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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES Alexandra Frazão Seoane ELABORAÇÃO E ANÁLISE DA AUDIODESCRIÇÃO DO FILME CORISCO E DADÁ FORTALEZA – CEARÁ 2011

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1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES

Alexandra Frazão Seoane

ELABORAÇÃO E ANÁLISE DA AUDIODESCRIÇÃO

DO FILME CORISCO E DADÁ

FORTALEZA – CEARÁ

2011

2

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES

Alexandra Frazão Seoane

ELABORAÇÃO E ANÁLISE DA AUDIODESCRIÇÃO

DO FILME CORISCO E DADÁ

Monografia submetida ao Curso de Especialização em Formação de Tradutores da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do titulo de especialista em tradução.

Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo

FORTALEZA – CEARÁ

2011

3

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES

Titulo do Trabalho: Elaboração e análise da audiodescrição do filme Corisco e

Dadá.

Autora: Alexandra Frazão Seoane

Defesa em: 07/05/2011 Conceito Obtido: Satisfatório

Banca Examinadora

--------------------------------------------------------------------------------------------------

Profa. Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo – IES/UECE

--------------------------------------------------------------------------------------------------

Profa. MS Marisa Ferreira Aderaldo – IES/UECE

--------------------------------------------------------------------------------------------------

Profa. MS Silvia Malena Modesto Monteiro – IES/UECE

FORTALEZA – CEARÁ

2011

4

DEDICATÓRIA

A todas as pessoas que contribuíram

para a realização deste trabalho.

5

AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, me ajudaram na realização deste

trabalho, em especial minha orientadora Profa. Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo

pelos ensinamentos indispensáveis na concretização desta monografia.

6

RESUMO

A audiodescrição (AD) é uma modalidade de tradução audiovisual que visa à

tradução de imagens em palavras. Utilizada para descrever os elementos visuais de

produções audiovisuais ela visa simular o sentido da visão através da audição. Isso

permite que os deficientes visuais percebam esses elementos visuais e

compreendam melhor o desenrolar de, por exemplo, peças teatrais e filmes,

descrevendo não apenas os elementos que compõem o cenário, mas também os

atores, os figurinos e outros elementos de cena. A audiodescrição, além de tornar

acessíveis tais produções, pode também contribuir para o enriquecimento cultural

dos deficientes visuais. Este trabalho tem o objetivo de fazer um breve relato acerca

das pesquisas realizadas no Brasil e no mundo sobre audiodescrição e de descrever

o processo de audiodescrição do filme Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry,

realizado no Laboratório de Tradução Audiovisual (LATAV) da UECE, como parte de

projetos financiados pelo BNB e pela CAPES. As decisões tomadas durante esse

processo são discutidas e analisadas. Vale ressaltar a importância da descrição

atuar como um auxílio ao entendimento da trama do filme, substituindo apenas o

canal visual. Ela jamais deve ser produzida com o intuito de mostrar o ponto de vista

do audiodescritor ou as suas inferências. O objetivo principal é que o deficiente

visual faça a sua leitura do filme, como o fazem os videntes.

Palavras-chave: Audiodescrição. Tradução audiovisual. Acessibilidade.

7

ABSTRACT

The audio description (AD) is a form of audiovisual translation, which aims to

translate images into words. Used to describe the visual elements of audiovisual

products, it aims to simulate the sense of sight through hearing. This allows the

visually impaired to perceive these visual elements and to better understand the

course of, for example, plays and films, describing not only the elements that

compose the scenery, but also the actors, props and other scene elements. The

audio description, besides making such products available, may also contribute to the

cultural enrichment of the visually impaired. This work aims to make a brief report on

the research conducted in Brazil and around the world on audiodescription and to

describe the process of the audio description of the film Corisco and Dada by

Rosenberg Cariry conducted at the Laboratory of Audiovisual Translation (LATAV)

UECE, as part of the projects funded by BNB and CAPES. The decisions made

during this process are discussed and analyzed. It is worth emphasizing that this

description serves as an aid to understanding the film's plot, replacing only the visual

channel. It must never be produced with the intent of showing the audio describers’

point of view or his/her inferences. The main goal is that the visually impaired do their

reading of the film, as sighted people do.

Keywords: audio description. Audiovisual translation. Accessibility.

8

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Captura do vídeo do DVD para o computador.......................................31

Figura 02: Tela do Subtitle Workshop.....................................................................32

Figura 03: Imagem da lista de descrições no Bloco de Notas................................33

Figura 04: Tela do Adobe Premiere........................................................................35

Figura 05: Cena em frente ao cartório de Queimadas............................................37

Figura 06: Comparação entre as duas cenas.........................................................40

Figura 07: Antecipação da cena.............................................................................46

Figura 08: Cenas do filme que focalizam olhos......................................................47

Figura 09: Cena do filme Corisco e Dada...............................................................49

9

LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Roteiro da AD de Corisco e Dada editado. ............................................34

Quadro 02: Elementos visuais verbais no começo do filme. .....................................37

Quadro 03: Elementos visuais verbais no começo do filme. .....................................38

Quadro 04: Elementos visuais verbais no final do filme. ...........................................39

Quadro 05: Comparação entre a descrição das duas cenas. ...................................41

Quadro 06: Exemplos de descrição de figurinos. ......................................................42

Quadro 07: Exemplos de descrição de atributos físicos. ..........................................42

Quadro 08: Exemplos de descrição de expressões faciais. ......................................42

Quadro 09: Exemplos de descrição de linguagem corporal. .....................................43

Quadro 10: Exemplos de descrição de idade. ...........................................................43

Quadro 11: Exemplos de descrição de localização espacial. ...................................43

Quadro 12: Exemplos de descrição de localização temporal. ...................................44

Quadro 13: Exemplos de descrição de ações. ..........................................................44

Quadro 14: Linha de Tempo imagem x diálogo. .......................................................45

Quadro 15: Roteiro de AD e Lista de diálogos. .........................................................48

Quadro 16: Roteiro de AD e Lista de diálogos...........................................................48

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – AUDIODESCRIÇÃO..................................................................... 15

1.1. DEFINIÇÃO, ORIGEM E DESENVOLVIMENTO........................................... 15

1.2. A PESQUISA EM AUDIODESCRIÇÃO.......................................................... 20

1.3. RELATOS DE EXPERIÊNCIAS..................................................................... 25

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DA AD............................... 28

2.1 DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE UMA AUDIODESCRIÇÃO.............. 28

2.2 ELABORAÇÃO DO ROTEIRO DE AD............................................................ 31

CAPITULO 3 – AD DO FILME CORISCO E DADA............................................... 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 51

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 53

11

INTRODUÇÃO

A audiodescrição (AD) é uma modalidade de tradução utilizada para

descrever os elementos visuais de produções audiovisuais. Ela permite que os

deficientes visuais percebam e compreendam esses elementos. A pesquisa em AD

na Universidade Estadual do Ceará teve inicio no ano de 2008 com coordenação da

profª Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo. Esta pesquisa teve inicio com a publicação da

Portaria 310 de 27 de junho de 2006 que previa a obrigatoriedade da AD para

pessoas com deficiência visual a partir de 2008. Além disso, a falta de pesquisas

acadêmicas sobre AD também motivou o inicio desses estudos na UECE. Esta

monografia, como parte desses estudos, tem como objetivo fazer um breve relato

acerca das pesquisas realizadas no Brasil e no mundo sobre audiodescrição até o

momento, bem como descrever o processo de audiodescrição do filme Corisco e

Dada e analisar essa audiodescrição.

Guenaga et al. (2007:156-158) descreve os quatro diferentes tipos de

deficiências que dificultam o acesso das pessoas às Tecnologias de Informação e

Comunicação (TIC). São eles:

1. Deficiência sensorial: as mais comuns são a visual e a auditiva. A

deficiência visual cria inúmeras limitações ao uso das TIC, pois estes ambientes são

basicamente gráficos constituídos por, além de textos, janelas, ícones, imagens,

vídeos e animações. Já a deficiência auditiva está relacionada à dificuldade em lidar

com a língua escrita, causando dificuldades de comunicação e compreensão;

2. Deficiência motora: os principais tipos de deficiências motoras ou

físicas que dificultam o acesso às TIC são aqueles que afetam os membros

superiores e assim impedem o uso adequado de dispositivos periféricos como

teclado e mouse;

3. Deficiência da fala: a principal dificuldade está em interagir com

interfaces que operam através de comandos de fala ou de reconhecimento de voz;

4. Deficiência cognitiva: inclui pessoas com dislexia, de compreensão

gráfica ou escrita, atrasos no desenvolvimento emocional e psicológico, problemas

de concentração e memórias, doenças degenerativas como o Alzheimer, etc.

12

Essas deficiências, ainda segundo os autores, podem variar de gravidade,

podendo ser permanentes, temporárias ou crônicas, podendo também ser

congênitas (a pessoa já nasceu com a deficiência) ou adquiridas ao longo da vida.

Em 2000, de acordo com o censo realizado pelo IBGE, foi constatado que no Brasil

existiam 148 mil pessoas cegas e 2,4 milhões de pessoas com grande dificuldade de

enxergar. Do total de pessoas cegas 57,400 se concentravam na região Nordeste. O

Censo revelou ainda que dos 9 milhões de brasileiros que trabalhavam e eram

portadores de algum tipo de deficiência, 5,6 milhões eram homens e 3,5 milhões

mulheres e que mais da metade (4,9 milhões) ganhava até dois salários mínimos.

Tais números revelam a necessidade de políticas inclusivas, com projetos que

permitam a acessibilidade desses deficientes não apenas no que se refere à

locomoção, mobilidade, literatura especializada e tecnologias assistivas1, mas que

também garantam o acesso a produções audiovisuais como filmes, peças de teatro

e museus.

A audiodescrição (AD) é uma dessas tecnologias. Trata-se de uma

modalidade de tradução audiovisual que traduz imagens em palavras e torna

diversos tipos de produções audiovisuais acessíveis aos deficientes visuais. A

descrição de personagens, figurinos, cenários, dentre outros elementos visuais

auxilia o entendimento do enredo de filmes e peças teatrais. Além disso, a descrição

de quadros e peças de museus permite que o deficiente visual forme a imagem do

quadro ou da peça em sua mente, caso não lhe seja possível tocar na peça. Esse

recurso de acessibilidade, tanto no teatro como em filmes e museus, já pode ser

encontrado em alguns países, como Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos. No

Brasil, o mais comum atualmente é encontrá-la em filmes em DVDs.

