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Recursos Humanos Cristina Nacif Alves Educação Inclusiva no Brasil 1 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal 1.1. Recursos Humanos Elaborado por: Cristina Nacif Alves 1.1.1. Introdução 1.1.1.1. A Inclusão Social e o Desejo de Transformação Não, não tenho nada de novo, o que tenho de novo é o jeito de caminhar... (Tiago de Mello) Educadores, assim como os demais profissionais, têm a responsabilidade pelo futuro da humanidade. Todo sujeito em ação põe em movimento a história. A história do futuro. Portanto, os recursos capazes de imprimir a transformação rumo a uma vida melhor e com mais qualidade dizem respeito ao humano. Nenhuma tecnologia, por mais avançada que seja, é competente, por si só, para garantir as mudanças necessárias ao processo de inclusão social, se não estiverem, ética, consciente e concretamente, associadas às práticas cotidianas dos agentes sociais. Os recursos humanos disponíveis nas mais diferentes áreas de atuação, de saberes e de poderes precisam estar atentos para uma questão: sob que valores, se pretende construir o amanhã? É o resultado dessa reflexão que irá apontar para a efetiva transformação social. Essa questão pode ser melhor entendida quando remetida à relação que Foucault estabelece entre saber e poder. Para ele, o problema do poder move-se acima de tudo por dúvidas e inquietações. Partindo da aceitação de que todo sistema social é sustentado por uma posição de desejo, o poder estrutura-se com maior força quando a relação entre saber e vontade de saber é posta em movimento, dando lugar à procura por explicações sobre formas de saber, suas gêneses e suas funções. Assim, surgem as tecnologias do saber (discursos científicos) que se constituem no curso da história. A produção do discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por procedimentos que funcionam como sistemas de exclusão, pondo em jogo mecanismos de controle social e psicológico. São tecnologias de dominação desenvolvidas que acabam por se difundir na totalidade o tecido social (escola, trabalho, comunidade, família etc.), cujo núcleo fundamental de saberes é constituído pelas chamadas ciências sociais e humanas. Estas disponibilizam as técnicas de pesquisa e de registros, criam e desenvolvem métodos de ordenamento e de análise de dados sobre os indivíduos, seus corpos, sua vidas, suas paixões etc., produzindo, com isso, determinadas formas de pensamento e de ação no mundo, que interferem em campos conceituais consolidados, desfazendo crenças e conceitos, produzindo novas marcas e novos paradigmas.

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1.1. Recursos Humanos

Elaborado por: Cristina Nacif Alves

1.1.1. Introdução

1.1.1.1. A Inclusão Social e o Desejo de Transformação Não, não tenho nada de novo, o que tenho de novo é o jeito de caminhar... (Tiago de Mello)

Educadores, assim como os demais profissionais, têm a responsabilidade pelo futuro da humanidade. Todo sujeito em ação põe em movimento a história. A história do futuro. Portanto, os recursos capazes de imprimir a transformação rumo a uma vida melhor e com mais qualidade dizem respeito ao humano. Nenhuma tecnologia, por mais avançada que seja, é competente, por si só, para garantir as mudanças necessárias ao processo de inclusão social, se não estiverem, ética, consciente e concretamente, associadas às práticas cotidianas dos agentes sociais.

Os recursos humanos disponíveis nas mais diferentes áreas de atuação, de saberes e de poderes precisam estar atentos para uma questão: sob que valores, se pretende construir o amanhã? É o resultado dessa reflexão que irá apontar para a efetiva transformação social.

Essa questão pode ser melhor entendida quando remetida à relação que Foucault estabelece entre saber e poder. Para ele, o problema do poder move-se acima de tudo por dúvidas e inquietações. Partindo da aceitação de que todo sistema social é sustentado por uma posição de desejo, o poder estrutura-se com maior força quando a relação entre saber e vontade de saber é posta em movimento, dando lugar à procura por explicações sobre formas de saber, suas gêneses e suas funções. Assim, surgem as tecnologias do saber (discursos científicos) que se constituem no curso da história.

A produção do discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por procedimentos que funcionam como sistemas de exclusão, pondo em jogo mecanismos de controle social e psicológico. São tecnologias de dominação desenvolvidas que acabam por se difundir na totalidade o tecido social (escola, trabalho, comunidade, família etc.), cujo núcleo fundamental de saberes é constituído pelas chamadas ciências sociais e humanas. Estas disponibilizam as técnicas de pesquisa e de registros, criam e desenvolvem métodos de ordenamento e de análise de dados sobre os indivíduos, seus corpos, sua vidas, suas paixões etc., produzindo, com isso, determinadas formas de pensamento e de ação no mundo, que interferem em campos conceituais consolidados, desfazendo crenças e conceitos, produzindo novas marcas e novos paradigmas.

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Dessa forma, os agentes sociais atribuindo a produção de verdades sobre as coisas, tentando ajustar a praxis às regras do discurso, constroem a sociedade. Os discursos, então, emigram, pouco a pouco, para a pedagogia e para a educação, para as relações entre adultos e crianças, para as relações familiares, para o trabalho, para a medicina, enfim, para todo o tecido social. Por isso, a história, para Foucault, deve ser entendida a partir da história dos discursos, da relação entre discursos e poder. Assim, passamos a controlar pensamentos e ações, oriundas de todas as partes, de cada relação entre os sujeitos. Essas relações são dinâmicas, móveis, caracterizando-se como força/poder para construir ou destruir sistemas e esquemas de dominação, sendo o âmago de qualquer transformação social e individual.

1.1.1.2. A Formação do Sujeito e as Interações Sociais A porta da verdade estava aberta, mas só permitia passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, Porque a meia pessoa que entrava Só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade Voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogo. Era dividida em metades diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a verdade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Verdade, disponibiliza um dos temas fundamentais para a compreensão das relações sociais: a verdade nunca foi e jamais será uma só. As escolhas de vida e de atitudes estão, intimamente, ligadas às crenças que mantemos sobre os fatos e as coisas.

A ação humana baseia-se na cooperação entre indivíduos. A forma como os homens participam e atuam na vida determina o que pensam. Mas como nem todos agem da mesma forma, obviamente, também não pensam a mesma coisa, gerando-se, assim, crenças distintas e, portanto, verdades diferentes. A partir da imersão cultural, o caráter ideológico toma forma, através dos mecanismos de identificação e de diferenciação. À medida que nos identificamos ou nos diferenciamos, estamos de alguma forma ratificando aquilo que consideramos ser a nossa verdade. É possível que “as verdades”, postas por um imaginário e por uma lógica, sejam capazes de mascarar o conflito, dissimular a dominação, velar o segredo, fazendo com que seja impressa uma aparência real, que nada se assemelhe com a verdade do outro.

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Segundo Marilena Chauí, a operação intelectual de criação de universais abstratos para todos os membros da sociedade é própria da ideologia. Muitas vezes essa ideologia é assimilada por nós sem ser percebida conscientemente, fazendo com que idéias e valores sejam aceitos como verdades absolutas, como universais. No entanto, a universalidade das idéias e dos valores supõe a negação, o ocultamento de algo que não pode ser explicitado, caso contrário pode-se acarretar o desvelamento daquilo que se julga correto, o que implicará na formação de novas crenças, novos saberes e novas formas de agir. Dito de outra forma, nossos atos têm uma realidade exterior representada em condutas e significados, nem sempre conhecidos por nós, que podem, no entanto, ser modificados, a partir da exteriorização dos saberes e crenças, submetendo-os à apreciação e à reflexão por parte dos demais sujeitos sociais.

Não se pode estabelecer o momento exato em que a transformação ideológica ocorre, pois toda esfera ideológica expressa-se na relação e na comunicação entre os sujeitos de um dado tempo histórico e contexto cultural.

A palavra é, sem dúvida, o instrumento da comunicação; é ela que dá o tom à verdade.

