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Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 14

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Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200514

1.1. Introdução

A avaliação do desenvolvimento da situaçãopós-conflito em Angola, a partir de algunsdestaques da imprensa local, deixa qualquerobservador com uma sensação mista deesperança e de grande perplexidade. Por umlado, sabe-se que cerca de um quarto da popu-lação do país foi deslocada internamente naúltima década, para além de que sessenta eoito em cada cem angolanos vivem abaixo dalinha de pobreza. Por outro lado, as tentativasde perfuração de novos poços de petróleo -Angola é o segundo maior exportador africanoao sul do Saara - estão a ser bem sucedidas aum nível sem precedentes, sem que isso venhaatenuar de imediato a situação de penúriahumana de que padece a maioria da populaçãoe apenas se re f lecte numa pequenaminoria. Estas constatações contrastantesforam a motivação principal para a escolha dotema do relatório do Desenvolvimento HumanoNacional (RDHN) de 2005 “Desenvolvi -mento para a construção da Paz”.

A formulação de políticas públicas paracombater a pobreza é um exercício penoso emÁfrica, porque os peritos dos Governos têm queconciliar interesses incompatíveis. Por umlado, atender a um número ilimitado de pre-ocupações sociais com acesso a recursos limi-tados e, por outro, enfrentar em geral escolhasindesejáveis entre interesses conflituosos deuma minoria relativamente bem colocada e anecessidade de implementar políticas sociaisem benefício da maioria. Simultaneamente,têm igualmente que encarar a necessidade deadoptar medidas rígidas de estabilização,incluindo restrições orçamentais e monetárias.O efeito combinado destas medidas defla-cionárias é com frequência a redução peloEstado da oferta de serviços sociais, a perda deempregos no sector público e privado, resul-tando em geral num aumento da pobreza.

No entanto, o combate àpobreza em Angola deveriaser menos difícil. As pro-jecções existentes sugeremuma taxa de crescimentopositivo para o futuro, querpara a economia no seutodo, quer para as finançaspúblicas. O caso de Angolaé, portanto, único, porque a dimensão total dorendimento nacional irá aumentar, permitindoescolhas menos dolorosas entre interesses con-flituosos dos grupos sociais que disputam asfatias do rendimento nacional.

No caso vertente, Angola apresenta-se tam-bém como um exemplo das dificuldades emelaborar e implementar programas de reduçãoda pobreza, porque o país tem que enfrentarmuitos constrangimentos a esse respeito,sendo os mais conhecidos os efeitos negativosda guerra. A guerra explica a dimensão dodesespero enfrentado pela maioria da popu-lação angolana, mas ao mesmo tempo não dev-eria ser a única desculpa para toda a sua des-graça. O fim do conflito não determinou umaconscientização automática para um pensa-mento centrado no desenvolvimento humanosustentável, a via provada mais correcta paraatacar a questão fulcral do desenvolvimento, oempobrecimento crescente de amplascamadas da população.

O PNUD lançou o RDHN como uma via paraa abordagem e busca de soluções para osproblemas de desenvolvimento que Angolaenfrenta. Os RDHN reflectem contribuiçõeselaboradas por intelectuais angolanos, comideias elaboradas independentemente do seuestatuto profissional, social ou político. Esterelatório constitui o quarto publicado no país.

O tema central do relatório de 1997 foi apobreza e o seu impacto social. O relatório foioportuno na análise da informação estatística

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Construindo uma paz social em Angola

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A formulação de políti-cas públicas para com-bater a pobreza é umexercício penoso emÁfrica, porque os peri-tos dos Governos têmque conciliar interessesincompatíveis

na sequência dos resultados do InquéritoPrioritário sobre as Condições de Vida nosDomicílios (IPCVD, 1995) e dos dados colhidosde outros inquéritos às famílias . O relatório foibastante compreensivo sobre a dinâmica dapobreza. Com a publicação desse relatório, oPNUD deu um grande passo em termos de con-tribuição para a discussão dos problemas dodesenvolvimento em Angola. Já o relatório de1998 abordou o papel da administração públi-ca e da boa governação como mecanismosindispensáveis para o desenvolvimentodemocrático num contexto institucional localbastante fragilizado.

O relatório de 1999 concentrou-se no papela ser desempenhado pela sociedade civil ecomunidades na abordagem do problema dascondições precárias em que vivem as popu-lações e forneceu algumas indicações sobre a

forma como se poderiainverter a situação depobreza. Com respeito àmedição do Índice deDesenvolvimento Humano(IDH), o relatório desta-cou a evolução positiva doIDH em 1997 de 0.32 para0.35 em 1998, um acrésci-mo atribuído ao períodode paz vivido no país

entre 1994 a 1998. Com a retomada da guerraem 1998, dissiparam-se as esperanças demelhorias no desenvolvimento humano.

O presente relatório pretende demonstrarque iniciativas concertadas visando o desen-volvimento humano podem contribuir para aconstrução e consol idação da paz ereconstrução do país. Este relatório centradona construção da paz social ocorre nummomento de viragem em que crescentesesperanças na frente económica e financeirapodem ser combinadas com políticas sociais eeconómicas que conduzam ao aprofundamentodo desenvolvimento humano.

