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100 anos de Gonzagão Recife | Dezembro de 2011 Cidade de Exu relembra seu filho ilustre Página 03 Feira de Caruaru inspirou um dos grandes sucessos Página 05 Religiosidade sertaneja marca obra do rei do baião Página 06 Sanfona de oito baixos continua sendo base do forró Página 07 NESTA EDIÇÃO Foto: Divulgação

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100 anosde Gonzagão

Recife | Dezembro de 2011

Cidade de Exu relembraseu filho ilustrePágina 03

Feira de Caruaru inspirou um dos grandes sucessosPágina 05

Religiosidade sertanejamarca obra do rei do baiãoPágina 06

Sanfona de oito baixos continua sendo base do forróPágina 07

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2 | Recife, dezembro de 2011 O BERRO

E X P E D I E N T E

O BERRO é uma publicação da Disciplina Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da

Universidade Católica de Pernambuco.

Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PE 50.050-900CNPJ 10.847.721/0001-95 Fone: (081) 2119.4000

Fax: 81 2119.4222 | site: www.unicap.br/oberro

Coordenador do Curso de JornalismoAlexandre Figueirôa

Professor OrientadorMarcelo Abreu

SubeditorMilton Couto

RepórteresAlexandre AmorimAlexandre CunhaAndré AmorimAndré LuframaiaBeatriz BragaCamila LindosoEliane CarneiroGabriela ArantesGabrielle BuarqueMariana LemosMilton CoutoNilton César

RevisãoFernando Castim

DiagramaçãoFlávio Santos

Impressão FASA

A sanfona dos oito baixos, o cha-peú de couro, o sorrizo largo, o frasea-do perfeito nas letras que incorporam o linguajar do homem sertanejo. O cantor pernambucano Luiz Gonzaga, durante quase meio século, ajudou a criar e amplificar a imagem do nor-destino. E virou sinônimo de forró, o gênero musical que ajudou a tornar famoso em todo o Brasil. De quebra, assumiu um papel fundamental na música popular brasileira. Para lem-brar o seu centenário de nascimento, esta edição de O Berro é dedicada ao rei do baião.

Com suas músicas e composições, Gonzaga representa a cultura popu-lar nordestina no que ela tem de mais expressivo: a luta contra os elemen-tos da natureza, a camaradagem entre amigos, a singeleza das festas juninas, o gosto pela diversão, a opção pela alegria diante das dificuldades e, tam-bém, é necessário dizer, uma dose de machismo. Gonzaga tinha tudo para se tornar uma figura simbólica: talen-to musical e carisma. Era diferente de todos os outros. Alcançou o sucesso justamente numa época em que, com a proliferação dos meios de comunica-ção, o Brasil descobria a riqueza cultu-ral de suas regiões.

Gonzaga é também um exem-plo eloquente de como as origens modestas de um artista podem gerar um grande fenômeno de massa com qualidade. E que sucesso popular não tem de ser necessáriamente confudido com a mediocridade e a banalização, tão comuns neste início de século 21.

Hoje, assim como é impossível falar do sul dos Estados Unidos sem pensar em músicos como o blueseiro Robert Johnson e o jazzista Louis Ar-mstrong, assim como Cartola e Pixin-guinha são inseparáveis dos subúrbios cariocas, não é possível pensar o Nor-deste brasileiro sem lembrar a figura de Luiz Gonzaga.

Nas próximas páginas, encontram-se reportagens variadas que tentam

explorar a atualidade do legado deixa-do pelo cantor, sua importância e suas contradições.

Na cidade de Exu, o Parque Asa Branca preserva a casa do cantor e muitos dos objetos que fizeram parte de sua vida. Os moradores da cidade usam, orgulhosos, motivos da sua obra nos nomes no comércio e preservam a memória do filho mais ilustre. No Recife, um circuito cultural e de expo-sições relembra a figura de Gonzagão, com uma programação que vai crescer neste ano de 2012, por causa das co-memorações do centenário.

A feira de Caruaru, imortalizada na letra de Onildo Almeida e cantada por Gonzaga, é tema de outra repor-tagem. O jornal traz também duas ma-térias que tratam da relação do com-positor com o catolicismo, expressa no disco “O sanfoneiro do povo de Deus?”, e de sua adesão à Maçonaria.

O Berro mostra também a tradi-ção da sanfona dos oito baixos, manti-da pelo músico Arlindo, antigo amigo e parceiro de Gonzaga. O mercado de discos de vinil e cds que ajudam a per-petuar a obra do forrozeiro também foi abordado.

Entrevistamos também Toinho do Baião, colaborador de Gonzaga, e que ainda divulga o trabalho dele, e João Silva, que teve a proeza de ter sido seu parceiro em nada menos do que 130 músicas.

Hoje já existem grupos interessa-dos por forró nos Estados Unidos e até no Japão. “Asa Branca”, por exem-plo, tem versões cantadas em várias línguas. Só isso já garantiria o nome do compositor pernambucano na his-tória da música.

Extremamente popular no seu tempo, ainda hoje conhecido por to-dos, Luiz Gonzaga sobrevive ao tem-po e já é sério candidado, com o pas-sar dos anos, a se tornar um clássico definitivo da música brasileira.

Marcelo Abreu

De popular a clássicoCarta ao leitor

JOVEM Gonzaga numa foto promocional tirada nos anos 30

CATÓLICO Capa de disco lançado em homenagem a dois papas

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Recife, dezembro de 2011 | 3O BERRO

Gonzaga ainda hoje movimenta ExuELIANE CARNEIRO

Exu, como muitas cidades do interior, ainda mantém tra-dições e hábitos de uma vida pacata. É comum as pesso-as deixarem o carro e a casa abertos, colocarem as cadeiras na calçada para conversar du-rante a noite, e a maior parte do comércio não funciona de-pois das cinco da tarde. O que difere Exu do resto do sertão é a constante presença de Luiz Gonzaga. Há, por toda a parte, a imagem, o nome ou as canções dele. Seja no pos-to de gasolina, no restaurante, na pousada, na praça ou, até mesmo, na “lan house” – que avisa que Gonzaga agora é virtual – a cidade é toda in-fluenciada pela obra que ele deixou.

