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46 O “lar conveniente” 1.2. As propostas de reforma da moradia popular 1.2.1. Higienizando a cidade e a casa do trabalhador: a imposição de um novo habitat “Higiene hoje deve ser drenagem, o concurso da engenharia, o “tout a l’egout”, rua calçada, casa arejada” (Américo Silva, 1931, 160). No texto “A Casa e seus Sentidos”, Correia analisou as propostas para a casa, conforme as transformações ocorridas ao longo do século XIX e início do XX, e definiu o “habitat moderno” como um novo modelo de moradia que incorpora a noção de casa como lar, como espaço sanitário e como local de reposição das energias após o trabalho, ou seja, “É o lugar ideal para o lar regrado, higienizado, cômodo e aprazível de uma família saudável, pacificada, moralizada e obreira” (Correia, 2004, 57). Assim: “Tal habitat pressupõe a morada restrita à família nuclear, com uso eminentemente residencial e de repouso, protegida de estranhos e penetrada por uma nova racionalidade. Esta racionalidade consubstancia-se na ênfase em questões de limpeza e comodidade, na especialização dos ambientes e na redefinição dos comportamentos adequados em seu interior” (Correia, 2004, 2). Esse “habitat moderno” era configurado pelo “encontro do ‘espaço útil das disciplinas’ com o ‘meio dos higienistas’” (Murard e Zylberman, 1976 apud: Correia, 2004, 57). Dessa forma, novos

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1.2. As propostas de reforma da moradia popular

1.2.1. Higienizando a cidade e a casa do trabalhador: a imposição de um novo habitat

“Higiene hoje deve ser drenagem, o concurso da engenharia, o “tout al’egout”, rua calçada, casa arejada” (Américo Silva, 1931, 160).

No texto “A Casa e seus Sentidos”, Correia analisou aspropostas para a casa, conforme as transformações ocorridas aolongo do século XIX e início do XX, e definiu o “habitat moderno”como um novo modelo de moradia que incorpora a noção decasa como lar, como espaço sanitário e como local de reposiçãodas energias após o trabalho, ou seja, “É o lugar ideal para o larregrado, higienizado, cômodo e aprazível de uma família saudável,pacificada, moralizada e obreira” (Correia, 2004, 57). Assim:

“Tal habitat pressupõe a morada restrita à família nuclear, com usoeminentemente residencial e de repouso, protegida de estranhos epenetrada por uma nova racionalidade. Esta racionalidadeconsubstancia-se na ênfase em questões de limpeza e comodidade,na especialização dos ambientes e na redefinição dos comportamentosadequados em seu interior” (Correia, 2004, 2).

Esse “habitat moderno” era configurado pelo “encontro do‘espaço útil das disciplinas’ com o ‘meio dos higienistas’” (Murard eZylberman, 1976 apud: Correia, 2004, 57). Dessa forma, novos

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elementos foram incorporados à edificação para que se adequasse aessa nova racionalidade, pressupondo uma nova relação com o meiogeográfico e físico.

O médico francês Parent Duchâtelet considerava o problemade insalubridade da cidade e das casas em condições precárias dehigiene como uma questão técnica de tinha que “ser equacionada eresolvida pela engenharia; e ainda, um problema a ser superado pelainstalação de equipamentos sanitários” (Bresciani, 1984/1985, 65).Para a efetivação dos projetos, os médicos necessitavam de auxíliotécnico de outros especialistas, como o engenheiro e o arquiteto.

Estes cooperaram introduzindo equipamentos novos na casa,como o encanamento de água e os esgotos e contribuíram paraconsolidar uma nova forma de disciplina do corpo, desse modo,surgiu:

“O conforto é destinado a reformar a economia do bem-estar, nãoproibindo, nem reprimindo, mas substituindo um modo de satisfaçãocorporal cujos instrumentos e efeitos eram incontroláveis, por umbem-estar cujos meios de produção e os efeitos possam ser controladose utilizados” (Béguin, 1991, 47).

A disseminação desta outra forma de conforto começou pelaprovisão de moradias aos trabalhadores por industriais eagricultores, em meados do século XIX. Um tipo de confortoemergiu:

“os equipamentos do conforto (casa, água corrente, aquecimento etc.)tem efeitos cuja produção escapa em grande parte aqueles que osutilizam, porque apenas o dinheiro e conseqüentemente para o pobre,o trabalho, tem um poder sobre eles” (Béguin, 1991, 48).

Segundo esta visão, a arquitetura era mais um componenteimportante deste programa de imposição do conforto e de controlesobre o espaço da habitação, e um modo de redistribuição daspessoas, serviços e programa. Este, por sua vez, estava subordinadoa outras maquinarias urbanas - aos esgotos e à rede de distribuiçãode água. A habitação ganhou novas funções, que eram distributivas(membros de famílias e de serviços), práticas (funcionalidade elimpeza dos espaços) e climáticas (boas condições de conforto). Acasa assim composta foi denominada por Jacques Donzelot (1986)de ‘espaço sanitário’: “Trata-se de converter a moradia em espaçoconfortável, penetrado por normas de higiene, capaz de garantir certaprivacidade a seus moradores e de alterar a vida doméstica por meiode instrumentos de regulação” (Correia, 2004, 48).

Em São Paulo, propostas de um espaço sanitário, no séculoXX, apareceram com Saturnino de Brito e com Victor da Silva

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Freire. Esses dois engenheiros questionavam as leis urbanísticas,propondo modificações que facilitassem a construção das habitaçõespopulares. Brito considerava que:

“Com a largura mínima de cinco a seis e meio pode-se construircasas com dois pavimentos, onde não haja outro meio de aproveitaro terreno de construção antiga, a reformar, cujo proprietário nãodisponha de mais terreno do lado, edificado ou baldio. Pode-setambém, tomando um quarteirão, nele projetar séries de habitaçõeseconômicas e salubres, em dois pavimentos, - e temos disto um exemplonos tipos denteados que organizamos, descritos no livro Saneamentode Campos, e que figuraram na Exposição Nacional de 1908” (Brito,1943a, 225-226).

O livro que trata do Saneamento da cidade fluminense deCampos era na verdade um extenso ‘diagnóstico’ do que seria o‘corpo urbano’ e abordava de forma integrada questões tecno-sanitárias, como os sistemas construtivos, espaços e edifíciospúblicos, orientação e insolação, e as habitações populares. Emsua proposta, Brito buscou uma alternativa aos lotes existentesem Santos que tinham a largura de quatro e meio metros, o quepossibilitava a formação de ‘uma série de cômodos’ ao longo daprofundidade do terreno. O projeto “Habitações Populares Salubrese Econômicas”, elaborado por Saturnino de Brito, ponderou ascondições específicas do meio: as limitações, as potencialidades eas possibilidades. Outros elementos considerados essenciais paraa formação do lar, tais como o jardim, os quintais e parques,estavam presentes no desenho dos ‘quarteirões salubres’. São estasas condições que identificavam uma casa sã: iluminação solar eventilação natural para todos os compartimentos e a propagaçãode bons princípios de higiene.

Brito defendia a intervenção na casa insalubre por meio daadministração e da educação, que orientaria com o intuito de“sanear”. Propôs um programa “de ordem e de progresso, sensato eliberal, previamente estabelecido pelos governos e criteriosamenteseguido pelas municipalidades e pelos seus executores” (Brito, 1943a,107), onde estariam “os regulamentos de saneamento das casasexistentes, as condições para a edificação e a utilização sanitária denovas casas, econômicas e higiênicas (chamadas habitações popularesou operárias) tão essenciais para as classes pobres” (Brito, 1943a, 107).Brito achava que se “os numerosos elementos proletários tivessemmelhor abrigo na bonança e contra as tempestades” (Brito, 1943a,107), os problemas sociais, como crimes, greves e agitaçõespolíticas, seriam reduzidos.

O engenheiro Victor da Silva Freire enfatizou na propriedadeda moradia supostos efeitos sobre a construção de um lar:

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Proposta de quarteirão salubrede Saturnino de Brito para Santos(Brito. 1943a)

Proposta de ‘viela sanitária’ deSaturnino de Brito, também,para Santos (Brito, 1943a)

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Proposta do engenheiro civil earquiteto Alexandre Albuquer-que para o concurso realizadopela Prefeitura de São Paulo em1916, o qual não ganhouprêmios mas foi mencionado porFreire, em palestra dada no dia11 de dezembro de 1917, comosendo uma “solução de‘rendimento máximo’ para aspremissas estabelecidas”(Freire, fev. 1918, 303-305).

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“Quando um homem pode vir a ser dono de tecto sob que se abriga,aos seus, fica a acção do melhor dos incentivos para tornar-seeconômico e previdente, para interessar-se pelos seus deveres decidadão, para intervir beneficamente no governo da terra em quefixou residência” (Freire, fev. 1918, 234).

A formação de um lar, para Rago, seria uma tentativa deredefinição das relações familiares, através da promoção de umnovo modelo de mulher, voltada para o lar, e de uma novapercepção da criança. Para tal seria necessário transmitir ossentimentos da laboriosidade e da vida regrada, o gosto pelaprivacidade, eliminando as práticas populares consideradasameaçadoras para a estabilidade da ordem social (Rago, 1985, 26-27).

As propostas - de caráter político e moral – dos engenheirosSaturnino de Brito e Freire, estavam dialogando com as propostasdos higienistas. Freire participou, em 1916, do Primeiro CongressoMédico Paulista, junto com outro engenheiro, AlexandreAlbuquerque. Se, por um lado, os médicos agiam sobre ainsalubridade da casa do pobre e, desse modo, sobre seusmoradores, por outro lado, os engenheiros agiam sobre a suadisposição espacial e construtiva ao saneá-la e adaptá-la ao meioambiente – topografia, condições de ventilação e de insolação.

Esta última questão foi abordada como um elemento centralpor Alexandre Albuquerque em seu projeto para o concurso,promovido pela Prefeitura de São Paulo, em agosto de 1916, como intuito de compor um banco de projetos de “habitações proletáriaseconômicas”. Com o pseudônimo de ‘Heliópolis’, Albuquerqueprojetou, em uma quadra (com 40 x 62 metros), 21 casas operáriasorientadas de modo que todos os cômodos recebessem a luz diretado sol durante, no mínimo, uma hora diariamente:

“O problema da casa salubre resume-se em fazer com que os raiossolares penetram no interior dos aposentos, Pheobus, o grão duquedas candeias na phrase da Du Bartas, é o grande excitador de todasas acções vitaes e seus poder microbicida transforma-o no auxiliar-rei dos hygienistas modernos” (Albuquerque, 1917, 3).

