10924116 - Revista Diálogo Jurídico nº 20 · Prof. Dr. Paulo Bonavides, UFC Prof. Dr. Paulo...

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DIÁLOGO JURÍDICO

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DILOGOJ U R D I C O

Faculdade Farias Brito Distribuio: Coordenao do Curso de Direito Endereo: R. Castro Monte, 1364 2 andar, Fortaleza-CE CEP: 60175-230 Fones: (85) 3486.9090 e 3486.9003 Fax: (85) 3267.5169 e-mail: [email protected] Capa: GrficaFB Tiragem Mnima: 150 exemplares BibliotecriaResponsvel: WaleskaLima

Ficha catalogrFica

Dilogojurdico/Ano14,v.20,n.20(ago./dez.2015)Fortaleza:FaculdadeFariasBrito,2016

Semestral

ISSN 1677-2601

1.DireitoPeridicosI.FaculdadeFariasBrito

CDD 340.05

revista Dilogo JUrDicoano XiV N 20 2016

coNSElho EDitorial

Prof.GenuinoSales,OrganizaoEducacional FariasBrito

Prof.Dr.AlexandreMoraisdaRosa,UNIVALI(SC)

Prof.Dr.AntnioDuarteFernandesTvora,UFC

Prof.Dra.ElisabethLinharesCatunda,Fanor

Prof.Dr.FlvioStiro,UFPB

Prof.HugodeBritoMachadoSegundo,UFC

Prof.Dra.LidiaValescaBonfimRodrigues,FFB

Prof.Dra.MariaElizabethGuimaresTeixeiraRocha,UnB(DF)

Prof.Dra.NuriaBelloso,Univ.BurgosEspanha

Prof.Dr.PauloBonavides,UFC

Prof.Dr.PauloFerreiradaCunha,LaurentianUniv.,Univ.PortoeUniv.LusfonaPortugal

Prof.Dr.PauloLopoSaraiva,UNPEUFRN

Prof.Dra.RaquelCavalcantiRamosMachado,UFC

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Prof.Me.ThiagoMatsushita,PUC(SP)

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Prof.Dr.AlfonsodeJuliusCampuzano,Univ. SevillaEspanha

ParEcEriStaS ad hoc

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Prof.M.eGlaucoCidrackdoValeMenezes,FFB

Prof.M.eAdrianoPessoadaCosta,FFB

Prof.Dr.MardnioeSilvaGuedes,FFB

ProJEto grFicoDanielPaiva

rEViSoJarinaArajo

imPrESSoGrficaFariasBrito

EDitoraoCleano Martins

rEViSo DE abstractsAmandaPinto

ARevistaDilogoJurdicoumapublicaosemestraldoCursodeDireitodaFaculdadeFariasBrito.Decirculaointernacional,abertacolaboraodacomunidadeacadmicajurdicaeafimcomafinalidadedepropiciaradiscussoacadmicaeincentivarodilogo.Destina-sepublicaodetrabalhosnareadoDireito,CinciasSociaiseafins,comnfasenasquestesrelacionadasaoconstitucionalismo,democracia,polticaspblicas,teoriaeefetivaodosdireitosfundamentais,prestaodatutelajurisdicional,relaesentreDireito,empresaetecnologiaenovosatoreseconflitossociais.

OstextosdevemserinditosesodeinteiraresponsabilidadedeseusAutores.

rEViSta Dilogo JUrDicoFaculdadeFariasBrito,CursodeDireitoRuaCastroMonte,1364,2Andar.

Fortaleza, Cear60175-230

Fones: 55+85+34869090 e 55+85+34869003E-mail:[email protected]

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APRESENTAO

Chegamos a 20 edio da Dilogo Jurdico com artigos de escopos variados, mas com um eixo comum - o debate contemporneo em torno das questes ticas e o compromisso com a efetivao dos direitos. So questes que demonstram a dinmica da cincia jurdica e as demandas tericas que alicerceiam o debate contemporneo. Desse modo, os autores refletem a pesquisa jurdica e suas mltiplas linhas, advindas dos programas de ps-graduao em Direito ou em reas correlatas, como no caso do trabalho de Marco Aurelio Praxedes de Morais Filho, mestrando do curso de mestrado de Polticas Pblicas da Uece. No seu artigo intitulado A CADUCIDADE NO SERVIO PBLICO: SEGURANA JURDICA E DESENVOLVIMENTO NACIONAL. O seu trabalho versou sobre a caducidade como ferramenta de controle interno e o poder que esta tem de concedente sobre a execuo dos termos pactuados no contrato administrativo de servio pblico. O autor questiona a caducidade com sendo a nica modalidade de interrupo da concesso prevista no ambiente constitucional, demonstrando que o instituto atualmente se posiciona no ordenamento jurdico nacional com feies nitidamente sancionatrias, objetivando punir o parceiro da iniciativa privada pelo inadimplemento das obrigaes estabelecidas. O artigo contribui com o debate sobre a temtica fortalecendo maior segurana jurdica relao pblico-privada, atraindo novos investidores, fomentando o desenvolvimento econmico e social.

Fruto dos debates realizados no mestrado em Direito, o artigo A GLOBALIZAO E A CRISE NO DIREITO: REPENSANDO A TICA E A MORAL NO ESTADO PS-MODERNO, de autoria de Adonias Osias da Silva, Carla Regina Freitas e Klber Stocco traz um debate epistemolgico sobre o Direito, realizam uma anlise crtica sobre a globalizao tecnolgica e econmica e os seus impactos no direito positivo, com sua lgica normativista face a contextos que se apresentam cada vez mais complexos e mutveis. Partindo dessa premissa, pretendem-se avaliar como a tica e a moral podem servir de norte nessa mudana de paradigma que se faz necessria para uma aplicao do direito que melhor atenda aos anseios do cidado em uma sociedade em constantes mudanas.

Na esteia da reflexo tica, o trabalho de Biltis Diniz Paiano, doutoranda da Universidade de Coimbra, intitulado O IMPACTO DA CORRUPO NA EFETIVAO DOS DIREITOS SOCIAIS aborda sobre o modo como a prtica da corrupo afeta negativamente os direitos humanos, violando os direitos mnimos essenciais para a vida com dignidade, como sade, educao, moradia, saneamento bsico, alm de aumentar a desigualdade e excluso social. No seu artigo, a autora abordou o estudo da corrupo e as consequncias desse ato ilcito na concretizao dos direitos sociais, uma vez que tais direitos necessitam de investimentos do Estado para a sua implementao, estabelecendo o nexo de causalidade entre a corrupo como causa para a no realizao plena dos direitos sociais.

De Alexandre Carneiro e Alysson Dhouglas Medeiros de Souza, pesquisadores do Curso de Direito da Faculdade Farias Brito - FFB, o artigo O PRINCPIO DA COORDENAO: O ESTADO E O INTERNACIONALISMO realizou reflexo alicerada na compreenso do exerccio do princpio da coordenao pelo Estado perante a globalizao, observando os embates entre as esferas do internacionalismo e do nacionalismo atravs da casustica exemplificativa das misses de paz da ONU, em especfico Misso das Naes Unidas para Estabilizao do Haiti- MINUSTAH.

A pesquisa dirigiu o pensamento noo paz perptua de Kant, afirmando que somente um espao internacional formado por agentes democrticos e comprometidos com o bem comum universal ser capaz de produzir a justia e a desejvel paz kantiana.

O artigo A PROBLEMTICA DA IMUNIDADE TRIBUTRIA DOS TEMPLOS RELIGIOSOS, escrito por Wesley Rommel Gonalves Galeno e Joo Gabriel Laprovitera Rocha, pesquisadores do Curso de Direito da FFB, aborda a problemtica envolvendo o uso da benesse constitucional concedida aos templos religiosos de qualquer culto, qual seja, a Imunidade Tributria. A partir de estudo de casos, os autores afirmam, de modo crtico, que a imunidade tributria concedida aos templos religiosos pode facilitar crimes financeiros, bem como estimula a criao de instituies religiosas (de fachada) para as prticas criminosas.

Marcel Moraes Mota, professor do Curso de Direito da Faculdade Farias Brito contribui com o artigo DIREITO PRIVACIDADE NA INTERNET. O seu trabalho dialoga com a contemporaneidade do Direito e procura examinar a tutela jurdica da privacidade na Internet, j que essa nova forma de interao do espao virtual e pblico tem se tornado cada vez mais popular. O autor discute sobre o conceito de privacidade e o direito de controlar o fluxo de informaes pessoais, alm do direito ao esquecimento, apontando questes tanto na perspectiva do Direito, como na perspectiva do crime. Nas redes sociais, como o Facebook, pode ser instrumento, atravs de perfis falsos, para ao delituosas e noutra direo, as ferramentas de busca, como Google, podem causar dificuldade para pessoas que querem esquecer alguns fatos desabonadores de suas vidas. Aponta na direo sobre a repercusso da Internet e suas relaes jurdicas, a vulnerabilidade do usurio em face dos desafios acerca da tutela jurdica de sua esfera pessoal, amparada por direitos fundamentais da personalidade.

Esperamos que os textos aqui apresentados possam motivar outros escritos e o debate em nossos leitores.

Boa Leitura,

Lidia Valesca Pimentel

Coordenadora Editorial

sumrio

A CADUCIDADE NO SERVIO PBLICO: SEGURANA JURDICA E DESENVOLVIMENTO NACIONAL .................................................................................................9

Marco Antnio Praxedes de Moraes Filho

A GLOBALIZAO E A CRISE NO DIREITO: REPENSANDO A TICA E A MORAL NO ESTADO PS-MODERNO ..............................................................................................................25

Adonias Osias da SilvaCarla Regina Freitas Klber Stocco

O PRINCPIO DA COORDENAO: O ESTADO E O INTERNACIONALISMO .....................43 Alysson Dhouglas Medeiros de Souza Alexandre Carneiro de Souza.