No entanto, não é um le-gado somente artístico. Duas gerações de exuenses – os contemporâneos do sanfonei-

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o PRESENÇA A lembrança está por toda a cidade

ro e os que não o conheceram – têm uma visão diferente sobre o Rei do Baião. Para os mais velhos, que viram uma cidade violenta, marcada por brigas entre famílias rivais (Alencar, Peixoto, Sampaio e Saraiva), Luiz Gonzaga foi um apaziguador. Utilizando-se do prestígio que tinha, conseguiu junto ao presidente em exercício Aureliano Cha-ves – vice-presidente de João Baptista Figueiredo – que um interventor fosse nomeado, em 1981, para acabar com os conflitos em Exu.

Segundo Zilclécio Saraiva, atual secretário de Adminis-tração e três vezes prefeito da cidade, a atuação do artista foi determinante para a pacifica-ção, sendo reconhecido por isso. “Ele sonhou isso e ide-alizou, trouxe a intervenção para que nós pensássemos melhor. É a nossa expressão maior. Um nome realmente

forte, uma celebridade, nós sabemos disso. Cultuamos Luiz Gonzaga como nosso filho maior”, declarou. Maria Aparecida de Sá, comercian-te há 20 anos, observa que o trabalho do cantor não se restringia apenas à música e sua influência na cidade per-manece. “Fez muito pela paz de Exu. Lutou, foi lá fora e buscou recursos. Hoje, gra-ças a ele, tem turismo, tem a festa, que traz recurso para a cidade.”

A assistente social Tâma-ra Moreira é coordenadora de um grupo que resgata a cul-tura do sertão por meio de danças típicas da região, como o baião, o xote e o xaxado. Tâ-mara diz que a finalidade do projeto voltado às crianças é “elevar ao máximo” o nome de Luiz Gonzaga. “Ele é re-ferência não só na região, mas no país. A gente quer que nunca se esqueçam dele.” Ma-

ria Helenilda dos Santos, pro-fessora e coordenadora de um centro de artesanato, defende a imagem que os exuenses têm de Luiz Gonzaga. “Ele é um motivo de inspiração, por-que passou por todo o tipo de preconceito: pobre, preto, do sertão, do nordeste e conse-guiu vencer. É uma referência de lutar pelo seu ideal, mesmo com muitas portas batendo em sua cara, ele não desistiu.”

Gonzaga é reconhecido por ter cantado as coisas do sertão, ter uma visão huma-nista e voltada à natureza. Esse olhar diferenciado con-quista seguidores como o professor de sanfona Cosmo Damião, de 20 anos. “Eu te-nho que seguir essa cultura, sinto como obrigação. É uma influência muito forte, espe-cialmente, entre os sanfonei-ros de Exu.”

Parque Aza Branca preserva objetos pessoaisELIANE CARNEIRO

Com vista para a cidade de Exu, o primeiro andar da casa em que Luiz Gonzaga morou, os últimos anos de vida, é o ponto alto da visita ao parque Aza Branca, no sertão do Ara-ripe, a 607 km do Recife. A in-timidade do Rei do Baião é des-vendada em cada canto, desde a fé, no terço pendurado no espelho da cama, passando pela coleção de gibões e chapéus de couro, até no banheiro, onde ele desfrutava de uma grande banheira feita de alvenaria.

Todos os objetos, espalhados pelas paredes e cômodos, reme-tem a alguma faceta de Gonzaga. A mesa, com dois grandes ban-cos, no estilo refeitório, acomoda até 15 pessoas. Percebe-se, nesse detalhe, o apreço dele por lugares com muita gente. E, para hospe-dar todos, ele ergueu outra casa, ao lado da dele, que mais tarde serviria de pousada. Em frente, há um palco, no formato de fer-radura, onde o cantor entretinha os convidados.

Ainda no refúgio do Rei do Baião, outra marca sempre

presente pelos aposentos é a re-ligiosidade. Na sala que conduz às escadas, para o primeiro piso, há um altar, onde as imagens do padre Cícero e do frei Damião se destacam. Em outro altar, dentro do quarto de Gonzaga, chamam atenção os crucifixos e um retrato, na parede, do papa João Paulo II.

A presença dos objetos pes-soais dá a impressão de que, por

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INTIMIDADE O quarto preserva os objetos pessoais do artista

um instante, ele ausentou-se, mas em breve retornará. Entrar lá é sentir que a história dele permanece viva, como o casal de asa branca mantido em um viveiro, na frente do terraço.

Após conhecer esse recanto, outro ponto central da visita ao parque Aza Branca é o mausoléu. Nesse local, com portas envidra-çadas e paredes adornadas com algumas fotos de Gonzaga, estão

além dos restos mortais dele, os da mulher (Helena), os dos pais (Januário e Santana) e os do ir-mão Severino dos Santos.

Ao lado do mausoléu, está o museu do Gonzagão. que guarda todo o acervo do artísta. Entre os objetos, estão a primeira sanfona de oito baixos, presente do pai, a utilizada na homenagem, em 1980, no Ceará, para o papa João Paulo II, e a última, de 120 bai-

xos, usada num show no Recife. As paredes repletas de recortes de jornais e fotografias de pa-rentes, artistas e amigos ajudam a contar a trajetória desse sertanejo pobre que conquistou o Brasil e chegou a se apresentar na França.

O museu, além de ter todos os prêmios e títulos, guarda ob-jetos pessoais, inclusive a cadeira de rodas usada quando o cantor ficou doente. Cícera Maria dos Santos, guia do parque, afirma que o espaço foi idealizado pelo próprio Gonzaga. “Ele vivia fa-lando em fazer esse museu. Viu o projeto, já (diagnosticado) com o câncer de próstata, mas morreu (em 1989) antes da inauguração. O filho dele (Gonzaguinha) tam-bém tinha planos para o local, no entanto, pouco tempo depois do pai, morreu (em 1991) em um acidente de carro”.