Este projeto não estava entre os primeiros colocados, porémverificava a questão de rendimento máximo do terreno semprejudicar a salubridade das edificações. Neste sentido,Albuquerque questionava a tipologia habitacional: “Outro problemaserá o do emprego de casas térreas ou de dois, ou mais pavimentos”(Albuquerque, 1916 apud Segawa, 2000, 159). Tanto Freire comoAlbuquerque entendiam que a insolação servia como guia paratodos os tipos de edificações, mesmo para os prédios de andares, eque servia como uma restrição normativa, influenciando napaisagem de São Paulo. Freire considerava ser:

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“... o objetivo social talvez mais importante, e que já examinamos,de uma regulamentação d’estar: estímulo à constituição do larseparado, o combate a promiscuidade, à dissolução da família.(...) em cada lote destinado a edifícios de habitação, não poderemser construídos, além do prédio principal, nenhum outro, a nãoser os das edículas - dependências usuais de casas de moradias”(Freire, fev. 1918, 314).

Essa relação proposta, entre o “lote em função da quadra”,era essencial pois “entrada ao sol, ao ar, dentro da habitação nascemd’uma constituição particular do ‘lote’” (Freire, fev. 1918, 298).Citando as regras de Stübben, Freire propunha o lote da casaproletária: “A casa proletária, finalmente, requer lotes mais modestose, por conseqüência, quadras ainda menos fundas, com 35 metros,digamos o comprimento d’estas pode ser elevado, em compensação, até140 metros, sem inconveniente” (Freire, fev. 1918, 299).

Freire foi um dos responsáveis pela organização desse concursopúblico27. No prazo de um mês, os supostos concorrentes tinhamde elaborar projetos que atendessem a quatro condições: higiene,comodidade, estética e economia. A demanda era de uma casasimples, isto é, com dois compartimentos habitáveis, um quepudesse servir para permanência diurna (cozinha e refeitório) e outro,para dormida. Seus supostos usuários seriam um casal sem filho,mas o interessante era que previa o crescimento da família, ao pedirque fosse projetada uma possível expansão da moradia, em três ouquatro cômodos habitáveis para atender ao casal com filhos de ummesmo sexo ou de sexos distintos.

Entretanto, como destacou Segawa (2000), não se estabeleciao tipo de lote ou quadra, nem o local do projeto. Ao não limitar aproposta a um único terreno, criou-se a possibilidade de vários‘tipos de moradias’. Estes foram reunidos pela comissão julgadora28

em quatro grupos: 1º. grupo, “blocos de quatro moradias, contíguasentre si por suas faces normaes”; 2º. grupo “formando ‘séries’, contíguasumas a outras por faces parallelas”; 3º. grupo “geminadas onde cadamoradia offerece uma só parede em commum com uma das suasvizinhas”; ou 4º. grupo “completamente isoladas” (Relatório de1916, apresentado à Câmara Municipal de São Paulo pelo PrefeitoWashington Luís (II volume), 1918, 39). Não havia nenhumaproposta que colocasse como premissa o prédio em andares.

Alguns engenheiros-arquitetos formados na Politécnica29

participaram desse concurso. Entre eles estavam: AlexandreAlbuquerque; Hippolito Gustavo Pujol Junior30; GuilhermeErnesto Winter31; o professor de “Trabalhos GráficosCorrespondentes”, Victor Dubugras; o engenheiro arquiteto DacioAguiar de Moraes; o arquiteto Walter Brune32 e outros concorrentesque receberam prêmios como Jourdan & Ponchon e Alberto Sironi.

27 Este concurso ficou esquecidodurante um tempo pelahistoriografia brasileira, sendoredescoberto pelo arquiteto ehistoriador Hugo Segawa em seutrabalho de conclusão do curso dearquitetura e urbanismo na FAU-USP, em 1979, sob o título:“Alguns Aspectos da Arquitetura edo Urbanismo em São Paulo naPassagem do Século”, sendopublicado em artigo na revistaMódulo, em 1981: “Anos 10, umconcurso de habitação operária” eem livro, em 2000, intitulado:“Prelúdio da Metrópole”.

28 A Comissão Julgadora foicomposta pelo engenheiro AdolfoAugusto Pinto, pelo engenheiroarquiteto Ramos de Azevedo e pelopróprio Victor da Silva Freire(Relatório de 1916, apresentado àCâmara Municipal de São Paulopelo Prefeito Washington Luís (IIvolume), 1918, 39).

29 A Escola de Engenharia doMackenzie começou a ministrar ocurso de arquitetura nesse ano de1916. Logo, não havia nenhumarquiteto formado por essainstituição participando doconcurso.

30 Tanto Albuquerque quanto Pujoleram formados na EscolaPolitécnica no ano de 1905, mesmoano em que se formou BrunoSimões Magro. AlexandreAlbuquerque, por ter se destacadocomo aluno, recebeu como prêmiouma viagem para a Europa.

31 Formou-se na Escola Politécnicaem 1907.

32 Walter Brune estava indicadocomo arquiteto construtor entre aspropagandas na revista “AConstrucção em São Paulo”, de1926.

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Projetos vencedores do 1º e do 2º.prêmio do2º. grupo: casas formando séries contíguasuma a outra, do Concurso de “HabitaçõesProletárias Econômicas”

No topo da página, projeto deJourdan & Ponchon. Nota-se afachada eclética e trêspropostas de plantas (Relatóriode 1916 apud: Segawa, 2000).

Ao lado, proposta Alberto Sironicom a organização da planta da‘casa simples’ e a proposta deampliação (Relatório de 1916apud: Segawa, 2000).

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Projeto vencedor do 1º.prêmio do 3º.grupo: casas geminadas, do Concurso de

“Habitações Proletárias Econômicas”

Projeto de Dacio Aguiar deMoraes de uma casa simplescom jardim na frente e, suaproposta de ampliação(Relatório de 1916 apud:Segawa, 2000).

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Projetos vencedores do 2º.prêmio do 3º.grupo: casas geminadas, do Concurso de“Habitações Proletárias Econômicas”

No topo da página, proposta deGuilherme Winter, nota-se aentrada pela lateral da casa(Relatório de 1916 apud:Segawa, 2000).

Embaixo, proposta de WalterBrune, onde se destaca asemelhança das propostas deorganização das quadras com aproposta de Brito de ‘vielassanitárias’ para Santos.Observa-se as duas plantaspropostas (Relatório de 1916apud: Segawa, 2000).

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No topo da página, proposta deLudwig Doetsch, comperspectiva da dependênciadiurna, planta e corte (Relatóriode 1916 apud: Segawa, 2000).

No centro, proposta deHippolito Pujol Junior, onde adependência diurna organiza osdemais comôdos(Relatório de1916 apud: Segawa, 2000).

Ao lado, proposta de VictorDubugras, com a dependênciadiurna destacada (Relatório de1916 apud: Segawa, 2000).

Projetos vencedores do 1º.prêmio do 4º.grupo: casas isoladas no lote, do Concurso de

“Habitações Proletárias Econômicas”

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Jourdan & Ponchon receberam o primeiro prêmio do grupode “casas em série”, com um projeto de sobrado – “Escaravelho” -no qual a escada estava localizada ao longo da parede comum adois desses sobrados. O acesso à dependência diurna (cozinha erefeitório) era proposto direto, ou melhor, não intermediado poruma varanda, como nas outras propostas. A planta-tipo (com umúnico dormitório) possuía cômodo no segundo andar e o banheirono térreo, ligado à dependência diurna por um pequeno corredor.Foi projetado tanto o jardim - na frente – como o quintal, ondeestavam dispostos o tanque, um galinheiro, uma horta e umcaramanchão; a área deste era quase do tamanho da projeção daárea construída da casa, sendo o lote proposto de ampla dimensão.O segundo lugar desse grupo foi ganho pelo engenheiro AlbertoSironi. Sua proposta – “Otreblas” - foi de uma pequena casa térrea,alinhada à frente do terreno, ocupando menos de um terço deste,determinando que o quintal fosse o elemento de maior destaqueda proposta. A planta-tipo possuía todos os cômodos voltados parafrente, com exceção do banheiro, localizado nos fundos, direçãopara a qual foi proposta a ampliação.

No terceiro grupo de projetos - de “casas geminadas” -, foipremiado primeiramente o projeto “Escudo Vermelho”, doengenheiro arquiteto Dacio Aguiar de Moraes. Nele, no eixo dadivisa dos terrenos estavam distribuídos: o hall de entrada, adependência diurna, o corredor e o banheiro. O lote proposto erabem menor que aqueles de Jourdan & Ponchon e de Alberto Sironi,pois previa um pequeno jardim na frente e um quintal tambémpequeno, nos fundos, que termina no alinhamento da parede dosbanheiros. Dessa forma, foi o projeto que mais “racionalizou” o usodo terreno. Dois projetos receberam o segundo prêmio nesse grupo:o de Guilherme Winter – “Aleijadinho” - e o de Walter Brune –“Saúde do Povo”. O primeiro determinou o acesso à casa pela sualateral, sendo todo o programa organizado na longitudinal, masnão propôs nem as dimensões do lote, nem o seu formato. Osegundo se destacou por sua semelhança com as propostas de “vielassanitárias” de Saturnino de Brito. Brune procurou distribuir, numaquadra, os dois tipos de plantas que propôs: o primeiro possuía amesma organização espacial do projeto de Jourdan & Ponchon,diferenciando-se pela sua proposta de ampliação que consistia noagrupamento dos cômodos ao longo do terreno, muito semelhanteao princípio que norteava os criticados cortiços; o segundo seassemelhava à proposta de Sironi, pois propunha a organização daplanta alinhada à frente do terreno.

As propostas de casas isoladas foram reunidas no quartogrupo, no qual foram premiados os projetos de Lugwig Doetsch –“Amélia” -, de Victor Dubugras – “Emboaba” – e de HippolitoPujol Junior – “Joffre”. Dubugras propôs uma pequena casa emestilo neocolonial, cuja dependência diurna dividia o projeto emdois: de um lado, as áreas de descanso e, de outro, a varanda de

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entrada e o banheiro. A ampliação foi pensada pela construção demais dois cômodos sobre os dormitórios, com a escada localizadana lateral da sala, acessada por um pequeno mezanino. A propostade Pujol Junior era de um pequeno chalet, com dormitóriosdistribuídos em torno da dependência diurna, sem um banheiroanexo à casa. O de Doetsch era o único projeto premiado queutilizou perspectivas como representação da sala e da casa. O projetoera interessante por propor uma separação entre a dependênciadiurna e a sala. Nestes três projetos, o lote não era definido.