História da guerra recente

A luta armada pela libertação nacionaldurou cerca de 13 anos até à partida das forçasportuguesas a 11 de Novembro de 1975.

Porém, logo no início daquele ano, os movi-mentos nacionalistas que perseguiam o mesmoobjectivo comum de luta pela independência,tiveram dificuldades em negociar um acordode partilha do poder (Acordo de Alvor) e, final-mente, voltaram a pegar em armas uns contraos outros, procurando controlar o poder nasgrandes cidades, especialmente em Luanda, acapital. Embora a OUA e as Nações Unidastivessem reconhecido o Governo centralestabelecido em Luanda, a oposição armadacontinuou sob forma de guerrilha, algumasvezes transformando-se em guerra convencional.

Por ocasião da Proclamação da Independên-cia em Novembro de 1975 o conflito alastrou-separa a sub-região, quando o exército SulAfricano atravessou a fronteira com a Namíbiae entrou no território até cerca de 20quilómetros da capital com o objectivo evi-dente de interferir nessa proclamação. Estainvasão assim como a do exército zairense eforças mercenárias constituídas por portugue-ses, ingleses e outros pela fronteira Norte pre-cipitou a intervenção directa de aliados exter-nos do Governo levando à internacionalizaçãodo conflito. Os acordos de Nova Iorque, assina-dos por Angola, Cuba e África do Sul a 22 deDezembro de 1988, criaram finalmente, oquadro para a independência da Namíbia,reduzindo o envolvimento militar externodirecto em Angola, com a retirada gradual detropas estrangeiras. A partir daí os Angolanosencontraram-se aparentemente “sozinhos”numa guerra civil.

Os Acordos de Bicesse em 1992 criaram umquadro apropriado para organizar uma tran-sição pacífica da guerra civil para um sistemademocrático e pluralista. Em 1992 foramrealizadas eleições parlamentares e presiden-ciais consideradas livres e justas pela comu-nidade internacional na pessoa colectiva dasNações Unidas (NU), cuja segunda volta daseleições presidenciais não chegou a ser con-cluída pelo reinício da guerra (em virtude deuma da parte vencida, a UNITA, não se ter con-formado com a derrota nas urnas).

O protocolo de Lusaka de 1994 tentouultrapassar as falhas do acordo anterior. Naopinião de muitos analistas políticos, os dois

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O presente relatório pre-tende demonstrar que ini-ciativas concertadas visan-

do o desenvolvimentohumano podem contribuirpara a construção e con-

solidação da paz ereconstrução do país.

acordos políticos falharam, porque o nível dedesconfiança mútua era maior do que o desejoda paz, aliado à incapacidade da comunidadeinternacional em exercer o seu papel de medi-ação e fazer cumprir os acordos.

O colapso do comunismo internacional e ofim do regime de Apartheid na África do Sul,deixou o conflito Angolano numa situação difí-cil de se explicar em termos de ideologiareconhecida ou respeitada. Se a guerra fria erade início a principal justificação para a guerracivil em Angola, a ambição pelo controlo dopetróleo e dos diamantes tornou-se um factorreal e evidente para a sua continuação e dissodependia o seu fim. As enormes descobertas depetróleo ajudaram a financiar o esforço militardo Governo enquanto que os diamantes servi-ram de recursos para suportar a oposiçãoarmada no interior do país. Na tentativa deacabar com o financiamento da guerra fratrici-da, o Conselho de Segurança das NU, atravésda Resolução 864 de 15 de Setembro de 1993,aplicou um embargo de armas e de combustívela UNITA assim como sanções contra o comércioilegal de diamantes, através da Resolução 1173de 12 de Junho de 1998 e Resolução 1176 de 24de Junho de 1998.

O fim da guerra teve lugar em Abril de2002, após a morte em combate do líder daUNITA em 22 de Fevereiro desse ano. O Gover-no declarou um cessar-fogo unilateral emMarço e a 4 de Abril o Memorandum deEntendimento do Luena era assinado entre asFAA e as Forças Armadas da UNITA levando aotérmino efectivo da guerra.

O Memorandum não constituiu um novoacordo de paz, mas assinalou a continuação doProtocolo de Lusaka, substituindo assim osAnexos Militares. O aquartelamento, desarma-mento e desmobilização dos combatentes daUNITA tiveram lugar rapidamente com mais de100 mil aquartelados em Julho de 2002 assimcomo mais de 450 mil membros familiares, e a2 de Agosto a desmobilização e a integração de5 mil elementos nas FAA foram anunciadoscomo tendo oficialmente tido lugar.

O Protocolo de Lusaka foi concluído oficial-mente em Novembro de 2002, com a conclusão

do processo de desmobilização e a tomada deposse dos governadores provinciais eadministradores municipais designados pelaUNITA para os lugares acordados no Protocolo,concluindo, assim, o papel formal de super-visão das Nações Unidas .

A Administração do Estado foi alargada atodas as áreas de Angola, abrindo-se umnúmero de áreas cinzentas onde a situaçãohumanitária encontrada era catastrófica. Oacesso a essas áreas tem sido dificultado pelaexistência de minas e infra-estruturarodoviária pobre. As minas espalhadas pelopaís, cujo número real se desconhece constituium terrível legado para os camponeses eoutros usuários da área rural.