Aberto diariamente das 8h às 12h e das 13h às 17h, o Aza Branca (asa grafada com z, por-que houve um erro na hora do registro, que mais tarde não foi corrigido, pois agradou ao can-tor) tem outros espaços para a vi-sitação, como a Casa de Januário – onde viveu o pai de Gonzaga.

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4 | Recife, dezembro de 2011 O BERRO

Forró agita mercados do Recife

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ALEXANDRE CUNHA

A vida e a obra de Luiz Gonzaga sobrevivem ao tem-po. Seja como tema de filme, bloco carnavalesco ou escola de samba, a herança cultu-ral deixada pelo compositor mantém-se presente. Porém, um sentimento de nostalgia, “tempo bom que já não vol-ta”, é comumente compar-tilhado entre defensores do forró de raiz, inquietos com o desenvolvimento sem freio das bandas “estilizadas”.

No intuito de preservar e perpetuar o ritmo consagrado por Gonzagão, sob a musica-lidade tradicional da sanfona, triângulo e zabumba, o Me-morial Luiz Gonzaga reali-za, mensalmente, o “Sábado Danado de Bom”. Iniciado

no período junino de 2009, o projeto consiste na reunião de forrozeiros e amantes do pé de serra nos principais mercados públicos da cidade. As primeiras apresentações aconteceram no Pátio de São Pedro, onde está localizado o memorial, como forma de atrair as pessoas a conhece-rem o acervo e as atividades do lugar.

Em 2011, o evento ga-nhou caráter itinerante, ex-pandindo os shows, gratuitos, aos mercados da Madalena, Encruzilhada e Boa Vista. De acordo com José Mauro de Alencar, gerente do me-morial, o Sábado Danado de Bom (nome inspirado na fa-mosa música de Gonzagão) tem tido grande sucesso, e um dos progressos nos encon-

1. PEÇAS que pertenceram a Luiz Gonzaga

2. VINIS fazem parte do acervo do Memorial

tros foi a criação da Meda-lha Memorial Luiz Gonzaga. “É uma homenagem àqueles com notórios serviços presta-dos à arte pernambucana. Es-

critores, sanfoneiros, ou seja, baluartes da cultura que con-tribuem, nos dias atuais, para a manutenção da tradição”, conta Alencar.

Um dos primeiros home-nageados com a simbólica medalha foi o cantor e radia-lista Ivan Ferraz. Conhecido

como o “embaixador do for-ró”, o apresentador do pro-grama “Forró, Verso e Vio-la”, da Rádio Universitária FM, tem um histórico com o rei do baião. “Tive o pri-vilégio de ser amigo de Luiz Gonzaga. Uma das grandes alegrias da minha vida foi di-vidir o palco com ele no mu-nicípio de Serra Talhada, em confraternização ao poeta Zé Marcolino, no final da década de 80. Juntos, cantamos ‘Asa Branca’”.

Segundo Ferraz, os com-positores atuais devem-se es-pelhar no olhar crítico que o “velho Lua” tinha com as coi-sas cotidianas da vida. “Gon-zaga cantava sobre a seca, os vaqueiros, os carros de boi. Registrava, nas músicas, os costumes e tradições da sua

Todo último sábado do mês, o público pode dançar ao som das músicas de Gonzaga

gente. Característica que hoje sinto falta no nosso forró”, afirma. Na sua opinião, Gon-zaga ajudou a despertar uma sensabilidade nas outras regi-ões, sobre a realidade do povo nordestino, por meio do ape-lo contestador de algumas de suas letras.

Zelito Nunes, poeta, pes-quisador da cultura regional do estado e também conde-corado com a Medalha Me-morial Luiz Gonzaga, diz que a batalha entre os “artis-tas da raiz” e bandas de forró estilizado, contratadas por grandes gravadoras, é absolu-tamente desleal. “A iniciativa do Sábado Danado de Bom é corajosa, pois é um trabalho quase suicida. O forró pre-cisa de pontos de resistência como este.”

Exposições perpetuam a trajetória do reiGABRIELA ARANTES

Simplicidade e ousadia marcaram os passos de um homem que cantou como nin-guém os problemas do Sertão. Com uma voz diferenciada, o sanfoneiro revelou ao mundo a riqueza de estilos musicais como o xote e o baião.

Mais de duas décadas após sua morte, ele ainda é visto como um ícone da cultura nor-destina. Seu legado está presen-te em diversos cantos do país. Um exemplo disso é o Memo-rial Luiz Gonzaga, localizado no Pátio de São Pedro, no cen-tro do Recife e criado em 2 de agosto de 2008 (a inauguração ocorreu nesse dia porque o Rei do Baião morreu em 2 de agosto de 1989). A iniciativa de construí-lo partiu da Secreta-ria de Cultura da Prefeitura do Recife, com o objetivo de man-ter e divulgar a obra do artista. “Como ele deixou uma riqueza cultural muito grande, o espaço tem por obrigação tornar pú-blico tudo que é relacionado a ele,” afirma Pedro Américo, pesquisador do Memorial.

O lugar atrai a atenção por apresentar um cenário interio-rano (parede de taipa, cordéis, santos como São João Menino e

Frei Damião e candeeiros) justa-mente para mostrar ao público a realidade do ambiente serta-nejo. Associado à arquitetura, encontra-se um vasto acervo distribuído entre livros, discos, documentários, fotos, depoi-mentos e DVDs. Diariamente, grupos de escola e turistas vão à galeria conferir o setor educati-vo, de pesquisa e de música. “As pessoas que vêm aqui se interes-sam muito em pesquisá-lo, ler os livros, assistir aos documen-tários e escutar suas músicas”, diz Marcos Leite, estudante de Ciências Sociais e estagiário do memorial. “Ouvi falar daqui. Gosto demais desse compositor e esse local preserva a memória dele e invoca minha curiosida-de”, conta o músico mineiro Raphael Funchal, de 23 anos.

