10. Tecido Muscular

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145 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Tecido Muscular O tecido muscular constitui cerca de 40% a 50% do peso corporal total e é formado por células especializadas na contração muscular. O organismo aproveita-se da contração das células musculares e a organização dos com- ponentes extracelulares para realizar a locomoção, a constrição de estruturas e outros movimentos propulsores. As características do tecido muscular são importantes para a compreen- são de suas funções. A excitabilidade é a capacidade do tecido muscular de receber e responder a estímulos; a contratilidade é capacidade que uma es- trutura apresenta de reduzir suas dimensões (contração); a extensibilidade é capacidade de distender-se; e a elasticidade é capacidade de retornar à sua forma original após contração ou extensão. O tecido muscular é altamente especializado, sendo freqüentemente utili- zados termos próprios na descrição dos constituintes da célula muscular. As- sim, a membrana celular é denominada sarcolema; o citoplasma, sarcoplasma; o retículo endoplasmático liso é nomeado retículo sarcoplasmático; e, ocasi- onalmente, as mitocôndrias, sarcossomas. Em razão de seu comprimento ser maior que sua largura, as células musculares são comumente chamadas de fi- bras musculares. O tecido muscular se diferencia a partir do mesoderma, onde as células mesenquimais originam células alongadas com capacidade de se contrair — os mioblastos. F UN˙ÕES Por meio da contração das células musculares, alternadas pelo seu re- laxamento, o tecido muscular é capaz de realizar diversas funções, tais como: 9 9

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Tecido Muscular

O tecido muscular constitui cerca de 40% a 50% do peso corporal total eé formado por células especializadas na contração muscular. O organismoaproveita-se da contração das células musculares e a organização dos com-ponentes extracelulares para realizar a locomoção, a constrição de estruturase outros movimentos propulsores.

As características do tecido muscular são importantes para a compreen-são de suas funções. A excitabilidade é a capacidade do tecido muscular dereceber e responder a estímulos; a contratilidade é capacidade que uma es-trutura apresenta de reduzir suas dimensões (contração); a extensibilidade écapacidade de distender-se; e a elasticidade é capacidade de retornar à suaforma original após contração ou extensão.

O tecido muscular é altamente especializado, sendo freqüentemente utili-zados termos próprios na descrição dos constituintes da célula muscular. As-sim, a membrana celular é denominada sarcolema; o citoplasma, sarcoplasma;o retículo endoplasmático liso é nomeado retículo sarcoplasmático; e, ocasi-onalmente, as mitocôndrias, sarcossomas. Em razão de seu comprimento sermaior que sua largura, as células musculares são comumente chamadas de fi-bras musculares.

O tecido muscular se diferencia a partir do mesoderma, onde as célulasmesenquimais originam células alongadas com capacidade de se contrair —os mioblastos.

FUNÇÕES

Por meio da contração das células musculares, alternadas pelo seu re-laxamento, o tecido muscular é capaz de realizar diversas funções, taiscomo:

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Fig. 9.1 — Tipos de tecido muscular. 1) tecido muscular estriado esquelético; 2) tecidomuscular estriado cardíaco; 3) tecido muscular liso.

1) Músculo estriado esqueléticoVaso sangüíneo

EndomísioPerimísio

Epimísio

Corte transversalCorte longitudinal Núcleo

2) Músculo estriado cardíacoVaso sangüíneo

NúcleoDisco intercalar

3) Músculo liso

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• produção de movimento do corpo em determinadas situações como narealização de caminhada, na qual o movimento do corpo depende daintegração de diversas estruturas, como os ossos e as articulações;

• fornecer estabilização das posições do corpo, como na postura de fi-car em pé ou sentado;

• movimentação de substâncias no interior de determinados órgãos pelaprodução de contrações; como no deslocamento do sangue no interi-or dos vasos sangüíneos; a movimentação do alimento pelo tratogastrintestinal; o deslocamento das células sexuais pelas vias genitais;

• regulação do volume dos órgãos, a exemplo do que ocorre com o es-tômago durante o armazenamento temporário de alimento; e

• geração de calor durante a contração do músculo para realizar tra-balho, e o calor liberado é utilizado na manutenção da temperaturacorporal.