Esta monografia tem como objetivos descrever o processo de elaboração e

analisar o roteiro de audiodescrição do filme Corisco e Dadá. Este longa metragem

de 103 minutos, com direção e roteiro de Rosemberg Cariry, foi gravado em 1996 e

narra a história de um dos cangaceiros mais conhecidos do Brasil. Cristino Gomes

da Silva Cleto, conhecido como Capitão Corisco ou Diabo Louro. O filme conta parte

de sua trajetória de vida. A AD analisada foi elaborada por mim e revisada por

1 Recursos e serviços que contribuem para a independência e inclusão de pessoas com deficiências ao proporcionar ou ampliar suas habilidades funcionais.

13

Juarez Oliveira e Klístenes Braga2. Os passos descritos na sua elaboração foram

utilizados no desenvolvimento do Projeto DVD Acessível. Este projeto de extensão

teve patrocínio do Banco do Nordeste (BNB) e da CAPES e foi orientado pela

professora Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo e conduzido por bolsistas do grupo

LEAD (Legendagem e Audiodescrição3) da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

no LATAV (Laboratório de Audiovisual) no Centro de Humanidades da Universidade

Estadual do Ceará (UECE) no ano de 2009.

Este projeto de extensão teve como objetivo o desenvolvimento de três DVDs

totalmente acessíveis a deficientes visuais e auditivos e é composto por dois DVDs

de longa metragem, O grão e Corisco e Dadá, e um DVD contendo quatro curtas,

Adorável Rosa, Águas de Romanza, Capistrano no Quilo e Reisado Miudim. Os

DVDs, além da AD para deficientes visuais e LSE (Legenda para Surdos e

Ensurdecidos), contam com menus com áudio navegação, etiquetas em Braille com

o título do filme na capa e os DVDs dos longas metragens trazem ainda janela de

LIBRAS.

Para o desenvolvimento deste projeto foi utilizado um software gratuito de

legendagem, o Subtitle Workshop. Para a edição de áudio e vídeo e a autoração dos

DVDs foram utilizados programas do pacote CS4 da Adobe 4 . Este pacote foi

adquirido por meio do Projeto de Cooperação Acadêmica (PROCAD) entre as

universidades UECE e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujas

pesquisas fazem parte do projeto de “Elaboração de um modelo de audiodescrição

para cegos a partir dos estudos de multimodalidade, semiótica social e estudos da

tradução”.

Todos estes softwares serão explicados mais adiante nesta monografia que

está dividida em três capítulos. O primeiro discorre sobre a AD e as pesquisas

desenvolvidas no mundo e no Brasil. O segundo discutirá aspectos sobre a

2 Mestrandos do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará. 3 Para mais informações visite o site: http://leaduece.blogspot.com/. Acesso em: 09 de jan. 2011. 4 Pacote de softwares para edição de áudio e vídeo e autoração de DVD (processo de criação de DVD de vídeo que se caracteriza por unir várias mídias pré-codificadas como vídeo, faixas de áudio, legendas e menus.).

14

elaboração de um roteiro de AD e abordará especificamente a elaboração do roteiro

de AD do filme Corisco e Dadá. O último apresentará uma análise sobre este roteiro.

Ao descrever o processo de elaboração e edição de uma AD fornecemos a

metodologia básica para que qualquer pessoa possa replicar essa metodologia e

desenvolver seus próprios roteiros e arquivos de áudio com audiodescrição. Assim

novas pesquisas de recepção e de análise de roteiros podem ser desenvolvidas.

Este trabalho se justifica por promover a acessibilidade de deficientes visuais às

produções audiovisuais, por sua relevância social e cultural ao permitir o acesso

dessas pessoas a diversos tipos de obras intelectuais, eventos e apresentações

artísticas. Outro fator que justifica este trabalho são as poucas pesquisas em AD,

especialmente no Brasil onde as pesquisas se concentram apenas na Universidade

Federal da Bahia (UFBA), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na

Universidade Estadual do Ceará (UECE).

15

CAPÍTULO 1 - AUDIODESCRIÇÃO

1.1. DEFINIÇÃO, ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

Jakobson (1995: 64-65) afirma que qualquer experiência cognitiva pode ser

traduzida em qualquer língua e define três tipos de tradução:

1. Tradução intralinguística ou reformulação: texto de partida e texto de

chegada estão na mesma língua, mas de forma diferente. Ex: relançamento

de obras literárias reescritas em português moderno.

2. Tradução interlinguística ou tradução propriamente dita: texto de

partida e texto de chegada estão em línguas diferentes. Ex: traduções das

obras de Nietzsche que são estudadas nos cursos de filosofia no Brasil.

3. Tradução intersemiótica ou transmutação: texto de partida e texto de

chegada são representados através de meios semióticos diferentes, um

verbal e o outro não verbal. EX: adaptação de livros para o cinema.

A AD está incluída na classificação de Jakobson (1995), logo está também

inserida nos Estudos de Tradução, como uma tradução intersemiótica, pois ocorre

entre dois meios semióticos diferentes, o visual e o verbal. A tradução visa permitir

que, por meio da narração de elementos visuais, o deficiente visual, pessoa cega ou

com baixa visão, assista a qualquer produção audiovisual. Essa percepção permite

um melhor entendimento do desenrolar de filmes, eventos esportivos, programas

televisivos, propagandas, peças de teatro, óperas, museus, etc. Os elementos

visuais descritos incluem não apenas o cenário ou uma peça exposta em um museu,

mas também o figurino dos atores, as características marcantes dos personagens,

os objetos que compõem a cena com significado importante para a trama do filme ou

espetáculo, entre outros.

O conceito de AD surgiu nos Estados Unidos na década de 70 com os

estudos do professor Gregory Frazier, da San Francisco State University. Em 1981,

Margaret e Cody Pfanstiehl audiodescreveram a peça Major Barbara, exibida no

Arena Stage Theater em Washington DC. Este foi o primeiro espetáculo

audiodescrito apresentado ao público (Audio Description Coalition, 2010). Em 1983

16

ocorreu a primeira transmissão de TV com AD no Japão pela emissora NTV. Em

1994 o mesmo ocorreu na televisão britânica. Os principais países que oferecem

audiodescrição na televisão, no cinema e no teatro são os Estados Unidos, Espanha,

Alemanha, Reino Unido, Canadá, Argentina, França, Bélgica, e Austrália. (FRANCO,

2008).

Nos Estados Unidos a Audio Description Coalition5 reúne profissionais que

utilizam seus conhecimentos em descrição e em arte para tornar acessíveis eventos

artísticos como teatro, dança e opera, bem como exibições de museus, reuniões,

espetáculos circenses e eventos esportivos. Na Espanha há uma norma que tenta

padronizar os procedimentos de audiodescrição chamada UNE 153020 (2005)6 .

Essa norma foi escrita a pedido do Departamento de Comércio e Indústria e contou

com a participação de atores, de ONGs, da indústria e da academia. Além disso,

participou também deste trabalho a pesquisadora na área Pilar Orero, da

Universidade Autônoma de Barcelona, que vem questionando algumas das

recomendações desta norma por suas ambiguidades, sua subjetividade e por ser

dependente de interpretações pessoais (ORERO, 2007: 166). Dentre as empresas

na Espanha que realizam audiodescrição estão a CEIAF (Centro Especial de

Integración Audiovisual y Formación)7, que atua no mercado há mais de 20 anos, e a

Imaginables 8 , que desde 1997 se especializou em legendagem e tradução

audiovisual.

No Reino Unido, a principal instituição de integração de pessoas com

deficiências visuais, a Royal National Institute of the Blind9 (RNIB) vem trabalhando

com AD no teatro, no cinema, na televisão, treinamento de audiodescritores e na

acessibilidade de DVDs. Em 2010 uma campanha da instituição conseguiu que a lei

que previa que todos as principais emissoras devessem audiodescrever pelo menos

10% de sua programação passasse para 20%. No site da instituição também é

5 Para mais informações visite o site: http://www.audiodescriptioncoalition.org/ Acesso em : 13 de fev. 2011. 6 Esta norma pode ser adquirida no site http://www.aenor.es/aenor/normas/normas/ fichanorma.asp?tipo=N&codigo=N0032787&PDF=Si Acesso em : 10 de fev. 2011. 7 Para mais informações visite o site: http://www.ceiaf.com/ Acesso em : 13 de fev. 2011. 8 Para mais informações visite o site : http://www.imaginables-inc.com/contenidos/main_cas.htm Acesso em : 10 de fev. 2011 9 Para mais informações visite o site: http://www.rnib.org.uk Acesso em : 13 de fev. 2011.

17

possível encontrar a localização de diversos teatros e cinemas que disponibilizam o

serviço.

Na Alemanha, segundo Casado (2007a: 155) o primeiro filme audiodescrito

transmitido pela televisão foi em 1993. A autora cita a Deutsche Hörfilm gGmbH

(DHG)10, organização sem fins lucrativos que promove a acessibilidade audiovisual

para cegos e pessoas com baixa visão através da audiodescrição de filmes, para

televisão e DVD, e de espetáculos de teatro. A autora também cita a Bayerischer

Rundfunk (BR)11 , instituição pública de radio e televisão da Baviera e primeira

radiodifusora alemã com oferta regular de programação audiodescrita. Segundo

Benecke (2004), a empresa já audiodescreveu mais de 60 filmes, um seriado de TV

e diversos documentários além de promover treinamentos e cursos de

audiodescrição, recebendo inclusive um prêmio em 2002 da Associação Alemã de

Cegos por suas iniciativas.

No Brasil, o Ministério das Comunicações publicou em 2006 a Portaria 310,

oficializando a Norma Complementar nº 1/2006 que estabelecia o cronograma de

implantação e os requisitos técnicos para tornar a programação das TVs abertas,

acessível para pessoas com deficiência. Após inúmeras portarias que suspendiam e

retomavam a obrigatoriedade da implantação da AD, em novembro de 2009, o Diário

Oficial da União publicou a Portaria 985, do Ministério das Comunicações, alterando

a Norma Complementar, com a redefinição do que é audiodescrição, a redução da

obrigatoriedade das emissoras de veicularem programas com o recurso da

audiodescrição de 2 horas diárias para 2 horas semanais, e alterando o cronograma

de implementação do recurso para 24 horas semanais de programação

audiodescrita em até 10 anos. Essa nova portaria entrou em vigor em 1° de Julho de

201012. Em Julho de 2011 as emissoras brasileiras com sinal digital iniciaram a

transmissão da AD de parte de sua programação semanal.

Além disso, a AD pode ser encontrada no Brasil em alguns museus e teatros.

Em São Paulo alguns dos museus que já apresentaram exposições com o recurso

10 Para mais informações visite o site: http://www.hoerfilm.de/ Acesso em : 10 de fev. 2011. 11 Para mais informações visite o site: http://www.br-online.de/ Acesso em : 10 de fev. 2011. 12 Para mais informações visite o site: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/ audiodescricao-portaria-985-do.html Acesso em : 08 de mar. 2011.

