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  • TEXTO PARA DISCUSSO N 956

    ISSN 1415-4765

    * Os autores agradecem ao professor Luiz Eduardo Soares pela generosidade em compartilhar tantos ensinamentos e pelosmomentos felizes e intensos vividos na Coordenadoria de Segurana Pblica do Rio de Janeiro. Agradecem, ainda, pela fraternalcooperao, aos amigos: Jacqueline Muniz, Julita Lemgruber, Silvia Ramos, Brbara Musumeci, Leonarda Musumeci, IncioCano, Tlio Kahn, Yolanda Cato, Roberto Kant Lima e Claudio Beato. Por fim, o reconhecimento aos colegas do IPEA pelasenriquecedoras discusses e, em especial, a Sergei Soares, pelos sagazes e sempre pertinentes comentrios, e ao Dr. RobertoMartins, a Ricardo Pas de Barros e a Lauro Ramos, que tanto apoio deram aos primeiros passos dessa longa jornada de estudosem crime e segurana pblica no Brasil aqui no IPEA.** Da Diretoria de Estudos Sociais do IPEA. [email protected]*** Pesquisador visitante do IPEA e Professor da Ence/IBGE. [email protected] e [email protected]

    Daniel Cerqueira**Waldir Lobo***

    Rio de Janeiro, junho de 2003

    DETERMINANTES DA CRIMINALIDADE:UMA RESENHA DOS MODELOSTERICOS E RESULTADOSEMPRICOS*

  • Governo Federal

    Ministrio do Planejamento,Oramento e Gesto

    Ministro Guido MantegaSecretrio Executivo Nelson Machado

    Fundao pblica vinculada ao Ministrio do

    Planejamento, Oramento e Gesto, o IPEA

    fornece suporte tcnico e institucional s aes

    governamentais, possibilitando a formulao

    de inmeras polticas pblicas e programas de

    desenvolvimento brasileiro, e disponibiliza,

    para a sociedade, pesquisas e estudos

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    Diretor de Cooperao e Desenvolvimento

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    TEXTO PARA DISCUSSO

    Uma publicao que tem o objetivo dedivulgar resultados de estudosdesenvolvidos, direta ou indiretamente,pelo IPEA e trabalhos que, por suarelevncia, levam informaes paraprofissionais especializados e estabelecemum espao para sugestes.

    As opinies emitidas nesta publicao so de

    exclusiva e inteira responsabilidade dos autores,

    no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista

    do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou do

    Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados

    contidos, desde que citada a fonte. Reprodues

    para fins comerciais so proibidas.

  • SUMRIO

    SINOPSE

    ABSTRACT

    1 INTRODUO 1

    2 EVOLUO DO ESTUDO SOBRE AS CAUSAS DA CRIMINALIDADE 3

    3 UM RESUMO DAS PRINCIPAIS ABORDAGENS SOBRE AS CAUSAS DA VIOLNCIA E DA

    CRIMINALIDADE 4

    4 A LITERATURA BRASILEIRA 17

    5 UM MODELO ECOLGICO 19

    6 CONCLUSES 21

    7 ANEXO 24

    BIBLIOGRAFIA 24

  • SINOPSE

    O que leva as pessoas a cometerem crimes e comportamentos desviantes dossocialmente aceitos? Seriam tais comportamentos frutos de traos pessoais eidiossincrticos, ou resultado de um processo deformado de aculturao na fase pr-adulta? Ou, ainda, seria o resultado de um ambiente de desagregao e injustiassociais? possvel aventar, por outro lado, a hiptese de tal fenmeno ser meramenteum resultado do processo de racionalizao, onde a cultura moderna daindividualizao seria uma base tica para contrapor Lei de Ouro. Ento, comoexplicar a ocorrncia de tais fenmenos ao longo da histria e em lugares e culturasto distintos? Mais importante ainda: h formas eficazes de interveno do poderpblico de modo a amenizar a criminalidade?

    Talvez existam poucas reas do conhecimento cujo potencial de investigao,envolvendo vrias disciplinas, seja to amplo como na criminologia. Em particular,no que se refere aos estudos sobre os determinantes da violncia e criminalidade, amultidisciplinaridade, mais do que um exerccio de erudio, constitui umanecessidade bsica, sem o que o potencial heurstico fica limitado ante a parcialidademetodolgica que cada disciplina impe. Nesse tema, especificamente, vriascontribuies mais relevantes foram dadas desde o incio do sculo passado, primeiropor socilogos e antroplogos e, depois, por psiclogos, psiquiatras, bilogos,economistas e juristas. Este texto objetiva passar em revista algumas dessascontribuies e fornecer uma resenha dos modelos tericos acerca dos determinantesda criminalidade, bem como apontar os vrios resultados empricos.

    ABSTRACT

    What does take the people to commit crimes? Would it be resulted of personalidiosyncratic characteristics, or result of a deformed process of acculturation in thepre-adult phase? would it, still, be the result of a disaggregation atmosphere and socialinjustices? on the other hand, it is possible to make the hypothesis what suchphenomenon would be a result of the rationalization process, where the modernculture of the individualization would be an ethical base to oppose to the Law ofGold. Then, how to explain the occurrence of such phenomena along the history andin places and different cultures? More important still: are there effective forms ofintervention of the public power in way to diminish the criminality?

    This text make a summary of different contributions and make a review of thetheoretical models concerning the determinant of the criminality. Finally, severalempiric results are described here.

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    1 INTRODUOEntender o que leva as pessoas a cometerem crimes uma tarefa rdua. Afinal, no hconsenso sobre uma verdade universal (ainda que seja uma meia verdadetemporria1), mesmo que essa se refira a uma determinada cultura, em um dadomomento histrico. Como explicar que em uma comunidade onde haja dois irmosgmeos, um deles enverede pela vida do narcotrfico, ao passo que o outro prefiraseguir o caminho da legalidade?

    Os criminlogos que, principalmente a partir do incio do sculo XX, vieramestudando o assunto, identificaram uma srie de fatores criminognicos que,combinados em propores e situaes especficas, poderiam explicar a causao docrime. Desse modo, o que h na literatura so inmeros modelos que focalizamalguns desses fatores, em particular. Portanto, melhor do que perceber cada um dessesmodelos como uma panacia que explique situaes to dspares, ou mesmo comomodelos que dem conta da generalidade do mundo criminal, menos ingnuo seriainterpret-los como matizes que podem ajudar a compor um quadro.

    Do ponto de vista da interveno pblica para a manuteno da paz social, noimporta conhecer a verdade. Importa, em primeiro lugar, reconhecer se em umadeterminada regio h alguma regularidade estatstica sobre algum daqueles fatorescriminognicos, concretos (presena de armas, drogas etc.) ou imaginrios (supervisofamiliar, reconhecimento etc.) e, por ltimo, saber se o Estado possui instrumentospara intervir nessa regularidade, seja diretamente, seja indiretamente, com aparticipao da prpria sociedade. As teorias de causao do crime, ao lanarem luzsobre determinadas variveis e sua epidemiologia, permitem que o planejador doEstado escolha entre inmeras variveis aquelas que supostamente devem ser maisimportantes. Os modelos empricos, ao detalhar a metodologia de aferio,possibilitam a centralizao das atenes e dos escassos recursos pblicos para algumaspoucas variveis, que podem no explicar uma verdade universal, mas que deveminterferir decisivamente (com maior probabilidade) na dinmica criminal daquelaregio a que se quer intervir. Desse modo, o planejador pblico que acreditarpiamente em um nico determinado modelo de causao criminal (seja qual for esse)para tomar suas decises e orientar suas aes e recursos estar fadado a utilizar umacama de Procusto, algumas vezes com xito ou no, a depender do cliente, ou dasituao em particular. Da a necessidade da multidisciplinaridade: um meio deaumentar o conjunto de instrumentos de anlise e de interveno pblica, para umobjeto extremamente complexo.

    Este texto faz parte da primeira etapa de um projeto de pesquisa no IPEA (demdio e longo prazo), ilustrado pela Figura 1, cujo teor poderia ser sintetizado pelaseguinte questo: como identificar polticas preventivas para garantir a paz social, a

    1. Popper (1978) afirma que as teorias fsicas so verdades temporrias. Conforme aponta Silveira (1994), ocomprometimento maior dos cientistas naturais se d na formalizao hipottico-dedutiva e na linguagem lgicaformal. Nas cincias sociais, por outro lado, teorias minimamente realistas no poderiam deixar de ignorar instituies euma srie de outros elementos muitas vezes no quantificveis ou tratveis matemtica ou logicamente. Desse modo,em vista da mirade de fatores relevantes e da enorme complexidade sempre imanente aos fenmenos sociais, ainda queuma teoria social obtivesse um consenso, em determinado momento, na academia, essa teoria deveria se constituirapenas em uma meia verdade temporria.

  • 2 texto para discusso | 956 | jun 2003

    partir da conjugao de polticas sociais (estruturais ou compensatrias) focalizadasregionalmente e de polticas relacionadas ao sistema de justia criminal?

    FIGURA 1

    Projeto de Pesquisa: Planejamento Estratgico da Segurana Pblica e osDeterminantes do Crime

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    Pretende-se obter respostas para essa questo com base na identificao devariveis cruciais que expliquem a criminalidade, em acordo com o enunciado pelaliteratura especializada. Outrossim, o estudo se desenvolver em trs etapas. Primeiro,se procurar desenvolver modelos e metodologias para analisar os determinantes dacriminalidade sob a tica agregada regionalmente. Posteriormente, se procurar fazerestudos que levem em conta as informaes individuais de eventuais grupos deperpetradores e outros indivduos que atuam na legalidade. Por fim, se procurarestudar os determinantes de dinmicas criminais em particular,2 conforme os trsprimeiros blocos da Figura 2 deixam assinalados. Essa mesma figura estende a idiade um projeto mais amplo (futuro), acerca do estudo dos custos e conseqncias dacriminalidade e a juno dos dois eixos para a anlise de benefcio-custo de programasde segurana pblica.