Embora seja difícil avaliar o custo exactoda guerra em termos humanos e financeiros,é certo que o confl ito continuará a serresponsabilizado pela situação de penúria dosvários segmentos da população angolana,nomeadamente as condições precárias de cer-tos grupos vulneráveis, tais como crianças,mulheres e soldados desmobilizados.

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Retorno da população

Durante o período de conflito, estima-seque acima de um quarto da população do país,foi deslocada, a maioria dela a partir de 1988.O resultado disso foi um aumento massivo dapopulação das áreas urbanas e da capital dopaís, Luanda, onde se estima que habite 25%da população total do país. Adicionalmente,mais de 450 mil habitantes atravessaram asfronteiras internacionais e tornaram-se refu-giados na Namíbia, Zâmbia e RepúblicaDemocrática do Congo. Outro resultadodirecto disso foi um rápido processo de empo-brecimentos em escala nunca antes vista dapopulação deslocada maioritariamente cam-ponesa como confirmam dados disponibilizadospelo MINARS.

O fim da guerra não inverteu imediata-mente a tendência migratória, visto que algunscidadãos que estiveram isolados nas áreasrurais com poucos meios de sobrevivência via-jaram então em busca de apoio para as cidadese pequenos centros urbanos, onde agênciashumanitárias continuavam activas.

No final do mês de Agosto de 2003, estima-va-se que ao redor de 3,8 milhões de pessoascivil afectadas pelo conflito tinham regressadoàs suas áreas de origem, a maior parte, cercade 70% de forma espontânea e sem qualquerforma de assistência ou programa humanitárioorganizado. Não obstante o governo estarlegalmente obrigado por um conjunto de nor-mas de reassentamento, devidamente regula-mentadas, estima-se que somente cerca de15% dos deslocados tenham retomado às suasáreas com as condições existentes definidasnestas normas.

1.2. Construção da Paz

Um esforço de compreensão do conceito dePaz em Angola, deve ir para além do fim doconflito armado, isto é, e por outras palavras,deve ir para além da concepção militar de Paz,como simples ausência da guerra. Para a maio-ria dos Angolanos, a guerra afectou-os de

forma muito profunda, dividindo famílias ecomunidades e criando divisões profundas nasociedade angolana, bem como paralisando asinfra-estruturas e a economia do país. Após 27anos de sofrimento e de acordos de paz falha-dos, a vida diária em Angola é ainda uma luta,com a maioria dos agregados familiares viven-do abaixo da linha da pobreza. Os níveis deeducação e saúde são baixos, e mesmo a mino-ria de pessoas empregues no sector formal sãoincapazes de se suportarem a si próprios combase nos magros rendimentos auferidos. Asdesigualdades sociais são crescentes. O deslo-camento forçado e migração, despovoaramvirtualmente largas áreas do país colocando aomesmo tempo uma forte pressão sobre as áreasurbanas e péri urbanas em particular ao longoda costa. A solidariedade comunitária e asestruturas de coesão tanto nas áreas ruraiscomo urbanas foram sujeitas a pressões quelevaram algumas delas ao seu ponto de rup-tura. As tensões sociais e os conflitos são aindaelevados, deixando o angolano médio a viver,ainda, o seu dia à dia sem qualquer segurança.O regresso de cerca de 4 milhões de civis paraáreas onde o tecido social, as infra-estruturas,a capacidade de gestão da administraçãopública, os serviços sociais básicos estãodebilitados e, onde, até certo ponto, a capaci-dade de absorção por parte das comunidadesde destino atingiu um ponto de saturação, sãoalgumas das causas possíveis.

Neste contexto, a paz deve ser percebidanum sentido mais profundo, como uma segu-rança humana em vez de segurança militar.Uma verdadeira paz social deve ser construída,permitindo ao povo Angolano a liberdade eoportunidades para o seu próprio desenvolvi-mento e promovendo a coesão e solidariedadeaos níveis local e nacional. O ponto de vistadeste relatório é que, para isto ter lugar, epara que a “Paz Social” seja atingida, énecessário que políticas promotoras do desen-volvimento humano e segurança humana,sejam activamente introduzidas como comple-mento.

Paz social

Angola necessita de construir uma pazsocial profunda, duradoura, que inclua o

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desenvolvimento humano e a segurança tantoao nível individual e familiar, como também anível nacional. Ela deve ser construída combase em dois pilares principais: liberdade indi-vidual e oportunidade, coesão social eestabilidade, factores que muitas das vezesparecem ser contraditórios na sociedadeAngolana contemporânea. A criação da coesãosocial e estabilidade num contexto imediato depós-conflito é um grande desafio, devido aosefeitos destrutivos e separatistas provocadospela guerra em Angola no seio da sociedade, etambém pelos níveis elevados de pobreza edesigualdade existentes. O diferencial entrepobres e ricos continua a crescer e o nível depobreza extrema também. Ao mesmo tempoque, em certas regiões, largas áreas de terrafértil se encontram concentradas nas mãos deempresários agrícolas, o agricultor familiarmédio vive a partir do cultivo de apenas cercade 1 a 3 hectares, sobretudo por falta deinsumos agrícolas. Nas áreas urbanas eperi-urbanas a alocação de terra e títulos depropriedade é irregular e amplamente sujeitaà arbitrariedade. A segurança de posse de terrano contexto do direito moderno é desconheci-da para a maioria da população.

