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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA A COMUNIDADE SÍRIO-LIBANESA E SUA INSERÇÃO NA ELITE MARANHENSE FREDERICO MAMEDE SANTOS FURTADO São Luís 2008

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA

A COMUNIDADE SÍRIO-LIBANESA E SUA INSERÇÃO NA ELITE MARANHENSE

FREDERICO MAMEDE SANTOS FURTADO

São Luís 2008

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FREDERICO MAMEDE SANTOS FURTADO

A COMUNIDADE SÍRIO-LIBANESA E SUA INSERÇÃO NA ELITE MARANHENSE

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em História Orientadora: Profª. Msc. Maria de Lourdes Lauande Lacroix

São Luís 2008

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FREDERICO MAMEDE SANTOS FURTADO

A COMUNIDADE SÍRIO-LIBANESA E SUA INSERÇÃO NA ELITE MARANHENSE

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em História

Aprovada em ___/ ___/ ____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Profª Msc. Maria de Lourdes Lauande Lacroix (Orientadora) Universidade Estadual do Maranhão

_______________________________________________ (Examinador)

______________________________________________________ (Examinador)

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Aos amigos que se foram

Allyson “Sherrer”

Hesdras Thiago “Canhoto”

sempre vivos na minha lembrança.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, Carlos Augusto Furtado, pela eterna preocupação com as coisas que

me cercam. A minha mãe, Lucilea Mamede, pela total confiança em mim depositada.

Aos meus irmãos, Arthur Furtado e Matheus Mamede, que me tiraram o peso de

ser filho único e agora me obrigam a servir de exemplo. A Nissa Maiara, prima e

companheira, que trouxe a luz quando no escuro eu estava.

A toda família Furtado, em especial ao meu avô, Teófanes. A toda família

Mamede, em especial a minha avó, Maria de Deus.

Aos amigos de infância que ajudaram a construir a minha história: Deynna (Big

Nose), Gil (Betinho), Ângelo (Tutankamon), Junior, Mayara (Selena), Heloiza (Coração),

Aureliano (Silvaaa), Vinicius (o Gordo), Leonardo (China), Lorena (Meu Deus!), Lucas

(Marrudo), Nathalia (Marruda), Mayra (Banha), Pedro (Marginaclóvis), Abimael (Chuck),

Carolina (Olho de Amaral), Frank (Caxero), Natalia (Quem?), Rogério (Rogerrr), Kassiano

(Chuby) e Fabrício (Horácio). As três Cristinas, Tereza, Aline e Ailana, que me cercam de

carinho como se eu fosse da família.

Aos meus amigos da turma 112 (ou 103) da Faculdade de Odontologia da UFMA,

pela compreensão e apoio em todos os momentos. Aos amigos que fiz durante todos esses

anos da Faculdade de História. São tantos que vou citar só Laiane, Desni, Neila, Roberta e

Dayse.

Aos mestres do Ensino Fundamental, Nathan, Márcia, Gabriela, que não fizeram

da História uma disciplina chata. Aos mestres do Ensino Médio, Waibson, Denise, Getúlio

Bessa, Geraldo Castro e Washington Tourinho, responsáveis pela minha escolha, a História

como formação.

Aos mestres da graduação, que hoje posso chamar de amigos: Henrique, Marcelo,

Yuri, Fábio, Adriana, Milena, Alan, Helidacy, Elizabeth, Julia e Ximendes. A minha

orientadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, pela compreensão, paciência e,

principalmente, por mostrar que o caminho havia saída mesmo quando parecia o contrário.

Ao seu Norberto Pedrosa, pela ajuda e pelas conversas esclarecedoras.

A todas as pessoas entrevistadas, as verdadeiras autoras desse trabalho.

E a todos que não foram citados, mas que de alguma forma contribuíram para a

conclusão dessa monografia e consequentemente, da minha graduação.

O meu eterno obrigado!

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“A História seria uma ótima mestra se os

homens não fossem péssimos alunos”

Kalil Mohana

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RESUMO

O presente trabalho intitulado A Comunidade sírio-libanesa e sua inserção na elite

maranhense tem com objetivo analisar os fatores que possibilitaram o ingresso desses imigrantes na sociedade maranhense. Entretanto, para tal, faz um resgate de todo processo migratório ao qual foram submetidos analisando as causas que motivaram sua saída da terra natal, bem como as condições que se encontraram quando aqui chegaram, as atividades que desempenharam e sua relação com a sociedade até o seu estabelecimento. Por fim, discute como se deu o ingresso de algumas famílias sírio-libanesas na elite maranhense e suas atuações hoje na sociedade. Palavras-chave: Sírio-libaneses. Imigração. Inserção. Maranhão XIX - XX

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ABSTRACT

This study, named Syrian-Lebanese Community and its Insertion in Maranhense Elite, intends to analyse the factors which made the coming of these immigrants in this society possible. Doing this requires a research of the whole immigratory process, analysing the condition they were when they arrived here, the developed activities at that time and their relation with the society until they settled down. Finally, it’s discussed how some Syrian-Lebanese families act in Maranhense society. Keywords: Syrian-Lebaneses. Immigration. Insertion. Maranhão XIX - XX

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa da Síria e do Líbano com suas respectivas capitais, principais cidades

e países vizinhos.. ............................................................................................. 17

Figura 2 - Registro fotográfico do Livro das Diárias do Porto............................................. 29

Figura 3 - Registro fotográfico do Livro das Diárias do Porto............................................. 30

Figura 4 - Registro fotográfico do estabelecimento comercial de um libanês na cidade

de Rosário.......................................................................................................... 32

Figura 5 - Registro fotográfico do estabelecimento de um libanês na cidade de Itapecuru..... 33

Figura 6 - Registro fotográfico de um alto comerciante libanês na cidade de Codó, Sr.

Salomão Elias Araújo e ao lado, sua residência .................................................. 33

Figura 7 - Registro fotográfico da família Mohana e de seu estabelecimento comercial

Casa Mohana, em atividade até os dias atuais..................................................... 35

Quadro 1 - Relação de empresas de famílias sírio-libanesas em São Luis - MA.................. 38

Figura 8 - Registro fotográfico sobradão pertencente a família Aboud e onde residiram

mais duas famílias com parentescos. Família Mouchrek e Franciss. Cada

pavimento era ocupado por uma família e no térreo funcionava a loja

Otomana ............................................................................................................ 40

Figura 9 - Registro fotográfico sobradão pertencente a família Tajra e que serviu de

instalação para o Cine Éden, o mais luxuoso da época........................................ 41

Figura 10 - Registro fotográfico sobradão pertencente a família Ázar e que ainda

abriga o estabelecimento comercial da família, o armarinho A Moderna, um

dos mais antigos de São Luís ainda em atividade ............................................... 42

Figura 11 - Registro fotográfico de prédio onde funcionou o Clube Sírio-Libanês,

ponto de encontro das famílias sírio-libanesas na capital .................................... 44

Figura 12 - Registro fotográfico do Sr. Eduardo Aboud...................................................... 55

Figura 13 - Registro fotográfico do Sr. César Alexandre Aboud que foi governador

interino no ano de 1951. Ao lado o palacete onde morava e que hoje se

encontre em ruínas no Canto da Fabril ............................................................... 57

Figura 14 - Registro fotográfico da Ata da primeira reunião e fundação da Sociedade

Beneficente Feminina Libanesa ......................................................................... 58

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Figura 15 - Reclame da firma Chames Aboud e os dois prédios que ocupava na Praia

Grande............................................................................................................... 67

Figura 16 - Reclame da da loja Sadick Nahuz e o seu prédio, a esquerda a faixada do

mesmo prédio nos dias atuais............................................................................. 67

Figura 17 - Prédio onde funcionou a antiga sede da Associação Comercial e também

funcionou a firma J. Duailibe, ao lado o prédio nos dias de hoje, onde

funciona famoso restaurante da Praia Grande..................................................... 68

Figura 18 - Ruínas do Palacete no Canto da Fabril onde residiu César Alexandre

Aboud, governador do Estado em 1951.............................................................. 68

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 - Imagens do patrimônio sírio-libanês em São Luis - MA.. .................................. 67

Anexo 2 - Cantiga de saudade e de amor à Praia Grande (João Elias Mouchrek) ................ 69

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12

2 A IMIGRAÇÃO .......................................................................................................... 16

2.1 Fatores que motivaram a saída ................................................................................. 18

2.2 Fatores de atração do Brasil ...................................................................................... 21

2.3 Fatores que possibilitaram a entrada do imigrante sírio-libanês em terras

brasileiras ..................................................................................................................... 24

3 A CHEGADA ............................................................................................................... 26

3.1 Quando chegaram ....................................................................................................... 28

3.2 A presença no interior ................................................................................................. 32

3.3 O que faziam ................................................................................................................ 35

3.4 A relação com a sociedade .......................................................................................... 42

4 A INSERÇÃO .............................................................................................................. 49

4.1 A concepção de elite .................................................................................................... 49

4.2 Fatores de inserção ...................................................................................................... 50

4.3 A comunidade inserida e atuando na sociedade ....................................................... 53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 63

ANEXOS ...................................................................................................................... 66

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 70

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1. INTRODUÇÃO

Ao olharmos hoje para a sociedade maranhense, mais especialmente para a

chamada elite dessa sociedade, nos deparamos com alguns nomes de famílias que nos tempos

atuais já nos parecem corriqueiros e comuns. Aboud, Duailibe, Mohana, Lauande, Hachem,

Tajra, Buzar, Heluy, Murad, entre outros, entre tantos outros. Seja na política, no ramo

empresarial ou até mesmo nas letras e nas artes, estas famílias, de certa forma, vêm

contribuindo para ditar as normas, criar tendências, mudar padrões, tudo o que uma classe

dirigente tem o poder de realizar.

Porém o que não sabemos é como essas famílias chegaram ao patamar atual, que

tipo de atividades e quais as dificuldades encontradas e superadas para conseguir tal posição

de relevância na sociedade maranhense. Como esses imigrantes árabes, partindo da Síria ou

do Líbano vieram parar no Maranhão? Por que deixaram sua terra? Por que o Maranhão?

Como se estabeleceram?

A presente pesquisa intitulada Comunidade sírio-libanesa e sua inserção na elite

maranhense é interessante, uma vez em que busca fazer a trajetória de uma nacionalidade tão

presente em nossa sociedade como é a sírio-libanesa. Primeiramente chamamos atenção para

o próprio título do trabalho. Por que escolhemos o termo comunidade para tratar desses

imigrantes ao invés de uma outra denominação do tipo colônia ou guetos, por exemplo?

Enquadramos como comunidade, pois esse é o termo que, etmologicamente, se

encaixa mais perfeitamente à situação demonstrada por esse grupo de pessoas. Segundo

Aulete (2004, p. 188), o verbete comunidade explica-se por “qualidade, ou condição do que é

comum. Conjunto de pessoas que partilham, geralmente em determinado contexto geográfico,

o mesmo habitat e/ou religião, e/ou cultura, e/ou tradições, e/ou interesses”.

Outras denominações embora sugestivas ou são insuficientes ou ultrapassam a

caracterização desse grupo, como é o caso de gueto e colônia, respectivamente. O primeiro

verbete traz a idéia de “lugar ou bairro onde vive uma minoria racial” (AULETE, 2004, p.

413) o que não é suficiente para caracterizar os sírio-libaneses que, embora fossem uma

minoria comparando-se ao resto da sociedade, eles não se concentram em apenas um local, ao

contrário disso. Até encontrarem um lugar que lhes dêem estabilidade a maioria deles transita

em busca de um lugar para se estabelecerem.

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A idéia de colônia também não se encaixa aos sírio-libaneses, pois ultrapassa a

atuação deles na sociedade maranhense. Ainda nessa mesma obra de referência, o verbete

colônia aparece dessa forma: “grupos de pessoas que imigram e se fixam numa região

estranha, geralmente mantendo vivos seus costumes originais (língua, cultura, etc.). Grupo de

pessoas que se estabelecem com o mesmo fim” (AULETE, 2004, p.179).

O conceito ultrapassa na medida em que a idéia de fixar-se, mesmo tendo

ocorrido, não era a de primeira ordem para os imigrantes que sempre almejaram o retorno a

sua terra natal depois de conseguirem prosperidade econômica. E quanto a questão cultural,

embora forte nas primeiras levas de imigrantes, não era tão rígida e ainda se afrouxa com o

passar dos anos. A propósito, é esse afrouxamento das tradições culturais que será um dos

fatores que possibilitaram a inserção do sírio-libanês na elite da sociedade maranhense.

O principal objetivo desse trabalho é retratar o processo de ascensão e inserção

dos descendentes sírio-libaneses na elite maranhense, porém, para tal, é necessário resgatar o

início, ou seja, os fatores que contribuíram para a chegada desses imigrantes.

No primeiro capítulo denominado Fatores da imigração abordaremos a opressão

externa, os conflitos internos, bem como a política de atração do Brasil para esses imigrantes

e consequentemente sua aceitação perante a sociedade brasileira, não sofrendo algum tipo de

preconceito ou rejeição mais severos.

No capítulo Da chegada ao estabelecimento trataremos do imigrante sírio-libanês

já em território maranhense. Mostraremos através de fontes históricas como o livro de

registro das partes diárias do porto datado de 1884 até 1895 a chegada de alguns imigrantes.

Essas fontes também nos darão a idéia de como era a dinâmica desses imigrantes que

constantemente estavam viajando para outras regiões do estado e do país.

Analisaremos também as atividades que desempenharam assim que chegaram e

seu desenvolvimento com o passar dos anos. Tais informações ficarão por conta de

depoimentos dos próprios descendentes que participaram ou que guardaram a história de seus

antecessores.

Outras fontes que nos ajudarão a entender tal questão são as informações obtidas

na Junta Comercial do Maranhão onde se encontram o registro das firmas criadas por esses

imigrantes e informações, tais como, a data de abertura da firma, os sócios e as atividades por

elas desempenhadas. Outra fonte importante são os anúncios de propaganda de tais empresas

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que foram encontrados em jornais e revistas da época e que nos dão a dimensão exata de quão

grande era o negócio realizado pelos imigrantes.

Discutiremos ainda, baseado nas fontes orais, como é que se dava a relação

imigrante versus brasileiro e de que forma essa relação contribuiu para o sucesso de algumas

famílias e para o “fracasso” de outras. Na verdade procuraremos perceber se havia alguma

interação entre as duas partes e o quanto era íntima essa relação. Se houve por parte dos

brasileiros algum tipo de discriminação ou preconceito para com os imigrantes e se havia

alguma participação direta desses nos acontecimentos da sociedade.

É interessante salientar a importância desse capítulo, pois além de descrever todas

as etapas pelas quais o imigrante vai percorrer em sua trajetória, ele também servirá para

entendermos como se encontra o Maranhão no período de imigração. Aspectos econômicos,

políticos e sociais serão levantados a partir das discussões de vários autores que ajudarão a

entender sobre quais circunstâncias estava permeado o processo de estabelecimento dos

imigrantes sírio-libaneses no Maranhão.

Por fim, depois de termos preparado as bases para a discussão, entraremos na

questão da inserção trabalhada no capítulo de mesmo nome. É nesse capítulo onde

abordaremos quais foram os fatores que possibilitaram tais famílias ingressarem na elite da

sociedade maranhense. Outra questão a ser analisada nesse capítulo é a contribuição que essas

famílias tem dado ao Maranhão ocupando ou não lugares de destaque no meio de nossa

sociedade pontuando as suas atividades atuais.

Assim, esta pesquisa além do enfoque principal, ajudará a fazer um levantamento

histórico sobre essa comunidade que está tão presente em nossa sociedade, mas é tão pouco

estuda pela historiografia maranhense. Ao contrário do que percebemos observando o

contexto nacional da condição desses imigrantes e seus descendentes hoje no Brasil, talvez

seja o Maranhão – que nem chega a ser o Estado brasileiro com a maior concentração de

imigrantes e descendentes sírio-libaneses - o Estado onde a inserção na sociedade seja uma

das mais profundas a ponto de não sabermos mais distingui-los como descendentes de

imigrantes.