“Os enunciados exprimem e realimentam a ideologia do cotidiano... A ideologia do cotidiano se expressa por meio de cada um de nossos atos, gestos ou palavras, permitindo que os sistemas ideológicos constituídos cristalizem-se a partir dela [a palavra]... Só a corrente da interação social fornece à palavra a luz de sua significação... Ignorar a natureza social e dialógica do enunciado é apagar a profunda ligação que existe entre a linguagem e a vida” (BAKHTIN).

Bakhtin ressalta o caráter ideológico de qualquer enunciado verbal, apontando que o conteúdo ideológico da realidade está expresso nos fatos, objetos, coisas, palavras, gestos – signos de uma situação histórica e cultural precisa. Sugere, ainda, que todo signo ideológico comporta valores contraditórios, reafirmando seu caráter dialético, cuja polifonia e polissemia são traços fundamentais. É justamente esse entrecruzamento de vozes e sentidos que o torna dinâmico, flexível e, portanto, capaz de transformar o estado das coisas, redimensionando seu próprio significado.

Reafirmando o caráter ideológico de todas as coisas e ampliando a compreensão do signo lingüístico, Bakhtin recupera os acontecimentos sócio-históricos como aspectos fundamentais na constituição do sujeito e da cultura.

Assim, rejeitando uma abordagem individualizada da realidade humana e social, resgata-se o valor da palavra ambígua, que, ao mesmo tempo, revela e oculta a verdade como uma construção teórica imprescindível para a teoria do conhecimento, incorporando às práticas sociais outra dimensão de se conceber a subjetividade humana.

Essa forma de conceber a subjetividade não está centrada, apenas, no interior do psiquismo humano, mas participa dos diversos signos presentes no movimento da história. O que se propõe é a ampliação da noção de consciência no sentido de abranger a variedade de formas de organização do desejo no campo social.

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Por exemplo, a condição do sujeito, enquanto masculino e feminino, não diz respeito somente a identificação com a figura paterna ou materna, mas também, à identificação com modelos expressos num “consciente coletivo”, social e político. Da mesma maneira, a qualidade de “ser deficiente” não condiz, tão somente, com as condições biológicas, físicas, perceptivas concretas, mas também, à maneira como os outros lidam, encaram a deficiência, bem como com as expectativas estabelecidas frente ao modo de ser desse sujeito social.

Portanto, a orientação para a formação dos recursos humanos deve estar voltada para o desenvolvimento e a transformação do sujeito inserido na cultura, jamais fora dela. O ser humano é um ser de necessidades, que só são satisfeitas socialmente nas relações que as determinam. O sujeito é um sujeito produzido em uma prática social. Não há nada que não seja produto das interações entre indivíduos, grupos e classes. Ou seja, toda essência subjetiva deve ser considerada como a interação entre sujeitos e objetos externos e internos, numa permanente inter-relação dialética.

A cultura é o pano de fundo comum da humanidade, para o qual sujeitos sociais contribuem, usufruindo e transformando-o no espaço da experiência, que se manifesta no pensar e no agir sobre o mundo.

1.1.1.3. Desafios para a Construção de uma Educação Inclusiva

As crianças têm necessidade de pão, do pão do corpo e do pão do espírito, mas necessitam ainda mais do Teu olhar, da Tua voz, do Teu pensamento e da Tua promessa. Precisam sentir que encontraram em Ti e na Tua escola a ressonância de falhar a alguém que as escute, de escrever a alguém que as leia ou as compreenda, de produzir alguma coisa de útil e de belo que é a expressão de tudo o que nelas trazem de generoso e de superior. (Freinet)

A Educação Inclusiva não é aquela que aceita as diferenças, mas aquela que faz da diferença uma maneira distinta de expressão e de operacionalização do mundo.

Reconhecer e aceitar a diferença não basta. Há que se transformar a ação e a experiência variadas em algo que amplie a nossa visão de mundo no sentido de uma atitude cidadã em respeito às diferenças. Negar a diferença é submeter-se a padrões pré estabelecidos, o que acarreta a perda da identidade. A perda da identidade, por sua vez, amputa-nos a condição de ser sujeito, nos colocando na de sujeitado. É contra isso que temos que lutar nos espaços com os quais nos relacionamos: a garantia da diversidade.

Nós, sujeitos sociais e educadores, temos o dever e somos agentes capazes de transformar essa realidade tão dura e negativa para com os excluídos, sejam eles pobres, negros, deficientes... Nenhum sujeito, criança, jovem, adulto ou idoso pode deixar de se desenvolver e agir no mundo com todo o seu potencial criativo. Falando mais precisamente do aluno, nenhum pode deixar de desenvolver suas potencialidades. E, se tomarmos emprestadas as palavras de Sônia Fernandez, durante a Oficina “Educação Inclusiva: diagnóstico atual e desafios para o futuro”, que revela: “tenho muitas dúvidas e poucas certezas, mas dentre estas a de que toda criança pode aprender”, somos levados a assumir uma concepção de aprendizagem que não espera nem por estágios de desenvolvimentos para se fazer presente, mas que se adianta ao desenvolvimento, impulsionando-o, sempre, para a frente; nem tampouco aguarda por níveis de desenvolvimentos padronizados, mas reconhece

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em cada educando um ser diverso dos demais, capaz de avançar em tempo e em ritmo próprios. Nesse sentido, o papel do educador assume um lugar decisivo, eminentemente, interativo, onde sua atuação junto ao aluno será a responsável por engendrar as aprendizagens necessárias ao pleno desenvolvimento do sujeito.

Se conseguirmos transformar o conceito de aprendizagem de forma a entendê-lo com o resultado das interações sociais, estaremos avançando no processo de Inclusão, à medida que nossa ação como cidadão(ã) e educador(a) será a de garantir trocas significativas entre os sujeitos e a de promover práticas co-construtoras de saberes, através da participação interativa dos envolvidos.

1.1.2. O Produto

Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças. (Pablo Picasso)

1.1.2.1. O Ponto de Partida das Discussões dos Fóruns das Oficinas e das Listas On-line

A metodologia de trabalho sobre Educação Inclusiva relativa ao tema “Recursos Humanos” foi proposta, nos GTs, durante a Oficina “Educação Inclusiva no Brasil: diagnóstico atual e desafios para o futuro”, com referência a três conceitos – o de Inclusão, o de Educação Inclusiva e o de Desenho Universal –, tendo como base duas questões norteadoras: os casos apresentados são, realmente, um projeto de inclusão?; que contribuições se pode dar a eles? Os participantes teriam os dez (10) minutos iniciais para responde às questões em uma folha de papel – que, terminados os dez minutos, seria recolhida pela mediadora do grupo –, sendo os cinqüenta (50) minutos restantes dedicados ao debate.

Os conceitos apresentados foram:

Inclusão – “Inclusão é a adoção de uma nova ética inspirada na certeza de que a humanidade se manifesta de forma infinitas, às quais é impossível atribuir um valor “mais ou menos” humano. Incluir significa, portanto, adotar uma ética da diversidade e desenvolver práticas que garantam a cada indivíduo o direito de nunca ter questionado – sob qualquer alegação – o seu “valor humano”, não importa o que lhe aconteça, de que forma pense, and, leia, enxergue, se expresse etc.”

Educação Inclusiva – “A Educação Inclusiva tem como fim criar oportunidades igualitárias de participação e de aprendizagem para todas as crianças, jovens e adultos de grupos sociais vulneráveis – entre os quais estão as pessoas com deficiência – na salas de aulas do sistema regular de ensino, garantindo o seus direitos de acesso ao currículo, através da disponibilização de meios e recursos apropriados à diversidade de estilos de aprendizagem de cada educando”.