18

foram Museu do Futebol com a exposição “Olhar com outro olhar”13, o Museu da

Biblia14 e A Festa do Teatro de 2011 contou com peças audiodescritas15. No Rio de

Janeiro tanto a exposição OMISTÉRIOTEMPOEMPOESIAS16 , do artista mineiro

Cacau Brasil que aconteceu na estação Gal. Osorio do metrô do Rio de Janeiro,

quanto a peça “Um amigo diferente”17, no Oi Futuro, possuíam audiodescrição. Em

Pernambuco o Instituto de Arte Contemporânea exibiu a exposição “Caixas Pretas

sobre Cubo Branco” 18 com audiodescrição. Em Minas Gerais a Midiace 19 ,

associação cujo objetivo é promover a acessibilidade para diversas mídias, promove

a exibição de filmes e exposições com AD. No Ceará o Centro Dragão do Mar de

Arte e Cultura ofereceu o recurso nas exposições SOS-SÓS de Cacau Brasil20 e

Exposição Xilogravura Nordestina21.

Enquanto a AD começa a se tornar uma realidade no Brasil, o grupo LEAD da

UECE faz pesquisas sobre o tópico. Criado em 2008, tem como objetivos, através

de estudos e aplicações de testes de recepção, encontrar parâmetros que atendam

as necessidades dos deficientes visuais brasileiros, formar audiodescritores para

atender a demanda nacional por audidescrições que deve surgir após o inicio da

implantação da Portaria 985 e oferecer o recurso da AD aos deficientes visuais de

Fortaleza, através de mostras de filmes acessíveis, exposições de arte e peças

teatrais audiodescritas.

13 Para mais informações visite o site: http://www.museudofutebol.org.br/historia/ Acesso em: 01 de jun. 2011. 14 Para mais informações visite o site: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/09/iv-encontro-de-pessoas-com-deficiencia.html Acesso em: 01 de jun. 2011. 15 Para mais informações visite o site: http://cenapaulistana.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1753%3Afesta-do-teatro-2011&catid=108%3Anovidades&Itemid=291&lang= Acesso em: 01 de jun. 2011. 16 Para mais informações visite o site: http://blogdorina.wordpress.com/2011/05/30/exposicao-omisteriotempoempoesias-no-metro-ipanema/ Acesso em: 01 de jun. 2011. 17 Para mais informações visite o site: http://www.oifuturo.org.br/cultura/programa.php?id=2791 Acesso em: 01 de jun. 2011. 18 Para mais informações visite o site: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-programa/584016-latas-e-papeis-decoram-o-instituto-de-arte-contemporanea Acesso em: 01 de jun. 2011. 19 Para mais informações visite o site: http://www.midiace.com.br Acesso em: 01 de jun. 2011. 20 Para mais informações visite o site: http://atavbrasil.blogspot.com/2011/02/atav-brasil-realiza-audiodescricao-de.html Acesso em: 01 de jun. 2011. 21 Para mais informações visite o site: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2011/07/exposicao-de-xilogravuras-oferece-servico-de-audiodescricao-no-ceara.html Acesso em: 01 de jun. 2011.

19

No ano de 2009 ocorreram duas mostras de filmes acessíveis. Ouço Porque

Vejo, Vejo Porque Ouço - I Mostra de Filmes Acessíveis do Cine Ceará e a Mostra

de Filmes Acessíveis do BNB / Cine Ceará exibidas no ano de 2009. Neste mesmo

ano ocorreram sessões audiodescritas das peças Astigmatismo, Magno-Pirol: O

Corpo na Loucura, Curral Grande, A Vaca Lelé e Tudo que eu Queria te Dizer. Em

julho de 2010 aconteceu o lançamento dos três DVDs do Projeto DVD Acessível no

Centro Cultural Oboé. Em outubro do mesmo ano o grupo, em parceria com a

Associação dos Tradutores Audiovisuais do Brasil (ATAV Brasil22), promoveu dois

eventos com a programação voltada especialmente para crianças. Juntamente com

a Livraria Cultura aconteceu a I Mostra de Filmes Acessíveis da Livraria Cultura e

com apoio do setor Braille da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel foi

promovido o Projeto Curta Ouvir para Ver: I Mostra Infantil de Curtas Acessíveis. Em

dezembro, em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, o

grupo LEAD e a ATAV promoveram em Belo Horizonte a I Mostra de Filmes

Acessíveis de Minas Gerais.

22 Para mais informações visite o site: http://atavbrasil.blogspot.com/ Acesso em: 09 de jan. 2011.

20

1.2. A PESQUISA EM AUDIODESCRIÇÃO

A pesquisa em AD ainda é muito incipiente. Que seja do nosso conhecimento,

com exceção dos trabalhos de Eliana Franco (2007), Catalina Jimenez Hurtado

(2007), Maria Perez Paya (2007) e Ana Ballester Casado (2007b), a maioria das

outras publicações sobre AD versa sobre o lado profissional da prática tradutória.

São normalmente os tradutores que dividem suas experiências com o público.

Alguns desses audiodescritores são: Joel Snyder (2008) e Bernd Benecke (2004).

Esses trabalhos serão mais bem detalhados na seção sobre a profissão do

audiodescritor.

Hurtado (2007) define o roteiro de audiodescrição como um novo tipo de texto

multidimensional subordinado ao filme. Esta dependência ocorre não só por causa

do gênero fílmico, mas também pela subordinação aos espaços proporcionados pelo

filme para a colocação da inserção. Ela parte, então, em busca das funções sociais e

comunicativas desse tipo de texto e tem como meta explicar o processo de inicio da

criação de uma gramática hispânica voltada para o desenvolvimento de roteiros de

audiodescrição (GAD). Com base na análise e extração de informações de um

corpus autêntico constituído por 210 filmes audiodescritos, é apresentado o que a

autora considera ser a base linguística de uma gramática do texto audiodescrito que

pode vir a facilitar o desenvolvimento de futuros roteiros.

Já o trabalho de Paya (2007) aborda a utilização da linguagem de câmera

para o desenvolvimento do roteiro de AD. A autora argumenta que a elaboração de

um roteiro de audiodescrição é considerada uma atividade de tradução

intersemiótica. Por isso, o audiodescritor deve conhecer bem tanto o sistema alvo, o

sistema verbal, quanto o sistema origem, o sistema audiovisual principalmente uma

de suas principais linguagens, a linguagem da câmera. A autora relata a

transformação de um texto escrito em imagens, o roteiro de gravação ou o guia

cinematográfico em filme, e depois o inverso, o filme em roteiro de AD. O trabalho do

audiodescritor seria como um retorno do filme ao seu estado inicial, por isso ela

afirma que a utilização do guia cinematográfico pode auxiliar o audiodescritor na

reformulação do filme em palavras para o roteiro de AD.

21

Casado (2007b) analisa a caracterização dos personagens na audiodescrição

do filme Todo sobre mi madre do diretor Pedro Almodóvar. Ela chega a algumas

conclusões como a de que, nesse filme, a AD apresenta pelo nome do ator/atriz

quase todos os personagens e que a AD do ambiente em que se encontram alguns

personagens revela parte da personalidade deles, como agressividade e decadência,

atributos estes que podem ser inferidos também através dos diálogos do filme. Já

em outro artigo (2007a), a autora discute a audiodescrição sob o ponto de vista

histórico e técnico. A autora parte da definição e origem desta modalidade de

tradução até a realidade da implantação comercial da época, 2007, na Espanha,

Alemanha, França e no Reino Unido. Também são apresentadas sugestões dos

elementos que devem e quando devem ser audiodescritos, além de citar

características da linguagem da audiodescrição e apontar qualidades para um bom

audiodescritor.

No Brasil, as principais pesquisas são desenvolvidas na Universidade

Estadual do Ceará (UECE), na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na UECE, além das atividades

práticas desenvolvidas pelo grupo LEAD e pelos membros da ATAV citadas acima,

as pesquisas focam diferentes produções audiovisuais como peças de teatro, filmes,

exposições de arte, desfiles de escolas de samba e o desenvolvimento do menu

com audionavegação que permitem que o deficiente visual navegue pelos menus de

um DVD.

No Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da UECE,

no período de 2010 a 2011, estão sendo desenvolvidas diversas pesquisas na área,

em nível de mestrado. O trabalho de João Francisco de Lima Dantas tem como

objetivo analisar o movimento ocular de espectadores assistindo um trecho de um

desfile de escolas de samba. Essa analise será feita com base em dados oriundos

de um equipamento chamado de rastreador ocular (eye tracker) cujos dados revelam

em que ponto do vídeo o espectador fixa seu olhar. Ao identificar os elementos nos

quais os videntes focam o olhar o pesquisador pretende definir que tipo de elemento

deve ser priorizado durante a elaboração de um roteiro de AD para desfiles de

escolas de samba.

22

O trabalho de Walquiria Braga Sales visa à elaboração de parâmetros de

revisão para roteiros de AD. Para isso a pesquisadora pretende estabelecer e

descrever parâmetros para a revisão de roteiros de audiodescrição de filmes, tendo

por base um corpus de filmes audiodescritos pelo Grupo LEAD.

Francisca Rafaela Bezerra de Medeiros e Osmina Maria Marques Silva,

aplicam a linguística de corpus aos estudos de AD. Rafaela Medeiros tem como

objetivo a análise de um corpus de textos em inglês, espanhol e português sobre

pesquisas na área de AD. Essa análise visa a elaboração de um glossário trilíngue

dos termos chaves desta área. Já o trabalho de Osmina Marques objetiva a

realização de análise descritiva das audiodescrições dos filmes comercializados no

Brasil. Nesta análise, o foco do estudo é identificar e descrever os parâmetros que

foram usados na descrição dos personagens: apresentação, descrição física, ação,

estados emocionais dentre outros.

A AD em espaços museológicos é o foco dos trabalhos de Marisa Ferreira

Aderaldo, no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PosLIN) da

UFMG, e de Juarez Nunes de Oliveira Júnior, no PosLA da UECE. Os trabalhos são

baseados na multimodalidade de O'Toole (1994, 2008), que aplica a análise

multimodal, baseado na abordagem sistêmico funcional, em obras de arte.

A multimodalidade é aplicada a filmes na pesquisa de Klístenes Bastos Braga,

também do PosLA, cujo objetivo é analisar a AD do filme O grão, também realizado

pelo grupo LEAD. Já Bruna Alves Leão pesquisa a aplicação no teatro dos

parâmetros para filmes elaborados por Catalina Jiménez Hurtado (2007).