Isso por um lado é louvável, pois mostra que houve êxito com a idéia de se “Fazer

a América”, mas por o outro lado a história ao fazer certas análises sobre o Maranhão na

virada do século XIX para o XX, seja de ordem política, econômica ou social, deixa

despercebida a nacionalidade desses imigrantes, tratando-os como sendo maranhenses e parte

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comum desse processo histórico, o que na nossa visão é um equívoco, pois tratando-se de

sírio-libaneses vemos uma outra identidade e uma trajetória no mínimo peculiar e é essa

contribuição que a presente pesquisa quer oferecer.

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2. A IMIGRAÇÃO.

Para entender como se dá a presença sírio-libanesa no Brasil e no Maranhão,

embora seja bastante tentador, é dispensável fazer uma narração completa da vida desse

imigrante no seu país de origem, como também um estudo sobre o Líbano descrevendo suas

condições econômicas, sociais e geográficas. Correria o risco de diluir o enfoque desse

estudo.

Importante é tratar desses imigrantes aqui no Maranhão conhecendo as razões

pelas quais saíram de suas terras para tentar a vida em um outro lugar tão distante e diferente

do seu, no que diz respeito a cultura. É importante frisar que embora a denominação pareça

uniforme (sírio-libaneses) o Líbano e a Síria, abrigam grupos totalmente diferentes.

Comecemos então com tal explicação.

Ao questionar a nacionalidade do imigrante sírio-libanês a grande maioria dessas

pessoas se autodenominarão como libaneses; alguns poucos se denominarão sírios, mas não

encontraremos nenhum se considerando sírio-libanês, turcos ou árabes, embora essa última

seja a nacionalidade que consta na maioria dos passaportes1 dos imigrantes quando estes

chegam ao Brasil.

No contexto do processo migratório analisado ainda não existia o Líbano como um

país soberano, passando a existir a partir de 1920. O que havia de fato era uma região

montanhosa denominada Monte Líbano que nada mais era do que uma região da província da

denominada Grande Síria2, por sua vez considerada província pertencente ao Império Turco-

Otomano3 da qual esteve sob domínio por cerca de 400 anos.

Portanto, aqueles que saíram da região outrora denominada Monte Líbano se

consideram libaneses, região em que o processo migratório foi mais intenso. Os que não

tinham ligação com a região do Monte Líbano eram denominados sírios.

1 Ao chegar em terras maranhenses o imigrante sírio-libanês é identificado como turco, porém existem também outras denominações que constam no registro do porto como Otomano, mas a grande maioria consta Árabe. 2 A Grande Síria era uma grande região de dominação do Império Turco no qual faziam parte a Síria, Líbano, Iraque, Palestina, Israel e Jordânia. 3 O território sírio-libanês, após a queda do Império Romano, passa de mão em mão, recebendo a influência do Islamismo e do Cristianismo. Até que fica sob o governo do Império Otomano, quando os cristãos ocupam uma posição social e política muito desfavorável. Durante o último século, foram submetidos a toda sorte de vexames: restrições de direito, exações fiscais, e se desenvolveram as paixões político-religiosas, sempre ligadas ao radicalismo islâmico. Cf. (LIMA, Olavo Correia. Sírios e Libaneses no Maranhão. São Luís, 1987).

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A literatura sobre o tema e a historiografia consolidaram o termo sírio-libanês por

uma conveniência, vamos chamar de didática, mas que não agrada a maioria dos próprios

imigrantes.

O pessoal confunde muito os sírios com os libaneses. Eles acham que todo libanês tem que ser sírio, que todo sírio tem que ser libanês. São duas coisas totalmente diferentes. Por que eu acho que isso ocorre aqui? Justamente por causa da época que os libaneses vieram, que não ainda não tinha um Estado chamado Líbano. Era mais aquelas cidades, as principais cidades: Beirute, Trípoli, Sídon, Tino e tinha uma coisa chamada o Monte Líbano. Que até no Monte Líbano eram cidades separadas, que não tinham nada a ver com a Síria, que tinham sua estrutura independente da Síria. Só que essa região ficou muito tempo ocupada pelo governo turco. A única ligação que houve entre essas cidades era o governo turco, nada mais. E tinha muita relação comercial, de venda. Mas acho que são coisas totalmente diferentes, no meu ponto de vista não tem nada a ver. Cada Estado daquele tem sua organização, tem seus costumes, tem toda uma estrutura bem diferenciada. Então você não pode confundir eles. São dois povos até com os costumes diferentes. Quando você vê um sírio falando você diz “esse é sírio”. Quando você vê um libanês falando você pode distinguir um do outro. Então como eu chego aqui e faço um bolão de todo mundo e fico dizendo por gerações e gerações que ele é sírio-libanês? (Nadia Sleiman Mattar4).

O mapa a seguir dá a noção das duas regiões.

Figura 1 - Mapa da Síria e do Líbano com suas respectivas capitais, principais cidades e países vizinhos Fonte: Oliveira, (2001)

4 Nadia Sleiman Mattar é nascida no Brasil, mas foi ainda pequena para o Líbano onde cresceu e se formou culturalmente. Nos conflitos em 2006 no Líbano voltou para o Brasil em missão da FAB onde vive desde então. É formada em Biologia pela UFMA e faz mestrado em biodiversidade. Como a maioria da população do Líbano domina mais de uma língua: o árabe, português, inglês e francês.

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Uma das entrevistadas, Nadia Mattar, demonstra que, embora a expressão sírio-

libanês seja usual, geralmente sem ser estabelecida a diferença entre as duas nacionalidades,

ela se mostrou indiferente à confusão. A inquietação no depoimento de Nadia não tem

nenhum caráter anti-sírio. O que ela questiona é porque outras regiões, que também fizeram

parte da Grande Síria, hoje não carregam a denominação sírio (sírio-iraquiano, sírio-palestino,

etc.)

E por que não turcos uma vez que a Síria e consequentemente o Líbano faziam

parte desse império? A razão é bem simples. Não suportavam (como não suportam até hoje)

serem denominados de turcos, pois a saída de sua terra natal deveu-se à opressão exercida por

esse império sobre a população local, repressão essa que atingia diretamente o aspecto

cultural, uma vez que a região do Monte Líbano era formada quase que em sua totalidade por

cristãos, ao contrário do Império Turco-Otomano, muçulmano.

2.1 Fatores que motivaram a saída

Sabendo-se que foram 400 anos de domínio turco na região da Síria podemos

concluir que ao longo desse tempo já havia um processo migratório, porém não temos uma

data precisa da chegada do primeiro imigrante sírio-libanês no Brasil. A historiografia já

relata a presença dessa nacionalidade de imigrantes em épocas coloniais aqui no Brasil.

As relações de Portugal com os sírio-libaneses datam do século XVI. Tomé de Sousa, em 1548, trazia consigo “cristãos do Oriente”, em sua companhia. Muitos dos judeus que acompanharam os bandeirantes, fazendo mascatagem e agiotagem, deviam ser sírios e libaneses. Como fenícios, viajar negociando, devia ser para eles grande prazer. (LIMA, 1987, p. 23)

O número de libaneses que saíram do Líbano e emigraram para o Brasil é incontável. A falha documentação, no entanto, dificulta a definição da data de início da entrada destes imigrantes. Segundo Tanus Jorge Bastani, estudioso da presença libanesa no Brasil, já no início do século XIX os libaneses teriam começado a se integrar à pátria brasileira. Em seu livro "O Líbano e os libaneses no Brasil", Bastani relata que quando Dom João veio para o Brasil em 1808, não encontrando "solar digno de sua pessoa", passou a residir na quinta de Antun Elias Lubos, libanês que adotou o nome de Elias Antônio Lopes. A casa teria então se transformado em definitivo na Casa Imperial Brasileira, hoje Museu Nacional no Rio de Janeiro. (KORAICHO, 2004, p. 16)

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Podemos dividir os vários momentos da migração sírio-libanesa bem como

caracterizar cada uma dessas fases. O autor André Gattaz divide em quatro momentos o

processo migratório dos sírio-libaneses.

O primeiro momento acontece entre os anos 1880 e 1920. Fase final do domínio

do Império Turco-Otomano onde a maioria da população que migra é de origem cristã,

fugindo da opressão muçulmana do império. De todos os anos de domínio turco na região

nesse período a migração se intensifica mais devido ao alistamento militar obrigatório dos

cristãos que até então eram facultado. Para os libaneses isso era inadmissível por duas razões

principais: o risco físico de ir para a guerra e submissão total ao império que para eles era

motivo de vergonha e humilhação.

Quando o meu avô veio em 1902, veio com menos de 15 anos pro Brasil, se encaminhou logicamente para Itapecuru para onde já estava morando lá há alguns anos o irmão, mas ele era bem mais novo. Meu avô nasceu em 1887. Havia uma guerra lá no Líbano com a Turquia e eles recrutavam os meninos ainda novos. Eu deduzo, não é certeza, que essas famílias mais abastadas, mais endinheiradas, mandavam os seus filhos para fora, para o Brasil, para o Maranhão. (Arlete Simão Nogueira)

A segunda está entre os anos de 1920 e 1940. Fase que se inicia com a criação da

República do Líbano5 graças a forte influência européia na região, principalmente de

Inglaterra e França, essa última com forte presença dentro do governo do Líbano impondo

seus representantes. Nesse período, nota-se uma migração mais evidente de uma população

muçulmana que foge do processo de afrancesamento e cristianização do Líbano, como por

exemplo, a inclusão do francês como língua oficial do país concomitante ao árabe e do

modelo educacional nos moldes franceses.

As duas últimas fases são bem mais recentes e estão longe do nosso enfoque, mas

a citaremos a título de ilustração.

5 A constituição pelos franceses da República do Líbano em 1920, ao passo que deu forma às aspirações nacionais árabe-cristãs, estabeleceu as bases do conflito inter-religioso que desde então ocorre no país. Isto se deu devido à anexação de áreas majoritariamente muçulmanas de parte da Síria, desfigurando as características da antiga província autônoma cristã – o pequeno Líbano, em oposição ao grande Líbano de 1920 (GATTAZ, 2005)

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A terceira fase, entre os anos de 1943 a 1975, é motivada pelo Pacto Nacional6 e a

quarta fase, e última, se estende de 1975 aos dias atuais e tem como fator determinante para a

migração a Guerra do Líbano7 e os constantes conflitos na região.

Mas voltando às fases as quais o nosso trabalho se propõe a analisar (1880-1940)

não podemos caracterizar apenas como motivo de migração do libanês a fuga da opressão

turco-otomana, num primeiro momento, e francesa, num segundo.

Outros fatores permearam esse contexto da migração e assim como os já citados,

contribuíram de forma significativa para a saída do sírio-libanês de sua pátria. Podemos

elencá-los da seguinte forma: conjunto de necessidades econômicas e materiais, pois mesmo

com o grande potencial econômico, graças a atividade comercial que historicamente sempre

foi bem desenvolvida entre esses povos, a riqueza estava concentrada nas mãos de uma

minoria que era favorecida pelo Império; uma pequena produtividade agrícola, causada por

dois fatores: um, o geográfico, pois a região possui grandes áreas desérticas impróprias para a

atividade agrícola e as áreas que tinham um potencial agrícola estavam concentradas nas mãos

de uma minoria que, assim como nas atividades comerciais, eram privilegiadas pelo Império.

A alta densidade populacional é um outro fator determinante para a imigração,

pois as condições sociais não atendiam a uma em continuo crescimento, resultando em

oportunidades cada vez mais escassas.

A falta de possibilidades econômicas para as populações urbanas incentivaram o

que chamamos de “efeito corrente”, que é processo em que o primeiro imigrante de uma

família incentiva outros a imigrar depois de experimentado relativo bem estar, incentivado a

partir dos relatos de sucessos dos pioneiros.

Conforme esses fatores que já explicitados acima e a ambição por melhores

condições de vida também se torna uma razão preponderante para que essas pessoas se

6 A história do Líbano independente começou em 1943, com um acordo efetuado entre os representantes das elites políticas muçulmano-sunita de Beirute e cristã-maronita do Monte Líbano. Para a realização deste acordo, conhecido como “Pacto Nacional”, concorreram atores internos e externos, num contexto regional marcado pela aparente ascensão do nacionalismo pan-árabe e pelo declínio político e econômico da França – embora esta tenha emergido da Guerra do lado dos vencedores com o status de grande potência. (GATTAZ, 2005) 7 A Guerra, iniciada em 1975 – embora desde 1973 houvesse conflitos internos violentos – parecia então apenas mais uma crise das tantas que o país já havia atravessado, e em 1976 havia aqueles que acreditavam que os conflitos já tivessem sido solucionados. Os anos de 1978 e 1982, entretanto, trouxeram nova dimensão à Guerra, envolvendo diretamente a presença israelense e síria no território libanês, e ao longo de toda a década de 1980 o Líbano viveu sob o signo conjunto da guerra civil e da invasão estrangeira. A guerra entre as facções libanesas veio a terminar somente no início de 1991, embora desde então o Líbano tenha permanecido sob ocupação estrangeira (síria e israelense). (GATTAZ, 2005)

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encorajassem a sair de sua terra natal e imigrassem para uma região desconhecida, que muitas

vezes só tinham notícia por relatos de outras pessoas.

O autor maranhense Olavo Correia Lima8 pontua esses fatores.

Começaram a sair durante os combates para o Chipre e o Egito. Depois, em magotes, para o resto do mundo. Houve profundas transformações na vida social, política e religiosa da Síria e do Líbano. Causas políticas, religiosas, econômicas e mistas, estimularam a emigração. Desordem social, banditismo profissional, superpopulação, infração, epidemias, decadência da industria do vinho e da seda. (LIMA, 1987, p. 21)

O interessante é notar que embora estejam bem definidos, esses fatores não devem

ser analisados separadamente. Todos estão ligados entre si e todos agem conjuntamente para

encorajar o sírio-libanês a sair de sua terra natal e buscar melhores condições de vida em

outros lugares, como o Brasil.

2.2 Fatores de atração do Brasil

Então nos cabe uma indagação: por quê o Brasil?

A literatura a respeito da migração sírio-libanesa mostra claramente que ao sair de

suas regiões de origem o sírio-libanês vai em busca daquilo que é mais atrativo e vantajoso.

Sai a procura de um lugar que possa lhe dar um retorno financeiro rápido possibilitando seu

retorno a sua região de origem e usufruir dessa conquista. E as notícias que chegam, muito em

função do “efeito corrente” já citado, é que esses imigrantes devem deixar sua nação e “Fazer

a América”.

A autora Rose Koraicho, descendentes de libaneses, em seu livro intitulado 25 de

março – memória da rua dos árabes nos passa a noção de como era o início de uma jornada.

Diante de tanta dor, mas, ao mesmo tempo, com a esperança de construir uma nova vida e com as notícias de riqueza do Novo Mundo, escolheram a América. Muitos, a América do Norte e a Central e um bom número deles, a América do Sul. Assim, homens, mulheres e crianças sobreviventes da opressão turca, montados em mulas e camelos fugiam pelo deserto. O caminho era o porto de Beirute, que levava aos portos de Gênova ou Marselha de onde partiam, mais usualmente, os navios para o novo mundo.

8 Olavo Correia Lima foi professor titular da Universidade Federal do Maranhão e sócio honorário de Instituo Histórico e Geográfico de Maranhão, é o primeiro autor de que se tem conhecimento a escrever uma obra destinada exclusivamente a imigração sírio-libanesa para o Maranhão. Por essa razão será de grande valia para a construção desse trabalho.

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Ao lado do problema religioso, que afetou todas as classes sociais, a escassez de terras foi outro fator importante de estímulo à emigração. (KORAICHO, 2004, p. 10)

Esse era normalmente o caminho a ser seguido por aqueles que desejavam sair do

Líbano. Por outro lado, cada imigrante traz consigo uma peculiaridade, uma motivação pela

qual estavam deixando uma vida para trás em busca de uma nova em um lugar totalmente

desconhecido.