O IMPACTO DA CORRUPO NA EFETIVAO DOS DIREITOS SOCIAIS .........................51Biltis Diniz Paiano

A PROBLEMTICA DA IMUNIDADE TRIBUTRIA DOS TEMPLOS RELIGIOSOS ............69Wesley Rommel Gonalves GalenoJoo Gabriel Laprovitera Rocha

DIREITO PRIVACIDADE NA INTERNET .................................................................................85Marcel Moraes Mota

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A CADuCiDADE No sErVio PBLiCo: sEGurANA JurDiCA E DEsENVoLVimENTo NACioNAL

thE caDUciDaDE iN PUBlic SErVicE: legal SEcUritY aND NatioNal DEVEloPmENt

Marco antnio Praxedes de Moraes Filho1

rEsumo:

A caducidade representa uma valiosa ferramenta de controle interno do poder concedente sobre a execuo dos termos pactuados no contrato administrativo de servio pblico. Sendo a nica modalidade de interrupo da concesso prevista no ambiente constitucional, o instituto atualmente se posiciona no ordenamento jurdico nacional com feies nitidamente sancionatrias, objetivando castigar o parceiro da iniciativa privada pelo inadimplemento das obrigaes estabelecidas. Devido a essa roupagem punitiva, se mostra necessrio uma investigao crtica mais apurada sobre as hipteses de suspenso arroladas na legislao especializada, ultrapassando o captulo especfico da extino da concesso, esclarecendo pontos obscuros, temtica ainda pouco explorada pela doutrina. O debate trar maior segurana jurdica relao pblico-privada, atraindo novos investidores, fomentando o desenvolvimento econmico e social.

PALAVrAs-ChAVE:

Caducidade. Servio pblico. Segurana jurdica. Desenvolvimento nacional. Lei n 8.987/95.

ABsTrACT:

The caducidade is a valuable internal control tool of the grantor on the implementation of the terms agreed in the administrative contract of public service. The only mode of termination of the concession provided for in the constitutional environment, the institute currently stands in the national legal system with clearly punitive features, aiming to punish the partner of private enterprise by the breach of obligations established. Because of this punitive guise, it appears necessary a more accurate critical research on the suspension of hypotheses enrolled in specialized legislation, exceeding the specific chapter of the concession extinction, clarifying obscure points, subject still little explored by the doctrine. The debate will bring greater legal certainty for public-private relationship, attracting new investors, promoting economic and social development.

KEyworDs:

Caducidade. Public service. Legal security. National development. Law n 8.987/95.

1 Analista Judicirio do Tribunal de Justia do Estado do Cear (TJ/CE). Mestrando em Planejamento e Polticas Pblicas pela Universidade Estadual do Cear (UECE). MBA em Gesto Pblica pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito e Processo Constitucionais pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito e Processo Administrativos pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Membro e Scio Fundador do Instituto Cearense de Direito Administrativo (ICDA). E-mail: [email protected]

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10 DMarco antnio PraxeDes De Moraes Filho

1. iNTroDuo

Ultrapassados duas dcadas de vigncia, o estatuto das concesses foi o principal responsvel por inaugurar uma nova etapa na prestao delegada de servios pblicos em territrio brasileiro, estruturando a figura do estado-empresrio, fazendo valer sua posio hierrquica e intervencionista. Afastando-se da fase onde acumulava as funes de prestador, fiscalizador e regulador das atividades rotuladas como sendo de interesse coletivo, o poder pblico abrira definitivamente espao para a realizao de cooperaes com a iniciativa privada, papel considerado estratgico no avano do desenvolvimento econmico e social at os dias atuais. Por meio do instituto da concesso, atravs da realizao de procedimento licitatrio e da formalizao do contrato administrativo, transferida a responsabilidade pela execuo do servio pblico, preservando consigo a titularidade do mister devido ao seu carter indelegvel.

Sabedor da importncia da temtica para a manuteno da vida em sociedade, o legislador tambm se preocupou em estabelecer, embora de forma no muito detalhada, as inmeras maneiras de interrupo desta avena, traando roteiros precavidos em busca da continuidade do servio oferecido populao. Segundo a lei geral das concesses, existem seis modalidades bsicas de extino da parceria pblico-privada: advento do termo contratual, encampao, caducidade, resciso, anulao e falncia ou extino da empresa concessionria ou falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual (art. 35, Lei n 8.987/95). Porm, essa relao no totalmente exaustiva, sendo possvel encontrar outras formas de interrupo da atividade concessionria, aplicadas em situaes excepcionais, a exemplo do distrato, do desaparecimento do objeto e da fora maior.

A presente investigao se inicia com breves consideraes em torno da expresso caducidade, tais como a inadvertida utilizao da terminologia resciso em algumas literaturas especializadas e a previso diferenciada em nvel constitucional. Logo aps, so examinados os vrios ngulos da definio deste fenmeno extintivo, dentre elas, a sua roupagem punitiva e a incidncia do instituto luz do princpio da continuidade do servio pblico. Mais a frente, adentrando propriamente no ncleo do presente estudo, foram realizados anlises crticas em todas as hipteses de caducidade prevista no estatuto, sendo necessrio ultrapassar as alneas do captulo especfico da extino da concesso, a fim de alcanar sua anlise completa e pormenorizada. Por fim, restou evidenciado que o instituto funciona, na verdade, como um instrumento de manuteno do servio pblico adequado, inibindo que os concessionrios cometam equvocos.

2. CADuCiDADE

O fenmeno da caducidade, tambm denominada de decadncia pela maioria dos administrativistas, de origem clssica ou contempornea, segundo a inteligncia do estatuto das concesses, a segunda modalidade de extino unilateral dos contratos de concesso de servios pblicos por ato exclusivo do poder concedente (art. 35, III, Lei n 8.987/95). Embora alguns juristas tambm a intitulem de resciso administrativa, em aluso ideia central do cancelamento, associao realizada com a iniciativa privada, por medida de cautela devemos evitar tal silogismo, pois a legislao especializada j se utiliza dessa expresso para indicar situaes jurdicas diversas, evitando desarranjos terminolgicos (MOREIRA NETO, 2014).

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11a caDUciDaDe no serVio PBlico: seGUrana jUrDica e DesenVolViMento nacional

Operando desta maneira, tambm estaremos nos esquivando de confundir essa hiptese de interrupo unilateral da parceria governamental com a resciso, outra forma de encerramento da concesso, por impulso da empresa concessionria, mediante o devido ajuizamento de ao judicial especialmente intentada para essa finalidade (art. 35, IV, Lei n 8.987/95). Trabalhando nesta linha, ainda estaremos nos afastando de possveis tumultos jurdicos com a resciso, um conhecido instrumento genrico de dissoluo contratual bastante utilizado na seara das licitaes, determinada mediante ato unilateral do poder pblico, amigavelmente por acordo entre as partes ou atravs de ao judicial (art. 79, Lei n 8.666/93).

Curioso ainda ressaltar que dentre todas as espcies ordinrias e extraordinrias de extino relao contratual instaurada, a caducidade foi o nico tipo rescisrio que, alm de gozar da tradicional previso meticulosa em legislao ordinria especial, tambm desfrutou de expressa disposio em nvel constitucional (art. 175, Pargrafo nico, I, Constituio Federal de 1988). No parece, contudo, que a inteno do legislador constituinte originrio foi de enaltecer a caducidade, elevando seu grau de importncia em detrimento das outras formas, tendo ocorrido apenas um resguardo meramente pontual e casustico, devido principalmente natureza invasiva da medida interventiva, em sintonia com a estrutura prolixa do maior texto da federao.

2.1. DEFiNio

A lei geral das concesses no trouxe uma definio normativa para caducidade, apenas previu uma situao ftico-jurdica no qual a rotulou como sendo a denominada modalidade extintiva. Seno vejamos:

Art. 38. A inexecuo total ou parcial do contrato acarretar, a critrio do poder concedente, a declarao de caducidade da concesso ou a aplicao das sanes contratuais, respeitadas as disposies deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.

O instituto da caducidade se apresenta como sendo a retomada antecipada e coativa do servio concedido ao particular, a critrio do poder concedente, no por motivos supervenientes de interesse pblico, mas pela inexecuo total ou parcial do contrato. a recuperao inesperada da atividade transferida, atravs de um ato unilateral, antes do prazo final estipulado para o encerramento da avena firmada, por razes de descumprimento das clusulas previamente realadas. Portanto, a caducidade se traduz em uma cristalina resciso unilateral do acordo celebrado, visando a recuperao do servio deslocado, pondo fim a parceria realizada com a empresa concessionria.

Vale ressaltar que a inexecuo total ou parcial da avena pode se originar tanto da inadimplncia do particular, da lei ou do regulamento, quanto do desaparecimento superveniente dos requisitos da habilitao, desde que estejam previamente estipulados e simultaneamente ratificados. No intuito de facilitar o manuseio do instituto, parcela dos administrativistas vem se utilizando das terminologias genricas falta grave ou violao grave para se reportar ao conjunto das inmeras hipteses legais ensejadoras de caducidade, unificando doutrinariamente a abordagem dessa modalidade extintiva.

Evidencia-se, nitidamente, que a caducidade possui uma natureza sancionatria, visando punir o concessionrio pelo no adimplemento da sua obrigao estabelecida na avena celebrada. Todavia, esse carter repreensivo no funciona apenas como um instrumento de condenao, mas configura

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tambm como uma forma de chamar ateno do parceiro privado, alertando, sobretudo, o grupo comando gestor, sobre a imperfeio na prestao do servio executado, objetivando inibir a prtica de novas violaes. Embora o estatuto das concesses no tenha explorado amide o assunto, a boa prtica mostra como obrigatria a instaurao do devido processo administrativo para a imposio da punio, dando oportunidade para o exerccio do contraditrio e da ampla defesa parte atingida. A formalizao da medida, alm de evitar a atuao arbitrria do poder concedente, oferece transparncia ao procedimento, facilitando o controle externo das causas e motivos da eventual sano aplicada.

Valiosa reflexo ainda se mostra necessrio quanto indiferena relacionada ao grau da inexecuo do contrato administrativo, sendo a totalidade ou a parcialidade capaz para a decretao da caducidade. Ao solicitar apenas o descumprimento partidrio da avena, o legislador deixou uma cristalina mensagem ao gestor pblico, afirmando que no se torna necessrio o total desrespeito s clusulas legais e contratuais estabelecidas para o encerramento do acordo. A simples violao fragmentria do ajuste celebrado j seria motivo suficiente para o rompimento imediato da parceria com a iniciativa privada.