    O relatrio da primeira etapa desse projeto est relacionado na trilogia 20 Anosde Homicdios no Rio de Janeiro e So Paulo, em que este texto o primeiro da srie,onde se fez um mapeamento das inmeras teorias que explicam a criminalidade e osrespectivos estudos empricos.

    No segundo trabalho, intitulado Condicionantes Sociais, Poder de Polcia e o Setorde Produo Criminal, se propor, alternativamente ao arcabouo de utilidadeesperada de Becker (1968), um modelo em que a produo criminosa ofertada emum setor cuja funo de produo sujeita a externalidades e onde cada virtual(empresrio) criminoso obedece a preos heterogneos, a depender da sua posio noestrato social. Nesse mesmo trabalho ser ainda apresentado um modelo emprico,com base em dados de duas dcadas de homicdios no Rio de Janeiro e em So Paulo,

    2. Sobre esse ponto, no se deve confundir dinmicas criminais com tipos de delitos. Por exemplo, sabe-se o nmero dehomicdios em determinada regio, porm quantos desses devem-se a questes interpessoais, motivao econmica,narcotrfico etc., e qual a influncia de outras variveis explicativas sobre cada uma dessas diferentes dinmicas quelevam ao homicdio?

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    concatenado diretamente ao modelo terico, onde sero estimadas as elasticidades doshomicdios com relao s despesas com segurana pblica e aos condicionantessociais.

    FIGURA 2

    Etapas (de Longo Prazo) do Projeto de Pesquisa

    Fechando a trilogia, apresentaremos com base nas reflexes apresentadas noprimeiro trabalho e nas elasticidades discutidas no texto subseqente umadiscusso acerca das estratgias genricas de interveno na segurana pblica,constante do texto Criminalidade: Social versus Polcia.

    2 EVOLUO DO ESTUDO SOBRE AS CAUSAS DA CRIMINALIDADE

    O estudo sobre as causas da criminalidade tem se desenvolvido em duas direes, noque diz respeito s motivaes individuais e aos processos que levariam as pessoas atornarem-se criminosas. Por outro lado, tm-se estudado as relaes entre as taxas decrime em face das variaes nas culturas e nas organizaes sociais. Tais arcabouostericos tm sido desenvolvidos, principalmente, a partir de meados do sculopassado.

    Em perodos anteriores, as primeiras reflexes sobre o tema, elaboradasnormalmente por pessoas fora do crculo acadmico, procuravam encontrar umacausa geral para o comportamento criminoso, de sorte que, virtualmente, ao seextirpar essa causa geral se conseguiria erradicar a criminalidade. Contudo, taisperspectivas se traduziam menos em teorias explicativas sobre a criminalidade e maisem panacias que alimentavam o discurso de telogos, reformadores e mdicos poca [Cressey (1968)]. Nesse limiar dos desenvolvimentos tericos da criminologia,talvez, uma das mais conhecidas abordagens, devida a Lombroso (1893), colocavacomo determinante da criminalidade as patologias individuais. Tais nfases biolgicasdas causas do crime, contudo, foram abandonadas aps a 2 Guerra em virtude doseu contedo racista, que condenava pessoas com determinadas caractersticas fsicas aserem portadoras contnuas da doena da criminalidade.

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    Estando as teorias sobre as causas da criminalidade relacionadas ao aprendizadosocial, no de se admirar que, historicamente, os socilogos tenham dado grandescontribuies ao tema. Entretanto, h muito a questo da criminalidade vem tambmchamando a ateno de economistas, ainda que apenas a partir do final do sculopassado esse tenha sido um objeto central de estudos. Por exemplo, Adam Smithhavia observado que crime e demanda por proteo ao crime so motivados ambospela acumulao da propriedade. William Paley tambm elaborou uma cuidadosaanlise acerca de fatores que condicionariam as diferenas de crime e sanes. JeremyBentham, por outro lado, conferiu especial importncia ao clculo acerca docomportamento do criminoso e respostas timas pelas autoridades locais [ver Ehrlich(1996)].

    De fato, um survey aplicado em 1901 nas universidades americanas [Tolman(1902/1903)] dava conta de que entre os primeiros cursos oferecidos sob adenominao genrica de sociologia j constavam currculos como de criminologiae penologia. A esse respeito apenas recentemente as universidades de economiaamericanas tm includo em seus currculos o estudo do crime.

    Uma teoria que explique o comportamento social, em particular ocomportamento criminoso, deveria levar em conta pelo menos dois aspectos: a) acompreenso das motivaes e do comportamento individual; e b) a epidemiologiaassociada, ou como tais comportamentos se distribuem e se deslocam espacial etemporalmente [Cressey (1968)]. Conforme Cano e Soares (2002) apontaram, sepoderia distinguir as diversas abordagens sobre as causas do crime em cinco grupos:a) teorias que tentam explicar o crime em termos de patologia individual; b) teoriascentradas no homo economicus, isto , no crime como uma atividade racional demaximizao do lucro; c) teorias que consideram o crime como subproduto de umsistema social perverso ou deficiente; d) teorias que entendem o crime como umaconseqncia da perda de controle e da desorganizao social na sociedade moderna;e e) correntes que defendem explicaes do crime em funo de fatores situacionaisou de oportunidades.

    Objetiva-se, nas prximas sesses, fazer um quadro resumido dessas muitasabordagens, ao mesmo tempo que se busca fazer uma breve resenha bibliogrfica. Nasconcluses, se apresentar um quadro contendo os resultados de alguns dos principaisestudos, a respectiva teoria que inspirou tais estudos e as variveis normalmente parasua aferio.

    3 UM RESUMO DAS PRINCIPAIS ABORDAGENS SOBRE AS CAUSAS DA VIOLNCIA E DA CRIMINALIDADE

    3.1 TEORIAS FOCADAS NAS PATOLOGIAS INDIVIDUAIS

    Dentre as teorias que explicam o comportamento criminoso a partir de patologiasindividuais, se poderia dividi-las em trs grupos: de natureza biolgica; psicolgica; epsiquitrica. Tais desenvolvimentos encontram-se no limiar da criminologia, sendouma das abordagens mais conhecidas, conforme j salientado anteriormente, aqueladevida a Lombroso [1893; 1910 (editada em 1968)], em que a formao ssea docrnio e o formato de orelhas, entre outras caractersticas, constituiriam indicadores

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    da patologia criminosa. Tal perspectiva lombrosiana inspirou ainda trabalhos nocampo da psiquiatria, cuja hiptese era de que criminosos constituam um tipo deindivduo inferior, caracterizado por desordens mentais, alcoolismo, neuroses, entreoutras caractersticas [Hakeem (1958)]. Healy (1915), em The Individual Delinquent,acentuou uma srie dessas caractersticas e fatores, considerados tambm por Glueck(1918) em um estudo com 608 detentos da priso de Sing Sing. Sob a ticapsicolgica, muitos trabalhos foram desenvolvidos logo aps a 1 Guerra, em que setentava medir objetivamente o grau em que criminosos eram psicologicamentediferentes de no-criminosos. A hiptese bsica era de que a baixa inteligncia seriauma importante causa da criminalidade [Cressey (1968)].

    Aps a 2 Guerra tais teorias acerca das caractersticas psicolgicas intrnsecasque criminosos teriam foram abandonadas, principalmente em funo do seucontedo racista, alm de que novos estudos e experimentos trataram de mostrar queno haveria nenhuma distino entre criminosos ou no-criminosos, seja por grau deinteligncia ou outra caracterstica psicolgica intrnseca. Em anos mais recentes taisperspectivas focadas nas patologias individuais tm se desenvolvido no sentido deconjugar as caractersticas biopsicolgicas do indivduo ao seu histrico de vidapessoal e relaes sociais. Daly e Wilson (1983, 1988 e 1999) tm se destacado comoestudiosos da corrente conhecida como biologia social. Por essa viso, o crime,particularmente o homicdio, decorreria da necessidade consciente ou inconsciente doindivduo preservar a sua linha gentica. Tal hiptese explicaria por que haveriamaiores taxas de filicdios ou de abusos de crianas por pais que no os biolgicos[Cano e Soares (2002)]. Com o avano da gentica, outra linha de conhecimentocomeou a se desenvolver, com a neurobiologia do crime. Entre os fatores apontadoscomo relacionados criminalidade, Pallone e Hennessy (2000) concluem por umarelao positiva entre portadores de neuropatologias e homicidas.

    De modo geral, tanto bilogos como psiclogos tm se movido da idia de quehaveria disfunes ou desvios de caractersticas do criminoso em relao ao no-criminoso para a idia de que a criminalidade se constituiria em uma espcie deajustamento de problemas mentais ou biolgicos que o indivduo teria conectado aoutros problemas derivados dos relacionamentos sociais. Por essa perspectiva, taisestudos tm, crescentemente, se aliado a outras teorias de estrutura social e culturalpara explicar a criminalidade. No momento em que se escrevia esse artigo, porexemplo, Moffie, da Universidade de Wiscosin, apontou que disfuncionalidades dosgenes MAO A, responsveis pela produo de uma enzima que atua sobreneotransmissores, associados a histricos de violncia sofrida principalmente nainfncia representam um fator de risco para comportamento anti-social nove vezesmaior do que o normal.