Além da presente monografia que descreve o processo de elaboração e

analisa um roteiro de AD, nos anos de 2009 e 2010 apresentei trabalhos, como

orientanda da Drª. Vera Lúcia Santiago Araújo, cujo foco era o menu falado de DVDs.

Esse tipo de menu permite a audionavegação através dos botões do menu, guiada

ou auxiliada por várias faixas de áudio. Cada botão tem seu equivalente como faixa

de áudio a qual é acionada quando o botão equivalente a ela é selecionado. Estas

pesquisas visavam a análise de menus falados presentes no mercado nacional e

internacional e apontavam características necessárias a um menu de DVD que o

23

tornasse acessível aos deficientes visuais. No mestrado meu foco será a

comparação de um roteiro elaborado segundo os parâmetros de Jiménez Hurtado

(2007) e os dados obtidos através do eye tracker. Meu principal objetivo será

analisar até que ponto os elementos descritos seguindo os parâmetros da

pesquisadora correspondem aos elementos nos quais os videntes focaram sua

atenção.

Além destes trabalhos desenvolvidos em nível de mestrado também existem

pesquisas nesta área sendo desenvolvidas por alunos de graduação. A principal,

atualmente, visa definir o grau de descrição que mais se adequa aos deficientes

visuais de Fortaleza. Através da exibição de filmes para deficientes visuais e da

coleta de dados através de questionários a pesquisa pretende definir se a descrição

apenas das ações dos personagens é suficiente para o entendimento do filme ou se

é necessária uma descrição mais detalhada, incluindo aspectos físicos dos

personagens, descrição de figurinos, objetos de cena, etc.

A busca por um modelo de acessibilidade audiovisual que atenda às

preferências e necessidades dos deficientes visuais do Brasil é o tema principal das

pesquisas desenvolvidas na UFBA pela professora doutora Eliana Paes Cardoso

Franco. A pesquisa coordenada por Franco (2007:171) passou por várias etapas:

visita às instituições que atendem deficientes visuais na Bahia, seleção dos

participantes, seleção do filme, AD do filme, elaboração de questionários sobre o

filme e análise dos dados. Foram selecionados dois grupos de 10 sujeitos, a maioria

com baixa visão e apenas um deles cego congênito. O filme selecionado foi “Pênalti”,

curta com duração de 8 minutos, “filmado em Salvador, no mais puro “baianês”,

sobre futebol, uma pitada de sexo, e o mais importante, imagens extremamente

significativas para a compreensão do enredo”. (FRANCO, 2007: 180)

A gravação da AD foi feita em um estúdio na cidade de Salvador. O

questionário foi elaborado para ser respondido pelos dois grupos, aqueles que viram

o filme com e sem AD. As perguntas referentes à imagem –“Por que seus corpos de

alguns personagens estão em azul?” – só foram respondidas pelos que assistiram

ao curta com a tradução. Os resultados indicaram que o grupo com AD entendeu

24

melhor o filme, visto que o nível de acertos desse grupo foi de 95% contra 40% do

grupo que viu o filme sem AD.

A autora ressalta que seus resultados não são conclusivos, mas que já

sinalizam para os benefícios que a AD traz para a acessibilidade audiovisual.

Ressalta que muitas pesquisas precisam ser feitas antes que cheguemos a uma

conclusão definitiva sobre qual modelo de AD seria ideal para os deficientes visuais

brasileiros.

Outra pesquisa realizada na Bahia foi a dissertação de mestrado de Manoela

Cristina Correia Carvalho da Silva (2009). O trabalho teve o objetivo de delinear

parâmetros para a construção de um modelo de audiodescrição que atendesse às

necessidades das crianças com deficiência visual do Brasil. Esta pesquisa, que

testou a recepção das crianças baianas à AD, obteve críticas e sugestões junto ao

público (crianças de 8 a 11 anos assistidas pelo Instituto de Cegos da Bahia). Dentre

os resultados obtidos está o fato de que a AD facilita o entendimento dos desenhos

pelo público, além de tornar a experiência mais prazerosa e educativa. Além disso,

foi constatado que as crianças tinham maior preferência por um estilo de narração

mais interpretativo e foram constatadas observações sobre questões como a

descrição dos personagens, a preservação dos efeitos sonoros e a sincronização

das descrições com as imagens exibidas.

Na UFMG, em parceria com a UECE, as pesquisas fazem parte do Projeto de

elaboração de um modelo de audiodescrição para cegos a partir dos estudos de

multimodalidade, semiótica social e estudos da tradução. Este projeto de

cooperação entre as duas universidades tem duração de 5 anos (2009-2013) e

engloba projetos desenvolvidos nas duas universidades. Dentre os trabalhos

desenvolvidos na UFMG estão o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Flávia

M. B. Souza (2009) que tem como objetivo o desenvolvimento de um modelo de

transcrição multimodal que auxilie na elaboração de roteiros de AD. Neste trabalho

dois roteiros de AD são comparados, um desenvolvido sem e outro com o auxilio da

transcrição multimodal. Dentre as conclusões a que chega a autora estão o fato de

que a análise da transcrição multimodal permite que o audiodescritor perceba de

forma mais clara os elementos que ele pode incluir no roteiro de AD, bem como

25

auxilia na decisão do que deve ser priorizado no caso de não haver tempo

disponível para uma descrição mais detalhada da cena.

1.3. RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

Além das pesquisas acadêmicas, existem publicações que versam sobre as

experiências de alguns profissionais da área como Benecke (2004) que atua na

Alemanha e Snyder (2008) nos Estados Unidos.

O audiodescritor alemão é o chefe do setor de audiodescrição da Bayerischer

Rundfunk, primeira radiodifusora alemã com oferta regular de programação

audiodescrita. Segundo Benecke23 , essa programação constitui-se em 30% das

audiodescrições na TV e DVDs na Alemanha. Benecke iniciou seus trabalhos com

audiodescrição em 1989, quando o primeiro filme foi audiodescrito na Alemanha e

trabalhou como roteirista e narrador para distribuidores de filmes naquele país.

Desde 1997 trabalha na Bayerischer Rundfunk. Atualmente trabalha principalmente

no treinamento de roteiristas, na revisão de audiodescrições e comanda os

processos de narração e mixagem de áudios. É um dos autores das diretrizes para

elaboração de audiodescrição da Alemanha e ministra workshops em diferentes

países como Espanha, Portugal, África do Sul e Brasil.

Joel Snyder é conhecido internacionalmente como um dos primeiros

audiodescritores profissionais do mundo. Nos anos 70, ele trabalhava gravando

audiolivros para a Biblioteca do Congresso, biblioteca de pesquisa do Congresso

dos Estados Unidos, e realizava leituras para deficientes visuais. Iniciou a carreira de

audiodescritor com eventos teatrais e na mídia, filmes e programas de TV, em 1980.

Dentre seus trabalhos estão as transmissões e os DVDs da Vila Sésamo e filmes

como Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais, A Conquista da Honra, Dreamgirls

- Em busca de um sonho, Shrek Terceiro e Transformers. Recentemente fundou o

primeiro programa de certificação para descritores de mídias. Sua associação, a

Áudio Description Associates 24 , desenvolve passeios audiodescritos para os

principais museus dos Estados Unidos, como o Aquário Nacional em Baltimore, o

23 Para mais informações visite o site: http://www.benecke.info/ Acesso em: 09 de jan. 2011. 24 Para mais informações visite o site: .http://www.audiodescribe.com Acesso em: 09 de jan. 2011.

26

Museu Internacional de Espionagem em Washington DC e a Galeria Abright/Knox

em Búfalo. Também trabalhou internacionalmente introduzindo suas técnicas de

descrição em performances artísticas no Japão, em Israel, na Romênia, na Espanha,

em Portugal, entre outros países.

Como visto nas pesquisas citadas anteriormente a AD pode ser aplicada a

diversos tipos de produções audiovisuais como exposições de arte, filmes, DVDs,

peças teatrais, desfiles de escolas de samba, etc. Existem duas formas de se

audiodescrever uma produção audiovisual. A descrição pode ser ao vivo ou

disponibilizada de forma gravada em formato de vídeo ou áudio. Cada produção

possui uma forma de AD adequada às suas características. Por exemplo, eventos ao

vivo tendem a ser audiodescritos ao vivo; eventos gravados ou estáticos, como

obras de arte, costumam ter sua audiodescrição gravada.

Para exposições de arte o audiodescritor analisa cada peça exposta, quadro,

gravura, estátua, fotografia, etc e elabora um roteiro com a descrição da peça. Este

roteiro pode ser gravado em um estúdio e os áudios dessa gravação são

disponibilizados aos visitantes do museu através de dispositivos que reproduzam o

áudio, um mp3 ou mp4 player, ipod, etc. Outra forma de audiodescrever exposições

de arte é treinando os guias do próprio museu para, durante o tour pelo museu,

realizar essas descrições das peças ou a narração do roteiro já elaborado. Esses

áudios também podem ser disponibilizados no site do museu juntamente com uma

imagem da peça. O British Museum, por exemplo, exibe alguns desses áudios em

seu site25.

Filmes e outras produções gravadas passam por um processo semelhante. O

audiodescritor elabora um roteiro que é gravado e disponibilizado juntamente com o

áudio original. A próxima seção deste capítulo abordará mais detalhadamente como

ocorre este processo.

Eventos ao vivo como desfiles de escola de samba ou eventos esportivos

podem ser audiodescritos ao vivo, enquanto estão acontecendo. Se esses mesmos 25 Para mais informações visite o site: http://www.britishmuseum.org/explore/online_tours/ museum_and_exhibition/audio_description_tour/statue_of_sekhmet.aspx com Acesso em: 09 de jan. 2011.

27

eventos forem apresentados posteriormente de forma gravada, eles passam por um

processo semelhante ao dos filmes. Outros eventos ao vivo, mas que se repetem

com frequência, como peças teatrais, devido a mudanças entre uma apresentação e

outra e improvisos durante a apresentação, geralmente são audiodescritos ao vivo.

O audiodescritor tem acesso a uma apresentação ou ensaio e elabora um roteiro,

com o que vai ser descrito e em quais momentos, baseado naquela apresentação ou

ensaio. Durante a apresentação na qual a AD será disponibilizada, o narrador ou o

próprio audiodescritor fica isolado em uma cabine que permita a visualização do

palco. Ele faz a narração do roteiro em um microfone captado apenas pelas pessoas

na platéia que possuem o receptor deste microfone e um fone de ouvido. Essas

pessoas têm acesso ao som original da apresentação, assim como os outros

espectadores, mas irão receber também o áudio da AD. Em caso de improvisos na

peça, o narrador ou o audiodescritor deve ficar atento e elaborar seus próprios

improvisos. Por exemplo, se no ensaio usado como base para o roteiro, o

personagem principal era loiro e na apresentação final ele foi substituído por um

ruivo, a AD deve informar o tom certo do cabelo do protagonista. O ideal neste caso

é que o narrador esteja bem familiarizado com a apresentação e com o roteiro para

melhor realizar improvisos se necessário.