A desigualdade exprime-se não somente emtermos económicos, mas também no acessoaos serviços básicos como água, saneamento,cuidados de saúde e educação. A maioria dapopulação não tem acesso a água potável ousaneamento básico. Contudo, paradoxalmenteas populações urbanas com mais recursosfinanceiros - beneficiam mais dos subsídios dogoverno à produção e distribuição de águapotável – pagam menos pela água que as popu-lações péri-urbanas. Estas últimas despendemproporcionalmente muito mais do seu rendi-mento familiar em água fornecida pelo merca-do informal de água. Os cuidados de saúde sópodem ser considerados virtualmente, navasta maioria do país, e a educação encontra-se numa situação relativamente idêntica. Osmais pobres são também os que possuemmenores oportunidades para reclamar os seusdireitos, inibidos pelo analfabetismo, falta deconhecimento dos direitos legais e constitu-cionais e um frágil sistema de justiça.

Para que a paz social seja construída e uma

verdadeira segurança humana seja alcançada,há pois um factor principal em falta: justiça.Justiça não no sentido da presença de mecan-ismos formais tais como as Comissões da Ver-dade e tribunais pós-guerra, mas no sentidomais amplo de igualdade de oportunidades,alocação equitativa de recursos, acesso aoapoio legal e direitos constitucionais, cuidadosde saúde e serviços públicos. Justiça é aquipara efeitos de análise, embora não exclusiva-mente, separada em Justiça económica eJustiça social, para permitir uma compreensãomelhor das suas dinâmicas. Em última análiseo que está em jogo é a capacidade de imple-mentação de mecanismos de “Fazer Justiça”nas várias dimensões do desenvolvimento.

Justiça social

Justiça social, quando alcançada, é nadamenos que a igualdade de direitos e oportu-nidades. Neste contexto, contudo, ela deveser vista como um processo em vez de um fimestático em si a ser alcançado. Não pode ser“medido” ou definido em termos absolutos,mas deve ser avaliado subjectivamente pelosindivíduos e as próprias comunidades. É claroque actualmente as desigualdades sociais emAngola são extremas, com os mais pobressendo também os mais prejudicados em termosde acesso aos serviços básicos tais como cuida-dos de saúde e água potável e mais debilitadosna sua inacessibilidade aos sistemas legais dejustiça. Gasosas são pedidas para tudo desdea obtenção de documentação oficial paramatricular uma criança na escola. Paradoxal-mente, em Angola a pequena corrupção atingeaqueles com menor capacidade para pagar,

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Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 19

enquanto que os serviços sociais subsidiadosestão dirigidos àqueles que têm mais posses.

Justiça social trata não somente da pro-tecção dos direitos do indivíduo, mas na

sociedade angolana como em muitassociedades africanas, os direitos do indivíduotêm de ser equilibrados em relação ao bem dafamília, comunidades ou sociedade. Os direitoscolectivos das comunidades à terra pelo direitocostumeiro por exemplo, devem ser reconheci-dos bem como os direitos individuais devem serformalizados pelo direito moderno.

Numa situação de pós-conflito ela incluiuma dimensão adicional relacionada com asquestões importantes de reconciliação eperdão. Quando um apoio excessivo é destina-do àqueles que cometem actos condenáveis, asvítimas podem sentir-se, por isso, em desvan-tagem e injustiçados. Não há uma linha nítidade separação entre as duas classes de pessoaso que torna os processos de reconciliação com-plicados.

Por isso em termos concretos, justiça socialno contexto de pós-guerra em Angola poderáincluir o seguinte:

* eliminação de barreiras externas noacesso aos direitos humanos básicostais como saúde e sobrevivência, edu-cação e abrigo (habitação) para os maisnecessitados;

* funcionamento imparcial dos sistemasde justiça e acessíveis ao cidadão(redução da corrupção e criação de leisjustas e aplicáveis de facto);

* Extensão da rede de justiça ao nívellocal, incluindo a presença de defen-sores civis e tribunais.

Justiça económica

Justiça económica por outro lado, refere-semais à redistribuição de recursos e oportu-nidades económicas dentro da sociedade.Actualmente essa distribuição de recursos con-centrada largamente no sector petrolíferobeneficia principalmente as elites de Luanda edo litoral. Angola tem um potencial económicoenorme, com reservas de petróleo substanci-ais, diamantes e outros minerais, madeira epotencial agrícola e pesqueiro. O crescimentoeconómico de Angola situa-se ao redor de 3%ao ano com o PIB per capita (PPC ) ao redor de$US 2.130,00 em 2002 e um rendimento médioper capita de $US 500 (método Atlas). Estenúmero é contudo enganador, visto que muitada riqueza do país esta concentrada nas mãosde poucos e a economia está fortemente con-centrada à volta do sector petrolífero quefornece poucos empregos e possui poucasligações com o resto da economia. Além dissoestima-se que um crescimento económico maisdiversificado da economia ao redor de 7% aoano seria necessário para reduzir actualmenteo número daqueles que vivem em situação depobreza. As actuais políticas económicas e fis-cais têm tido pouco impacto nas nas condiçõesde vida dos pobres. A inflação (ao redor de100% em 2002, mas com uma tendênciadecrescente a partir de 2003) contribuiu,durante muito tempo, para a desvalorizaçãodo poder de compra dos salários dos fun-cionários públicos (contribuindo assim para oaumento da corrupção) e tornando bastantedifícil a sobrevivência da população pobre.

