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1 SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL ARTIGO CIENTÍFICO ÁREA: PEDAGOGIA NOME DO PROFESSOR PDE: MARIA FLORENTINA ALVES BORGHI NOME DO ORIENTADOR: MARIA TEREZINHA BELLANDA GALUCH 2007/2008

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

ARTIGO CIENTÍFICO

ÁREA: PEDAGOGIA

NOME DO PROFESSOR PDE: MARIA FLORENTINA ALVES BORGHI NOME DO ORIENTADOR: MARIA TEREZINHA BELLANDA GALUCH

2007/2008

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AA MMEEDDIIAAÇÇÃÃOO NNOOSS PPRROOCCEESSSSOOSS DDEE EENNSSIINNOO EE AAPPRREENNDDIIZZAAGGEEMM NNAA PPEERRSSPPEECCTTIIVVAA HHIISSTTÓÓRRIICCOO--CCUULLTTUURRAALL

Maria Florentina Alves Borghi1

RESUMO A mediação é um dos conceitos centrais discutidos pela Teoria Histórico-Cultural e tem fundamentado muitas pesquisas que se ocupam dos processos de ensino e aprendizagem. Todavia, muitas vezes, tanto nas publicações decorrentes de pesquisas acadêmicas, como em práticas pedagógica que se fundamentam neste referencial teórico, enfatiza-se a mediação no que se refere à relação que os indivíduos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem – professores e alunos – estabelecem entre si. Neste artigo, temos o objetivo de discutir a mediação, tomando como referencial os pressupostos de autores da Teoria Histórico-Cultural, porém voltando nossa atenção para o caráter mediador dos conhecimentos de todas as áreas. A compreensão da mediação nessa perspectiva traz subsídios para a organização de um ensino orientado para a aprendizagem como possibilidade de desenvolvimento das capacidades complexas do pensamento. PALAVRAS CHAVE: ensino, aprendizagem, mediação, Teoria Histórico-Cultural. ABSTRACT

Mediation is one of the important aspects of the Historic-Cultural Concept. In this article we have the objective of discussing its significance, as shown by representatives of this theory since, often in teaching practices, the concept of mediation is interpreted limiting itself to the relationship that individuals involved in the teaching and learning process - teachers and students - establish between themselves. We take as reference the knowledge produced by Vygotsky, Leontiev and Luria, as well as contemporary theorists who offered to interpret the ideas of authors of that theory. I noticed that the understanding of such knowledge may subsidize the organization of an education conscious and intentional, targeted for learning as a possibility for developing the skills of complex thought. KEY WORDS: Teaching, Learning, mediation, Historic-Cultural Theory. ____________________ 1 Professora da rede pública de ensino e participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR, da área de Pedagogia, do Núcleo Regional de Maringá.

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INTRODUÇÃO

A Concepção Histórico-Cultural, cujos principais representantes são

Vigotski, Leontiev e Luria, tem norteado um número considerável de pesquisas na

área do ensino, bem como a sistematização de propostas curriculares. Dentre os

principais conceitos sistematizados por esta teoria, a mediação é um dos que

mais têm sido destacados. Todavia, o que se observa é que, muitas vezes, tanto

nas pesquisas como em práticas pedagógicas que delas decorrem, o significado

limita-se à relação que os indivíduos estabelecem entre si. Um indivíduo aprende

com o outro, os menos experientes aprendem com os mais experientes, alunos

aprendem com outros alunos e com o professor. Embora este seja um dos

aspectos da mediação, seu significado vai além e merece ser melhor

compreendido.

A tarefa de compreender o significado e as decorrências da mediação

no ensino e na aprendizagem escolares exige aprofundamento teórico no sentido

de responder às seguintes questões: qual o significado da mediação na

Concepção Histórico-Cultural? Qual o papel da mediação nos processos de

ensino e aprendizagem de conteúdos escolares e, conseqüentemente, no

desenvolvimento das funções complexas do pensamento?

SOBRE O CONCEITO DE MEDIAÇÃO

Apropriar-se do conceito de mediação é tarefa imprescindível para a

compreensão de como se formam as funções psicológicas superiores. Num

sentido mais amplo, mediação significa o processo de intervenção de um

elemento numa relação estabelecida entre o sujeito e um fenômeno ou fato da

realidade. Para os teóricos da psicologia Histórico-Cultural, a relação humana

com o mundo é sempre uma relação mediada. Eles recorrem aos postulados

marxistas para explicar o desenvolvimento da espécie humana, que desde os

primórdios caracteriza-se pela organização em grupos e pela realização de

atividades dotadas de intencionalidade, direcionadas ao atendimento de

necessidades concretas de subsistência. Para Oliveira (2006, p. 3),

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A categoria de atividade humana é a categoria central da fundamentação filosófica da obra vigotskiana, a qual tem como matriz os fundamentos ontológicos e sócio-históricos de Marx. Isso quer dizer que o significado dessa categoria nessa obra, bem como na obra dos demais autores soviéticos da assim chamada escola ‘histórico-cultural’, [...] se refere a uma determinada mediação entre homem e natureza, entendendo-se aí, também, a natureza já modificada por esse homem. Trata-se da atividade humana – o trabalho humano.