Fica evidenciado, ainda, que a norma concessionria oferece uma razovel margem de discricionariedade na escolha da frmula punitiva aplicada ao particular inadimplente. Dependendo das caractersticas do caso ftico analisado, dois so os possveis caminhos sancionatrios colocados disposio do poder concedente: poder optar pela execuo imediata da caducidade, ou ainda, escolher pelo simples emprego das sanes contratuais. Sendo detectado qualquer dos requisitos ensejadores da extino unilateral, o gestor estatal poder eleger somente as penalidades contratuais, mantendo a prestao da atividade, zelando pela no interrupo do servio.

Alis, interpretando a mencionada discricionariedade sob o manto principiolgico da continuidade do servio pblico, possvel inferir que o poder concedente dever, em uma primeira ocorrncia, imprimir razovel favoritismo pela incidncia das sanes contratuais em detrimento da extino unilateral. Operando desta forma, alm de afastar a descontinuidade da prestao da atividade pblica, evitando indesejveis paralizaes e eventuais prejuzos financeiros, dar concessionria nova oportunidade para rever suas falhas, a fim de corrigir as imperfeies, impedindo futuros equvocos.

Importante ainda ressaltar que, assim como ocorre na encampao, a resciso unilateral moldada nos regramentos da caducidade poder ocorrer tanto nos contratos de concesso, quanto nos contratos de permisso de servios pblicos, em face da proximidade fisiolgica entre os institutos administrativos (art. 40, Pargrafo nico, Lei n 8.987/95).

2.2. rEquisiTos

Extrai-se da previso normativa da caducidade a presena de duas grandes condies, rotuladas como essenciais para sua existncia irrepreensvel: a inexecuo total ou parcial do contrato e a perda das condies de habilitao. Enquanto no primeiro grupo as imperfeies se encontram localizadas no mbito da prestao dos servios pblicos, no segundo bando as deficincias atingem apenas a esfera das condies pessoais das concessionrias. Restando estas pendentes em seus deveres ou despojadas de suas qualidades restar configurada a possibilidade de extino da concesso por ato unilateral do poder concedente.

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Porm, no intuito de diminuir a margem de discricionariedade sobre a temtica, atribuindo maior segurana jurdica relao contratual, a lei geral das concesses estipulou, de forma expressa, sete requisitos para a decretao da caducidade (art. 38, 1, Lei n 8.987/95). So eles: (a) servio inadequado ou deficiente; (b) inadimplemento obrigacional; (c) paralisao do servio; (d) perda das condies econmicas, tcnicas ou operacionais; (e) descumprimento das penalidades; (f) falta de regularizao do servio; (g) ausncia de regularidade documental. Fica evidente que, para a incidncia da caducidade, basta a ocorrncia de, pelo menos, uma das hipteses legalmente catalogadas, desde que respeitadas, bvio, s demais exigncias legais ou contratuais previamente convencionadas.

Porm, atravs de uma anlise sistemtica de todos os institutos administrativos rescisrios profetizados no estatuto das concesses, possvel concluir que o rol em anlise no taxativo, numerus clausus, mas meramente exemplificativo, numerus apertus.2 Segundo a dico do art. 27 da Lei n 8.987/95, responsvel por abordar a transferncia da concesso sem anuncia do poder concedente, h uma insinuao de uma oitava possibilidade de caducidade no servio pblico. Soma-se, ainda, o fato dos contratos firmados terem a liberdade para estipular outras modalidades de extino para quela relao pblico-privada em especial, sinalizando, de maneira velada, a existncia supletiva de uma nona perspectiva de caducidade.

2.2.1. sErVio iNADEquADo ou DEFiCiENTE

O primeiro motivo que fundamenta a extino unilateral do contrato de concesso atravs da caducidade quando o servio pblico executado pela concessionria estiver sendo prestado de forma inadequada ou de maneira deficiente (art. 38, 1, I, Lei n 8.987/95). Sendo fidedigno ao texto normativo, por inadequado devemos entender aquela atividade fornecida populao de maneira imprpria, desajustada, inapropriada, descabida, inexata, e, por deficiente, devemos entender aquele trabalho oferecido sociedade de forma imperfeita, defeituosa, imperfeita, falha, lacunosa.

Apesar da tentativa de diferenciar linguisticamente as terminologias trazidas baila pelo estatuto concessionrio, percebemos que seus significados esto muito prximos, dificultando a interpretao pelo jurista. Exatamente por esse motivo, a construo do entendimento do servio como sendo adequado e eficiente no deve ser cultivada apenas na seara do imaginrio, do aparente e do subjetivismo, precisando ser trabalhada de forma concreta, em regulamento especfico, baseados em avaliaes tcnicas, reais e mensurveis. Neste sentindo, a prpria lei geral das concesses estipulou que a base para a medio da qualidade dos servios so as normas, os indicadores e os parmetros, ou seja, critrios puramente objetivos.

Essa necessidade de parmetros materiais a fim de auferir o grau de efetividade do servio pblico reflete perfeitamente a harmonia do texto normativo com a reforma gerencial, incorporada pela redao originria da Carta Magna de 1988, sendo enaltecido logo aps pelo advento da Emenda Constitucional n 19/98. A busca por resultados palpveis embasada em critrios previamente delineados ressalta a importncia da temtica da governana pblica, frequentemente apontado pela literatura

2 Nesse sentido: JUSTEN FILHO, 1997. Em sentido contrrio: WALD; MORAES; WALD, 2004. Essa ltima corrente doutrinria endente ser ilegtima a decretao da caducidade pelo poder concedente com base em hipteses no expressamente arroladas no art. 38, 1 da Lei n 8.987/95.

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especializada como um dos principais instrumentos utilizados na busca incessante pela modernizao da gesto pblica mundial. Nestes termos, a atividade pblica ser administrativamente rotulada como inadequada ou deficiente na medida em que tais requisitos formalmente previstos no sejam alcanados pelo parceiro privado, dando espao resciso unilateral pelo poder concedente.

2.2.2. iNADimPLEmENTo oBriGACioNAL

A segunda causa que origina o rompimento da avena pela caducidade o inadimplemento obrigacional, ou seja, o descumprimento pela empresa concessionria das clusulas contratuais, das exigncias legais ou das disposies regulamentares concernentes atividade de interesse pblico (art. 38, 1, II, Lei n 8.987/95). De acordo com a disposio literal da norma, a inobservncia pela concessionria abarcaria qualquer espcie de responsabilidade assumida, desde aquelas livremente estipuladas na avena, at aquelas impostas diretamente pela legislao ou pelo regulamento.

Trata-se de uma hiptese bastante ampla e genrica, podendo englobar, inclusive, a grande maioria das outras possibilidades de extino pela caducidade arroladas no estatuto, caso seja interpretada extensivamente, anlise que deixaria tais ocorrncias normativas praticamente sem nenhuma utilidade. Por outro ngulo, em face da previso extremamente superficial e imprecisa, a medida em anlise poderia ocasionar, de forma indevida, a interrupo da concesso da atividade pelo no cumprimento de qualquer situao obrigacional, levando ao esvaziamento e a vulgarizao do prprio instituto. Como nem toda violao s clusulas contratuais pela empresa concessionria possui o mesmo grau de austeridade e intransigncia, o nvel drstico das sanes aplicadas devem estar munidas de intensa proporcionalidade e razoabilidade.

O entendimento que parece mais adequado e oportuno terminologia empregada na legislao das concesses aquela em que restringe o seu alcance, sendo cabvel somente nas hipteses de descumprimento de deveres no expressamente elencadas no corpo do texto normativo. Seguindo essa linha de raciocnio, o rompimento contratual motivado de pelo inadimplemento obrigacional funcionaria como uma espcie de causa residual. Assim, no primeiro momento, o intrprete deveria analisar todos os demais institutos extintivos, podendo se utilizar dela, somente no segundo momento, aps restasse evidenciado que o caso da situao ftica no estaria ajustado em nenhuma das outras hipteses.

Numerosa parcela da doutrina j manifestou publicamente severas crticas no s a esta possibilidade em particular, mas a todas as demais hipteses de caducidade, exigindo do legislador uma regulamentao normativa a fim de melhor definir o mbito de incidncia de cada uma delas, evitando incongruncias normativas. Nestes termos, anotemos as importantes reflexes de Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes e Alexandre de Mendona Wald sobre a necessidade urgente de um tratamento positivo e meticuloso das espcies de caducidade: As disposies destes incisos merecem maior explicitao, por via regulamentar, de modo a serem precisas, dentre as situaes genricas estabelecidas, aquelas cuja gravidade autoriza a decretao da caducidade. (WALD; MORAES; WALD, 2004, p. 413).

Seguindo, ainda, os mesmos passos genricos deste pensamento, apontemos as interessantes consideraes de Maral Justen Filho sobre a perigosa interpretao do dispositivo atrelado noo do dever de perfeio na prestao da atividade de interesse pblico:

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Essa uma interpretao literal, o inc. II tornaria invivel a execuo da concesso, pois a infrao a qualquer dever acarretaria caducidade. Essa interpretao seria desarrazoada, eis que conduziria a uma espcie de dever de perfeio. impossvel cogitar da prestao de servio absolutamente perfeito, que nunca apresente falhas ou defeitos. Por maiores que sejam as cautelas e precaues, ser impossvel eliminar a margem de erro. O ser humano no conseguiu controlar a conduta prpria e dos demais sujeitos da sociedade e todos os fatores que o rodeiam, de molde a assegurar, com absoluta certeza, o futuro. Enfim, cominar caducidade para o descumprimento de qualquer dever produziria a banalizao do instituto. (JUSTEN FILHO, 1997, p. 350).

2.2.3. PArALisAo Do sErVio

O terceiro pretexto que justifica a quebra unilateral do acordo de concesso pelo instituto da caducidade a famigerada paralisao do servio pblico, ou ainda, a simples cooperao para a interrupo abrupta na sua prestao (art. 38, 1, III, Lei n 8.987/95). Novamente o legislador ordinrio subdividiu o dispositivo em duas vertentes para motivar a quebra contratual, estando a primeira, paralisao do servio, direcionada no agente pblico, e a segunda, cooperao na interrupo, focada no particular no integrante da administrao pblica, que opera em parceria com o primeiro.