A narração da autora nos dá uma idéia geral de como era feito essa viagem, mas

podemos ter uma dimensão mais precisa quando nos deparamos com o depoimento desses

próprios imigrantes. O senhor João Elias Mouchrek9, em depoimento sempre entusiasmado

sobre o assunto Líbano, nos ajuda a entender melhor essa realidade da imigração.

Eu pouco sei do Líbano. Meu prezado, eu sou brasileiro, nasci em Teresina-PI, mas fui pro Líbano nos braços de mamãe ainda criança, porém registrado como brasileiro, filhos de libaneses em Teresina-PI onde os meus pais trabalhavam. Papai trabalhando em Teresina conseguiu um dinheiro e saudoso da família que ficou lá voltou para o Líbano e chegando lá, rico com o dinheiro que ganhou aqui comprou terreno, construiu casa na cidade de Shuari. Porém veio a primeira guerra mundial, eu tinha 3 a 5 anos e fechou tudo. Não havia comunicação de lá pra cá, daqui pra lá. Terminada a guerra mundial houve comunicação e as irmãs de papai que moravam aqui em São Luís-MA conseguiram dinheiro e mandaram pra papai vir. Veio ele com meu irmão mais velho. Chegando aqui ele conseguiu dinheiro e mandou pra mamãe que ficou lá com o resto da família e viemos embora de navio. Saímos de Beirute, capital do Líbano, no Mediterrâneo. Aí viemos de navio. Vou te contar a história toda. Em Marselha, porto francês, pegamos o navio e viemos embora para o Brasil. Isso em 1920, chegamos aqui em São Luís-MA. (João Elias Mouchrek).

Na fala do senhor Mouchrek, já podemos constatar duas coisas. A primeira é que

corrobora com a fala de Koraicho (2004) sobre o trajeto mais comum dessa viagem. A

segunda é com o fato da imprecisão que temos de datar a chegada do primeiro imigrante, uma

vez que o senhor Mouchrek é brasileiro de nascença e foi ainda criança de colo para o Líbano,

retornando para o Brasil com dez anos de idade.

9 João Elias Mouchrek é um alto comerciante aposentado de São Luís. Da data da entrevista continha 98 anos de idade. Trabalhou por 50 anos na Praia Grande na firma Chames Aboud que pertenceu a sua família e por tanta dedicação ao comércio recebeu uma homenagem da Associação Comercial do Maranhão. De paixão pela Praia Grande nasceu um poema de sua autoria intitulado Cantiga de Saudade e de Amor à Praia Grande que lembra em uma das suas estrofes amigos comerciantes: “Que-é-de o velho Mahmude Chain, o libanês amigo? (esquece-lo não consigo)”.

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Mas tomando como base o ano de nascimento do senhor Mouchrek que é 1910,

podemos constatar também que os seus pais saíram do Líbano a primeira vez no final do

século XIX, o que também vai de encontro com a divisão feita por Gattaz (2005). Logo os

pais do senhor Mouchrek estão inseridos na primeira leva de imigração.

Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil, todos esses lugares foram alvos da

migração sírio-libanesa. Então o que fazia um imigrante escolher um país em detrimento do

outro? O que os fazia escolher o Brasil?

Segundo Gattaz (2005), o Brasil por estar passando por um momento de transição

de uma economia baseada no trabalho escravo para uma economia baseada no trabalho livre e

assalariado dispunha de algumas características que aos olhos dos imigrantes se tornavam um

atrativo.

A migração para o Brasil foi inclusive fomentada pelo Imperador D. Pedro II, que quando de sua viagem à Terra Santa. Ao visitar as famosas ruínas de Baalbeck, no Líbano, sentiu o impacto da perseguição dos turcos aos povos cristãos da Ásia-Menor. Afirmou que seu país estava de braços abertos para receber a todos os que para aqui viessem. Em gratidão, o Imperador recebeu, depois, dos libaneses, um trono trabalhado em “Cedro de Deus”. (LIMA, 1987, p. 23)

Por essa razão havia a necessidade de substituir o trabalho escravo por uma de

mão-de-obra qualificada, capaz de trabalhar nas indústrias que começavam a surgir nas áreas

urbanas. Por conta disso o Brasil dispunha de uma política imigratória muito liberal que fazia

concessão de nacionalidade ao imigrante que aqui chegassem. E no caso do imigrante sírio-

libanês a possibilidade de ter uma nova nacionalidade é muito bem-vinda, pois como veremos

mais adiante, eles vêm como pertencentes a uma nacionalidade a qual eles desprezavam que

era a turca.

Dada todas essas circunstâncias, a possibilidade de ascensão econômica, devido

ao início do processo de urbanização, se torna palpável e por isso eles buscam constantemente

tal posição, uma vez que um dos motivos que os levaram a sair de sua terra natal foi

justamente a possibilidade de tal ascensão econômica e social.

Outra condição que o Brasil oferecia àqueles que buscavam se estabelecer por

aqui era a liberdade de culto e uma multiplicidade étnica que permitia que esses povos que

aqui chegassem não sofressem uma recusa mais severa por parte da sociedade local, o que

permitia que esses imigrantes pudessem se estabelecer de forma mais tranqüila.

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Esse atrativo se torna mais evidente ao nos depararmos de fato com a tal política

de imigração exemplificada a seguir com o Guia do Imigrante produzido pela Província do

Maranhão, por ordem do Ministro da Agricultura.

A immigração entre nós ainda se acha em notável atrazo. Já é tempo de attrahir para a provincia uma corrente de emigração, que venha traser novos elementos ás industrias, e explorar as riquezas que encerra este sólo abençoado. É possivel que uma propaganda tenaz e intelligente faça cessar o descredito que se tenta lançar sobre a salubridade do clima; e deste modo conseguiremos chamar para o estabelecimento industriaes, principalmente os habitantes do Sul da Europa, que com facilidade podem se aclimar nas regiões tropicaes especialmente em uma provincia como esta, onde nunca se desenvolve a febre amarella, o espantalho da emigração. (GUIA DO IMMIGRANTE, 1888, p. 23).

Seria mais atrativo ainda se o convite fosse feito para os sírio-libaneses, mas como

podemos perceber na carta mostrada, há uma preferência por parte do Império Brasileiro, e

mais precisamente, da Província do Maranhão, pelo imigrante do “Sul da Europa”, talvez pela

aspiração do embranquecimento da raça.

Percebemos que de fato vir para o Brasil se tornaria interessante para os

imigrantes sírio-libaneses, embora não atendesse às exigências do traço étnico desejado pelo

governo brasileiro. Será que isto representou uma barreira para entrada desses imigrantes no

país bem como o seu estabelecimento?

2.3. Fatores que possibilitaram a entrada do imigrante sírio-libanês em terras brasileiras

Embora houvesse no Brasil uma política de imigração, preferencialmente ao

europeu, o sírio-libanês não sofreu restrições. Existem alguns fatores atenuantes para a

entrada desses imigrantes. Podemos colocar como primeiro o próprio traço biológico. O árabe

libanês tem traços físicos mais semelhantes ao branco europeu (modelo de imigrante

desejado) do que ao negro que é a etnia a ser substituída.

Outro fator facilitador era o conhecimento que os árabes tinham de outras línguas,

especialmente o francês, idioma universal àquela época. Esta língua também ajudaria no

entendimento do português. Considere-se também o da proximidade cultural pelo fato dos

primeiros imigrantes árabes serem cristãos e pelo fato da cultura ibérica ter sido por bastante

tempo tributária da cultura árabe.

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Mas existem dois fatores que podemos colocar como sendo os fundamentais para

que não houvesse uma rejeição e nem tão pouco uma dificuldade de aceitação dos imigrantes

sírio-libaneses em terras brasileiras. Uma é a dispersão por todo o país. O processo migratório

dos sírio-libaneses é diferente aos dos demais imigrantes que vem para o Brasil. Jerônimo de

Viveros exemplifica bem essa idéia.

Movimentou-se quase em massa, a partir de 1900, no rumo do estado de São Paulo, de onde se irradiavam para todos os rincões do Brasil. (...) Daí não ser um emigrante do tipo patriarcal colonizador, como o italiano, o espanhol, o japonês, que trazem as famílias, mais ou menos numerosas. Sai da sua terra só, para “fazer” o Brasil, mas o faz a seu modo, divergindo dos outros povos. (VIVEIROS, 1992, p. 152)

Os italianos, como cita o exemplo, na grande maioria vieram com suas famílias e

assim que chegaram ao Brasil trataram logo de se fixarem em algum lugar. O que não

acontece com o árabe que muita das vezes viaja sozinho e por não ter uma família aqui no

Brasil que lhe obrigue a fixar-se tem a possibilidade de andar por várias regiões até encontrar

uma que lhe agrade, sendo assim, mais móvel.

Outra característica importantíssima que ajudará o imigrante sírio-libanês a não

ser visto como ser não desejado no contexto da política de imigração brasileira é graças a

função que ele vai exercer assim que chega a uma cidade, que é o mascate, pois vai permitir

um contato mais íntimo com a população local garantindo assim a sua empatia para com eles.

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3. A CHEGADA

Visto quais os fatores que impulsionaram o sírio-libanês a sair de sua terra natal

em busca de melhores condições de vida, os que contribuíram para que o Brasil fosse um

atrativo para esses imigrantes, bem como os que possibilitaram ao imigrante entrar no país

sem sofrer algum tipo de objeção tão significativa por não serem o modelo de imigrantes ao

qual o governo brasileiro estava disposto a contar, chega o momento em que vamos analisar o

cotidiano nos primeiros anos do imigrante sírio-libanês em terras brasileiras, mais

precisamente em terras maranhenses.

Antes, porém, nos permitimos discorrer sobre o momento histórico ao qual o

Maranhão estava passando a fim de caracterizar e entender melhor o contexto no qual os

primeiros imigrantes sírio-libaneses encontraram quando aqui chegaram para iniciar uma

nova vida. Aluísio Azevedo em O mulato descreve muito bem como é a dinâmica da cidade

de São Luís aos dias do ano de 1880.

Era um dia abafadiço. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que não se podia sair à rua. (...) Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido. (...) A Praia Grande e a Rua da Estrela contrastavam todavia com o resto da cidade, porque era aquela hora justamente a de maior movimento comercial. (...) Na Casa de Praça, debaixo das amendoeiras, nas portadas dos armazéns, entre pilhas de caixões de cebolas e batatas portuguesas, discutiam-se o câmbio, o preço do algodão, a taxa de açúcar a tarifa dos gêneros nacionais; volumosos comendadores resolviam negócios, faziam transações, perdiam, ganhavam, tratavam de embarrilar uns aos outros, com muita manha de gente de negócios, falando numa gíria só deles, trocando chalaças pesadas, mas em plena confiança de amizade. (AZEVEDO, 2006, p. 19)

A virada do século XIX para o XX é marcada por fatos que vão alterar

significamente os aspectos políticos e econômicos do Brasil e tais mudanças também refletem

no Maranhão de uma maneira bastante intensa. A abolição da escravidão em 1888 abala as

estruturas econômicas da sociedade que tinha na mão-de-obra escrava o seu sustentáculo.

Além do mais, havia uma crise no sistema agroexportador maranhense com a crescente queda

da produção da cana-de-açúcar e com a desvalorização do algodão nacional em relação ao dos

produtores estrangeiros que estavam a recuperar o seu espaço no mercado internacional.

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Dado essa conjuntura, houve a necessidade de se redirecionar o capital restante

das atividades agroexportadoras para outros ramos como a instalação de um parque fabril

têxtil, que em meio a várias crises consegue dar uma folga a economia maranhense por

algumas décadas. A autora Maria Cristina Pereira de Melo em sua obra O bater dos panos nos

coloca bem cientes da situação.

A desorganização definitiva da grande exploração algodoeira, em razão da abolição do trabalho escravo, levou os detentores dos capitais a buscar, como alternativa de acumulação, a atividade industrial têxtil. Contavam, para isso, com condições especiais locais de matéria-prima, disponibilidade de capital e, em certa medida, existência de uma população urbana relativamente significativa, além da tecnologia têxtil encontrar-se à disposição do mercado internacional. (MELO, 1990, p. 34)

No âmbito da política, o quadro que se mostra era de bastante efervescência, pois

em 1889, um ano após a abolição da escravidão, foi proclamada a república no Brasil. E

embora não haja mudanças significativas nas estruturas administrativas do poder as disputas

se tornaram bastante acirradas e conflituosas como nos mostra Mário Meirelles em O

Maranhão e a República.

Conta-se que verberando então a Paula Duarte, porque o único republicando na Junta, suas muitas irregularidades e abusos, este lhe teria respondido que, entre a ignorância e a espada, só o que pudera fazer fora defender a gramática na redação dos atos oficiais. Daí, certamente, porque um tipo popular de então, conhecido como Professor Luís Cunha, dizia que o governo fora entregue a uma Junta de Asnos e Borrachos. (MEIRELLES, 1990, p. 25)

Meirelles ainda nos mostra que a sociedade também estava passando por

conturbações, dados os últimos acontecimentos.

E, para piorar ainda mais a situação, espalhou-se também o boato de que a República viera, ou viria, simplesmente para tomar sem efeito a Lei Áurea, com a qual ainda não se haviam conformado os grandes senhores de terra, que dominavam o Partido Conservador, pois que não haviam sido indenizados, como reclamavam, do capital aplicado na escravaria libertada compulsoriamente. E isto foi o bastante para que os negros, recém-libertos, saíssem pelas ruas, vivando a Redentora, e acabassem, no centro da cidade, por descer desde o Largo do Carmo, pela Ladeira do Vira-Mundo, ou por avançar, desde a Praia Grande, pelo Beco da Alfândega, rumo à esquina da

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rua do Giz, prontos a depredar a sede de “O Globo” e empastelar suas oficinas. (MEIRELLES, 1990, p. 19)

É nesse terreno de inconstância econômica e política que o imigrante sírio-libanês

se deparou ao aportar no Maranhão. Por tal, fica evidente que os primeiros anos desse

imigrante em solos maranhenses não foram fáceis.

3.1. Quando chegaram

Resta saber qual é a data da chegada dos primeiros imigrantes a nossa região.

Como já foi dito anteriormente, precisar uma data da chegada do primeiro imigrante árabe ao

Maranhão seria até certo ponto uma irresponsabilidade, pois como vimos ao longo dos tempos

esse tipo de imigrante vem se deslocando para o Brasil e pode-se pensar, por conseqüência,

que alguns já tenham se fixado no Maranhão.

Chega a ser frustrante, pois todos os depoimentos colhidos para essa pesquisa as

pessoas relatam que uma das motivações que fizeram as suas famílias escolherem o Maranhão

era o fato de já terem notícia que aqui já haviam famílias estabelecidas.

Essa imprecisão é notória quando colocamos a citação do autor Olavo Correia

Lima que data a chegada das primeiros imigrantes em 1886, o que não procede uma vez que,

como veremos em seguida, já temos a presença deles antes dessa data colocada pelo autor.

Foram os pioneiros, em 1886, José Zequertevi, Miguel Mettre Heluy e José Licolau Heluy. Hospedaram-se no Convento do Carmo, possivelmente recomendado por alguma missão religiosa. (LIMA, 1987, p. 27)

Mas como também foi destacado anteriormente, houve um período iniciado em

1880 onde o fluxo desse imigrante passou a ser mais evidenciado. No Maranhão segundo

informações encontradas na documentação das partes diárias do porto10 o primeiro registro de

imigrante árabe data de 1884 e traz a seguinte especificação:

Às 8 horas da manhã entrou o vapor brasileiro ‘Ceará’ procedente de Manaus e Pará, comandante Guilherme José Pacheco, tripulação 59 pessoas, lotação 1999 toneladas, carga vários gêneros, malas 3, viagem 6 dias do 1º porto e 37 horas do último, passageiros em trânsito 65 constantes da relação

10 Essa fonte locada no Arquivo Público do Estado registra as atividades diárias do porto de São Luís entre os anos de 1879 a 1895. Entretanto, os livros que contém os anos de 1881 a 1883 já foram extraviados.

