentinela de todos os nossos dias.64 A segurana da salvao no est em nossas frgeis mos, mas repousa sobre o poder de Deus. O mesmo Deus que nos salva tambm nos garante a segurana da salvao. Nada nem ningum nos podem arrancar dos braos de Jesus. Nenhum poder no cu ou na terra nos pode afastar do amor de Deus que est em Cristo Jesus. Uma vez salvos, salvos sempre!

    Em segundo lugar, a segurana de nossa salvao apropriada pela f. ... mediante a f (1.5). A f no a causa meritria da nossa salvao, mas a causa instrumental. Apropriamo-nos da salvao pela graa mediante a f. A f a mo que se estende para receber o presente da salvao.

    Em terceiro lugar, a consumao da salvao se dar na segunda vinda de Cristo. ... para a salvao preparada para revelar-se no ltimo tempo (1.5). Nossa salvao foi preparada para ns por Cristo por meio de sua obra expiatria. Ela ser revelada de uma s vez no tempo de Deus. Todos verao a herana, mas apenas o cristo poder possu-la. O verbo revelar, usado aqui, significa tirar o vu ou cobertura. Jesus tirar o vu quando voltar para nos dar salvao gratuita e plena.65

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  • Salvao, presente de Deus

    Podemos afirmar luz das Escrituras que j fomos salvos, estamos sendo salvos e seremos salvos. Com respeito justificao, j fomos salvos. Com respeito santificao, estamos sendo salvos. Com respeito glorificao, seremos salvos. Fomos salvos da condenao do pecado na justificao. Estamos sendo salvos do poder do pecado na santificao. E seremos salvos da presena do pecado na glorificao. Agora temos o selo do Esprito, o penhor do Esprito, como garantia de que aquele que comeou a fazer a boa obra em ns h de complet-la at o dia final. Tempo aqui kairs, aquele que no determinado cronologicamente. No ltimo tempo denota aqui no o tempo do fim, no sentido neotestamentrio de todo o perodo que vai da primeira at a segunda vinda de Cristo, mas especificamente o perodo final dessa poca, o fim do fim.66

    A alegria da salvao (1.6-9)Vimos at aqui que, no passado, Deus ressuscitou Cristo

    e regenerou os seus eleitos; coloca diante deles um futuro aberto e glorioso; e, no presente, os guarda, mediante a f que eles tm nele.67 Vejamos agora a alegria resultante dessa salvao.

    Embora nossa salvao venha a ser consumada apenas na segunda vinda de Cristo, j comeamos a desfrutar de sua alegria aqui e agora. Os sofrimentos desta vida no conseguem empalidecer as glrias benditas da nossa salvao. A cruz precede a coroa; o sofrimento o preldio da glria. Antes de pisarmos as ruas de ouro da Nova Jerusalm, caminharemos por estradas juncadas de espinhos. Pedro menciona vrios fatos acerca das provaes que enfrentamos nesta vida, preparando-nos para a glria.

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  • 1 Pedro Com os ps no va le e o corao no cu

    Em primeiro lugar, as provaes so pedaggicas. Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessrio, sejais contristados por vrias provaes (1.6). A expresso se necessrio indica que h ocasies especiais em que Deus sabe que precisamos passar por provaes para nossa disciplina (SI 119.67) e nosso crescimento espiritual (2Co 12.1-9).68

    Em segundo lugar, as provaes so variadas. ...por vrias provaes (1.6). A palavra grega poikilos, traduzida por vrias, significa de diversas cores ou policromticas. A mesma palavra usada para descrever a graa de Deus (4.10). Warren Wiersbe acertadamente diz que, no importa a cor de nosso dia seja cinzento ou negro , Deus tem graa suficiente para suprir nossas necessidades.69 William Barclay, nessa mesma linha de pensamento, escreve:

    Nossos problemas e contratempos podem ser multicoloridos, mas tambm o a graa de Deus. No h cor na situao humana que a graa de Deus no seja capaz de enfrentar. No importa o que nos esteja fazendo a vida, na graa de Deus encontramos foras para enfrentar essa situao e venc-la. H uma graa para enfrentar cada prova, e no h prova que no tenha a sua graa.70

    Em terceiro lugar, as provaes so dolorosas. ... sejais contristados... (1.6). A ideia subjacente de dor ou tristeza profunda. A mesma palavra usada para descrever a experincia de Jesus no Getsmani (Mt 26.37) e a tristeza dos santos com a morte de um ente querido (lTs 4.13).71

    Em quarto lugar, as provaes so passageiras. ...por breve tempo... (1.6). Deus no permite que as provaes durem para sempre. Warren Wiersbe diz que, quando Deus permite que seus filhos passem pela fornalha, mantm os olhos no relgio e a mo no termostato.72

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  • Salvao, presente de Deus

    Em quinto lugar, as provaes so proveitosas. Pam que, uma vez confirmado o valor da vossa f, muito mais preciosa do que o ouro perecvel, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glria e honra na revelao de Jesus Cristo (1.7). Pedro ilustra esta verdade referindo-se ao ourives. O ourives coloca o metal no cadinho o tempo necessrio para remover as impurezas sem valor; em seguida, o derrama no molde e forma uma bela pea de valor. Para saber se o ouro autntico, o metal precisa ser derretido no fogo. Isso no afeta o ouro em nada, mas todas as impurezas so expulsas no processo, e aquilo que autntico, que realmente tem valor, se destaca com pureza.73 Algum disse que, no Oriente, o ourives deixava o metal derreter at ser capaz de ver seu rosto refletido nele. Da mesma forma, o Senhor nos mantm na fornalha do sofrimento at refletirmos a glria e a beleza de Jesus Cristo.