A atividade humana modifica o meio físico e natural, gera novas

necessidades, e num movimento dialético modifica as condições de vida e

desenvolve a consciência social e individual dos homens. As condições atuais de

vida, identificadas nos avanços tecnológicos, nos bens produzidos, nas formas de

organização social e no nível de desenvolvimento da sociedade, constituem a

história, que não pode ser entendida como uma evolução espontânea e natural.

Num movimento contínuo, em que os homens interagem uns com os outros, não

é a consciência que dá origem à realidade material; ao contrário, do domínio e da

transformação da realidade material decorre o desenvolvimento da consciência.

Sobre esta questão, Palangana, Galuch e Sforni (2002 p. 114) dizem: “as formas

e o conteúdo do pensamento transformam-se a depender das novas

necessidades que os homens criam e das atividades que empreendem para

enfrentar esses desafios”. Leontiev caracteriza a idéia do processo histórico e

social da formação da consciência, dizendo:

No decurso da sua história, a humanidade empregou forças e faculdades enormes. A esse respeito, milênios de história social contribuíram infinitamente muito mais que milhões de anos de evolução biológica. Os conhecimentos adquiridos durante o desenvolvimento das faculdades e propriedades humanas acumularam-se e transmitiram-se de gerações em gerações (LEONTIEV, 2004, p.176).

Ao nascerem, os sujeitos não precisam reconstruir o processo

vivenciado por seus antepassados, para que possam se desenvolver. Para se

tornar homem, cada indivíduo se apropria dos conhecimentos produzidos pela

humanidade e objetivados nos instrumentos físicos e simbólicos, ou seja, o seu

desenvolvimento deve-se às experiências sociais que possibilitam a

internalização da tecnologia existente, de conhecimentos, informações, valores e

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costumes postos na sociedade. O nível de desenvolvimento mental do indivíduo

corresponde às condições reais de vida da sociedade do seu tempo, que

pressupõem um processo historicamente determinado.

A atividade do homem primitivo, que caçava em busca de alimento,

demonstra que suas ações eram intencionais, direcionadas ao atendimento de

uma necessidade de subsistência: saciar a fome. A utilização de um pedaço de

pau ou de uma pedra aumentava as possibilidades de vencer o animal,

estabelecendo-se, assim, ações mediadas por instrumentos. Esse é o primeiro

aspecto da mediação: para resolver as necessidades e os problemas que lhe

são postos, os seres humanos atuam sobre o meio, e suas ações são

mediadas por instrumentos, que são produzidos para atender a

necessidades concretas . O processo de produção e utilização de instrumentos,

de transformação do meio, de produção das condições de vida caracteriza o

trabalho, atividade essencialmente humana, que envolve intencionalidade,

consciência das ações e dos objetivos a serem alcançados. “É o trabalho que,

pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e

cria a cultura e a história humana” (OLIVEIRA, 2005, p. 28). Do trabalho, decorre

a transformação da realidade material e da própria história, pois as necessidades

não são sempre as mesmas e os instrumentos também se transformam. Esse

movimento constitui o processo histórico do desenvolvimento humano e da cultura

em seu aspecto mais amplo. Para melhor compreender esta questão, tomemos

como exemplo a necessidade de alimentação: hoje, a necessidade básica de o

indivíduo alimentar-se para sobreviver permanece, entretanto os meios para se

conseguir os alimentos, além dos hábitos e gostos em relação à alimentação,

sofreram profundas modificações que são transmitidas às novas gerações.

O atendimento à determinada necessidade modifica o meio, as

condições de vida humana e o próprio homem. Da atividade humana e das

conseqüentes transformações no meio natural e cultural, decorre o

desenvolvimento das características humanas, procedentes de uma realidade

estabelecida em tempo e espaço historicamente determinados. Neste sentido,

funções psíquicas, como o pensamento, a memória, o raciocínio, a imaginação, a

percepção e a atenção voluntária, não se desenvolvem espontaneamente. Estas

decorrem da atividade mental exigida nas situações objetivas postas aos

indivíduos e nas suas relações com o meio físico, c ultural e social, que

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envolvem o segundo aspecto da mediação: a mediação de signos. E o que

são os signos?

Se os instrumentos são mediadores das atividades de trabalho, os

signos são os recursos utilizados pelos homens como mediadores de suas

atividades psíquicas como a representação mental de situações vivenciadas ou

não, que compõem a realidade – objetos, pessoas, atos, informações,

conhecimentos. Assim, imagens, gravuras, palavras, gestos, marcas atuam como

ferramentas da atividade mental. Ao pronunciar, por exemplo, a palavra mesa,

vem à memória o objeto cujo signo que generaliza as características essenciais é

a palavra.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho (VIGOTSKI, 1991, p. 59,60).