No caso de produções em que há outros elementos sonoros, como falas de

personagens e trilha sonora, a descrição dos elementos é inserida de forma que

aproveite momentos em que não há esses elementos sonoros, necessários ao

entendimento do filme ou da peça de teatro, por exemplo. A seção a seguir aborda

as questões sobre qualidades desejáveis em um audiodescritor, o que deve ser

descrito e quando deve ser descrito para melhor aproveitar esses momentos.

Os capítulos a seguir tratam tanto da metodologia e da parte técnica utilizados

no desenvolvimento da AD do filme Corisco e Dadá. Desde a elaboração do roteiro

até a mixagem final do áudio da AD com o áudio original do filme.

28

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DA AD

A seguir serão apresenta algumas diretrizes que buscam guiar a elaboração

de roteiros de audiodescrição baseadas tanto nas experiências profissionais quanto

em pesquisas acadêmicas. Essas diretrizes foram utilizadas na elaboração do roteiro

analisado no terceiro capítulo deste trabalho.

2.1 DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DE UMA AUDIODESCRIÇÃ O

Segundo Casado (2007a) e Hurtado (2007), os elementos que devem ser

audiodescritos são divididos em elementos visuais não verbais e visuais verbais.

Entre os elementos visuais não verbais estão:

1) Personagens: figurino, atributos físicos, expressões faciais, linguagem

corporal, etnia e idade;

2) Ambientação: elementos espaciais (localização espacial dos personagens)

e elementos temporais (localização temporal dos personagens, momento, hora do

dia, ano, mês, uma semana depois, outro dia, etc.);

3) Ações.

Já entre os elementos visuais verbais estão:

1) Didascálias: utilizadas no cinema mudo como forma de suporte ao diálogo

ausente, para acrescentar informação complementar ao relato ou como forma de

separação entre seqüências;

2) Títulos: podem ser de crédito para marcar o final do filme ou de uma parte;

3) Legendas: usadas para incluir a banda sonora original ou algum fragmento

sem uso da dublagem;

4) Escritos diversos: diegéticos, pertencentes à história narrada (nomes de

restaurantes ou de ruas onde se desenvolve a ação, títulos de livros lidos por

personagens, cartas ou mensagens) ou não diegéticos, exteriores ao mundo narrado,

mas que informam sobre este.

29

A autora indica ainda quando se deve descrever estes elementos:

1) A descrição deve ser inserida, sempre que possível, entre os diálogos;

2) Só deve sobrepor os diálogos não importantes ou legendados, que serão

narrados, e apenas para dar informações muito relevantes;

3) Durante o filme pode sobrepor letras de músicas e efeitos sonoros se nem

a canção nem o som sobrepostos forem relevantes para o entendimento do filme e

se a audiodescrição for necessária;

As experiências profissionais de Bernd Benecke (2004) e Joel Snyder (2008),

audiodescritores profissionais citados anteriormente, os levaram a desenvolver

parâmetros que podem auxiliar no desenvolvimento de roteiros de AD e na formação

de novos audiodescritores.

Snyder (2008: 195-196) enfatiza quatro qualidades de um bom audiodescritor:

1) Observação: O audiodescritor deve aprender a ver o mundo de uma

maneira nova. John Schaefer, em seu livro Seen/Unseen: A guide to

Active Seeing, cunhou o termo “visual literacy” ou “alfabetização visual”

referindo-se à necessidade de aumentar o nível de consciência para

tornar-se um “vidente ativo”. Para Snyder os melhores audiodescritores

são aqueles que realmente percebem todos os elementos visuais que

compõem um evento;

2) Edição: O audiodescritor deve editar e selecionar aquilo que ele vê e

escolher o que é mais importante, mais crítico, para o entendimento e para

apreciação do que está sendo audiodescrito, pois o tempo disponível para

descrever as imagens é limitado;

3) Linguagem: A linguagem deve ser objetiva, vivida e imaginativa, o que

requer do audiodescritor habilidades verbais;

4) Habilidades vocais: O instrumento vocal deve ser desenvolvido

trabalhando-se os fundamentos da fala e da interpretação oral. O

significado é criado através das palavras escolhidas e da forma como

estas palavras são ditas.

30

Benecke (2004: 78-80) cita alguns dos passos seguidos para a elaboração de

um roteiro de AD:

1) Escolha de programas apropriados. Nem todos os programas são

apropriados para a audiodescrição. Alguns programas são muito

movimentados e outros possuem falas quase que de forma continua

deixando muito pouco tempo para descrições como noticiários e

programas de jogos como quiz. Alguns filmes podem exigir descrições

quase que contínuas e isso pode ser cansativo de ouvir;

2) Preparação do roteiro. O audiodescritor deve levar em conta que

diferentes indivíduos buscam diferentes níveis de detalhamento e de

conteúdo nas descrições e essas diferenças são mais evidentes com

relação à idade e ao nível de cegueira.

3) Ensaio da narração. A leitura do roteiro durante um ensaio, por exemplo,

pode reduzir o tempo gasto durante a gravação.

4) Ajuste do volume do som original. A maioria das pessoas com deficiência

visual estão sujeitas a sofrer dificuldades de compreensão da fala na

presença de sons de fundo. A gravação da AD exige atenção,

concentração e entrega, uma boa AD deve ser discreta e neutra, mas não

monótona. A voz não deve chamar atenção para ela mesma, mas deve

ser um elemento coerente da descrição.

Benecke (2004: 78-80) comenta ainda que as AD coordenadas por ele são

feitas por times compostos de três pessoas, sendo uma delas deficiente visual. Duas

pessoas assistindo à mesma cena nem sempre perceberão a mesma coisa e

trabalhando como um time, eles podem monitorar e complementar a visão do outro.

O deficiente visual do grupo indica onde ele necessita de descrição e que tipo e o

quanto de informação é necessária. O roteiro é então revisado pelo próprio Benecke

e uma colega deficiente visual chamada Elmar Dosch e finalmente é gravado e

mixado com o áudio original do filme.

31

2.2 ELABORAÇÃO DO ROTEIRO DE AD

Para a elaboração de um roteiro de AD é necessário que o audiodescritor

tenha em mãos o objeto a ser audiodescrito, seja ele uma obra de arte, através de

foto ou vídeo, ou uma produção audiovisual no formato de vídeo. Para este trabalho

foi utilizado o DVD original do filme Corisco e Dadá. O filme foi capturado do DVD

player para o computador através de uma placa de captura de vídeo, Avid Liquid 7, e

de seu respectivo software. A figura 01 ilustra como é feita essa captura.

Figura 01: Captura do vídeo do DVD para o computador.

De posse de uma cópia do filme em formato AVI no computador, foi utilizado

um programa de legendação gratuito chamado Subtitle Workshop26. Tal programa foi

utilizado porque permite a visualização do filme e a marcação de tempo de entrada e

saída do texto, normalmente uma legenda. A marcação deve ser feita seguindo o

oposto da regra de marcação de uma legenda comum. A legenda deve seguir o

fluxo de fala dos personagens, no caso da AD deve-se utilizar o tempo onde há

ausência dessas falas.

A figura 02 mostra como o programa funciona. A marcação 1 identifica onde o

filme é mostrado. A legenda, ou trecho da AD, é identificada com a marcação 2. O

tempo do filme no qual o texto entrará e o tempo no qual sairá da tela são

identificados respectivamente por 3 e 4. Em 5, marcado em azul, está a legenda ou

trecho de AD no qual se está trabalhando. Em 6, a caixa de texto onde o texto da

legenda ou trecho será inserido. O programa resulta em um arquivo de texto no

formato .txt que com a lista de descrições da AD. O arquivo deve ser salvo no

formato Adobe Encore DVD, pois este apresenta além dos tempos iniciais e finais,

os frames27 dos momentos exatos do filme em que as descrições devem ocorrer.

26 Para mais informações visite o site: www.urusoft.net/ Acesso em: 05 de fev. 2011. 27 Cada um dos quadros ou imagens fixas de um produto audiovisual.

32

Figura 02: Tela do Subtitle Workshop.

A cena do filme mostra um dos personagens, Cego Aderaldo, projetando um

filme para alguns cangaceiros. A câmera focaliza o personagem enquanto este gira

uma manivela para projetar o filme em uma lona branca. Esta cena começa no

tempo 00:17:17:09 (00 horas, 17 minutos, 17 segundos e 09 frames) e vai até

00:17:20:11 (00 horas, 17 minutos, 20 segundos e 11 frames)28, quando a cena é

então cortada para focalizar a lona na qual o filme que está sendo exibido. A AD

deste trecho começa nos tempos 00:17:17:20 e vai até 00:17:20:11 com a seguinte

descrição: “Cego Aderaldo projeta o filme rodando uma manivela.” como mostrado

na figura 02. Como visto, o tempo total da cena é maior do que o tempo total da

descrição. Isso ocorre porque, apesar de haver tempo e elementos a serem

descritos, às vezes o audiodescritor opta por não descrever todos os elementos para

que o deficiente visual possa escutar o áudio original do filme e perceber por si só

alguns sons. Na cena em questão há o barulho que o projetor do filme faz quando o

personagem gira a manivela.

28 Trabalhando com o vídeo no formato AVI com duração de 01:40:36:15 (01 hora, 40 minutos, 36 segundos e 15 frames).

33

O Subtitle Workshop se mostra um programa eficiente para a elaboração de

roteiros de AD, pois permite visualizar o filme, o que facilita a descrição dos

elementos visuais. Além disso, como o arquivo gerado por ele contem os tempos

exatos nos quais a narração da AD deve ser inserida, facilita tanto a gravação da

narração, ao guiar o narrador indicando os tempos certos em que este deve ler o

roteiro, quanto a edição final do áudio, quando a AD e o áudio original do filme

devem ser unidos, a pessoa que faz essa junção pode se guiar pelo roteiro para ter

certeza sobre qual o momento exato do filme em que cada narração deve ser

inserida.

Após a elaboração da lista de descrições da AD no Subtitle Workshop o

arquivo resultante do processo, quando aberto no Bloco de Notas, tem o formato

mostrado na figura 03 mostrada a seguir.

Figura 03: Imagem da lista de descrições no Bloco de Notas.