    3.2 TEORIA DA DESORGANIZAO SOCIAL

    Trata-se de uma abordagem sistmica cujo enfoque gira em torno das comunidadeslocais, sendo essas entendidas como um complexo sistema de redes de associaesformais e informais, de relaes de amizades, parentescos e de todas as outras que dealguma forma contribuam para o processo de socializao e aculturao do indivduo.Tais relaes seriam condicionadas por fatores estruturais, como status econmico,

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    heterogeneidade tnica e mobilidade residencial. Alm desses a teoria tem sidoestendida para comportar outras variveis, como fatores de desagregao familiar eurbanizao. Sob esse ponto de vista, a organizao social e a desorganizao socialconstituiriam laos inextricveis de redes sistmicas para facilitar ou inibir o controlesocial [Sampson (1997)]. Desse modo, a criminalidade emergiria como conseqnciade efeitos indesejveis na organizao dessas relaes sociais em nvel comunitrio edas vizinhanas [Entorf e Spengler (2002)] como, por exemplo, redes de amizadesesparsas, grupos de adolescentes sem superviso ou orientao, ou baixa participaosocial.

    O primeiro estudo emprico que procurou testar a teoria da desorganizaosocial deve-se a Sampson e Groves (1989), que utilizaram dados longitudinais de 238localidades na Gr-Bretanha, a partir de uma pesquisa de vitimizao nacional com10.905 residncias. As regresses estimadas por mnimos quadrados do grandesuporte teoria. Foram utilizadas como variveis dependentes as prevalncias decinco tipos de crime diferentes (assaltos e roubos de rua, violncia perpetrada porestranhos, arrombamentos e roubo auto-imputado e vandalismo) e mais o total devitimizaes. Foram testadas oito variveis explicativas: status socioeconmico,heterogeneidade tnica, estabilidade residencial, desagregao familiar, urbanizao,redes de amizade local, grupos de adolescentes sem superviso e participaoorganizacional. Os fatores que resultaram em estatsticas significativas ao nvel de 5%mais importantes foram desagregao familiar, urbanizao, grupos de adolescentessem superviso e participao organizacional.

    Miethe, Hughes e McDowall (1991) fizeram um painel com dados de registrospoliciais de 584 cidades americanas para os anos de 1960, 1970 e 1980, de modo atestar as variveis explicativas para os homicdios, roubos e arrombamentos. Dentre osfatores significativos figuraram a taxa de desemprego, a heterogeneidade tnica, amobilidade residencial, o controle institucional e a existncia de mais de um moradorpor cmodo.

    Uma terceira estratgia de aferio emprica da supramencionada teoria foiimplementada por Warner e Pierce (1993), que a partir das chamadas telefnicas paraa polcia fez um cross-section de 1.980 localidades na vizinhana de Boston, em 1960.Uma verso alternativa do modelo tomava em conta o efeito derivado da interaodas variveis explanatrias. Ao passo em que pobreza teve um coeficiente significativoe com o sinal esperado pela teoria, a mobilidade residencial gerou um sinal contrrioao esperado e a heterogeneidade na maioria dos modelos testados resultou em no-significativo, destoando dos trabalhos anteriores. No trabalho de Smith e Jarjoura(1988), com dados longitudinais provenientes de pesquisa de vitimizao, amobilidade apareceu como no-significativa para explicar a criminalidade.

    Vrios outros estudos procuraram demonstrar o sentido contrrio dacausalidade, ou seja, os efeitos adversos que a criminalidade gera sobre a organizaosocial. Destacam-se a os trabalhos de Skogan (1986 e 1991), Bursik (1986),Katzman (1980) e Sampson e Wooldredge (1986).

    A concluso geral que se poderia extrair de todos esses estudos seria a favor deuma relao negativa entre crime e coeso social. Segundo Sampson (1995, p. 203):crime itself can lead to simultaneous demografic collapse and a weakening of the

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    informal control structures and mobilization capacity of communities, wich in turnfuel[s] further crime.

    3.3 TEORIA DO ESTILO DE VIDA

    Essa abordagem assume como hipteses implcitas a existncia de trs elementos: umavtima em potencial, um agressor em potencial e uma tecnologia de proteo, ditadapelo estilo de vida da vtima em potencial. Nesse caso, quanto maior a proviso derecursos pela proteo, maiores os custos de se perpetrar o crime e menores asoportunidades do agressor. Desse modo, indivduos que possuem atividades de lazerdentro de casa, relativamente queles que costumam divertir-se em ambientespblicos, tenderiam a ser menos vitimados. Da mesma forma, pessoas que trabalhamfora ou que moram sozinhas tambm teriam maiores probabilidades de ser vitimadas,em relao queles que ou no trabalham ou trabalham em casa ou ainda queles quemoram com outros familiares.

    Devemos observar, entrementes, que tal perspectiva no constitui, stricto sensu,uma teoria de causao do crime. Isso porque, conforme j salientamos, qualquerteoria desse tipo deveria levar em conta a compreenso das motivaes e docomportamento individual; e a epidemiologia associada; ou como tais comportamentos sedistribuem e se deslocam espacial e temporalmente. Essa abordagem no consideranenhum desses dois eixos. Todo o foco da abordagem direcionado para os hbitos ea rotina de vida das vtimas. Certamente, quanto maiores as facilidades que a vtimaem potencial venha a oferecer, maiores sero as chances de haver um delinqentedisposto a perpetrar o crime. No limite, a abordagem do estilo de vida aproxima-semais de uma tautologia do que propriamente uma teoria. Uma questo vital que no considerada na teoria do estilo de vida, mas que certamente uma hipteseimplcita, diz respeito ao comportamento maximizador e racional do criminoso aoescolher as suas vtimas segundo a oportunidade e os baixos custos de operacionalizaro custo. Contudo, como o comportamento do criminoso no posto em questonessa abordagem, se poderia mesmo gerar interpretaes bastante controversas, parano dizer absurdas, de que a responsabilidade sobre o delito terminaria recaindo sobrea vtima, na medida em que a mesma poderia ter um comportamento maisconservador, a fim de evitar o crime. Nesse sentido, que a populao no saia rua,por exemplo, certamente, deveria levar a uma diminuio da criminalidade.Contudo, no se esclarece com tal fato quais as causas que levam alguns indivduos acometerem crimes e como esses podem se difundir na sociedade e, tampouco, seobteria com tais constataes (bvias) pistas para a elaborao de polticas desegurana pblica.

    Normalmente, os trabalhos empricos que procuraram aferir a relao entre oestilo de vida e a criminalidade utilizam as pesquisas de vitimizao. Vrias pesquisasobtiveram xito no sentido de mostrar essa relao empiricamente, cabendo destaqueaos trabalhos de Messner e Blau (1987), Miethe, Hughes e McDowall (1991),Roncek e Maier (1991), Miethe, Stafford e Long (1987), Osgood et alii (1996) eTremblay e Tremblay (1998).3

    3. Uma descrio melhor dos mtodos e resultados obtidos por esses autores pode ser vista em Entorf e Spengler (2002).

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    3.4 TEORIA DA ASSOCIAO DIFERENCIAL (TEORIA DO APRENDIZADO SOCIAL)

    Essa abordagem, inaugurada por Sutherland (1942), centra seu foco de anlise noprocesso pelo qual as pessoas, principalmente os jovens, determinavam seuscomportamentos a partir de suas experincias pessoais com relao a situaes deconflito. Essas determinaes de comportamentos favorveis ou desfavorveis aocrime seriam apreendidas a partir das interaes pessoais, com base no processo decomunicao. Nesse sentido, a famlia, o grupo de amizades e a comunidade ocupampapel central. Contudo, os efeitos decorrentes da interao desses atores so indiretos,cujas influncias seriam captadas pela varivel latente determinao favorvel aocrime (DEF), uma vez que essa varivel no pode ser mensurada diretamente e, sim,resulta da conjuno de uma srie de variveis. Dentre as variveis mensuradasnormalmente utilizadas para captar essa varivel latente DEF esto: grau desuperviso familiar; intensidade de coeso nos grupos de amizades; existncia deamigos que foram, em algum momento, pegos pela polcia; percepo dos jovensacerca de outros jovens na vizinhana que se envolvem em problemas; e se o jovemmora com os dois pais.

    Matsueda (1982) foi o principal autor que buscou elementos empricos paraatestar a teoria da associao diferencial, a partir de 1.140 entrevistas individuais.Outros artigos importantes nesse campo so de Bruinsma (1992) e McCarthy (1996)que, alm de encontrarem evidncias favorveis existncia da varivel latente DEF,enfatizaram o fato de que o que tambm motiva e legitima tal comportamento ocontato e o aprendizado em mtodos e tcnicas criminosos.

    3.5 TEORIA DO CONTROLE SOCIAL

    Ao contrrio das demais teorias que procuram explicar o que leva as pessoas acometerem crimes, a presente abordagem procura entender por que alguns se abstmde cometer crimes. Nesse sentido, a questo aqui explicar os elementos que levam ocidado a ser dissuadido do caminho criminoso. O enfoque utilizado ao contrrioda teoria do homem econmico, por exemplo, de que tais elementos dissuasriosseriam consubstanciados pela probabilidade de o criminoso ser descoberto cometendoo delito e o custo associado respectiva punio baseia-se inteiramente na idia docontrole social a partir do sentido de ligao que a pessoa tem com a sociedade ou,dito de outra forma, a partir da crena (e concordncia) dessa pessoa no trato ouacordo social. Desse modo, quanto maior o envolvimento do cidado no sistemasocial, quanto maiores forem os seus elos com a sociedade e maiores os graus deconcordncia com os valores e normas vigentes, menores seriam as chances de esseator tornar-se um criminoso.

    Do ponto de vista da literatura emprica, normalmente se procura aferir a teoriado controle social por meio de pesquisas domiciliares, que fornecem informaes paraa elaborao de modelos de variveis latentes, uma vez que atributos como acordos,crenas nos valores etc., so sempre mensurados de maneira indireta. Muitos dessesmodelos empricos foram orientados para explicar mais especificamente adelinqncia juvenil, como foram os casos de Agnew (1991), que utilizaram comovariveis as que constam da Tabela 1.