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores acontece

mediante a apropriação dos signos que passam a atuar como ferramentas

mediadoras entre os indivíduos e a realidade. É possível imaginar, pensar, falar

ou escrever sobre coisas ou situações ausentes, desde que façam parte do

universo de conhecimentos que os sujeitos se apropriaram em situações de

interação. Mas como estão organizados os signos?

Nas relações que os homens estabelecem entre si em atividades

coletivas impôs-se a necessidade de comunicação, isto é, da linguagem, que se

caracteriza pela organização de signos em estruturas complexas e articuladas. E

isso possibilitou funções psíquicas mais complexas, como o pensamento, o

raciocínio e diferentes formas de comunicação e representação da realidade.

Para Oliveira,

[...] a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos [...]. Como o sujeito a adquire? É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos

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psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo (OLIVEIRA, 2004, p. 36).

E como os sujeitos se apropriam desse sistema simbólico? É um

processo espontâneo, estabelecido pelas condições biológicas? Esses

questionamentos podem ser respondidos pelas palavras de Fontana, ao se referir

à apropriação da linguagem pela criança. Assim escreve a autora:

Inserida num contexto cultural historicamente constituído a criança, desde seus primeiros momentos de vida, está imersa em um sistema de significações sociais. Os adultos procuram ativamente incorporá-la à reserva de significados e ações elaborados e acumulados. Na mediação do/pelo outro revestida de gestos, atos e palavras (signos) a criança vai integrando-se, ativamente, às formas de atividade consolidadas (e emergentes) de sua cultura, num processo em que pensamento e linguagem articulam-se dinamicamente (FONTANA, 2005, p. 15).

Do ponto de vista histórico, a linguagem desenvolveu-se juntamente

com as transformações, na realidade material. À medida que determinado grupo

social tem para si a possibilidade de transformação do meio em que vive,

conseqüentemente, necessita operar mentalmente essas transformações, seja

pela necessidade de representação mental, de sistematização de conhecimentos

ou de comunicação com os demais membros do seu grupo.

Para Luria, a palavra tem a função de representação material, ou

representação da realidade, o que possibilita, a qualquer momento, a

comunicação, a evocação mental de objetos e de fenômenos ou situações,

mesmo que estejam ausentes. A palavra tem também a função de abstração e

generalização das propriedades essenciais dos fenômenos e objetos. “Ao

dominar a palavra, o homem domina automaticamente um complexo sistema de

associações e relações em que um dado objeto se encontra e que se formaram

na história multissecular da humanidade” (LURIA, 1994, p. 20). Assim, por

exemplo, quando se produziu a roda, ela não se caracterizou como um objeto

sem sentido e significado. A roda foi “pensada” com base em determinadas

necessidades objetivas. A palavra “roda” traz em si conhecimentos, conceitos e

informações relacionados à sua produção e às suas formas de utilização.

Vale ressaltar que a roda é apenas um exemplo e que embora nos

pareça natural sua presença no mundo atual, ela tem uma história milenar, cujas

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transformações foram geradas por necessidades e possibilidades reais de

utilização. Quanto mais complexa a sociedade e maior o poder de transformação

da realidade, mais complexa se torna a linguagem como instrumento de

representação. Neste sentido, o domínio atual dos homens sobre o mundo,

representado por tecnologias, conhecimentos e informações, constituem, ao

mesmo tempo, a prática social e o nível de consciência. Para Leontiev (2004, p.

95), “[...] devemos considerar a consciência (o psiquismo) no seu devir e no seu

desenvolvimento, na sua dependência essencial do modo de vida, que é

determinado pelas relações sociais existentes e pelo lugar que o indivíduo

considerado ocupa nestas relações”. O processo de desenvolvimento das funções

psíquicas precisa ser entendido e explicitado, de modo que entendamos a

dimensão social e cultural a priori, em detrimento do enfoque biológico,

maturacional.

DESENVOLVIMENTO: ÊNFASE NO ASPECTO SOCIAL

Para explicar o desenvolvimento humano, os representantes da

Psicologia Histórico-Cultural apóiam-se na visão marxista que pressupõe dois

aspectos fundamentais: a filogênese e a ontogênese. A filogênese refere-se às

características comuns a todos os membros da espécie, ou seja, os caracteres

biológicos e genéticos herdados de seus descendentes, que constituem as

possibilidades de desenvolvimento comuns a todos os membros da espécie. A

ontogênese consiste no desenvolvimento individual das características humanas,

por meio de um processo que é histórico, e sócio-cultural. Leontiev (2003, p. 76),

ao afirmar que “o aparecimento e o desenvolvimento do trabalho, condição

primeira e fundamental da existência do homem, acarretaram a transformação e a

hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos dos

sentidos”, fornece elementos para a análise e compreensão destes dois aspectos

do desenvolvimento. O cérebro, os membros e os órgãos dos sentidos humanos

são características comuns a todos os indivíduos, constituindo, assim, a

filogênese. Entretanto, o desenvolvimento não pode ser concebido como um

processo espontâneo e natural. Embora a maturação biológica deva ser

considerada, pois as habilidades pressupõem o desenvolvimento do sistema

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nervoso, para a Perspectiva Histórico-Cultural, os aspectos sociais e culturais do

desenvolvimento são predominantes sobre o maturacional.