TIPOS

De acordo com as características morfológicas e funcionais das célulasmusculares, o tecido muscular pode ser subdividido em músculo estriado es-quelético, músculo estriado cardíaco e músculo liso (Fig. 9.1).

Músculo Estriado

As células musculares apresentam em seu citoplasma proteínas con-tráteis organizadas num arranjo específico formando os miofilamentos,que se reúnem constituindo as miofibrilas . Este arranjo confere à célulamuscular um padrão estriado quando observado em corte longitudinal aomicroscópio de luz.

Existem dois tipos de tecido muscular estriado: o tecido muscular esque-lético, que constitui a maior parte da massa muscular do corpo e que se en-contra sob controle voluntário; e o tecido muscular cardíaco, de controle in-voluntário, com sua localização limitada quase exclusivamente ao coração.

Músculo Estriado Esquelético

É formado por feixes de células cilíndricas muito longas, multinucleadas,cujos núcleos encontram-se localizados na periferia citoplasmática, logo abaixoda membrana celular (Fig. 9.1). Estas células apresentam estriações transver-sais devido ao arranjo específico dos miofilamentos. O diâmetro da célula va-ria de 10 a 100µm, embora células musculares hipertrofiadas possam excederessas dimensões. Devido às suas dimensões, os primeiros morfologistas sereferiam às células musculares como fibra muscular; contudo, até os dias atuaisessas denominações são utilizadas como sinônimos.

O músculo estriado esquelético apresenta coloração que vai do róseo aovermelho, em face da presença de pigmentos de mioglobina e da grande quan-tidade de vasos sangüíneos no tecido conjuntivo que permeiam por entre assuas células. A mioglobina é uma proteína transportadora de oxigênio seme-

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lhante à hemoglobina. Dependendo da quantidade de mioglobina, da quanti-dade de mitocôndrias, da concentração de várias enzimas e do grau de con-tração da célula, a célula muscular pode ser classificada como: fibra vermelha,fibra branca e fibra intermediária. Desta forma, a fibra vermelha possui gran-de quantidade de mioglobina, numerosas mitocôndrias, sendo seu citoplasmarico em enzimas oxidativas e pobre em ATPase, apresentando contração len-ta, mas repetida. O citoplasma da fibra branca é pobre em mitocôndrias e emenzimas oxidativas, rica em fosforilases e ATPase, sendo a fibra branca de rá-pida contração, mas facilmente esgotável. As fibras intermediárias apresen-tam características intermediárias entre as fibras vermelhas e fibras brancas.

O músculo não fixa diretamente ao osso, havendo um tecido intermediá-rio entre o osso e o músculo. Este tecido é formado por tecido conjuntivodenso modelado e constitui os tendões. Assim, o tecido conjuntivo doperiósteo se continua com o tecido do tendão e este, por sua vez, se conti-nua com o tecido conjuntivo que forma os envoltórios do tecido muscular.

Envoltórios

Num músculo, as células ou fibras musculares encontram-se agrupadas,formando feixes. Os feixes de células musculares estão reunidos e envolvidospor tecido conjuntivo. O epimísio é constituído por tecido conjuntivo densonão modelado e envolve externamente todo o músculo (Figs. 9.1 e 9.2). Doepimísio, partem septos de tecido conjuntivo, menos denso quando compa-rado com o tecido do epimísio, que circunda grupos de fibras musculares (fas-cículos), formando o perimísio. Cada célula ou fibra muscular é envolta poruma delicada rede de fibrilas colagenosas (principalmente de colágeno tipo III)associada a uma lâmina externa (lâmina basal), e este conjunto é denominadoendomísio. O tecido conjuntivo, que forma o epimísio, o perimísio e o endo-mísio, mantém o músculo coeso permitindo a contração muscular homogêneae vigorosa. É ainda através do tecido conjuntivo que a força de contração étransmitida a outras estruturas como tendões, ligamentos e ossos, além de per-mitir o trânsito de vasos sangüíneos no músculo.