Às medidas de promoção do crescimentoeconómico geral, será necessário adicional-mente reduzir o nível de desigualdadeeconómica regional, entre Luanda e as cidadesda costa e o interior mais sub-desenvolvido. O

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desenvolvimento moderno de Angola dos últi-mos 60 anos foi realizado com base em trêslinhas de penetração do modernismo capital-ista colonial, assentes primeiramente, nodesenvolvimento de cidades ao longo de trêscorredores de caminhos de ferro e estradasprincipais. Como resultado da guerra, duasdestas linhas de penetração que, grosso modo,correspondem a uma distância de 300quilómetros do litoral abarcando as cidades doUíge, Malange, Huambo, Kuito, numa primeirae noutra de formação mais recente, as cidadesdo Luena e Menongue, foram largamentedestruídas. A terceira linha, - a do litoral ondese situa a cidade capital e as cidades doLobito, Benguela e Sumbe - encontra-se par-cialmente destruída e sob pressão das popu-lações que abandonaram o interior.

As desigualdades entre homens e mulheresdevem também ser tidas em conta e atacadas,com uma participação acrescida das mulheresno sector formal e a promoção do seu direito àpropriedade e herança. Angola é, provavel-mente, um dos poucos países africanos onde asmulheres estão legalmente protegidas e têmgarantidos direitos iguais aos dos homens. Noentanto, a lei costumeira e tradicional continuaa descrimina-las. Mesmo quando esta não éaplicada, as normas de comportamento a elaassociadas estão impregnadas nos agregadosfamiliares e comunidades, particularmente, asrurais.

Caixa 1 - Factores de risco para

a Paz Social

No quadro do desenvolvimento desterelatório foram realizados um conjunto deworkshops onde os participantes convidadostiveram a oportunidade de discutir aberta-mente questões ligadas ao desenvolvimentohumano. Um desses workshops tentou darresposta a duas questões: Que factores derisco podem ser antecipados como tendentes apôr em causa a coesão e paz social ? Comoreduzir os níveis de instabilidade actuais efuturos ? As conclusões são abaixo apresen-tadas.

1. Foi desenvolvida a ideia de que Angolasendo um país rico, tem uma populaçãomaioritariamente pobre. Para viver numpaís rico e ser-se pobre, é preciso saberviver. Auferir um salário que não cobre asdespesas mais elementares, não teracesso aos bens essenciais – alimentação,saúde, escola, emprego – gera, sem dúvi-da, uma situação de risco potencial. Osentimento de ser-se mendigo – emrelação aos seus concidadãos ou à comu-nidade internacional – deixa as pessoasrevoltadas.

2. A pobreza e o analfabetismo são gravesfactores de risco por promoverem aexclusão social e têm de ser reduzidos deforma sistemática. Do mesmo modo adesintegração familiar e a demissão dasobrigações que comporta, são factores derisco. A educação tradicional que nassociedades camponesas abrange todos econfere direitos e deveres mútuos, sendotransmitida de geração para geração, éesquecida nos meios urbanos e nosnúcleos de deslocados.

3. A migração forçada ou mesmo voluntária,modifica a sociedade e seus valores,pondo em risco as populações como iden-tidades produtoras de cultura e de bensmateriais. Outras identidades podem sur-gir menos adequadas ao convívio pacíficoentre as diferentes comunidades. A

CAPÍTULO 1 CONSTRUINDO UMA PAZ SOCIAL EM ANGOLA

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 21

diferença de desenvolvimento entre olitoral e o interior – o termo “Angolaprofunda”, pode já significar umaaltero-identidade para alguns angolanos.Até mesmo a designação “Meninos de ruae na rua”, pode sugerir uma identidadeexistente à margem da sociedade consti-tuída por famílias.

4. Não foi considerado factor de risco omosaico étnico angolano, porque, naopinião dos participantes, de um modogeral existe entendimento e até mesmosolidariedade entre indivíduos dediferentes etnias, mas o surgimento dePartidos e Igrejas com formato tribal,pode pôr em causa esta esfera da paz social.

CAPÍTULO 1 CONSTRUINDO UMA PAZ SOCIAL EM ANGOLA

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200522

5. Contudo não deixou de ser notada aescolha e nomeação de indivíduos combase nas afinidades familiares, regionais,partidárias ou qualquer outro tipo denepotismo e amiguismo e não nas suascompetências.

6. O comportamento dos dirigentes é,muitas vezes, um factor de risco. Os quedetêm o poder não podem estar segurosde o conservar, quando pouco se faz paramitigar os problemas que põem em riscoa coesão e a paz sociais.