Analisando, por exemplo, o cérebro e os sentidos (visão, audição, tato,

olfato e paladar), cujas características biológicas são comuns a todos os seres

humanos (filogênese), podemos observar que são fundamentais para o

desenvolvimento do bebê, pois possibilitam a interação com o meio: ele ouve, vê,

cheira, tem paladar e sente os contatos, as temperaturas, etc. Entretanto, o seu

desenvolvimento, além do aspecto maturacional, demanda a internalização dos

significados socialmente constituídos do que ele vê, ouve, cheira ou percebe, o

que caracteriza a ontogênese, em sua dimensão histórica e sócio-cultural.

Estabelece-se, assim, o desenvolvimento da consciência, numa nítida relação

entre as condições biológicas, em seus aspectos genéticos e maturacionais, e a

apropriação, pelo indivíduo, dos sentidos e significados socialmente

estabelecidos. Qual é, então, a relação entre a aprendizagem e o

desenvolvimento?

APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO: A UNIDADE DESSES PROCESSOS

Para Vigotski (1994, p. 116), “[...] o processo de desenvolvimento não

coincide com o da aprendizagem, o processo de desenvolvimento segue o da

aprendizagem, que cria a área de desenvolvimento potencial”. Assim,

desenvolvimento e aprendizagem são dois processos distintos, porém

interdependentes. A aprendizagem promove avanços no nível de

desenvolvimento, que por sua vez possibilita aprendizagens mais complexas.

Aprender é reconstruir internamente conceitos e significados socialmente

produzidos. Uma vez apreendidos, os conhecimentos passam a constituir o

conteúdo intelectual, possibilitando à criança operar mentalmente com eles.

“Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso

do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas

atividades sociais, [...]; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades

internas do pensamento da criança [...]” (VIGOTSKI, 1994, p. 114).

Aprender significa “[...] elaborar modelos, articular conceitos de vários

ramos da ciência, de modo a cada conhecimento apropriado pelo sujeito ampliar-

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lhe a rede de informações e lhe possibilitar tanto a atribuição de significados como

o uso dos conceitos como instrumentos de pensamento” (GALUCH e SFORNI, p.

4). Tais afirmações significam que a aprendizagem pressupõe a internalização, ou

seja, a criança toma para si os conteúdos, transformando-os em mediadores de

suas atividades psíquicas. Podemos entender esse processo, em que o social

precede o individual, quando, por exemplo, tendo trabalhado determinado

conteúdo com uma turma, o professor percebe que, dentre os alunos, ocorreram

diferentes níveis de compreensão. A aprendizagem pressupõe aprendizagens

anteriores, de modo que os conhecimentos internalizados promovam o nível do

desenvolvimento cognitivo e viabilizem novas aprendizagens. Dessa forma, é

importante compreendermos que as aprendizagens já consolidadas em situações

anteriores atuam como zona proximal para novas aprendizagens. Da mesma

forma, os conhecimentos mediados pelo professor nas situações de ensino, uma

vez internalizados, promovem o desenvolvimento cognitivo e potencializam novas

aprendizagens.

Nessa concepção, é importante considerar a existência de dois níveis

de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real e a zona de

desenvolvimento proximal. O nível de desenvolvimento real refere-se àquelas

situações em que a criança já consegue operar autonomamente, sem o auxílio de

alguém. A zona de desenvolvimento proximal explica-se pelas operações que a

criança só consegue resolver com o auxílio de pessoas mais experientes.

Portanto, exige a mediação de alguém, justamente porque faz parte de processos

mentais que ainda não estão internalizados.

Segundo Vigotski (2001, p. 334), “a disciplina formal de cada matéria

escolar é o campo em que se realiza essa influência da aprendizagem sobre o

desenvolvimento”. Embora esses pressupostos tenham sido sistematizados há

muitos anos, havendo inúmeras pesquisas a respeito da Teoria Histórico-Cultural

e do ensino escolar, não há fórmulas para orientar a prática docente. O ensino

precisa ser pensado como um processo contínuo em que cada conteúdo e cada

situação sejam objetos de avaliação e análise, para que se estabeleçam as

devidas relações entre os conceitos teóricos e o ensino propriamente dito, e

assim adotar procedimentos cada vez mais apropriados. Em relação aos

conteúdos, Sforni (2004, p. 12) escreve: “Um conhecimento significativo [...] é

aquele que se transforma em instrumento cognitivo do aluno, ampliando tanto o

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conteúdo quanto a forma do pensamento.” Dessa afirmação, é possível

depreender a relevância do papel do conteúdo como propulsor do

desenvolvimento intelectual. Isso nos leva a pensar que no processo de ensino

não basta o domínio teórico por parte daquele que o organiza. Também a

metodologia precisa ser pensada, planejada e avaliada constantemente. Como

escreve Saviani:

“[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (SAVIANI, 1991, p. 21).