Célula Muscular Estriada Esquelética

São células multinucleadas, cujos núcleos localizam-se preferencialmentena periferia da célula, logo abaixo da membrana plasmática. A maior parte docitoplasma da célula muscular é preenchida por feixes de miofibrilas com 1 a2µm de diâmetro, organizados lado a lado.

Na superfície da célula muscular, localizadas em depressões rasas, encon-tram-se as células satélites, que são células pequenas com um único núcleo.A célula satélite atua como uma célula regenerativa, compartilhando da lâmi-na externa de cada célula muscular e tem um papel importante na regeneraçãomuscular.

Ao microscópio de luz, o arranjo das miofibrilas no citoplasma da célulamuscular é responsável pelas estriações transversais, que conferem uma dis-tribuição repetitiva de faixas claras e escuras (Fig. 9.2). A faixa escura é deno-

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Fig. 9.2 — Organização do músculo com seus envoltórios e células musculares. Asmiofibrilas com seus elementos preenchem o citoplasma da célula muscular.

Epimísio

Perimísio

Feixes de células muscularessustentadas pelo endomísio

Miofibrila

Célula muscular

Miofibrila

Banda A Banda I

Banda H Linha 2Linha M

Filamento espesso

Filamentodelgado

Linha ZBanda H

Banda A

Linha Z

Metade da banda I

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minada faixa A ou banda A (anisotrópicas à luz polarizada) e a faixa clara é cha-mada faixa I ou banda I (isotrópicas à luz polarizada) (ver microscópio de po-larização, Capítulo 1). No centro de cada banda A existe uma área clara, de-nominada banda H, que é dividida em duas porções iguais por uma fina linhaM . Cada banda I também é dividida em duas partes por uma fina linha escura,a linha Z. A região da miofibrila, compreendida entre duas linhas Z sucessi-vas, corresponde à unidade morfofuncional da fibra muscular estriada, deno-minada sarcômero e possui 2,5µm de comprimento em média.

As dimensões do sarcômero variam em função do grau de contração ourelaxamento da fibra muscular. Durante a contração muscular, a banda I se tornamais estreita, a banda H desaparece e as linhas Z se aproximam; contudo, asdimensões das bandas A permanecem inalteradas durante a contração e o re-laxamento da miofibrila.

A microscopia eletrônica de transmissão também revela a estriação trans-versal nas miofibrilas, e que este arranjo se deve à presença de miofilamentosfinos e miofilamentos grossos. Os filamentos grossos, com 15nm de diâmetroe 1,5µm de comprimento, são constituídos de miosina (miosina II). A miosinaII consiste em um par de moléculas idênticas e cada molécula consiste em umdomínio na cabeça contendo ATPase e uma cauda em forma de bastão. Os fi-lamentos finos, de 7nm de diâmetro e 1,5µm de comprimento, são formadosprincipalmente pela actina (Figs. 9.2 e 9.3).

Vários estudos vêm revelando a presença de outras proteínas partici-pando da manutenção estrutural do sarcômero. Os miofilamentos são manti-dos unidos por filamentos intermediários de desmina e de vimentina, que seligam à periferia das linhas Z. A organização estrutural das miofibrilas émantida principalmente por três proteínas: a titina, a α-actinina e a nebulina.A titina se estende da metade dos filamentos grossos até a linha Z, ancoran-do-se à linha Z. A α-actinina participa na manutenção estrutural dosfilamentos finos. A nebulina é uma proteína não-elástica, que se enrola ao re-dor do filamento fino, e se ancora na linha Z.

Filamento Grosso

Consiste de 200 a 300 moléculas de miosina (Fig. 9.3). Cada molécula demiosina é constituída de duas cadeias pesadas idênticas, enroladas uma à ou-tra formando uma configuração tipo α-hélice, e duas cadeias leves. As cadei-as pesadas de miosina, quando submetidas à ação da tripsina, são clivadas,apresentando duas regiões: uma região em forma de bastão, a meromiosinaleve, e uma cabeça globosa, a meromiosina pesada. A meromiosina pesadaapresenta duas porções globosas (S

1) e um pequeno segmento helicoidal (S

2).