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    TABELA 1

    Variveis Normalmente Utilizadas em Modelos de Controle Social

    Varivel latente Questes constantes da pesquisa primria

    1. Ligao filial - Voc normalmente faz muitas atividades com a famlia?

    - Voc fala sobre qualquer assunto com seus pais?

    - Voc se d bem com seus pais?

    2. Ligao escolar - Professores no me dirigem a palavra em sala, ainda que eu levante a mo.

    - Freqentemente eu sinto que ningum liga para mim na escola.

    - Eu no sinto como se realmente pertencesse escola.

    - Ainda que eu saiba que existem vrias crianas ao meu redor, freqentemente eu me sinto sozinho na escola.

    3. Compromisso - Voc est se saindo bem na escola, ainda que tenha dificuldades com a matria?

    - Voc tem uma mdia escolar alta?

    4. Crenas desviantes - Quo errado : algum da sua idade destruir ou estragar propositalmente algo que no lhe pertena?

    ... furtar algo com valor inferior a $ 5?

    ... bater ou ameaar bater em algum sem razo?

    ... furtar algo com valor superior a $ 50?

    5. Amigos delinqentes - Durante o ano passado, quantos de seus amigos mais prximos: destruiu ou estragou

    propriedades alheias?

    ... furtou algo com valor inferior a $ 5?

    ... bateu ou ameaou bater em algum sem razo?

    ... furtou algo com valor superior a $ 50?Fonte: Entorf e Spengler (2002).

    Dentre os trabalhos empricos desenvolvidos sob a abordagem do controlesocial, enquanto Agnew (1991) no encontrou evidncias fortes que corroboremcom a teoria, os mais recentes estudos tm concludo por sua atestao,principalmente no que se relaciona com as variveis ligaes e afeies familiares ecompromissos escolares. Dentre esses estudos alguns dos que mais se notabilizaramforam os de Agnew e White (1992), Agnew (1993), Paternoster e Mazerolle (1994),Junger-Tas (1992) e Horney et alii (1995), e o que mais diferencia esse ltimo autordos demais que ele, ao invs de utilizar dados com informaes auto-reportadas ouentrevistas com jovens, utiliza dados de entrevistas com encarcerados.

    3.6 TEORIA DO AUTOCONTROLE

    Segundo Gottfredson e Hirschi (1990), que desenvolveram a teoria do autocontrole,o que diferenciaria os indivduos que tm comportamentos desviantes oudesenvolvem vcios (jogos de azar, promiscuidade sexual, fumo, droga-adico,alcoolismo etc.) de outros indivduos o fato de os primeiros no terem desenvolvidomecanismos psicolgicos de autocontrole na fase entre os dois ou trs anos at a fasepr-adolescente. Tal anormalidade decorreria de deformaes no processo desocializao da criana, motivadas pela ineficcia na conduta educacional ministradapelos pais, que falharam em no impor e estabelecer limites criana, seja porconseqncia da falta de uma superviso mais prxima, ou seja por negligenciareventuais faltas de comportamento da criana, no impondo relativas punies mesma, endossando assim o seu comportamento egosta. Como resultante da m-

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    formao desse mecanismo de autocontrole, o indivduo, a partir da adolescncia,passa a exibir uma persistente tendncia de agir baseado exclusivamente em seusprprios interesses, com vistas obteno do prazer no curto prazo, sem considerar,contudo, eventuais conseqncias de longo prazo e os impactos de suas aes sobreterceiros.

    Mais uma vez, dada a impossibilidade de se mensurar diretamente a varivelautocontrole, o mtodo utilizado freqentemente nos estudos empricos queprocuram suportar essa abordagem o de variveis latentes baseadas emquestionrios. Alguns exemplos de questes normalmente encontradas nessestrabalhos so: freqentemente eu ajo ao sabor do momento; eu raramente deixopassar uma oportunidade de gozar um bom momento; eu olho para mim mesmo,ainda que eu faa coisas que colocam as pessoas em dificuldades etc.

    Gibbs, Giever e Martin (1998), Arnekley et alii (1993) e Polakowski (1994)foram alguns dos estudos que mais se notabilizaram nesse campo, tendo os autoresencontrado sempre, ainda que parcialmente, evidncias a favor da teoria doautocontrole para explicar a delinqncia. Contudo, h que se aduzir duas crticas abordagem. Do ponto de vista terico, a capacidade de uma nica varivel poderexplicar um conjunto to grande de comportamentos desviantes sempre coloca emdvida toda a teoria, por ser genrica demais. Por outro lado, os trabalhos empricos,normalmente, se baseiam em entrevistas individuais procura de evidncias pela faltado autocontrole. A correlao de indcios de falta de autocontrole com ocomportamento desviante, nesse caso, parece mais tautolgico do que uma possvelexplicao delinqncia. Por definio, o delinqente aquele que desrespeita osdireitos alheios para satisfazer suas necessidades ou vontades pessoais. Desse modo,evidncias da teoria a partir da constatao de que delinqentes possuemdeterminados atributos de comportamentos relacionados varivel latente auto-controle parecem no ter nenhum sentido causal. Talvez, um modo adequado detestar a teoria (porm, extremamente complicado do ponto de vista prtico) seja pormeio de comparaes de grupos de amostra de controle em dois perodos distintos.Uma amostra de crianas educadas por pais permissivos, controlada por outra em quea educao para a socializao da criana se d de forma a impor limites, sendo essasamostras acompanhadas nos perodos seguintes, na adolescncia e no perodo adulto.

    3.7 ANOMIA

    Uma das mais tradicionais explicaes de cunho sociolgico acerca da criminalidade a teoria da anomia, de Merton (1938). Segundo essa abordagem, a motivao para adelinqncia decorreria da impossibilidade de o indivduo atingir metas desejadas porele, como sucesso econmico. Cohen (1955) estendeu a abordagem para compreen-der a questo do status social. Um ponto importante de como operacionalizar essateoria, ou de como elaborar variveis ou questes que traduzam o sentido da mesma,fez com que surgissem trs perspectivas distintas quanto sua aferio, que vem aquesto a partir de: a) diferenas das aspiraes individuais e os meios econmicosdisponveis, ou expectativa de realizao; b) oportunidades bloqueadas [Agnew(1987) e Burton e Cullen (1992)]; e c) privao relativa [Burton et alii (1994)].

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    Apesar de as diferenas entre as trs perspectivas serem bastante sutis, a escolhada alternativa implica diretamente as questes especficas relacionadas para oquestionrio de entrevista. Sob a primeira perspectiva, o processo de anomia outenso decorreria da diferena entre as aspiraes individuais e as suas reaisexpectativas. Nesse caso, um exemplo de questo que poderia flagrar a existnciadesse fenmeno seria: eu gostaria de possuir um carro, uma casa, um tnis da modaetc. Mas eu acho que no conseguirei dinheiro ou condies para satisfazer taisaspiraes. Sob a segunda tica, o foco de divergncias com as normas institudaspassa a existir a partir do momento em que o indivduo percebe que o seu insucessodecorre de condies externas sua vontade, o que suportaria afirmaes do tipo:toda vez que tento ir pra frente, algo me segura ou eu no tenho sucesso, pois noparticipo de uma rede de conexes. J a privao relativa coloca nfase na distnciaentre o ideal de sucesso da sociedade (vivido por alguns) e aquela situao especficaem que o indivduo se encontra. Sob esse raciocnio, um exemplo seria: sinto-meirritado com o fato de alguns terem muito, ao passo que no possuo o suficiente paraviver adequadamente.

    Vrias pesquisas tm procurado encontrar evidncias empricas a favor da relaoentre a anomia e a criminalidade. Contudo, parece ser uma norma o fato de que taistrabalhos no conseguiram encontrar evidncias a favor dessa correlao [ver Entorf eSpengler (2002, p. 56)]. Alguns dos trabalhos que mais se notabilizaram nesse campoforam de Burton Jr. et alii (1994), Reiss e Rhodes (1963), Elliot e Voss (1974),Greenberg (1977), Agnew (1984) e Blau e Blau (1982).

    Mais recentemente, Agnew (1992) procurou estender a teoria da anomia paracompreender alm da frustrao entre as aspiraes individuais e os meiossocialmente existentes para satisfaz-las , adicionalmente, duas circunstncias. Paracontemplar o foco de divergncias que derivam do fato de outros terem retirado doindivduo algo de valor (no estritamente material), em primeiro lugar, e o fato deque as pessoas so confrontadas com circunstncias negativas engendradas pordiscordncias ou divergncias sociais, por ltimo. Esse desenvolvimento, que ficouconhecido como Teoria Geral da Anomia (General Strain Theory), foi testado porAgnew e White (1992), Agnew (1993), Paternoster e Mazerolle (1994) e Hoffmann eMiller (1998), e todos esses trabalhos encontraram evidncias empricas a favor.

    Basicamente, esses trabalhos foram constitudos a partir de dados provenientesde pesquisas individuais, onde vrias categorias de crimes e contravenes eramexplicadas a partir de uma srie de variveis que traduziam os vrios focos de tensosocial, dentre elas, alm daquelas associadas distncia entre aspiraes individuais eexpectativas, oportunidades bloqueadas e frustrao relativa, ainda: eventos devida negativos; sofrimento cotidiano; relaes negativas com adultos; brigasfamiliares; desavenas com vizinhos; e tenses no trabalho.