    As provaes enfrentadas hoje so um preparo para a glria futura. A glria da nossa salvao se tornar plena na segunda vinda de Jesus Cristo. Agora, a nossa f testada da mesma forma que o ouro depurado, para que, na manifestao gloriosa de Cristo em sua segunda vinda, isso redunde em louvor, glria e honra ao Senhor. Concordo com Enio Mueller no sentido de que esta figura ilustra no s o propsito da provao, mas tambm a sua necessidade. O ouro, embora valiosssimo, tambm perecvel. A f provada, em comparao com ele, muito mais preciosa. Depois de ambos passarem pelo processo de purificao, a diferena de valor enorme. O ouro, alm de no durar eternamente, sempre pode ser roubado ou perdido. A f, por outro lado, garante o acesso a uma herana no sujeita s desgraas terrenas.74

    Em sexto lugar, as provaes preparam para a glria fu tura, mas Jesus j concede glria no presente. A quem, no

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    havendo visto, amais; no qual, no vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizvel e cheia de glria, obtendo o fim da vossa fi: a salvao da vossa alma (1.8,9). De acordo com Warren Wiersbe, a vida crista no consiste somente na contemplao de um futuro distante. Antes, implica uma dinmica presente que pode transformar o sofrimento em glria hoje.75 Pedro apresenta quatro instrues para se desfrutar a glria hoje, mesmo em meio s provaes:

    1. Amem a Cristo (1.8). Na fornalha da aflio, em meio ao fogaru da prova, precisamos amar a Cristo, para que esse fogo nos purifique em vez de nos queimar.

    2. Creiam em Cristo (1.8). O cristo salvo pela f, vive pela f, vence pela f e anda de f em f.

    3. Alegrem-se em Cristo (1.8). O cristo no masoquista nem estoico. No se alegra por causa do sofrimento nem exulta por causa das provaes, mas pelos seus benditos frutos. Essa alegria no pode ser traduzida em palavras, indizvel. No apenas terrena, cheia de glria. Essa a alegria dos tempos vindouros, que fez sua entrada no mundo para no mais dele sair, at que toda tristeza seja finalmente eliminada na vinda do Reino.76 Trata-se de uma alegria maiscula, superlativa e celestial. A palavra descreve gritos de alegria que no podem ser contidos. E uma alegria mergulhada em glria!

    4. Obtenham de Cristo (1.9). A salvao uma ddiva de Cristo. Ns a recebemos pela graa, mediante a f. Embora o seu desfrute pleno v ocorrer apenas na glria, j tomamos posse aqui e agora. Embora sua consumao esteja destinada apenas para o tempo do fim, j usufrumos seus benefcios imediatamente.

    A expresso salvao da vossa alma (v. 9) tem sido interpretada de forma equivocada por alguns estudiosos.

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  • Salvao, presente de Deus

    Concordo com Uwe Holmer quando ele diz que essa expresso foi emprestada apenas aparentemente da filosofia grega. Na realidade, corresponde proclamao do Senhor, que proclamara em vista de perseguio e ameaa de morte: No temais os que matam o corpo e no podem matar a alma (Mt 10.28). Isso por um lado soa como antropologia grega, mas por outro condiz na realidade inteiramente com a viso bblica que fundamentalmente diversa da grega.77 Acompanhemos a explicao de Holmer:

    Os gregos consideravam a alma como nica coisa valiosa no ser humano: pois a libertao da alma do cativeiro do corpo era o alvo mais importante, de modo que ansiavam por uma existncia da alma dissociada do corpo. Tambm a Bblia por um lado fala do valor incomparvel da alma (Mt 16.26) e tem conhecimento da existncia dela sem o corpo (3.19; M t 10.28; Ap 6.9). Porm, segundo a Bblia, o corpo no de forma alguma crcere da alma, mas forma, em conjunto com a alma e o esprito, o ser humano todo. A existncia da alma fora do corpo , conforme a Bblia, nem de longe um ideal, mas considerada como dolorosa condio de imperfeio (2Co 5.4; lTs 4.13). A igreja ser perfeita somente quando tiver o novo corpo espiritual, a ser obtido na segunda vinda de Jesus. Portanto, no espera que a alma seja liberta do corpo, mas aguarda que seu corpo seja redimido (Rm 8.23). Assim a antropologia bblica no marcada pela filosofia grega, mas pela teologia e pela escatologia bblicas.78

    A antiguidade da salvao (1.10-12)O apstolo Pedro mostra a conexo entre o Antigo e o

    Novo Testamento. A salvao recebida pela igreja a mesma anunciada pelos profetas. Trata-se de um plano antigo, feito realidade no presente. Enio Mueller diz que temos aqui uma passagem eloquente sobre a unidade e a continuidade entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Aquilo

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  • 1 P ed r o Com os ps no vale e o corao no cu

    que l havia sido buscado e anunciado, aqui se cumpre.79 A salvao presente que a igreja possui j estava no campo de viso dos homens de Deus na antiga aliana.80 Algumas verdades devem ser aqui observadas.

    Em primeiro lugar, os profetas questionaram acerca desta salvao. Foi a respeito desta salvao que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graa a vs outros destinada (1.10). Os profetas de Deus no passado, movidos pelo Esprito Santo, indagaram e inquiriram acerca dessa salvao a ns destinada. Os profetas eram tidos em alta conta no meio do povo de Deus, e os membros da igreja esto agora posicionados num status ainda mais elevado: os profetas foram seus servos e ministraram o que era a eles destinado.81

    Em segundo lugar, os profetas investigaram o tempo e as circunstncias da chegada desta salvao. Investigando, atentamente, qual a ocasio ou quais as circunstncias oportunas, indicadas pelo Esprito de Cristo, que neles estava... (1.11a). Quando o Esprito Santo inspirou os profetas para escreverem sobre o tempo e as circunstncias do cumprimento desta salvao, no lhes retirou a capacidade de pesquisa nem anulou o estilo de cada um no registro dessas verdades pesquisadas.