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arquivada nesta repartição e para este porto os seguintes. (REGISTRO DAS DIÁRIAS DO PORTO)

Conforme mostra a figura:

Figura 2 - Registro fotográfico do Livro das Diárias do Porto. Fonte: Arquivo Público do Estado

O senhor Abedola B. Atia segundo o registro do porto chega ao Maranhão como

sendo turco, o que era bastante comum para os imigrantes que saiam da Síria nessa época.

Possivelmente conseguiam um passaporte falso, com a nacionalidade turca que lhe

asseguraria o embarque em outros portos longe da Síria como os de Gênova e Marselha, pra

daí viajar rumo a América.

Desse registro do porto podemos ainda extrair várias informações. Uma é que a

embarcação não é procedente da França ou Itália, que são os dois principais pontos

dispersores desses imigrantes na Europa. E isso será uma constante nos outros registros de

entrada de embarcações trazendo imigrantes sírio-libaneses. Elas nunca trazem esses

imigrantes diretamente da Europa, sempre trazem de outras regiões do país. Isso nos leva a

crer que para os primeiros imigrantes a primeira opção para um estabelecimento não era o

Maranhão.

Meu avô (Jorge Dib Mussi Haidar) veio do Líbano e se fixou na região de Barretos-SP onde tinha terras e bastante gado, mas um sobrinho seu queira roubá-lo e ele acabou matando-o, tendo que fugir para Codó (Jorge Muci Haidar).

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Outra informação que podemos extrair do documento, na verdade fazer uma

constatação, é o fato do Sr. Abedola estar viajando sozinho, sem a companhia de um

conterrâneo, fato esse bastante característico desse tipo de imigrantes e que já foi ressaltado

anteriormente. O que podemos notar também, analisando mais afundo as diárias do porto, é

que com o passar dos anos nota-se um aumento significativo desse imigrante chegando em

São Luís como mostra o exemplo da figura.

Figura 3 - Registro fotográfico do Livro das Diárias do Porto. Fonte: Arquivo Público do Estado

Vemos também esse aumento considerável da presença dos imigrantes sírio-

libaneses com o passar dos anos nas considerações de Lima (1987).

Na primeira leva, trazidos por parentes e amigos, os Jorges (Codó), Murad e Mettre (S. Luís, Simão (Caxias, Itapecuru-Mirim), Salomão (Santa Inês e Pindaré-Mirim), todos filhos do Líbano, oriundos das cidades de Záklê, de Abláh. Na segunda leva, no início do séc. XX (1901), vieram os Ázars (Esber e Miguel) e os Chamiés. Estes motivaram a vinda de outros, a última diáspora: Chames Aboud, Farah, Damous, Fiquene, Mouchrek, Saback, Facuri, Tajra, Curi, Millet, Sequeff, Safady, Nazar, Maluf (Rosário), Mubarack, Buzar (Itapecuru), Trovão (Coroatá), Abdalla, Tomé (Timbiras); Bôeres (Bequimão) e mais Waquim, Nahuz, Dino, Mattar, Franciss, Boabaid, Chuaty e outros. (LIMA, 1987, p. 27)

Os documentos mostram um intenso e constante fluxo de viagens para o interior.

Isso se dá graças a atividade de mascate que o imigrante sírio-libanês vai desenvolver ao

chegar em terras maranhenses.

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Não era regra que todo imigrante se enveredasse para o mascatear. Em

contrapartida a maioria dos relatos de famílias que tiveram uma ascensão econômica e social

tem sua história ligada a essa atividade. Gattaz (2005) explica bem tal atividade.

O oficio de mascate foi fundamental na definição da imagem que os brasileiros fazem do grupo imigrante libanês e serviu de instrumental para a ascensão social tanto de cada individuo como do próprio grupo. A mascateação tinha vantagens imediatas de dispensar qualquer habilidade ou soma significativa de recursos, não exigir mais do que o conhecimento rudimentar da língua portuguesa, e possibilitar a acumulação de capital em função exclusiva do esforço individual. Depois de poucos anos de mascateação, o capital dos libaneses deslocava-se para o varejo e dali para aplicações mo comércio atacadista e na indústria, constituindo um setor totalmente integrado e verticalmente, em que as industrias e atacadistas supriam as necessidades de uma rede ampla de varejistas e comerciantes ambulantes à mesma etnia. (GATTAZ, 2005, p. 96)

Essa era a lógica a ser seguida (mascate-comércio-industria) e no Maranhão a

ação dos sírio-libaneses tem uma importância significativa, pois eram eles que, por meio da

atividade do mascate forneciam todos os mais variados produtos da capital para o interior do

estado. Eram praticamente eles que fomentavam o comércio para as regiões mais distantes das

cidades.

A romancista Maria da Conceição Neves Aboud em sua obra intitulada Galhos de

Cedro narra a saga de Nabira, personagem que representa a primeira integrante dessa família

no Estado. Em sua narrativa ela nos dá a dimensão da importância dessa atividade no interior

do país.

Então, começou uma saga mais suave, porém ainda cheia de obstáculos. Ela e os filhos conheceram quase todo o interior brasileiro, levando a malinha de bugigangas a vilarejos afastados, onde raramente chegavam um vidro de perfume mesmo ordinário, fitas para cabelo ou pílulas purgativas. Os mascates carregavam e distribuíam ilusões nas regiões inóspitas e quase desertas do Brasil começando a acordar. (ABOUD apud VIVEROS, 1990, p. 157)

O fluxo de imigrantes para o interior do estado pode ser percebido da

documentação das diárias do porto onde vemos que o número de viagens realizadas por esses

imigrantes é bastante intensa. O que nos sugere a pensar que eles sempre vem a capital para

adquirir produtos para que possam ser comercializados no interior.

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3.2. A presença no interior

A presença de famílias sírio-libanesas no interior do Maranhão é bastante

significativa. Não é difícil pensar que mesmo antes de se estabelecerem na capital, muitas

famílias trataram de se estabelecer no interior do estado. Elas se espalharam por diversas

regiões: Codó, Rosário, Itapecurú-Mirim, Cantanhede, Viana, entre outras, como nos conta o

professor e pensador Kalil Mohana, filho de libaneses.

Em geral começavam no interior: Viana, Bacabal, Vargem Grande, Codó,

Timbiras, Rosário, Balsas. Possuíam grandes fazendas de gado ou de

plantação; compravam toda a produção agropecuária e exportavam para a

capital ou para o Brasil: babaçu, arroz, algodão, tucum, depois soja. Quanto

ao gado, industrializavam sobretudo o couro, nos curtumes famosos, até

exportando para fins industriais ou fabricando aqui bolsas, sapatos e vários

objetos úteis à vida pessoal e social. (Kalil Mohana)

Algumas dessas famílias conseguiram rápida projeção econômica e social nessas

cidades. Em Rosário temos a presença da família Maluf detentora da maior firma importadora

e exportadora da região.

Figura 4 - Registro fotográfico do estabelecimento comercial de um libanês na cidade de Rosário. Fonte: Biblioteca Pública do Estado.

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Em Itapecurú-Mirim há uma grande concentração de famílias sírio-libanesas, mas

uma que se destaca é a família Buzar. Na cidade, a família era detentora de grandes casas

comerciais e hoje tem participação ativa na sociedade maranhense com figuras ilustres como

o jornalista, historiador e imortal da Academia Maranhense de Letras Benedito Buzar.

Figura 5 - Registro fotográfico do estabelecimento comercial de um libanês na cidade de Itapecuru. Fonte: Biblioteca Pública do Estado.

Codó também possui elementos do alto comércio e que são de procedência sírio-

libanesa como é o caso do senhor Elias Salomão Araújo.

Figura 6 - Registro fotográfico de um alto comerciante libanês na cidade de Codó, Sr. Salomão Elias Araújo e ao lado sua residência. Fonte: Biblioteca Pública do Estado

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Em Cantanhede temos a forte presença da família Simão que será conhecida a

partir do depoimento da escritora maranhense Arlete Simão Nogueira da Cruz Machado11 e

que nos dá a dimensão de como esses imigrantes trabalharam e conseguiram prosperar em

cidades afastadas da capital.

E ele (seu avô) se estabeleceu logo na própria casa enorme com assoalho, muito boa a casa. Ele logo botou uma loja extremamente sortida com tudo que podia. A loja do meu avô em Cantanhede tinha tudo o que se pode imaginar de primeiros produtos. Tinha, além dos produtos de Cantanhede mesmo que ele vendia farinha, essas coisas. Ele levava de São Luís outras quinquilharias tipo fazendas, candeeiros pra vender, querosene. E ele vinha pelo gaiola antes da estrada de ferro. Mas o mais importante no meu avô é que ele, na própria casa, no fundo da casa, fez em grande espaço. Ele fez uma sala muito grande e veio a São Luís e comprou um equipamento pra pilagem de arroz alemã. E lá era uma fábrica de pilagem de arroz que ele instalou na própria casa, no fundo, com um armazém muito grande. Era um equipamento imenso. Ele empregou umas seis ou sete pessoas de Cantanhede, pagando semanalmente, dando comida pra essas pessoas que eram os empregados dele, mas pagando. E ele foi uma das primeiras pessoas a ter na própria fábrica de pilagem de arroz pessoas que ele pagava para fazer as coisas com ele. E eles comiam lá mesmo na casa do meu avô, que era uma casa enorme. Ele então, com essa fábrica de pilagem de arroz ganhou muito dinheiro. Trazia o arroz pilado pra São Luís, vendia o arroz na quitanda dele. E ele começou a partir de 1914 a comprar terras em Cantanhede. Eu tenho cópia de todas as escrituras das terras do meu avô em Cantanhede. Ele comprou as terras dele que hoje corresponde a sede da cidade de Cantanhede. Toda aquela sede, não são os arredores, mas a sede central de Cantanhede era toda do meu avô as três terras através de três compras que ele fez. Eu tenho as três escrituras de três famílias que não são da família Lopes. (Arlete Simão Nogueira)

Muitas famílias, conseguindo estabilidade nas cidades do interior, têm suas

histórias vinculadas nessas localidades. Por outro lado, muitas outras, mesmo depois de

estabelecidas resolvem tentar a vida na capital.

À medida que iam enriquecendo, procuravam cidades melhores, inclusive S. Luís. É o exemplo dos Mohana, que se fixaram inicialmente em Viana e depois se estabeleceram em S. Luís, onde fundaram a Casa Mohana, ainda hoje existente. (LIMA, 1987, p. 28)

11 Arlete Simão Nogueira da Cruz Machado é escritora e foi graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão e fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É casada com o poeta Nauro Machado e é mãe do cineasta Frederico Nogueira Machado.

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Como ressalta o autor, a família Mohana se estabeleceu em São Luís, mas antes,

em Viana, a vida social da cidade já estava bem movimentada graças as ações da família.

Numa peça teatral levada pelos estudantes (dirigida por João Mohana) quem fazia o papel de rainha era Olga Sauaia. Foi vestida com seda e veludo da loja de sua mãe. (Kalil Mohana).

Segundo conta Ibrahim Mohana, Viana tinha muitas famílias de origem sírio-

libanesas e muitas colocavam os seus filhos para estudarem na capital. Quando era período de

férias esses alunos retornavam para a cidade e sempre levavam alguma atividade cultural,

sempre sob as atenções de Padre João Mohana.

Figura 7 - Registro fotográfico da residência da família Mohana e de seu estabelecimento comercial Casa Mohana, em atividade até os dias atuais. Fonte: Acervo Pessoal do Pesquisador

3.3. O que faziam

Como já sabemos, a atividade do mascate se torna bastante lucrativa para esses

imigrantes, entretanto é importante ressaltar que a mascateação não é sinônimo de sucesso

garantido. Gattaz (2005) nos ajuda a desconstruir esse mito sobre essa atividade que a

historiografia consolidou.

O caminho de segura ascensão social não foi porém regra única e invariável para os libaneses. Muitos imigrantes, ainda que vindos para o Brasil nas primeiras décadas do século, só conseguiram atingir o patamar de pequenos

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comerciantes, nunca alcançando a ambicionada fase atacadista ou industrial. Outros nem a isso chegaram, permanecendo como funcionários de seus parentes mais bem estabelecidos. (GATTAZ, 2005, p. 100)

Aqueles que conseguiram sucesso com o mascate utilizaram o capital adquirido e

começaram a investir em outro ramo, ainda comercial, mas agora varejista e atacadista.

O belíssimo depoimento a seguir do senhor João Elias Mouchrek poderia ser o

resumo deste trabalho, pois ele conta todos os passos que aconteceram com ele e que

praticamente aconteceu da mesma forma com os seus semelhantes que obtiveram sucesso no

longo caminho de entrada nos negócios da família até o seu estabelecimento.

Um primo meu disse pra papai, que é tio dele: “titio, esse menino quer ser funcionário público federal”. Eu me inscrevi para fazer o concurso pro correio. “Não deixa, não deixa. Funcionário público federal não vale nada. Manda ele lá embaixo pro armazém”. E eu fui trabalhar na Praia Grande na nossa firma Chames Aboud S/A Comércio e Indústria na época a maior firma do Estado do Maranhão. Tínhamos a Fábrica de Tecidos Santa Izabel, tínhamos empresa de navegação fluvial, sete ou oito filiais espalhadas no interior do Estado, enfim, na Praia Grande, Rua da Estrela 143, era a Chames Aboud. Eu tenho vontade de algum dia pegar um filho meu e ir lá. Faz anos que eu não vou lá olhar. Praia Grande onde eu trabalhei 50 anos. E por trabalhar 50 anos na Praia Grande fui homenageado eu mais dois colegas do comércio por 50 anos de trabalho numa sessão solene na Associação Comercial, lá no Hotel Central, fui homenageado. E nesta sessão até o governador do estado estava presente. E por falar em Praia Grande eu tenho um poema desse tamanho, meu, sobre a Praia Grande. E assim se conta uma história, meu amigo. Me casei trabalhando, tinha uma casa velha no lugar dessa. Derrubei a casa velha e construir essa e já tem 40 anos. Ali a minha esposa (aponta para um retrato na parede), a minha mulher Alice, ali (apontando para outro quadro) a minha irmã Malvina, mãe de Alberto e Albertina Aboud. E aqui estou ainda, firme, esperando Deus dizer “João, ta na hora” aí faço viagem sem volta. (João Elias Mouchrek)

É sabido que o final do século XIX é permeado por grandes crises no âmbito

político e econômico, já mencionadas, devido ao início da República e o fim do trabalho

escravo. No Maranhão essa crise foi sentida de maneira bem significativa levando a economia

maranhense a quase estagnação.

Tal fato nos leva a indagar o quanto não poderia ser arriscado para o imigrante

sírio-libanês iniciar uma atividade comercial e atacadista em um cenário tão desfavorável

economicamente. Entretanto, Viveiros (1990) nos coloca que vai ser justamente a atividade

comercial que dará uma sobrevida a economia maranhense.

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Deste caos resultou o esfacelamento da velha e prestigiosa classe dos agricultores maranhenses, que abalou para São Luís, onde veio colaborar com o comércio, companheiro de todos os tempos, numa nova tentativa de salvação comum. (VIVEIROS, 1990, p. 7).

Nesse contexto, surgem os primeiros estabelecimentos dos imigrantes sírio-

libaneses na Maranhão, o primeiro passo para a inserção na sociedade.

O professor Kalil Mohana analisa como benéfica a vinda desses imigrantes para o

Maranhão devido a sua condição sócio-econômica.