7. É importante a educação dos dirigentespara que compreendam os valores que asociedade detém e aprendam a respeitaros cidadãos como próximos.

8. O Estado – e os seus dirigentes – devemdar o exemplo de respeito e amor aopróximo e desenvolver uma consciência ecomportamento responsáveis.

1.3. Papel e conceito de

desenvolvimento humano

O conceito de desenvolvimento humanotranscende as medidas económicas de desen-volvimento para capturar um conjunto maisamplo de dimensões da vida das pessoas, seubem estar e liberdade. D e s e n v o l v i m e n t ohumano é definido como um processo que per-mite alargar o leque de oportunidades daspessoas, permitindo-lhes desenvolver e explo-rar as suas próprias capacidades, ao mesmotempo que leva a cabo uma melhoria perma-nente no seu nível de bem-estar.

Desfrutar de uma vida longa e saudável,adquirir conhecimento e ter acesso aos recur-sos necessários para um nível de vida decente(PNUD 1997).

Embora o desenvolvimento humano transcendaas medidas económicas de desenvolvimento,para que ele tenha lugar deverá existir umabase económica e material. O seu valor con-ceptual está na humanização do desenvolvi-

mento pelo efeito que tem sobre a vida daspessoas. Num quadro de referência de Desen-volvimento Humano, todas as políticas eprioridades devem ser avaliadas primeira-mente pelo seu impacto humano.

O conceito é fortemente influenciado pelotrabalho de Amartya Sen e a sua noção dedesenvolvimento como liberdade, a qual tam-bém influencia o conceito de segurançahumana (ver caixa 2). No entanto, aqui o fococentra-se no desenvolvimento humano em vezde segurança, embora é claro que um não podeexistir sem o outro. O conceito deve tambémsituar-se no contexto pós-conflito em que seencontra Angola. Desenvolvimento Humanodeve ser, aqui, entendido como um conjuntode processos, em vez de uma série de resulta-dos, que permitem ao indivíduo e às comu-nidades trabalhar em conjunto para realizarmelhorias das suas vidas e comunidades.

Ao mesmo tempo, o Estado tem um papelimportante no suporte desses processosatravés da formulação de políticas sociais eeconómicas adequadas, provendo quadros dereferência legais e regulamentares e fornecen-do suficientes contribuições materiais. Estes

papéis deveriam ser comuns para qualquerEstado e não somente para Estados Desen-volvidos.

CAPÍTULO 1 CONSTRUINDO UMA PAZ SOCIAL EM ANGOLA

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 23

Eliminação de desigualdades no

acesso e oportunidades

Para que possa atingir um estádio superiorde justiça social há que proceder à identifi-cação e eliminação progressiva dos factoresobstaculisantes . Actualmente, o acesso aosserviços básicos e oportunidades estão dis-tribuídos desigualmente dentro da sociedade.O acesso aos serviços sociais básicos,nomeadamente, a educação e os cuidados desaúde, essenciais para que o desenvolvimentohumano possa ter lugar, são bloqueados pelaincapacidade de acolhimento das infra estru-turas resultando no pagamento de gasosaspara os lugares disponíveis, pela incapacidadede aquisição de material escolar e medicamentos,e pela necessidade das crianças trabalharemem vez de frequentarem as escolas. As áreasrurais estão muito mal servidas pelos serviços

governamentais, mesmo se essas populaçõespudessem pagar por tais serviços, pelo que hátoda a urgência que os serviços básicos sejamalargados e disponibilizados às áreas rurais epéri urbanas.

O desenvolvimento económico e a criaçãode rendimentos são necessários para os maispobres. Ao mesmo tempo, as causas subja-centes que bloqueiam os acessos aos serviços,tais como a necessidade da aceitação de mãode obra infantil, e a cultura de corrupção(favores) mesmo para serviços básicos,necessita de ser abordada com urgência naspolíticas públicas. Igualmente as oportunidadesde aumento de capital humano, através doacesso a bolsas de estudo e de trabalho, larga-mente apadrinhadas politicamente, devem seralargadas aos sectores mais necessitados.

Caixa 2 - Da segurança militar

à segurança humana

O fim da guerra é assumido ter trazidoautomaticamente uma maior segurança aopovo angolano. Contudo, para muitos, a vidado dia a dia é uma luta contínua pela sobre-vivência, uma outra guerra em si própria quepode ser mais difícil de se controlar ou acabarcaso não se mude as mentalidades. Umadefinição mais ampla de segurança é por issonecessária, a qual capture os riscos reais edesafios da vida dos angolanos. Segurançahumana oferece um tal paradigma, comodescrito pela Comissão das Nações Unidas paraa Segurança Humana, estabelecida em 2001sob a coordenação de Amartya Sen e SadakoOgata.

Segurança humana no seu sentido mais amploengloba muito mais do que a ausência de con-flito violento. Ela engloba os direitos humanos,a boa governação, acesso à educação e cuida-dos de saúde e o asseguramento de que cadaindivíduo tenha oportunidade e escolhas paradesenvolver o seu próprio potencial. Cadapasso nesta direcção é também um passo emdirecção á redução da pobreza, alcance docrescimento económico e prevenção de confli-tos. Liberdade de necessidade, libertação domedo e a liberdade das gerações futuras paraherdar um ambiente natural saudável – estassão fundamentos inter-relacionados da segu-rança humana, e por isso segurança nacional.