    Em terceiro lugar, os profetas deram testemunho da humilhao e exaltao de Cristo. ... ao dar de antemo testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glrias que os seguiriam (1.11b). Note que os profetas usam tanto sofrimentos como glrias no plural. Isso significa que tanto a humilhao como a exaltao de Cristo passaram por vrios estgios. Pedro enfatiza a magnitude e a variedade de dores e tristezas que Jesus suportou, tanto quanto a glria da ressurreio e da ascenso, assim como

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  • Salvao, presente de Deus

    o esplendor da segunda vinda. Nessa mesma linha de pensamento, Uwe Holmer escreve:

    A glorificao decorre do sofrimento de Jesus, a exaltao, da humilhao. As duas palavras, sofrimentos e glrias, constam no plural. Isso indica que o padecimento de Cristo mltiplo, que no se restringiu ao Calvrio, mas j comeou na estrebaria de Belm e se prolongou por toda a sua vida na terra, para finalmente se consumar na Sexta- -Feira Santa. Mas tambm sua glorificao mltipla e diversificada. A ressurreio glria, assim como tambm a ascenso, a segunda vinda, a inaugurao do reino messinico, a execuo do juzo mundial perante o grande trono branco e, finalmente, a consumao na Nova Jerusalm.82

    Em quarto lugar, os profetas apontam para uma salvao posterior sua existncia. A eles fo i revelado que, no para si mesmos, mas para vs outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Esprito Santo enviado do cu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam perscrutar (1.12). Os profetas receberam a revelao divina de que a salvao por eles anunciada se cumpriria no em seus dias, mas em tempos futuros. A mensagem vaticinada pelos profetas a mesma recebida pela igreja, l como promessa, aqui como cumprimento. O evangelho engloba a mensagem proftica junto com o seu cumprimento. E a boa nova de que a salvao to ansiosamente esperada uma realidade, a partir da morte e da ressurreio de Cristo.83

    Pedro diz que at mesmo os anjos anelam perscrutar a respeito desta salvao. Os anjos esto ao redor do trono de Deus, so mensageiros enviados por ele para servir quele que herda a salvao (Hb 1.14), regozijam-se quando um pecador se arrepende (Lc 15.7,10) e renem os eleitos no

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    dia do julgamento (Mt 24.31). Apesar disso, seu conhecimento sobre a salvao humana incompleto, pois desejam perscrutar os mistrios da salvao. O verbo perscrutar significa olhar com o pescoo esticado. Os anjos sabero mais sobre a salvao por meio da igreja (Ef 3.10).84 Se os prprios anjos esto to interessados em nossa redeno, quanto mais ns deveramos consider-la gloriosa, com ainda maior fervor e entusiasmo!

    N o ta s d o c a p t u l o 2

    42 M u e l l e r , nio R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 6 3 .43 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 46.44 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 64.45 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p . 1 3 7 .46 K is t e m a k e r . Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 47.47 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p . 1 3 8 .48 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, 2006, p . 47.49 Ba r c l a y , William. Santiago, I y IIPedro, p. 193.50 M u e l l e r , nio G. IPedro: Introduo e comentrio, p . 67,68.51 2Timteo 1.9.52 Efsios 1.4.53 2Tessalonicenses 2.13.54 Efsios 1.4.

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    Salvao, presente de Deus

    Efsios 2.10.M u e l l e r , Enio G. IPedro: Introduo e comentrio, p . 69. M u e l l e r , Enio G. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 71. M u e l l e r , Enio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 79. Ba r cla y , William. Santiago, I y IIPedro, p . 198. K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p . 58. N ic h o l s o n , Roy S. A Primeira Epstola de Pedro, p . 214. Ba r cla y , William. Santiago, I y IIPedro, p. 200. N ic h o l s o n , Roy S. A Primeira Epstola de Pedro, p . 214. Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 201. K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p . 63. M u e l l e r , Enio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p . 82. M u e l l e r , Enio R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 82. W ie r s b e , Warren W . Comentrio bblico expositivo, p . 506. W ie r s b e , Warren W . Comentrio bblico expositivo, p . 506. Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 204.W ie r s b e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 506. W ie r s b e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 507. H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p. 149.M u e l l e r , E n io R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 8 8 . W ie r s b e , W a r r e n W . Comentrio bblico expositivo, p . 507. M u e l l e r , E n io R. I Pedro: Introduo e comentrio, p . 90. H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p . 151.H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p . 15 1 .M u e l l e r , Enio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 92. H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p. 152.M u e l l e r , Enio R. IPedro: Introduo e comentrio, p. 93. H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p. 153.M u e l l e r , nio R. IPedro: Introduo e comentrio, p. 95. K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 80.

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  • Captulo 3

    O estilo de vida dos salvos

    (IPe 1.13-25)

    D e u s n o s s a lv o u p a r a a santidade. Salvou-nos do pecado, e no no pecado. Salvou-nos das paixes e da futilidade da vida, e no para vivermos outra vez nessas prticas. Aqueles que tm um encontro com Deus receberam uma nova vida e devem viver em novidade de vida. O apstolo Pedro relaciona salvao e santidade. Aps o louvor a Deus pelas bnos da salvao, Pedro volta sua ateno para as implicaes da salvao. Em virtude do que Deus fez por ns, devemos viver de modo digno da nossa vocao. Concordo com Holmer quando ele diz: Somente possvel desafiar pessoas para uma conduta consagrada se elas j renasceram antes.85

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    O texto em estudo nos apresenta trs aspectos desse estilo de vida dos salvos: viver em santidade, viver com reverncia e viver em amor.

    Os salvos devem viver em santidade (1.13-16)O apstolo Pedro conecta a salvao com a santidade

    no versculo 13, quando inicia o pargrafo: Por isso... Em virtude do que Deus fez por ns, devemos viver de modo digno dessa salvao. A ddiva graciosa da salvao em Cristo deve levar-nos a uma conduta ajustada e compatvel. A doutrina desemboca na tica. A teologia produz vida.

    No propsito de perseguirmos a santidade, trs verdades devem ser observadas.