Não basta a ementa e o rol de conteúdos de uma disciplina,

estabelecidos para determinada série e nível de ensino, é fundamental que na

seleção dos conteúdos seja considerada a sua relevância, caracterizada pela

dimensão social de universalidade. Tarefa não menos importante é a escolha do

material utilizado, os tipos de textos, a pertinência dos conceitos abordados, os

recursos necessários à aprendizagem. Dessa forma, identificados os conceitos

que devem ser apreendidos, impõe-se a necessidade de serem pensadas

estratégias direcionadas à interpretação, à compreensão e internalização, à

análise e síntese por parte dos alunos. E essas capacidades podem ser

verificadas durante os processos de ensino e aprendizagem, na interação

professor/aluno, na resolução de situações-problema, nas produções, na

realização de atividades. Para Palangana, Galuch e Sforni (2002, p. 115),

[...] na escola, é preciso estar atento à qualidade das informações, do saber mediado na relação professor/aluno, uma vez que esse saber carrega em si potencialidades em termos de formação. O conteúdo escolar transforma-se em funções mentais, afetivas, psíquicas em geral, as quais compõem os fundamentos do pensamento. De modo que, antes de se questionar a qualidade de raciocínio, de percepção, de atenção, enfim, de pensamento dos alunos, é preciso interrogar sobre a qualidade e o como os conteúdos vêm sendo trabalhados em sala de aula. Será que estão propiciando raciocínios mais complexos? Formando uma percepção que ultrapassa o imediatamente dado? Possibilitando discriminar, duvidar, em última instância, promovendo

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capacidades cognitivas que permitam apreender a realidade social em suas contradições, em seus fundamentos?

Esses aspectos se constituem em objeto de análise por parte do

professor. As aprendizagens ou as dificuldades dos alunos é que orientam o

processo avaliativo, tendo-se em vista o contexto que envolve o conteúdo, a

pertinência dos recursos didáticos, as estratégias estabelecidas e utilizadas em

sala de aula e o envolvimento do aluno, em que os resultados podem ser

observados na sua participação efetiva, na realização de atividades e nas

conseqüentes produções.

Na tentativa de refletirmos a respeito da necessidade de se pensar o

ensino, de se estabelecer as devidas relações entre conteúdo, fundamentos

teóricos, metodologia, ensino e aprendizagem, de modo que os conteúdos

escolares das diferentes áreas do conhecimento possam ser instrumentos

mediadores do pensamento, teceremos algumas reflexões a respeito do ensino e

da aprendizagem em diferentes áreas curriculares.

LEITURA E ESCRITA: MEDIADORES CULTURAIS

Na perspectiva de Vigotski, a aprendizagem da criança inicia-se muito

antes do ensino escolar. Em suas experiências cotidianas no convívio sócio-

cultural ocorre a apreensão de uma infinidade de conceitos. São aprendizagens

espontâneas, decorrentes da comunicação, de atividades cotidianas, da interação

social, da manipulação de objetos, que possibilitam determinado nível de

compreensão da realidade em que ela vive. A apropriação da linguagem viabiliza

a comunicação, a abstração, a representação e o pensamento. A relação da

criança com o mundo da escrita ocorre de várias formas: com os meios de

comunicação de massa, com a televisão, com os rótulos de diferentes produtos,

com os anúncios e propagandas. Enfim, há uma infinidade de situações extra-

escolares que possibilitam experiências com o mundo da escrita. Mesmo não

tendo se apropriado da leitura e da escrita, a criança passa por experiências que

lhe possibilitam compreender a função social exercida pela escrita. Esses

conhecimentos caracterizam a zona de desenvolvimento proximal da criança em

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relação à aprendizagem da leitura e da escrita, e devem ser o ponto de partida

para o ensino e a aprendizagem escolar. Palangana, Galuch e Sforni (2002, p.

1117) dizem:

Na idade pré-escolar, a aprendizagem não é sistematicamente planejada, as regulações provenientes daqueles com quem a criança convive são menos intensas e orientadas. Já no período de escolarização, ela é submetida a um processo intencional de elaboração do conhecimento. Isto é, previamente planejado. Aqui, as funções cognitivas se complexificam, aumentando, por decorrência, a responsabilidade do professor, que participa próxima e intensamente desse processo. Os alunos, de um modo ou de outro, estão à mercê de seus desígnios. Os conteúdos escolares, os mecanismos de raciocínio e de análise, empregados pelo professor, se apreendidos pelos alunos, tornam-se instrumentos do pensamento também destes últimos.