O Brasil recebeu os libaneses de braços abertos (sobretudo o Maranhão os

recebeu) por uma causa especial, de natureza sócio-econômica: os escravos

haviam sido libertos, a agricultura, pecuária e industria precisavam de

braços livres, preparados tecnicamente, progressistas vindos de fora e

sintonizados com o estilo brasileiro. Os libaneses eram perfeitos. A família

toda trabalhando, tendo enorme facilidade em contratar empregados e

ajudantes (por causa da simpatia, justiça e bons pagamentos). Trouxeram

enorme progresso ao Maranhão e Brasil. (Kalil Mohana)

Em levantamento feito na Junta Comercial do Maranhão foi encontrado o registro

de aberturas de firmas datadas em 1900. Elisa Maluf & Cia. LTDA tinha como sócios Elias

Mansour Maolouf e Olga Maolouf e endereço na Rua Jacinto Maia 495 e, seguindo o que

consta no registro da Junta Comercial, a atividade desempenhada pela empresa era “criação

de aves e produtos elementares”, ou seja, continuavam a vender de tudo só que agora não

teriam mais que andar pro várias cidades, tinham agora residência fixa.

E durante todo o século XX vários outras empresas surgiram com as mais variadas

atividades e algumas em pontos comerciais importantes como a Rua Portugal e Rua da

Estrela. O quadro a seguir nos mostra algumas dessas empresas surgidas no início do século

XX e que tiveram uma atividade duradoura e se tornaram referência no comércio local.

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Tabela 1 – Relação de empresas de famílias sírio-libanesas em São Luis - MA. Fonte: Junta Comercial do Maranhão

Como mostrado no quadro acima, muitos são os estabelecimentos comerciais

abertos pelos imigrantes sírio-libaneses no decorrer do século XX. Alguns comercializavam

apenas produtos de uso geral para a população, mas outros vendiam artigos mais requintados

ou ofereciam serviços para a população mais abastada, a exemplo da Casa Brasil, de Salim

Lauande com seus tecidos finos, perfumes franceses, dentre outras mercadorias importadas. A

sorveteria mais famosa da capital, ponto de encontro da elite maranhense, de Carlos Lauande.

Mais adiante, no térreo de um sobrado em cujo andar superior teve seus dias de glória o Clube Lunáticos, imperou s Sorveteria Lauande. Ali trabalhava o simpático corcundinha Lúcio, mago das delícias cremosas que faziam a alegria das moças e da criançada. (MARTINS, 2007, p. 30)

A qualidade dos serviços oferecidos por essas pessoas era tão impecável que

chega a ser digna de nota de grandes autores maranhenses.

Aliás, o exemplo de Nabira não foi o único dado no Maranhão pela mulher libanesa na arte de vender. Tivemos outros. Da minha mocidade recordo-me de dois – Rose Facure e Adélia Haick. Ambos na mesma Rua Grande, que na época, era uma rua de armarinhos libaneses. Rosa ainda agia numa loja espaçosa, por baixo de um sobradinho de azulejo, de três janelas, próximo a praça João Lisboa, mas Adélia tinha o seu estabelecimento numa casinha de porta e janela, aí pelas cercanias do local onde se ergue hoje o palacete de Éden Bessa. Que exímias vendeuses eram elas? Que jogo de recursos punham em cena para cativar a freguesia? Adélia – alta, elegante, bonita – prendia – logo ao chegar, na frase de saudação: Como está linda o meu amor?! E, em pouco, o amor, julgando comprar barato, levava-lhe as mercadorias por altos preços. Rosa usava outros processos. Eram os

RELAÇÃO DE EMPRESAS DE FAMÍLIAS SÍRIO-LIBANESAS

ANO EMPRESA FAMILIA ENDEREÇO ATIVIDADE

1900 Elisa Maluf & Cia

LTDA MALUF Rua Jacinto Maia 495 Criação de aves, produtos elementares

1921 Salim Duailibe DUAILIBE Rua Candido Mendes

s/n Comercio varejista e miudezas

1926 J Murad MURAD Rua Portugal 39 Comercio varejista e tecido

1930 Nicolao Hiluy HILUY Rua Oswaldo Cruz 20 Varejista tecido e armarinho

1931 Chames Aboud & Cia ABOUD Rua Candido Mendes

163 Comercio atacadista de tecidos e

varejista

1949 Roxy Moises Tjara TJARA Rua Oswaldo Cruz 132 Atividade cinematográfica

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presentinhos, ninharias que a freguesa pagava o dobro. (VIVEIROS, 1990, p. 159)

A esperteza para o comércio no trato com os clientes era característica principal

do bom comerciante sírio-libanês.

O freguês do interior. O pai de família vinha do interior e o prazer dele e a alegria da família era vir para a capital São Luís visitar, andar de bonde. Isso que era a alegria do comerciante do interior e da família. E o comerciante vinha comprar aqui e trazia a família. E as famílias, pelo menos a Chames Aboud, hospedava a família toda pagando dois, três, quatro dias o hotel. Mas como árabe é inteligente tirava no preço da mercadoria que vendia pra ele, entendeu a jogada? (João Elias Mouchrek).

Não somente a qualidade do serviço era boa. A grandiosidade das atividades de

algumas empresas chegam a ser surpreendentes. O senhor Mouchrek foi alto funcionário de

uma das maiores empresas que havia na cidade, a Chames Aboud, e seu relato nos dá a

dimensão de como funcionava esse empresa.

Começou com Chames Aboud, passou pra Chames Aboud e Cia, depois passou pra Chames Aboud S/A Comércio e Industria e tínhamos a fábrica de tecido Santa Izabel que até uns anos atrás ainda existia. Tínhamos filiais no interior, empresa de navegação fluvial. Lanchas e botes para as nossas cargas e de outros comerciantes a gente cobrava frete. O nosso armazém era lá embaixo na Praia Grande, naquela descida. Lá embaixo nós tínhamos dois portos de atracação e o nosso armazém ia dali até a prensa do algodão, lá do outro lado. A Chames Aboud era uma potência, uma verdadeira potência. Nós fazíamos comércio no exterior, nós tínhamos agente em Londres na Inglaterra, agente, que vendia algodão maranhense de fibra longa do tipo I, II e III, o melhor algodão do mundo. Era um dinheirão. (João Elias Mouchrek).

Ainda analisando o quadro das empresas abertas pelos sírio-libaneses percebemos

que eles não se enveredaram somente pelo ramo comercial atacadista e varejista. Muitas

famílias dispunham de outras atividades. Por exemplo, a família Aboud era detentora do

Jornal Diário da Manhã, que tinha sua produção no próprio sobrado da família situado na Rua

Grande, mas o jornal funcionava nos fundos, na Rua de Santana.

Esse jornal depois foi vendido a família Sarney que deu origem ao O Estado do

Maranhão. A família Aboud com a Mouchrek foram um dos fundadores do Moto Club de São

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Luís, clube esse que se tornou time profissional de futebol e que tem uma das maiores torcidas

em São Luís.

Até hoje eu sou o único fundador do Moto Club vivo. Por que Moto Club? Porque nós, mais ou menos 90 a 100 motociclistas que nós éramos, fundamos o Moto Club de Futebol em 13 de setembro de 1937. (João Elias Mouchrek)

Figura 8 - Registro fotográfico sobradão pertencente a família Aboud e onde residiram mais duas famílias com parentescos. Família Mouchrek e Franciss. Cada pavimento era ocupado por uma família e no térreo funcionava a loja Otomana. Fonte: Acervo Pessoal do Pesquisador

Outro estabelecimento que foge a regra da atividade comercial atacadista e

varejista era a rede de cinemas, onde as principais pertencia a família Tajra.

São Luís já contou com diversos e bons cinemas. Com uma população pequena, dispunha, em certa época, de nove deles. Eram: Roxy, Éden, Rival, Olympia (depois Ritz), São Luís (depois Rialto), Rex, Rivoli, Cine Anil, Cine-Teatro Arthur Azevedo. Quase todos pertenciam ao empresário Moisés Tajra, sendo o último deles de propriedade do Estado, que o arrendava à Empresa de Cinemas Duailibe Ltda. (MARTINS, 2007, p. 33).

A rede de cinemas de São Luís, como já dissemos, foi da família Tajra, mas estas

possuía ainda outras salas fora da capital, como a de São José de Ribamar, mas a principal

casa cinematográfica era o Éden, localizado na Rua Grande. Era um majestoso prédio que

confinava com a Rua de Santana e cuja sala de espera foi luxuosamente decorada ao estilo art-

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nouveau, com seus lustres de cristal e vitraux importado. Além desse cinema freqüentado pela

elite, outros como o Rox, Rialto, Rival, Rivoli atendiam a outros segmentos da sociedade,

com filmes das mais diversos gostos.

Hoje em dia o cinema deu lugar a uma loja do comércio local, mas o prédio,

felizmente, ainda guarda na sua fachada a beleza e exuberância dos tempos áureos.

Figura 9 - Registro fotográfico sobradão pertencente a família Tajra e que serviu de instalção para o Cine Éden, o mais luxuoso da época. Fonte: Acervo Pessoal do Pesquisador

A concentração desses estabelecimentos comerciais se localizam sempre nas

principais áreas destinadas ao comércio local na época que eram a Praia Grande e a Rua

Grande. Um dos estabelecimentos mais tradicionais e que resistiram ao tempo é o armarinho

A Moderna, pertencente a familia Azar e que hoje encontra-se sob os cuidados da Samira

Mattar Rhbani.

Aí montaram esse negócio, minha vó Mahiba e meu vô José que começou na Rua Portugal e depois veio pra cá. Em 1920 começou lá, na Rua Portugal, ano em que minha mãe nasceu, mas já moravam aqui nesse prédio da Rua Grande e na década de 30 eles transferiram pra cá. (Samira Mattar Rhbani).

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Figura 10 - Registro fotográfico sobradão pertencente a família Ázar e que ainda abriga o estabelecimento comercial da família, o armarinho A Moderna, um dos mais antigos de São Luís ainda em atividade. Fonte: Acervo Pessoal do Pesquisador

3.4 A relação com a sociedade

Com o início do processo de fixação de suas atividades e consequentemente de

sua moradia própria há uma nova etapa na vida do imigrante sírio-libanês que é sua relação

com a sociedade maranhense.

No entanto essa relação não se estabelece logo em um primeiro momento e

podemos dar duas razões para isso. A primeira é que os maranhenses começam a ver o

imigrante sírio-libanês com outros olhos. Agora eles estão competindo no comércio junto com

os maranhenses e muito deles estão ganhando essa disputa, o que provoca um sentimento de

distanciamento por parte dos maranhenses, que chega as raias do desprezo e preconceito.

Podemos perceber o quanto o sentimento por parte da sociedade maranhense,

mais especificamente dos comerciantes maranhenses, era negativo que um grupo desses

comerciantes foi ao governador a época Benedito Leite pedir que expulsassem os sírio-

libaneses do Maranhão. A professora Lourdinha Lauande Lacroix dá mais detalhes sobre esse

acontecimento.

Foi um acontecimento! As famílias se reuniram na casa do meu avô para decidir como procederiam dadas as circunstâncias. Ficou resolvido que meu avô (Lauande), o Tajra e o Duailibe iriam até o governador para contornar a situação. As mulheres ficaram em casa rezando até o retorno deles que trouxeram a notícia de que o governador não iria expulsar ninguém, pois eles

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eram fundamentais para a vida econômica da cidade. Depois foi uma alegria só. (Lourdinha Lauande Lacroix)

Arlete Nogueira explica bem o porquê de tal ressentimento.

O problema do libanês é que eles eram chamados de carcamanos, pejorativamente. Mas quando eles chamavam de carcamanos já trazia embutida a idéia de que é aquele que vence, aquele que tem comércio, aquele que tem dinheiro, aquele que tem um poder qualquer. E como é forasteiro, é de fora, aí junta tudo, né? Aí juntava o cara de ser de fora, o cara ter competência mesmo pra se estabelecer não só financeiramente, como pelo trabalho. Então eles eram vistos como pessoas que vinham atrapalhar aquela mesmice, entendeu? Eram pessoas que vinham pra modificar o meio e quem vem pra modificar sofre de qualquer forma, daquela mesmice, um certo repúdio. É uma coisa estranha. Em vez da pessoa dizer “pô esse cara vem pra acrescentar uma coisa, pra nos indicar o caminho de como deve ser feito”, não. Enfim, é o novo e o novo é sempre algo estranho e por ser estranho é o cara que atrapalha. (Arlete Simão Nogueira)

Por outro lado também o próprio imigrante não dava abertura para uma relação

social com os maranhenses, preferindo sempre o convívio mais próximo com um outro

imigrante.

Meu avô era amiguíssimo dos Aboud. Ele é quem adiantava o dinheiro pra minha avó e meu avô vinha de Cantanhede pagar. Meu avô dizia “olha, Aboud”, que era compadre dele, “você dá todo mês, minha mulher vem aqui receber o dinheiro, você dá e quando chegar o fim do mês eu venho de Cantanhede pagar”. Ele comercializava com a Chames Aboud. Ele é que fornecia arroz, tudo pra Chames Aboud, era um dos que fornecia gêneros de interior pra Chames Aboud. (Arlete Simão Nogueira)

O contato com os maranhenses se restringe a uma relação mais cliente-vendedor,

pelo menos num primeiro momento. A relação social desta comunidade é uma relação inter-

familiar, ou seja, sírio-libaneses só se relacionavam socialmente com sírio-libaneses.

Eles agiam dessa forma no intuito de manter a sua identidade cultural e também

era uma forma de se afagar a ausência da terra natal.

Aos domingos minha família ia fazer a visita aos ‘primos’ do meu pai. Era como se estivéssemos no Líbano. Quando a gente não ia, eles vinham até a nossa casa. Meu pai gostava de receber os seus conterrâneos. (D. Olga Heluy Araújo)

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Mas essas reuniões não se restringiam somente aos lares dessas famílias. Havia

um espaço social onde muitas famílias sírio-libanesas se relacionavam umas com as outras. O

depoimento de Samira Mattar Rhbani exemplifica esse espaço.

Eu me lembro que na época tinha um clube, Sírio-Libanês, hoje não existe mais, que ele era exatamente atrás do Costa Rodrigues, tem até um colégio, que o nome era Syrius antigamente, hoje tem outro nome. Tinha muitos sócios, tinha muitas festas, então a sociedade libanesa se reunia. Eu me lembro muito bem que tinha teatro, apresentações, desfiles, as debutantes quando faziam quinze anos. Esse clube foi formado pela colônia. (Samira Mattar Rhbani)

Era o ponto de encontro. Geralmente dia de domingo os homens se encontravam lá para jogar e as mulheres também iriam. Nesse clube era que funcionava a sede da Sociedade Beneficente Feminina Libanesa. (Admme Duailibe)

Antigamente quando eu era presidente fazíamos reuniões, bailes. Agora tem uma diretoria que toma conta do prédio porque se não houvesse esse diretoria tomando conta desse prédio, alugado para colégio, estava no chão, não se teria mais nada. (João Elias Mouchrek)

Nos grandes centros do Brasil a exemplo de São Paulo, existem fortes organizações comunitárias, à moda de clubes, em substituição à aldeias ou às famílias grupais. Costumam possuir cunho beneficente e reservado. Entre nós, há o Clube Libanês. (LIMA, 1987, p. 39)

Figura 11 - Registro fotográfico de prédio onde funcionou o Clube Sírio-Libanês, ponto de encontro das famílias sírio-libanesas na capital Fonte: Acervo Pessoal do Pesquisador

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Essa relação ia muito além de programas de fins-de-semana. Era preferível que os

casamentos fossem realizados entre eles, ou seja, um membro de uma família sírio-libanesa

deveria casar-se com um membro de outra família sírio-libanesa. Sempre tentando manter as

suas identidades. E se alguém tentasse fugir a essa regra não seria fácil o convencimento deste

por parte da família.

Retomando o romance Galhos de Cedro há uma passagem que retrata bem essa

questão do casamento e como um grupo via o outro. Quando um dos netos de Nabira decide

se casar com uma brasileira ela fica desesperada e preocupada com o seu futuro por achar que

a brasileira não saberia cuidar dele.

- Vou casar-me no mês que vem. Estou amando uma brasileirinha linda.

Nabira se assustava:

- Sérgio pelo amor de Deus, case com moça de sua raça. Brasilie é fraca, non goste de tê filhos. Non goste de cozinha. Quem vai fazer quibe p’rá ocê? Ocê non faz bubage, mê netinho.

