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    Os judeus na sociedade portuguesa do sc. XV

    A stima personagem a entrar em cena um Judeu que carrega um bode scostas.

    Para perceberes melhor esta cena, tens que conhecer um pouco a religio judaica

    e o estatuto dos judeus na poca de Gil Vicente.

    O judasmo uma religio monotesta e de razes histricas profundas que sebaseia num livro de leis chamado Tor. A Tor consiste nos cinco livros de Moiss,cinco livros do Antigo Testamento denominado Pentateuco e algumas tradies quelhe foram acrescentadas ao longo dos sculos. Um dos traos mais caractersticos do

    judasmo consiste na grande variedade de ritos e cerimonias. Um dos mais importantes o Sabbath. A Tor diz alegoricamente que Deus criou o mundo em seis dias edescansou no stimo. Este dia de descanso semanal, o Sbado, respeitado por todos os

    judeus.

    Os judeus em Portugal

    A sociedade do sc. XV discriminava as pessoas em funo da religio.A maioria crist receava e inferiorizava as minorias como os Judeus e os

    Mouros, que eram vulgarmente considerados inferiores relativamente ao cristianismo.Ambas as comunidades, judaica e mourisca, foram relegadas para bairros prprios

    judiarias e mourarias.No entanto, a rivalidade existiu sobretudo em relao ao povo judeu devido

    sua superioridade econmica e intelectual. A riqueza dos judeus era cobiada peloscristos.Hoje, felizmente, a presena dos Judeus em Portugal encarada com toda a

    normalidade.

    A abertura poltica e os judeus em Portugal, hoje

    Com a Revoluo de Abril de 1974 iniciam-se mudanas profundas nasociedade portuguesa e na relao desta com os seus judeus.

    A abertura poltica e a instaurao da democracia e da liberdade em Portugal, vaipermitir um outro olhar sobre a histria e a identidade nacional.

    viso nacionalista estreita, sucede a conscincia da importncia dasheranas rabe e judaica. Abrem-se os arquivos, surge luz do dia a riqueza docontributo judaico, desde os primrdios da nacionalidade at ao decreto de expulso, nosc. XV, mas tambm, os horrores das converses foradas, a longa noite da Inquisio,as discriminaes dos cristos novos.

    Portugal descobre-se e ao descobrir-se encontra-se com os seus judeus. Opedido de perdo simblico de Mrio Soares, ento Presidente da Repblica, em 1989,pelas perseguies que os judeus sofreram em Portugal e a Sesso Evocativa dos 500

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    anos de Decreto de Expulso dos Judeus em Portugal, em Dezembro de 1996, noparlamento portugus, na qual foi votada, por unanimidade, a revogao simblica doDecreto, marcam, de facto, um virar de pgina no relacionamento mtuo.

    Cresce muitssimo o interesse, no s dos estudiosos, mas de vastos sectores da

    populao sobre as questes judaicas, paralelamente a um processo de identificaohistrica, por parte de grupos significativos da populao. Basta dizer que, no ltimocenso, cerca de seis mil pessoas se declararam judias, provavelmente por serem, ou seconsiderarem, descendentes de cristos-novos.

    Este interesse reflecte-se na Comunidade, atravs de solicitaes crescentes quevo desde os inmeros pedidos de visitas de escolas Sinagoga, at organizao decursos, palestras e seminrios sobre judasmo o que, de certo modo, veio abalar atranquilidade da Comunidade obrigando-a a abrir-se e a dar respostas para as quais nemsempre estava preparada. Mas hoje em dia j no possvel viver fechado sobre simesmo. A comunidade judaica, como qualquer outra minoria, integra-se num corpo

    social, relativamente ao qual tem direitos e deveres, no apenas individualmente, mascomo colectivo. este, alis, o sentido da nova Lei de Liberdade Religiosa, ao regular opleno exerccio da prtica religiosa, no apenas dos cidados, mas das colectividadesreligiosas.

    Esther Mucznik, Os judeus em Portugal: presena e memria

    O Judeu (Semah Far?)