Ciente da função de mediador do conhecimento, as atenções do

professor direcionam-se a este fim: que a criança aprenda a ler e a escrever, o

que inicialmente, requer a atenção para os aspectos da codificação e

decodificação. À medida que o aluno vai se apropriando dos códigos lingüísticos

necessários à leitura e à escrita, ler e escrever vão se transformando em

conhecimento real. A generalização significa a transformação da aprendizagem

da leitura e da escrita em ferramentas psicológicas mediadoras de aprendizagens

mais complexas, como a produção textual, a exposição de idéias de forma

organizada e coerente, a interpretação de textos, os conteúdos gramaticais, ou

até mesmo, a apreensão de conteúdos das outras áreas do conhecimento. A

apropriação da leitura e da escrita é um processo que vai além das séries iniciais

do ensino fundamental. Em cada nível de ensino, os atos de ler e de escrever

precisam ser pensados como possibilidades de avanços na apropriação,

sistematização, organização e representação de idéias e de conceitos,

envolvendo todas as áreas do conhecimento. Pensar a apropriação dos

conteúdos específicos de cada disciplina escolar implica sua sistematização na

escrita de forma clara, coerente e organizada. A leitura e a escrita transformam-se

em ferramentas mediadoras entre o indivíduo e a cultura existente.

A MATEMÁTICA COMO SIGNO MEDIADOR

Os pressupostos da Matemática, analisados a partir da história,

possibilitam compreendê-la como instrumento necessário à atividade humana na

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resolução de problemas, na compreensão, descrição e modificação da realidade.

Atividades como contar, medir, somar, dividir, subtrair, multiplicar são

necessidades criadas em situações práticas, como por exemplo, na agricultura,

nas divisões de terra, nas construções. As próprias formas geométricas podem

ser observadas historicamente nos artesanatos, nas construções, na indústria ou

mesmo em outras situações cotidianas de povos e comunidades remotas. Elas

“[...] foram criadas e modificadas de acordo com o desenvolvimento do trabalho

dos homens em construções, no artesanato, na indústria, e na relação do homem

com a natureza” (Concepção de Matemática) Como qualquer outra área do

conhecimento, as necessidades reais são mobilizadoras da criação, utilização e

modificação dos conhecimentos matemáticos.

Na ciência da Matemática, as possibilidades de avanços, de

modificações, de novas produções são infinitas e estão sempre se concretizando.

Os resultados das pesquisas estão presentes no cotidiano, integrando e

viabilizando as atividades de trabalho, de lazer, ou mesmo, convertidos em

objetos, em tecnologias, presentes nos mais diversos ambientes.

Ao ingressar na escola, a criança já passou por experiências que lhe

possibilitaram o desenvolvimento de conceitos matemáticos básicos, relacionados

a quantidades, à seriação e à classificação. São conceitos espontâneos, cuja

explicação e significação encontram-se na superficialidade da realidade objetiva

aparente. Sobre essa questão, Vigotski (1994, p. 109) diz que

[...] a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética, mas já muito antes de ir à escola adquiriu determinada experiência referente à quantidade, encontrou já várias operações de divisão e adição, complexas e simples; portanto, a criança teve uma pré-história de aritmética [...].

Qual a função da escola, em relação ao ensino da Matemática? É

freqüente a constatação do ensino de conteúdos matemáticos de forma

totalmente dissociada do seu contexto social de produção e de utilização. Os

conceitos são apresentados e ensinados sem se estabelecer as devidas relações

entre conceitos e realidade. Os signos matemáticos representam um universo de

informações, de conhecimentos, de possibilidades de resoluções de situações-

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problema. São produções humanas e sociais, que constituem o universo cultural

produzido pela humanidade. Pensar o ensino formal da Matemática é tarefa que

requer empenho no sentido de proporcionar à criança condições de internalização

consciente dos conceitos, dos significados socialmente estabelecidos, de modo a

compreendê-los e explicá-los, e, sobretudo, utilizá-los em diferentes situações.

Como nas demais áreas do conhecimento, os conceitos da Matemática, uma vez

apreendidos, transformam-se em elementos mediadores do pensamento do

aluno, possibilitando uma relação mais aprimorada com o mundo e com a

realidade mais próxima. Dessa forma, a aprendizagem converte-se em

desenvolvimento cognitivo, o que fica evidente quando “[...] a criança aplica as

operações mentais, apreendidas em uma dada situação, em outras diferentes, e o

faz com desenvoltura” (PALANGANA, GALUCH e SFORNI, 2002, p. 19).

O ENSINO DE GEOGRAFIA

O universo de conhecimentos da Geografia é infinitamente amplo,

envolve não só os espaços físicos naturais, mas, sobretudo, os espaços

ocupados e produzidos socialmente, modificados pela ação do homem, em

atendimento às suas necessidades. A Geografia não é constituída de conceitos

estáticos, prontos e acabados, pois está relacionada à própria vida, às

necessidades humanas, que movem transformações, produzem situações e

realidades que passam a constituir seu objeto de estudo, em dado momento

histórico e social. Assim, os mapas, os dados estatísticos, os textos didáticos

designados a tratar dos diferentes conteúdos geográficos são carregados de

significados humanos e históricos, de ordem econômica, social e política. A

apropriação dos conteúdos da Geografia demanda a seleção de recursos

didáticos e de procedimentos adequados, de modo a possibilitar a compreensão

dos significados históricos humanos e sociais, implícitos em cada conteúdo. “A

aprendizagem vai além da apropriação de um conteúdo especifico e significa,

também, o desenvolvimento de capacidades cognitivas que possibilitem a ação

sobre o conhecimento elaborado” (PALANGANA, GALUCH e SFORNI, 2002,

p.121).