Esta hiptese tem como explicativa a preservao da continuidade da atividade de interesse pblico, um dos alicerces principiolgicos mais relevantes no ambiente das concesses. Revela o preceito que os servios considerados essenciais, desempenhados pelos rgos estatais, direta ou indiretamente, devem ser prestadas de maneira contnua e ininterrupta aos seus destinatrios, salvo algumas excees previstas em lei.

Relevante observao deve ser feita quanto ao verdadeiro significado e dimenso do termo paralisao empregado no caso em anlise. Da forma como est redigido o estatuto das concesses, parece que o legislador ordinrio quis englobar toda e qualquer paralisao, desde a parcial, responsvel pela simples diminuio do oferecimento do servio, total, responsvel pela sua completa suspenso. Nesta dimenso, atravs de uma interpretao literal do texto, seria possvel a resciso unilateral nas paralisaes temporrias, interrompendo o servio por determinado lapso temporal, como tambm nas paralizaes permanentes, causando a suspenso em definitivo. Porm, essa linha de raciocnio mais imediatista e superficial no parece ser a mais prudente e razovel, maculando o verdadeiro significado do dispositivo extintivo, distorcendo a boa conduta do gestor pblico. Seria um contrassenso pensar que uma mesma legislao estipularia, como regra, a prestao contnua do servio pblico, ficando as excees reclusas a mseras linhas normativas, estabelecendo tambm que uma despretensiosa interrupo seria motivo aceitvel para a interrupo do contrato estabelecido. A melhor inteligncia do estatuto, associada s diretrizes da boa governana pblica, parece indicar que o agente estatal deveria empreender todos os esforos para manter a parceria, evitado que pequenas descontinuidades afetem completamente a atividade prestada. Somente a paralisao total, capaz de gerar inmeros prejuzos populao, fazendo oscilar a confiana do ente pblico, teria a capacidade de quebrar a avena de imediato, sem nenhuma etapa intermediria para eventuais ajustes. A quebra do contrato pelo entrave temporrio deve ser interpretada como o ltimo recurso entre as sadas possveis.

Ultrapassada a anlise do permetro da expresso paralisao, tambm possvel verificar que a interrupo da atividade poder ter sido motivada por ato oriundo da prpria empresa concessionria, ou ainda, por ato oriundo de pessoa estranha relao, mas com a devida concorrncia do parceiro privado,

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cooperando de alguma forma para o exerccio. Andou bem o legislador ao redigir de forma ampla a dico desta espcie de caducidade, no tocante ao rol daqueles agentes motivadores da interrupo do servio prestado sociedade, ampliado sobremaneira o leque de possibilidades de anlise pelo poder concedente na decretao da quebra contratual, inibindo condutas manipuladas e conchaves forjados na tentativa de ludibriar o interesse pblico.

Ainda cabe interessante observao veiculada pela lei geral das concesses quanto ressalva da paralisao decorrente do caso fortuito e da fora maior. A doutrina tradicional sustenta que, por caso fortuito, devemos entender todos aqueles eventos oriundos da natureza, sem qualquer interveno do indivduo, tais como tempestades, raios, tornados, enchentes, terremotos, e por fora maior, devemos compreender aqueles acontecimentos decorrentes da vontade humana, tais como a greve, sentena judicial, guerra, desapropriao, revoluo. A doutrina contempornea, todavia, embasada no art. 393 da Lei n 10.406/02 (Cdigo Civil), evitando adentrar nos calorosos embates de hermenutica sobre essa temtica, sustenta a inexistncia de qualquer diferena entre os institutos, afirmando que ambas as categorias normativas representam fatos, eventos ou ocorrncias de impossvel pressgio ou de laboriosa previso, que acabam provocando certos efeitos no mundo jurdico. Embora haja enorme divergncia em torno do assunto, tanto na doutrina quanto na jurisprudncia, a imprevisibilidade e/ou a inevitabilidade so constantemente sublinhadas como sendo as consequncias genricas comuns entre ambos os institutos, devendo cada situao ftica levada tutela jurisdicional ser alvo de anlise particularizada a fim de investigar sua ocorrncia e, por consequncia, afastar a responsabilidade jurdica. Tais episdios possuem o condo de evitar a punio do concessionrio, figurando como autnticas causas excludentes da ilicitude.

Por derradeiro, impossvel abordar a paralisao do servio pblico sem reservar breves consideraes sobre o conturbado assunto da greve. Esta garantia fundamental constitucionalmente assegurada aos agentes pblicos civis, nas trs esferas de poder, em todas as unidades federativas, ficando ressalvado o atendimento daqueles servios considerados essenciais e inadiveis, que devero ser mantidos em condies mnimas comunidade (art. 9, Constituio Federal de 1988). Embora a legislao responsvel pela regulamentao do movimento paredista no mbito pblico ainda no tenha sido editada, o Supremo Tribunal Federal, analisando os Mandados de Injuno n 670/ES, 708/DF e 712/PA, entendeu ser aplicvel aos agentes pblicos o disposto na Lei n 7.738/89, que disciplina a greve dos trabalhadores da iniciativa privada. A concluso deste ativismo judicial ser vlida at a supresso da omisso legislativa.

2.2.4. PErDA DAs CoNDiEs ECoNmiCAs, TCNiCAs ou oPErACioNAis

A quarta razo que legitima a transgresso da parceria estabelecida com a iniciativa privada a perda das condies econmicas, tcnicas ou operacionais, qualificadas como absolutamente necessrias para manter adequada a prestao do servio pblico (art. 38, 1, IV, Lei n 8.987/95). Ampliando as possibilidades legais da interrupo da concesso, o estatuto inovou ao prever a ruina dos sustentculos mais significativos da empresa privada, de ndole econmica, de origem tcnica ou de raiz operacional, pilares que serviram para conquistar a confiana e consolidar a associao com o

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governo. Nesta hiptese de caducidade, o fato que motiva a ocorrncia da extino no gravita em torno da falha na prestao do servio pblico, mas permanece concentrado em alguns motivos determinados e especficos relacionados s condies individualizadas do prprio agente concessionrio enquanto pessoa jurdica.

De acordo com o estatuto, o edital de licitao, que ser elaborado pelo poder concedente, dever observar, no que couber, os critrios e as normas gerais da legislao prpria sobre licitaes e contratos e conter, especialmente, a descrio das condies necessrias prestao adequada do servio (art. 18, II, Lei n 8.987/95). Ainda segundo o regimento estatutrio, o edital de licitao poder prever a inverso da ordem das fases de habilitao e julgamento, hiptese em que, proclamado o resultado final do certame, o objeto ser adjudicado ao vencedor nas condies tcnicas e econmicas por ele ofertadas (art. 18-A, IV, Lei n 8.987/95). Como visto, todas as condies ajustadas no edital visando uma prestao adequada do servio so requisitos essenciais para a manuteno da parceria, sendo a perda daquelas de carter econmico, tcnico ou operacional suficientes para rescindir unilateralmente a avena pela caducidade.

Os requisitos exigidos no incio do procedimento licitatrio no figuram como peas decorativas, ocasionais e flutuantes, devendo ser mantidos ao longo de todo o perodo contratual de prestao do servio delegado, incorporando qualidade atividade fornecida populao. Devemos entender por servio pblico adequado aquele que satisfaz as condies de regularidade, continuidade, eficincia, segurana, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestao e modicidade das tarifas (art. 6, 1, Lei n 8.987/95). Assim, caso durante esta jornada ocorram situaes que faam desaparecer tais requisitos, ligados diretamente aos aspectos econmicos, tcnicos ou operacionais, restar configurada a hiptese de extino unilateral da concesso pela caducidade, pondo fim execuo contratual.

2.2.5. DEsCumPrimENTo DAs PENALiDADEs

O quinto fundamento que respalda a extino unilateral do contrato de concesso pela incidncia da caducidade o descumprimento, pela concessionria, das penalidades impostas, em decorrncia da prtica de infraes anteriores, nos prazos estipulados (art. 38, 1, V, Lei n 8.987/95). Analisando o dispositivo, possvel inferir que o legislador elevou o requisito da ocorrncia de medidas punitivas no adimplidas ao status de elemento de admissibilidade para a incidncia da norma, obrigando que exista uma irregularidade de menor gravidade pretrita decretao da extino unilateral.

A melhor interpretao que pode ser atribuda ao regramento aquela em que as infraes expressamente mencionadas no estatuto no so aquelas irregularidades consideradas simples, comuns, normais e corriqueiras, pois tais assimetrias no so consideradas graves o suficiente para decretar a interrupo da atividade rotulada como sendo de interesse pblico. Somente aquelas infraes contendo um elevado grau de agressividade, excessivamente penosas ao concessionrio, ocasionando grandes embaraos ao parceiro privado, so capazes de levar diretamente extino da avena, quando no forem cumpridas aps um prvio aviso. Esse entendimento se mostra absolutamente necessrio para o razovel equilbrio contratual, pois se toda e qualquer infrao de menor escala pudesse servir de motivo para invocar a caducidade, a parceria se tornaria altamente instvel para as concessionrias,

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afastando o interesse da iniciativa privada, dificultando a negociao com o governo. Somente depois de concedido a chance para as prestadoras de servio cumprirem as irregularidades normais, sendo formalmente notificadas para esta finalidade, o acordo celebrado poder sofrer a devida interrupo administrativa de forma unilateral pelo poder concedente.

Alguns juristas entendem que esta hiptese da caducidade estaria maculada pela inconstitucionalidade, baseada na ideia de que a recusa em cumprir a penalidade imposta caracterizaria, na verdade, ntido desvio de poder, no levando necessariamente a concluso de que a oposio indicaria um servio mal prestado populao. Mais a frente, ratificam ainda os doutos administrativistas que estariam sendo violados diversos princpios de ndole constitucional e infraconstitucional, dentre os principais esto a legalidade, moralidade e universalidade da jurisdio (JUSTEN FILHO, 1997).