    Em primeiro lugar, a preparao para a santidade (1.13). A santificao um processo que comea na converso e termina na glorificao. Nessa jornada, trs atitudes precisam ser tomadas:

    1. Prepare sua mente. Por isso, cingindo o vosso entendimento... (1.13a). Holmer diz que essa expresso quase incompreensvel para a percepo moderna da lngua. Corresponde ao pensamento oriental-metafrico. Na antiguidade, era necessrio amarrar as vestes esvoaantes. Do contrrio, elas atrapalhariam o trabalho e estorvariam a batalha. Por isso, o ser humano antigo cingia as ancas, enfiando as pontas das vestes sob o cinto. Tambm ns somos facilmente prejudicados no trabalho e na vida por ideias esvoaantes.86 O que Pedro est dizendo : No permita que qualquer coisa atrapalhe seu entendimento.S7

    Enio Mueller diz que a palavra grega dianoias, entendimento, um pouco diferente de nous, normalmente usada para expressar o que entendemos hoje por mente. A primeira denota mais a mentalidade, aquilo que a mente

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  • O estilo de vida dos salvos

    produz. Cingir o entendimento significa, entao, pensar em algo e tirar as concluses apropriadas. Em outras pala- vras, tendo em mente o que foi dito, tirem as implicaes para a vida.88 Quem busca a santificao no pode dispersar-se com muitas preocupaes e devaneios. Sua mente precisa ser firme na Palavra de Deus, para compreender os preceitos divinos. Concordo com William Barclay no sentido de que no podemos contentar-nos com uma f medocre e negligente, sem profundidade e sem reflexo.89

    2. Mantenha-se sbrio. ... sede sbrios... (1.13b). Essa exortao foi repetida trs vezes nesta epstola (1.13; 4.7; 5.8). A palavra grega nefontes significa domnio prprio, especialmente com relao bebida alcolica. E uma exortao dirigida contra qualquer embriaguez por lcool ou de modo geral contra qualquer tipo de xtase dos sentidos.90 Ser sbrio estar no pleno domnio de sua capacidade racional. Aqueles que se entregam embriaguez no tm a mente disposta para Deus. Tambm significa ser calmo, estvel, controlado; ponderar as coisas.91 Simon Kistemaker reala que a mente deve estar livre de precipitao ou confuso; deve rejeitar a tentao de ser influenciada por bebidas e drogas intoxicantes. Deve permanecer alerta.92

    3. Espere na graa. ... e esperai inteiramente na graa que vos est sendo trazida na revelao de Jesus Cristo (1.13c). Diante das perseguies e dos sofrimentos pelos quais os cristos estavam passando, Pedro os encoraja a olharem para frente, para a recompensa futura, para a segunda vinda de Cristo, para a glria que os aguardava, a plenitude sua salvao. A palavra grega elpisate uma forma verbal de elpis, esperana. O objeto da esperana a graa que nos est sendo trazida.93 O salvo olha para o passado e contempla a cruz, onde seus pecados foram cancelados.

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  • 1 P e d ro Com os ps no vale e o corao no cu

    Olha para o futuro e contempla a graa que est sendo preparada para a segunda vinda de Cristo. Na cruz fomos justificados; na segunda vinda seremos glorificados. Entre a cruz e a coroa, entre o sofrimento do Calvrio e a glria da parousta, devemos esticar o pescoo e ficar na ponta dos ps esperando inteiramente na graa que nos est sendo trazida na segunda vinda de Cristo.

    Warren Wiersbe diz que o cristo vive no tempo futuro; suas aes e decises no presente so governadas por essa esperana futura.94 Quando as circunstncias ao nosso redor estiverem sombrias e tenebrosas, devemos olhar para o alto, pois as estrelas s aparecem quando est escuro. precisamente porque o cristo vive na esperana que consegue suportar as provas e os sofrimentos desta vida, pois sabe que caminha para a glria.

    Nos trs versculos seguintes, Pedro adverte os cristos a evitarem a conformidade com o mundo, insta-os a lutarem pela santidade e confirma suas palavras com uma citao do Antigo Testamento. Temos aqui, portanto, uma advertncia, uma exortao e uma confirmao.95

    Em segundo lugar, o perigo santidade. Como filhos da obedincia, no vos amoldeis s paixes que tnheis anteriormente na vossa ignorncia (1.14). Aqui temos uma advertncia. Filhos da obedincia um linguajar semita. Significa algo como pessoas que so cunhadas integralmente pela obedincia.96 Fomos salvos para a obedincia, por isso os salvos so filhos obedientes. Como os filhos herdam a natureza dos pais, precisamos viver em santidade, pois nosso Pai santo.

    Como filhos obedientes, no podemos retroceder nem cair nas mesmas prticas indecentes que marcavam nossa conduta quando vivamos prisioneiros do pecado. Naquele

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  • O estilo de vida dos salvos

    tempo, os desejos e as paixes constituam o esquema determinante da nossa vida e a nossa norma de conduta. incoerente, incompatvel e inconcebvel um salvo amoldar- se-s paixes de sua velha vida. O salvo nova criatura. Tem uma nova mente, um novo corao, uma nova vida.

    A vida no pecado marcada pela ignorncia. Mesmo aqueles que vivem untados pelo refinado conhecimento filosfico ainda esto imersos num caudal de ignorncia (At 17.30).

    nio Mueller diz que a expresso grega Me syschemati- zomenoi, no vos amoldeis significa uma exortao a no entrar no esquema. Originalmente, a palavra significava assumir a forma de alguma coisa, a partir de um molde de encaixe (Rm 12.2). Os cristos so chamados a mudar de esquema, a assumir o esquema de Deus. A nova vida em Cristo, transformando a pessoa por dentro, deve traduzir- -se em novas expresses concretas de vida.97

    Em terceiro lugar, o imperativo da santidade. Pelo contrrio, segundo santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos tambm vs mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito est: Sede santos, porque eu sou santo (1.15,16). Aqui temos uma exortao e uma confirmao. Trs verdades so aqui destacadas:

    1. A santidade imperativa porque o Deus que nos chama santo. O termo grego hagios referente a Deus traz a ideia de separado. Fala sobre a singularidade divina em relao a todo o resto, a sua distino como Aquele que totalmente outro. Tambm expressa sua perfeio moral.98 Deus nos chama para sermos seus filhos e refletirmos seu carter. No fomos destinados apenas para a glria, mas para sermos semelhantes ao Rei da glria. Fomos chamados para sermos coparticipantes da natureza divina.