Foi Freire que destacou a importância desse concurso, abertopelo Prefeito Washington Luís, considerando-o como a “primeiraautoridade municipal que neste paiz está preoccupando a serio com amelhoria de todas as condições de vida da população” (Freire, fev.1918, 303). Não houve um projeto construído, mas um momentode formulação de propostas para uma “habitação proletáriaeconômica”. O concurso teve uma feição, segundo Freire,puramente educativa, mas com intenções práticas: “Representavaa seleção de uma semente que não pode deixar de germinar, em terrenotão favorável como o da população desta cidade, produzindo rebentosem nada inferiores aquelles a que outras terras devem o respectivoprogresso” (Relatório de 1916, 1918, 43).

Os estudos em torno da habitação popular se intensificarama ponto de virarem uma seção constante do periódico “AConstrucção em São Paulo” ou título de um pequeno livro com asidéias do engenheiro arquiteto Rudolf Kolde sobre as habitaçõespopulares. Para este, o problema da moradia popular se colocavacomo um impasse entre as exigências legais e a necessidade deconstruir habitações baratas e higiênicas: “Retalhar quadras e edificarcom conhecimentos de causa é hoje em dia dar optimo rendimento aocapital, favorecendo as classes laboriosas que o sustentam” (Kolde,1929, 3).

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1.2.2. A discussão do Standard:

as propostas da revista A Construcção em São Paulo e as de Jayme da Silva Telles

Entre os 5 periódicos publicados entre 1916 e 1932, nenhumfoi tão enfático na defesa da standartização da construção quanto“A Construcção em São Paulo”. Desde seu segundo número,apresentou artigos que sugeriam a “standartização” como umprincípio, começando pelas esquadrias - portas e janelas - por ondese poderiam normalizar as medidas, uniformizar os preços e atendera uma grande demanda, como era o caso das habitações operárias.

Este mesmo periódico possuía uma outra seção intitulada,inicialmente, “construções econômicas” e, depois, “casas econômicas”33.Era uma forma de mostrar possibilidades de economia naconstrução, pela simplificação das fachadas, retirando elementosde sua composição, pelo adensamento do terreno, ou pela propostade soluções construtivas menos caras. Diversas sugestões foramapresentadas nesta seção: casas isoladas no terreno, o que eradenominado de “bungalows”; “pequenas casas destinadas para casalmodesto” e, ainda, uma proposição de “villa operária”:

“Entendemos por casas operária uma pequena habitação de relativoconforto excluindo completamente tudo que seja tocado a luxo afimde que possa ser alugado por preço ao alcance do operário e ao mesmotempo dar uma renda razoável ao capitalista. (...). Como se vê estaconstrucção não tem espaço algum perdido, é de construcção simples,e não depende de thezouras para armação dos telhados, pois os terçosrepousam diretamente sobre os oitões laterais” (A Construcção emS. Paulo, ago. 1925, s.p.d.).

Julgava que o grande impasse para o início do processo destandartização estava na recusa da sociedade em aceitar esses‘objectos’ feitos em série, “por serem todos eguaes, por serem muitocommuns e accessíveis, pelo custo inferior aos que são feitosexpressamente” (A Construcção em São Paulo, jan. 1924, s.p.d.).O individualismo também interferia neste processo: “Isso se dácom o constructor; ele lucta desde o começo com o proprietário, querecusa os typos communs de material e quer que se adoptem typos deaccordo com o seu gosto e idéias” (A Construcção em São Paulo, jan.1924, s.p.d.).

Mais tarde, o engenheiro arquiteto Rudolf Kolde, em seulivro “Casas Populares”, ironizava a questão dos estilosarquitetônicos, ao comparar a casa ao automóvel:

“Raramente se vêem pessoas que, ao contemplar uma casa, descobremo que há de ridículo, bombástico, mentiroso e superficial na sua“architectura”. No entanto, essas mesmas pessoas se sentiriam chocadas,se mandassem construir um auto em estilo rococó, ou se fosse ainda

33 Vale a pena transcrever o trechodo editorial do número 11 doperiódico, intitulado “NossoProgramma”, que a apresentavacomo sendo: “uma secçãointeressante e útil. Continuaremosa dar typos de casas econômicas complantas e orçamentos etc. a fim defacilitar a muitos dos nossos leitoresna construção de casas para rendae mesmo para residência própria.São geralmente projectos jáexecutados e, portanto projectosperfeitamente exeqüíveis” (AConstrucção em São Paulo, fev.1925, s.p.d.).

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costume, como outrora, enfeitar as locomotivas com capitéiscorinthios” (Kolde, 1929, 5).

O engenheiro arquiteto Francisco Prestes Maia, em seu“Estudo de um Plano de Avenidas para São Paulo”, abordou o temada habitação popular, como ele mesmo afirmava, “na tangente”,através de algumas observações. Uma delas tratava do preço dahabitação popular, cujo valor real compreendia “os preços do terreno,da construção e do transporte”. Em relação à construção, consideravaque era necessário ter cuidado com a padronização:

“A edificação pode baratear um pouco pela admissão dum padrãomodesto e pela construção em série. Não é natural, diz Le Corbusier,que a habitação escape a uma lei que rege os automóveis, o mobiliário,a vestimenta etc. Serviços standardizados nos Estados Unidos, Bélgica,Frankfurt, Vienna etc. são interessantíssimos. Cautela é necessáriaem relação às construções ligeiras, causa de inúmeras desilusões”(Maia, 1930, 308).

No I Congresso de Habitação, alguns estavam propondouma regularização das construções a partir da especificação dosmateriais empregados: o tijolo, o concreto e a madeira. Aabordagem mais enfática foi promovida pelo engenheiro civilHenrique Doria:

“Complexa como é, dependendo de uma legislação própria, tantomunicipal como estadual e federal, de financiamento, da fixação da“habitação mínima” de acordo com as nossas condições mesológicas,da escolha dos materiais e de processos construtivos mais eficienteseconômicos, do desenvolvimento do nosso incipiente espírito deassociação e auxílio mutuo, demanda a sua solução, de tempo etambém, da dedicação e trabalho de pessoas competentes. Tudodependerá da organização científica de taylorismo em ação” (Doria,1931, 53).

Na ocasião o tema havia sido tratado por Le Corbusier, em“Vers une Architecture”, e Warchavchik havia começado a construirsua casa na rua Itápolis, onde se confrontou com o problema dafalta de esquadrias produzidas industrialmente em linguagemmoderna, tendo de desenhar cada detalhe e, de certo modo, aceitara artesania em que se encontrava a construção civil paulistana:

“Em São Paulo, por exemplo, o concreto é caro e o tijolo barato. (...).Empregando-se materiais de que é rica a região onde se constróiprocura-se fazer trabalho que, pelo menos em suas linhas, em suaconcepção, corresponda ao tempo de hoje e não seja cópia servil deprodutos de épocas passadas” (Warchavchik, 29ago. 1928 apud:Souza, 1982, 24).

O periódico “A Construcção em São Paulo” não tinha comointuito a aplicação dos preceitos modernistas, mas entendia que:

Capas da Revista “A Construcçãoem São Paulo”, nº. 7 e nº. 19-20. Este último foi a ediçãopublicado após a RevoluçãoTenentista de 1924 (AConstrução de São Paulo, 1924e 1925)

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No topo da página, logomarcada seção “Casas Econômicas”.Estão presentes alguns símbolosque representam uma “casinhaburguesa”: a casa isolada numterreno amplo com jardim (AConstrução em São Paulo, 1925)

À esquerda, fachada de umprojeto: “4 casas em 10 metrosde terreno” (A Construção deSão Paulo, n.11, 1925)

À direita, “Casa de rendimento”,uma proposta de casas “gêmeas”organizadas em um terreno com15 metros de largura (AConstrução de São Paulo, n.15,1925)

Ao lado, uma pequena casa (AConstrução de São Paulo, n.3,1924)

Seção “Casas Econômicas” da revista “A construção em São Paulo”,publicada em 1924 e 1925.

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Tipos de Habitações Coletivaspropostas pelo engenheiroarquiteto Rudolf Kolde. No topoda página, está uma proposta deum grande edifício organizadoem uma quadra, onde seprocura substituir a falta de umquintal por um parque.

Ao centro, proposta de casasdispostas em série. Ao lado,proposta de casas em sériepara a rua Domingos de Moraes.Nestas duas propostas, Koldecriou uma rua particular comoacesso para essas casas (Kolde,1929).

Livrinho: “Casas Populares”, publicada em 1929

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“com a standardização pode-se conseguir muita economia de tempo,pois o facto de se encontrar todos os typos de materiaes promptos,muitos deles já preparados de tal forma que só precisam ser assentadosna obra, seria ideal. Poder-se-ia chegar ao ponto de se fazer umasimples montagem no local” (A Construcção em São Paulo, jan.1924, s.p.d.).

Para tal, eram propostos materiais compatíveis comeconomia, sendo na fundação, o concreto; na alvenaria, tijolos detipos iguais e placas de madeira de bitola uniforme e comprimentoscom variação, por exemplo, de 20 centímetros, serradas em grandesquantidades. Para o revestimento, se propunha a recorrência aostipos, economizando-se na mão-de-obra, pela repetição de um ato.A racionalização de execução chegava aos ornatos:

“o emprego de ornatos e molduras fundidos em officinas permitteuma rapidez muito grande na sua execução. Evita-se o trabalho doconstructor na concepção do detalhe, no desenho, na explicação dosdetalhes e na vigilância durante a execução” (A Construcção emSão Paulo, jan. 1924, s.p.d.).

Para a estrutura de concreto armado, era proposta acatalogação das vigas feitas por este processo construtivo, do mesmomodo que acontecia com as de ferro. Tudo isso, para que estivessemprontas para montagem no local. E ainda, “Há casos em que convémadoptar a uniformidade, com prejuízo da economia de material, parase obter a economia geral” (A Construcção em São Paulo, jan. 1924,s.p.d.). No caso das esquadrias, era proposta a padronização desuas medidas para possibilitar a fabricação em série de modelosdiferentes, com o intuito de se estocar essas peças e se economizartempo na obra:

“Assim, poderá o constructor achar muitos trabalhos que podem serrepetidos de um modo sempre egual, com grande vantagem de preços.Seria ideal, si todos os constructores chegassem a um accordo eadoptassem especificações e typos uniformes para todos os trabalhos erealizassem a “standardisação” dos trabalhos de construcção, como asfábricas americanas adoptaram para os seus productos, (...)” (AConstrucção em São Paulo, jan. 1924, s.p.d.).

Com esse intuito, o Gabinete de Resistência dos Materiaisda Escola Politécnica foi reorganizado pelo engenheiro Ary Torres,mudando o seu nome para Laboratório de Ensaios dos Materiais(L.E.M.). Em artigo publicado no Boletim do Instituto deEngenharia, em dezembro de 1928, Ary Torres expôs as discussõesocorridas durante a primeira reunião do L.E.M. com osengenheiros construtores, onde concluiu, que eram:

“evidentes as vantagens resultantes deste gênero de reuniões para aTechnica das construcções e indústria. Os problemas com que luctamos homens da prática são trazidos à discussão e novos programmas

Capa da publicação de RudolfKolde (Kolde, 1929).