- A senhora gosta do dinheiro que ganhou no Brasil, mas não quer seu neto querido para uma brasileirinha bonita. Por quê?

- Menino, eu goste de brasilie. Gosto muito mesmo. Mas brasilie de São Paulo chama nós de turque, aqui no Maranon de carcamano. Ocê non vê qui tem muito pouco batricio casado com brasilie. Non dá certo, mê netino.

Samira Mattar Rhbani tem um depoimento muito interessante sobre essa questão

do casamento12.

O casamento do meu pai foi uma coincidência porque se a minha vó não tivesse escrito. Aí fica aquela pergunta. Por que será que ela escreveu? Será que ela escreveu com a intenção de trazer algum marido pra uma das filhas? Não se sabe isso! A única que eles quiserem impor um casamento foi comigo e não deu certo. Eu não quis, fui embora pra estudar fora. Eu voltei, a pessoa ainda estava solteira, mas acabou casando com uma outra pessoa. Ele era parente, mas éramos muito amigos, quase irmãos. Não ia dar certo! (Samira Mattar Rhbani)

Esse é o ponto de vista da imigrante sírio-libanesa. Agora vejamos como era a

situação do casamento do lado brasileiro.

12 Os pais de Samira são primos legítimos. O casamento entre primos era prática constante entre as famílias sírio-libanesas.

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A dona Admme Duailibe13 e a dona Antonieta Murad14 são brasileiras que

passaram a integrar uma família de imigrantes sírio-libaneses. Em seus depoimentos nota-se

que não houve uma recusa muito forte, mas a situação também não foi fácil.

Eu encontrei na minha sogra uma outra mãe. Muito boa pra mim. É bem verdade que algumas pessoas da família, talvez as irmãs, quisessem outra mulher para ser do meu marido. Talvez pelo fato de eu vim de uma família humilde e acharem que eu não sabia das coisas, mas eu sabia, já estava acostumada porque lá em casa tinha um cozinheiro que era da família dos Fiquenes e eu aprendi toda a culinária árabe. (Admee Duailibe)

Minha situação foi mais complicada. O meu sogro era um gentleman, mas a minha sogra... Mas consegui aprender tudo e sozinha, hoje sei mais coisas que do que as próprias mulheres libanesas da família que hoje em dia não sabem nem ligar um fogão. (Antonieta Murad)

Por mais que houvesse um distanciamento social entre maranhenses e sírio-

libaneses esse nunca era por completo.

Quando as minhas amigas (brasileiras) vinham para brincar aqui e em casa e o meu pai começava a falar em árabe com a minha mãe, e na maioria das vezes eles só se comunicavam assim, eu e meus irmãos pedíamos para que parassem e tentassem falar em português para que minhas amigas não pensassem que eles estavam falando mal delas. (D. Olga Heluy Araújo)

Esse tipo de pensamento por parte dos maranhenses com relação aos sírio-

libaneses era freqüente, como era freqüente também o uso da língua estrangeira para falar

assuntos que só eram de interesses dos sírio-libaneses.

Nascemos e crescemos ouvindo a maravilhosa língua árabe lá e em São Luís. (Kalil Mohana)

Eu sabia falar árabe quando tinha a minha família. Porque quando chegava em casa papai e mamãe diziam pra só se falar árabe dentro de casa, português não. Mas como não falo há muitos e muitos anos hoje em dia entendo mais do que falo. (João Elias Mouchrek)

13 D. Admee Duailibe é a atual presidente da Sociedade Beneficente Feminina Libanesa e ocupa o cargo desde 1975. 14 Antonieta Murad é atualmente a vice-presidente da Sociedade Beneficente Feminina Libanesa.

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No entanto, nota-se que há uma necessidade de diminuir esse hiato entre

maranhenses e imigrantes, pois estes percebem que para haver uma integração total na

sociedade maranhense é necessário uma boa relação com os naturais. Para isso algumas

atitudes são tomadas, ou melhor, se uma mudança de postura do sírio-libanês em relação a

sociedade maranhense.

Primeiramente o que se nota é que há por parte dos imigrantes um interesse em

aprender a língua local tanto para melhorar as relações comerciais com os maranhenses como

também as relações sociais, o que gera uma aproximação entre os dois povos.

Em menos de um ano ele conheceu minha mãe, prima dele de segundo grau. Minha mãe foi ensinar português pra ele. Em menos de um mês ele começou a aprender português, rapidinho ele pegou o português. Quando se tem vontade aprende rápido. (Samira Mattar Rhbani)

E esse aspecto é interessante pois chega a ser motivos para anedotas na cidade.

É sabido que os syrios, por melhor que pronunciem a nossa língua, trocam sempre algumas letras. Um syrio que foi consultar a um médico, passando a indagar a dieta, perguntou:

- Dótor, bóde come carne?

O médico, impertubável:

- Não, bode come capim. (Conto Popular)

Uma outra prática muito usada pelos sírio-libaneses e que visava a inserção dessa

comunidade na sociedade maranhense é a mudança ou alteração do nome árabe para um

menos difícil de ser pronunciado ou até mesmo um nome mais aportuguesado.

Os Murad são Heluy de fato, mas por conveniência resolveram mudar de nome, pois naquela época era muito difícil pronunciar Heluy. (D. Olga Heluy Araújo)

E além da própria vontade de trocar o nome por um equivalente no português, ou

ajustar o nome a pronuncia local, muitas famílias assim que chegaram ao Brasil e

consequentemente no Maranhão não ocorreu diferente, tiveram seus nomes arbitrariamente

mudados pelas próprias pessoas da alfândega que ao se depararem com nomes que aos

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ouvidos deles soavam complicados atribuíam nomes bastante comuns. Uma das razões da

enorme quantidade de Silvas, Santos e Souzas existentes no país é em decorrência a esse fato.

Em Itapecuru Mathias é Mattar. A minha sogra é Ázar, pra nós é azar. Tem um deputado federal que morreu, Ricardo Iza. Nós fomos para um congresso em Brasília e eu disse eu to te olhando, o seu nome não é Iza é Ázar. Ele disse é, mas eu botei Iza porque o pessoal confunde. Em Fortaleza eles botaram Lazar, é da mesma família da minha sogra Ázar. Eles acrescentaram um L. Uma vez eu li uma crônica de Wadih Sawaia que o libanês quando chegava ao Brasil descriminado, vinham fugindo da guerra, sem nada, chegava na alfândega tinha dificuldade de falar, de se fazer entender então, os próprios funcionários, mudavam os nomes deles. Por exemplo, lá em Codó tem uma família Araújo, só gente importante, médico, engenheiro, riquíssimos, era Daruick o nome deles. Eles aceitavam, queriam o visto. (Antonieta Murad)

Com todas essas práticas que visavam uma aproximação com a sociedade

maranhense há um afrouxamento nas antigas relações inter-familiares. A comunidade sírio-

libanesa passa a participar mais do cotidiano maranhense, interage mais com a cidade que os

acolheram e a sua imagem na sociedade maranhense começa a mudar.

Ela foi professora, vovó Mahiba. Ela sabia falar árabe, muito bem português, francês, inglês. Ela morou um tempo com uma família inglesa. Ela era uma pessoa muito querida na sociedade. As pessoas falavam muito bem e muitas pessoas ainda lembram dela da vovó Mahiba. (Samira Mattar Rhbani)

Enfim, interage tanto que a questão do casamento entre maranhenses e

“carcamanos15” não é mais visto como algo ruim para os dois, muito pelo contrário, para o

primeiro é a oportunidade de se fazer um bom casamento e ter um futuro bem confortável e

para o segundo é a chance de se inserir definitivamente nessa sociedade e, depois de aceito,

trilhar sua ascensão política e social, uma vez que a econômica já está consolidada.

15 Aqui no Maranhão, sírio, libanês, turco, todos os árabes, enfim, foram apelidados de carcamanos. A origem da palavra é duvidosa. Talvez tenha sido emprestada do sul, onde o carcamano é o italiano, que “carrega a mão na balança”. Mas, o sentido semântico é seguro, quando pilheria acerca da habitual esperteza do negociante árabe. Para melhor ganhar, calça a mão no metro de tecido, em rápida prestidigitação, diminuindo alguns centímetros. O maranhense, levando em conta essa aparente psicopatia moral, diz que os seus descendentes continuarão carcamanos, mesmo com a miscigenação que se vem dando com os nacionais. (LIMA, 1987, p. 33)

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4. A INSERÇÃO

Estudando a trajetória de imigrantes sírio-libaneses desde a sua saída da terra

natal, ressaltamos alguns fatores que levaram a essa empresa, bem como a chegada em terras

maranhenses, as primeiras atividades e as dificuldades que enfrentaram até o seu

estabelecimento.

No entanto, no começo deste trabalho foram mencionados nomes de várias

famílias que, se perguntadas a população, de maneira geral, a grande maioria saberia

identificá-las como sendo parte da elite local, mas poucos saberiam dizer a procedência dessas

famílias e a história de seus antepassados.

Daí foi imprescindível a discussão dos dois capítulos anteriores, para localizar

melhor o nosso objeto de estudo. Entretanto, ainda resta uma pergunta a ser respondida: como

essas famílias conseguiram se inserir na elite maranhense e como alguns ocupam lugares de

destaque em nossa sociedade.

4.1 A concepção de Elite

Antes de entrarmos na análise de como os imigrantes e descendentes dos sírio-

libaneses conseguiram a sua inserção na elite da sociedade maranhense se faz necessário

destacar sobre que aspectos estamos pensando o conceito de elite.

Na concepção de Norberto Bobbio:

Por teoria das Elites ou elitista – de onde também o nome de elitismo – se entende a teoria segundo a qual, em toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada. Uma vez que, entre todas as formas de poder (entre aquelas que, socialmente ou estrategicamente, são mais importantes estão o poder econômico, o poder ideológico e o poder político), a teoria das Elites nasceu e se desenvolveu por uma especial relação com o estudo das Elites políticas, ela pode ser redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força, em última instância. (BOBBIO, 2007, p. 385)

Pessoas com possibilidade de ditar as normas na economia, na política e na

cultura pode-se considerar que pertencem à elite e muitos descendentes desses imigrantes

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desfrutam de tais privilégios, graças a seus antecessores cuja preocupação dentre outras foi a

de oferecer instrução aos seus filhos.

4.2 Fatores de inserção

Uma das razões que podemos colocar como um fator de inserção à elite local, e

um dos principais, é o casamento. E não mais o casamento entre famílias sírio-libanesas como

defendia Nabira personagem do já citado romance, mas o exemplo do casamento que o seu

neto Sérgio que insistia em casar-se com “uma brasileirinha”.

É importante ressaltar que as gerações nascidas no Maranhão casam mais

facilmente com brasileiros, o que não era algo concebível pelas gerações anteriores.

É verdade que de início, como veremos, havia certa discriminação de parte a parte: os brasileiros consideravam os carcamanos “uma raça inferior, de costumes exóticos”, os carcamanos achavam os brasileiros “relaxados e maus maridos” (LIMA, 1987, p. 37)

Mas isso é uma situação até compreendida, pois o tipo de vida das libanesas,

enclausuradas em casa limitando-se a desempenhar elas próprias os afazeres domésticos era

diferente da mulher maranhense, servida por escravos ou por empregadas domésticas a

cumprirem as ordens das senhoras.

A diferença de relações domésticas entre uma sociedade escravocrata ou que já

viveu a escravidão e o cotidiano familiar de mulheres simples, imigrantes, sem serviçais,

justifica o temor dos imigrantes de seus filhos casarem com moças que “não sabem fazer

quibe”.

Entendemos melhor esse contraponto ao analisar duas situações. A primeira é a

descrição que Aluisio de Azevedo faz da personagem Ana Rosa na obra O Mulato. Anica,

como é chamada pelo autor durante muitas vezes na narração, tem o típico perfil da mulher

maranhense no final do século XIX e começo do XX..

Era Ana Rosa. Logo que ela se recolhera ao quarto, gritara pela Mônica.

- Mãe-pretinha!

Assim tratava a cafuza que a criara e que dormia todas as noites debaixo da sua rede...

- Mãe-pretinha! Ó, senhores

- O que é, Iaiá? Não se agaste!

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- Você tem um sono de pedra! Oh!

Deu um estalo com a língua.

- Dispa-me!

E estendeu-se negligentemente em uma cadeira, entregando à criada os pés pequeninos e bem calçados.

Mônica tomou-os, com amor, entre as suas mãos negras e calejadas; descalçou-lhe cuidadosamente as botinas, sacou-lhe fora as meias; depois, com um desvelo religioso, como um devoto a despir a imagem de Nossa Senhora, começou a tirar as roupas de Ana Rosa; desatou-lhe o cadarço das anáguas; desapertou-lhe o colete e, quando a deixou só em camisa, disse, apalpando-lhe as costas:

- Iaiá, vossemecê está tão suada!...

E correu logo ao baú. (AZEVEDO, 2006, p. 90)

Indo de encontro ao perfil apresentado pela personagem de Aluisio Azevedo

temos a representação da mulher sírio-libanesa imigrante afeita a família, prendada dos

afazeres domésticos (as brasileiras também eram criadas para administrar a casa e as prendas

do lar), mas empenhada nos negócios da família e sem medo do trabalho. O regime patriarcal

brasileiro, com raras exceções, isolava a mulher dos negócios, diferente do regime mais

tendente ao matriarcado sírio-libanês em que a mulher participava dos negócios.

Um dia (Nabira) viu-se com algum dinheiro. Comprou quinquilharias – pentes, grampos, latas de talco e pomada cheirosa para cabelos. Pôs tudo num tabuleiro e foi vende-los numa das esquinas de São Paulo. Com alguns meses o tabuleiro virou mala pesada de sortimento. (ABOUD apud VIVEIROS, 1990, p. 156)

Mesmo assim há uma lógica quase evidente para que esse tipo de casamento fosse

a porta de entrada para a inserção na elite. Como já foi colocado e usando as palavras de

Viveiros (1990), o Maranhão passava por uma profunda decadência econômica na virada do

século XIX para o XX, entretanto, o que ainda dava uma sobrevida às atividades econômicas

do Estado era o comércio, que na primeira metade do século XX era praticamente dominado

pelos sírio-libaneses.

Essa situação propiciou a conveniência da união de sírio-libaneses, detentores do

poder econômico com, mas sem privilégios sociais com maranhenses. Não tinham voz

política e nenhum outro tipo de influência na vida social e já aspiravam isso, pois a idéia de

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retorno a terra natal já tinha sido esquecida e agora objetivavam status na terra que se

estabeleceram e elegeram como sua segunda pátria.

Com essas alianças, inicia-se o processo de elitização dessas famílias, mas é bom

ressaltar pontos importantes. O enriquecimento do imigrante não é suficiente para a aceitação

do casamento de maranhense com sírio-libanês porque os valores determinantes para o

matrimônio ainda se conservavam na esfera intelectual, o que podemos chamar de sub-fator

determinante da união.

É bom deixar claro. Já eram os descendentes que buscavam casar-se com

maranhenses conforme mostra a história do romance Galhos de Cedro. Com a titulação desses

descendentes houve maior aceitação da sociedade maranhense pois não se tratava mais de

comerciantes, nem mascateavam. Graças ao estabelecimento dos seus pais e avós, que

puderam cuidar da educação dos filhos e não permitiram que enveredassem para o comércio,

esses descendentes agora passam a ser profissionais liberais.

O passo seguinte dado pela colônia foi a penetração dos imigrantes e seus descendentes no mercado de profissões liberais, tornada possível devido ao forte investimento realizado na educação própria ou de seus filhos. Isso fez com que os libaneses tivessem uma ainda melhor apreciação social pela elite das grandes cidades, assumindo já nos anos 1950 a direção de importantes associações classistas e órgãos estatais e entrando com bastante ímpeto para a política parlamentar e executiva. (GATTAZ, 2005, p. 97)

Esse incentivo e educação dos filhos torna-se obrigatoriedade por aquelas famílias

que aspiram uma condição social de destaque, além de ser algo de orgulho para aqueles que

fizeram tal investimento nos filhos.