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Para exemplificar, nas séries iniciais do ensino fundamental, é

conteúdo da Geografia o estudo do Município. O nível real de conhecimento da

criança sobre o assunto limita-se aos conceitos espontâneos, elaborados

diretamente por meio das experiências vividas fora da escola. Sistematizar o

ensino do conteúdo “Município” implica viabilizar a apreensão de conceitos

relevantes sobre o espaço do município nas suas relações com outros espaços,

ou seja, explicitar o município, as relações entre o meio urbano e o meio rural, a

localização e a representação espacial do município, os limites e a inclusão dos

espaços do município ao espaço mundial. Considerar os aspectos humanos,

históricos, políticos e econômicos como norteadores de toda a realidade

geográfica supracitada, é tarefa do professor. Para que a criança se aproprie dos

conceitos gerais referentes ao conteúdo, é imprescindível mediar todos os

conhecimentos necessários, inferir, problematizar, disponibilizar recursos como

mapas, globos, filmes, slides, textos, desenhos, de modo que auxiliem a criança

em situações problematizadoras, cuja resolução resulte na apreensão da

organização social e geográfica dos espaços. Para Palangana, Galuch e Sforni

(2002, p. 124),

“Quando o aluno participa de interações em que o conteúdo é ampliado e expressa a realidade atual, em que vários textos e formas de leitura são contemplados, certamente sua capacidade de argumentar diante de um texto/fenômeno, a partir de reflexões que envolvam a negociação com outros significados presentes, transformar-se á qualitativamente, ultrapassando os aspectos aparentes ou que dizem respeito apenas à organização interna de um conteúdo.

Uma vez internalizados, esses conceitos generalizam-se e se

transformam em instrumentos mediadores do pensamento e da aprendizagem de

outros conteúdos.

CIÊNCIAS, ENSINO E APRENDIZAGEM

Noções de Astronomia é conteúdo de Ciências, trabalhado com a

criança desde a educação infantil, aprofundando-se gradualmente em cada série

do ensino fundamental. Antes de freqüentar a escola, a criança já tem noções de

astronomia, pois sabe que amanhece quando o sol “nasce” e anoitece quando o

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sol se põe; sabe da existência da Lua, da Terra e das estrelas. Geralmente são

conceitos espontâneos, adquiridos em suas experiências cotidianas e constituem

o nível real de desenvolvimento da criança. Sobre essa questão, recorremos às

palavras de Palangana, Galuch e Sforni (2002, p. 117):

Estes conhecimentos prévios e espontâneos são transmitidos informalmente nas interações firmadas diariamente com as pessoas do seu grupo imediato e/ou por intermédio dos meios de comunicação. Por serem formados em situações cotidianas, de maneira imediata, e valendo-se da observação ou manipulação, os conceitos espontâneos são essencialmente empíricos e vinculados a traços sensoriais, dados diretamente pelo objeto, por isso nem sempre este saber contextualiza os fatos, nem sempre se constitui numa via de compreensão das próprias experiências vividas. Espera-se, portanto, que a escola trabalhe com conhecimentos que ultrapassem as impressões /explicações imediatas

Segundo Galuch e Sforni (p. 6), “Os conceitos científicos, portadores

de um grau mais elevado de abstração, não são tão evidentes nos fenômenos e

contextos; para que sejam adquiridos, é preciso que a consciência do sujeito lhes

seja intencionalmente dirigida”.

Na educação infantil, por exemplo, os conhecimentos reais da criança

possibilitam o entendimento de conceitos simples sobre o Sol como um astro e

como fonte primária de energia, ou seja, de luz e calor, noções do movimento da

Terra que estabelece o dia e a noite, e assim por diante. Nas séries

subseqüentes, as aprendizagens consolidadas passam a integrar o nível de

consciência e, conseqüentemente, convertem-se em desenvolvimento real,

possibilitando, assim, novas aprendizagens. Os conceitos vão se aprofundando e

a criança tem a possibilidade de entender cientificamente e em linguagem

compatível com o seu nível de compreensão o Sistema Solar, o movimento de

Translação da Terra e as estações do ano, o movimento de rotação e a

gravidade. A generalização desses conhecimentos possibilita, por exemplo,

estabelecer relações entre o frio do inverno ou do calor do verão e o movimento

de translação, ou entender o porquê de em determinados lugares ser inverno em

outros, verão.