2.2.6. FALTA DE rEGuLArizAo Do sErVio

A sexta justificativa na utilizao da caducidade a falta de regularizao do servio, ou seja, quando a empresa concessionria no atender a intimao oriunda do poder concedente no sentido de normalizar a prestao da atividade de interesse pblico (art. 38, 1, VI, Lei n 8.987/95). Sendo absolutamente previsvel que contratempos apaream durante todo o lapso temporal destinado a execuo do contrato, prejudicando a uniformidade do exerccio, surge a oportunidade da empresa concessionria, aps devidamente notificada, de tentar recompor o servio oferecido.

O efeito ocasionado pelo registro dos instrumentos da fiscalizao e interveno no estatuto das concesses um poder-dever de vigilncia do rgo concedente sobre a execuo da atividade transferida. Assim, tendo o rgo governamental encontrado alguma irregularidade na prestao do servio pblico dever, obrigatoriamente, promover a comunicao empresa concessionria a fim de ver sanada a situao, assinalando um intervalo de tempo razovel. Sendo remediada a ocorrncia inoportuna, estar afastada a irregularidade; no sendo resolvida a problemtica conflituosa, a anormalidade permanecer atrelada a atividade. Neste ltimo caso, compete ao poder concedente utilizar um juzo valorativo semelhante ao empregado na hiptese anterior de interrupo unilateral da avena, reservando o emprego da caducidade apenas s causas de maior complexidade. Mais uma faceta resultante do emprego do princpio da continuidade do servio pblico, mantendo em patamares salutares e adequados prestao da atividade.

2.2.7. AusNCiA DE rEGuLAriDADE DoCumENTAL

O stimo parmetro utilizado pelo estatuto das concesses para a extino do contrato pela caducidade mencionava, na sua redao originria, a hiptese de quando a concessionria fosse condenada em sentena transitada em julgado por sonegao de tributos, inclusive contribuies sociais (art. 38, 1, VII, Lei n 8.987/95). Andou mal o legislador em prever a necessidade de uma sentena transitada em julgado para a caracterizao do inadimplemento tributrio, desconsiderando a presuno de liquidez e certeza, por exemplo, que gozam as dvidas ativas regularmente inscritas.

Porm, essa previso normativa da condenao judicial irrecorrvel motivadora da resciso unilateral era desnecessria, tendo em vista que o crime de sonegao fiscal j se encontrava

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minuciosamente previsto na Lei n 8.137/90, responsvel pela definio dos crimes contra a ordem tributria, econmica e relaes de consumo. Atravs de iniciativa da chefia do executivo federal, o texto inaugural foi alterado pela Medida Provisria n 577, de 29 de agosto de 2012, dispondo sobre a extino das concesses de servio pblico de energia eltrica, a prestao temporria da atividade e a interveno para adequao do setor eltrico. Posteriormente, atravs da edio da Lei n 12.767, de 27 de dezembro de 2012, a espcie normativa temporria foi, enfim, convertida, ganhando o parmetro da caducidade nova redao, com traos permanentes e duradouros, texto em vigor at o presente momento.

A atual escritura afirma que ser motivo para declarao da caducidade quando a concessionria no atender a intimao do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentao relativa a regularidade fiscal e trabalhista, no curso da concesso, na forma do art. 29 da Lei n 8.666/93. Restando constatado a insuficincia de papis relativos estas searas da concessionria, esta ser devidamente notificada para, no prazo legal, realizar a entrega dos documentos pendentes, a fim de regularizar sua parceria com o ente pblico titular do servio.

A documentao relativa regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistir em: prova de inscrio no Cadastro de Pessoas Fsicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC); prova de inscrio no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domiclio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatvel com o objeto contratual; prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domiclio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; prova de regularidade relativa Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS), demonstrando situao regular no cumprimento dos encargos sociais institudos por lei; prova de inexistncia de dbitos inadimplidos perante a Justia do Trabalho, mediante a apresentao de certido negativa, nos termos do Ttulo VII-A da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n 5.452/43.

2.2.8. CEsso DA CoNCEsso sEm ANuNCiA

A oitava explicao para a caducidade a cesso da concesso sem anuncia do poder concedente, ou seja, implicar em encerramento unilateral do contrato quando ocorrer a transferncia da atividade exercida ou do controle societrio da concessionria sem o consentimento prvio e expresso do poder pbico (art. 27, Lei n 8.987/95). De aspecto bastante controvertido, o dispositivo permite claramente a transferncia da concesso pela empresa vencedora do certame licitatrio para outro particular, desde que atendida s exigncias legalmente estabelecidas.

Ocorrendo a verificao da ausncia desta autorizao normativa, que poder estar formalizado tanto no contrato administrativo quanto no edital de licitao, a celebrao do ajuste responsvel pela transferncia da execuo do servio ao terceiro ser considerado ilcito, obrigando o poder concedente a intervir na atividade celebrada e cassar a concesso fornecida. Caso seja concedida a referida autorizao, o ato permissivo dever ser prvio, escrito e expresso, com publicao regular no Dirio Oficial. Havendo desrespeito a estas exigncias bsicas, o contrato responsvel pela transferncia da execuo do servio ao particular tambm estar corrompido pela ilicitude, levando novamente a resciso da concesso pelo rgo concedente. Alguns juristas, interpretando o dispositivo legal

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luz do ordenamento jurdico, o consideram parcial (MUKAI, 2007) ou totalmente inconstitucional (MELLO, 1999).3

Alvo de importantes alteraes em virtude da publicao da Lei n 11.196, de 21 de novembro de 2005, as pontuais modificaes do estatuto consistiram na renumerao do pargrafo nico para o pargrafo primeiro, mantendo na ntegra o texto originrio, como tambm na incluso de mais trs pargrafos, trazendo abordagens normativas sobre o assunto. Restou determinado que, para fins de obteno da anuncia da transferncia do poder concedente, o pretendente dever atender s exigncias de capacidade tcnica, idoneidade financeira e regularidade jurdica e fiscal necessrias assuno do servio; e tambm se comprometer a cumprir todas as clusulas do contrato em vigor (art. 27, 1, Lei n 8.987/95).

Isto posto, destaquemos os relevantes ensinamentos de Lucas Rocha Furtado sobre o confronto de ndole principiolgica necessria para a transferncia da concesso:

A transferncia da concesso somente poder ser admitida em situaes excepcionais, em que, confrontados os princpios da impessoalidade com os outros a serem considerados dentre eles o da continuidade do servio pblico , se chegue concluso da prevalncia destes ltimos sobre o primeiro. Do contrrio, impe-se a licitao como regra a ser observada para a escolha do novo prestador do servio. (FURTADO, 2013, p. 576).

No tocante aos demais pargrafos deste item, todos foram revogados pelo advento da recente Lei n 13.097, de 19 de janeiro de 2015, onde foi criado um captulo, nesta mesma espcie normativa, denominado Da Transferncia de Concesso ou do Controle Societrio da Concessionria para tratar especificadamente da temtica no mbito do estatuto das concesses, como tambm na seara das parcerias pblico-privada. Outra novidade foi a incluso do art. 27-A, que acabou esmiuando de forma mais organizada e detalhada os pargrafos ento revogados. O texto vigente disps sobre a autorizao do poder concedente sobre a assuno do controle ou da administrao temporria da concessionria, por seus financiadores e garantidores com quem no mantenha vnculo societrio direto, para promover sua reestruturao financeira e assegurar a continuidade da prestao dos servios. Uma das inovaes percebidas foi a ampliao do rol de patrocinadores, prevendo que alm dos financiadores, j disciplinado na redao antiga, os garantidores tambm podero assumir o controle da atividade.

2.2.9. CLusuLAs CoNTrATuAis suPLETiVAs

O nono propsito que serve de inspirao para a extino unilateral da concesso atravs da caducidade, ao contrrio das outras modalidades, no se origina atravs da simples interpretao literal do estatuto das concesses, mas na percepo sistmica das vrias formas de interrupo da parceria pblico-privada. Ainda pouco explorado pela literatura especializada, trata-se daquelas hipteses relativas aos casos de extino da concesso previstas de comum acordo entre as partes, desde que arroladas nas clusulas contratuais do ajuste em particular (art. 23, IX, Lei n 8.987/95).

3 Vale ressaltar que nas publicaes mais recentes e atualizadas do seu festejado manual, principalmente aqueles posteriores a vigsima sexta edio, Celso Antnio Bandeira de Mello j aceita a constitucionalidade do dispositivo, especialmente no tocante ao controle societrio da empresa concessionria.

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Iniciando o captulo referente formalizao dos contratos, o estatuto arrolou uma srie de clusulas consideradas essenciais a todas os acordos firmados, inclusive aquelas avenas envolvendo servio precedido da execuo de obra pblica. Dentre elas, uma merece especial destaque, a que exige a indicao expressa dos casos de extino da concesso. Tais modalidades extintivas, como j devidamente alertado neste trabalho, no esto elencadas de forma taxativa no captulo especfico, sendo possvel identificar na legislao outras maneiras extraordinrias de encerrar o pacto ajustado.

Neste sentido, preciso se mostrar sensvel percepo de que o contrato de ndole concessionria nada mais do que um simples acordo de vontades, concretizado e solenizado atravs de uma conveno, onde as partes aderem de forma espontnea ao ajuste. Porm, o elemento volitivo no est presente apenas na parte inaugural da relao, ou seja, na conduta em aderir ou no aquela aliana, mas tambm em toda a sua execuo, sendo oportunizado aos contratantes particularizar algumas situaes em especial sobre este convnio, desde que no contrria s disposies legais. Assim, parece ser possvel vislumbrar a possibilidades dos atores contratuais estipularem, de comum acordo, outras formas de extino da concesso pelo inadimplemento do particular, ultrapassando as hipteses arroladas no estatuto concessionrio. A existncia destas clusulas contratuais adicionais se encontra em perfeita sincronia com o esprito nuclear da concesso, funcionando como mtodo supletivo s previses normativas consideradas obrigatrias, reforando e particularizando quela delegao em especial.

Deste modo, registremos as oportunas ponderaes de Lcia Vale Figueiredo sobre a existncia do ncleo comum dos contratos administrativos, viabilizando a tese desta modalidade diferenciada de extino da concesso pela caducidade: No mais, considerando a concesso como contrato administrativo, as causas de extino natural ou provocada do contrato administrativo aplicam-se ao instituto. (FIGUEIREDO, 2008, p. 114).