    3.8 TEORIA INTERACIONAL

    Segundo Thornberry (1996),4 a proposio do modelo interacional a de que ocomportamento desviante ocorre em um processo interacional dinmico. Desse

    4. Citado por Entorf e Spengler (2002).

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    modo, mais do que perceber a delinqncia como uma conseqncia de um conjuntode fatores e processos sociais, a perspectiva interacional procura entend-la simulta-neamente como causa e conseqncia de uma variedade de relaes recprocas desen-volvidas ao longo do tempo. Entorf e Spengler (2002) destacam que h doiselementos importantes suportando essa abordagem: a perspectiva evolucionria e osefeitos recprocos. A perspectiva evolucionria consubstancia-se pela presuno de queo crime no uma constante na vida do indivduo, mas um processo em que apessoa inicia sua atividade criminosa em torno dos 12 ou 13 anos (iniciao),aumenta o seu envolvimento em tais atividades por volta dos 16 ou 17 anos(desenvolvimento), finalizando esse processo at os 30 anos. Os efeitos recprocosdizem respeito s virtuais endogeneidades das variveis explicativas entre si e delascom relao ao que se deseja explicar.5 Os modelos interacionais normalmente soinspirados a partir das teorias da associao diferencial e do controle social, quesugerem as variveis a serem utilizadas. Normalmente algumas delas so: ligao comos pais, notas, envolvimento escolar, grupos de amizades, punio paternal paradesvios, ligao com grupos delinqentes etc.

    Thornberry (1996) elaborou um survey contendo as discusses acerca de 17estudos interacionais que ele identificou. Dentre esses, 16 trabalhos encontraramuma relao bidirecional entre as variveis explicativas e o comportamentodelinqente, comprovando a importncia do efeito feedback proposto pela teoria.Alm disso, nove desses estudos evidenciaram uma forte relao entre ocomportamento delinqente e a relao (amizade) com grupos delinqentes, o que,por outro lado, confirma a importncia da teoria do aprendizado social para acompreenso dos processos criminolgicos.

    3.9 TEORIA ECONMICA DA ESCOLHA RACIONAL

    Gary Becker (1968) com o artigo seminal Crime and Punishment: An EconomicApproach imps um marco abordagem acerca dos determinantes da criminalidade,ao desenvolver um modelo formal em que o ato criminoso decorreria de umaavaliao racional em torno dos benefcios e custos esperados a envolvidos,comparados aos resultados da alocao do seu tempo no mercado de trabalho legal.Basicamente, a deciso de cometer ou no o crime resultaria de um processo demaximizao de utilidade esperada, em que o indivduo confrontaria, de um lado, ospotenciais ganhos resultante da ao criminosa, o valor da punio e asprobabilidades de deteno e aprisionamento associadas e, de outro, o custo deoportunidade de cometer crime, traduzido pelo salrio alternativo no mercado detrabalho.

    Vrios artigos que se seguiram, dentro da abordagem da escolha racional,basicamente, trabalharam com inovaes em torno da idia j estabelecida por Beckerem que dois vetores de variveis estariam condicionando o comportamento dopotencial delinqente. De um lado, os fatores positivos (que levariam o indivduo aescolher o mercado legal), como o salrio, a dotao de recursos do indivduo etc. Ede outro, os fatores negativos, ou dissuasrios (deterrence), como a eficincia do

    5. Quer dizer, a varivel explicativa sendo explicada simultaneamente pela varivel dependente.

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    aparelho policial e a punio. Dentre esses trabalhos, cabe destaque a Ehrlich (1973),Block e Heinecke (1975) e Leung (1995).

    Um ponto interessante a observar que, a despeito de o modelo supramen-cionado ser de natureza microeconmica, cujo foco recai sobre os determinantesindividuais da criminalidade, quase todas as pesquisas empricas foram construdas apartir de uma estrutura de dados agregados regionalmente. Certamente, isso deve serresultado da indisponibilidade de dados individualizados necessrios para a aferiodo modelo de escolha racional. O custo dessa estratgia a introduo da hiptese deque o criminoso atua na mesma regio em que reside. Nesse ponto, surge um dilema.Quanto menor for essa unidade geogrfica, mais inverossmil tende a ser a hiptese.Quanto maior for essa unidade geogrfica, mais informaes se perdem nas mdiasagregadas.

    Ehrlich (1973) estendeu a anlise de Becker para considerar qual deveria ser aalocao tima do tempo em torno do mercado criminoso ou legal. Ainda, o autorinvestigou os efeitos decorrentes da distribuio de renda sobre o crime. Maisespecificamente com relao aos crimes contra a propriedade, o autor assinalou queum elemento determinante seria a oportunidade oferecida pelas vtimas potenciais.Ehrlich adotou como medidas dessa oportunidade oferecida: a) a renda mediana dasfamlias de determinada comunidade; e b) o percentual de famlias que recebem at oprimeiro quartil da renda da comunidade. Utilizando informaes do Uniform CrimeReport (UCR) de 1940, 1950 e 1960, o autor estabelece uma relao positivasignificativa entre as mediadas de desigualdade enunciadas e vrios tipos de crime.

    Block e Heinecke (1975) argiram que desde que existem diferenas ticas epsicolgicas envolvidas no processo de deciso do indivduo da escolha entre ossetores legal e ilegal, o problema da oferta de crimes deveria ser formulado em termosde uma estrutura de preferncias multifatorial, que levasse em conta outros aspectosque no apenas a renda. Eles mostraram que os resultados de Becker e Ehrlich, acercadas oportunidades de ganho no mercado legal, so vlidos apenas se existiremequivalentes monetrios das atividades legal e ilegal e se esses forem independentes donvel de riqueza.

    Zhang (1997), baseado na inspirao terica de Block e Heinecke (1975) deque a alocao tima do tempo do indivduo dependeria, alm dos custos e benefciosalternativos associados aos mercados legais e ilegais, do nvel de riqueza do indivduo, desenvolveu um modelo formal de modo a incluir entre as variveis quecondicionariam o crime a existncia de programas sociais que possibilitariam aoindivduo acesso a um nvel mnimo de bem-estar. Com base no UCR de 1987, oautor, utilizando dados em nvel de estados, procurou explicar os crimes contra apropriedade, valendo-se de trs outros conjuntos de variveis, entre as quais as denatureza econmica, as relacionadas existncia de programas sociais e as derepresso judicial (deterrence), controlados ainda por outras caractersticas dapopulao. As variveis utilizadas foram: desigualdade, desemprego, probabilidade dedeteno, priso e condenao, tamanho da sentena, os pagamentos sociais per capitado estado, o nmero de beneficirios dos programas dividido pela populao do

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    estado e a razo entre os benefcios mximos (AFDC6) de famlias com crianasdependentes com relao ajuda-padro para uma famlia com trs membros. Osresultados mostraram que as trs ltimas variveis, que estariam condicionando umnvel mnimo de bem-estar para a populao local, so negativas e significativas paravrias especificaes das equaes.

    Vrios autores procuraram ainda incorporar a idia do histrico criminalcondicionando as decises timas do indivduo a favor do crime, o que explicaria umprocesso de inrcia criminal, de modo que medida que o indivduo opta pelacarreira criminal, menores seriam as probabilidades de o mesmo sair do crime,ajustando-se ao mercado de trabalho legal. Segundo Leung (1995), os antecedentescriminais diminuiriam os retornos esperados futuros no mercado legal em decorrnciade dois elementos: a) o estigma que o mesmo passa a sofrer da sociedade (ainda maisse ex-apenado); e b) a depreciao do capital humano condicionada pelas perdasnaturais das habilidades anteriores e pela ausncia de investimento em educao etreinamento profissional pelo perodo em que o mesmo encontrava-se alocando seutempo em atividades criminosas ou encarcerado.

    Mais recentemente, os estudos de orientao econmica tm procuradoincorporar outros ingredientes para explicar o processo de deciso do indivduoingressar no crime, alm das inmeras medidas tradicionais de benefcios e custosesperados do ofensor, tangenciando questes que, at ento, eram discutidaseminentemente pelos socilogos, como a questo das interaes sociais e a questo doaprendizado social.7 As interaes sistmicas foram introduzidas nos modeloseconmicos por Sah (1991) e Posada (1994). A idia bsica era que ndices decriminalidade maiores, em determinada regio, para um determinado dispndio emsegurana pblica, levaria a uma percepo, por parte do ofensor, de haver umaprobabilidade menor de aprisionamento. Nesse caso, um aumento exgeno nosndices de criminalidade de determinada regio s seria revertido por meio de ummaior dispndio nos recursos com segurana.

    Na Subseo 1.5, vimos a teoria do aprendizado social em que Sutherland(1942) considerou que os indivduos determinavam seus comportamentos a partir deexperincias pessoais com relao a situaes de conflito. Essas determinaes decomportamentos favorveis ou desfavorveis ao crime seriam apreendidas a partir dasinteraes pessoais e com base no processo de comunicao. Glaeser, Sacerdote eScheinkman (1996) colocaram nfase tambm nessa questo do aprendizado social,mas argumentaram que tais transferncias de informaes entre os agentes de umadeterminada comunidade, acerca de comportamentos e tcnicas criminosos,determinavam o custo do crime, seja pelo conhecimento de tecnologia, seja pelocusto moral, na medida em que tais interaes, se num ambiente criminoso, levariama uma diminuio do controle social.

    6. o Programa de Ajuda para Famlias com Crianas Dependentes (Aid to Families with Dependent Children). Esse umdos maiores programas compensatrios americanos para a populao de baixa renda, junto ao Medicaid e PublicHousing Assistance.7. Verificar nas Subsees 1.5 e 1.10 que, apesar de o elemento motivador ser o mesmo, as explicaes diferem-sesubstancialmente da tica sociolgica para a tica econmica.

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    Vrios outros estudos empricos sob orientao da escolha racional foram feitos,em que se investigou a relao do crime com: o mercado de trabalho, renda,desigualdade, dissuaso policial, demografia e urbanizao, entre outras variveis.Alguns trabalhos que poderiam ser destacados nesse meio so de Wolpin (1978),Freeman (1994), Fajnzylber, Lederman e Loayza (1998), Gould, Weinberg eMustard (2000) e Entorf e Spengler (2000).