Logo o sírio-libanês compreendeu que no Maranhão, não era o rico, porém o intelectual, que atraía respeito. Procurou fazer seus filhos doutores. Cuidou da educação dos filhos, e mesmo em modestas escolas particulares do interior. (LIMA, 1987, p. 47)

As afirmativas do autor logo são respaldadas pelo depoimento de um imigrante

sírio-libanês que exalta o investimento que ele e os seus amigos fizeram na educação dos seus

filhos.

E há uma especialidade. O árabe não tem filho analfabeto. Ele capricha, ele bota pra estudar, bota pra se formar. São poucos os filhos de árabes que não

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são formados, ou talvez nenhum. Os árabes gostam do comércio, principalmente o comércio, os veteranos, os pais. Os filhos não. Eles botam pra estudar. É médico, é dentista, é advogado. Você não vê um filho de árabe sem ser formado. Eu tenho cinco filhos. Todos os meus filhos são formados. (João Elias Mouchrek)

Os portugueses queriam que os filhos trabalhassem no comércio, fosse padaria, mercearia, etc. Já os libaneses eram na parte de lojas de tecido e queriam os filhos formados, queriam que estudassem. (Admme Duailibe).

Passam a se formar em medicina, jornalismo, direito e essas funções, vistas pela

sociedade com certa superioridade ajudam a mascarar o preconceito que a sociedade

maranhense tinha sobre esses imigrantes.

A filha de uma grande agricultor ou político maranhense não se casaria com um

mascate ou um vendedor de bugigangas, casaria sim com um doutor, filho de uma grande

comerciante local, por exemplo. E essa união sim é bem quista, para ambas as partes.

4.3 A comunidade inserida e atuando na sociedade

Podemos dizer que o caminho foi longo, demorado, cheio de obstáculos, mas que

enfim muitas famílias conseguiram um lugar privilegiado dentro da sociedade maranhense.

Lugar esse que muitas vezes foi almejado desde sempre por algumas famílias, outras que não

tinham tamanha ambição acabaram tendo suas vidas direcionadas a alguma atividade pública

e há aqueles também que sempre objetivaram tal prestigio, mas que por inúmeros fatores não

os foi alcançado. Isso vale para lembrar o que já foi dito nesse trabalho e serve para quebrar

um mito que se tem sobre a imigração sírio-libanesa de que todo imigrante por ser

“carcamano”, “mão-de-vaca”, “pão-duro”, ou qualquer outro termo pejorativo, fizesse desse

uma pessoa rica e de posses. Muitas famílias não conseguiram uma projeção social, mas

certamente todas contribuíram de forma significativa, umas mais outras menos, para ajudar o

Maranhão a evoluir economicamente, politicamente e culturalmente no início do século XX.

Na esfera econômica talvez encontremos os maiores exemplos de uma atuação

ativa desses imigrantes.

Como já foi visto, num tempo onde o marasmo se apoderava da economia local,

foram essas famílias que geraram um dinamismo ao comércio maranhense, o que chega a ser

quase óbvio, pois eram eles que detinham a maioria das casas comerciais na época.

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Em São Luís ocupavam ruas inteiras residências (como a Nazaré) e comerciais (Rua Grande): moravam no sobrado e tinham grande casa comercial no térreo. (Kalil Mohana)

A Rua Grande era cheia só de lojas de árabes. Parentes meus árabes: Franciss, Tajra, Aboud, Ázar tudo árabe moravam na Rua Grande. (João Elias Mouchrek)

Mas para os que pensam que a preocupação do sírio-libanês era somente com o

seu próprio negócio engana-se profundamente. A Campanha da Produção16, que foi uma

iniciativa que causou melhoria substancial no incremento das atividades agrícolas do Estado,

onde estavam instalados os seus negócios de compra e venda de arroz, algodão e babaçu,

tinha no seu quadro diretor muitos integrantes de origem sírio-libanesa e que vale a pena

ressaltar suas participações nesse negócio.

O primeiro que podemos nos referir é Eduardo Aboud, filho de imigrantes

libaneses veio para o Maranhão a convite do seu tio Wadih Aboud, comerciante proprietário

da firma Chames Aboud & Cia. Em 1926 Eduardo já era procurador da firma e foi o

responsável pelo crescimento da firma. Em 1938 era o diretor –presidente da Fábrica de

Tecidos Santa Izabel. Temos uma idéia exata da atuação do empresário dentro da Associação

Comercial.

Por todo esse crescimento das firmas por Eduardo comandadas, pode-se perceber sua visão empresarial, sua agilidade mental e capacidade de controlar todo o movimento pecuniário das atividades mais diversas, os funcionários e, sobretudo, o acompanhamento das oscilações do mercado interno e externo, sem dúvida uma das chaves de seu sucesso. Sempre foi um dos membros mais assíduos e pontuais nas assembléias da ACM, na maioria das atas estão registradas suas falas alertando, prevenindo, agindo em prol da participação das classes produtoras junto ao governo e das relações dos empresários entre si, com os empregados, com o mercado, enfim, voz atenta e preocupada com os problemas sociais, de modo geral. (LACROIX, 2004, p. 164-165)

16 “A Campanha da Produção, órgão criado pela Associação Comercial do Maranhão, funcionou entre 1947 e 1958, visando superar alguns dos cruciais problemas obstrutivos do desenvolvimento da produção agrícola do Estado. Foi uma iniciativa empresarial, apoiada pelos poderes públicos de maneira muito rarefeita, procurando atuar em áreas normalmente da alçada do governo, como abertura de estradas de penetração no interior maranhense e a assistência técnica e médica aos pequenos lavradores, responsáveis por quase toda a produção agrícola e extrativa do Maranhão”. (LACROIX, 2004, P. 15)

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Figura 12 - Registro fotográfico do Sr. Eduardo Aboud Fonte: Biblioteca Pública do Estado

Outro cidadão, de descendência sírio-libanesa, que teve participação ativa dentro

da Associação Comercial e nos trabalhos da Campanha de Produção foi Mário Lauande. Eis

um pouco do perfil do senhor Lauande nas palavras da autora e filha.

Radicado no Rio de Janeiro, voltou para o Maranhão para assumir a função de Diretor de Secretária da Campanha da Produção, por indicação de Mario Martins Meireles, Delegado do Imposto de Renda, amigo e conselheiro do Eduardo Aboud. Ao conhecer o projeto, Mario Lauande incontinente decidiu aceitar aquela tarefa, cheio de idealismo. Iniciou suas atividades, alternando entre planejamentos, cronogramas e ordens por ele emanadas na Secretaria da CP e viagens de fiscalização dos trabalhos pelo interior maranhense. (LACROIX, 2004, p. 167)

Seria exagero e uma inverdade dizer que somente os descendentes dos sírio-

libaneses fizeram parte da Campanha da Produção. Outros grandes comerciantes e

empresários maranhenses tiveram participações honrosas no período em que houve a

campanha.

Entretanto, a participação dos imigrantes árabes é importantíssima devido ao fato

deles estarem inseridos na sociedade há menos de 50 anos e pela quantidade dessas pessoas

dentro desse processo.

Temos ainda com destacada participação a figura de Hedel Jorge Ázar. Filho de

José Jorge Ázar e Mahiba Mattar Ázar, foi Engenheiro Chefe do Departamento de Engenharia

da Campanha de Produção entre os anos 1952 a 1958.

O currículo de Hedel Ázar é vasto, cheio de condecorações e prêmios importantes,

além de ter desempenhado e ocupado cargos importantíssimos em outras áreas. Antes da

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Campanha o engenheiro já havia sido vereador da Câmera Municipal de Curitiba, foi diretor

da Associação Comercial do Maranhão em 1957, em 1962 presidiu as Centrais Elétricas do

Maranhão – CEMAR, foi fundador-diretor superintendente da Companhia Maranhense de

Refrigerantes Coca-Cola e presidiu o Rotary Clube de São Luís em 1966. Mas recentemente

foi considerado Presidente Eterno do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão em 2000.

O que se percebe é uma carreira brilhante e rodeada de sucessos e realizações por onde

passou.

Inseridos no contexto da sociedade maranhense, como vimos muitos participaram

ativamente na economia do Estado incentivando o seu fomento. Mas a esfera de atuação dos

sírio-libaneses não limitou somente a economia. Muitos enveredaram para a política. Na

verdade uma grande maioria.

Hoje percebemos mais claramente essa atuação, tanto na Assembléia dos

Deputados como nas Câmeras dos Vereadores, nomes como Murad, Heluy, Abdalla, Haickel,

Dino, entre outros. Embora hoje passe despercebido pela maioria da população – e essa é a

grande contribuição que esse trabalho quer passar – todos esses nomes são de famílias sírio-

libanesas.

Mas como exemplo significativo que podemos destacar no ramo da política é a

figura de César Alexandre Aboud. Deputado eleito pela população, foi presidente da

Assembléia Legislativa do Maranhão em 1948 a 1951. Assumiu provisoriamente o governo

do Estado em 1951 por seis meses durante a conturbada Greve de 5117.

Outro libanês que comandou o Estado foi Antonio Jorge Dino, antes Deputado

Federal, assim como o de Clodomir Milet, de grande atuação no cenário político federal,

tendo sido homenageado com um dos prédios do Executivo Maranhense que leva o seu nome.

Semelhante homenagem recebeu Nagib Haickel, devido seu desempenho político na esfera

estadual.

17 Para o estudo sobre a Greve de 51 vê A greve de 51; os trinta e quatro dias que abalaram São Luís de Benedito Buzar.

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Figura 13 - Registro fotográfico do Sr. César Alexandre Aboud que foi governador interino no ano de 1951. Ao lado o palacete onde morava e que hoje se encontre em ruínas no Canto da Fabril Fonte: Biblioteca Pública do Estado.

A atuação desses imigrantes não se restringe apenas a economia e política, muito

menos só os homens participam da vida social maranhense. As mulheres tem voz ativa e ação

significativa no cotidiano local.

Essa participação feminina se dá com a Sociedade Feminina Libanesa, hoje

presidida por D. Admee Duailibe. Essa sociedade foi fundada em 3 de outubro de 1933.

Segue a ata da fundação.

Aos três dias do mês de Outubro de mil novecentos e trinta e três, na cidade de São Luiz do Maranhão, no prédio nº 62 à Rua Newton Prado, às vinte horas reuniram-se as senhoras e senhoritas da Colônia Syria e nesta mesma noite declararam a fundação da Sociedade Beneficente de Senhoras sob a presidência do Sr Wady Nazar, este dirigiu palavras animadoras às sócias fundadoras para que levem avante esta obra de obrigação que os seus efeitos não tardarão em se sentir. Em seguida o jovem orador, José Atta proferiu um belo discurso na língua árabe, no qual fazia sentir a grande necessidade da presente sociedade que hora se funda. As suas palavras de batalhador pelos auxílios aos pobres foi o que mais se fez ouvir, acompanhados de apelos urgentes e verdadeira união e perseverança; após as palavras do orador fez-se ouvir a Sra Matilde Mathias, trabalhadora incansável, que dirigiu palavras de incentivo pela causa da Sociedade, e ao mesmo tempo propôs que fosse aclamada uma comissão composta das senhoras D. Rebele Waquim e D. Margarida Hiluey e as senhoras Jersy Hiluey, Adma Nicolau e Najla Franciss, para a administração dos serviços deste mês, que unanimente aprovada, sendo aclamada a senhora Najla Franciss para secretária. Nada mais havendo que tratar foi encerrada a sessão. E eu secretária escrevi a

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presente ata e assino. (Ata da fundação da Sociedade Beneficente de Senhoras da Colônia Syria-Libaneza)

Figura 14 - Registro fotográfico da Ata da primeira reunião e fundação da Sociedade Beneficente Feminina Libanesa Fonte: Ata de reuniões da Sociedade Beneficente Feminina Libanesa

Hoje a Sociedade Feminina Libanesa, desde a sua fundação, tem como

preocupação ajudar àqueles mais necessitados, mas no início da mesma havia uma função

ainda mais específica, como nos conta D. Admme.

Essa entidade foi feita mais pra ajudar os libaneses que chegavam aqui em São Luís, dando abrigo. Tanto que quase todos os libaneses moravam em sobradões com a parte de baixo que tinha salas e tudo para abrigar os irmãos libaneses que chegavam. Quando eu assumi a Sociedade Libanesa procurava pessoas antigas que precisavam e encontrei uma senhora já de idade, muito mal, na Santa Casa e nós da sociedade nos passamos para a Santa Casa, falamos com doutor Murad. Ele deu toda a atenção para ela e lá ficou sendo cuidada até morrer. (Admme Duailibe)

A Sociedade Feminina Libanesa investe mais fortemente na ajuda dos mais

necessitados. Hoje sua sede funciona na escolinha da própria presidente Admme Duailibe

onde se reúnem toda primeira sexta-feira do mês para uma missa e depois discutem sobre as

novas ações da sociedade. Os recursos da entidade provém das sócias, hoje aproximadamente

sessenta, que pagam uma taxa mensal de R$ 10,00, mas a principal fonte de recursos é a ajuda

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que a sociedade recebe de pessoas que confiam no trabalho dessas senhoras, sempre

aguerridas a ajudar o próximo.

Tanto D. Admme como a sua vice-presidente D. Antonieta Murad, preferem não

vangloriar o valoroso trabalham que desempenham, o que é uma pena, pois merecem o devido

reconhecimento, mas fazem questão de ressaltar àqueles que estão sempre contribuindo para

que a Sociedade Feminina Libanesa continue a sua luta na ajuda com os menos favorecidos.

O maior colaborador da gente é o desembargador Jorge Hachid, é o nosso padrinho, é o que ajuda a Sociedade Beneficente Feminina Libanesa em qualquer ocasião que a gente precisa. Ano passado ele conseguiu quinhentos quilos de alimentos não perecíveis que nós montamos cestas básicas e distribuímos no Natal. (Admme Duailibe)

Culturalmente também percebemos a participação dos imigrantes na sociedade

maranhense. São famosos por organizarem festas grandiosas nos mais diversos clubes da

cidade, sempre atraindo a elite local. Mas também estavam presentes nas manifestações

populares como o carnaval.

Quando eu entrei na família de libaneses, quando era na época de carnaval as famílias libanesas era que faziam o carnaval daqui. A gente se reunia em uma das casas e ia na casa de um deles fazer assalto, assalto carnavalesco. A gente chegava de repente num dos sobrados só pra fazer a festa. (Admee Duailibe)

Então eu aqui em São Luís do Maranhão, como cidadão civil, como comerciante, como carnavalesco vira-lata. Eu brinquei quinze anos no Bloco Vira-Lata no carnaval. Meu amigo, a minha vida é uma beleza de vida. (João Elias Mouchrek)

Há ainda quem diga que a contribuição desses imigrantes para o São João,

principalmente para o sotaque de matraca, é fundamental, pois os elementos de percussão

dessa brincadeira, a matraca e o pandeirão, são de origem árabe e teriam chegado aqui com os

primeiros imigrantes que os trouxeram. É sabido que a matraca era o instrumento que o

mascate utilizava para chamar a atenção dos seus clientes enquanto passava pelas cidades

vendendo os seus produtos.

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Lembremo-nos também daqueles mascates anônimos, que se enriqueceram, tocando matraca pelo interior adentro. (...) carregando bom peso nas costas, que na hora do negócio descansava sobre a matraca, esse implemento mágico de amparar e medir, de defender e regatear. (LIMA, 1987, p. 41)

Ou seja, podemos perceber que muitas das diversões que havia na cidade ou tinha

participação maciça ou eram até mesmo patrocinadas pelos sírio-libaneses. Como já vimos,

muitos foram presidentes de agremiações sociais e a rede de cinema era toda controlada por

famílias sírio-libaneses, mas precisamente os Tajra e depois os Duailibe.

As letras também são agraciadas com a participação dos descendentes de

imigrantes sírio-libaneses. Dado ao já mencionado investimento que os imigrantes fizeram na

educação de seus filhos hoje a sociedade maranhense conta com grandes pensadores,

escritores, poetas, romancistas, professores, enfim, um grupo seleto que vem contribuindo

para a formação da sociedade maranhense.