Por derradeiro, vale pena ressaltar que inexiste, na opo pela utilizao da caducidade, a obrigatoriedade de qualquer lei ordinria autorizativa prvia, dependendo, assim, o instituto administrativo extintivo to somente do ato oriundo do setor diretivo do poder concedente. Esta observao ganha relevncia quando comparada com o fenmeno da encampao, considerada pela doutrina especializada a forma mais hostil de interrupo da concesso, em virtude do fator surpresa. Nesta modalidade, a aprovao de uma legislao especfica requisito obrigatrio para a validade do procedimento, etapa normativa que acaba funcionando como um instrumento de controle externo (art. 37, Lei n 8.987/95).

3. CoNCLuso

possvel inferir que as hipteses de caducidade arroladas no estatuto retratam um efeito extintivo da avena oriundo, sobretudo, da atuao culposa do concessionrio, motivadora da inadimplncia contratual, embasada na inexecuo total ou parcial das obrigaes estabelecidas. No entanto, o descumprimento das tarefas legalmente rotuladas como absolutamente indispensveis manuteno da avena no o principal motivo da aplicao das sanes ou da declarao da caducidade de forma unilateral pelo poder concedente. Faz ainda parte deste conjunto o inadimplemento originrio

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da legislao ou do regulamento, como tambm o desaparecimento superveniente dos requisitos da habilitao utilizados no incio do procedimento licitatrio, desde que previamente estipulados e simultaneamente ratificados.

Analisando a definio de caducidade em paralelo com as suas hipteses punitivas dispostas no estatuto, possvel concluir que o instituto funciona, na verdade, como uma ferramenta de manuteno da prestao do servio pblico na forma mais adequada, buscando inibir o parceiro privado de cometer grandes equvocos durante a execuo do contrato. Neste ngulo, a punio do concessionrio pelo rgo concedente exige do gestor pblico uma conduta menos agressiva e imediatista, devendo assumir uma postura mais indulgente e materna, zelando pela manuteno da atividade. Todas as situaes ocorridas ao longo da parceria ensejadoras da caducidade devero ser interpretadas cuidadosamente, sopesadas a luz dos princpios gerais do direito pblico e setoriais da concesso, entre os quais podemos destacar as construes tericas da continuidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Nestes termos, a nova inteligncia conferida ao dispositivo da caducidade, alm de conservar a interveno do poder concedente na atividade delegada iniciativa privada, resguardando o servio pblico adequado, tambm possui a finalidade de alcanar uma sincronia harmoniosa com a realidade do governo democrtico. Essa evoluo no modo de interpretar o instituto extintivo multiplica as formas de atuao do setor pblico, se adequando as profundas transformaes ocorridas neste segmento, corrigindo as inmeras distores sobre a matria. Os pilares estratgicos do estado-empresrio na busca pelo desenvolvimento econmico e social se encontram fortalecidos neste conceito, inseridos em corolrio aos preceitos da administrao pblica gerencialista, mas, sobretudo, em benefcio da segurana jurdica.

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A GLoBALizAo E A CrisE No DirEiTo: rEPENsANDo A TiCA E A morAL No EsTADo Ps-moDErNo

gloBaliZatioN aND thE criSiS iN laW: rEthiNKiNg EthicS aND moralS iN thE PoSt-moDErN StatE

adonias osias da silva4

carla regina Freitas5

Klber stocco6

rEsumo

O presente ensaio tem por escopo uma anlise crtica sobre a globalizao tecnolgica e econmica e os seus impactos no direito positivo, com sua lgica normativista formal face a contextos que se apresentam cada vez mais complexos e mutveis. Partindo dessa premissa, pretende-se avaliar como a tica e a moral podem servir de norte nessa mudana de paradigma que se faz necessria para uma aplicao do direito que melhor atenda aos anseios do cidado em uma sociedade em constante mudanas. Busca-se analisar o papel do direito sob esse novo vis de globalizao e a sua relevncia para o homem hodierno.

PALAVrAs-ChAVEs:

Globalizao, Direito positivo, tica, Moral.

ABsTrACT

The present essay seeks to a critical analysis on the technological and economic globalization and its impact on positive law, with his normativity formal logic face the contexts that are increasingly complex and mutable. Starting from this premise, it is intended to assess how the ethics and morals can serve as North in in this change of paradigm that is necessary for an application of the law that best meets the needs of the citizen in a society in constant change. The aim is to analyse the role of the right under this new globalization view and its relevance to the modern man.

KEy worDs:

Globalization, Positive Law, Ethics, Morals.

1. iNTroDuo

de sabena geral que a trajetria do homem no planeta, iniciando nas cavernas at o homo sapiens, quando o homem passou a tomar conscincia de sua inteligncia e instituiu sua liberdade para vencer os obstculos que sempre atravessaram seu caminho, sempre foi marcada pela participao do homem na construo do direito e da justia.

4 Advogado tributarista, Bacharel em Direito pela UNIBAN-SP; Ps-graduado em direito tributrio pela Faculdades integradas Jacarepagu RJ; mestrando em Direito - Solues Alternativas de Controvrsias Empresarias, na Escola Paulista de Direito; [email protected]

5 Mestranda em Direito Solues Alternativas de Controvrsias Empresarias, na Escola Paulista de Direito EPD. Ps-Graduada em Direito do trabalho pela UNIP SP. Ps-graduada em docncia do ensino superior pela UNIP SP. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de SBC [email protected]

6 Advogado especializado em Processo Civil e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito; mestrando em Direito - Solues Alternativas de Controvrsias Empresarias, na Escola Paulista de Direito, So Paulo SP. [email protected]

DILOGO JURDICO

26 aDonias osias Da silVa, carla reGina Freitas, KlBer stocco

Mesmo nos primrdios da civilizao, quando ainda no se tinha uma ideia aperfeioada de direito e de justia como temos nos dias atuais, o homem sempre lutou para ser o ator da sua prpria histria e, dentro dessa toada, passou a ser um ser poltico e moral, que agia dentro do seu conceito de tica e moralidade.

Alis, pode-se diferenciar o homem dos demais seres vivente exatamente por conta do seu desenvolvimento intelectual, que, por sua vez, est diretamente relacionado sua conduta em sociedade, ou seja, no seu procedimento moral que demonstrado por meio de suas atitudes na convivncia coletiva com os seus pares, o que no s acontece com os demais seres vivos, que agem simplesmente por instinto. Essa sua postura entre os demais semoventes da natureza que lhe d lugar de destaque como ser social dominador7

Desde os costumes sociais transmitidos de pai para filho, as relaes dos grupos sociais evoluram de simples paradigmas de convivncia at se chegar a estruturao de comandos mais slidos, tais como o direito positivado, e tudo isso como consequncia do carter eminentemente gregrio do ser humano que, a partir da sua convivncia social, fez exsurgir o direito, como fenmeno social de sua prpria cultura, com suas regras e sanes.

E para ratificar essa realidade h um brocardo em latim que diz: ubi est societas, ibi ius (onde houver sociedade, a estar o direito). Esse o ponto de partida do presente ensaio, uma vez que a sociedade evoluiu, tornou-se global, e o direito positivo com sua normatividade formal, ao que parece, j no consegue atender aos anseios desse homem moderno que, em meio a um mundo globalizado, segue em sua eterna jornada em busca da justia.

A globalizao, que veio de mos dadas com a revoluo tecnolgica e as mudanas econmicas, aps vencida sua primeira fase de instalao, qual seja, a integrao dos mercados mundiais, agora nos apresenta um novo desafio que so os desdobramentos e os impactos nas instituies jurdicas. O grande desafio saber qual a eficcia e o alcance dos institutos jurdicos e de seus instrumentos legais para essa nova realidade do homem globalizado.

Ao lado disso, no se pode olvidar o papel da tica e da moral para o direito moderno, bases de uma sociedade justa e correta. Tal realidade pode ser constatada pelo simples fato de que, na prtica, a aplicao concreta do direito faz-se por intermdio da justia distribuda por um homem o juiz a quem o sistema jurdico incumbe o honroso mister de solucionar a controvrsia entre as partes litigantes em busca de uma sentena.

No cotejo do trmite processual em busca da sentena o que se percebe que so postas em confronto no apenas as normas jurdicas, seno todos os princpios de tica e moral que a lei processual exige no apenas dos litigantes como tambm do prprio juiz. O ponto nevrlgico saber como ser tico em meio a corrupo degenerada trazida no seio da globalizao e seus sistemas tecnolgicos, onde se pode fraudar desde uma simples escolha de sndico de condomnio at uma eleio para escolha dos nossos governantes.

7 Cfr. Miguel Reale, in Uma Nova tica para o Juiz, p. 131, de Coordenao de Jos Renato Nalini, 1994, Revista dos Tribunais.

DILOGO JURDICO

27a GloBaliZao e a crise no Direito: rePensanDo a tica e a Moral no estaDo Ps-MoDerno

A globalizao econmica impe ao homem o dever de ser rico, de ter, de possuir a todo custo, e as inovaes tecnolgicas so os trilhos que conduziro a locomotiva da desonestidade, sob o vo pretexto de que os fins justificam os meios, afastando cada vez mais os seres humanos dos valores ticos e morais recebidos de bero. E imbricado nesse sistema da lei de Gerson, da facilidade a qualquer custo, encontra-se o direito, com todas as suas vertentes e determinantes.

sobre essa crise no direito que se pretende tratar no presente texto, levando em conta os aspectos da globalizao, que tornou o mundo em uma aldeia global, e levou consigo os valores da tica e da moral que nos foram transmitidos pelos nossos patriarcas. Vivemos hoje em contextos cada vez mais complexos e mutveis, que clamam por um direito contextualizado, um direito que atenda s necessidades do homem atual, que j no so mais as mesmas do homem inserido no contexto do sculo passado.

O que se pode afirmar de concreto que o Estado e o direito, nos moldes tradicionais que esto implantados na sociedade hoje, no se adequam s evolues sociais vividas pelo homem dentro da sociedade. Hoje, mais que nunca, o direito precisa tomar outros rumos se quiser atender aos anseios desse homem globalizado. O direito tem que se voltar para meios alternativos, ou seja, o direito deve ser um direito de negociaes, de mesas redondas, de arbitragem e mediao.