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de pesquizas são suggeridos ao Laboratório” (Torres, dez. 1928,264).

Para este engenheiro, o L.E.M34 deveria ser responsável pelaorganização do conjunto dos setores da construção civil com oobjetivo de compor uma norma brasileira, em substituição, aprincípio, do Padrão Municipal vigente em São Paulo35 (Torres,dez. 1928, 264). Com esse horizonte, foram realizadas váriasespecificações, que possibilitaram alguns avanços tecnológicos naindustrialização dos materiais em São Paulo, e, principalmente,na racionalização da construção.

Em uma conferência apresentada no I Congresso deHabitação, o engenheiro Francisco Ignácio de Araújo Silva,funcionário da Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo,preocupou-se com os problemas ocasionados pelo recebimentode materiais de construção sem padrão. Para equacionar estesproblemas, Araújo Silva julgava necessária a colaboração deprodutores, consumidores, intermediários, associações e repartiçõespúblicas de caráter técnico. Para tal, pedia que um órgão público,a Secretária de Viação e Obras Públicas, se esforçasse em torno dorecém-reorganizado Laboratório de Ensaios de Materiais da EscolaPolitécnica de São Paulo para que, em colaboração com osinteresses privados, fossem estudadas as especificações dos materiaisde construção mais utilizados em São Paulo.

A standartização dos materiais de construção e, porconseqüência, da arquitetura era vista como uma forma de tornaracessível a habitação à classe trabalhadora. Nas discussões realizadasno I Congresso de Habitação constatava que “não temos normaspara materiais – e estamos no século das especificações!” (Romano,1931, 257). De outro modo, Warchavchik colocava como premissaa adaptação da arquitetura ao seu tempo, como era feito pelosengenheiros ao construírem as máquinas, “guiados apenas peloprincípio de economia e comodidade, nunca sonhando em imitaralgum protótipo. Esta é a razão por que as nossas máquinas modernastrazem o verdadeiro cunho de nosso tempo” (Warchavchik, 1 nov.1925 apud: Souza, 1982, 18).

A arquitetura, segundo o arquiteto Jayme da Silva Telles,era colocada como uma questão de adaptação às transformaçõesque ocorriam na cidade moderna, pela inserção de novosequipamentos de saneamento, de técnicas construtivas inovadorase mais econômicas e pela produção em série de objetos de usodiário, tal como o automóvel.

Diferentemente dos dois outros arquitetos ligados aoMovimento Moderno que atuavam em São Paulo, GregoriWarchavchik e Rino Levi, formados por escolas européias36, JaymeTeixeira da Silva Telles tinha sido fruto de uma formação nacional.

34 Segundo depoimento à autorado engenheiro civil e arquitetoArchimedes de Barros Pimentel,formado na Escola Politécnica deSão Paulo, em 1932, o L.E.M setornaria uma referência para todosos profissionais que atuavam naconstrução civil. Era o lugar ondese buscavam elementos para asolução dos mais diversos projetos:instalação de rede de esgoto,barragens de curso de água,levantamentos topográficos etc.(entrevista concedida em abril de2005).

35 De fato, Ary Torres foi umpersonagem muito importante paraa adaptação das normas européiasde dosagem do concreto, dasespecificações para a madeira e osmetais, que era um processocontínuo, isto é, começava com aelaboração de um caderno deespecificações, conforme osaperfeiçoamentos tecnológicos.Considerava que era “preciso,porém, não esquecer que umaespecificação, mesmo feitaracionalmente não é definitiva,mas um trabalho queperiodicamente deve seraperfeiçoado a fim de manter-se nonível do progresso da technica”(Torres, dez. 1928, 266).

36 Gregori Warchavchik, russo deOdessa, chegou ao Brasil em 1923,procedente de Roma e Rino Levi,natural de São Paulo, formou-setambém em Roma, voltando aoBrasil em 1926.

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Formado em arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA)do Rio de Janeiro, onde o ensino de arquitetura era baseado nosaber dos mestres da tradição clássica e, mais ainda, na discussãode alternativas de projetos e de estética próprias à realidadebrasileira, tal como o estilo neocolonial, sua atividade projetualem São Paulo foi curta, entre 1925 e 1937.

A atuação de Silva Telles ocorreu entre estas duas cidades,onde tinha ligações familiares.37 Neste período, foram poucos osprojetos realizados. Entre eles estão: a vila “Ford”, do CotonifícioCrespi; a casa Olívia Guedes Penteado; a Embaixada da Argentina;o Banco do Estado de São Paulo; a Santa Casa de Santos; a sede eo estádio da Sociedade Paulista de Tênis. Os projetos construídossucumbiram ao tempo. Depois de 1937, já atuando na cidade doRio de Janeiro, os projetos foram muitos, seja para o partidoIntegralista, seja para a Prefeitura do Rio de Janeiro ou para oInstituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários - com umprojeto na Gávea.

Um artigo escrito por Silva Telles, intitulado “O Standardna Arquitetura”, tratava da padronização e seriação da arquitetura.Publicado em setembro de 1930, apresentava, como subtítulo, aseguinte crítica que vinha sendo lançada pelos acadêmicos contraa nova arquitetura: “Arquitetura Standard! É a morte da arquiteturacomo arte... É a escravização da arquitetura pela indústria... É aabdicação do artista... etc. etc” (Silva Telles, set. 1930 apud: Telles,1967, 58).

A resposta para tal idéia foi dada pela forma como os standardsurgiam e se adaptavam às novas técnicas existentes no momento.No entanto, com a Revolução Industrial no século XIX, os standardsda arquitetura não se adaptaram às inovações das técnicas do ferroe do cimento armado:

“Agora, de posse desses dois novos elementos, quebrados os grilhõesque a prendiam à Academia, está a Arquitetura livre; não há arrojosque não possa ter, todos os velhos standards foram quebrados eabandonados como inúteis e nocivos... Seria talvez a anarquia...Mas, automaticamente, intervém, para controlar tanta liberdade, aeterna lei da adaptação dos meios aos fins, e daí a tendência para aprocura de novos standards. O esforço em demanda da melhor soluçãoarquitetônica para as contingências materiais e estéticas dahumanidade contemporânea, força o aparecimento do standards.Porque standards, é apenas o tipo selecionado, o melhor entre osmelhores. Não é pois um arbitrário, mas sim fruto do inevitável; elevem por si, não é decretado. Sempre que se procura honestamente aperfeição, a determinação do standards estará próxima” (Silva Telles,set. 1930 apud: Telles, abr. 1967, 12).

Em 1925, em nome da Companhia Construtora de Santos,Silva Telles propôs um projeto para a Vila Operária do Cotonifício

37 Seu irmão Francisco T. da SilvaTelles, era formado engenheiro civile arquiteto em São Paulo e, comoseu pai, Augusto Carlos da SilvaTelles, foi professor da EscolaPolitécnica de São Paulo.

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de Rodolfo Crespi, chamado de Projeto “Ford”, que serviu deilustração para o seu depoimento sobre a postura que o arquitetodevia ter diante da habitação operária, publicada em janeiro de1931, no jornal Correio da Tarde:

“É esse o momento dos arquitetos mostrarem se são eficientes e se asociedade pode contar com eles como reais auxiliares, preparadospara poder ajudá-la de maneira útil a resolver uma das suas maisagudas questões sociais, ou se são apenas desenhistas mais ou menoshábeis e perfeitamente incapazes de pensar. (...).A nós, arquitetoscompete, armados de todos os ensinamentos da mais moderna técnica,levá-los a obter o aproveitamento máximo – com o mínimo de despesase de terreno ocupado. O maior número de habitações, maisconfortáveis, higiênicas e agradáveis à vista” (Silva Telles,31jan.1931)

Para Silva Telles, a tarefa do arquiteto era projetar o ambientee este resultava da coordenação de vários elementos. De fato, se oedifício fosse apenas uma unidade numa série, e a construção emsérie exigisse a maior utilização possível de elementosindustrialmente pré-fabricados, o processo que industrializava aprodução de edifícios era o mesmo que transformava a arquiteturaem urbanismo (Argan, 1992, 187). Essa relação entre urbanismo,industrialização e arquitetura deve ser colocada como uma daspremissas da Arquitetura Moderna:

“...Le Corbusier, quando enfrenta a polêmica do objeto e o tema dostandard (enfrenta-os, é preciso dizer, com maestria), assume o tome a gravidade daquele moralista que de fato é: e, se observa a suaarquitetura, será fácil constatar que ela não nos impõe uma novateoria ou concepção do espaço, mas uma nova e sempre estimulanteconcepção do objeto arquitetônico. (...). O standard, de fato, não éum tipo de forma, mas um tipo do objeto: utensílio, máquina, casae, se quiser, cidade” (Argan, 2000, 100).

Na entrevista concedida ao jornal “Correio da Tarde”,comentando “a respeito desse importante problema: A HabitaçãoProletária”, Silva Telles considerou que a solução seria a criação denúcleos de habitação coletiva. Essa idéia de habitação operária secontrapunha à de muitos outros engenheiros e arquitetos, queeram fascinados pela habitação unifamiliar com jardim e quintalparticulares e isolada, a qual, também, podia ser construída emsérie. Essa modalidade de habitação foi eleita, por muitosespecialistas no século XX, como modelo ideal de moradia para“abrigar uma vida familiar, regrada e feliz” (Correia, 2004, 113).Outro fato que impedia o emprego do standard da habitaçãocoletiva foi a associação da moradia coletiva a espaços insalubres epromíscuos, como os cortiços, casas de cômodos ou de pensão etc.

No estudo para uma vila operária de 1925, Silva Telles jáanunciava alguns dos argumentos que publicaria na entrevista de

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O Projeto “Ford” da vilaoperária para o Cotonifício deRodolfo Crespi, realizado em1925, por Silva Telles, pode terbuscado referências no projetodas ‘Maisons Dom-ino’, de LeCorbusier, de 1915, pelo uso damesma solução das áreascoletivas e da tipologiahabitacional (BOESIGER, W &STONOROV, Zurich,1948).

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Perspectiva do Projeto “Ford”que concorreu ao concurso deuma nova vila operária para oCotonifício de Rodolfo Crespi,realizado em 1925. Silva Tellesrealizou este projeto quandoainda era estudante na ENBA.Notemos a tentativa de fugir daforma convencional dealinhamento do edifício com arua, procurando criar áreascoletivas e verdes (Correio daTarde, 31 jan. 1982).