O subfragmento S1 se liga ao ATP e atua na formação de pontes cruzadas entre

os filamentos finos e grossos.

Filamento Fino

Seu principal componente é a actina-F, sendo formado por subunidadesglobulares de actina-G, que exibem assimetria estrutural. Cada molécula de

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actina-G contém um sítio ativo onde a região da cabeça (subfragmento S1) da

miosina pode se ligar (Fig. 9.3). Filamentos de actina-F se enrolam entre si, for-mando uma hélice. Associada ao filamento de actina tem-se moléculas detropomiosina, que formam pequenos filamentos e mascaram os sítios ativosnas moléculas de actina, através de uma superposição parcial. Unindo-se for-temente a tropomiosina, existe a molécula de troponina, que é formada portrês polipeptídeos globulares (TnT, TnC e TnI). A subunidade TnT liga amolécula de troponina à tropomiosina; a subunidade TnC da troponina apre-senta grande afinidade pelo cálcio; e a subunidade TnI é capaz de se ligarà actina prevenindo a interação entre a actina e a miosina. A interação docálcio à porção TnC da troponina induz uma modificação conformacional namolécula da tropomiosina, levando à exposição do sítio ativo da actina queestava previamente bloqueado, de forma a permitir que a miosina possainteragir com a actina.

Contração e Relaxamento Muscular

O processo de contração muscular resulta do deslizamento dos filamentosfinos (de actina) sobre os filamentos grossos (de miosina) e é geralmente de-sencadeado por impulsos nervosos.

O impulso nervoso chega a extremidade do axônio (telodendro), que apre-senta dilatações (botão terminal). Os botões terminais se apóiam na célulamuscular formando a placa motora das fibras musculares individualmente. Cadauma destas junções neuromusculares (junção mioneural) é formada pela por-ção terminal de um axônio, pela fenda sináptica e pelo sarcolema da célula mus-cular, usualmente pregueado nesta região. Cada músculo recebe pelo menosdois tipos de fibras nervosas: fibras motoras ou fibras sensoriais.

O impulso nervoso, ao chegar à terminação axonal do neurônio motor, de-sencadeia a liberação de acetilcolina contida nas vesículas sinápticas. A ace-tilcolina difunde-se através da fenda sináptica, interagindo com seus recep-tores na membrana da célula muscular, na região da placa motora, e desenca-deia um potencial de ação muscular. O impulso muscular gerado é transmiti-do ao longo da membrana celular ao interior da fibra através de invaginaçõesdigitiformes da membrana plasmática, denominadas túbulos T (Fig. 9.4 e Fig.9.5). Na célula muscular estriada esquelética de mamíferos, as invaginações damembrana do sistema T estão presentes ao nível de transição das bandas, en-tre a banda A e a banda I, isto é, dois túbulos T para cada sarcômero (Fig. 9.4).Em cada lado de cada túbulo T verifica-se que a cisterna do retículo sarcoplas-mático forma uma expansão; e este complexo formado por um túbulo T e asduas expansões da cisterna do retículo sarcoplasmático é denominado tríade.

Devido à íntima associação entre os túbulos T e as cisternas do retícu-lo sarcoplasmático, o impulso é transmitido para o retículo sarcoplasmático.Este evento provoca a saída do cálcio, que estava armazenado no interiordas cisternas, para o citoplasma da célula muscular através de canais libe-radores de cálcio.

No citoplasma, a disponibilidade do cálcio faz com que este se ligue à su-bunidade TnC da troponina, alterando a sua conformação. A alteração estru-

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tural da molécula de troponina modifica a posição da tropomiosina sobre aactina, expondo o sítio ativo de ligação dos componentes da molécula deactina, que fica livre para interagir com o sítio de ligação com a miosina. A com-binação do cálcio com a subunidade TnC corresponde à fase de ativação docomplexo miosina-ATP. Assim, o ATP presente no fragmento S

1 da miosina é

hidrolisado, decompondo-se em ADP e fosfato inorgânico (Pi) com liberação

de energia; porém, continuam ligados ao fragmento S1 e o complexo se liga ao

sítio ativo na actina. A liberação do fosfato inorgânico (Pi) resulta na altera-

ção conformacional do fragmento S1. Como a actina está ligada à miosina, o

movimento da cabeça da miosina empurra o filamento de actina, promovendoseu deslizamento sobre o filamento de miosina. O ADP é liberado e o filamentofino é deslocado ao centro do sarcômero.