Assim como o Memorial, o Museu do Forró Luiz Gonza-ga, em Caruaru, é outro ponto de destaque na preservação da biografia do cantor. Idealizado pelo Governo do Estado de Pernambuco em 29 de maio de 1999, o espaço recebe ,em mé-dia, de 1000 a 1200 visitas por mês. “Funcionamos de terça a domingo. Temos vinis, sanfonas, partituras e vários objetos pesso-ais dele. Quando chegam os vi-sitantes, rapidamente eles se inte-

ressam em ver esses objetos”, diz Samuel Musselman, turismólogo e assessor do museu.

A popularidade do forrozei-ro também alcançou a internet. O pesquisador Paulo Vanderley, 31 anos, criou o site Luiz Lua Gonzaga em 28 de setembro de 2005. A admiração pelo pernam-bucano é antiga. “Eu o ouço des-de criança. Meu pai colocava as músicas dele no carro e na vitrola em casa”, afirma Vanderley.

Essa afinidade o instigou a montar o guia virtual, que é composto de vídeos, histórias e discografias. “Escolhi a internet porque é o meio mais democrá-tico de acesso. O site é para fazer justiça à memória dele”.

O escritor e jornalista Rena-to Phaelante conheceu Gon-zaga em 1960, época em que atuava como locutor na Rádio Clube. Graças a tal contato, lan-çou o livro “Luiz Gonzaga e o Cantar Nordestino” e reconhe-ce a importância de relembrá-lo. “Foi o Pelé da música popu-lar brasileira, o maior cantador que o povo já viu”.

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Recife, dezembro de 2011 | 5O BERRO

Feira de Caruaru rendeu disco de ouro

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NILTON CÉSAR

O mercado popular da “capital do agreste” nunca mais seria o mesmo após o grande sucesso da música “A feira de Caruaru”, composta por Onildo Almeida e eterni-zada na voz de Luiz Gonzaga.

Na descrição contida na letra da música, o mercado parece guardar um mundo em suas barracas. Parte da letra, Onildo atribui à sua criativi-dade, que, para ele, não se ex-plica, acontece.

Para Emanuel Leite, mem-bro da Academia Caruaruen-se de Cultura, Ciências e Le-tras, a música é a propaganda da feira e é graças a ela que, em 2006, o mercado ganhou o título de Patrimônio Cultu-ral Imaterial Brasileiro, conce-dido pelo Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Desde pequeno, Onildo costumava andar pela feira e observou que aquele não era um mercado comum. Na Feira de Caruaru dos anos de 1940, o comércio de rua vendia artigos de luxo, mó-veis coloniais, artesanato do

mestre Vitalino, que Onildo costumava comprar.

Hoje, a arte popular con-tinua presente. Dos bonecos de barro, que são famosos em todo o país, como diz a melo-dia, a instrumentos musicais, caldo de cana e eletrodomésti-cos, tudo isso continua presen-te. Mas hoje há uma invasão de produtos vindos do Paraguai, da China e de outros lugares.

A variedade parece não ter fim. Para Onildo, essa diversidade não impede que a cultura local permaneça. Como na música escrita há quase 60 anos, a tra-dição da feira é vender tudo o que se possa imaginar, afinal, como diz a letra, “de tudo que há no mundo, tem na feira de Caruaru”.

A música, inicialmente, se-ria gravada pelo cantor parai-

bano Jackson do Pandeiro, o que por ironia do destino, não aconteceu.

Certo dia, uma gravação de “A Feira de Caruaru”, gravada pelo próprio Onildo, estava tocando nos estúdios da Rá-dio Jornal, em Caruaru, onde o compositor trabalhava como técnico do programa “Expres-so da Alegria”. Gonzaga, que estava lá como convidado do

programa,ouviu por acaso a gravação e decidiu que aquele seria seu próximo sucesso.

Onildo Almeida e Gonzaga ficaram amigos e o compositor chegou a produzir um show do Rei do Baião, que reuniu 30 mil pessoas em Caruaru.

A parceria seria abalada quando, em uma viagem de Gonzaga à capital do forró, Onildo entregou-lhe uma fita com seis gravações.

O tempo passou e quando se encontraram novamente, o compositor perguntou-lhe se tinha gostado das músi-cas e Gonzaga nem sabia do que Onildo falava. O poeta jurou que o safoneiro nunca mais gravaria uma canção sua. Anos mais tarde, a desavença seria desfeita quando ambos descobriram que um produ-tor perdera a fita e sucessos como “Marinheiro, marinhei-ro” acabaram sendo explora-dos por outros artistas.

Para Zélia Santos, co-merciante da feira, a música sempre será atual, pois a cada verso, a letra se renova como a feira da realidade, que inova sem deixar de lado o espírito nordestino.

HOMENAGEM Estátua do compositor na entrada da feira

Música na sala de aula, sim sinhô!ALEXANDRE AMORIM

Com uma bagagem de possibilidades interpretati-vas, as músicas cantadas por Luiz Gonzaga, podem ser recursos para desenvolver atividades pedagógicas na es-cola. A ideia de alguns pro-fessores é fazer com que os alunos tenham acesso a um cardápio cultural diversifica-do, possibilitanto, assim, o ensino através da troca de identidades culturais.

Segundo Lylian Cabral, mestranda em literatura pela Universidade Federal de Per-nambuco (UFPE), um dos pontos importantes ao tra-balhar na escola o universo cantado por Gonzaga está na desmistificação do engessa-mento de uma língua e de sua fala. “Através dessas músicas, os alunos compreendem que

o falar do sertanejo é possível de ser entendido. Eles perce-bem como a língua pode ser discriminada por se distan-ciar das normas gramaticais, mas que nas músicas os erros da fala servem para aproxi-mar o ouvinte do povo do Sertão”, disse.