Vários croquis desenhados por LeCorbusier no momento de suavinda para a América do Sul, em1929. Trata-se de uma campanhacontra as “ruas-corredores” epelos “redents”. Solução deconfiguração urbana adotada porSilva Telles em seu projeto de1925 (Le Corbusier, 2004).

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Perspectiva do projeto de umPavilhão “Xafariz” para uso pelapopulação dos morros do Rio deJaneiro - Tipo “B”,encomendado pelo Partido deRepresentação Popular, de 1934(Álbum de projetos de Jayme T.da Silva Telles).

Ante-Projeto para o Instituto deAposentadoria e Pensões dosComerciários para a Gávea,realizado na década de 1940(Álbum de projetos de Jayme T.da Silva Telles).

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Anúncio na Primeira Página daExposição Ford, que aconteceuem maio de 1931 (O Estado deSão Paulo, 1931).

Reportagem intitulada “Afamília Ford” sobre a exposiçãoe a evolução da compra doautomóvel Ford em São Paulo (OEstado de São Paulo, 31 mai.1931).

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1931. O primeiro, que era a “necessidade de estabelecer o princípioda série standard, para o prego e para o ferrolho das janelas, assimcomo para a unidade-habitação, passando pelas esquadrias e demaiselementos construtivos da casa” (Silva Telles, 31 jan. 1931), estavarelacionado com o próprio nome dado ao projeto: “Ford”.

O emprego dessa denominação pode ter duas interpretaçõesque se completam. Uma, a mais plausível, seria a associação donome de uma marca de automóvel muito conhecida na época38 -a montadora Ford – e dos automóveis produzidos em série, comcasas construídas em série. A padronização era associada àpopularização do uso: “Deixa-se de lado a preoccupação deoriginalidade e o luxo de possuir um carro pouco accessível a todas asbolsas” (A Construcção em São Paulo, jan. 1924). Outra seria ouso do nome para explicitar o processo construtivo e a intenção: aconstrução em série e em larga escala para abranger o maior númerode unidades e, assim, solucionar o problema da carência dehabitação operária.

Outra referência possível de Silva Telles para este estudo foi aedição nº. 13 de L’Esprit Nouveau, com o artigo de Le Corbusier,Maisons em Série, cujas soluções e propostas já haviam surgido nasMaisons Dom-inó, de 1924 e em La Maison Standardisée, de 1923,e desenvolvidas posteriormente no conjunto de Pessac (1925).Percebe-se, no único desenho que ainda existe de Silva Telles paraa vila operária, o uso de procedimentos projetuais parecidos comos do artista franco-suíço. Em ‘Por uma Arquitetura’, Le Corbusierafirmou:

“Os loteamentos urbanos e suburbanos serão vastos e ortogonais enão mais desesperadamente disformes; permitirão o emprego doelemento em série e a industrialização da construção. Cessaremostalvez enfim de construir ‘sob medida’. (...). A casa não será maisuma entidade arcaica, pesadamente enraizada no solo pelas profundasfundações, construídas em ‘duro’ e à devoção da qual se instauroudesde muito tempo o culto da família, da raça etc.” (Le Corbusier,2002, 166).

Apesar de o memorial elaborado por Silva Telles não conternenhuma especificação de técnica construtiva usada, percebe-se,pelas palavras publicadas em entrevista e pelo desenho, a repetiçãodas mesmas soluções construtivas, isto é, a uniformidade doselementos de todas as habitações da vila operária. No memorialafirmou que essas habitações seriam compostas por seis tipologias,resolvendo o problema provocado pela configuração en redent dogrande edifício, sendo um tipo comum (tipo I no projeto):

“uma entrada, uma sala ou quarto, uma cozinha ampla que podeacumular as funções de sala, um banheiro e W.C, um pequenogabinete para guardados e um terraço, no pavimento térreo, dois

38 No ano de 1931, mesmo ano derealização do Congresso deHabitação, ocorreu a “GrandeExposição Ford”, com aapresentação de todos os modelos decarros e caminhões montados pelaFord. No “O Estado de São Paulo”,do dia 28 de maio, publicou-se:“De caráter instrutivo e educativoessa exposição marcará época nosannaes da história doautomobilismo e do transporte, jápela grande variedade de modelosde carros de passeio e de carga (...)valiosa contribuição para odesenvolvimento máximo dotransporte efficiente e econômico doBrasil”. Neste momento, osautomóveis – produzidos em série– já eram aceitos pela sociedade.

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quartos e um terraço no segundo pavimento” (Silva Telles, 1925,4).

O texto do memorial explicativo do Projeto “Ford” partiuda idéia de inovação. Assim, considerou que o problema tem deser resolvido de forma original, ‘fora dos moldes comuns e rotineirosdas atuais vilas operárias em nosso país. Inspirados nos mais modernospreceitos de higiene e de urbanismo’ (Silva Telles, 1925). Trêscondições foram colocadas: a primeira, era a necessidade deterrenos abertos, de uso coletivo e arborizados, os quais os operáriose sua família pudessem usar livremente. Em contraposição às ruas-corredores, propunha-se o desenho de ruas com edificações enredent, intercalando espaços abertos e edifícios, como condiçãode embelezamento do bairro. Uma terceira e última condição eraa estética. Postulava-se que “as casas operárias não sejam enfeitadas,mas tenham linhas sóbrias e continuadas, para obter efeitosarquitetônicos agradáveis” (Souza, 1982, 60). Em síntese, o projetopropunha casas geminadas dispostas de modo a terem jardins eespaço para o lazer, coerentes com os princípios corbusianos lançadosno início dos anos 1920.

Em artigo publicado antes do I Congresso de Habitação,cada um desses fatores seria retomado, seja como uma revisão destesprincípios, seja como seu amadurecimento. A intercalação deespaços verdes e abertos39 com as edificações, no projeto de SilvaTelles, inovou o desenho da cidade. Eram espaços importantesquando se pensa na utilização do tempo do trabalhador com olazer e na organização dos proletários através do coletivo:

“a construção das habitações em conjunto; contando cada habitaçãoapenas como parte de um todo – organização da vida coletiva:lavanderias coletivas para o uso de todos, supressão dos terreninhosparticulares para cada casa (sujeira, ineficiência e desperdício) embenefício das grandes áreas ajardinadas para gozo de todos (higiene,eficiência, beleza, economia)” (Silva Telles, 31 jan. 1931 apud:Souza, 1982, 72).

Outro fator importante deste projeto foi a despreocupaçãocom a estética da habitação popular:

“ abandono da preocupação de fazer ‘bonitinho’, enfeitando casinhas,fatalmente pobres, para se chegar aos resultados miseráveis que todosnós conhecemos; procurando-se, pelo contrário, juntando grandequantidade de unidade-habitação em um mesmo bloco ou sistema,fazer verdadeira arquitetura com grandes efeitos de massa” (SilvaTelles, 31 jan. 1931 apud: Souza, 1982, 72).

“Donde resultará que o operário, ao invés de ter vergonha de entrarem sua casinhola mesquinha e inconfortável, apesar da guirlandapor cima da janela, sentir-se-á enaltecido na sua qualidade dehomem, pelo fato de entrar num grande edifício, de aspecto nobre

39 Mais tarde essa idéia dasubstituição do quintal pelo parqueseria retomada como umavantagem do prédio de moradiacoletiva para o trabalhador peloarquiteto e urbanista AttílioCorrêa Lima, no projeto para acidade da F.N.M. Para justificaro emprego do parque, é apontadaa substituição do ócio, representadopelo pijama e pelo chinelo, pelolazer moderno e suas formas desociabilidade, representada pelacamisa esporte: “... é muito maisvantajoso o parque coletivo degrandes proporções, com finalidaderecreativa e educativa, bem juntoda habitação, do que o loteindividual onde o morador nãopode, pelo seu padrão de vida, master um certo nível criando opitoresco desejável. Muito pelocontrário, recai sempre apropriedade no velho sistema doquintal, depósito de velharias, comaspecto árido e sórdido dosterreiros” (ver: CORREIA, Telmade Barros (2004). “A habitação demassa coletiva e o núcleo fabril: oparecer para “cidade operária” daF.N.M. de Attílio Corrêa Lima”.In: Vilas Operárias e NúcleosFabris e de Mineração no Brasil:a construção e o desmonte (tese deLivre-docência). São Carlos:EESC-USP.

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pelas suas dimensões e proporções, além de localizado no meio dejardins onde seus filhos brincam livremente, ao abrigo dos perigosda rua” (Silva Telles, 31 jan. 1931).

Em seguida, foi recuperada a idéia de tarefa, do arquiteto,de se dedicar ao problema da ‘habitação proletária’ como um dosmais sérios a ser enfrentado na adaptação às condições da cidadeindustrial:

“E nós, arquitetos, devemos ter bem em mente que, se não soubermosaproveitar esta ocasião para nos impormos como homens do século,dando cabal desempenho à nossa missão, seremos irremediavelmenterelegados à categoria de objetos de luxo” (Silva Telles, 31 jan. 1931apud: Souza, 1982, 72).

Estar de acordo com a época, sem preconceitos e usando deraciocínio para resolver os problemas em questão, foram as açõesdefendidas por Silva Telles, que considerava inútil a dialéticatendenciosa dos academicistas. A habitação do proletário era umnovo problema social e econômico mas, principalmente, cultural,que precisava de novas soluções, segundo as novas técnicas enecessidades:

“por isso, tendo em nós que enfrentar hoje os problemas nascidos daintensa vida mecânica de nossos dias, e dispondo também, pararesolvê-los, de recursos que os mestres antigos sequer podiam prever,fiéis em tudo ao propósito de adaptar os meios aos fins, mantemos,contra a presunção dos academistas, a pretensão justa de que quemfaz Arte somos nós, e não eles” (Silva Telles, ago.1930 apud: Souza,1982, 68).

Em maio de 1931 foi realizado o I Congresso de Habitação,oportunidade aproveitada por Silva Telles para recolocar seudiscurso do standard, abordando, novamente, questões de ética daatividade profissional do arquiteto e retomando o repertórioconceitual que, alguns anos antes, havia sido exibido na soluçãoapresentada para a Vila Operária do Cotonifício Rodolfo Crespi. ParaSilva Telles, como para os outros arquitetos ligados ao MovimentoModerno, a questão da habitação popular extrapolava o problemada edificação ao incluir diversos temas, isto é, da escala do edifíciopassava-se a se discutir na escala da cidade, com todos os seusproblemas e complexidades.