Desenho Universal – “O Desenho Universal visa atender a maior gama possível de pessoas, planejando espaços e dimensões apropriados para interação, alcance e uso de produtos em geral, independentemente do tamanho, postura ou mobilidade do usuário; reconhece e respeita a diversidade física e sensorial pela qual passa o nosso corpo, desde a infância até a velhice. O meio pode reforçar uma deficiência

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ou torná-la sem importância. Um piso anti-derrapante visando o idoso, um corrimão duplo para a criança, uma rampa para a cadeira de rodas, uma programação visual explícita que atenda ao deficiente auditivo – beneficiam a todos”.

A princípio o grupo questionou a metodologia proposta e a definição dos conceitos de Inclusão e de Educação Inclusiva, sugerindo a investigação e a reformulação dos mesmos – o que foi prontamente aceito pela moderadora do grupo. O grupo também não se sentiu a vontade para responder à primeira questão (esse caso é realmente um projeto de inclusão?), por considerar que isso caracterizaria um julgamento de valor, e poucos dados tinham sido fornecidos para tal pretensão.

Essa inicial resistência ou reflexão à metodologia apresentada gerou uma característica diferente para esse grupo, somente dois (2) dos participantes fizeram registros escritos, encaminhando-os à moderadora. Os demais limitaram-se à expressão oral. No entanto, o conteúdo das falas e das reflexões pôde ser recuperado, à medida que as discussões foram gravadas em fita cassete, viabilizando a transcrição e, então, o resgate das mesmas.

Com relação ao grupo constituído nas listas on-line, à proporção que a moderadora lançava questões, as contribuições e as trocas de experiências faziam-se presentes. Embora, o conhecimento prévio dos participantes e as discussões dos temas anteriores viabilizassem que muitas interações ocorressem paralelamente ao sugerido pela coordenadora da lista.

1.1.2.2. Diagnóstico Atual: dialogando com as contradições

Referindo-se ao conceito de inclusão, segundo o grupo, do ponto de vista dos Direitos Humanos a Inclusão não pode ser considerada uma “nova ética”, uma vez que a exclusão é crime (CP – Lei 7853/89). Quando se fala de homem, remete-se ao valor humano e pensá-lo “mais ou menos humano” – ainda que, na sociedade existam segmentos que não usufruam da cultura de forma igualitária –, por um lado é definir o conceito pela negação, por outro é incorrer em falta grave e descumprimento da lei. Portanto, não se trata de assumir nova ética, mas de garanti-la na sua expressão, não apenas no exercício pleno da cidadania, mas também na sua não transgressão.

“Tecnicamente, eu também sou advogada, além de professora. Este conceito não serve, porque a pessoa não é mais ou menos humana; ela é sempre humana, porque esta é a característica da pessoa. Eu parto do princípio que o conceito é inadequado” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“...uma coisa que não é nova: que é a ética, que é a moral e que é

usual, é a questão dos direitos humanos... Eticamente, não se atribui à pessoa um valor mais ou menos humano. É sempre humano, sob pena de ser um caso ilegal, imoral” (GTs, Oficina, 24/03/03).

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O objeto central da inclusão é o conjunto de processos e de conhecimentos relativos ao exercício de cidadania. A todos devem estar garantidos os direitos de acesso ao mundo, tanto no que se referem ao contato e à absorção da cultura quanto ao que se referem à aquisição dos conhecimentos acumulados ao longo da história, possibilitando, assim, aos indivíduos, grupos e classes a participação e a criação de novos valores e crenças. As ações de Inclusão devem promover a equiparação de oportunidades para toda a população, respeitando o conceito de diversidade – seja ela cultural, sensorial, de idade, de raça, de crença...

“A mudança de atitudes é um processo extremamente sofrido, e que não nos permite acusar aqueles que não têm uma atitude pró-ativa em relação àquilo que nós defendemos, porque das atitudes não fazem parte só conhecimentos, entram [em jogo componentes como] o afetivo, o emocional e o sócio-histórico” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“ A inclusão é um processo, e nunca um estado final ao qual

possamos chegar (dado seu caráter político e dialético - afinal, os excluídos daqui podem não ser os de lá, ou os excluídos de hoje podem não ser os de amanhã), a capacitação terá que ser uma preocupação e proposta constantes de qualquer política pública, seja ela educacional ou de qualquer outro setor” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

Nesse sentido, a possibilidade de se ter onde buscar os suportes necessários a transformação social, tanto para os professores como para os alunos, faz parte da luta política travada no âmbito do social. As conquistas alcançadas são fruto do pensar e repensar, do fazer e refazer: atitudes essenciais na adoção de práticas inclusivas, sejam elas educacionais ou não.

“A ênfase da educação inclusiva é no processo de aprendizagem. Não é só uma questão das possibilidades... do espaço, do local, mas é ter um compromisso claro, explícito e público com a aprendizagem do deficiente” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“O grande desafio que se coloca para a Educação Inclusiva, tanto

a nível de relacionamento pessoal quanto ao de aprendizagem, é justamente como garantir que pessoas com necessidades especiais sejam entendidas e ensinadas levando-se em conta suas diferenças estruturais, ao mesmo tempo em que participam e são tratadas em pé de igualdade com os demais alunos” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

“O processo educacional, assim como processo de aprendizagem

não se limitam à escola. Mas eu gostaria que nós tivéssemos, pelo menos entre nós, uma clareza... criar oportunidades igualitárias de participação e aprendizagem, isto eu posso pensar dentro da família, em um clube, na comunidade do bairro, e que não seria uma ação específica da área da educação. É uma ação para a qual a área da educação, certamente, tem uma parcela contributiva de enorme peso. Mas do momento em que, eu falo de sala de aula de ensino regular, eu falo em currículo; eu já não estou mais pensando no processo educacional como espaço de aprendizagem em qualquer cena. Eu estou falando de um cenário específico... O cenário – aquilo que a escola organiza com seus atores e autores – e as cenas de aprendizagem – que são os fatos e os fenômenos do cotidiano em qualquer lugar que nós estejamos” (GTs, Oficina, 24/03/03).

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A Inclusão deve ser uma política pública, com garantia de destinação orçamentária, tanto para a formação de recursos humanos quanto para a criação e implementação de recursos técnicos capazes de ancorar a proposta em ação. A capacitação e o treinamento de recursos humanos devem ocorrer continuamente e não de forma isolada, como garantia das transformações necessárias às ações inclusivas, cujos esforços têm que ser compatíveis com as condições concretas das comunidades, levando-se em conta suas demandas.

“(...)criar condições, inclusive financeiras, para que os professores possam comparecer às capacitações... Ninguém sobrevive com o salário médio que, no Brasil, se paga aos professores – R$ 592,00. De modo geral, os professores tem que ter mais de uma atividade e, quando todas são de ensino-aprendizagem, dificilmente vai conhecer os nomes dos seus alunos” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Os serviços de atendimento às pessoas com deficiência continuam

necessitando de maior apoio da parte do Poder Público, para uma atuação educacional de qualidade, capaz de proporcionar a estas pessoas oportunidade de capacitação para o trabalho e para o exercício da cidadania. É preciso que os serviços de atendimento e as próprias pessoas com deficiência sejam capazes de levar suas reais necessidades ao conhecimento das autoridades, para que estas possam deliberar corretamente quanto às providências a serem tomadas” (Inclusiva, On-line, 25/05/03).

“... a inclusão é processo, não um estado final ao qual chegamos.

Por isso, ela é uma construção constante desta história (de luta contra as exclusões), uma luta interminável, e é absolutamente imprevisível, já que nunca temos como saber de antemão o que atuará como fator excludente... o que podemos é nos preparar para não termos medo de encarar desafios, nos preparar para perceber as diferenças, individualidades, subjetividades e peculiaridades como recursos em potencial a explorarmos como educadores, e nunca como problemas...” (Inclusiva, On-line, 25/05/03).

“Acredito que quanto à formação dos professores a mobilização

seja o melhor caminho. É muito importante que os profissionais se conscientizem, que procurem desenvolver formas alternativas de ensino... e troquem suas experiências” (Inclusiva, On-line, 25/05/03).