    Freeman (1994) fez um exaustivo survey sobre os trabalhos empricosenvolvendo mercado de trabalho e crime. Basicamente, no que diz respeito aosestudos de sries temporais, Freeman constatou no haver consensualidade sobre aquesto.8 J os estudos que utilizaram tcnicas de anlises longitudinais com dadosagregados regionalmente, em geral, conseguiram captar a relao positiva entre crimee desemprego, a despeito do clssico eventual problema de existncia de correlaesesprias. Os estudos que obtiveram maior xito para demonstrar eventuais relaesentre crime e mercado de trabalho foram aqueles desenvolvidos em cross-section comdados individualizados do perpetrador, uma vez que os mesmos enfocam maisprecisamente as circunstncias sobre a qual a tomada de deciso foi tomada. Crticastambm esto associadas a tais trabalhos, que se relacionam aos dados disponveis.Esses normalmente ou so provenientes de encarcerados e a amostra, por si, viesada ou so derivadas de entrevistas do tipo self-reported criminal, que embute oproblema de que muitos crimes podem no estar sendo revelados pelos entrevistados.Desses estudos, a evidncia mostra que os presos tm maior probabilidade de termenos renda ou menos emprego que outros grupos. Tauchen, Witte e Griesinger(1994), por exemplo, verificaram que jovens empregados menos tempo do que outrostm probabilidade maior de ser presos. Por outro lado, os dados podem estarrefletindo o fato de pessoas detidas serem mais inaptas para o sucesso na sociedadepor causa de caractersticas pessoais.

    Desse modo, no seria a precariedade no mercado de trabalho o determinante docrime e sim a decorrncia de atributos pessoais e individuais. Nesse caso, polticaspr-labore teriam pouco impacto sobre crime. Trs abordagens diferentes quepoderiam dirimir tais dvidas seriam: a) observar a mesma pessoa em dois momentosdiferentes, com emprego e sem emprego; b) observar a relao do comportamentocriminoso individual com as caractersticas da rea, no que diz respeito taxa dedesemprego e renda; e c) estimar a oferta trabalho, a participao criminal, salriosprevistos e rentabilidade do crime. Em qualquer uma dessas vias, contudo, asabordagens esbarram no mesmo problema de ausncia de dados.

    Gould, Weinberg e Mustard (2000) exploraram tambm a relao dasoportunidades no mercado de trabalho com o crime. Os autores analisaram umpainel com efeitos fixos envolvendo 709 municpios americanos, de 1979 a 1997,utilizando dados do UCR acerca de vrios tipos de crime contra a pessoa e contra apropriedade. Trs interessantes inovaes foram feitas nesse estudo: a) analisaram os

    8. Alguns exemplos citados foram os estudos relacionados aos Estados Unidos em que Cantor e Land (1985) conclurampor uma relao positiva e estatisticamente significativa entre desemprego e crime, ao passo que Land, Cantor e Russell(1994) chegam numa relao inversa. Por outro lado, h estudos para a Inglaterra que mostram uma relaocontempornea positiva entre essas duas variveis, ao passo que a relao nula, quando o emprego defasado umperodo.

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    resultados sobre o segmento do mercado de trabalho no-especializado (melhor doque sobre o mercado como um todo); b) ao invs de concentrarem-se apenas nodesemprego, observaram tambm os salrios reais dos no-especializados; e c)desagregaram o mercado de trabalho para colocar enfoque especfico sobre os jovens.Os resultados estatisticamente significativos apontaram que homens jovens no-especializados respondem ao custo de oportunidade do crime. Para controlar apossvel endogeneidade foram utilizadas variveis instrumentais baseadas nacomposio industrial da rea, tendncia industrial agregada e mudanasdemogrficas dentro das indstrias no nvel agregado. Os resultados deram contaainda de que a tendncia de longo prazo do crime pode ser melhor explicada pelatendncia de longo prazo no salrio de homens jovens no educados que explica43% e 53% dos crimes contra a propriedade e violentos contra a pessoa,respectivamente do que pelo desemprego. O trabalho no encontrou, por outrolado, evidncias de que condies econmicas (mais especificamente relacionadas aomercado de trabalho) afetam o crime, no que diz respeito parcela da educaoespecializada (educada).

    Outro estudo que merece destaque o de Wolpin (1978), no apenas portrabalhar com uma longa srie temporal de dados que cobre seis tipos diferentes decrime ocorridos na Inglaterra e no Pas de Gales, desde 1894 a 1967 mas aindapor utilizar seis variveis diferentes de dissuaso judicial (o que extremamente difcilde encontrar disponvel, mesmo nos pases desenvolvidos), que incluem: taxa deesclarecimento do crime, taxa de condenao, taxa de aprisionamento, taxa de multa,taxa de reconhecimento e tempo de sentena mdia. Dentre essas variveisdissuasrias, as que se mostraram mais importantes e estatisticamente significativasforam a taxa de esclarecimento seguida da taxa de aprisionamento. Surpreenden-temente, a varivel punio resultou em estatsticas no-significativas em todas asregresses geradas. Quanto aos efeitos decorrentes do desemprego e de maiorespropores de jovens na populao, o estudo captou a relao positivamentesignificativa, replicando os resultados j encontrados por Ehrlich (1973).

    Entorf e Spengler (2000) fizeram um estudo em painel para a Alemanha,utilizando informaes dos estados federativos, para o perodo 1975-1996. Os autorestrabalharam com oito tipos de crime diferentes, entre crimes contra a pessoa e crimescontra a propriedade. Como regressores utilizaram alm da taxa de esclarecimento docrime, o PNB per capita (como proxy para oportunidade de renda ilegal), a diferenado PNB per capita da Alemanha para o estado em questo (como medida de renda nomercado legal) e a taxa de desemprego. Os resultados mostraram haver relaonegativa estatisticamente significativa para a varivel dissuasria (deterrence), ambigi-dade para a varivel desemprego e maior robustez para as variveis renda e rendarelativa no que diz respeito aos crimes contra a propriedade, replicando mais uma vezos resultados de Ehrlich (1973).

    A importncia do trabalho de Fajnzylber, Lederman e Loayza (1998) se d noapenas pela utilizao de uma base de dados envolvendo at 128 pases, mas aindaporque os autores conseguem extrair estatsticas significativas e com o sinal esperadoda literatura para vrias variveis utilizadas, o que , at certo ponto, surpreendente seimaginar tratarem-se de pases culturalmente to heterogneos e de dados agregadosnacionalmente, o que implica, necessariamente, uma perda de informaes, j que,

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    segundo as vrias teorias, grande parte dos determinantes da criminalidade ocorre emnvel local e a partir das interaes comunitrias. Os dados utilizados relativos ahomicdios e roubos, que cobrem o perodo 1970-1994, foram provenientes daUnited Nations World Crime, cujas informaes so fornecidas pelos Ministrios daJustia dos respectivos pases. Os autores desenvolveram, sob a inspirao do modeloda escolha racional, um painel a partir do mtodo de momentos generalizados(GMM). Dentre as variveis explicativas estatisticamente significativas e com sinalnegativo incluem-se a taxa de crescimento do PIB, a probabilidade de aprisionamentoe de severidade do sistema judicial e o nvel de capital social, medido pelo grau deconfiana nos World Value Surveys.9 Com sinal positivo, resultaram: o ndice de Gini,a taxa de criminalidade defasada um perodo, a existncia de produo e consumo dedrogas no pas, o grau de urbanizao e o grau de polarizao na distribuio derenda. J o PIB e a escolaridade mdia da populao no deram resultadossignificativos, o que mesmo coerente com os desenvolvimentos tericos j que, atonde se tem conhecimento, no h consenso sobre o sinal da derivada parcial dessasduas variveis.

    4 A LITERATURA BRASILEIRAOs estudos relacionados aos determinantes da criminalidade no Brasil sofrem de umaextrema limitao derivada da inexistncia quase que absoluta de dados minimamenteconfiveis, com cobertura nacional e reproduzidos temporalmente. Tais estudoscomearam a ganhar nfase com os trabalhos de Coelho (1988) e de Paixo (1988),em Minas Gerais, que criticavam a importncia de fatores socioeconmicos nadeterminao da criminalidade, em detrimento de variveis mais relacionadas eficcia do sistema de justia criminal, principalmente no que diz respeito polcia.No Rio de Janeiro, Zaluar (1985) com seu trabalho pioneiro, baseado em pesquisasetnogrficas nas favelas e comunidades, verificou uma srie de elementos queassociariam o contexto social nessas comunidades aos fenmenos da violncia ecriminalidade, lanando luz sobre a questo.

    Um dos primeiros trabalhos quantitativos empricos coube a Pezzin (1986) [verCano (2002)], que desenvolveu uma anlise em cross-section (com dados de 1983) eoutra em sries temporais, para a regio metropolitana de So Paulo (com dadoscompreendidos entre 1970 e 1984). O autor encontrou uma correlao positivasignificativa entre urbanizao, pobreza e desemprego em relao a crimes contra opatrimnio. De outro modo, no houve evidncias acerca da correlao entre aquelasvariveis sociais e demogrficas em relao aos crimes contra a pessoa.

    Beato e Reis (2000) tentaram evidenciar a relao defasada entre emprego ecrimes violentos e crimes violentos contra a propriedade em Belo Horizonte entre1996 e 1998. Seus resultados no foram significativos, reflexo, possivelmente, dacurta srie de dados estudada.

    Sapori e Wanderley (2001) tambm tentaram evidenciar a relao entre empregoe os homicdios nas regies metropolitanas do Rio de Janeiro, So Paulo, BeloHorizonte e Porto Alegre, e tambm para roubos no caso de So Paulo. Os mesmos

    9. Para maiores detalhes sobre capital social, ver Lederman, Loayza e Menndez (1999).

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    cruzaram dados provenientes da Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE) de 1982at 1998, com os dados do Ministrio da Sade. Segundo os autores: (...) No foramencontrados indcios consistentes de que as variaes das taxas de desempregoimplicariam variaes presentes ou futuras dos ndices de violncia, inevitavelmente.Os resultados no foram robustos.