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1.2.3. O “Standard mínimo” de habitação popular:

o Congresso de Habitação de 1931 e os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna

“Podemos dizer que, de 1900 a 1930, houve intensa modernização naárea urbana, no sentido da adoção de novos produtos na esfera doconsumo e de novas técnicas de produção industrial e na prestação deserviços. A introdução do bonde e da iluminação pública tendo comofonte de energia a eletricidade, na indústria, a progressiva substituiçãodo vapor pela eletricidade, como força motriz; o automóvel comonovo meio de transporte e também como símbolo de status; a bicicleta,o rádio, o cinema, o gramofone, a máquina de fotografar, ainda quetimidamente foram introduzidos no cotidiano da Cidade, ...” (Saes,2004, 238).

“A ‘moradia mínima’ ou casa de typo operário está a exigir umaattenção muito especial dos poderes públicos, attendendo-se a que emSão Paulo habitam a casinholas anti-higiênicas, sem ar, sem luz,sem conforto, numerosa população operária. E isso é tanto maisestranho quando se trata de um dos principaes centros industriaes dopaiz. Tal facto, entretanto, não quer dizer que, até hoje, não se tenhamrealizados, da iniciativa privada, bellos ensaios para a solução doproblema da casa operária. Mas, em sentido geral, e em relação aosurto crescente de progresso das nossas indústrias, esse aspecto nãomereceu ainda o esforço para uma solução racional e capaz de aliviaras condições da vida precária do nosso humilde trabalhador” (Anaisdo Congresso de Habitação, 1931, 347).

O economista Flávio Saes nos lembra, nesta sua epígrafe, asmudanças que as inovações tecnológicas foram realizando na cidadede São Paulo, alterando os hábitos de seus habitantes pelaintrodução de novos meios de transporte e de iluminação. Amáquina de fotografar ajudava a registrar os lugares que seriamrapidamente modificados pelas obras de embelezamento. Em todoesse ‘progresso’, a engenharia se colocava como tutora, pois eraatravés dos meios concebidos por ela, que a cidade ia crescendo:pontes, viadutos, arranha-céus, estradas de rodagem etc.

Pela fala do engenheiro Adhemar de Souza Queiroz, percebe-se o delineamento de uma crise de propostas habitacionais.Segundo Bonduki, a década de 1930 seria caracterizada peloesforço de viabilizar novas propostas de habitação, que fossemcompatíveis com o novo ciclo de expansão econômica, que seriaempreendido pelo novo governo que tomou posse depois daRevolução de outubro de 1930 (Bonduki, 1998, 77). A necessidadede adaptação dessas propostas à situação econômica foi ressaltada,nesta citação, onde se destacam a particularidade desse momentoe o papel dos engenheiros paulistanos:

“Em momento de reformas, como este que estamos atravessando, ébem oportuno que os técnicos falem um pouco e mostrem, sob o seuponto de vista especial, algumas das trilhas que devem ser aproveitadas

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ebatepelos dirigentes. Se as conclusões do Congresso não merecerem oapoio destes dirigentes, restar-nos-á o grande consolo da boavontade, desta boa vontade caracteristicamente construtiva”(Fonseca Telles, 1931, 19).

Como se nota, já estava delineada uma proposta de transferirpara o Estado e para os trabalhadores o encargo de mobilizar osrecursos e o esforço necessário para enfrentar o problema damoradia popular (Bonduki, 1998, 77). Estas são palavras doPresidente do Instituto de Engenharia de São Paulo, Francisco E.da Fonseca Telles, pronunciadas em 23 de maio de 1931, na ‘sessãopreparatória’ do I Congresso de Habitação.

A proposta inicial de estrutura desse Congresso foi divididaem duas etapas: na primeira, foram realizados as apresentações e ojulgamento das teses que estavam divididas em seis grupostemáticos:

“ I. Habitações Econômicas, Programas, Loteamento do terreno,Distritos; II. Habitações coletivas, Casas de apartamentos, Inquilinose proprietários; III. Racionalização dos materiais de construção,Processos de construção; Padronização; Condições de conforto; IV.Codificação, Códigos estaduais e municipais. Exames de resistênciae recepção de materiais; V. Financiamento das construções, Problemasde capital nas construções; VI. Livre: Assuntos não contempladosnas teses anteriores” (Regulamento, 1931, 15-16).

Na segunda etapa foram realizadas duas palestras: a dopresidente do Congresso, Alexandre Albuquerque e a do médico emecenas de arquitetura, José Marianno Filho. Em paralelo,realizou-se uma Exposição das principais firmas construtoras deSão Paulo, indústrias de materiais de construção e escritórios dearquitetura, organizada pelos engenheiros-arquitetos GomesCardim Filho40 e Álvaro da Costa Vidigal. Esta exposição tinha,como objetivo, o fomento à construção, o aumento no consumode materiais de construção e, sobretudo, “a propaganda daquelesque permitem a melhoria das condições de conforto sem aumentarexageradamente o custo das obras” (Albuquerque, 1931, 283).

A idéia de se realizar esse evento partiu de umencaminhamento do III Congresso Panamericano de Arquitetos41,de 1927, em Buenos Aires42, com o intuito de reunir toda a classede engenheiros brasileiros em torno de um tema comum que, nocaso, era a Engenharia. No entanto, como o tema era muitoabrangente e de difícil discussão, em um curto período de tempo,o Instituto de Engenharia desistiu. Entretanto, em 1930, a Divisãode Arquitetura do Instituto, cujo diretor era o engenheiro civil earquiteto Alexandre Albuquerque, teve a iniciativa de propor umencontro, a ser sediado na cidade de São Paulo com abrangêncianacional, sobre Habitação: “Pensou apenas em um Congresso deHabitação, em que fossem estudadas as questões relativas à construção,

40 Carlos Alberto Gomes CardimFilho era filho do pedagogo GomesCardim, que lecionava na EscolaNormal e um dos fundadores daAcademia de Belas Artes de SãoPaulo, em 1925. Gomes CardimFilho se formou engenheiroarquiteto nesse mesmo ano, naEscola Politécnica, indo trabalharna Prefeitura como engenheiro daSeção de Fiscalização de ObrasParticulares. Paralelamente formouum escritório com o engenheiro civil(Poli, 1923) José de MelloMalheiro, a Cardim & Malheiro,ou J. M. Malheiro &Cia.

41 Analisando os aspectos temáticosdesse Congresso, Atique chega aconclusão de que a questão doensino nas Escolas de Arquiteturafoi uma das pautas centrais,“deslocando o debate persistentesobre a questão da proteção aosprofissionais para a que incidiasobre ‘qual profissional se queria verformado’ na América” (Atique, jun.2005, s.p.d.).

42O Instituto de Engenharia estavarepresentado nesse encontro pelosengenheiros-arquitetos AlexandreAlbuquerque e Amador Cintra doPrado (Revista Politécnica, 1927/1928, 497).

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deixando-se para um segundo certamen a questão sobre o ponto devista artístico” (Fonseca Telles, 1931, 19).

Foram enfrentadas muitas dificuldades pela comissãoorganizadora43, devido à falta de apoio à idéia por parte de toda aclasse profissional, como mostrou o engenheiro Álvaro da CostaVidigal, em entrevista dada ao jornal “Folha da Manhã”: “Nasreuniões semanaes, poucos eram os que se apresentaram e muitos osque, julgando imprópria a occasião, se negavam, a dar o seu auxílio”(Anais do Congresso de Habitação, 1931, 343). Acrescentou aindaque o momento de adesão dos colegas da classe ocorreu dois diasantes da abertura oficial do Congresso. Exemplo disso, segundoVidigal, foi o fato de que, até a “sessão preparatória”, estavaminscritos 168 ‘congressistas’, passando para 227, no primeiro diado evento. No final, participaram do Congresso membros da EscolaPolitécnica, da Escola de Engenharia do Mackenzie College e doInstituto Paulista de Arquitetos44, além de personalidadesimportantes do cenário político, da classe dos engenheiros e dosarquitetos (Outtes, ago. -set. 1994 apud: Malta Campos, 2002,476).

Sobre a questão artística, de fato, esta não foi um dos temasprincipais tratados no Congresso de Habitação, sendo abordadasutilmente pelas teses. No ano anterior ao deste Congresso, ocorreuo IV Congresso Panamericano de Arquitetos45 no Rio de Janeiro,no qual, entre as sessões temáticas, havia uma intitulada:“Regionalismo ou Internacionalismo na Arquitetura Contemporânea– orientação espiritual da arquitetura na América”. Este assunto eravigente desde 1922, quando se realizou a Exposição do Centenárioda Independência no Rio de Janeiro, onde duas tendências daarquitetura apareceram, a eclética ‘cosmopolita’ e a tradicional46

‘nacionalista’ ou neocolonial (Malta Campos, 2002, 445). Entreas conclusões desse grupo, se destacou:

“e) Que não existe incompatibilidade entre o regionalismo e otradicionalismo com o espírito moderno, já que é possível obter umaexpressão plástica nacional dentro das norma práticas de comumorientação que os programas e os materiais impõem” (Arquitetura eUrbanismo, mar.-abr. 1940, 81)

Neste sentido, a palestra de Marianno Filho, no Congressode Habitação, abordou o tema da “Habitação Mesológica”, que erauma visão da “architectura doméstica”, segundo o quadro geográficoe social da nação. Marianno Filho pedia que o arquitetoconsiderasse mais os aspectos locais:

“Elles se preoccupam demasiadamente com a apresentação plásticada architectura (noção de estylo artístico), sacrificando as mais dasvezes as qualidades estructuraes e orgânicas do systema imposto pelas

43 Essa Comissão seria composta pelopróprio Alexandre Albuquerque eos engenheiros-arquitetos: AmadorCintra do Prado, Gomes CardimFilho e José Maria Da Silva Neves.Estes três últimos se formaramrespectivamente em 1921, 1925 e1922, na Escola Politécnica,portanto foram alunos deAlbuquerque.

44 Órgão criado em 1931, pormembros arquitetos que não seachavam representados peloInstituto de Engenharia,principalmente engenheiros-arquitetos formados peloMackenzie.

45 Para este Congresso, Atique notaque as ‘noções de nacionalismo quevigoravam em cada paísparticipante, sobretudo no paísanfitrião...” e “as repercussõespositivas e negativas acerca daarquitetura e do urbanismomodernos, bem como dametropolização das cidades daAmérica do Sul” foram os temasmais abordados (Atique, jun.2005, s.p.d.).

46 A arquitetura tradicional foiassim denominada pelo arquitetoRicardo Severo, em meados dadécada de 1910, quando realizouuma conferência com esse temademonstrando as “raízes” coloniaise portuguesas da “verdadeiraarquitetura nacional”.

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necessidades mesológicas da nação” (Anais do Congresso deHabitação, 1931, 346).