Maria de Lourdes Lauande Lacroix se destacou como, pesquisadora da História

do Maranhão e como professora universitária. Escreveu várias obras das quais podemos

destacar A Educação na Baixada Maranhense: 1822/1899; Jerônimo de Albuquerque

Maranhão e A Fundação Francesa de São Luís e Seus Mitos, onde contesta a fundação da

capital do Maranhão pelos franceses, conseguindo despertar a atenção da população para o

debate acerca do tema.

Outro expoente de nossa literatura é o imortal da Academia Maranhense de Letras

Benedito Buzar. Filho de alto comerciante da cidade de Itapecuru, onde nasceu em 17 de

fevereiro de 1938, e ali fez seus primeiros estudos. Após cursar em São Luís o Colégio

Maranhense, dos Irmãos Maristas, e o Colégio Estadual do Maranhão (Liceu), ingressou na

Faculdade de Direito do Maranhão, obtendo o título de bacharel em ciências jurídicas. A sua

imensa vontade de estar sempre produzindo o fez colaborador dos jornais O Imparcial, O

Jornal, Jornal do Dia, O Debate, O Estado do Maranhão, e das revistas Garota de São Luís,

Projeção, Impacto e Legenda, da qual também foi secretário. A sua atuação, mesmo que

magnífica, não se restringe somente às letras. Como político foi deputado na Assembléia

Legislativa do Maranhão e teve seu mandato cassado em 1964 devido ao regime militar.

Autor de diversas memórias históricas, duas das quais foram premiadas pelo Concurso

Artístico e Literário Cidade de São Luís: Do Sarneysmo ao Vitorinismo e Eleição de

Chateaubriand no Maranhão. De suas numerosas pesquisas, algumas já prontas para livro,

Benedito Buzar publicou: A greve de 51; os trinta e quatro dias que abalaram São Luís;

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Politiqueiros, politicalha, politiquice, politicagem e política do Maranhão e O vitorinismo;

lutas políticas no Maranhão (1945 a 1965). Todas leitoras obrigatórias para quem quiser

entender sobre a política no Estado do Maranhão.

Também corre nas veias da escritora maranhense Arlete Simão Nogueira da Cruz

Machado sangue libanês, que segundo a própria poetisa, o traço libanês contribuiu para a sua

formação de autora.

Meu avô é uma pessoa inesquecível, é meu ídolo e eu tenho verdadeira loucura. Era tão carinhoso que a noite ele ia pra estação da estrada de ferro ou então nós íamos lá na casa dele, num grande espaço que ele tinha belíssimo na casa dele. E ele me contava as histórias, a mim principalmente que era a mais velha neta dele, muito ligada a literatura já. Ele contava as histórias da mil e uma noite que ele sabia de cor e salteado e isso foi marcante na minha vida de escritora e tudo. (Arlete Simão Nogueira)

Da mesma família trazemos dois exemplos de sabedoria, o Padre João Mohana e o

seu irmão e professor Kalil Mohana. O apostolado do padre foi dedicado ao ajustamento de

casais, o que para tal publicou vários livros aconselhados pelo clero nacional.

O padre João Mohana, filhos de libaneses natos, é o mais maranhense de todos os filhos do Maranhão. (Kalil Mohana).

Kalil Mohana é figura queridíssima dentro do Estado. Como professor

universitário da UEMA foi o responsável pela formação de grandes pessoas que hoje ocupam

posições importantes em nossa sociedade. Uma pessoa viajada, conhecedora do mundo, de

uma sabedoria encantadora. Suas falas refletem a sua maneira de pensar, sempre simples, mas

prático e objetivo.

A professora Jalila Ayoub Jorge, foi chefe do Departamento de História da

UFMA, ocasião em que tirou o curso de História do isolamento, promovendo encontros com a

participação de professores das mais renomadas universidades do país. Mestre em História do

Maranhão publicou A Desagregação do Sistema Escravista no Maranhão (1850-1888) com

um grande levantamento de dados e construção de tabelas muito úteis para o estudo específico

da escravidão no Maranhão.

Proprietário de um dos primeiros laboratórios de análise química, Salomão

Fiquene se destacou como clínico geral, assistindo a população ludovicense até os anos

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sessenta do século passado. Seus quatro filhos também bioquímicos se notabilizaram na área

médica. Liana Fiquene foi professora da Faculdade de Farmácia da UFMA.

Um dos advogados bem conceituados em São Luís foi o dr. Sawaya que, além da

atuação no Fórum local, foi professor de Direito da UFMA.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interessante é perceber que os exemplos citados no decorrer do trabalho:

Aboud, Buzar, Duailibe, Lauande, Mouchrek, Mattar, Simão, etc., já não parecerem

novidades para o leitor.

Os depoimentos descritivos do dia-a-dia dos primeiros imigrantes, as causas da

imigração, a história de suas vidas, as dificuldades enfrentadas e todo o esforço de amealhar

recursos para instruir seus descendentes, capacitando-os a desfrutar a projeção dos nomes

acima mencionados, nos capacitam a perceber a tenacidade e o resultado do seu trabalho

expresso no sucesso de seus descendentes.

Os primeiros imigrantes, verdadeiro sangue novo, vieram promover a circulação

interna da riqueza, primeiro como mascates depois como comerciantes, trabalhando de sol a

sol e quebrando o preconceito de que o trabalho deveria ser executado por subalternos.

Grande exemplos de dinamismo àquela sociedade mergulhada no marasmo pós-abolição da

escravatura, em verdadeira anemia social, como reflexo das marcas deixadas pela sociedade

escravista.

Positiva também foi a ação desses mascates suprindo inclusive o interior de

produtos necessários para a vida dos que só sobreviviam da agricultura de subsistência, o que

de modo geral não ocorreu com outras nacionalidades que vieram executar tarefas

estabelecidas nos cafezais ou outras atividades agrícolas na regiões do sul do país.

Algumas diferenças existem entre os imigrantes sírio-libanês e os italianos e

outras nacionalidades européia que se fixaram no sul do país. Enquanto esses últimos vinham

sem nenhum recurso, ajudados pelo governo brasileiro e para o campo, os primeiros vinham

as suas custas, com algum dinheiro e capazes de iniciar suas atividades comerciais. Enquanto

outras nacionalidades chegavam com suas famílias e para lugar pré-determinado, o sírio

libanês vinha só, percorria várias localidades até encontrar uma do seu agrado. A família, na

maioria das vezes, vinha depois do imigrante estabelecido, mesmo porque na Síria ou no

Líbano poderiam esperar sem maiores dificuldades.

Outra diferença está na visão de futuro para a sua prole. Ainda hoje se vê grande

número de plantadores de grãos, de uva, etc... no sul, continuando a atividade primeira de seus

ancestrais. Embora haja exemplos de descendentes herdarem o comércio de seus pais, como

Samira Mattar que hoje está a frente dos negócios da Casa Moderna, nem todo filho de sírio-

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libanês é comerciante. Ela mesma é médica e divide suas horas de trabalho entre a medicina e

o comércio.

Na capital, os mascates, depois proprietários de casas comerciais, chegaram a

fornecer artigos de luxo aos mais favorecidos, a exemplo da Casa Brasil , de Salim Lauande

com seus tecidos finos, perfumes franceses dentre outras mercadorias importadas. A

sorveteria mais famosa da capital de Carlos Lauande, ponto de encontro da elite maranhense.

Os cinemas da família Tajra, que davam entretenimento a uma população tão carente de

distrações. Os comércios na Praia Grande depois na Rua Grande, que forneciam produtos

básicos para a população de pouca renda e produtos importados para os mais abastados.

A amêndoa e o óleo de babaçu que tantas divisas promoveram ao Maranhão

através da sua exportação pela firma Chames Aboud, de Wadih Aboud, a maior e na

vanguarda também da exportação de algodão e arroz.

A Fábrica Santa Izabel, a frota de lanchas e batelões que supriram as dificuldades

da navegação fluvial, tudo de uma mesma família.

Nas décadas de 1950, Miércio Jorge é figura de ponta dos Diários Associados.

Eduardo Aboud, na presidência da Associação Comercial organizando a Campanha da

Produção.

Enfim, a contribuição destes imigrantes além de significativa foi de extrema

importância para a sobrevivência da economia local e todas as implicações que a carrega

consigo.

O autor Olavo Correia Lima, faz um aparato, ainda que de forma bem

romanceada, que nos coloca bem situados da epopéia dos sírio-libaneses. As palavras a seguir

se lidas com bastante atenção poderão ser enquadradas às histórias que aqui foram narradas

pelos imigrantes e seus descendentes.

Lembremo-nos também daqueles mascates anônimos, que se enriqueceram, tocando matraca pelo interior adentro, porém contribuindo consideravelmente para o progresso da região. Quantos camponeses ficavam à espera do carcamano, à beira das estradas cavalares, para comprar agulha, linha, pente, botão. Mas, não esqueçamos o sacrifício que fazia o carcamano nas suas intermináveis andanças, no começo a pé, carregando bom peso nas costas, que na hora do negócio descansava sobre a matraca. Ao sol e à chuva. Por todos os cantos e barrancos. Sem segurança, nem proteção. Estimulado apenas pela necessidade de sobreviver, de enriquecer se possível. Logo que podia, comprava uma mula para carregar o peso do novo investimento. Era o uso da quilha que os Agueos difundiram, capaz de levar a mercadoria mais longe, mas depressa, mais lucrativa. A terceira etapa era a

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loja, um bazar, nalguma localidade. Loja que tinha de tudo, inqualificável ao fisco como ainda lembra a Casa Mohana, dirigida por Ibrahim Mohana, comerciante-intelectual. O último passo é a industria, seja onde for. São Paulo está cheia delas, São Luís lhes acenou traçoeiramente com efêmeras fábricas de tecido. Pelo interior maranhense são as usinas de arroz, babaçu, sabão, etc. Boa inteligência, basta que ensine a regatear. Mas, não se lhe confunda com furtar: exige trabalho lícito e diuturno, assíduo e penoso, esperteza até na lealdade no negócio. (LIMA, 1987, p. 41-42)

Este trabalho não pretende colocar o sírio-libanês na história pois ele já faz parte

dela, com cadeira cativa oferecida por inúmeros trabalhos na historiografia. O que

pretendemos é mostrar sua trajetória muita das vezes bem sucedida, levando aos seus

descendentes posições de destaque na sociedade, mesmo que os mais jovens geralmente

esquecem suas origens e até desconhecem todo o esforço despendido por seus ancestrais.

O professor e pensador Kalil Mohana atribui esse desinteresse jovial às suas raízes

devido aos avanços tecnológicos e às mudanças das relações familiares influenciadas pelo

mundo atual, capitalista e globalizado. Porém não podemos nos deixar ser engolidos pela

avalanche que se tornou o mundo contemporâneo, de rapidez e informações. Temos que nos

empenhar em conhecer a nossa própria história. Quem sabe, quando chegarmos aos 98 anos

do senhor João Elias Mouchrek termos a oportunidade de relembrar as suas simples, mas

sábias palavras, que repetia durante sua entrevista sempre ao terminar a narrativa sobre um

acontecimento que se passara em sua vida: “E assim se conta uma história”.

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ANEXOS

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Anexo 1 – Imagens do patrimônio sírio-libanês em São Luis - MA

Figura 15 - Reclame da firma Chames Aboud e os dois prédios que ocupava na Praia Grande Fonte: Biblioteca Pública do Estado e Acervo pessoal do pesquisador

Figura 16 - Reclame da da loja Sadick Nahuz e o seu prédio, a esquerda a faixada do mesmo prédio nos dias atuais Fonte: Biblioteca Pública Estadual e Acervo pessoal do pesquisador.

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Figura 17 - Prédio onde funcionou a antiga sede da Associação Comercial e também funcionou a firma J. Duailibe, ao lado o prédio nos dias de hoje, onde funciona famoso restaurante da Praia Grande Fonte: Biblioteca Pública Estadual e Acervo Pessoal do Pesquisador.

Figura 18 - Ruínas do Palacete no Canto da Fabril onde residiu César Alexandre Aboud, governador do Estado em 1951 Fonte: Acervo Pessoal do Pesquisador

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Anexo 2 - Cantiga de saudade e de amor à Praia Grande (João Elias Mouchrek)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Oh, Praia Grande de lindos azulejos que tantas vezes toquei! Tenho saudades Das belas donzelas Nas sacadas Dos teus velhos sobradões! Para onde foram Os teus bondes, Que eu tanto passeava Quando jovem, Ansioso para passear no meretrício E olhar as mulheres seminuas, Com supostos sorrisos Pelo amor Ao “pão de cada dia”? Por onde anda aquele velho Que vendia “raspado” Na porta da feira, E que me perguntava: “quer maracujá, Coco, buriti, Mamão, cajá Ou saputi”? Que-é-de o velho Mahumude Chain, O libanês amigo? (esquecê-lo não consigo) Os comerciantes Que, em seu boteco, se reuniam Para bate-papos, diariamente? Eram atraídos Não só pelo bom paladar De sua copa, Como pelo bom trato dispensado E que saudades de Manol Lages Que te deixou Impregnada de exemplos dignos! Oh, minha Praia Grande! Onde estão teus estivadores Terrestres e marítimos, Que eram forças vivas, Estivando barcos, lanchas, Batelões e alvarengas de Booth-Line? Que destino teve a prensa de algodão Que trabalhava o nosso algodão de fibra, Em resistência sem concorrentes mundiais? Por que não mais o nosso algodão prensado Em fardos de alta densidade Para exportação? Onde estão as tuas imagens poéticas, Os teus lampiões, As tuas seculares escadarias? Dormem, certamente,

O sono indolente Dos vencidos! Tudo foi embora, Como pássaros do poeta, “em revoada, Para nunca mais voltar!” Oh, minha Praia Grande! Quando recordo o teu passado Com teus telhados e paredes azulejadas, Janelas de gradis, movimentos nos portos De embarque e desembarque Nos armazéns de cabotagem Transito congestionado Fico triste! Outrora, Eras como um forte coração A acumular riquezas para o Maranhão! Deixaram marcas de progresso, em teu chão, De capacidade, De honestidade, Os Aboud, Líderes dominadores Em muitas fases, Do comércio e da industria, Como espelho aos concorrentes Onde estão os Romão, E os Joaquim da Casa Âncora? Os Santos de Cunha Santos, Jorge Santos Os Figueiredo, de Figueiredo & Cia? Os Faria, Moreira e Mendonça, De Lima Farias e Moreira Sobrinho? E os teus inesquecíveis pracistas, Pechincha, Benedito Lira, Ferrugem? Quantas saudades estão sentindo Do teu febril aconchego! Oh, minha triste Praia Grande! O teu pôr-do-sol, naquele mar bonito, Refletindo o infinito, Hoje sofres A viuvez De uma imprevidência! As embarcações que partem do teu porto Para o hinterland maranhense, São naves solitárias, Cumprindo seus forçados destinos Como quem perde a luz-da-razão de ser! Depois de batalhas gloriosas, De penetração no ciclo universal

O teu cetro se quebrou tristemente Como um entardecer melancólico E, agora Estás reduzida A um simples projeto Retornado às origens Triste Diante de ti eu me vejo Ajoelho-me Beijo o teu chão Como uma amarga E triste Despedida... Levanto-me Ando sem rumo Perdido no teu universo encantador e levo comigo uma única certeza: “Estás bem viva No meu coração!”

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Furtado, Frederico Mamede Santos

A comunidade sírio-libanesa e sua inserção na elite maranhense/ Frederico Mamede Santos Furtado. - São Luís, 2008.

72 f.: il.

Impresso por computador (fotocópia) Orientadora: Profa. Maria de Lourdes Lauande Lacroix. Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2008.

1. Imigração – Síria – Maranhão 2. Imigração – Libanesa – Maranhão . 3. Maranhão – Séc XIX-XX I. Título.

CDU: 314.742 (569.1)_