Já para o professor de português Diogo Mendon-ça, que ensina no Colégio Dom, a obra musical de Luíz Gonzaga serve de apoio, por exemplo, para explicar as figuras de linguagem. Na canção “Asa Branca”, escrita em parceria com Humberto Teixeira, os alunos podem ver o uso das metáforas. “No trecho: ‘quando o verde dos teus óio se espaiá na pranta-ção...’, o autor cria uma com-paração entre a cor dos olhos da mulher amada e o sonho de ver a terra rica de culti-

vos”, contou Diogo.O uso dessas figuras po-

dem aguçar a interpretação dos estudantes e fazê-los compreender o assunto atra-vés da contextualização da teoria com a prática. Outra

figura bastante presente nas letras de Gonzagão é a hi-pérbole, função que atribui o exagero de algumas ações para chamar atenção dos ou-vintes. “Na música ‘A vida do viajante’, no trecho: ‘mi-nha vida é andar por esse

país...’, o autor intensificou uma ação para atribuir mo-vimento à música”, afirmou Mendonça.

Temas como a religiosi-dade e o sofrimento, assun-tos abordados por autores consagrados da literatura, como Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto, também são encontrados na obra do rei do baião. “É preciso aproximar Gonza-ga da cultura letrada. Assim como esses escritores, ele transformou em poético as infelicidades da vida cotidia-na e cantou e contou para o Brasil um Pernambuco que ele queria ver mudado”, afir-mou Lylian.

NA FACULDADEPara a professora de his-

tória Luciana Cavalcanti, da Faculdade Escritor Osman

da Costa Lins (Facol), as mú-sicas de Gonzaga são aulas sobre o Brasil. Nelas se ob-serva o cenário de relações políticas, marcado pela desi-gualdade social, mostrando um Luiz Gonzaga consciente de que era porta voz das de-mandas do Nordeste.

“Em uma apresentação, ainda na década de 50, ao can-tar ‘Vozes da Seca’, Gonzaga discursou no meio da canção e agradeceu ao homem que criou a Sudene, lançando um — obrigado, Juscelino —, então presidente Kubitschek. Esse caso em especial já me rendeu excelentes aulas de história”, disse Luciana.

Ainda segundo Luciana Cavalcanti, quando o profes-sor utiliza a produção cultural na sala de aula, ele faz com que o aluno observe como a arte se relaciona com a realidade.

“É preciso aproximar Gonzaga da cultura letrada”, afirma a mestranda Lylian Cabral

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6 | Recife, dezembro de 2011 O BERRO

Obra é marcada pela religiosidadeMARIANA LEMOS

Mesmo vivendo em meio a inúmeros sofrimentos e tragédias, o sertanejo man-tém sua fé inabalável. O rei do baião, Luiz Gonzaga, can-tou como poucos a identida-de nordestina e o chamado “catolicismo popular”, um dos temas mais recorrentes e marcantes em suas com-posições.

Missas, romarias e os mais variados rituais católi-cos são o pano de fundo do disco “O Sanfoneiro do Povo de Deus”, o de maior conte-údo religioso de sua carreira, que foi lançado por Gonzaga no ano de 1968. Nesse dis-co, o Gonzaga canta desde “Beata Mocinha”, passando por uma louvação ao Papa João XXIII, até chegar à es-pirituosa faixa “O jumento é nosso irmão”. Ele trata da te-mática religiosa com bastante leveza. “A maneira como ele canta não é nem um pouco

piegas, mas sim incrivelmen-te autêntica, a cara do povo do sertão”, disse por e-mail o poeta cearense Arievaldo Nunes. “O disco foi lança-

do logo após um período de crise financeira e de escassez de shows, o que o fez atuar como músico de estúdio e até fazer campanha política, nos

anos de 1964 a 1966”, com-plementa.

O ritmo dançante do tra-dicional forró “pé-de-serra”, com seus arranjos de sanfo-na, zabumba e triângulo, cede lugar a um canto triste e me-lancólico, quando Gonzaga homenageia um primo, o va-queiro Raimundo Jacó, assas-sinado na cidade de Serrita, no interior pernambucano. A primeira Missa do Vaqueiro foi realizada como forma de protesto e reuniu centenas de sertanejos de todas as partes do Nordeste.

A canção “A morte do va-queiro”, composta por Gon-zaga e Nelson Barbalho virou uma espécie de hino para os sertanejos. “A música foi fei-ta para Raimundo Jacó, mas representa todos os homens do sertão que desafiam a seca e os perigos da caatinga, e, apesar de todo o sofrimen-to, ainda mantém viva a sua crença em Deus e em dias melhores”, conta Nunes. Até

hoje, a missa acontece anual-mente em Serrita, conhecida como a capital do vaqueiro, e é considerada uma das maio-res manifestações culturais de todo o Sertão.

O frei Alberto Bezerra, da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, interior de Sergi-pe, afirma que é emocionante presenciar a fé dos fiéis que chegam para a missa. “Eles vêm das mais distantes cida-des, algumas que eu nunca nem tinha ouvido falar, mas todos chegam vestidos com aquela indumentária pesada de couro e trazendo suas mu-lheres e filhos para a celebra-ção, assim como aconteceu na primeira missa com Gonzaga em 1971”, afirma. Durante a celebração a céu aberto, cer-ca de mil vaqueiros desfilam em procissão, levando alguns de seus pertences como for-ma de oferenda, antes de se dispersarem para o trabalho pesado nas fazendas do alto sertão do Araripe.

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Maçonaria foi homenageada com baiãoMILTON COUTO

“Ela é tão linda é tão bela/ Aquela acácia amarela/ Que a minha casa tem/ Aquela casa di-reita/ Que é tão justa e perfeita/ Onde eu me sinto tão bem.” É com esse refrão da canção “Acá-cia Amarela”, que o cantor Luiz Gonzaga e o músico Orlando Silveira homenagearam a ma-çonaria, no disco “Eterno Can-tador”, lançado em 1981. Para a sociedade secreta, a acácia é a planta que simboliza pureza e se-gurança. Foi no ano de 1961 que Gonzaga ingressou na maçona-ria. Hoje, a loja maçônica de Exu, terra natal do cantor, leva o nome do ilustre membro.