Para obter o roteiro de AD, que auxiliará o processo de gravação, ao guiar o

narrador pelos tempos exatos de cada fala, este texto precisa ser editado. O roteiro

deve conter os seguintes elementos: tempos iniciais e finais (Time Code Reader –

TCR – onde serão inseridas a AD); as descrições; as deixas (a última fala antes de

entrar a AD); e as rubricas (as instruções para a narração). Para diferenciar os

elementos do roteiro editado, as deixas aparecem em azul, o texto que deve ser

narrado, em preto, e as rubricas em vermelho. Todos estes elementos auxiliam o

narrador na hora da gravação da AD. O roteiro, contendo a parte da lista de

descrições acima, será apresentado ao narrador da seguinte forma:

34

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:16:23:26 � 00:16:29:03 Os cangaceiros jogam cartas. Virgulino e Corisco conversam à

parte.

[Falar quando aparecer o cangaceiro jogando carta] → RUBRICA

00:17:03:16 � 00:17:06:16 [Lampião] O compadre desmamou a bezerrinha, hein, Corisco? → DEIXA Corisco vira o rosto.

00:17:07:30 � 00:17:11:04 Mãos colocam uma película no projetor. [Falar quando aparecerem as mãos] → RUBRICA

00:17:11:06 � 00:17:14:05 Um cangaceiro observa enquanto o filme roda. [Falar quando aparecer o cangaceiro] → RUBRICA

Quadro 01: Roteiro da AD de Corisco e Dada editado.

De posse do roteiro de AD editado é então realizada a gravação deste roteiro.

No próprio Laboratório de Tradução Audiovisual (LATAV) na UECE, de posse de

uma mesa de som ligada a um microfone e a um computador, essa narração foi

gravada. Foi utilizado o programa Soundbooth, do pacote CS4 da Adobe, para

realizar a gravação e eventual edição do áudio gravado. Dentre as edições

normalmente necessárias estão o aumento do volume do áudio gravado, o corte de

eventuais erros durante a gravação e os ruídos externos capturados pelo microfone.

O áudio da audiodescrição já editado é então importado para o Adobe

Premiere, programa de edição de vídeo, também do pacote CS4 da Adobe. Este

áudio é colocado sobre o áudio original do filme, que às vezes também precisa

passar por uma edição se o volume estiver muito alto. A figura 04 ilustra a

manipulação destes áudios. A marcação 1 identifica onde o vídeo é mostrado. A

marcação 2 mostra a lista de arquivos disponíveis para manipulação no Premiere,

entre eles estão o vídeo e o áudio originais do filme e o áudios da AD. Em 3 e 4 são

mostrados o vídeo e o áudio originais do filme, respectivamente. Em 5 está o áudio

da audiodescrição e em 6 está o áudio original do filme editado, com volume

reduzido, para receber a AD. A redução do volume do áudio original às vezes se faz

necessária para evitar que este se sobreponha ao da AD. Três arquivos são

exportados deste programa: o vídeo do filme, o áudio original do filme e o áudio

original editado junto com a narração da AD.

35

Figura 04: Tela do Adobe Premiere. Os arquivos foram então usados na autoração 29 do DVD, o que permite

acesso tanto ao filme com o áudio original quanto à versão do áudio com

audiodescrição.

O capítulo a seguir abordará o roteiro de AD do filme Corisco e Dadá. As

descrições serão analisadas conforme as definições dos elementos que devem ser

audiodescritos definidos por Casado (2007a) e Hurtado (2007). Além disso, as

decisões tomadas durante o processo de elaboração do roteiro serão explicadas.

29 Processo de criação de DVD de vídeo que se caracteriza por unir várias mídias pré-codificadas como vídeo, faixas de áudio, legendas e menus.

36

CAPITULO 3 – AD DO FILME CORISCO E DADA

O filme Corisco e Dadá, conta parte da trajetória de vida de um dos

cangaceiros mais conhecidos do Brasil: Cristino Gomes da Silva Cleto, conhecido

como Capitão Corisco ou Diabo Louro, que viveu como cangaceiro no sertão do

nordeste entre os anos de 1926 a 1940. O filme é narrado por uma mulher cercada

de pessoas em uma praia, intercalado com cenas da história narrada. O filme conta

a história do sequestro de Dadá pelo cangaceiro, ela se tornando mulher dele, o

bando deles saqueando cidades e fugindo da polícia, e finalmente, a morte de

Corisco.

O vocabulário que aparece no filme também foi utilizado na AD, por ser

bastante diatópico, pois contem variantes regionais especifica do nordeste, e

diacrônico, pois algumas palavras mantiveram um significado especifico apenas

naquele momento histórico, como por exemplo, o grupo de policias chamado de

volante. Estão presentes na AD palavras como volante , grupo armado da polícia

militar criado para perseguir os cangaceiros, e bando, como eram conhecidos os

diferentes grupos de cangaceiros. Foi necessária uma pesquisa na Internet para

diferenciar algumas armas que aparecem no filme como rifle, revólver, pistola e

punhal. O cenário também possui características próprias como o tipo de vegetação:

a caatinga, o cacto e as plantas secas; e o tipo de fauna: gavião, tatu, cobra etc.

Alguns objetos típicos do figurino dos cangaceiros também são descritos, como

embornal (tipo de bolsa bordada) e o chapéu de cangaceiro, que tem forma

característica, com abas voltadas para cima e enfeites como cruzes, estrelas, signo

de Salomão, etc.

Elementos Visuais Verbais

Após assistir ao filme, a elaboração do roteiro da AD foi iniciada. Seguindo as

recomendações de Casado (2007a), todos os textos que aparecem no início do filme

foram inseridos no roteiro. Além de informações escritas sobre o patrocínio, prêmios

e apoio ao filme há também um pequeno texto falando sobre cangaceiros. O quadro

02 mostra a parte do roteiro referente a esses primeiros elementos visuais verbais

que precisam ser audiodescritos.

37

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:00:01:01 � 00:00:07:06 Produzido com o Patrocínio Cultural da Secretaria para o

Desenvolvimento Audiovisual e da FINEP.

00:00:07:07 � 00:00:14:18 Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, Lei do Audiovisual nº 8685

de 1993.

00:00:14:19 � 00:00:18:12 Apoio cultural Banco do Estado do Ceará e Banco do Nordeste do

Brasil.

00:00:18:13 � 00:00:25:27 Os cangaceiros eram homens rebeldes, misto de heróis e

bandidos, que lutavam contra a opressão social e a fatalidade do

destino.

00:00:25:28 � 00:00:32:09 O cangaço, enquanto fenômeno social e histórico, aconteceu

no final do século XIX prolongando-se até 1940.

00:00:32:12 � 00:00:37:29 Os mais famosos foram Jesuino Brilhante, Antônio Silvino,

Lampião e Maria Bonita, Corisco e Dadá.

Quadro 02: Elementos visuais verbais no começo do filme.

Durante o filme apareceu apenas um elemento visual verbal que teve que ser

descrito. Foi uma placa que indicava que os personagens se reuniam na frente do

cartório da cidade de Queimadas. A figura 05 mostra a cena.

Figura 05: Cena em frente ao cartório de Queimadas.

Ao invés de ler a placa Cartório de Queimadas , foram inseridas descrições

que englobam o local, a ação, o bando de cangaceiros e os cidadãos feitos reféns

38

reunidos em frente ao cartório. Juntamente com os diálogos que antecedem e que

seguem a descrição, temos a ambientação definida. Em uma cena anterior ao

ataque à cidade, Dadá anunciava que Corisco invadiria Queimadas, como mostra o

trecho da fala dela abaixo.

01:01:01:27 � 01:01:09:25 [Dadá] Corisco disse que depois da invasão de

Queimadas a gente vai pro Raso da Catarina pra despistar as volante.

Essa fala da personagem anuncia a existência do local chamado Queimadas .

O quadro 03 mostra as descrições juntamente com os diálogos da cena. A

ambientam da ação, em frente ao cartório, complementa a fala do personagem que

se refere a papeis, documentos retirados do cartório, que serão queimados.

TIME-CODE DIÁLOGOS AUDIODESCRIÇÃO

01:02:27:10 � 01:02:30:13 O bando se reúne diante do

Cartório de Queimadas.

01:02:44:06 � 01:02:46:18 Soldados e habitantes são

feitos reféns.

01:02:46:04 � 01:02:47:04

[Corisco] Gitirana, os home letrado

sabe tudo. Direito, ciência. Não é

esses home letrado que eu

conheço. Tá certo. Toca fogo.

01:02:57:21 � 01:02:59:10

[Homem] Por tudo quanto é

sagrado não queime esses

documentos. São títulos de

propriedades das famílias, capitão.

Não faça isso, capitão.

01:03:07:11 � 01:03:09:07 [Corisco] Aí é que é pra queimar

mesmo que aí é safadeza. Seu fi

de rapariga. Gavião, quero o

bigode do prefeito. Vá, toque fogo.

01:03:20:24 � 01:03:22:30 Os papéis queimam na frente

dos reféns.

Quadro 03: Elementos visuais verbais no começo do filme.

39

O quadro 04 mostra parte do roteiro referente aos últimos elementos visuais

verbais que precisam ser audiodescritos no filme. São eles a conclusão da história

de Corisco e Dadá e os créditos finais do filme.

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

01:36:12:25 � 01:36:16:24 Corisco foi assassinado no dia 25 de maio de 1940.

01:36:17:15 � 01:36:22:24 Sua cabeça foi cortada e exposta no Museu Nina Rodrigues, em

Salvador, Bahia.

01:36:23:07 � 01:36:25:12 Dadá foi presa e depois anistiada.

01:36:26:09 � 01:36:30:10 Em 1969, Dadá moveu um processo contra o Estado

01:36:30:22 � 01:36:33:26 e obteve o direito de sepultar a cabeça de Corisco.

01:36:34:14 � 01:36:40:16 No ano de 1994, com 79 anos de idade, Dadá morreu em

Salvador.

01:36:41:04 � 01:36:44:12 Dadá e Corisco viraram lenda no coração do povo brasileiro.

01:37:09:03 � 01:37:11:05 Um filme de Rosemberg Cariry.

01:37:11:19 � 01:37:18:27 Produtores associados: Corto Pacific Production (Paris - França) e

No ar Production (San Francisco - EUA).

01:37:21:01 � 01:37:23:11 Produtor internacional: Sylvie Debs.

01:37:24:13 � 01:37:28:11 Direção de arte: Jefferson de Albuquerque Jr. e Rosemberg

Cariry.

01:37:30:02 � 01:37:31:21 Maquiagem: Antônio Pacheco.

01:37:32:23 � 01:37:35:06 Efeitos especiais: Ricardo Spencer.

Quadro 04: Elementos visuais verbais no final do filme.