A contração continua até que os íons cálcio sejam removidos e o comple-xo de troponina-tropomiosina mascare novamente o sítio ativo da molécula deactina, prevenindo a interação da actina com a miosina. O retorno do cálcio

Fig. 9.4 — Esquema da organização das tríades e sarcômeros na célula muscular estriadaesquelética.

Cisternas doretículo

sarcoplasmático

Banda A

Miofibrilas

Túbulos T

Retículosarcoplasmático

Banda I

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para o interior das cisternas do retículo sarcoplasmático ocorre por um trans-porte ativo com o auxílio da proteína calciosequestrina.

Uma nova molécula de ATP liga-se ao fragmento S1, causando a liberação

da ligação entre a actina e a miosina. Assim, o ATP é importante para a con-versão da energia química em movimento.

Fig. 9.5 — Esquema da organização das díades e sarcômeros na célula muscular estriadacardíaca.

Linha Z

Túbulo T

Retículosarcoplasmático

Linha Z

Túbulo T

Lâmina basal

Fibras reticulares

Miofibrila

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A fonte de energia para a contração muscular provém de gotículas delipídeo e glicogênio abundantes no sarcoplasma. Durante prolongados perío-dos de contração muscular, o ADP gerado pode ser refosforilado de duas ma-neiras: 1) glicose anaeróbica levando ao acúmulo de ácido lático; e 2) trans-ferência de fosfato de alta-energia do fosfato de creatinina, catalisado pelafosfocreatina-quinase.

A rigidez muscular muito intensa que ocorre após a morte (rigor mortis)pode ocorrer pela autólise celular das fibras musculares, causando extrava-samento do cálcio para fora das cisternas do retículo sarcoplasmático. No cito-plasma, o cálcio liga-se à troponina e desencadeia o deslizamento dos filamentosde actina. Como a produção de ATP cessou, as cabeças de miosina não se des-tacam da actina, levando o músculo a um estado de rigidez, que dura cerca de 24horas, mas desaparece à medida que os tecidos começam a desintegrar-se.

Como o axônio terminal da placa motora possui numerosas vesículas si-nápticas contendo o neurotransmissor acetilcolina, o relaxamento musculartambém pode ocorrer pela degradação da acetilcolina pela enzima acetilcolines-terase, localizada na lâmina externa que reveste as fendas sinápticas, cessan-do o potencial de ação no neurônio na placa motora, permitindo o restabele-cimento do potencial de repouso, a menos que mais acetilcolina seja liberadado neurônio motor, dando início a novo potencial de ação.

Certas substâncias neurotóxicas, como alguns venenos de cobra, tambémse ligam a receptores de acetilcolina, impedindo todo o processo de contra-ção muscular. Como conseqüência, pode haver paralisia muscular e eventualmorte, como no caso de insuficiência respiratória.

Regeneração

O músculo estriado esquelético não possui capacidade mitótica, podendose regenerar a partir das células satélites. Sob algumas condições, as célulassatélites podem se fundir com células musculares preexistentes, aumentandoassim a massa muscular durante a hipertrofia do músculo esquelético.

Músculo Estriado Cardíaco

É encontrado somente no coração, constituindo o miocárdio, e na parededas veias pulmonares na junção destas com o coração. O músculo estriadocardíaco é constituído por células alongadas com estrias transversais, apre-sentando um ou dois núcleos grandes e ovais, localizados centralmente (Fig.9.1). As células cardíacas, também denominadas cardiomiócitos, são menoresquando comparadas com a célula muscular estriada esquelética.

As células cardíacas são envolvidas por uma delicada bainha de tecidoconjuntivo frouxo equivalente ao tecido conjuntivo do endomísio do múscu-lo estriado esquelético.