Na sessão intitulada “A solução econômica do problemahabitacional” 47, chegou-se a uma conclusão que vinha ao encontroda principal polêmica suscitada em torno da pertinência dosarranha-céus, considerados como uma solução formal e estéticapara as cidades americanas (Revista de Arquitectura, 1930, 496apud Atique, jun. 2005, s.p.d.). Neste grupo se recomendava oestudo de “edificações cooperativistas, ou seja, a divisão das casas porpisos e apartamento e (...) como uma das formas para resolver oproblema residencial urbano, para operários e empregados”(Arquitetura e Urbanismo, mar.-abr. 1940, 82). Estava explícita ainfluência da experiência profissional do presidente da sessão, oarquiteto argentino Raul G. Pasmann48, que foi um dosconferencistas do Congresso de Habitação.

Neste trabalho, foi relatada a experiência da Argentina naquestão da ‘casa barata’. Neste país, em 1915, foi promulgada umalei que criava a “Comisión Nacional de Casas Baratas’, cuja primeirainiciativa foi a construção de “três bairros de habitações – dois decasas individuais e um, de coletivas - tratando do programa, dademanda, do sistema construtivo e os custos” (Pasmann, 1931, 48).Depois dessa experiência, a Comissão concluiu que:

“La diversidad de ocupaciones de los solicitantes y las distintascondiciones sociales em que se desenvuelven, han demostrado quepara el futuro sera indispensable uma minuciosa ubicación de lasfamílias, al adjudicar las casas, hasta crear dentro del mismo bairro,la acción social que es de rigor fomentar” (Pasmann, 1931, 49).

Neste sentido, foi recomendado no IV CongressoPanamericano de Arquitetos que a legislação das habitaçõeseconômicas deveria ser “encarada sob o aspecto de Assistência Sociale não como beneficiencia, evitando-se a formação de grandescoletividades em espaços não apropriados” (Arquitetura e Urbanismo,mar.-abr. 1940, 82). Percebe-se que, para os participantes doPanamericano, a habitação econômica deveria ser norteada porleis que impedissem a especulação imobiliária, passando a ser tratadacomo uma questão de direito do cidadão, como eram, segundoHenrique Doria, as leis trabalhistas brasileiras:

“Além da lei de 8 horas, da proteção aos menores, da lei das férias edo acidente do trabalho, quase nada se tem feito para amparar emelhorar a sorte das classes obreiras, as quais constituem a maioriade população, estando nelas à reserva física da nacionalidade” (Doria,1931, 51).

Este autor denuncia o descaso do poder público brasileiropor diversos problemas de assistência social49, como a habitação

47 Segundo a Revista deArquitectura, uma publicaçãoargentina, esta sessão era compostada seguinte maneira: o seupresidente era o arquitetoargentino, que foi presidente da‘Comissão Nacional de CasasBaratas’, Raul G. Pasmann; o vice-presidente era um uruguaio e osecretário era o arquiteto brasileiroGouvêa Freire (Revista deArquitectura, 1930, 475 apud:Atique, jun. 2005, s.p.d).

48 Segundo nos relata Pasman, oconvite para sua participaçãopartiu do presidente do Congressode Habitação, o engenheiro civil earquiteto, Alexandre Albuquerque.

49 Em 1939, oito anos depois do ICongresso de Habitação, uma dasmais importantes assistentes sociaisdo Brasil, Maria Esolina Pinheiro,publicou o livro: “Serviço Social,infância e juventude desvalidas”,um dos primeiros manuaisnacionais sobre o tema, onde diz:“O Serviço social coopera pararesolvê-lo, de um lado com oengenheiro social que estabelece osplanos das cidades jardins, bairrosoperários, habitações populares e,de outro lado, pela propaganda doseguro social, de caixas deprevidência e desenvolvimento doespírito associativo-cooperativista,que visa a solução do problema sobseu aspecto econômico financeiro”(Pinheiro, 1939, 21-23 apud:Nascimento, 2004, 49).

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popular. Considera que outros aspectos deveriam estar incluídosna legislação reguladora da construção no Brasil:

“O problema da habitação da classe operária nos centros urbanos é,pois, assunto dos mais palpitantes, quer se encare sob o ponto devista técnico-econômica dos materiais e processos construtivos, querna sua finalidade de assistência social indispensável a qualquerdemocracia” (Doria, 1931, 52).

Outra conclusão da sessão “A solução econômica do problemahabitacional”, do Congresso Panamericano de 1930, foi a premissade que se estudassem nos regulamentos de construção “soluçõesmínimas tomando por base os materiais de construção próprios decada localidade, afim de obter as “casas mínimas” nas cidades, pequenospovoados e casas das zonas rurais” (Arquitetura e Urbanismo, mar.-abr. 1940, 82). Desse modo, vemos a repercussão do tema:“habitação mínima” do Congresso Internacional de ArquiteturaModerna de 1929, realizado na cidade de Frankfurt. SegundoWarchavchik afirmava, em 1928:

“O que se está fazendo agora, em arquitetura, é experiênciaconscienciosa e metódica. O ideal dos arquitetos modernos, bem comodos urbanistas e dos sociólogos, que não esquecem que estão vivendono século vinte, é conseguir a diretriz prática para orientar afabricação de casas em grande escala, a fim de proporcionar, comum mínimo de preço, um máximo de conforto, principalmente àsclasses menos abastadas. Tal diretriz não foi encontrada ainda; masas experiências provam e convencem de que ela não está muito longede ser uma realidade generosa em conseqüências úteis. (...). Asmunicipalidades de Viena e de Frankfurt, por este caminho, isto é,utilizando-se, com critério francamente modernista, dos materiaisque a indústria local já pode fornecer a preço relativamente baixo eem grande quantidade, estão procurando resolver o problema dahabitação, e, pelos resultados conhecidos, ninguém poderá dizer, emsã consciência, que suas tentativas fracassaram” (Warchavchik, 29ago. 1928 apud: Souza, 1982, 21).

Essa busca por uma habitação mínima era, em certo sentido,a busca por um Standard mínimo de habitação. Não era somenteuma questão de custo – pois, para isso, teria de ser estudada asituação econômica de cada país – mas, principalmente, umaquestão que encontrava bases na sociologia50 e na biologia:

“O reconhecimento do curso regular dos processos vitais, biológicos esociais do homem deve levar à especulação mais precisa da tarefa; sóentão é possível derivar daí a segunda parte do trabalho, um programaprático para a realização da habitação mínima” (Gropius, 1929,144).

50 A conferência do arquiteto alemãoWalter Gropius no II CIAM tinhacomo título: “As bases sociológicasda habitação mínima para apopulação das cidades industriais”.Nela era ressaltada a necessidade deconsiderar como elemento de projetode habitação popular as‘transformações na estrutura socialdos povos’ para definir a tipologia eo tamanho das unidades.

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“Sob o ponto de vista biológico o homem são requer abundânciade ar e luz, mas relativamente pouco espaço” (Maia, 1930, 318).

Segundo Colquhoun (1989), a teoria era usada por Gropiuscomo uma ferramenta, sendo o desenho o seu produto final. Apartir do reconhecimento das transformações sociais se chegariaao desenho do standard mínimo de habitação (Gropius, 1929,151). Assim, um desses standards surgiria a partir da consideraçãodas transformações na estrutura da família, segundo Gropius,provocadas pelas condições do trabalho moderno que tendem asociabilizar as suas funções primitivas e a autonomia dos indivíduos.Logo, a família tradicional perde o seu significado econômico deprodução e consumo e seria subdividida em unidades menores. Ostandard aí seriam habitações menores e mais numerosas (Maia,1930, 318), ou seja, pequenos apartamentos.

Segundo Benévolo (1976), o estabelecimento dos “standards”seria uma tentativa de se evitar os desperdícios que, no caso dashabitações dos menos favorecidos, resultavam em injustiças(Benévolo, 1976, 508). Ou melhor, era a procura por uma casaeficiente.

O encontro entre a construção e a sociologia criaria uma novaespecialização para os engenheiros, a “Social Engineering”(Engenharia Social), a qual, segundo Henrique Doria, erainfluenciada por experiências norte-americanas.

Percebe-se que essa concepção de habitação dos CIAMs –apesar de suas especificidades - integra-se à definição de ‘habitatmoderno’ concebida no século XIX:

“É uma casa com uso eminentemente residencial, expressão daseparação entre tempo de repouso e de trabalho. É uma moradia comorganização presidida por preocupações relativas à higiene, àprivacidade, à busca de economia de tempo despendido em trabalhodoméstico e ao barateamento da construção – associado à produçãoem série de componentes da construção, a uma nova elaboração estéticae ao estudo de dimensões mínimas” (Correia, 2004, 67).

No entanto, as discussões realizadas nos CongressosInternacionais de Arquitetura Moderna contribuíram na redefiniçãodesse modelo de moradia, pois se procurou aliar as inovações técnicasà construção de casas e renovar a disposição espacial. Essaespecificidade do modelo CIAM pode ser reconhecida na defesadas habitações coletivas ao “desfazer os preconceitos que seaprofundaram no século XIX contra as moradias coletivas” 51 (Correia,2004, 71).

51 Como foi destacado por Bonduki(1998) e Flávia Nascimento(2004), os conjuntos habitacionaisde grandes proporções nas cidadesbrasileiras foram poucos, pois,mesmo entre os construídos comrecursos dos IAPs, a opçãogovernamental seria sobretudo pelahabitação isolada no lote, naperiferia dessas cidades, ou ainda,a casinha autoconstruída.

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No Brasil, durante o Congresso de Habitação, a idéia deuma moradia coletiva ainda era rejeitada entre a maioria doscongressistas. As razões se concentravam na desqualificação doapartamento pela falta de uma área não construída, de um quintalou varanda onde se pudesse ‘cultivar’ “plantas úteis ou de ornamentoe para a criação de aves” (Magro, 1931, 59).

A proposta de uma modalidade de habitação de casa comjardim – o ‘cottage’ inglês ou ‘bungalow’ americano52 -, foi defendidapor muitos dos palestrantes do Congresso de Habitação. Desde oséculo XIX, o jardim se tornou um elemento fundamental da vidaburguesa (Hall, 1991). A vida doméstica, cercada pelo jardim,assegurava a privacidade e proporcionava, na opinião de muitos,um quadro ideal para a vida em família. Segundo o engenheirocarioca Marcello Taylor Carneiro de Mendonça, longe dos vícios:

“Satisfeitos em seu lar, tendo que cuidar de seu jardim e da suapequena horta, o operário não precisa procurar esquecimento nabebida e no jogo. (...). A cidade jardim é uma obra essencialmentesocial, que favorece não somente as condições financeiras e econômicas,como também as morais” (Mendonça, 1931, 142).

De fato, esta era a modalidade demandada no concurso decasas econômicas proletárias de 1916, proposta na seção‘Construções Econômicas’ da revista “A Construcção em São Paulo”entre 1924 e 1926 e estava presente, de novo, em 1931.