    Gil Vicente giza o tipo do Judeu, exagerando sobretudo dois traos: o apego religio, simbolizado no bode expiatrio que ele no queria largar, e o seu proverbialamor ao dinheiro, expresso nas moedas com que tenta subornar o Diabo (com oobjectivo de comprar a passagem para ele e para o bode). O transporte do bode redundaem cena cmica quando o Diabo se recusa a conduzi-lo na barca e, mais tarde, resolvelevar ambos a reboque. O facto de o Diabo no ter permitido a entrada do Judeu na suabarca muito significativo: marginaliza de tal modo o Judeu que o coloca num planoinferior ao dos restantes condenados ao Inferno. O prprio Enforcado tem licena paraembarcar. Nesta cena, o Parvo troca o papel de comentador pelo de acusador e culpa oJudeu de profanar sepulturas crists e de comer carne em dia de jejum. Este tambmacusado pelo Parvo de ter roubado o smbolo da sua religioo bode.

    Gil Vicente procura demonstrar, nesta cena, que o apego do Judeu sua religioera to forte que, nem mesmo depois de morto e com a verdade vista, abandonava assuas ideias.

    de salientar que cada um dos pecadores depois de ter falado com o Diabo,dirige-se para a barca do Anjo, mas repelido e inexoravelmente obrigado a entrar nado Diaboh, no entanto, uma variante significativa para o Judeu que, sendo excludoda sociedade regular e, portanto, at da sociedade dos condenados, ser levado areboque da Barca do Inferno. Como fantico pela sua religio o judasmo nemsequer se dirige Barca da Glria.

    O Diabo recebe-o com desprezo, ao contrrio da satisfao com que recebeu osoutros passageiros, e no o quer deixar entrar na barca. No fim permite que o Judeu e o

    bode se desloquem a reboque da barca ireis toa.

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    Elementos cnicos

    Bode = apego sua religio

    O bode era usado pelos judeus na cerimnia do bode emissrio, quesimbolizava a remoo dos pecados de Israel. Durante a cerimnia, o sacerdotecolocava as mos sobre o bode (chamado de azazel ou emissrio) e, simbolicamente,

    transferia os pecados do povo para o bode. O animal era, depois, levado para o deserto,onde no houvesse habitao. Assim, os pecados levados pelo bode jamais seriamrelembrados.

    O bode significa, portanto, a salvao dos pecados, a purificao, o que explica oapego do Judeu ao bode, mesmo depois da morte.

    Curiosidade

    J ouviste falar na expresso bode expiatrio. Quando se diz, porexemplo, que o Sr. X foi o bode expiatrio de determinada situao, significaque o Sr. X foi a vtima, tal como o bode na cerimnia do bode emissrio.

    Anlise

    1. Associa os versos ao tipo de cmico que lhes est associado:

    a) Dia.E o bode h c de vir?Jud.Pois tambm o bode h-de ir.

    b) Jud.M correna que te acuda!Par el Deu, que te sacuda Cmico de situao

    coa beca nos focinhos!Fazes burla dos meirinhos?Dize, filho da cornuda! Cmico de linguagem

    c) Joa.Furtaste a chiba, cabro?Pareces-me vs a mim Cmico de carctergafanhoto dAlmeirimchacinado em um seiro.

    d) Dia.Vs, judeu, irs toa.que sois mui ruim pessoa.

    Levai o cabro na trela!

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    Com esta personagem, Gil Vicente d-nos a conhecer como eramvistos os Judeus na sua poca. De facto, eles eram vistos como indivduosfanticos pela religio e muito apegados ao dinheiro. O Judeu deste Auto nem

    depois de morto questiona a sua religio, nem sequer se aproxima da Barcada Glria e insiste em levar o bode, assim como em pagar a passagem. ODiabo no fica satisfeito com a presena do Judeu e decide transport-lo areboque da barca, o que reflecte a atitude xenfoba dos cristos da altura.

    Judasmo versus Cristianismo

    Judasmo e Cristianismo eram religies inconciliveis. O deus uno enico da primeira no admitia a pluralidade crist do mistrio da SantssimaTrindade. () O antagonismo era, portanto, absoluto e no havia lugar paratrguas. Contra todos os modos, dos escritos s pregaes se combateu areligio hebraica.