“A formação tem que ser uma prioridade, tem que ser

continuada... Deve-se encaminhar essa discussão no sentido de fazer com que a escola e todo o projeto político pedagógico dêem conta de entender as relações que os constituem” (GTs, Oficina, 24/03/03).

A Inclusão deve ser parte primordial do processo de escolarização. É necessário pensar a Inclusão no âmbito da educação formal, considerando os vários atores envolvidos: professores e professoras, alunos e alunas, especialistas e gestores, família e comunidade.

“A formação tem que estar garantida no projeto político pedagógico... toda a comunidade escolar tem que participar” (GTs, Oficina, 24/03/03).

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“A formação é um espaço para a reflexão, para o estudo, para a formação continuada, principalmente, da própria experiência de resolução de problemas... O espaço da reflexão, do debate, da resolução de problemas do dia a dia não aparece nos manuais, não está na literatura, porque são situações do cotidiano da sala de aula, cuja responsabilidade não é só do professor, é da comunidade também... isso implica nas ações operacionais que a escola, a comunidade tomaram para transformar sua prática numa prática social” (GTs, Oficina, 24/03/03).

À medida que se discute os conceitos, cria-se um consenso que incluir/excluir passa por uma visão de mundo, que por sua vez interfere nas práticas cotidianas, sejam elas pedagógicas ou não.

“Então, a maior parte destes conceitos ainda está dando voltas na nossa cabeça. A gente está internalizando aos poucos, porque este é efetivamente um processo de transformação cultural e social, que vai acontecer gradativamente. Na medida em que agente consegue compreender este cenário, para ele aí sair de dentro para fora e passar a fazer parte, efetivamente, da nossa prática cotidiana. De cada um de nós da escola, da empresa, de todos setores, de todas a instâncias desta sociedade, e da própria legislação de todos os níveis” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Existem situações específicas, que são pontuais: ou elas são

trabalhadas, direcionadas ou não evoluem... Passei anos discutindo a integração e quando eu achava que estava conseguindo entendê-la, veio a inclusão... Ela é muito maior, não é só a escola para todos..., mas o mundo para todos” (GTs, Oficina, 24/03/03).

No que se refere ao tema em questão – Recursos humanos – considera-se que a formação continuada deve ser uma ação prevista e garantida pelas políticas públicas. O compromisso político da sociedade em geral será o responsável pela extinção de práticas desumanas e injustas como o da exclusão.

“Quanto à formação de recursos humanos, entendendo-se que todos os profissionais, mesmo que não sejam professores, têm uma função educativa” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Os motoristas de ônibus, o guarda do banco, o balconista da

lanchonete... Todos têm que reconhecer a legitimidade dos direitos. Mas para isso, precisam conhecer o que é direito de todos e obrigação de todos. Estas sim, são práticas inclusivas” (Inclusiva, On-line, 19/05/03).

“Quando eu penso em educação inclusiva na escola, estou

pensando num espaço público de direito subjetivo de cidadania, no qual todas as pessoas que lá estão, do porteiro ao gestor, incluindo-se o corpo discente e docente, vivam numa comunidade de aprendizagem, e esta aprendizagem não é só teórica (...). São práticas de significação” (GTs, Oficina, 24/03/03).

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Porém, a sociedade atual, ainda, estrutura-se de forma a atender as demandas daqueles sujeitos que não apresentam qualquer dificuldade, seja econômica, social, física ou emocional, de acesso aos bens e serviços disponibilizados para a provisão suas necessidades. No entanto, aqueles que de uma maneira ou de outra não se encaixam nos padrões exigidos pelo sistema, acabam por ter seus direitos negados, sendo privados de um participação social plena, em função da diferença com que realizam a operacionalização da vida.

“Inclusão é todo o processo que vai estar garantindo que o indivíduo seja respeitado em toda a sua diversidade, nas suas limitações, no seu processo todo de vida” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Inclusão é transformação de ideologia, é transformação de

filosofia, como é transformação de prática. Então, tenho que envolver a escola, a comunidade...” (GTs, Oficina, 24/03/03).

Diversidade não pressupõe desigualdade. Como diversidade compreende-se a diferença no ver, no agir, no pensar, no comportar-se, cuja estruturação, apesar da diferença, funda-se de forma coerente e complexa, baseada numa lógica e numa visão de mundo próprias de um determinado sujeito em ação, expressa numa determinada cultura e num determinado tempo, frutos da história engendrada.

A diversidade não pode ser negada: há especificidades que não devem ser rejeitadas ou negligenciadas. A diversidade tem que estar no embate político e no teórico e prático para que se possa ir adiante na busca de qualidade de vida para todos – esta: o principal objetivo das práticas inclusivas. A diversidade não pode ser uma questão de interesse, apenas, do sujeito portador de deficiência ou daquele que faz parte de alguma minoria, mas trata-se de uma referência para qualquer dos interessados (governantes, administradores, especialistas, professores, família, comunidade, enfim, toda a sociedade) na construção de uma sociedade mais justa e igualitária para a participação de todos.

“Quando eu trabalho para a diversidade, eu trabalho para que ela exista, eu trabalho na diversidade” (Oficina, 24/03/03).

“É preciso operacionalizar e implementar o acesso à Educação, à

cultura, à informação... Isso é participação de todos, não apenas privilégio de alguns” (Oficina, 24/03/03).

“A Inclusão sem a participação das pessoas é presença física”

(GTs, Oficina, 24/03/03).

Quando falamos de Inclusão, estamos nos referindo a sociedades que garantam a melhoria da qualidade de vida para todos os cidadãos. E qualidade de vida para todos inclui melhoria na educação, na habitação, nos transportes, na saúde, no lazer, no acesso ao mundo... E para isso, não há receitas, métodos, modelos a serem seguidos. Há que se identificar as necessidades de mudança, legitimando-as num processo de transformação cultural – que acreditamos estar em andamento.

“Nós da Educação especial temos que defender a proposta de educação inclusiva como uma proposta generalista, de uma escola de melhor qualidade para todos, sem perder a dimensão do nosso foco que é o aluno da Educação Especial... uma sociedade inclusiva pressupõe sistemas inclusivos, participações efetivas” (Oficina, 24/03/03).

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Educação Inclusiva no Brasil 11 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

Portanto, faz-se urgente estabelecer um novo paradigma voltado para a transformação. “Por paradigma entendemos: o conjunto de idéias, reflexões e resultados. Em geral, um novo paradigma surge, porque o anterior foi questionado. Não podemos confundir discordância com negação, devemos encarar a primeira como investigação da realidade e como possibilidade concreta de transformação do que já existe em algo melhor e mais apropriado” (GTs, Oficina, 25/03/03).

“(...)estamos em um processo de aprendizagem, estamos falando em um processo de transformação social e cultural, e que pressupõe-se, na história da humanidade, que ele [o processo] leve. (...) espaços onde as pessoas têm condições de colocar efetivamente os seus sentimentos. Só num processo como esse vamos alcançar a transformação social. Nesse processo de aprender a construir essa sociedade, nós ainda temos que construir referenciais para este sistema, para poder viver isto na escola...” (GTs, Oficina, 24/03/03).