Ao microscópio de luz pode-se caracterizar o músculo cardíaco pela pre-sença de linhas transversais fortemente acidófilas, com distribuição irregular,denominadas discos intercalares (Fig. 9.1). Os discos intercalares represen-tam locais de união entre células cardíacas adjacentes, onde, nas porçõestransversais, se observam junções de adesão (zônula de adesão e desmosso-

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mos). As porções laterais das células cardíacas são ricas em junções de co-municação (do tipo gap, do inglês).

Célula Muscular Estriada Cardíaca

Como as estriações transversais observadas no citoplasma são idênticasàs do músculo esquelético, apresentando sarcômeros, o mecanismo de con-tração muscular ocorre virtualmente de maneira idêntica. Todavia, no múscu-lo cardíaco o sistema T e o retículo sarcoplasmático não apresentam a mesmaorganização estrutural como verificada no músculo esquelético. Na célula mus-cular cardíaca, os túbulos T são presentes ao nível da linha Z e associando-se apenas a uma expansão lateral do retículo sarcoplasmático, constituindo asdíades (Fig. 9.5).

A energia necessária para o desempenho das células cardíacas provém dosácidos graxos trazidos pelas lipoproteínas do sangue, que são armazenadossob a forma de triglicerídeos. Nas células cardíacas existe pequena quantidadede glicogênio, podendo ser encontrados também grânulos de lipofuscina.

As células cardíacas dos átrios são menores quando comparadas com asdos ventrículos e, principalmente no átrio direito, possuem grânulos que con-têm o peptídeo natriurético atrial, que atua nos rins aumentando a eliminaçãode sódio e água pela urina, fazendo baixar a pressão arterial.

Células Cardíacas Especializadas

O músculo cardíaco tem um sistema próprio de gerar estímulos, represen-tado por células musculares modificadas associadas a outras células muscu-lares. Estas células são importantes na geração e condução do estímulo car-díaco, de tal modo que as contrações dos átrios e ventrículos ocorrem em se-qüência, permitindo ao coração exercer com eficiência a função de bombeamen-to do sangue.

Algumas células cardíacas especializadas constituem o sistema de conduçãode impulsos no coração, organizando estruturas representadas pelo nó sinoatrial,o nó atrioventricular e o feixe atrioventricular ou feixe de His (Fig. 9.6). O nósinoatrial, localizado no átrio direito nas proximidades da veia cava, é formado poruma massa de células pequenas, fusiformes, ricas em sarcoplasma e pobres emmiofibrilas. O nó atrioventricular tem estrutura semelhante ao sinoatrial, mas assuas células apresentam prolongamentos que se anastomosam. O feixe atrioven-tricular é formado por células com um ou dois núcleos, citoplasma rico em glico-gênio e pobre em miofibrilas, localizadas preferencialmente na periferia da célula.Estas células são conhecidas como células de Purkinje (Fig. 9.6).

Regeneração

A célula muscular cardíaca ou cardiomiócito são consideradas células nafase terminal de diferenciação e incapazes de se regenerarem. Assim, após le-são, os fibroblastos do tecido conjuntivo invadem a região do coração lesa-da e formam um tecido conjuntivo fibroso para reparar a lesão.

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Fig. 9.6 — Sistema de condução do coração e estrutura histológica das células de Purkinje.

Aorta

Artéria pulmonar

Nó atrioventricular

Veias pulmonares

Feixe atrioventricular

Ramo esquerdo dofeixe atrioventricular

Plexo de Purkinje

Plexo de Purkinje

Ramo direito do feixeatrioventricular

Parede doátrio direito

Nó sinoatrial

Tecido adiposo Feixe atrioventricular

Célula de Purkinje

Miofibrilas

Células cardíacas

Veia cava superior

Veia cava inferior

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O coração é um órgão aeróbico, dependendo quase exclusivamente da oxi-dação de substratos para a geração de energia. Portanto, períodos prolonga-dos de isquemia podem causar danos ao tecido estriado cardíaco, levando àmorte celular.