Hoje, alguns amigos relem-bram a participação do cantor na sociedade secreta. É o caso do gerente de banco Paulo Marconi Silva, que conheceu Gonzaga em 1988, quando o banco em que trabalhava resolveu transferi-lo de Canapi, no sertão de Alagoas, para Exu, sertão de Pernambuco. Silva, que hoje mora em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul,

disse por telefone que sempre tinha lugar marcado para se en-contrar com Gonzaga, quase to-dos os dias. “Quando dava umas sete horas da noite, ia para o Par-que Asa Branca ouvir os ensina-mentos dele. O que mais aprendi

com o mestre foram duas coisas: simplicidade e humildade. Ele tratava as pessoas de igual para igual., mesmo sabendo do peso do seu nome para a cultura bra-sileira. De vez em quando, bate um saudade de sentar e conver-sar com ele”, afirmou.

Liberdade, igualdade de di-reitos e obrigações sem diferença são os três principais preceitos da maçonaria. A sociedade possui

cerca de dez milhões de seguido-res no mundo, segundo a Confe-deração da Maçonaria Simbólica do Brasil. O catolicismo se opõe, abertamente, à sociedade secreta. Segundo o catolicismo, os fiéis que são maçons cometem peca-do e estão proibidos de comun-gar. Mas isso não parecia inco-modar o católico Luiz Gonzaga.

O contador e maçom José Mamoré, hoje morador de Be-lém, no Pará, entusiasma-se ao contar a história dos minutos que passou ao lado do Rei do Baião. Em 1977, Mamoré, vol-tando de avião do Acre, num voo que fez escala em Manaus. conheceu o cantor no aeroporto num encontro totalmente ines-perado. “Me dispersei dos ami-gos e dei de cara com meu ídolo em carne e osso, no aeroporto de Manaus. Cheguei perto dele e falei uma frase maçônica. Ele me respondeu: ‘Tão novinho e já é um irmão’.”

Coincidentemente, o voo de Mamoré era o mesmo de Gon-zaga. Sabendo da presença do fã no avião, o músico pediu que

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PROSA Quase todas as tardes, Marconi encontrava o ídolo

CASA DO REI Em Exu, objetos de Gonzaga mostram sua fé católica

ele fosse para onde estava, na primeira classe. “Mestre Lua me disse que estaria em Belém no mês seguinte e que queria jantar comigo no hotel.” Trinta dias se passaram e, no dia da apresenta-ção na capital paraense, Mamoré não conseguiu sequer dormir di-reito. No quarto, Gonzaga inter-pretou algumas músicas, entre elas “Acácia Amarela”, apesar de a canção ainda não ter sido gravada na época. “Ele disse que era um presente para mim, em primeira mão”, falou.

O Rei do Baião passou pelo posto de aprendiz, companhei-

ro e, perto de morrer, chegou a ser mestre maçom, cujo dever é entusiasmar os outros seguidores a seguirem acreditando na socie-dade. Apesar de chegar a esse posto, ele não era assíduo. “Não tinha muito tempo para se dedi-car, sempre estava viajando. Mas era fervoroso”, afirmou Paulo Marconi Silva. Doente, já de ca-deira de rodas, o Rei do Baião se apresentou na loja de Exu e can-tou “Acácia Amarela” para uma plateia de amigos maçons, inclu-sive Paulo Silva. “Todos ficaram emocionados. Inclusive ele, que chorou”, relembra Silva.

Gonzaga chegou ao posto de mestre na sociedade. Hoje, a loja maçônica de Exu leva o nome dele

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Recife, dezembro de 2011 | 7O BERRO

A tradição dos oito baixosCAMILA LINDOSO

Uma tradição passada de pai para fi-lho. Foi ainda quando criança que Luiz Gonzaga aprendeu a tocar a sanfona de oito baixos do pai Januário. Conhecida no Nordeste como fole de oito baixos, concertina ou pé-de-bode, o instrumen-to é considerado um símbolo da músi-ca nordestina. Hoje, há incentivos para manter viva a sanfona que foi essencial tanto para Gonzagão quanto para a tra-jetória de outros sanfoneiros.

Arlindo dos Oitos Baixos, morador do bairro de Dois Unidos, no Recife, é um dos músicos que consagraram a carreira junto ao instrumento. “A mais moderna, como a de 80 e 120 baixos, tem uma nota só abrindo e fechando. Mas a de oito baixos não. Quando aper-ta um dos botões sai uma nota quando fecha e outra quando abre a sanfona”, explica Arlindo. Segundo o músico, o instrumento, além de ser mais difícil de tocar, ainda possui uma afinação dife-renciada dos demais.

Arlindo nasceu na cidade de Siri-nhaém, Zona da Mata Sul de Pernam-buco, em 1942, e aprendeu a tocar com o pai ainda criança. Mas foi em um show na exposição de animais do Recife que conheceu o Rei do Baião.

“Com o tempo ele me convidou para alguns eventos em São Paulo e no Rio de Janeiro e, depois disso, toquei junto com ele cerca de 20 anos”, conta o mú-sico, que, ainda nesse tempo, começou a fazer carreira solo com o fole de oito baixos por influência de Gonzaga. De-vido à diabetes, Arlindo perdeu com-pletamente a visão, mas, segundo ele, isso não o impediu de realizar shows e repassar os ensinamentos musicais.

De acordo com a historiadora Lêda

Dias, que pesquisa por conta própria a história do acordeom, desde 2007 está havendo a crescente procura pelo fole de oito baixos, tanto no Nordeste quanto no Sul e Sudeste. “Acabou essa história de que esse tipo de arcodeom está desvalorizado”, diz a historiadora. Segundo ela, existem incentivos públi-cos e privados, como escolas e cursos, voltados para o instrumento, além de instituições que investem nos alunos in-teressados. “Em Caruaru, existe a Esco-la de Sanfona de Oito Baixos. Em Santa Cruz do Capibaribe tem a Orquestra Sanfônica de Oito Baixos e em Salguei-ro já aconteceu o primeiro Encontro de Sanfoneiros”, conta Dias.

Questionada sobre a transmissão dos ensinamentos da sanfona, a histo-riadora diz que hoje a tradição continua sendo oral. “Ainda não existe um méto-do estabelecido para ensinar oito baixos. Tudo é através da prática”, conta ela.