Na discussão sobre o conceito de Educação Inclusiva fornecido pelo evento, segundo os participantes da Oficina, ele “vem direcionado para ‘grupos sociais vulneráveis’, posicionando-os nas salas de aulas do ensino regular. Quando o conceito centra o foco nas salas de aula, [remete-se ao conceito de Ensino Inclusivo e não ao de Educação Inclusiva]. A Educação Inclusiva demanda uma interface com a família, [com a comunidade, com o especialista, com o teórico, com profissionais de todas as áreas], com todos os órgãos públicos. E a inclusão educacional deve iniciar-se pelo projeto político pedagógico que deve, necessariamente, abrigar o estabelecimento de sua atuação pedagógica. Entretanto, trata-se de um processo a ser vivenciado pela escola. Deve ser paulatino, progressivo e consentido. Contudo, a educação inclusiva está comprometida com a inclusão social. A escola sozinha não consegue garantir a educação inclusiva. A educação só será inclusiva se a sociedade também o for, se a sociedade favorecer a Inclusão” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“(...)a escola é um grande alavancador1 do processo de inclusão social, mas ele sozinha não vai ter força o suficiente para (...) oferecer um processo educacional mais amplo. (...) A escola vai ser fruto da leitura que se faz do processo e, se esse processo não é inclusivo, ela por si só não vai conseguir”

Quanto ao conceito de educação inclusiva, discutido pelos participantes da Oficina, a educação inclusiva não deve ser vista, apenas e tão somente, com a garantia de oportunidades de participação e de aprendizagem nas salas de aula do sistema regular de ensino. É claro que esse é um importante aspecto da Educação Inclusiva, mas não atende as demandas necessárias à inclusão educacional, uma vez que não leva em conta as especificidades. Não podemos esquecer das demandas impostas por determinadas condições sejam elas físicas ou psicológicas, permanentes ou passageiras, com no caso das crianças e jovens sob sistema de internação hospitalar, daqueles que apesar de estarem na sala de aula requerem uma atenção específica... A educação Inclusiva é a garantia de aprendizagem por parte do aluno, não apenas nas salas de aula, mas em todas as situações de vida.

1 Embora o termo possa não ser do conhecimento de todos, em função da não dicionarização, opta-se

por mantê-lo, por considerar-se que as palavras são polissêmicas, cuja força do sentido é construída nas relações que a estabelecem. No sentido do texto, a palavra em questão, refere-se à ação de engendrar, de mover, de imprimir, de marcar etc.

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Outro aspecto levantado como de fundamental importância para se assumir uma postura inclusiva na Educação – aquela que prioriza oportunidades igualitárias de acesso – diz respeito ao “estabelecimento de referenciais para a definição de indicadores para avaliação dos sistemas. Há, na sociedade, a coexistência de dois paradigmas: o da integração e o da inclusão. O modelo de integração demanda um sistema de serviços, uma rede de recursos centrada no indivíduo, ao passo que o modelo de inclusão requer um sistema de suportes, uma rede de apoio, caracterizando uma intervenção no próprio sistema. Uma sociedade inclusiva pressupõe sistemas inclusivos: o educacional, o de saúde, o de legislação e direitos humanos... o de moradia, de lazer...”

“[É preciso fazer uma] diferenciação entre integração/paradigma de serviços e inclusão/paradigma de suportes. O paradigma de serviços da integração pressupõe a intervenção, diretamente, junto ao sujeito. E no paradigma de suportes da inclusão esta intervenção é no sistema e não mais junto ao sujeito. É você transformar, adequar, preparar o sistema” ((GTs, Oficina, 24/03/03).

“O foco do paradigma da inclusão não é na deficiência. (...) Não é

na quantidade de deficiência, mas na possibilidade da escola [e todo o sistema social] se modificar, se organizar...” (GTs, Oficina, 25/03/03).

“A escola tem que atender as suas necessidades específicas e as

necessidades humanas genéricas, que são de todos. Então, não é o tipo de deficiência, mas a possibilidade da escola, o desejo da escola e o movimento da escola em se modificar para atender essas necessidades” (GTs, Oficina, 25/03/03).

“Fazer o melhor para o aluno (...) é prover todas as suas

necessidades. E quando falamos em prover todas as necessidades, estamos falando de um sistema de suporte. É o que o modelo de inclusão pressupõe como paradigma de suporte: cada cidadão, do dia que nasce até o dia que morre, deverá, em uma sociedade inclusiva, ter garantida a provisão de todas as suas necessidades. (...) Não estamos falando de substituição, estamos falando de transformação na maneira de utilizarmos. Em momento algum, o próprio paradigma prevê a extinção de serviços, muito pelo contrário, porque se nós estamos falando em um sistema de suportes, este tem que incluir serviços” (GTs, Oficina, 24/03/03).

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1.1.2.3. Desafios para o Futuro: imprimindo possibilidades "Seja a mudança que você deseja ver no mundo”. (Mahatma Gahdi) "Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez.” (Jean Cocteau)

O tema Recursos Humanos, foco das discussões ao longo do trabalho desenvolvido durante a Oficina e na lista Inclusiva, pontua a relevância de alguns itens para a reflexão e a efetiva consolidação nas práticas sociais:

a necessidade de se buscar soluções para a participação de todos os sujeitos;

a articulação com os diversos setores da sociedade para efetivação de oportunidades igualitárias;

o investimento, por parte das políticas públicas, na formação de recursos humanos.

“Há a necessidade de investimento na formação de recursos humanos de forma geral e, não apenas, na da formação dos professores” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

“Todo profissional é um sujeito em ação que põe em movimento

formas de pensar, de sentir, de manutenção ou de mudança” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

“No tocante a buscar soluções para envolver todos os sujeitos...

vejo que a utilização de veículos de comunicação (jornal, televisão, rádio, site, bancas de revistas, igrejas, associações de bairro, grupos de serviços, ONG’s, tribos de jovens, entre outros) e o “boca a boca”, no cotidiano de cada sujeito (família, escola, grupos de pertença, pessoa portadora de deficiência)... se constitui numa alternativa ou mesmo numa estratégia de tornar popular o que, ainda hoje é um tabu para muitas pessoas ou famílias. Isso servirá para que muitas pessoas ou mesmos profissionais tomem conhecimento da sua função social nessa sociedade excludente” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

“Creio que falar na formação de recursos humanos para a

inclusão de pessoas com deficiência significa também falar na formação de profissionais capazes de projetar esta sociedade que buscamos” (Inclusiva, On-line, 22/05/03).

“Articulação com os diversos setores da sociedade para efetivação

de oportunidades igualitárias [consagra-se] na luta para enfrentar e para trabalhar a diversidade e as diferenças” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

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14 Educação Inclusiva no Brasil Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

Práticas Inclusivas fazem parte de um processo que diz respeito não só à educação, mas à sociedade como um todo. O processo de inclusão social contribui para a construção um novo tipo de sociedade, aquela que pretende modificações estruturais no sistema para que as necessidades dos indivíduos possam ser atendidas nas suas demandas. A inclusão repousa em princípios como: o da conduta ética, o da aceitação das diferenças; o da valorização das diversas formas de sentir, pensar e agir no mundo; o do acesso aos bens e serviços disponíveis; o da aprendizagem que garanta o pleno desenvolvimento; o da procura inquieta por novas possibilidades de ação. Esses pontos envolvem uma complexidade pragmática que perpassa por muitos viéses, como: melhorias das condições de vida e de salários dos profissionais; formação genérica e especializada; compromisso e prazer no desempenho do trabalho; mas fundamentalmente, "mudança no olhar" o mundo e os sujeitos do mundo. Assim, o tempo que não temos, o valor que não recebemos, o estudo no qual não investimos... tudo isso, passa a ser um problema de luta, de luta política contra qualquer manifestação excludente por parte dos indivíduos ou do poder público. A exclusão tem que ser concebida como um problema que afeta a todos e, não somente, a grupos específicos: a inclusão tem que ser um desejo, uma necessidade de todos. Nesse sentido, aqueles que assim se posicionam, devem clamar, gritar, denunciar, comprometer-se com o processo de transformação que afetará a todos nós.

Especificamente ao que tange à Educação, um sistema educacional inclusivo é aquele que, através de suas políticas públicas, garante a aprendizagem e o desenvolvimento dos envolvidos no processo – alunos, professores, gestores, comunidade, família etc.