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  • 1 P edro Com os ps no vale e o corao no cu

    2. A santidade imperativa porque precisa abranger todas as reas da nossa vida. Nenhum aspecto da nossa vida est excludo desse imperativo divino. Todo o nosso procedimento deve resplandecer o carter de Deus, a santidade daquele que nos chamou do pecado para a salvao. Tornar-se santo inclui ambas as noes sobre santidade: o elemento de separao, em distino ao profano, e o elemento tico ou moral."

    3. A santidade imperativa porque uma clara exigncia das Escrituras. Pedro citou Levtico 11.44 para sustentar seu argumento: Sereis santos, porque eu sou santo. Mueller diz que o apelo palavra de Deus serve para ratificar com autoridade o que foi dito.100 Pedro no baseia sua exortao em seus prprios pensamentos, mas na palavra de Deus. Concordo com Warren Wiersbe quando diz que a Palavra revela a mente de Deus, de modo que devemos aprend-la; revela o corao de Deus, de modo que devemos am-la; e revela a vontade de Deus, de modo que devemos obedec- -la. O ser como um todo - a mente, o corao e a volio precisa ser controlado pela Palavra de Deus.101

    Os salvos devem viver com reverncia (1.17-21)O apstolo Pedro passa da santidade dos salvos para a

    reverncia que eles devem prestar a Deus, a segunda marca dos que receberam a salvao. Deus Pai, mas tambm Juiz. Somos filhos da obedincia, porm isso no nos d imunidade para vivermos desatentamente. Deus no condescendente nem mesmo com os pecados de seus filhos. Holmer diz corretamente que Deus tem filhos, mas no favoritos.102

    Vamos comparecer perante o tribunal de Deus para prestarmos conta da nossa vida. Seremos julgados segundo

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  • 0 estilo de vida dos salvos

    as nossas obras. Intimidade no anula responsabilidade. O mesmo Deus que firmou conosco relao to ntim a tambm o Juiz, o Deus julgador da histria.

    A reverncia a Deus deve ser observada por trs razes.Em primeiro lugar, o julgamento de Deus. Ora, se invocais

    como Pai aquele que, sem acepo de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinao (1.17). Notemos algumas verdades im portantes aqui:

    1. O Juiz. O Deus que julga o mesmo a quem invocamos como Pai. No h incompatibilidade entre a paternidade divina e a justia divina. O fato de chamarmos Deus de Pai no nos d direito de nos amoldarmos s paixes mundanas. O Pai e o Juiz so a mesma pessoa. Deus no fa z acepo de pessoas, nem aceita suborno (Dt 10.17). Porque para com Deus no h acepo de pessoas (Rm 2.11). Como declara Wiersbe, anos de obedincia no compram uma hora de desobedincia.103

    2. O carter do Juiz. Deus no faz acepo de pessoas. Seu julgamento imparcial. Ele julga homens e mulheres, grandes e pequenos, doutores e analfabetos, com o mesmo critrio de justia. Deus no mostra favor por ningum, seja rico ou pobre (Tg 2.1-9), judeu ou gentio (Rm 2.11), escravo ou senhor (Ef 6.9).

    3. O critrio do julgamento. Deus julga a cada um segundo as suas obras. No h imunidade. No h preferncia. Deus no inocenta o culpado.

    4. As implicaes do julgamento. Tendo em vista que seremos julgados, precisamos portar-nos com temor durante nossa peregrinao no mundo. Temor aqui aquela reverncia e respeito devidos a Deus, e no uma sensao doentia de medo do castigo (ljo 4.18). Mueller diz

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  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    acertadamente: Temor a necessria anttese dialtica esperana crista.104 O termo grego parokia, peregrinao, revela que estamos fora de casa. Somos apenas residentes estrangeiros, destitudos de muitos privilgios de um cidado com plenos direitos. Aqui no temos cidadania permanente. Somos peregrinos. Estamos a caminho da nossa ptria. Precisamos ter cuidado para no plantarmos razes neste mundo.

    Em segundo lugar, a redeno de Cristo (1.18-20). O apstolo Pedro escreve:

    Sabendo que no fo i mediante coisas corruptveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso f til procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mcula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundao do mundo, porm manifestado no fim dos tempos, por amor de vs (IPe 1.18-20).

    O sangue de Jesus o tema central da Bblia. De Gnesis a Apocalipse, esse fio escarlata, o sangue de Jesus, o tema principal. No Antigo Testamento, o sangue de Jesus prefigurado no derramamento do sangue dos animais sacrificados nos holocaustos. No Novo Testamento, o sangue de Jesus derramado para a nossa redeno. Voc no reconciliado com Deus por suas obras, mritos ou religiosidade, mas por meio do sangue de Jesus.

    Edwin Blum diz que a palavra grega para redeno nos remete instituio da escravatura no antigo imprio romano. Todas as igrejas crists do primeiro sculo tinham trs tipos de membros: escravos, homens livres e homens libertados. Pessoas tornavam-se escravas de vrias formas: por causa da guerra, de falncia financeira, vendiam-se a si mesmas, eram vendidas por seus pais ou j nasciam

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  • O estilo de vida dos salvos

    escravas. Um escravo podia obter libertao aps um tempo de servio ou principalmente mediante o pagamento de um preo de resgate. Esse preo deveria ser pago por outra pessoa. Portanto, uma pessoa libertada era algum que j tinha sido escrava, mas agora estava livre.105

    Algumas verdades devem ser aqui destacadas:1. O preo do resgate (1.18a). Pedro fala sobre do preo

    da redeno primeiro de forma negativa e depois de forma positiva. Negativamente, no fomos resgatados mediante coisas corruptveis como prata e ouro, os mais importantes meios de pagamento na poca. Embora esses metais sejam nobres e durveis, desgastam-se com o tempo e corrompem-se. Podem ser teis no comrcio, mas so inteis para o resgate espiritual. Sao insignificantes para nos libertarem da antiga vida e possibilitar a nova. Nem todo o ouro da terra seria suficiente para nos resgatar do pecado e da morte. Estvamos na casa do valente, no imprio das trevas, na potestade de Satans. Fomos arrancados da priso do pecado, da escravido do diabo e do terror da morte.