    Andrade e Lisboa (2000), utilizando os dados de homicdios do Ministrio daSade (SIM/Datasus) para So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, entre 1991 e1997, desenvolveram um modelo logit, com base nas probabilidades de vitimizaopor idade. A anlise dos autores por coortes permitiu-os identificar uma relaonegativa estatisticamente significativa dos homicdios com relao ao salrio real, euma relao positiva com relao desigualdade, para faixas etrias inferiores a 20anos. Os autores ainda encontraram um sinal negativo (significativo) entredesemprego e crime, replicando um resultado idntico de Land, Cantor e Russell(1994) para os Estados Unidos. Por ltimo, a metodologia adotada permitiuencontrar evidncias acerca do efeito da inrcia criminal, na medida em que geraesque tm maior incidncia de homicdios quando jovens tendem a perpetuar asmaiores probabilidades de vitimizao pelo resto do ciclo de vida.

    Cano e Santos (2001), com base em uma regresso estimada por OLS para o anode 1991, mostraram evidncias acerca de uma correlao positiva entre taxas deurbanizao e taxas de homicdios nos estados brasileiros, ao mesmo tempo em queno puderam evidenciar a relao desses ltimos com a desigualdade da renda (L deTheil) e educao (o componente educativo do ndice de Desenvolvimento Urbano).

    Mendona (2000) desenvolve uma extenso do modelo da escolha racional demodo a introduzir a idia de insatisfao na funo utilidade, consubstanciada peladiferena entre o consumo corrente e uma cesta de consumo ideal. Em seu trabalhoemprico essa insatisfao seria medida a partir do coeficiente de Gini. Utilizandoos dados de homicdios do Ministrio da Sade, entre 1985 e 1995, o autordesenvolveu um painel, em que a determinante mais importante (significativaestatisticamente) foi a taxa de urbanizao, seguida pela desigualdade da renda numprimeiro plano, e a renda mdia das famlias e o desemprego em um segundo, tendotodas essas variveis os sinais esperados segundo a teoria. Em relao aos gastospblicos com segurana os resultados no foram significativos.

    Cerqueira e Lobo (2002) desenvolveram um modelo de setor de produocriminosa, em que a oferta de crimes regionalmente decorre da agregao das ofertasindividuais, onde cada virtual criminoso se distingue dos demais pelo fato de cada umdeles (ou cada extrato de renda) trabalhar com preos heterogneos. A funo deproduo para cada participante do setor criminoso sofre ainda a externalidade daao policial, da ao de outros virtuais criminosos e da densidade demogrfica daregio em que o mesmo atua. O modelo, ao adotar uma perspectiva diferente dautilidade esperada desenvolvida por Becker (1968), permite que as variveis poder depolcia e ndices de desigualdade da renda sejam concatenadas diretamente dentro domodelo terico, de forma que a equao reduzida a ser estimada decorre diretamentedo modelo terico.

    Foi feito um exerccio de sries temporais para os Estados do Rio de Janeiro eSo Paulo, compreendendo o perodo 1981-1999, sendo utilizadas as tcnicas de co-

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    integrao e vetor de correo de erros, a fim de se estimar as elasticidades de curto elongo prazos relacionadas s variveis listadas no modelo terico. O sinal de todos osparmetros estimados foram significativos ao nvel de 1%. Segundo esse modelo, oshomicdios respondem positivamente renda, desigualdade da renda e aoadensamento demogrfico e negativamente aos gastos em segurana pblica com umperodo de defasagem. Contudo, enquanto as magnitudes das elasticidades associadas desigualdade da renda mostraram-se extremamente potentes dando a entenderque a questo da criminalidade nesses dois estados passa, certamente, pelo problemada excluso social, cuja desigualdade da renda a ponta do iceberg , por outro lado,aqueles indicadores associados aos gastos em segurana pblica resultaram extrema-mente inelsticos, aproximando-se de zero, o que poderia estar sugerindo a exaustodesse modelo, principalmente no que se refere polcia.

    5 UM MODELO ECOLGICOVrios autores procuraram elaborar um modelo integrado para explicar a violncia,cujo enfoque se d nos vrios nveis, estrutural, institucional, interpessoal eindividual. Tais anseios decorreram da percepo emprica que a violncia e a suatolerncia variam significativamente entre as sociedades, entre as comunidades e entreos vrios indivduos. Um primeiro uso foi de Bronfenbrenner (1977), que procurouexplicar o desenvolvimento humano e a psicologia social. Outros autores buscaramexplicar, por meio dessa abordagem, a etiologia de dinmicas criminais especficas,como Belsky (1980), que se preocupou com o abuso infantil; Dutton (1988) eEdelson e Tolman (1992), que estudaram a violncia domstica contra a mulher; eBrown (1995), cujo estudo foi voltado para a coerso sexual.

    Segundo essa abordagem, mais do que atribuir importncia a determinadascaractersticas isoladas, o modelo que ficou conhecido como modelo ecolgico[ver Shrades (2000)] considera que a combinao de tais atributos pertencentesqueles diferentes nveis ocuparia um papel central para explicar a violncia. Poroutro lado, esses vrios nveis se reforariam a depender da sua combinao. Dentreas variveis que constituiriam os nveis supramencionados, no plano individual h ohistrico pessoal, os fatores ontogenticos e as respostas da personalidade individualdiante de situaes de tenso. No contexto mais ntimo do indivduo, onde aviolncia poderia se processar, h as relaes interpessoais com familiares e comoutros conhecidos ntimos. No plano institucional figuram as associaes formais einformais comunitrias, profissionais, religiosas, ou outras redes sociais em que haja aidentidade dos grupos. No nvel macroestrutural inserem-se as estruturas econmica,poltica e social que incorporam crenas e normas culturais que permeiam asociedade, conforme apontado na Figura 3, baseada em Moser e Shrader (1999).

    Um exemplo brilhante de como os condicionantes da violncia no mbitointerpessoal e familiar se conjugam a outros no nvel das institucionalidades emacroestrutural (desemprego, desigualdade etc.), para reforar o crime organizado foi dado pelo prof. Luiz E. Soares:10

    10. Na palestra Reforma da Polcia e a Segurana Pblica Municipal, proferida na Universidade de Oxford, em 11 demaio de 2002, no Centro de Estudos Brasileiros, dirigido pelo prof. Leslie Bethel.

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    FIGURA 3

    Um Arcabouo Integrado para a Causalidade da Violncia

    !

    !"""

    #

    !

    Um menino pobre caminha invisvel pelas ruas das grandes cidades brasileiras.Esse menino, que quase sempre negro, transita imperceptvel pelas caladas sujas dasmetrpoles, em que muitas vezes se abriga, expulso de casa pela violncia domstica,esquecido pelo poder pblico, ignorado pela comunidade, excludo da cidadania.Sem perspectivas e esperana, sem vnculos afetivos e simblicos com a ordem social,sem pontos de conexo identitria com a cultura dominante, o menino permaneceinvisvel, enquanto perambula pelas esquinas. A invisibilidade pode ser produzidapela indiferena pblica sua presena que nunca somente fsica; sempretambm social ou pela projeo sobre ele de estigmas, os quais dissolvem osaspectos singulares que o distinguem como pessoa humana. O estigma estampa sobreo corpo discriminado a imagem preconcebida, que corresponde projeo de quemporta o preconceito, anulando a individualidade de quem observado.

    O menino carrega consigo, pelas ruas da cidade, as dificuldades comuns daadolescncia, acrescidas dos dramas da pobreza, no contexto da imensa desigualdadebrasileira. Sabemos que a adolescncia uma criao histrico-cultural recente, mastambm sabemos como pode ser desafiadora, do ponto de vista psicolgico, com seurosrio de ambigidades, cobranas, promessas e frustraes. Quando sobre oadolescente pobre desce o vu escuro da invisibilidade social, seu corpo fsico passa asuportar um esprito esmagado, subtrado das condies que lhe infundiriam auto-estima.

    Quando um traficante lhe d uma arma, nosso personagem invisvel recebemuito mais do que um instrumento que lhe proporcionar vantagens materiais,ganhos econmicos e acesso ao consumo; o menino recebe um passaporte para aexistncia social, porque, com a arma, ser capaz de produzir em cada um de ns, emcada esquina, um sentimento: o medo, que negativo, mas um sentimento.Provocando no outro um sentimento, o menino reconquista presena, visibilidade eexistncia social. Recorrendo arma, portanto, o menino invisvel restaura ascondies mnimas para a edificao da auto-estima, do reconhecimento e da

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    construo de uma identidade. Os seres humanos s existimos pela mediao doolhar generoso do outro, que nos reconhece como tais, nos devolvendo nossa imagemungida de humanidade, isto , qualificada, valorizada. Atravs do uso da arma, omenino errante estabelece uma interao, na qual se torna possvel sua reconstruosubjetiva, na qual se torna vivel o projeto soi-disant esttico de sua auto-inveno. Trata-se de uma dialtica perversa, em que o menino afirma seuprotagonismo e se estrutura como sujeito, sujeitando-se a um engajamento trgicocom uma cadeia de relaes e prticas que o condenaro, muito provavelmente, a umdesfecho letal, cruel e precoce, antes dos 25 anos. Alm disso, sendo o medo umsentimento negativo, sua auto-afirmao trar consigo o peso da culpa quecorresponde magnitude dos ressentimentos e juzos crticos sobre o ato violentopelo qual se responsabiliza. Trata-se, portanto, de uma espcie de pacto fustico, emque o menino troca sua alma, seu futuro, seu destino, por um momento de glria,por uma experincia efmera de hipertrofia do protagonismo, em que as relaescotidianas de indiferena se invertem: o desdm superior do outro converte-se emsubalternidade humilhante, temor e obedincia autoridade armada do menino.