Kofi Annan, “Secretário Geral saúda o Work-shop Internacional sob Segurança Humana naMongólia”, Ulaan Baatar,Maio 8-10, 2000.

Segurança humana deve ser vista comocomplementar ao desenvolvimento humano,não suplementar. O desenvolvimento humanoesta relacionado com o crescimento equitati-vo, com a melhoria nos níveis de vida paratodos, especialmente os mais pobres, enquan-to a segurança humana está mais relacionadacom “redes de segurança ”, com o que acon-tece em casos de crise. Ela engloba duasdimensões principais: Libertação da Necessi-dade e Libertação do Medo. Cada uma destas

CAPÍTULO 1 CONSTRUINDO UMA PAZ SOCIAL EM ANGOLA

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deve constituir um objectivo que Angola devetentar alcançar. Grande progresso já foi feitocom relação ao último, com o fim do conflitoviolento. Contudo, o medo persiste em muitasáreas e conflitos subjacentes podem ainda sertrazidos à superfície no processo de retorno ereintegração. A “Libertação da Necessidade”,é um segundo maior desafio a ser abordado,através de processos de desenvolvimento delongo prazo os quais devem substituir os arran-jos e soluções de curto prazo assentes naassistência humanitária. Uma vez atingidasestas duas dimensões com a populaçãoangolana a poder viver sem medo e necessi-dade material, então pode-se falar de umaverdadeira segurança. Numa situação pós-con-flito precária, tal como a situação da Angolaactual, onde as tensões são altas e a confiançaé ainda fraca, é especialmente importantepara o desenvolvimento humano, se ele é paraser considerado sustentável, que seja apoiadopor trabalho direcionado à obtenção de umasegurança humana sólida.

Protecção legal de direitos e

propriedade

A constituição Angolana (lei 23/92) contémprovisões para uma série de direitos: cívicos,políticos, sociais e económicos, bem comoprovisões para os cidadãos angolanos procu-rarem fazer respeitá-los caso haja umainfracção aos mesmos. Estes direitos incluementre outros:

* Igualdade de todos os cidadãos perante a lei;

* Liberdade de expressão;* Liberdade de movimento;* Respeito e protecção da vida

humana;* Direito à propriedade, incluindo o

direito dos camponeses à propriedade de terra.

Contudo, a protecção destes direitos não é,ainda, alargada à maioria da população, porum número de razões. Primeiro, a falta de con-hecimento da parte da maioria das pessoas doque são, legalmente, os seus direitos e segun-

do, a incapacidade da maioria das pessoas deter acesso a sistemas de justiça funcionais eimparciais.

Os principais obstáculos são a falta de edu-cação acrescida ao analfabetismo, e a falta decapacidade/transparência/corrupção dentrodo sistema judicial. Como resultado disso aspessoas desconhecem e são incapazes de recla-mar os seus direitos.

Desenvolvimento económico e

criação de empregos

A falta de emprego formal na economiaangolana é uma limitação principal ao desen-volvimento humano. O acesso a uma fontefiável de rendimento é uma componenteessencial do desenvolvimento humano, e a suaausência ou insegurança constitui uma limi-tação maior no acesso aos serviços básicos,aprofundando as desigualdades.

A maioria da economia angolana estábaseada no petróleo, o qual tem poucasligações com o resto da economia criandopoucos postos de trabalho. A contribuição daagricultura para o Produto Interno Bruto (PIB),tem caído ao longo dos anos, um sector de quedependem directa e indirectamente a maioriadas famílias angolanas. Esta situação pode serinvertida se o crescimento económico benefi-ciar a economia do país e esta deixar de estardependente do sector petrolífero.

O emprego no sector público constitui aprincipal fonte de emprego formal mas devidoaos níveis baixos de salários muitos fun-cionários recorrem à prática de receberfavores (gasosa). Isto como já referenciado, éum impedimento maior ao acesso aos serviçose à obtenção de justiça.

Distribuição equitativa de recursos

Como já foi afirmado, um dos principaisproblemas que Angola enfrenta não é o seuacesso a recursos, mas a sua distribuição inter-na. Enquanto os ricos são cada vez mais ricos,a proporção da população vivendo em situaçãode pobreza tem crescido.

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Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 25

A concentração de riqueza no sectorpetrolífero marginaliza e não dá vantagens àmaioria. Esforços para redistribuir a riquezanacional fora de Luanda e do sector dospetróleos devem por isso ser concebidos erealizados.

O problema alarga-se às despesas ereceitas do governo. O exame dos orçamentosdos governos provinciais revela uma alta pro-porção da despesa social, mas uma falta signi-ficativa de recursos para suportá-la, já que osper capita provinciais na saúde e educação estãomuito abaixo dos níveis mínimos consideradosinternacionalmente. Uma descentralização dosrecursos financeiros poderia por isso ter umamplo impacto em termos de desenvolvimentohumano nas comunidades locais.