    O sangue de Jesus o fundamento da minha e da sua salvao. A sua salvao depende do sangue de Jesus. Se voc no estiver debaixo do sangue de Jesus, no h esperana. Sem derramamento de sangue, no h remisso de pecado. Suas obras no so suficientes para levar voc ao cu. Sua igreja no pode levar voc ao cu. Fora do sangue do Cordeiro de Deus, ningum pode entrar no cu. O grande avivalista Joo Wesley sonhou que foi ao inferno e perguntou: H metodistas aqui? Sim, muitos! H presbiterianos? Sim, muitos! H catlicos? Sim, muitos! Sonhou tambm que foi ao cu. E perguntou: H metodistas aqui? No! H presbiterianos? No! H catlicos? No! Aqui s h aqueles que foram lavados no sangue do Cordeiro!

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    2. A condio dos resgatados (1.18b). Fomos resgatados do ftil procedimento que nossos pais nos legaram. ramos no apenas escravos, mas levvamos uma vida vazia, improdutiva e sem propsito, num estilo de vida que passava de gerao a gerao. Esse ftil procedimento inclui a vaidade e iluso sem sentido, aquilo que constri um mundo de aparncias, em oposio realidade, por isso significa o falso, sem sentido e despropositado que se perpetua de gerao em gerao.106 A pessoa sem Cristo, mesmo cumulada de bens, vazia. No tem uma razo pela qual viver e morrer. Refletindo sobre essa condio humana antes da redeno, Mueller escreve:

    O homem, afastando-se de Deus, chegou a se tornar escravizado pelo pecado e pelas foras do mal, no tendo capacidade em si prprio para resistir a essa dominao interna e externa. Isso o que, basicamente, desencadeia todo o processo de injustia, de dominao e opresso que caracteriza a sociedade.107

    3. O sacrifcio do resgatador (1.19). Pedro no apenas lembra a seus leitores quem eles eram como tambm lhes traz memria o que Cristo fez. Jesus derramou seu sangue precioso para nos comprar da escravido da lei, do pecado, do diabo e da morte e para nos libertar para sempre. Resgatar significa libertar mediante o pagamento de um preo. Um escravo no imprio romano podia ser resgatado pelo pagamento de uma quantia em dinheiro, mas ns s podemos ser resgatados do pecado mediante o sangue de Cristo. Pedro evoca a libertao de Israel do cativeiro no Egito. Naquela fatdica noite, um cordeiro pascal foi morto no lugar da cada famlia, seu sangue foi aspergido nos batentes das portas e sua carne foi comida com ervas amargas. William Barclay observa que a figura do cordeiro

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  • O estilo de vida dos salvos

    pascal contm dois pensamentos gmeos: ser emancipados da escravido e ser libertados da morte.108 O profeta Isaas, no captulo 53 de seu livro, descreve esse Cordeiro mudo que foi imolado pelos nossos pecados, e Joo Batista aponta para Jesus como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Isaque perguntou: Onde est o cordeiro? (Gn 22.7) e Joo Batista respondeu, apontando para Jesus: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! (Jo 1.29).

    Holmer acertadamente registra: No crucificadocontemplamos o Cordeiro de Deus, no qual no apenas se realizou a profecia messinica de Isaas 53, mas tambm se cumpriu o significado proftico do cordeiro pascal, bem como de todos os sacrifcios que foram oferecidos no templo de Jerusalm.109 Jesus o ofertante e a oferta, o sacerdote e o sacrifcio. E o precioso sangue de Cristo que tem poder para libertar e transformar pessoas de tal maneira que toda a sua vida seja renovada.

    O Cordeiro de Deus no podia ter nem uma mancha sequer, nenhum pecado, ao pretender colocar-se no lugar das pessoas, sacrificar-se por elas e redimi-las. Unicamente Jesus atende a essa condio. Somente ele podia redimir a humanidade, o nico puro e sem pecados. Ele entregou por ns seu precioso sangue. Fez tudo para nos resgatar para a nova vida.110

    Simon Kistemaker conclui esse pensamento:Os autores do Novo Testamento ensinam que Cristo aquele cordeiro pascal. Joo Batista aponta para Jesus e diz: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! (Jo 1.29). Paulo comenta que nossa redeno foi efetuada por meio de Jesus Cristo, a quem Deus props, no seu sangue, como propiciao mediante a f (Rm 3.25). O autor aos Hebreus declara que Cristo no entrou nos

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    Santo dos Santos por sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu prprio sangue, entrou no Santo cios Santos uma vez por todas (Hb 9.12). E, em Apocalipse, Joo registrou a nova cano que os santos no cu entoavam a Cristo: Digno s de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, lngua, povo e nao (Ap 5.9).111

    4. O plano eterno da redeno (1.20a). Jesus Cristo o eterno propsito de Deus. Antes da fundao do mundo, ele j foi predestinado para a obra da redeno. Pedro deixa claro que a morte de Cristo no foi um acidente, mas o cumprimento de um plano, pois Deus a determinou antes da fundao do mundo. s vezes tendemos a pensar em Deus primeiro como Criador e depois como Redentor. Pensamos que Deus criou o mundo e depois, quando as coisas se complicaram com a queda, buscou alguma maneira de resgatar o mundo mediante Jesus Cristo. Mas aqui temos a majestosa viso de Deus como Redentor antes de ser Criador.112 O plano da redeno precedeu criao do universo. Nosso resgate no foi uma deciso de ltima hora. Deus planejou nossa salvao nos refolhos da eternidade. O Cordeiro de Deus foi morto desde a fundao do mundo (Ap 13.8).

    5. A manifestao do resgatador (1.20b). O Filho de Deus manifestou-se no fim dos tempos. Ele inaugurou esse tempo do fim em sua encarnao e consumar esse tempo em sua segunda vinda.