    Como se observa, a arma nas mos de nosso jovem personagem muito maisque um meio a servio de estratgias econmicas de sobrevivncia. H uma fomeanterior fome fsica; mais funda, mais radical e mais exigente que a fome fsica: afome de existir, a necessidade imperiosa de ser reconhecido, valorizado, acolhido. Porisso, pelo menos to importante quanto as vantagens econmicas, na cena daviolncia, destaca-se a relevncia dos benefcios simblicos, afetivos, psicolgicos,intersubjetivos.

    Quando o menino tem acesso arma, freqentemente, no Brasil, tem acessotambm ao convvio com grupos de traficantes varejistas de drogas e armas, que seinstalam nas vilas, favelas e periferias das cidades. Esse convvio proporciona umsegundo benefcio valioso para os jovens: a gratificao do pertencimento, a qual tomais intensa quo mais coeso for o grupo. Por outro lado, a coeso diretamenteproporcional ao grau de antagonismo vivenciado pelo grupo, em suas relaes com osoutros grupos com os quais se relacione, coletivamente. Essa a lgica segmentar queos antroplogos conhecemos, sobretudo a partir das obras de Evans-Pritchard e Lvi-Strauss, e que os socilogos j haviam codificado, desde Simmel. Por isso, toimportante para meninos e meninas experimentar as emoes reconfortantes dopertencimento, aderindo a grupos segmentares, os quais tornaro a vivncia dopertencimento to mais forte quo mais violentamente confrontarem os grupos rivais.As gangues do trfico encenam, com resultados trgicos, as regras inconscientes davida social, na ausncia de alternativas construtivas, capazes de sublimar a violncia,simbolizando-a e a transferindo para outras linguagens, como a dos esportes, porexemplo.

    6 CONCLUSESNeste trabalho, procurou-se investigar, com base na literatura, as vrias teorias queexplicariam o comportamento desviante e criminoso. Fez-se um apanhado dealgumas das mais substantivas contribuies, cujas orientaes metodolgicasenglobaram aquelas das cincias sociais e da antropologia, passando pela economia e

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    psicologia, entre outras. Descreveram-se sucintamente o ncleo e a lgica por trs dedez conjuntos distintos de teorias que, por certo, no esgotam o universo das teoriasde causao do crime, ainda que possibilitem uma compreenso bastante acurada dopensamento de estudiosos sobre o tema, desde o sculo passado.

    Aps a apresentao desses vrios arcabouos sintetizados na Tabela 2 ,ficam evidentes a complexidade do fenmeno e a dificuldade em creditar a umaspoucas variveis os determinantes da criminalidade, que tem razes no processodistorcido de aculturao da criana desde a fase esfincteriana (2 ou 3 anos) at a pr-adolescncia (12-13 anos), passando pelos elos e superviso com a famlia, com osamigos e com a escola, e terminando com outras virtuais fontes de tenso socialinerentes a um espectro mais amplo que envolvem as instituies e a forma deorganizao macroestrutural. Por outro lado, desse ambiente micro e macroestruturaldecorrem os resultados acerca da distribuio do produto da economia, aferidoobjetivamente a partir de variveis, como renda per capita, graus de desigualdade darenda, probabilidade de se estar empregado e acesso s oportunidades e servios quepossibilitem a obteno de moradia, sade (e alimentao) e cultura pelos indivduos,condies necessrias para a incluso social. Numa outra mo, existem as variveisdissuasrias que levariam o indivduo a se abster de cometer crimes.

    Dentre essas h, em primeiro lugar, o controle interno do indivduo (controlesocial), traduzido aqui pela percepo e sentimento de concordncia do indivduopara com o conjunto vigente de normas e valores sociais, que faz estreitar os elos dessepara com a sociedade. Por fim, h o controle externo, imposto pelas instituiespertencentes ao fluxo de justia criminal, que se inicia pela polcia, passando pelajustia e terminando nos sistemas punitivos, que indicariam as probabilidades deaprisionamento e a magnitude das punies.

    A depender da cultura, da regio e do momento histrico vivido, algumas dessasvariveis podem incidir de forma mais decisiva para explicar determinada dinmicacriminal. Muitas vezes essas variveis interagem em vrios nveis, conforme apontadono modelo ecolgico, fazendo com que as prprias dinmicas criminais funcionemcomo motivadoras de outras.

    Fica, portanto, evidente, a partir da exposio dos vrios modelos que explicamos determinantes da criminalidade, tratar-se de um fenmeno complexo e multifa-cetado, mas que possui determinadas regularidades estatsticas que variam conforme aregio e a dinmica criminal, em particular. As pesquisas empricas desenvolvidas nasltimas dcadas, por outro lado, do conta da enorme dificuldade em se conseguirresultados satisfatrios que levem a corroborar as inmeras hipteses e modelos. Taldificuldade fruto, em uma mo, da precariedade (indisponibilidade e noconfiabilidade) dos poucos dados existentes que permitiriam a execuo dosexerccios, e em outra mo, dos enormes desafios metodolgicos inerentes resoluodo problema e aferio das hipteses, que leva, quase sempre, o pesquisador autilizar caminhos indiretos, que pressupem uma srie de hipteses, s vezes, pordemais simplificadoras.

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    TABELA 2

    Resumo das Vrias Abordagens Tericas sobre as Causas da Criminalidade

    Teoria Abordagem Variveis

    Desorganizaosocial

    Abordagem sistmica em torno das comunidades,entendidas como um complexo sistema de redede associaes formais e informais.

    Status socioeconmico; heterogeneidade tnica;mobilidade residencial; desagregao familiar;urbanizao; redes de amizades locais; grupos deadolescentes sem superviso; participaoinstitucional; desemprego; existncia de mais deum morador por cmodo.

    Aprendizado social(associaodiferencial)

    Os indivduos determinam seus comportamentosa partir de suas experincias pessoais comrelao a situaes de conflito, por meio deinteraes pessoais e com base no processo decomunicao.

    Grau de superviso familiar; intensidade decoeso nos grupos de amizades; existncia deamigos com problemas com a polcia; percepodos jovens sobre outros envolvidos em problemasde delinqncia; jovens morando com os pais;contato com tcnicas criminosas.

    Escolha racional O indivduo decide sua participao em atividadescriminosas a partir da avaliao racional entreganhos e perdas esperadas advindos dasatividades ilcitas vis--vis o ganho alternativono mercado legal.

    Salrios; renda familiar per capita; desigualdadeda renda; acesso a programas de bem-estarsocial; eficincia da polcia; adensamentopopulacional; magnitude das punies; inrciacriminal; aprendizado social; educao.

    Controle social O que leva o indivduo a no enveredar pelocaminho da criminalidade? A crena e apercepo do mesmo em concordncia com ocontrato social (acordos e valores vigentes),ou o elo com a sociedade.

    Envolvimento do cidado no sistema social;concordncia com os valores e normas vigentes;ligao filial; amigos delinqentes; crenasdesviantes.

    Autocontrole O no desenvolvimento de mecanismospsicolgicos de autocontrole na fase que seguedos 2 anos pr-adolescncia, que geramdistores no processo de socializao, pela falta de imposio de limites.

    Freqentemente eu ajo ao sabor do momentosem medir conseqncias; eu raramente deixopassar uma oportunidade de gozar um bommomento.

    Anomia Impossibilidade de o indivduo atingir metasdesejadas por ele. Trs enfoques: a) diferenasde aspiraes individuais e os meios disponveis;b) oportunidades bloqueadas; e c) privaorelativa.

    Participa de redes de conexes? existem focos detenso social? eventos de vida negativos;sofrimento cotidiano; relacionamento negativocom adultos; brigas familiares; desavenas comvizinhos; tenso no trabalho.

    Interacional Processo interacional dinmico com doisingredientes: a) perspectiva evolucionria, cujacarreira criminal inicia-se aos 12-13 anos,ganha inrtensidade aos 16-17 anos e finalizaaos 30 anos; e b) perspectiva interacional queentende a delinqncia como causa econseqncia de um conjunto de fatores eprocesso sociais.

    As mesmas daquelas constantes nas teorias doaprendizado social e do controle social.

    Ecolgico Combinao de atributos pertencentes adiferentes categorias condicionaria adelinqncia. Esses atributos, por sua vez,estariam includos em vrios nveis: estrutural,institucional, interpessoal e individual.

    Todas as variveis anteriores podem serutilizadas nessa abordagem.

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    ANEXO

    Nvel Variveis explicativas Ator

    Individual Concordncia com os valores e normas vigentes; crenasdesviantes.

    Indivduo

    Interpessoal Desagregao familiar; grau de superviso familiar; jovensmorando com os pais; ligao filial.

    Famlia

    Redes de amizades locais; intensidade de coeso nos gruposde amizades; percepo dos jovens sobre outros envolvidosem problemas de delinqncia; contato com tcnicascriminosas; amigos delinqentes; desavenas com vizinhos;participa de redes de conexes? Existem focos de tensosocial? Eventos de vida negativos; sofrimento cotidiano;relacionamento negativo com adultos.

    Amigos

    Institucional Grupos de adolescentes sem superviso; ligao ecompromisso com a escola.

    Escola

    Heterogeneidade tnica; mobilidade residencial;urbanizao; grupos de adolescentes sem superviso;participao institucional; status socioeconmico;aprendizado social.

    Comunidade

    Tenso no trabalho. Ambiente profissional

    Participao institucional. Associaes culturais,desportivas,religiosas

    Estrutural Social Status socioeconmico; desemprego; existncia de maisde um morador por cmodo; adensamento populacional;inrcia criminal; educao; salrios; renda familiarper capita; desigualdade da renda; acesso a programasde bem-estar social.

    Estado

    Fluxo de justiacriminal

    Eficincia da polcia. Polcia

    Eficincia da justia; magnitude das punies. Justia

    Participao em programas de reinsero. Unidades de reclusopara infratores lei

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