Músculo Liso

O músculo do tipo liso está presente nas paredes de vísceras ocas (tratogastrointestinal, parte do aparelho reprodutor e sistema urinário), nas paredesde vasos sangüíneos, nas vias respiratórias ou formando pequenos feixes detecido muscular presentes na derme da pele.

As células musculares lisas são fusiformes, com núcleo único e central(Fig. 9.1). O seu tamanho pode variar de 0,2 a 6µm, podendo atingir 20µm, comona parede dos vasos, ou até 500µm na parede do útero gravídico.

O músculo liso é constituído por células que não apresentam estriaçõestransversais, apresentando citoplasma de aspecto homogêneo. As célulasmusculares lisas também não possuem sistema de túbulos T; porém, a mem-brana celular (o sarcolema) forma pequenas reentrâncias. Logo abaixo da mem-brana existem estruturas vesiculares, conhecidas como caveolas, que podemestar associadas a um esparso retículo sarcoplasmático e relacionadas com aliberação e o seqüestro de cálcio do citoplasma. As células musculares lisastambém apresentam numerosas junções comunicantes entre si.

No citoplasma das células musculares lisas há filamentos de actina emiosina, formando feixes que se dispõem em diversas direções, porém não coma mesma organização típica observada nos músculos estriados. Além dos fi-lamentos de actina e miosina, a célula muscular lisa apresenta desmina evimentina. Os filamentos citoplasmáticos se inserem em estruturas ricas emmaterial protéico — os corpos densos, que se encontram aderidos ao lado ci-toplasmático da membrana e no intercruzamento dos feixes intracitoplasmáti-cos. Os corpos densos contêm α-actinina, sendo análogo à linha Z do mús-culo estriado.

A célula muscular lisa, além da capacidade contrátil, também sintetizafibrilas colagenosas (colágeno tipo III), fibras elásticas e proteoglicanos, jus-tificando a presença de um retículo endoplasmático rugoso desenvolvido.

Contração na Célula Muscular Lisa

A contração da célula muscular lisa também ocorre pelo deslizamentodos seus miofilamentos que, como estão inseridos na membrana celular, di-minuem o tamanho da célula muscular e promovem a contração do músculocomo um todo. Neste processo, nota-se que o núcleo deforma-se passiva-mente (Fig. 9. 7).

Embora a regulação da contração do músculo liso seja semelhante ao queocorre nos músculos estriados, isto é, dependa de cálcio, o mecanismo de con-trole é diferente, pois os miofilamentos finos não possuem troponina.

A contração inicia-se com a liberação do cálcio das caveolas, que se ligaà calmodulina, alterando sua conformação estrutural. O complexo calmodulina-

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cálcio ativa a enzima miosina-quinase de cadeia leve, que fosforila uma dascadeias leves da miosina, permitindo o desdobramento da metade dameromiosina leve para formar a típica molécula de miosina com a forma de um“taco de golfe”. A fosforilação da cadeia leve expõe o sítio ativo da miosina,permitindo a interação entre a actina e o fragmento S

1 da miosina. Como re-

sultado, ocorre contração da célula muscular lisa.A diminuição do nível de cálcio citoplasmático resulta na dissociação do

complexo calmodulina-cálcio, causando inativação da miosina-quinase de ca-deia leve, e subseqüente relaxamento da célula muscular lisa.

Regeneração

O músculo liso conserva sua capacidade mitótica para formar novas célu-las. A capacidade mitótica é evidente no útero grávido, quando a paredeuterínica se torna mais espessa, tanto por hipertrofia das células individual-mente quanto por hiperplasia derivada de mitoses.

As células musculares lisas podem se originar através de mitose de célu-las preexistentes. Na parede de vasos sangüíneos, as células musculares lisastambém podem se regenerar por mitose ou diferenciação de pericitos, que sãocélulas indiferenciadas que acompanham alguns vasos sangüíneos, capazesde dar origem a novas células musculares.

Fig. 9.7 — Representação esquemática da célula muscular lisa relaxada e contraída.

Célula muscularcontraída

Núcleo

Célula muscularrelaxada

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