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CONCLUSÕES

Os exemplos expostos apontam a necessidade de análise do ensino de

conteúdos escolares, tomando como referencial o conceito de mediação, que

implica outros conceitos básicos, como instrumentos, signos, linguagem,

aprendizagem e desenvolvimento cognitivo. Para enfatizar o entendimento da

mediação como orientadora dos processos de ensino e de aprendizagem,

destacamos dois aspectos. Primeiro, os conteúdos escolares como signos

mediadores da consciência. Neste sentido, a organização das situações de ensino

é condição para que as aprendizagens se constituam como possibilidades de

desenvolvimento do aluno. Para Sforni (2004. P. 48)

[...] os diversos conteúdos com os quais a criança se depara no ambiente escolar constituem-se em vários campos conceituais que, por oferecerem novos significados sobre o mundo, ampliam seu horizonte de percepção e modificam as formas de interação com a realidade, ou seja, permitem modificar a forma e o conteúdo do pensamento humano (SFORNI, 2004, p. 48).

O segundo aspecto a ser considerado é que embora seja freqüente a

utilização do termo “professor mediador”, é também comum identificarmos certa

superficialidade nas afirmações cotidianas, por parte de professores, a respeito

do significado da mediação. Sobre essa questão, Galuch (2004, p. 19) escreve

“[...] a mediação do professor, a relação que ele estabelece com o conhecimento é imprescindível para a formação do aluno, dadas as capacidades intelectivas que se desenvolvem concomitantemente à aquisição de conteúdos. Daí ser o professor um elemento revelador da prática educativa e da formação que se realiza na escola” .

Palangana, Galuch e Sforni caracterizam muito bem as implicações

de uma atuação docente consciente, intencionada, orientada pela mediação:

Quando um conteúdo é ensinado, o objetivo não é que o aluno simplesmente repita palavras sem compreender o que está dizendo. A finalidade é levá-lo a reelaborar, a atribuir significados com diferentes palavras e com um vocabulário que lhe pertença, sem deixar de expressar os significados essenciais, de modo

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coerente com a realidade e cientificamente aceitos. Com isso, não se está dizendo que basta o aluno ampliar seu vocabulário ou suas definições. A aprendizagem requer o estabelecimento de relações entre os termos, reconhecendo-os em diferentes contextos e situações. Implica expor e confrontar idéias e explicações sobre determinados fenômenos, percebendo as limitações e a necessidade de transformar informações em conhecimentos que auxiliem na elaboração de projetos e em simulações e comparações que ultrapassem as atividades escolares. A aprendizagem vai além da apropriação de um conteúdo específico e significa, também, o desenvolvimento de capacidades cognitivas que possibilitam a ação sobre o conhecimento reelaborado (PALANGANA, GALUCH e SFORNI, 2002, p.120-121).

Atuar como mediador é tarefa que demanda, antes de tudo, o domínio

dos fundamentos implícitos na mediação. O professor é o mediador do

conhecimento e como tal deve ter a competência de, diante de cada conteúdo a ser

ensinado, identificar os conceitos relevantes, problematizá-los, organizar situações

de ensino e providenciar os recursos necessários à apreensão e à generalização

dos conhecimentos. A compreensão dos processos mentais envolvidos na

aprendizagem possibilita a intencionalidade da ação, bem como, constantes

avaliações do processo e reelaborações, na tentativa de aproximar, cada vez mais,

teoria e prática.

Entender a mediação significa, por exemplo, perceber o aluno como

indivíduo histórico e real, com aprendizagens também históricas e reais,

decorrentes de suas experiências individuais e coletivas. Assim, o nível de

compreensão de determinado conhecimento decorre de internalizações

anteriores, que passam a mediar novas aprendizagens. Além disso, significa

perceber que os recursos didáticos – livros, textos, ilustrações, vídeos, slides,

mapas, laboratórios e outros – são instrumentos mediadores da aprendizagem,

compostos de diferentes formas de linguagens. A seleção e organização desses

recursos demandam conhecimento e intencionalidade, orientados pela clareza

sobre o quê, para quem, para quê, como ensinar e qual o nível de compreensão

precisa atingir. Implica, também, analisar a viabilidade de cada material e a

qualidade dos textos (análise da abordagem, dos pressupostos, bem como da

linguagem utilizada).

Vale ressaltar que mediar demanda, em relação ao conteúdo e ao

aluno, por parte do professor, atitudes de análise, de síntese, de interpretação, de

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questionamentos, de explicações, de estímulos, de estabelecimento de relações,

de comparações, de exemplificações, de correções, de orientações, de

solicitações, dentre outras. Portanto, implica envolvimento com a aprendizagem

de cada aluno, a identificação de avanços ou de dificuldades, numa postura de

avaliação contínua de todos os elementos que envolvem o processo de ensino e

de aprendizagem.

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REFERÊNCIAS:

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LEONTIEV, Aléxis. O Desenvolvimento do Psiquismo . [tradutor Rubens Eduardo Frias] 2. ed, São Paulo: Centauro, 2004. LURIA, A. R. A Palavra e o conceito. In: LURIA, A. R. Curso de Psicologia Geral . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. Vol. IV. FONTANA, Roseli Ap. Cação. Mediação Pedagógica na Sala de Aula . 4ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. – (Coleção contemporânea).

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