No “Estudo de um Plano de Avenidas para São Paulo” de1930, o engenheiro arquiteto Francisco Prestes Maia julgava:

“São inúteis os projectos de bellas e espaçosas residenciais. Salvomanutenção duma situação artificial, cahirão em mãos exclusivasdos operários de alta categoria, funcionários e pequenos burguezes,sem vantagem para o verdadeiro proletário. Não approvamos porisso incondicionalmente a orientação ingleza, embora reconheçamosque ella elevará na mente do povo a concepção da casa residencial.O “cottage”, mesmo nos dias prósperos anteriores à guerra, não erauma proposição attrahente, nem era fácil de conseguir uma plantaeconômica” (Maia, 1930, 306).

Maia nos mostrou a posição de alguns desses engenheirosque não consideravam como coerente a habitação unifamiliar. Mas,a questão principal do I Congresso de Habitação não era a discussãoem torno da modalidade de habitação (Rago, 1985, 191-199;Decca, 1987, 66-70), mas como encontrar a “moradia mínima”,ou um “standard mínimo de habitação”, considerando todos osaspectos: econômicos, técnicos, construtivos, espaciais, sociológicose mesológicos. De fato, entre os temas abordados, quando sepensava a casa isolada em um bairro desenhado segundo osprincípios de cidade-jardim, estava se imaginando um ideal que,

52 Em um artigo publicado noperiódico carioca “A Casa”, erausada a expressão “bungalowette”,como sendo a ‘casa econômica porexcelência’, ‘a casa de dimensõesmínimas’ e ‘a preços acessíveis’.Neste texto era apresentado umprojeto de ‘bungalowette’ doarquiteto J. Cordeiro de Azevedo(A Casa, jan. 1925, 11). Asexpressões ‘bungalow’ e “pequenobungalow” seriam usadas paradenominar a casa isolada noterreno, e seria subentendida comotal nas propagandas de construtoras(A Construcção em São Paulo, n.17 e O Estado de São Paulo, maio1931)

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Proposta de “Pequeno Bunga-low” feita pela revista “AConstrucção em São Paulo”.

Proposta de “Bungalowette” darevista “A Casa”

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como todos sabiam, pelas condições urbanas de 1931, não erapossível e nem acessível ao trabalhador. Ao procurar solução para oproblema da promiscuidade, o engenheiro Bruno Simões Magronotou que: “Em principio, só há uma solução boa, qual seja a da casaisolada. Razões de ordem econômica exigem, porém, o agrupamento,tão compacto quanto maior o preço do terreno” (Magro, 1931, 59) eponderou que eram aceitáveis as casas agrupadas duas a duas.

Mostrou na apresentação de sua tese, intitulada “HabitaçõesEconômicas”, conhecer as propostas de “habitação para o mínimode existência” apresentadas no II CIAM realizado na cidade alemãde Frankfurt. Segundo Carlo Aymonino (1973), essa existênciamínima consistia não em questões de medidas ou de dimensões,mas naquelas ditas como “cívicas” ou indispensáveis para asobrevivência social. Esse mínimo era a relação espacial entre ummóvel e sua função ou entre a habitação e os ‘serviços comunitáriosfamiliares’, até se chegar à cidade:

“O processo articula-se assim por “acumulação”: várias camas formamuma habitação, várias habitações formam uma unidade tipológica(edifício); várias unidades tipológicas formam um assentamentourbano, e vários os assentamentos urbanos ‘são’ a cidade” (Aymonino,1973, 91).

Esse conceito de montagem tinha a produção em série, dahabitação e de seus componentes construtivos e mobiliários, comouma premissa.

Magro defendia a habitação econômica como sendo aquelaque reúne os aspectos técnicos e sanitários e viabilidade econômica.Dessa forma, Magro defendia que o estudo de standard mínimoera uma questão de acessibilidade, isto é, construir casas que comaluguéis suportáveis sejam feitas de modo – a corresponder àsnecessidades de corpo e espírito do morador” (Magro,1931, 64).

Uma outra forma de diminuir os custos seria pela supressãodo ornamento. O médico Américo Pereira da Silva considerava oornamento “secundário”, citando a conferência do arquiteto VictorBourgeois apresentada no CIAM de Frankfurt, na qual defendiaque “a situação econômica e as necessidades do homem moderno exigemde todas as coisas um máximo de utilidade e um mínimo de despesa”(Silva, 1931, 150).

Outras propostas do CIAM de Frankfurt seriam citadas noCongresso de Habitação de 1931. Alexandre Albuquerque, emsua tese intitulada “Códigos Municipaes de Obras” 53, ao discutir aabrangência dos Códigos de Obras, criticava a persistência de regras,como a questão do pé-direito, onde era considerado sobretudo anoção de cubagem. Para tal, cita Le Corbusier e a sua concepçãode uma “justa escala humana” (Correia, 2004, 69), com ressalvas,

53 Texto publicado na RevistaPolitécnica, n.100, ago. -set. 1930com o título: “Congresso deHabitação”.

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sem pretender chegar ao “limite de considerar a casa como ‘máquinade habitar’”. No entanto, considerava que “somos forçados a tomar aaltura do homem54 como ponto de partida para a fixação do pé-direito”(Albuquerque, 1931, 285). Assim, propunha, que “os pés-direitosde 2,20m, com ventilação permanente, já obrigatório, podem serpermitidos. Tratando-se de ‘mínimo’, ficará ao critério dos proprietáriose dos arquitetos adotar alturas mais elevadas” (Albuquerque, 1931,284).

Segundo essa relação, Albuquerque também propunha asáreas mínimas dos cômodos, que deveriam ser consideradassegundo o tipo de habitação projetado:

“tratando-se de habitações de certo conforto, naqueles em que osproprietários não fazem questão de ‘quireras’ de 10 ou 20 contos deréis, não há necessidade de fixar o mínimo da superfície dos aposentos.Importância deste mínimo aparece nas casas de caráter popular, emque verbas de cem mil reis precisam ser economizadas” (Albuquerque,1931, 285).

Albuquerque considerava que “a área dos aposentos deve aindaser encarada sob aspecto social” (Albuquerque, 1931, 285),principalmente em se tratando de uma casa do tipo popular. Erauma questão social porque a diminuição em excesso da área doscômodos poderia provocar a aglomeração de pessoas num únicoambiente. E propunha, no Congresso de Habitação, a discussãode: “questões que visam ‘diminuir’ o custo das construções, sem prejuízode salubridade e, então, devemos ter optimo Código de Construcções”(Albuquerque, 1931, 286).

Um outro tipo de standard mínimo foi proposto peloengenheiro arquiteto Amador Cintra do Prado55. Sua idéia partiada adaptação de alguns dos dispositivos da construção rural paraas “casas proletárias urbanas”. Para tal, contrapôs os custos de umacasa operária construída conforme regras dos códigos vigentes editos como “rigorosos”, às casas rurais ou ‘casas de colonos’, que vivemcom “saúde”, para demonstrar que nesta era possível encontrartodos os requisitos de higiene e salubridade (Prado, 1931, 81).Analisando cada um dos elementos - escavação, alvenaria, soalhoe porão, ladrilhos, forro, passeio, cimentado, piso atijolado,revestimento, rejuntamento, esquadrias, pintura e encanamentos– sob a ótica desses dois tipos de casa, chega à conclusão de queera possível a adaptação do padrão construtivo da casa rural:

“dar ao operário uma casa pequena e cômoda, com salubridade aoalcance de suas posses. Deixemos aos mais favorecidos da sorte que seaproximem dos detalhes da perfeição. Na casa rural que foi descritahaverá condições muito boas a baixo preço” (Prado, 1931, 86).

54 Essa idéia do homem comomedida também foi defendida porErnst May, no CIAM Frankfurt.

55 Formado em 1921 na EscolaPolitécnica de São Paulo (Ficher,2005, 205).

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Partindo da análise dos aspectos técnico-construtivos, oengenheiro arquiteto Dacio de Moraes falou, no Boletim doInstituto de Engenharia que anunciava o Congresso de Habitação,sobre a casa econômica. Reviu as experiências habitacionaiseuropéias, principalmente da social-democracia alemã e dosocialismo vienense, que aconteceram no primeiro pós-guerra.Moraes enfatizou como essas realizações são conseqüências docontexto histórico, que assistiu a crise da “habitação de pouco preçoe hygiênica”, obrigando os engenheiros e arquitetos a estudarem oproblema no sentido de “... bem atender, economicamente, o enormevulto das suas necessidades e realizações no gênero” (Moraes, abr.1931, 115-116).

No entanto, Moraes julgava que esse tipo de solução nãopoderia ser aplicado no Brasil, um país em que a indústria dosmateriais de construção e as condições de transporte eram muitoincipientes, provocando o encarecimento desses materiais deprodução nacional, a ponto de chegarem a se equiparar ao preçodos importados. Um exemplo da escala desse problema era o casodo tijolo. Em algumas das teses apresentadas no I Congressos deHabitação, era requerida a possibilidade legal de se construir aparede com meio tijolo, diferente do permitido pelo CódigoArthur Sabóia, que exigia o mínimo de um tijolo. Mas em umadessas teses era assinalado que o tijolo usado nas construções emSão Paulo não possuía dimensões uniformes – nem mesmo entreaqueles produzidos por uma mesma olaria -, provocandodesperdício no canteiro de construção.

Por fim, sendo indagado pelo jornalista da Folha sobre osfins do Congresso, o engenheiro Álvaro Vidigal disse que erapreciso:

“promover, por meio de theses e suas conclusões, a mais ampla discussãodas nossas leis sobre a construcção, nossos processos construtivos, omaior conforto pelo menor custo, enfim, o estudo de todos os problemasque dizem respeito à habitação, considerados o fornecedor, oengenheiro, o architecto, o inquilino, o proprietário e a colletividade.Há ainda a cordialidade de classe, como finalidade principal.Respeitadas as opiniões divergentes, o critério individual e a ethicaprofissional, é preciso congregar todos os elementos para o estudo dosproblemas da classe, para a maior efficiencia de sua missão perantea collectividade” (Anais do Congresso de Habitação, 1931, 344).

Para concretizar tal proposta de um “standard mínimo dehabitação” e abranger toda a complexidade do problema, deveriamconcorrer, para sua solução, além de engenheiros, de arquitetos ede industriais da construção, outras profissões, como sociólogos,médicos e juristas, que deveriam compor um “Conselho Permanentede Habitação Popular”.

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Simultaneamente a este debate, iniciativas concretas deconstrução de casas populares segundo novos modelos, iam sendoimplementadas por iniciativas públicas e privadas, como será vistono capítulo a seguir.