A escola inclusiva pressupõe:

escolas que correspondam às demandas educacionais de sua comunidade;

adaptação curricular às necessidades educacionais dos alunos;

“...os métodos, os procedimentos de ensino, os materiais pedagógicos e todas as ferramentas de aprendizagem devem ser os mesmos indicados para crianças normais, é claro que é muito importante compreender o processo de desenvolvimento de cada aluno, sobretudo para que a escola não transfira a culpa para a criança ou para a Síndrome pela falta de sucesso, quero dizer que se a criança não está aprendendo faz-se necessário, também por parte do professor, um (re)exame da sua abordagem e método de ensino” (Inclusiva, On-line, 21/05/03).

avaliação e investigação contínuas do processo;

“...processo de avaliação não deve ser classificatório, mas uma condição que proporcione ao professor e ao aluno o reconhecimento das necessidades, avanços e dificuldades para que juntos possam estabelecer as metas de aprendizagem, evidenciando sempre o que a criança e o jovem é capaz de realizar, ou seja o enfoque não deve ser na deficiência e sim nas possibilidades das pessoas” (Inclusiva, On-line, 22/05/03).

garantia de atitude crítica, por parte dos envolvidos, em relação aos conhecimentos;

oportunidade de interação e diálogos constantes entre alunos, professores, gestores, família, comunidade...

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Educação Inclusiva no Brasil 15 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

“A escola tem um poder transformador? Sim. Por quê? Porque está em contato quase direto... A escola tem que se comunicar com o pipoqueiro que está na frente... muitas vezes dentro da escola está se fazendo um trabalho bonito... e aquele pipoqueiro é quem vende a droga... estabelecer parcerias no sentido de fazer com que a educação tenha um respaldo lá fora com aquelas pessoas com quem os alunos se comunicam” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“A questão da formação do professor tem que ser voltada para o conteúdo sim, mas oportunizar e incentivar a necessidade dele dialogar mais com a família, com a criança...” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Mudança de atitude exige espaços dialógicos, espaços nos quais possam dizer, inclusive, ‘eu não quero ter esse aluno comigo’ e que isso não seja objeto de censura, porque do contrário a pessoa se inibe e mascara a rejeição” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Nossa fala também muda em função da própria compreensão do que são os paradigmas, os modelos, o que está por trás de cada um...” (GTs, Oficina, 24/03/03).

formação continuada dos profissionais;

espaços e dimensões acessíveis a todos;

“...reorganização da sala de aula para que haja um incentivo ao trabalho coletivo e diversificado, possibilitando aos alunos produzir em grupo, valorizando e desenvolvendo o espírito de cooperação” (Inclusiva, On-line, 23/05/03).

eficácia de interação e interlocução no cotidiano da sala de aula;

apropriação dos conhecimentos disponíveis no mundo por parte dos alunos;

presença de relação dialógica entre os parceiros;

questionamentos constantes: “o que falta a minha prática”; “o que falta ao aluno?”; “como e onde encontrar soluções?”; “que relações e parcerias estabelecer?”.

“...uma de nossas principais tarefas é encontrar caminhos criativos para esse tipo de capacitação "ao vivo"!” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

compromisso na aplicação e no uso ideológicos e político sociais das redes de informações e conhecimentos;

questionamento institucional do papel e da função político-social da educação, dos educadores e das escolas como norteadores e promotores do exercício da cidadania e do pleno desenvolvimento dos sujeitos;

“Para conceber a escola como o centro de desenvolvimento deste processo e sobretudo como instrumento de libertação (da segregação, discriminação, etc.), no entanto, é preciso exigir o compromisso do Estado, o qual deve disponibilizar os recursos necessários para a promoção da melhoria dos aspectos estruturais das escolas, da acessibilidade, dos recursos pedagógicos, da capacitação de professores, do salário dos professores, enfim tudo que possa contribuir para a valorização e a qualidade do ensino” (Inclusiva, On-line, 24/05/03).

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16 Educação Inclusiva no Brasil Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

promoção de programas educacionais apropriados e adequados às capacidades e às necessidades de cada aluno;

apoio e treinamento especializados para os professores;

“...professores especialistas em Educação Especial são uma NECESSIDADE, sob pena de não se oferecer aos deficientes a justa oportunidade de atendimento específico” (Inclusiva, on-line, 23/05/03).

clareza na construção dos objetivos educacionais: para quê, por quê e como o fazer pedagógico deve se estruturar.

Outros dois aspectos foram bastante discutidos e apontados como saídas para a crise educacional, devendo estar presentes na ação/formação do professor: o prazer no desempenho profissional e o compromisso com a pesquisa-ação no seio do espaço escolar.

“A vocação é tão importante quanto a formação acadêmica” (Inclusiva, On-line, 22/05/03).

1.1.2.3.1. A História No que diz respeito ao prazer pelo trabalho, uma história foi relatada e, em função da

relevância de seus conteúdos e de seus significados, será, aqui, reproduzida e comentada.

“Em certa escola, havia uma professora, regente de classe, um tanto vocacionada para trabalhos literários. Seus relatórios, muito bem feitos.

Lecionava para uma turma de cegos adolescentes. [Só que] Ela não gostava de dar aulas. Por isso, sempre faltava. Quando chegava atrasada, avisava que não ia dar aula, para cuidar de suas escritas. Entre seus alunos, havia um que aparentava limitação mental.

Certa manhã, a professora faltou. Alguém veio procurá-la e outro alguém respondeu que a professora havia faltado. A essas alturas, o mencionado aluno, passeando à frente da sala de aula, para lá e para cá, dizia: "É parada! Quando não vem, não tem porque não vem; Quando vem, vem e não tem" (Inclusiva, On-line, 22/05/03).

Essa história nos oferece reflexões importantes para a implementação de práticas inclusiva, bem como para a rejeição e a denúncia de práticas excludentes. Qualquer iniciativa, seja positiva ou negativa, funda um sentido e produz marcas tanto no desenvolvimento individual do sujeito afetado pela ação como no desenvolvimento social mais amplo. Não dá para ficar de braços cruzados quando se trata de negação de cidadania que é direito à vida, vida com qualidade para todos. Práticas desse tipo têm que ser denunciadas e eliminadas dos espaços sociais.

O compromisso com o trabalho no que tange à competência técnica está diretamente relacionado ao prazer em desempenhar tal e qual função. Quando o prazer pelo que se faz está ausente, o resultado é no mínimo mecânico, cujo envolvimento destituído de afeto e de sentidos impede o investimento na apropriação de práticas mais eficientes e no desenvolvimento futuro. Porém, quando além da ausência da competência técnica, o compromisso político também não se faz presente, o resultado pode ser desastroso, como no caso da professora da História, onde os alunos são deixados de lado, não têm garantido o

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acesso aos conhecimentos escolares, não aprendem (pelo menos o que deveriam), não se desenvolvem plenamente. Muito mais sério do que falhar com a competência técnica é falhar com a obrigação ética.

A partir dos princípios da constituição de 1988, que já demarcavam o direito social à Educação da pessoa portadora de deficiência, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece que ao ingressar em uma instituição escolar, o cidadão portador de deficiência torna-se aluno – sujeito do fazer pedagógico específico da educação, ou seja, com um papel social que se define em função de uma ação especificamente escolar. A mesma Lei de Diretrizes e Bases dispõe, ainda, em seu artigo 59, inciso I, sobre a responsabilidade dos sistemas de ensino para assegurar aos educandos “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades”. Então, uma pergunta pode ser colocada: o que são esses jovens de “A História?”. Alunos, não seria a denominação correta, pois para que um sujeito ocupe o papel de aluno, necessariamente há que se ter outro no papel de professor. Para que haja ensino, tem que haver aprendizagem. Práticas como essa representam o aniquilamento da condição de cidadão e de sujeito de direitos, são contrárias ao combate à segregação do aluno portador de deficiências, cuja expressão encontra-se presente nos documentos e Leis e, sem dúvida, representa anseios no sentido de se alcançar metas educacionais democráticas.