    6. O motivo da redeno (1.20c). Cristo veio ao mundo como Cordeiro substituto por amor de ns. Deus nos amou e no poupou o prprio Filho, antes por todos ns o entregou. Deus prova o seu prprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por ns, sendo ns ainda

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  • O estilo de vida dos salvos

    pecadores. Deus nos amou no por causa dos nossos mritos, mas apesar dos nossos demritos. ramos fracos, mpios, pecadores e inimigos.

    Em terceiro lugar, a f em Deus. Que, por meio dele, tendes f em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glria, de sorte que a vossa f e esperana estejam em Deus (1.21). Deus no uma entidade, um ser abstrato e indefinido, mas aquele que atua com poder na histria, aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos (1.3) e lhe deu glria (1.11).113 Temos, por isso, motivos sobejos para ' depositarmos nossa confiana em Deus. A f em Deus vem por meio de Cristo. Deus o ressuscitou e lhe deu glria, confirmando e aprovando sua obra redentora. A obra vitoriosa de Cristo nos d confiana para colocarmos nossa f em Deus com total e segura confiana. William Barclay afirmar que, por sua morte, Jesus nos emancipou do pecado e da morte; porm, por ressurreio, nos deu uma vida que to gloriosa e indestrutvel como a sua prpria vida. Por sua triunfante ressurreio, temos f e esperana em Deus (1.21).114

    Os salvos devem viver em amor {1.22-25)A terceira marca do salvos o amor. Pedro nos d duas

    razes eloquentes para a prtica do amor. Por que devemos amar nossos irmos ardentemente com amor fraternal?

    Em primeiro lugar, porque fomos purificados. Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obedincia verdade, tendo em vista o amor fraternal no fingido, amai-vos de corao, uns aos outros ardentemente (1.22). Os salvos foram no apenas redimidos da escravido, mas tambm purificados pela obedincia verdade. A verdade nos banha, nos limpa e nos purifica. O propsito real da nova vida em Cristo

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    o amor fraternal. A palavra grega filadelphia representa o amor entre irmos; os outros membros da igreja so assim includos dentro da famlia, tornando-se irmos no sentido prprio do termo.115 O amor a marca distintiva do cristo, o apangio do crente, a prova insofismvel do discipulado, a apologtica final (Jo 13.34,35).

    Em segundo lugar, porque fomos regenerados. Pois fostes regenerados no de semente corruptvel, mas de incorruptvel, mediante a palavra de Deus, a qual vive e permanente (1.23). Se temos uma nova vida, temos uma nova natureza. Se somos coparticipantes da natureza divina e Deus amor, ento expressamos essa filiao quando imitamos nosso Pai. O amor a marca do cristo, pois a evidncia mais eloquente da nossa salvao. Fomos gerados pela palavra. Antes de uma semente brotar, ela morre, mas a palavra de Deus no tem em si a inclinao da morte. Ela viva e vive. E permanente e conserva-se para sempre.

    Em terceiro lugar, porque nossa vida passageira. Pois toda carne como a erva, e toda a sua glria, como a flor da erva; seca-se a erva, cai a sua flor (1.24). Toda a raa humana est carimbada pela transitoriedade da vida. A humanidade est destinada morte. Nossa vida aqui passageira. Nossas glrias aqui so desvanecentes. O melhor da nossa beleza ou do nosso poder to vulnervel quanto a flor e to perecvel quanto a relva. O homem besuntado de orgulho imagina-se grande e poderoso, por sua fora, beleza, cultura e cincia. No entanto, apesar de tudo isso, no passa de carne. Sua beleza efmera como a flor, e seu poder, fugaz como a relva que se seca.

    Em quarto lugar, porque a palavra de Deus permanente. A palavra do Senhor, porm, permanece eternamente (1.25a). A profecia de Isaas citada por Pedro gira em torno da

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  • O estilo de vida dos salvos

    natureza perecvel de toda a carne, em contraste com a natureza imperecvel da Palavra de Deus. Ora, esta a palavra que vos fo i evangelizada (1.25b). E a palavra que no pode falhar, a palavra eterna, que nos orienta amar os irmos ardentemente, de todo o corao. Essa palavra sempre viva, atual e oportuna. Cabe-nos obedecer a ela sem detena e sem tardana.

    N o ta s d o c a p it u l o 3

    85 H o l m e r , U w e . Primeira Carta de Pedro, p . 1 5 6 .86 H o l m e r , U w e . Primeira Carta de Pedro, p . 1 5 7 .87 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p . 8 1 .88 M u e l l e r , Enio R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 9 8 .89 Barclay, William. Santiago, I y I I Pedro, p. 210.90 H o l m e r , U w e . Primeira Carta de Pedro, p . 1 5 8 .91 W ie r sbe , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 5 1 0 .92 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p . 8 2 .93 M u e l l e r , E n io R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 9 8 ,9 9 .94 W ie r s b e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p . 5 1 0 .95 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 83.% H o l m e r , U w e . Primeira Carta de Pedro, p . 1 5 9 .97 M u e l l e r , Enio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 101.98 M u e l l e r , Enio R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 1 0 2 .

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  • 1 P edro Com os ps no vale e o corao no cu

    99 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 102,103-100 M u e l l e r , n io R. IPedro: Introduo e comentrio, p . 103-101 W ie r sb e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 512.102 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p. 161.103 W ie r s b e , Warren W. Comentrio bblico expositivo, p. 513.104 M u e l l e r , n io R . I Pedro: Introduo e comentrio, p . 1 0 6 .105 B l u m , Edwin A. 1 Peter. In: Zondervan N IV Bible Commentary. Vol.