De acordo o músico e compositor pernambucano Herbert Lucena, cria-dor do selo Coreto Records, que já gra-vou CDs de diversos artistas regionais, o fole de oito baixos foi e continua sendo a base das músicas juninas: “Ouço mui-tos discos antigos do gênero e noto que na maioria deles a sanfona de oito bai-xos está sempre presente”.

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ACORDEOM Em casa, Arlindo mantém um espaço para os instrumentos

Discos preservam clássicos do forróGABRIELLE BUARQUE

Muitos foram os discos grava-dos por Luiz Gonzaga, ao longo de sua carreira. Hoje, com a venda de produtos piratas e a força dos downloads, ter a coleção completa de LPs e CDs do compositor per-nambucano é privilégio de cole-cionadores. A maioria das lojas da Região Metropolitana do Recife dispõe de CDs de Gonzaga, com preços que variam entre R$ 9,90 a R$ 30,00. Por este último preço também podem ser adquiridos ou-tros formatos, como o DVD “Da-nado de bom”.

Apesar de todos os recursos que vêm sendo usados, as pessoas continuam comprando CDs. Um recurso utilizado por algumas lojas é a encomenda do disco, se ainda tiver no fornecedor. Segundo Fá-bio de Melo, dono da loja Passa-disco, não existe dificuldade em vender os CDs do cantor. “Luiz Gonzaga é um artista que vende o ano todo. E tanto é que gravado-ras lançam e relançam títulos dele mesmo fora do período junino.”

Na Disco Mania, loja de vinis usados, encontram-se obras de Luiz Gonzaga por, no máximo, R$ 10,00, devido à facilidade de localização da sua discografia.

A dificuldade existente no vinil é o toca-disco, pois não é possível escutar sem o aparelho específico. O mercado já recomeçou a criar equipamentos, ainda economica-mente inacessíveis à grande maio-ria. Mas o dono da loja Disco Mania,Valdemar Oliveira, afirma que isso não é problema. “Aqui na minha loja eu vendo em mé-dia três por semana. É um objeto

muito procurado e sempre tem al-guma encostada. Hoje vendo uma radiola usada por R$ 150,00, R$ 250,00.”

Porém, no final, o importante é o valor das músicas de Gonza-gão no cenário sóciocultural do Estado, como diz o músico Mar-celo Melo, do Quinteto Viola-do, banda que já tocou com Luiz Gonzaga. “Trata-se de uma genia-lidade que surgiu para ficar na his-tória da música popular brasileira. É uma unanimidade nacional que influenciou e influenciará muitas gerações em nosso país”, afirma.

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DISCOS DE VINIL Registram a obra do compositor pernambucano

Uma legião de herdeirosBEATRIZ BRAGA

Luiz Gonzaga saiu do Sertão do Araripe com sua sanfona e mudou a história da música brasileira. A influência do cantor chegou a ou-tros estilos, não apenas o forró e seus derivados, como o movimen-to artístico Tropicalismo. O cantor era mestre, ainda, na solidariedade e, sendo assim, grandes artistas ti-veram seu apoio para continuar a tradição do Baião. Hoje, a qualida-de do forró brasileiro deve muito à visão artística de Luiz Gonzaga. “Ele olhou para mim e falou: você tem uma voz muito boa para o for-ró, por que não canta?” disse Na-dia Maia, cantora pernambucana há 18 anos, uma das herdeiras da obra do Rei.

Gonzaguinha, Domiguinhos, Santanna e Nadia Maia são ape-nas alguns dos cantores cuja vida profissional Luiz Gonzaga influen-ciou. Ao lado de Humberto Teixei-ra, popularizou e definiu um ritmo próprio do Nordeste. Por meio do rádio, levou sua invenção safona – zambuba e triângulo às casas de brasileiros das cinco regiões. “A coisa de Luiz Gonzaga era inven-tar moda. Ele fez coisa que nin-guém tinha pensado antes”, disse Dominguinhos, que começou sua carreira com um presente do can-tor, uma sanfona, e se tornou um de seus maiores seguidores.

Apesar de hoje a influência de Gonzaga nas gerações que lhe su-cederam ser evidente, na época, o artista encontrou algumas dificul-dades. O diretor Fernando Lobo, por exemplo, o proibiu de cantar, chamando sua voz de “taboca ra-xada”. Mas sua obra logo virou febre nacional. Caetano Veloso e Gilberto Gil, pais do Tropicalismo, consideram Luiz Gonzaga respon-sável pela qualidade das primeiras músicas que deram início ao mo-vimento revolucionário verde e amarelo.

A contribuição e o legado de Gonzaga à música e cultura brasi-leira são incontestáveis. “Ele can-tava o Nordeste de forma enrique-cedora e era atualíssimo. Até hoje, suas músicas continuam a falar da realidade”, lembra Nadia Maia. A maior herdeira da música do can-tor, sem dúvidas, é a cultura brasi-leira, que terá, sempre, lembranças da riqueza musical inventada pelo nordestino.

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8 | Recife, dezembro de 2011 O BERRO

Músico mantém acesa a chama do baiãoANDRÉ AMORIM

Em 1989, o Nordeste perdia um de seus maiores defensores e divulgadores. O baião, ritmo que ajudou a consagrar, perdia o seu Rei. Por onde passou, Luiz Gon-zaga deixou sua marca ao cantar os problemas e lutas do sertanejo. Ao deixar os palcos, a música dele con-tinuou ecoando. A forma como cantou suas canções inspirou novas gerações que mantêm viva a memória do Rei do Baião.

Com chapéu de couro, gibão, óculos escuros e uma voz grave, Antônio Evange-lista da Costa, de 64 anos, mais conhecido como Toi-nho do Baião, emociona muita gente por conta das semelhanças com o ídolo. Há mais de 40 anos ele in-terpreta as músicas do gran-de mestre.