Elementos Visuais não Verbais

Os elementos visuais não verbais tem início com uma projeção de um filme

amarelado com cangaceiros andando, apontando armas, fazendo poses, dançando

e sorrindo. Quase na metade do filme Corisco e Dadá Benjamim Abrahão surge no

acampamento onde estão Corisco, Dada e Lampião. Ele filma as mesmas cenas,

desta vez em preto e branco. A figura 06 mostra uma comparação entre esses dois

momentos do filme.

40

Figura 06: Comparação entre as duas cenas.

Nos créditos finais do filme aparece a informação “cangaço – imagens de

época: Benjamim Abrahão” o que mostra que as imagens iniciais, do filme

amarelado, são as gravações originais de Benjamim Abrahão com os verdadeiros

Corisco e Dadá. Foi decidido não incluir essa informação na audiodescrição do filme

amarelado, pois essa informação só pode ser inferida quando ocorre a mesma cena

quase na metade do filme, e corroborada com os créditos finais. Então é descrita

apenas a informação sobre a cor do filme (amarelado), as ações e as vestimentas

dos cangaceiros. A cena semelhante na metade do filme é descrita quase da mesma

forma, porém informando que é um filme em preto e branco. O quadro 05 a seguir

mostra a descrição das duas cenas.

41

Cena no inicio do filme

Cena na metade do filme

TIME-CODE 00:00:42:17 � 00:02:50:12 TIME-CODE 00:47:10:29 � 00:48:12:12

AUDIODESCRIÇÃO AUDIODESCRIÇÃO

Uma foto amarelada é mostrada. Uma

mulher apóia o braço direito sobre o

ombro de um homem.

Com Chico Diaz e Dira Paes

Filme amarelado. Um cangaceiro guarda

seu punhal. Ele e outros ao seu redor

avançam.

Eles usam chapéus com as abas da frente e

de trás dobradas para cima. Todos estão

armados.

Eles se voltam para a câmera e fazem pose

apontando as armas. Há três mulheres no

bando, também armadas. Todos sorriem.

O bando está ajoelhado. Na frente, um

homem lê um livro de capa preta. Ao seu

lado, outro homem faz o sinal da cruz. Os

cangaceiros caminham pela caatinga. Agora

o bando está apanhando água em potes de

barro. Dois cangaceiros andam por entre

cactos. O da direita gesticula para a câmera.

Em preto e branco, visão da câmera de

Benjamin. Corisco e Dadá fazem pose. Ela põe

o braço direito sobre o ombro dele.

Benjamin gira a manivela.

Lampião vem na direção da câmera. Ele tira um

punhal da cintura. Atrás dele vêm outros

cangaceiros. Ele faz pose levantando o punhal.

Benjamin continua girando a manivela enquanto

olha pelo quadrado de vidro.

Duas mulheres, seguidas por homens,

caminham na direção da câmera. A da direita

aponta a arma e sorri.

Os homens também apontam as armas enquanto

passam. Um deles carrega uma viola. Os

cangaceiros dançam. Alguns levantam suas

armas. Um deles toca viola. As mulheres dançam

abraçadas aos homens.

Quadro 05: Comparação entre a descrição das duas cenas.

Em negrito estão as descrições que mostram as semelhanças entre as duas

cenas. As duas descrições não puderam ser totalmente idênticas, o que levaria mais

facilmente à inferência de que uma é a encenação da outra, por causa de alguns

fatores, como por exemplo:

1) As sequências não são completamente idênticas;

2) Durante a primeira cena deu-se prioridade à música de fundo que é o

tema de Corisco e conta sua história;

3) Na primeira sequência deu-se prioridade à descrição dos trajes dos

cangaceiros. Na segunda sequência deu-se prioridade às ações.

42

Dentre as descrições dos personagens estão:

1) Figurino:

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:03:43:10 � 00:03:47:23 Entre as pessoas na areia alguns homens usam roupas e chapéus

brancos.

00:07:39:26 � 00:07:45:28 Corisco passa pelo homem. Na aba de seu chapéu há desenhos

prateados de cruzes e estrelas de oito pontas.

00:14:32:09 � 00:14:38:18. Um homem fardado usando quepe o segue. Atrás deles seguem

oito soldados

Quadro 06: Exemplos de descrição de figurinos.

2) Atributos físicos:

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:03:49:02 � 00:03:55:18 Todos observam uma mulher servindo comida. Ela usa vestido e

tem cabelos longos, castanhos e ondulados.

00:06:54:06 � 00:07:00:21 Os meninos se levantam. No cavalo está um cangaceiro de cabelo

aloirado até os ombros. Está armado. Os meninos correm.

00:22:36:16 � 00:22:45:19 Dadá, agora adulta, olha seu reflexo na água de um pequeno lago.

Corisco a observa por trás. Ela enche uma cabaça grande com

água.

Quadro 07: Exemplos de descrição de atributos físicos.

3) Expressões faciais:

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:01:08:06 � 00:01:11:17 Há três mulheres no bando, também armadas. Todos sorriem.

00:15:50:25 � 00:15:55:08 A mulher de cabelo preso sorri. Um homem de óculos se aproxima

por trás dela.

00:17:35:01 � 00:17:38:19 Corisco observa. Olha rapidamente para o lado e franze a testa.

Quadro 08: Exemplos de descrição de expressões faciais.

43

4) Linguagem corporal:

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:06:24:24 � 00:06:28:10 Ele faz sinal para os meninos que se levantam e vão em sua

direção.

00:06:43:13 � 00:06:46:22 Agacham-se e jogam bola de gude com os olhos.

00:09:19:27 � 00:09:24:07 Aproxima-se delas e fala perto do ombro direito da jovem, que se

encolhe.

Quadro 09: Exemplos de descrição de linguagem corporal.

5) Idade:

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:05:29:17 � 00:05:33:24 Dois meninos agachados observam um homem de cabelos

brancos.

00:08:04:26 � 00:08:08:05 A jovem chega na casa, põe o pote nos braços e entra.

01:11:19:10 � 01:11:22:29 Ela olha para o bebê em seus braços, envolto em um pano branco.

Quadro 10: Exemplos de descrição de idade.

O filme possui dois contextos topográficos que se alternam, ora temos o

sertão, onde se passa a história de Corisco e Dadá, ora temos a praia, onde a

narradora conta essa história. Essas mudanças de localização são sempre

enfatizadas, pois são importantes para que o deficiente visual acompanhe as ações,

como podemos ver no quadro 11.

1) Elementos espaciais (localização espacial dos personagens):

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:03:28:20 � 00:03:32:27 Pessoas estão reunidas na areia junto a uma jangada com a vela

baixa.

00:11:48:10 � 00:11:54:11 Eles chegam a uma clareira.

00:28:57:19 � 00:28:59:04 Na praia.

00:29:27:03 � 00:29:27:12 No sertão.

Quadro 11: Exemplos de descrição de localização espacial.

44

2) Elementos temporais (localização temporal dos personagens, momento,

hora do dia, ano, mês etc.):

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

00:14:47:00 � 00:15:00:08 Noite. Próximos à uma fogueira, cangaceiros jogam cartas e

bebem.

00:18:48:04 � 00:18:51:02 Dia. Os soldados da polícia volante caminham.

01:35:05:10 � 01:35:09:29 Noite. Uma procissão passa. Pessoas carregam tochas acesas.

Quadro 12: Exemplos de descrição de localização temporal.

3) Ações:

TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO

01:11:49:09 � 01:11:50:20 Dadá abraça a criança.

01:14:24:12 � 01:14:28:20 Corisco levanta o homem pela gola da roupa e o esfaqueia com o

punhal.

01:17:30:26 � 01:17:32:22 Corisco e Dadá também se levantam.

Quadro 13: Exemplos de descrição de ações.

Para evitar a sobreposição do áudio do filme com o da AD pode ser

necessária a antecipação da descrição de uma cena, de um personagem ou de um

objeto. Por exemplo, na cena que tem inicio no tempo 00:08:05:11 e termina em

00:08:42:21, Dadá chega em casa e encontra a mãe rezando. Durante a reza é

mostrado um quadro com a imagem de Santa Luzia, para quem a mãe esta rezando.

Após a reza, ela explica para a filha que Corisco veio a casa delas para matar o pai

da menina. Dadá então abraça a mãe e pede para que ela não o deixe fazer isso.

Novamente o foco da cena é o quadro da santa, mais precisamente o prato com os

olhos que a santa segura. É mostrado então Corisco sentado à mesa comendo e

conversando com o pai da menina. Abaixo está uma linha de tempo com as imagens

e as falas presentes na cena entre mãe e filha.

45

IMAGENS DO FILME

TEMPO DE PERMANECIA DA IMAGEM NA TELA

DIÁLOGOS

00:08:05:11 � 00:08:14:23

00:08:05:11 ���� 00:08:11:15 [Silêncio 1 de quase 7 segundos]

00:08:11:16 � 00:08:14:16 [Mãe reza] Santa Luzia pela luz que me alumia.

00:08:14:23 � 00:08:16:22

00:08:14:23 � 00:08:16:13 Iluminai os nossos dias

00:08:16:23 � 00:08:20:07

00:08:17:05 � 00:08:20:05 Santo anjo do Senhor meu zeloso guardador

00:08:20:08 � 00:08:23:17

00:08:20:11 � 00:08:23:11 Já que a ti me confiou a providência divina

00:08:23:18 � 00:08:29:17 00:08:23:17 � 00:08:25:24 Sempre me rege, guarda, governa,

00:08:26:01 � 00:08:27:05 ilumina a mim.

00:08:27:06 � 00:08:29:15 [Dadá] O que tá acontecendo, mãe?

00:08:29:18 � 00:08:30:25

00:08:29:15 ���� 00:08:33:15 [Silêncio 2 de quase 4 segundos]

00:08:30:26 � 00:08:40:07 00:08:33:15 � 00:08:35:11 É o capitão Corisco, filha 00:08:35:12 � 00:08:38:00 que tá aí dentro e veio matar o teu pai.

00:08:38:11 � 00:08:41:03 [Dadá] Num deixa não, vai, num deixa.

00:08:40:08���� 00:08:42:21

00:08:41:03 ���� 00;08;42.15 [Silêncio 3 de quase 2 segundos]

Quadro 14: Linha de Tempo imagem x diálogo.