O certo que os caminhos que nos trouxeram at aqui no sero os mesmos que nos levaro daqui para adiante. E por conta dessa realidade vlido analisar at que ponto o direito positivado, com uma lgica formal e inflexvel, pode atender a contento os anseios desse homem globalizado, em especial no que concerne ao aspecto tico e moral. H necessidade de se manter a tica e a moral sem perder de vista o direito justo e sua correta aplicao ao caso concreto.

2. A GLoBALizAo No EsTADo moDErNo

A histria tem mostrado que o homem sempre lutou por melhorias em suas condies de vida. Os conglomerados humanos j tomavam forma de cidades h cerca de 3500 a.C. e do seu contexto social emergiam os guerreiros com suas primitivas armas que eram forjadas para defesa do grupo social. A partir dessa realidade surgiam os construtores de suas mansardas, os que dominavam a utilizao da gua, e aqueles, que, com sua sabedoria, aprenderam a interpretar os fenmenos naturais e se tornaram seus sacerdotes e primeiros juzes.

A partir desse desenvolvimento primrio o homem e a sociedade desenvolveram-se de vrias maneiras e em diversos estgios, que no convm aqui analisa-los, uma vez que o presente papel no se presta a esse desiderato. Entretanto, vale destacar aqui apenas os absolutismos que marcaram os primeiros tempos do Estado Moderno, que trouxe como caracterstica o monoplio do uso da violncia por parte dos dspotas, que, de maneira absoluta, detinham o poder a todo custo, sendo no apenas legislador, mas tambm juiz da sua prpria vontade.

O estado, visando manter a paz social ameaada ou violada, proibiu a autotutela e chamou para si a responsabilidade de solucionar os litgios. A partir desse momento o Estado passou a ter a funo de aplicar o direito aos casos concretos a ele submetidos e compor os conflitos.

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28 aDonias osias Da silVa, carla reGina Freitas, KlBer stocco

Em decorrncia disso surgiu o Estado como detentor da ordem, da lei e da justia restringindo o campo de atuao dos governantes aos estritos limites da lei, conferindo ao judicirio a competncia exclusiva para julgar e dirimir os conflitos, e esse o faz por meio da jurisdio. O vocbulo jurisdio procede da composio de duas palavras: do substantivo latino jus, juris, que significa direito, mais a terceira conjugao do verbo dicere, que significa dizer, afirmar, expressar. Assim, jurisdio o poder que o Estado tem de dizer o direito.

Entretanto, a jurisdio inerte, segundo o brocardo latim: nemo iudex sine actore; ne procedat iudex officio (no h juiz sem ator; o juiz no procede de ofcio). Da surgiu o art. 2 do Cdigo de Processo Civil, que assim prolata: Nenhum juiz prestar a tutela jurisdicional seno quanto a parte ou interessado a requerer, nos casos e formas legais.

Por essa razo, para que o Estado possa oferecer a prestao jurisdicional e exercer seu papel como mediador dos litgios h necessidade que o titular do interesse em conflito na relao jurdica de direito material tenha iniciativa e v bater s portas do judicirio. Por oportuno, vlido ressaltar que, embora o Estado no tenha iniciativa para incio da jurisdio, uma vez provocada a funo jurisdicional do Estado, o processo ser desenvolvido por impulso oficial at sua ultimao com uma sentena que ponha fim lide provocada.

Com o crescimento populacional e o crescimento econmico, tecnolgico e social, a demanda de cidados que batem s portas do judicirio so proporcionalmente maiores que as respostas dadas queles que buscam uma resposta s suas demandas e litgios. E o resultado disso que o judicirio, que j no atende s demandas ali levadas passa a um ativismo judicial que no corresponde aos anseios do cidado.

Hoje, com a globalizao, os problemas enfrentados pela sociedade so completamente diferentes dos vivenciados pela gerao passada e a tendncia um incremento dessas dificuldades, e a certeza que nos resta que o judicirio no est preparado para as mudanas que se apresentam para a prxima gerao, que trataremos nas linhas seguintes.

Quando se fala em globalizao o que se tem em mente uma anlise sria dos processos e mudanas inter-relacionadas e que esto acontecendo no cenrio mundial, e com isso todo o modo de pensar, agir e viver da sociedade est sendo alterado substancialmente. Tais mudanas afetam no apenas as estruturas econmicas e sociais, seno que interferem diretamente no modo de produo jurdica atual e, como resultado, na forma de pensar e fazer o direito.

O primeiro ponto que no se pode deixar de mencionar a questo da soberania do Estado-nao face ao crescimento do multinacionalismo e transnacionalismo. Com o aumento das empresas multinacionais e o surgimento desenfreado de agentes supranacionais e transnacionais trazidos pela globalizao, o Estado-nao v sua fora mitigada no que respeita a regulamentao e estruturao das regulaes econmicas, bem como no que tange a proteo do indivduo e da sociedade. O que antes era de competncia exclusiva do estado-nao, a partir da globalizao passar a ser alvo e interesse de outras instituies transnacionais e multinacionais.

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29a GloBaliZao e a crise no Direito: rePensanDo a tica e a Moral no estaDo Ps-MoDerno

As empresas multinacionais, com sua capacidade para expanso, tanto da produo quanto outras operaes por todo o mundo, em que pese sua importncia para o desenvolvimento econmico e social, impem ao direito um modo de pensar completamente diferente dos moldes trazidos do sculo passado e que tem se perpetuado na histria. A facilidade com que essas empresas tm para mudar suas fbricas de um pas para o outro, bem como seu potencial de negociao mundial, passa a exigir do direito uma viso global e mais aberta e menos sistemtica, fechada e localizada como a atual.

A relevncia dessas empresas para a economia mundial conduz a uma mudana de foco para as relaes sociais, com toda sua complexidade, passando a exigir do jurista no apenas a viso nacional, porm, um olhar alm das fronteiras, ou seja, um olhar global. At mesmo porque virou lugar comum se ouvir que o mundo uma aldeia global, significando, com isso, que as cercas, os muros e os limites que nos separavam dos nossos vizinhos, agora j no mais podem ser vislumbrados.

Tal realidade afeta o direito em todos os nveis e tem seus desdobramentos nos valores ticos, morais e de bom comportamento que se exige do cidado inserido nesse contexto social globalizado. Expostos a todos os riscos trazidos pela globalizao, esse cidado, que procura no judicirio uma resposta sua demanda, no encontra no direito mais que conceitos e institutos pr-estabelecidos, formalmente impostos e determinados, que no consegue atender s suas necessidades dentro dessa complexidade global.

Por essa razo, pode-se afirmar que a globalizao aponta para uma mudana no direito civil, penal, empresarial, administrativo e, acima de tudo, no direito internacional, que precisa se adequar constantemente para o atendimento de situaes novas e inusitadas que at algum tempo atrs no se pensava sequer existir, tais como o comrcio global e a unio de mercados financeiros que, no obstante sua flexibilizao para criao de capitais unidos globalmente e a facilitao do livre fluxo de investimento sem fronteiras, no deixa de ser uma realidade nova e difusa para o direito atual.

Um outro fator que deve ser pensado nesse mundo globalizado a questo do crescimento dos blocos econmicos regionais, pois isso afeta diretamente o modus operandi do direito como est posto em nossa sociedade. O que mais comum hoje, e que tem aumentado a cada ano que passa, o intercmbio entre os blocos regionais de comrcio, ou seja, a diminuio das barreiras comerciais entre as naes. Basta lembrar de siglas como ALCA, MERCOSUL, UEA, apenas para citar alguns desses blocos que se unem com afinidades comerciais. O certo que hoje o comrcio internacional uma realidade e os conceitos neoliberais, que eram mais hegemnicos, esto abrindo as portas de muitas naes outrora fechadas ao dilogo, como o caso da Europa Oriental, a antiga Unio Sovitica e, porque no dizer, com reflexos positivos na China.

O livre comrcio internacional e a nfase exacerbada que se d aos mercados privados, de certo modo descentraliza e reduz o papel governamental, que sempre foi o regulador da economia. Essa mudana livre negociao de tamanha monta que influenciou diretamente a poltica econmica do Tio Sam, bem como a poltica econmica europeia em geral, levando criao de entidades como o FMI, o BIRD (assim como os bancos regionais e o GATT), espraiando seus efeitos ao redor do mundo globalizado.

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E se todas essas mudanas no fossem suficientes para desenhar o grfico da sociedade atual, ainda se pode falar na tendncia mundial democratizao, proteo dos direitos humanos, levando um interesse muito maior seara do direito, dada a funo jurisdicional do Estado inicialmente apontada. Paralelo s manifestaes gritantes por mudanas econmicas, percebe-se um esforo tremendo, a nvel internacional, para a criao de polticas liberais, que visem tutelar os direitos humanos individuais, bem como o controle da arbitragem governamental e o fortalecimento dos institutos jurdicos que venham realmente atender ao pedido de prestao jurisdicional do cidado, face aos seus interesses difusos e coletivos.

Paralelo a tudo isso encontramos ainda as ONGs, que so os protagonistas transnacionais e supranacionais que surgem nesse cenrio visando tutelar os direitos humanos, o direito dos desvalidos, o direito a um meio ambiente sustentvel, o direito das populaes indgenas, o direito das minorias tnicas, a questo dos homo afetivos na sociedade, apenas para citar algumas delas. No se pode mais olvidar que todas essas questes fazem parte do dia a dia do cidado e a sociedade anseia por uma resposta satisfatria e que venha ao encontro desse homem moderno que, ao que parece, foi convidado a sair da caverna, entretanto, no lhe foi dado os meios necessrios para seguir em frente, razo pela qual continua absorto a tudo o que v ao seu redor, sentindo-se impotente e despreparado para enfrentar essa nova realidade.

Ao analisar toda essa problemtica global, fica patente que o direito no tem envidado esforos canalizao e conduo dos conflitos e embates surgidos no seio da sociedade, razo pela qual h que se falar no apenas em uma mudana radical e urgente, seno em uma total adequao de conceitos tradicionalmente utilizados, de tal modo que, do mesmo modo como o homem saiu da caverna, o direito tambm faa o mesmo caminho e venha ao encontro desse homem moderno em meio a uma sociedade catica, um mundo globalizado, e uma vivncia de conflitos generalizados em todos os nveis.