Para que o caráter pedagógico da Educação Especial seja demarcado, é preciso a definição de uma proposta pedagógica educacional que garanta aos alunos a apropriação dos conhecimentos historicamente construídos na experiência da humanidade, implicando em deslocar o eixo do trabalho do núcleo primário da deficiência do aluno para suas necessidades e potencialidades educacionais especiais. Uma proposta educacional deve levar em conta os modelos metateóricos e os referenciais deles decorrentes, a fim de fundamentar-se numa determinada concepção – de homem, de mundo, de conhecimento, de desenvolvimento e de aprendizagem, de educação, de educador e de educando – capaz de significar/(re)significar práticas de sala de aula democráticas, criticas e ampliadoras das capacidades humanas e sociais dos alunos.

Concebendo tanto o currículo como o aluno e professores como histórica e socialmente produzidos, entende-se que os conteúdos escolares só se tornarão objeto de conhecimento mediante uma ação educativa específica, que possibilite a relação significativa dos alunos com os mesmos na atividade prática. O papel do professor ganha, então, destaque como mediador dessa relação, através de um processo de intervenção e de interação pedagógicas, possibilitando que o aluno avance no processo de conhecimento sobre o mundo e amplie suas condições de ação.

Porém, o currículo para da Educação Especial deve ser o mesmo da Educação Regular, ressalvadas as devidas adaptações às necessidades individuais. O conteúdo deve ser recuperado e se tornar o eixo fundamental de relação professor/aluno, sem que esse conteúdo seja selecionado a partir do rebaixamento das metas a serem alcançadas.

Uma das expressões do ensino especial é a baixa expectativa que se tem em relação ao portador de síndromes, onde se supõe que estes não são capazes de alcançar o pensamento abstrato, levando a práticas limitadas ao uso do concreto, que eliminam qualquer experiência que associe ao pensamento abstrato. Se é essa a dificuldade, cabe à escola, ao espaço de educação, justamente, impulsionar o aluno na direção do pensamento abstrato e não na do aprisionamento ao mund do concreto ou na do limite de suas capacidades.

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18 Educação Inclusiva no Brasil Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

Quando o enfoque é na deficiência, ele se traduz e produz na/a baixa expectativa e no/o empobrecimento dos conteúdos trabalhados, não impulsionando o aluno para a superação de suas dificuldades. Ao supor a incapacidade do aluno, o professor desenvolve uma prática pedagógica mecânica, pouco ou nada significativa, voltada para a elaboração de tarefas rotineiras, que não exploram as potencialidades de e para a aprendizagem dos alunos.

Um aspecto dessa “História”, que deve ser ressaltado e repensado pela educação especial, exemplifica a presença da baixa expectativa – por parte da Educação, em geral, e dos educadores, especificamente, – em relação ao portador de síndromes, que é afetado pela crença de que sua capacidade mental não pode ir além do concreto, sendo visto e classificado como incompetente para a construção do pensamento abstrato. Tal suposição tem levado a práticas destituídas de qualquer experiência que se associem ao pensamento generalizante, limitando-se ao uso de métodos concretos. A fala do aluno da “História”, classificado como possuidor de uma limitação mental, aponta numa direção inversa. Quando diz: ”É parada! Quando não vem, não tem porque não vem. Quando vem, vem e não tem”, o aluno revela suas potencialidades para a construção de conceitos abstratos, caracterizando possibilidades para aprendizagens e para internalização de diferentes leituras de mundo. Sua expressão não só denuncia, nas entrelinhas, a falta de compromisso por parte da professora, como também o estéril ambiente escolar. Os alunos freqüentam, são assíduos, suas famílias não desistem das expectativas sobre os ensinamentos escolares, mas apesar de estarem presentes, não absorvem o essencial para que seus desenvolvimentos caminhem para frente e para novas direções.

Os pontos anteriormente trabalhados abrem caminhos para a discussão sobre a qualidade da formação do educador, cuja visão sobre o que é aprendizagem e desenvolvimento, o que é ensinar, qual o papel da escola etc. fundamentam as práticas pedagógicas. Nesse sentido, uma formação voltada para a reflexão sobre as concepções que referenciam as práticas pedagógicas se faz urgente.

Nessa moldura, a qualidade da formação de professores reside no movimento de desconstrução do modelo educacional excludente e, consequentemente, na construção de novos paradigmas que desafiem a recriação do sentido de educar, provocando e consolidando práticas questionadoras e mergulhadas no “fazer pensando” – traduzido, aqui, como prática de pesquisa.

Os conhecimentos teóricos, apesar de sua importância e de sua relevância, são insuficientes quando confrontados às exigências demandadas pelo cotidiano escolar. Dito de outra forma, o processo de formação de professores eficaz está na investigação, no questionamento suscitado pela articulação entre a prática e a teoria, cujo movimento ação-reflexão traduz-se em transformações que avançam em direção a melhores formas de compreensão do fenômeno educacional e da busca de soluções para os problemas encontrados no cotidiano escolar, marcado pela imprevisibilidade, pelo múltiplo, pelo plural.

“A teoria quando é pura, quando não está articulada com a prática não faz sentido algum... o espaço da formação tem que garantir o diálogo, a troca de experiências, as angústias... só assim vamos poder dividir, no futuro, muitos sucessos” (Inclusiva, On-line, 23/05/03).

“A formação de recursos humanos é pré requisito para a inclusão

e a formação dos professores tem que acontecer no campo de trabalho. Sem que os recursos humanos assumam a ótica da inclusão nada se transformará. Qualquer tecnologia, por mais avançada que seja, não

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Educação Inclusiva no Brasil 19 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

garante o acesso, pois os sujeitos são sociais e necessitam dessas relações para aprender e se desenvolver” (Inclusiva, On-line, 23/05/03)..

“Trabalhar em cima das questões reais que estão acontecendo na

prática diária de cada professor, discutindo no grupo como numa espécie de supervisão compartilhada, e fazendo com que o professor sistematize e avalie continuamente suas ações, é uma maneira bastante profícua de capacitação docente” (Inclusiva, On-line, 22/05/03).

“O professor não pode se afastar do seu campo de trabalho porque

é justamente o campo que oferece a oportunidade de se relacionar teoria e prática. Uma não pode dissociar-se da outra. O professor tem que adotar uma atitude investigadora para que as soluções possam vir à tona. Ele tem que se transformar num pesquisador de campo, só assim encontrará saídas para os imprevistos” (Inclusiva, On-line, 23/05/03).

“...insistindo sobre a importância do professor se tornar um

pesquisador de sua própria prática pedagógica, sobretudo em uma situação tão nova que é voltar sua atenção á diversidade de seu alunado” (Inclusiva, On-line, 23/05/03).

“Vontade de ser professor, o prazer pelo que se faz, o

envolvimento e o compromisso político com o trabalho assentam as bases da prática pedagógica”.

“Precisamos resgatar o professor com P maiúsculo, o que significa

tomar para cada um de nós a responsabilidade pelo que se faz e se planta” (Inclusiva, On-line, 21/05/03).

“Mais difícil do que encontrar as saídas para os problemas do

cotidiano escolar, é construir esse novo paradigma de educação, que modifica o olhar sobre as deficiências, sobre as potencialidades dos alunos, sobre as aprendizagens e os desenvolvimentos dos sujeitos envolvidos, sobre o papel da escola, do professor, do aluno, impondo novas maneiras de ação no âmbito das práticas pedagógicas” (Inclusiva, On-line, 20/05/03).