1.4. Desenvolvimento humano

num contexto de pós-conflito

Numa situação recente de pós-conflito, odesenvolvimento humano coloca desafios adi-cionais. Uma grande parte da infra-estrutura

física do país foi destruída pela guerra e a pre-sença administrativa do governo em muitosmunicípios e particularmente em comunasainda é frágil. Amplos movimentos popula-cionais e deslocamentos forçados provocaramuma (des)urbanização massiva e colocam aindamais uma forte pressão sobre as infra-estru-turas urbanas já debilitadas. “Áreas cinzentas”estão a abrir-se, já que não estavam acessíveisnem sequer mesmo para as agênciashumanitárias durante a guerra. O problema dasminas e engenhos explosivos diversos constituiainda um problema, assim como as estradasintransitáveis e as pontes destruídas.

Adicionalmente à destruição física do país,o tecido social foi afectado com as comu-nidades e famílias divididas, havendo um ele-vado potencial para tensões sociais e instabili-dade. Neste contexto acrescem necessidadesespecíficas que em face do conceito de desen-volvimento humano, poderiam por isso incluir:

Extensão da presença da

administração do estado e

serviços públicos

A presença efectiva do governo durante aguerra foi geralmente limitada às cidades esedes de municípios. Um primeiro passo desdeAbril de 2002 tem sido, por isso, o resta-belecimento da presença administrativa doestado em todo o território. Embora isto tenhasido feito, a presença administrativa não é fre-quentemente suportada por um apoio materiale logístico regular, particularmente, nas áreasrurais, tornando-a largamente inefectiva. Emresultado disso, a extensão dos serviços públi-cos não acompanha a dinâmica de alargamen-to formal do poder administrativo. A presençade infra-estruturas sociais e recursos humanos,postos de saúde, escolas, professores e enfer-meiros é ainda deficitária. As pobres condiçõesde vida nas áreas rurais, constituem um travãoadicional às populações (especialmente ajuventude) para retornar ou permanecer nasáreas rurais. A inversão desta tendência deveenquadrar-se no contexto de um desenvolvi-mento sustentável requerendo por isso aadopção de políticas públicas específicas.

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Construção de capital social

O capital social tem sido fortementeenfraquecido pela guerra e pela pobreza enecessita de ser reconstituído e desenvolvido,tendo em atenção o pressuposto de moderniza-ção e globalização. Correntemente, istoconstitui um obstáculo principal ao desenvolvi-mento humano e à construção da paz, vistoque os níveis de solidariedade e capacidadepara a resolução de conflitos são baixos. A

capacidade comunitária e pública para absorveros regressados é também fraca. Tensões sociaisadormecidas podem por isso mais facilmentedar origem à conflitos.

A redução da pobreza deve ser um elemen-to de qualquer estratégia de construção docapital social. Um outro elemento será a pro-moção da reconciliação dos membros dasfamílias e das comunidades, que foram sepa-radas durante a guerra. A escala e intensidadedo problema é diferente dentro do país,dependendo da experiência particular da guer-ra, migração e pobreza experimentados emcada região, pelo que as políticas públicas

devem estar atentas a esse aspecto.

Reassentamento e reintegração

da população civil afectada pelo

conflito, incluindo os deslocados,

os refugiados e ex-combatentes

Provavelmente, o reassentamento e reinte-gração das populações que retornam é umprocesso socio-económico complicado, comimplicações para a paz e a estabilidade, bem

como, o desenvolvimento humano a médio elongo prazos. Ele inclui a distribuição deterra, habitação e a criação deempregos/rendimento bem como os proces-sos sociais de reconciliação e reintegração.Neste contexto de fraco capital social, oapoio externo é certamente necessário, acurto prazo no mínimo, para apoiar quer ascomunidades onde o retorno tem lugar e aospróprios regressados. Na sua ausência ascondições de vida das comunidades podemainda deteriorar-se mais e o desenvolvimen-to humano sofrer ainda mais um retrocesso.

Promoção da cidadania e

democracia

O conceito de cidadania entre a maioria dapopulação é ainda fraco. Durante a guerra, alivre escolha política era largamente umaimpossibilidade, a lealdade muita das vezesera ditada pela localização geográfica e vio-lência. Isto foi potenciado pela ampla exper-iência no período de Estado de partidoúnico, cujos comportamentos e valores ainda

estão presentes. A experiência das eleições em1992 também criou nervosismo à volta da ideiada democracia e da participação política. Con-tudo, para o desenvolvimento humano terlugar efectivamente, a noção de cidadaniadeve ser promovida. A prestação efectiva deserviços do governo está baseada na ideia deuma relação cidadão – Estado, na qual ocidadão tem certos direitos, benefícios eserviços. Como já foi mencionado, as pessoasactualmente são incapazes ou não desejamreclamar tais direitos. A promoção das ideiasde cidadania deve por isso apoiar neste proces-so.

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Caixa 3 - Ameaças à coesão

social e estabilidade: quem

ganha e quem perde

Como em qualquer processo de mudançaeconómica e social, alguns terão a ganhar e

outros a perder. Será importante compreenderos potenciais vencedores e perdedores noprocesso de busca de justiça económica esocial de forma a melhor apreciar que riscos ebloqueios podem existir. Alguns grupos tendema ganhar e perder, por isso aparecem sobambos os cabeçalhos da tabela abaixo

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