    () E ao fanatismo de frades e clrigos se associou tambm este ouaquele prelado e a pena lcida de alguns letrados. Fizeram-se contra os

    judeus muitas e gravssimas acusaes, legtimas algumas, mas as maisdelas fantsticas e infames:

    a) tinham assassinado Jesus e Deus espalhara-os pelo mundo,para castigo exemplar do seu execrando crime;

    b) crucificavam crianas crists em lembrana do assassnio elambiam-lhes o sangue;

    c) aoitavam imagens de Cristo e profanavam as hstiasconsagradas;

    d) tinham parentesco com o Diabo, e usavam de usura parahumilhar empobrecer os cristos; ()

    e) eram uma raa de traidores e aptridas, de idlatras esodomitas, impura, intocvel, cujo contacto punha em perigo apureza dos costumes e a integridade da F. Esta era umapequena parte do requisitrio.

    Assim se foi criando, ao longo de sculos, um tipo ideal de judeuintrinsecamente mau e fisicamente repugnante.

    Joel Serro, Dicionrio de Histria de Portugal

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    Curiosidade

    A viso que os portugueses cristos tinham sobre os judeus era de tal

    forma pssima que as palavras da famlia de judeu ainda hoje tm um sentidonegativo. Repara:

    Judeu1. indivduo natural da Judeia;2. aquele que segue o judasmo;3. pejorativo avarento;4. popular, pejorativo indivduo materialista;5. popular, pejorativo indivduo de m ndole; indivduo malvado.

    Judia1. mulher natural da Judeia;2. a que segue o judasmo;3. popular, pejorativo a que avarenta, malvada ou materialista.

    Judiar1. observar as leis e os costumes judaicos;2. discutir o custo, regatear;3. troar, zombar;4. fazer maldades; praticar diabruras.

    Judiaria1. fazer maldades; praticar diabruras;2. bairro dos judeus;3. troa; escrnio;4. maldade; diabrura; maus tratos.

    Judas1. boneco de palha que se costuma queimar publicamente no Sbado de

    Aleluia;2. figurado traidor; falso amigo.

    Arcasmos, Neologismos e Estrangeirismos

    1. A quem se refere o Judeu nos seguintes versos:a) Ao senhor meirinho apraz?

    Senhor meirinho, irei eu?

    Refere-se ao __________________.

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    Arcasmos so palavras antiquadas, que caram em desuso, porque ou surgiramnovas palavras que as substituram ou os objectos/conceitos que representavamdeixaram de existir.

    Neologismos so palavras inventadas na actualidade para designar novas

    realidades como, por exemplo, radar, computador, telemvel, euro.

    Estrangeirismos so palavras adoptadas de lnguas estrangeiras, como poster,snack, surf, pub, entre muitas outras.

    Sempre que possvel, visando salvaguardar a nossa lngua, devemos substituir osestrangeirismos por palavras correspondentes em portugus. Por exemplo, shoppingcorresponde a centro comercial, login a cdigo de acesso, entre muitssimos outrosestrangeirismos que devemos evitar.

    Meirinho era usado, antigamente, para designar um oficial de diligncias ouum magistrado que governava uma comarca ou um territrio. Hoje em dia,estes conceitos desapareceram e meirinho usado apenas como um adjectivorespeitante l e ao gado langero. s palavras que fazem parte de umalngua mas que j no se usam chamamos arcasmos.

    Exerccios

    1. Explica de que modo o Judeu tenta entrar na Barca do Diabo, assinalando asrespostas V (verdadeiras) ou F (falsas).

    a) oferece o bodeb) tenta comprar a sua passagemc) confessa os seus pecadosd) apela ao Fidalgo para o ajudare) tenta subornar o Anjo

    2. Faz corresponder as interjeies da coluna da esquerda s respectivas reacesexpressas na coluna da direita:

    a) Hou ()! encorajamento

    b) Oh! aborrecimento

    c) Sus, sus! Chamamento

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    3. Gil Vicente traa a caricatura do Judeu, exagerando sobretudo dois traos.

    a) o apego sua religio e o seu amor aos animais;b) o apego sua religio e o seu amor ao dinheiro;c) o apego aos bens materiais e o abuso de poder;

    d) a ganncia e o seu amor ao dinheiro.

    4. Indica a sentena atribuda ao Judeu.

    a) vai toa com o bode pela trela;b) entra na Barca do Inferno;c) entra na Barca da Gloria;d) entra na Barca de Inferno e o bode vai a reboque.

    5. Explica a evoluo fontica do vocbulo seguinte, preenchendo os espaos vazioscom as palavras da lista em baixo.

    a) filium > filiu (1) > filho (2)

    (1)________________ do (m);(2)______________________ do grupo (li)

    Prof. Maria Filomena Ruivo Ferreira