Natural de Vitória de Santo Antão, o primeiro contato de Toinho do Baião com a música de Luiz Gon-zaga foi aos sete anos de idade. “Asa branca” e ou-tros sucessos fizeram parte da infância do cantor. Dez anos mais tarde, quando conheceu a primeira namo-rada, ele se viu desafiado pela paixão a cantar como

o ídolo. “Ela gostava mui-to de escutá-lo. Ela dizia que achava a voz dele muito bonita e que nunca ia apa-recer uma voz como a dele. Eu tomei aquilo como um desafio e como eu gostava muito dela, tentei cantar como ele”, disse.

O que começou como um desafio, logo virou tra-balho. O nome com o qual

ficou conhecido foi dado por Luiz Gonzaga de uma forma inusitada, no pri-meiro dos muitos encon-tros que os dois tiveram. “Esse dia foi muito emo-cionante. Eu quase morri do coração. Eu fui fazer um teste para cantar numa casa de show em Olinda e, quando eu olhei, vinha um morenão em minha di-reção, de mãos dadas com dona Helena. Quando eu olhei bem, era o rei do Baião”, disse. A semelhan-ça entre as vozes era tão grande que o Gonzaga fi-cou em dúvida se Toinho estava realmente cantando.

O diálogo do primeiro encontro continua preser-vado nas lembranças de Toinho. “O palco onde es-tava era baixinho, ele che-gou perto de mim e pediu ajuda para subir no palco. Ele perguntou meu nome e

eu respondi. Foi então que ele disse que a partir daque-le dia meu nome seria Toi-nho do Baião”, relembra. Naquele dia, Gonzaga dis-se: “Você foi o único cabra que me fez parar o carro para confirmar se você es-tava cantando mesmo. Sua voz é idêntica à minha.”

O encontro abriu as portas para que Toinho par-ticipasse de alguns shows com o ídolo, como tocador de triângulo e cantor. “Mui-tas vezes, quando ele estava muito debilitado, ele per-guntava se eu sabia a letra e então dizia para eu cantar poque ele estava cansado”, disse.

Os momentos juntos renderam muitas histórias e boas lembranças. Por con-ta da semelhança entre os dois, a pergunta que Toinho mais escutava era se Luiz Gonzaga não era seu pai.

João Silva, um parceiro em 130 músicasANDRÉ LUFRAMAIA

“Tá é danado de bom. Tá danado de bom, meu compadre. Tá é danado de bom, forrozinho, bonitinho, gostosinho, safadinho, danado de bom.” A letra é facil-mente reconhecida. O leitor tam-bém deve recordar dessas outras músicas: “Nem se Despediu de Mim”, “Pagode Russo” e “Deixa a Tanga Voar”. Todas elas foram consagradas na voz de Luiz Gon-zaga, mas, muita gente não sabe que a autoria delas, pertence a ou-tro pernambucano que também nasceu com talento para o forró.

O compositor João Silva, nas-cido em Arcoverde, é o respon-sável por todas elas e outras duas mil canções. Foi na adolescência que ele despertou para a música e tornou-se um dos principais com-positores e amigos de Gonzaga.

Afinal, foram nada menos que 130 canções próprias eter-nizadas na voz do Rei do Baião e inúmeras vendagens de discos até o último trabalho “Aquarela Nordestina”, em 1989. Esse sim-pático senhor de 77 anos, de fala enfática e timbre forte, coleciona vários títulos, mas um enche o

peito de orgulho: o de ser o com-positor que mais teve canções gravadas pelo cantor.

De acordo com o pesquisa-dor Cícero Lisboa, uma das prin-cipais distinções de João Silva, foi a força de sua musicalidade. “Ele entrou na vida de Luiz na metade da década de 1970 pra cá. Mas foi em 1980 que ele consagrou a car-reira do cantor com um sucesso atrás do outro. João foi o princi-pal parceiro de Gonzaga. Se não o maior.”

A relação entre eles começou no Rio de Janeiro, por intermédio da ambição da RCA, a gravadora do rei, ao convidál-o para pro-duzir o novo disco “Danado de Bom”, com o objetivo de chegar as 100 mil cópias (disco de ouro). O trabalho rendeu seis discos de ouro e, chegou a um milhão de cópias vendidas. Um resultado de-terminante para torná-lo o com-positor e produtor musical exclu-sivo do artista famoso de Exu. “Gonzaga só veio ganhar muito dinheiro quando veio parar em minhas mãos. Eu coloquei o rei nos braços do povo novamente.” Silva destaca ainda, que produziu outros nove discos e um saldo de

11 milhões de LPs vendidos. Mesmo estando no Rio, João

tinha que se deslocar para Exu, nos meses de setembro, para dis-cutir os lançamentos. O entrosa-mento entre eles era confortável. “Quando eu levava minhas letras e o repertório do disco em fitas cassete, eu tinha que cantar todas elas para ele ouvir. Em seguida, Gonzaga pegava a sanfona e pro-curava ritmar as músicas do jeito dele. Feitos os ajustes, eu voltava para o Rio e começava a produ-ção no estúdio, até ele ir à grava-dora para colocar a voz final.”

Para o escritor e pesquisador José Maria Marques, autor do li-vro “Mestre João Silva: Pra não morrer de tristeza, o maior par-ceiro de Luiz Gonzaga” (edições Bagaço), essa intimidade facilitou a parceria e mostrou novos pa-radigmas. “Suas composições trouxeram um bom humor às músicas de Gonzagão. Revelou a modernidade na época, com letras bem rimadas. O povo não queria mais saber das tristezas do sertão, queria cantar suas alegrias”, disse Marques.

Após a morte do cantor em 1989, João Silva ficou morando

no Recife e sobrevive dos direi-tos autorais. Em 2009, gravou o CD “Sertão Puro” e planeja lan-çar outro trabalho em 2012, além do documentário “Recordações Nordestinas”, produzido pela cineasta Deby Brennand, que vai

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PARCERIA Toinho do Baião toca ao lado de Luiz Gonzaga

narrar a vida do principal parcei-ro do Rei do Baião. Mais uma conquista que vai orgulhar a mu-lher, os cinco filhos, cinco netos, um bisneto e toda uma legião de fãs de João Silva e de Luiz Gon-zaga em todo o Brasil.

SILVA é autor de letras como “Pagode russo“ e “Danado de bom”