    2. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1994, p. 1045.106 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 108.107 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 107-108 Ba r c l a y , William. Santiago, I y I I Pedro, p. 212.109 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p. 164.110 H o l m e r , Uwe. Primeira Carta de Pedro, p. 165.111 K is t e m a k e r , Simon. Epstolas de Pedro e Judas, p. 92.112 Ba r c l a y , William. Santiago, I y IIPedro, p. 212.113 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 112.114 Ba r c l a y , William. Santiago, I y IIPedro, p. 213.115 M u e l l e r , nio R. I Pedro: Introduo e comentrio, p. 115-

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  • Captulo 4

    O crescimento espiritual dos salvos

    (IPe 2.1-10)

    O a p s t o l o P e d r o , a p s falar sobre o estilo de vida dos salvos, passa a tratar do crescimento espiritual dos que se converteram a Cristo. Por meio da conjuno portanto, o trecho se conecta ao anterior. Apoia-se nele, mas representa nitidamente um novo bloco com outro direcionamento.116 A salvao ser consumada na segunda vinda de Cristo. Ns, que j entramos no reino da graa, aguardarmos com vvida esperana o triunfo do nosso Salvador, quando ele colocar todos os inimigos debaixo dos seus ps e nos levar para seu reino de glria.

    Pedro elenca no texto os passos necessrios para o crescimento espiritual. Vamos examin-lo a seguir.

  • 1 Pedro Com os ps no vale e o corao no cu

    O despojamento do pecado necessrio (2. 1)O crescimento espiritual vem por meio da ruptura com

    prticas de pecado que marcaram nossa vida antes de nosso encontro com Cristo. Vivamos uma vida vazia e ftil. ramos escravos de nossas paixes. Andvamos num caminho de escurido. Agora somos novas criaturas em Cristo e fomos gerados pela Palavra; no podemos mais continuar andando na prtica dos mesmos pecados. Precisamos arrancar da nossa vida esses pecados como se fossem trapos imundos. Todos os cinco pecados alistados apresentam uma relao horizontal, ou seja, tm que ver com nossos relacionamentos interpessoais. Que pecados so esses dos quais precisamos despojar-nos?

    Em primeiro lugar, a maldade e o dolo. Despojando-vos, portanto, de toda maldade e dolo... (2.1). A palavra toda abrangente e no permite excees. A palavra grega apothemenoi, traduzida por despojando-vos, significa deixando de lado, referindo-se ao gesto de tirar uma roupa.117 O que deve ser deixado de lado apresentado na forma de um pequeno catlogo de vcios.118 A maldade e o dolo no so compatveis com a vida que temos em Cristo. Esses pecados so como roupas contaminadas e sujas que precisamos remover de nossa vida. A palavra grega kakia, traduzida por maldade, um termo bem amplo e parece abranger toda a iniquidade do mundo pago.119 Os outros pecados mencionados nesse catlogo de vcios so ilustraes e manifestaes dessa maldade. Kistemaker diz que maldade o desejo de causar dor, mal ou sofrimento ao nosso prximo.120 J a palavra grega dolos, traduzida por dolo, representa aquele esprito traioeiro que no hesita em usar meios questionveis para sobressair-se ou obter vantagens.121 O dolo assume a aparncia de verdade

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  • O crescimento espiritual dos salvos

    para que o desavisado seja enganado.122 William Barclay aponta que dolos mostrar duas caras. E o vcio do homem cujos motivos sao sempre adulterados, nunca puros.123 Poderamos afirmar que maldade a atitude intencional de fazer o mal contra o prximo, e dolo a inteno de fazer o mal, ocultando isso nas palavras e nos gestos.

    Em segundo lugar, hipocrisias e invejas. ...de hipocrisias e invejas... (2.1). A palavra grega hypokrisis est ligada a hypokrites, que descrevia o ator, algum que o tempo todo est representando uma comdia, que sempre est ocultando seus verdadeiros motivos, que expressa sentimentos distintos dos que tm em seu interior, que se exprime com palavras que no correspondem a seus verdadeiros sentimentos.124

    Hipocrisia fingimento, ou seja, colocar uma mscara e vestir um capuz para ocultar a verdadeira identidade. E fazer da vida um palco para representar um papel, buscando aplausos. O hipcrita finge ser aquilo que no . Holmer destaca que existem muitas tentaes para a hipocrisia. H o risco de realizar, por exemplo, o jejum, a orao e as oferendas no por amor a Deus, mas por amor ao ser humano; no de corao, mas para usufruir uma imagem favorvel perante as pessoas. A hipocrisia, ainda, pode ser identificada quando um ser humano alimenta secretamente de um pensamento pecaminoso, mas por fora preserva a aparncia devota. E por isso que Jesus alertou to severamente contra a hipocrisia (Lc 12.1).125

    A palavra grega fthonos, traduzida por invejas, descreve o sentimento mesquinho de querer ocupar o lugar do outro. At no grupo dos apstolos a inveja subiu a cabea. Quando Tiago e Joo levaram seu pedido a Jesus para ocuparem lugar de proeminncia no seu reino, os demais ficaram tomados de inveja (Mc 10.41). At mesmo na

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  • 1 P edro Com os ps no vale e o corao no cu

    ltima ceia, os discpulos disputaram lugares de honra (Lc 22.24). Enquanto o ego permanecer ativo dentro do corao humano, haver inveja.126 Inveja corresponde ao desejo de ser quem o outro , de ter o que outro tem. A inveja se expressa no desejo de possuir algo que pertence a outro. Uma pessoa invejosa dominada por uma incurvel ingratido.

    Em terceiro lugar, maledicncias. ... e de toda sorte de maledicncias (2.1). A palavra grega katalalia, traduzida por maledicncia, significa falar mal, quase sempre cmo fruto da inveja instalada no corao e normalmente quando a vtima no est presente para se defender.127 Maledicncia traz a ideia de um falatrio maldoso a respeito da vida alheia. E fazer da lngua uma espada afiada para ferir, um fogo mortfero para destruir e um veneno letal para matar. Maledicncia no apenas sentir e desejar o mal contra o prximo, mas afligi-lo e atorment-lo com o azorrague da lngua.

    Pedro no instrui os seus leitores a lutarem contra esses males, mas a se livrarem deles. Precisamos livrar-nos deles como nos livramos de uma roupa suja e contaminada.

    A dieta espiritual importante (2.2,3)Pedro passa daquilo que devemos despojar para o que

    devemo