O que caracteriza a espécie humana é o fato dela ser fruto das relações sociais. O ser humano só desenvolve suas capacidades de pensar e agir no interior das relações sociais e culturais. A linguagem, o pensamento, os valores, as crenças, os sentidos, as formas de atenção e memória só se desenvolvem a partir de e em ressonâncias às experiências sociais e culturais. Sendo as formas e modalidades de transmissão da cultura realizadas através da educação. Então, o educador que deseja avançar no seu trabalho educacional precisa compreender os processos de desenvolvimento e de aprendizagem do aluno. O desenvolvimento e a aprendizagem caminham do social para o individual: primeiro, a criança realiza aprendizagens a partir das relações interpessoais, que, ao longo do tempo, vão sendo internalizadas. Assim, as práticas pedagógicas decorrentes dessa visão assumem as seguintes características: a relação professor/aluno se dá com base no diálogo e no fazer e no refazer conjunto; os conhecimentos que os sujeitos possuem são valorizados; os conteúdos trabalhados são significativos; o trabalho pedagógico parte daquilo que o aluno é capaz de fazer em colaboração, uma vez que o que ele conhece, já realiza com autonomia; o trabalho pedagógico é organizado, partilhado pela coletividade; as práticas de avaliação são pautadas no processo,

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20 Educação Inclusiva no Brasil Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

envolvendo o desempenho do professor e dos alunos. Porém, há que se ressaltar que o professor não aprende sozinho, assim como o aluno, por isso deve refletir, analisar, investigar, adaptar e refazer, continuamente, sua prática mediada pelas teorias disponíveis. Assim, o sucesso será alcançado.

“A gente só aprende a fazer, fazendo. Só aprende a conviver, convivendo. Só aprende a andar, andando. A inclusão é um processo que não pode parar. Tem que ser um horizonte de conquistas!” (Inclusiva, On-line, 23/05/03).

1.1.3. Considerações Finais

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um outro galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios do sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretecendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão. (João Cabral de Melo Neto – Tecendo a Manhã)

Portanto, o conceito de INCLUSÃO liga-se ao desejo e à necessidade de mudanças educacionais profundas: “o segredo está no projeto político pedagógico”. Onde a presença do termo Inclusão não basta para redimensionar o processo educacional. Necessita-se de uma proposta político-pedagógicas, um desejo de mudanças nos paradigmas educacionais e no convívio social e político.

A Educação Inclusiva não pode ser encarada como, apenas, a que trata da questão dos deficientes ou dos grupos vulneráveis, mas a que abrange todos os educando, respeitando as diferenças, sem, no entanto, pretender massificá-las com uma suposta homogeneização, caracterizando, assim, o que é melhor para o aluno. “Fazer o melhor para o aluno é prover todas as suas necessidades, porém o que vai determinar o que é melhor para o educando não é o grau de sua deficiência, mas o como e o quanto a escola está preparada para receber esse aluno” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Colocar o indivíduo na sala de aula só para enfeitar não é inclusão. Tampouco, colocar o deficiente no centro do processo (a criança como rei) é inclui-lo no sistema educacional, mas apenas uma atitude paternalista. Ele [o deficiente] tem o direito de aprender e de se desenvolver para melhor operar o mundo” (GTs., Oficina, 24/03/03).

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Educação Inclusiva no Brasil 21 Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

Há uma tentativa de se abandonar as práticas de integração, assumindo as da inclusão. Porém, para tal não se pode encarar a deficiência como algo a ser superado, mas como realidade diferente de se atuar no mundo. E para que novas práticas, capazes de lidar com as diferenças, possam ser incorporadas precisamos investigar cada atuação junto ao aluno, levantando questões como:

como fazer;

o que meu aluno portador de necessidades educacionais especiais precisa para aprender;

como articular o genérico e o específico;

como garantir o acesso aos bens de consumo, à cultura, aos conhecimentos escolares, às variadas linguagens;

o que o sujeito precisa para atuar de forma plena no mundo;

de que maneira garantir as necessidades dos sujeitos envolvidos no processo;

enfim, que mudanças, na reforma do ensino, são necessárias para tornar essa escola mais dialética e preparada para acolher a diversidade.

A escola inclusiva não tem que esperar que o aluno esteja pronto para a aprendizagem, mas responsabilizar-se para que ele esteja em consonância e ressonância com o que vai aprender. Quer dizer, a “educação inclusiva vai muito além da presença física do aluno na escola, ela tem que assegurar uma aprendizagem significativa que favoreça a relação, a percepção e a interação do que está no entorno” (GTs, Oficina, 24/03/03).

“Trata-se de se ter clareza que a escola que queremos é uma escola acolhedora, preparada para matricular todo cidadão, para que o termo Inclusão não precise mais ser um ‘lema’, mas torne-se uma atitude da sociedade como um todo. A escola precisa ensinar a todos: esse é o seu papel” (GTs, Oficina, 24/03/03).

Os participantes desse debate, sobre a realidade atual das práticas educacionais inclusivas e sobre os desafios necessários às suas implementações, ressaltaram a importância de uma discussão, de uma reflexão e de um posicionamento profissional comprometidos com o acesso de todos às necessidades que cada sujeito demanda. Mas para que essa demanda possa de fato ser atendida, uma formação continuada precisa estar assegurada. A formação deve ser continuada, porque o educador é visto, aqui, como um sujeito da cultura e com a cultura é um terreno fértil, móvel, dinâmico, não se pode entregar a dogmas e crenças, há que flexibilizar os pensamentos e as práticas na busca de melhorias na qualidade de vida e na de ensino. É preciso que a ação do professor volte-se para uma prática de pesquisa, onde o objeto estudado se reverta em promoção de desenvolvimento humano através das aprendizagens, bem como sirva de mediação para o processo de construção de identidade dos agentes sociais.

Contudo, uma prática muito comum, ainda, é pensar o conhecimento, a formação como alguma coisa que se dá de cima para baixo, do mais competente para o menos competente. E, geralmente, a cada gestão propõe-se uma nova prática, um novo modelo, um novo referencial teórico como soluções para todo e qualquer problema, “pedindo”, “solicitando”, para não dizer, “impondo” ao professor o abandono de suas práticas e crenças anteriores – como se tudo o que ele soubesse nada representasse, como se a construção de sua história de vida pessoal e profissional não fossem importantes. No entanto, considerando-se

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Cristina Nacif Alves Recursos Humanos

22 Educação Inclusiva no Brasil Banco Mundial – Cnotinfor Portugal

que passado/história seja a possibilidade de transformação do futuro, não faz sentido abrir mão desse passado constitutivo das identidades pessoal e profissional. É preciso mantê-lo vivo na memória, para que no presente, ele [passado] possa ecoar as vozes do futuro.

Mas para que a história desse profissional não seja negada e para que ele tenha a possibilidade de traçar novas metas orientadoras de suas práticas, é necessário que se instaure um relação dialógica com esse sujeito, que se dê voz às suas angústias e a seus questionamentos, surgidos no seio de seus incômodos e de suas incertezas presentes – atuais –, gerando, com isso, um movimento em direção à mudança, rumo à transformação do ontem no amanhã. Dar voz a esse profissional, é acreditar em sua capacidade para a pesquisa, para a construção de novos conhecimentos e paradigmas.

Isso, no entanto, só vai ocorrer quando a prática pedagógica for investigada, revista, avaliada continuamente, para que o aluno – seja ele deficiente ou não – possa de fato (e não mais, apenas, de direito) se apropriar daquilo que é o “papel fundamental da escola: garantir o acesso aos conhecimentos já construídos pela humanidade e a co-construção de novos conhecimentos emergentes desse processo.

Assim, estaremos assegurando uma escola para todos, onde o processo de interconstrução se dá com base na emergência coletiva dos múltiplos significados que os conhecimentos escolares assumem no seio das interações sociais.

1.1.4. Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05/10/1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

________. Lei no 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial, 1998.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.

CHAUÍ, M. Cultura e democracia. São Paulo: Cortez, 1990.

FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva crítica. São Paulo: Ática, 1989.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO do RIO DE JANEIRO. Multieducação: núcleo curricular básico. Rio de Janeiro, 1996.