46

Como visto na linha de tempo acima existem 3 momentos de silêncio com

mais de 1 segundo de duração, tempo mínimo para a inserção de uma descrição,

entre o início e o término da cena, a mudança de cenário para a sala onde Corisco e

o pai comem. Como em dois momentos o foco da câmera é o quadro da santa, senti

a necessidade de descrevê-lo. Quando Dada chega em casa há um momento de

silêncio de quase 7 segundos [Silêncio 1 ] seguido pela reza da mãe durante a qual

o quadro aparece. Em seguida há mudança de foco e a ação entre as personagens,

a mãe corre e abraça a filha, ação que é audiodescrita no segundo momento de

silêncio [Silêncio 2 ]. Há então mais falas entre elas e o terceiro momento de silêncio

[Silêncio 3 ] seguido pela mudança de cenário mostrando Corisco e o pai da jovem

em outro cômodo. Este último momento de silêncio é utilizado para inserirmos a

informação de que há mudança de cenário. Aqui a decisão foi de antecipar a

descrição do quadro para o primeiro momento de silêncio, antes do quadro aparecer

efetivamente. Neste momento o tempo é suficiente para descrever a chegada da

menina e o quadro. É descrita a imagem que define a santa, os olhos no prato, e em

seguida é ouvida a reza da mãe que denomina a santa a qual o quadro se refere,

como mostra o trecho da fala dela abaixo.

00:08:11:16 � 00:08:14:16 [Mãe reza] Santa Luzia pela luz que me alumia. A antecipação da descrição da cena é mostrada na figura 07.

Figura 07: Antecipação da cena.

47

Os olhos, que podem significar testemunho do que está acontecendo, são

mostrados em diversas cenas de diferentes formas neste filme. Como pode ser visto

nas cenas do filme abaixo.

Figura 08: Cenas do filme que focalizam olhos.

Quando a informação puder ser depreendida pela fala de um personagem,

essa informação não precisa ser audiodescrita, porque seria uma duplicidade de

descrição. A AD deve harmonizar com a imagem e a trilha sonora do filme. Um bom

exemplo disso é uma cena que tem inicio no tempo 00:29:30:00. A cena tem inicio

com Dadá embalando o filho e se deitando para dormir enquanto que, perto dali,

Corisco está reunido com seus homens. Ela tem um sonho e acorda gritando o

nome de Corisco, que, ao ouvir os gritos, prepara-se para enfrentar possíveis

inimigos. A polícia volante chega ao local onde eles se encontram e começa o

tiroteio. Aqui a decisão foi de descrever o sonho, mas não o fato de que Dadá

acordou, porque os gritos dela informam isso. Também não se faz necessário

descrever que os cangaceiros e os policiais estão se enfrentando. O fato de

audiodescrever que os cangaceiros se levantaram, os tiros ouvidos a seguir e a

descrição de que a policia volante surge permitem inferir isso, como mostra o trecho

da AD e a lista de diálogos do filme a seguir.

48

AUDIODESCRIÇÃO DIÁLOGOS 00:29:51:23 � 00:30:00:25 Ela se deita sobre um pano estendido embaixo da tenda. Está vestindo roupas claras e uma saia. Põe o braço direito sobre a testa.

00:30:06:12 � 00:30:09:27 Um cangaceiro, armado e em pé sobre uma pedra, monta guarda.

00:30:09:13 � 00:30:38:19 [Corisco] Óia aqui os limites da vila... Pra cada bala eu quero uma queda, viu?

00:30:40:01 � 00:31:10:00 Dadá continua deitada. A câmera foca seu rosto. Ela move levemente a cabeça de um lado para o outro. Surge uma imagem de um homem puxando uma corda. Amarrados na corda há crânios e ossos de animais. Dadá aperta os olhos e vira a cabeça com mais firmeza. Um dos crânios aparece com um olho ensanguentado.

00:31:11:26 � 00:31:16:30 [Dadá] Corisco!

00:31:19:29 � 00:31:21:15 Corisco e seu bando correm.

00:31:20:15 � 00:31:21:23 [Tiros]

00:31:21:23 � 00:31:23:08 A volante aparece correndo.

Quadro 15: Roteiro de AD e Lista de diálogos.

Outro exemplo em que o que é falado pelo personagem leva ao entendimento

de uma cena é quando Dadá está conversando com outras mulheres. Na conversa,

ela fala sobre os filhos que perdeu e menciona um que está por vir. Como ela

acaricia o ventre, não se faz necessário fornecer a informação de que ela está

grávida. As falas dela e a descrição “Ela acaricia o ventre”, ao invés de “Ela acaricia

a barriga” ou “Ela está grávida”, levam a essa inferência. Abaixo o trecho da AD e a

lista de diálogos:

AUDIODESCRIÇÃO DIÁLOGOS 01:00:58:26 � 01:01:02:22 Dadá e mais duas mulheres costuram sentadas no chão do acampamento.

01:01:01:27 � 01:01:14:27 [Dadá] Corisco disse que depois da invasão... Eu acho é bom. O menino pode nascer sem sofrimento.

01:01:15:16 � 01:01:16:28 Ela acaricia o ventre.

01:01:16:17 � 01:01:26:23 Crescer, criar corpo. Já perdi 2 filhos meu no meio dessas caatinga.

Quadro 16: Roteiro de AD e Lista de diálogos.

49

Mais um exemplo no qual a fala, a descrição e a caracterização do

personagem devem ser suficientes para gerar uma inferência é no final do filme. A

narradora comenta que Corisco e Dadá fogem levando uma menina. A menina é

descrita na AD como tendo cabelos curtos e castanhos. Após a morte de Corisco a

menina foge correndo e a cena é cortada para a praia e focaliza o rosto da narradora,

previamente caracterizada na AD como uma mulher de cabelos longos, castanhos e

ondulados. Neste momento a fala dela é:

01:34:48:12 � 01:35:02:26 A memória muitas vezes é um fogo queimando a alma da gente.

Tem coisa que a gente vê e não esquece nunca. Nunca.

Unindo as descrições, o corte de cena e a fala da personagem pode-se inferir

que a narradora é a menina que presenciou a morte de Corisco.

A cena mostrada a seguir na figura 09 mostra Corisco sepultando o filho que

acabara de morrer. A cena começa no tempo 00:35:03:04 e termina em 00:33:13:28.

Inicia-se com Corisco pegando o corpo do filho dos braços de Dadá, indo até a cova

e se ajoelhando para depositar o corpo do filho na mesma. Acompanhando a cena

há uma música sendo cantada durante todo o tempo. Para permitir ao deficiente

visual apreciar a música, foi priorizada a ação do personagem em detrimento da

descrição do cenário, do figurino, da presença de mais de um personagem em cena

e de outros elementos.

Figura 09: Cena do filme Corisco e Dada.

50

Mais uma vez as falas dos personagens ajudam na tomada de decisão do

que deve ser descrito. As seguintes falas já descrevem que há várias cruzes pelo

local.

00:33:21:05 � 00:33:28:27 [Corisco] Trate de Ventania. Que água pras almas é essa?

00:33:29:11 � 00:34:35:04 [Cangaceiro] Essas 3 cruzes são dos revoltosos da Coluna

Prestes... Os jagunços cavaram 3 covas e enterraram os 3

revoltosos ainda vivos... Depois esse lugar virou chão

sagrado terra santa lugar de se pagar promessa.

00:34:36:01 � 00:34:37:20 [Corisco] E essas cruzes ao redor?

00:34:37:23 � 00:34:45:27 [Cangaceiro] São dos anjos, meu capitão. Criança aqui

morre que nem mosca.E os pais vem enterrar os filhos aqui.

Assim como as falas dos personagens podem auxiliar a AD, às vezes a AD é

necessária para o bom entendimento da fala dos personagens. No inicio do filme

Corisco é descrito como tendo cabelos até os ombros, uma das características

marcantes de Corisco. No final do filme quando o casal está fugindo Corisco aparece

de cabelos curtos, o que precisa ser audiodescrito, pois a fala seguinte de Dadá é:

01:30:34:21 01:30:37:06 [Dadá] Me dá uma pena, Corisco.

01:30:39:23 01:30:43:12 Teus cabelo parecia o sol se derramando no mundo.

01:30:46:22 01:30:48:08 Tá tão diferente.

Ao meu ver essa fala não permite ao deficiente visual inferir a nova aparência

de Corisco, por isso a descrição anterior faz-se necessária.

51

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo ao se audiodescrever um filme é permitir que o deficiente

visual perceba coisas relevantes ao enredo do filme, as quais ele não pode perceber

apenas através dos efeitos sonoros e das falas dos personagens. Audiodescrever

qualquer cena por completo é uma tarefa impossível. O audiodescritor precisa fazer

escolhas e tomar decisões que reduzam ao máximo as perdas sofridas pela

deficiente visual em relação ao entendimento do filme. Para isso ele deve ter um

entendimento sobre a história contada e selecionar o que será audiodescrito com

base na importância daquele objeto, figurino ou personagem, não apenas para a

cena em questão, mas para o entendimento do filme como um todo.

Para isso ele deve aproveitar ao máximo não apenas a ausência de falas ou

os efeitos sonoros que possibilitam a inserção do áudio da AD. O audiodescritor

deve estar ciente de que as próprias falas dos personagens e outros elementos

sonoros podem, por si só, levar o deficiente visual a inferir muito do que se passa

visualmente. O contrário também pode acontecer, uma fala pode estar tão

dependente de elementos visuais da cena que a torna também dependente de uma

descrição.

Além de decidir o que deve ser descrito é necessário decidir o vocabulário

utilizado. No caso do filme Corisco e Dadá, por se tratar de um filme cujas falas

estão repletas de vocabulário do universo do cangaço, foi possível utilizar alguns

destes vocabulários na AD, como “bando” e “volante”.

O processo de audiodescrever um filme tem seu lado técnico também. Saber

utilizar alguns dos programas mencionados no capítulo de metodologia, como o

subtitle workshop, pode facilitar o processo de elaboração de um roteiro de AD. O

roteiro poderia ser feito em editor de texto como o MS Word, mas foi utilizado o

subtitle workshop por ser um software gratuito e que permite uma marcação dos

tempos de cada descrição mais precisa, além de permitir o acesso ao filme e ao

áudio durante todo o processo.

52

As pesquisas realizadas no Brasil e no mundo sobre audiodescrição,

descritas no capítulo 1, mostram as diferentes formas de pesquisas e elementos a

serem pesquisados sobre o assunto. Pesquisas utilizando como corpus filmes

audiodescritos podem mostrar tendências e padrões linguísticos. Pesquisas de

recepção com deficientes visuais podem ajudar na criação de diretrizes que ajudem

na elaboração de futuros roteiros. Além disso, as pesquisas de recepção, ao permitir

maior interação entre os deficientes visuais e o pesquisador, ajudam a perceber

aquilo o que é necessário descrever em um filme sem subestimar o publico alvo.

As pesquisas sobre AD estão em desenvolvimento no Brasil e no mundo.

Espero que este trabalho venha a contribuir com estas pesquisas.

53

BIBLIOGRAFIA

AUDIO DESCRIPTION COALITION. Standards for audio description and code of

professional conduct for describers: based on the t raining and experience of

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