3. DirEiTo PosiTiVisTA E LGiCA FormAL

No possvel falar em positivismo na seara jurdica sem se atrelar figura de Hans Kelsen. Na realidade, embora seja considerado o pai do positivismo, vale destacar ab initio que toda doutrina positivista foi sendo construda ao longo dos anos e teve seu papel preponderante para o desenvolvimento do direito enquanto cincia jurdica.

Para Kelsen, o direito deveria ser entendido como norma, divorciada de qualquer concepo social ou valorativa. Exatamente por pensar desse modo que o ponto central da sua obra, conhecida como Teoria Pura do Direito, a libertao dessa cincia jurdica de todos os elementos que, pela tica de Kelsen, no lhe so prprios. Ao propor essa ciso o jurista alemo visa dar cincia jurdica uma autonomia prpria, totalmente livre de elementos que no pertenam sua alada.

Para Kelsen, a cincia jurdica pura deve ser inconfundvel com a psicologia, a sociologia, a poltica e a moral. Embora tais cincias se relacionem de algum modo com o direito e cruzem seu caminho na maioria das vezes, mesmo assim a cincia jurdica no pode ser impregnada com tais conceitos alheios sua rea de atuao. Tal entendimento, embora soe estranho aos ouvidos, tem seu valor quando se quer falar de justia, pois se utilizando de uma linguagem precisa e rigidamente lgica, Kelsen abstraiu do conceito do Direito a ideia de justia.

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A justia est sempre e invariavelmente imbricada com os valores (sempre variveis) adotados por aquele que a invoca (seja por argumentos sociolgicos, psicolgicos ou morais), no cabendo num conceito de Direito universalmente vlido, por conta da impreciso e fluidez de significado, pois o que justo para um determinado contexto ou sociedade no seria justo para outro.

Na viso de Kelsen o direito se restringe a um conjunto de normas representadas por prescries que revelam a categoria do dever ser, e desse modo relega os fatos a uma escala de jurdico ou antijurdico. Com isso se percebe claramente que Kelsen cria uma deontologia baseada na distino entre ser e dever-ser. Em outras palavras, Kelsen traa uma distino entre as coisas como so e as coisas como devem ser, e essa relao entre o ser e o dever-ser desemboca em duas vertentes distintas, e que so cruciais na sua concepo do Direito.

A primeira dessas vertentes diz respeito ao fato de que essa distino entre ser e dever-ser serve para diferenciar entre as duas modalidades em que se pode estudar direito: a primeira a viso do direito como ele , e a segunda a viso do direito como ele deve ser. A segunda vertente d conta que essa distino tambm serve para fazer um marco divisrio entre o reino dos fatos - relacionado ao ser - e o reino das normas - relacionado ao dever-ser. Assim sendo, cria-se a seguinte equao: o no cumprimento da obrigao (a ausncia do fato obrigacional), implica em sano (dever ser). Em palavras mais claras: ao no cumprimento (dever), deve haver penalidade (sano estabelecida pela norma).

Neste contexto, Kelsen observa que a norma um produto da vontade, elaborada com a finalidade de regular a conduta humana e que funciona como um esquema de interpretao. Aqui se faz necessrio destacar que, para o positivismo, a norma tem validade no pelo sentido de ser justa, mas pelo simples fato de estar ligada a outra norma considerada superior que ele, denomina de norma fundamental. a partir desse conceito metodolgico da norma fundamental que o jurista consegue criar uma sistematizao de toda uma ordem jurdica.

Uma de suas concepes tericas de maior alcance prtico a ideia de ordenamento jurdico como sendo um conjunto hierarquizado de normas jurdicas estruturadas na forma de uma pirmide abstrata, pontuada e dominada pela Constituio do Estado, que subordina as demais normas jurdicas de hierarquia inferior (as diversas leis infraconstitucionais e os outros atos normativos). Desta concepo terica que se extrai o conceito de rigidez constitucional, o que vem a possibilitar e a exigir um sistema de tutela da integridade da Constituio. Embora haja controvrsias quanto criao da pirmide normativa, para efeito do presente ensaio atribui-se a Kelsen.

Outra grande contribuio do jurista para o mundo prtico do Direito foi a Constituio da ustria de 1920, redigida sob a sua inspirao. sombra da influncia do pensamento Kelseniano, esta Carta Poltica Austraca inovou s anteriores, introduzindo no Direito Positivo o conceito de controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos como funo jurisdicional a cargo de um tribunal constitucional, incumbido da funo exclusiva de guarda da integridade da Constituio.

A partir da a jurisdio constitucional pode ser seccionada em duas vertentes: a jurisdio constitucional concentrada (controle concentrado da constitucionalidade) e a jurisdio constitucional difusa (controle difuso da constitucionalidade). Este ltimo modo de guarda da Constituio (difuso) j era praticado nos Estados Unidos da Amrica.

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No ordenamento jurdico ptrio, sob a gide da Constituio Federal de 1988, a jurisdio constitucional praticada dos dois modos: o concentrado, por meio de aes prprias da competncia do Supremo Tribunal Federal, e o difuso, executado nos autos de quaisquer aes (e dos recursos a estas inerentes) da competncia de qualquer rgo jurisdicional, sejam juzes ou tribunais.

Portanto, quando se discute Kelsen no se pode perder de vista o foco da questo principal do seu pensamento que a validade da norma jurdica e a sua hierarquizao, sendo esse um dos aspectos mais importantes da sua teoria.

Diante do exposto, percebe-se que o direito positivista um conjunto de normas que regulam a conduta humana e essas normas, por sua vez, quando legitimamente vlidas e descumpridas adquirem poder para estabelecer sanes, pois, em razo da sua estrutura, caracterizada como uma ordem coercitiva e que s tem validade se estiver umbilicalmente ligada a outra norma.

O grande problema que se apresenta em relao ao positivismo jurdico que mesmo sendo ele um sistema de normas que regulam a conduta do homem dentro da sociedade, mesmo assim a inflexibilidade do direito positivado no consegue atender aos anseios desse mesmo homem. Nessa esteira vale a pena ressaltar a crtica feita por Dworkin8 ao positivismo jurdico ao afirmar que o positivismo to dogmtico que a lei frequentemente se torna aquilo que o juiz afirma. Nessa crtica Ronald Dworkin faz um contraponto ao direito positivista apresentando um modelo terico que tem como escopo dar uma resposta adequada questo da interpretao, que ele chama de integridade do direito.

Pois bem, esse dogmatismo intolerante do positivismo jurdico, que acaba por reduzir a lei ao pronunciamento de determinados juzes que culmina por tirar a esperana do cidado, relegando o direito apenas ao mundo das ideias, aquilo que deveria ser, e no ao mundo real, aquilo que se espera quando se ingressa no judicirio com uma demanda: a concretude da demanda judicial. No se fala aqui em justia, pois, como j foi mencionado, o positivismo jurdico no tem essa pretenso de justia, mas simplesmente visa fornecer um conceito universalmente vlido de direito, apartado de outras realidades sociais. O que se pretende aqui que pelo menos a to almejada prestao jurisdicional seja efetivada de fato e de direito e no apenas teorizada em normas jurdicas, verbalizadas pela toga.

4. A TiCA E A morAL No DirEiTo

Quando se fala em tica e moral no direito no se pode deixar de mencionar que a conduta de um indivduo em relao ao outro, seja em que contexto social ocorra, nas lutas judiciais levadas a efeito justia, sempre tem um forte cunho moral.

A nica diferena entre os postulados ticos e morais e o direito que esse ltimo tem sua fora coercitiva regulada pelo ordenamento jurdico, que a todos se sobrepe com suas regras, ditames e normas definidas, que trazem consigo as sanes passveis a quem a elas no se submetem.

O jurista positivista Hans Kelsen9, j mencionado nesse texto, traz uma importante contribuio para a compreenso desse tema tica e moral no direito. Em sua obra O que justia, o sbio alemo assim se expressa:

8 DWORKIN, Ronald. O Imprio do Direito. Martins Fontes: So Paulo, 2007. P.9 3. KELSEN, Hans. O que Justia A Justia, o Direito e a Poltica no espelho da cincia. 3 ed. So Paulo: Martins

Fontes, 2001.

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Embora reconhecendo o direito como a tcnica social especfica da ordem coercitiva, podemos compar-lo com outras ordens sociais que, em parte, perseguem os mesmos objetivos que o direito, mas por meios diversos. O direito meio social especfico, no um fim. O direito, a moralidade e a religio todos os trs probem o assassinato. Mas, o direito faz isso provendo que: se um homem comete assassinato, outro homem, designado pela ordem jurdica, aplicar contra o assassino, certa medida de coero prescrita pela ordem jurdica. A moralidade limita-se a exigir: no matars.

digno de nota que embora a moral no tenha o poder e a fora de estabelecer uma sano pela sua desobedincia, como faz o direito, mesmo assim ela no pode ser desprezada pelos estudiosos do Direito, uma vez que antes mesmo do direito positivado com suas normas e conceitos a moral j era utilizada pelas sociedades primitivas como meio de nortear e conduzir os relacionamentos no convvio social.

Portanto, a distino entre a moral e um princpio jurdico uma linha tnue e que, muitas vezes, caminham juntas e prximas e que so separadas apenas pelos seus efeitos. Tomemos como exemplo um filho que, ao passar pelo pai e recebe um cumprimento, no retribui na mesma delicadeza, ou at mesmo o destrata, tal comportamento uma ofensa moral para a qual no existe uma cominao legal. Entretanto, se esse mesmo filho, ao ser cumprimentado pelo pai lhe causa uma leso corporal, nesse caso comete crime previsto no ordenamento e deve ser punido.

Por essa razo, Cham Perelman10, o grande filsofo de Bruxelas e um dos maiores filsofos do Direito do sc. XX, ao tratar desse tema Direito e moral, deixou registrado o seguinte:

Tradicionalmente, os estudos consagrados s relaes entre direito e a mora