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    Publicado no Jornal Correio do Estado, Caderno A, p. 2, 18/01/2007

     Pensar Diferente para

     Fazer Diferente

    Mário César Ferreira(*) 

    o dia-a-dia das organiza-ções atuais perduram ve-lhos problemas. Basta ouviralguns depoimentos-desabafo dos

    trabalhadores para visualizar a ponta do iceberg detal problemática: “Aqui no meu trabalho vale amáxima manda quem pode, obedece quem tem

     juízo”; “Após várias tentativas de mudar o nossomodo errado de trabalhar... entreguei os pontos.Desisti, hoje faço o trivial”; “Onde trabalho, sóexiste uma verdade: a dos chefes. Mas, quando algodá errado, a verdade muda de endereço e recai nos

    subordinados”; “Já que nada muda por aqui, na primeira oportunidade caio fora”. Muitos dirigentese gestores até conseguem identificar os problemasexistentes, mas não vêem saídas. Não sabem comoenfrentá-los e acabam se acomodando com certezasdo tipo: “Apesar de tudo, estamos bem. Nossosnúmeros são positivos” ou “Em time que estáganhando não se mexe”.

    Remover tais problemas – sobretudo as crençasque os sustentam – e mudar de modo sustentáveltais contextos de trabalho requer teoria, método euma ética antropocêntrica do trabalho. Os caminhos

    são muitos e as ferramentas diversificadas. Noinusitado cenário de competitividade globalizada ede afirmação da cidadania no setor público, odesejo verdadeiro de mudança pode se tornar estérilse uma premissa não for devidamentecompreendida e aplicada no cotidiano de trabalho:mudar o fazer requer mudar o pensar. Nestaótica, é crucial revisitar os valores, crenças, ritos emitos que habitam a cultura organizacional deinstituições públicas e privadas para romper comcertas verdades cristaliza-das e certezassupostamente imutáveis. Caso contrário, os

     problemas permanecerão, os trabalhadorescontinuarão a ser a variável de ajuste dos males daorganização e a rotatividade, por exemplo, umefeito inexorável.

    A premissa  “mudar o fazer requer mudar o pensar” é uma idéia-bússola que orienta a perspectiva ergonômica de transformaçãosustentável dos modelos de gestão organizacionaldos ambientes de trabalho. A aplicação de tal premissa deve se apoiar em, pelo menos, duasdiretrizes fundamentais.

    (*) Professor do Instituto de Psicologia (UnB), Doutor emErgonomia (EPHE, Paris). E-mail [email protected].

    Primeiro, o planejamento do “novo fazer”deve se apoiar em um diagnóstico rigoroso(científico) da realidade organizacional. Éfundamental conhecer a face qualitativa equantitativa dos indicadores críticos existentes,identificando suas origens, suas causas e

    conseqüências. Três perguntas costumam serúteis: Por que isto é assim? Poderia ser diferente?E se tal mudança fosse feita? É imperiosocombinar a métrica de desempenho com a métricado bem-estar de quem trabalha, posto que amétrica da satisfação do cliente/usuário dependedas duas anteriores. Inúmeros estudos e pesquisasmostram que mudança sem conhecimentocientífico da realidade organizacional costuma tervida curta. Segundo: o diagnóstico, planejamento,avaliação e replanejamento sem a participaçãoefetiva dos principais atores (gestores,trabalhadores, clientes/usuários) é uma espécie demega-sena acumulada: chances reduzidíssimas deacerto. Neste caso, é vital convocar a inteligênciacriadora do trabalhador, reconhecendo-a,legitimando-a e recompensando-a no processo demudanças. Neste caso, mudar o pensar significa,dentre outras medidas, tratar o trabalhador: nãocomo “mão-de-obra”, mas como “arquiteto-de-obra”; não como “recurso humano”, mas como“ser humano”, portador de capacidades infinitas.

    Tal premissa pode ser uma ferramenta valiosa

     para transformar o mundo do trabalho no Brasil.Um singelo indicador sobre o “custo Brasil”mostra a dramaticidade no campo das doenças notrabalho: as empresas estão gastando cerca de R$12,5 bilhões por ano apenas com os acidentes detrabalho e doenças profissionais que poderiam serevitados. Para além do montante de R$ 2,5 bilhões que as empresas pagam à Previdência,estima-se em mais R$ 10 bilhões em tempo perdido, primeiros socorros, destruição deequipamentos e materiais, interrupção da produção, substituição de trabalhadores,

    treinamento, horas extras, recuperação deempregados, salários pagos a trabalhadoresafastados, despesas administrativas. Um cenárioem que todos perdem – os trabalhadores,dirigentes, consumidores finais – na medida emque isto também impacta no preço final de produtos e serviços. Mudar esta realidade requer pensar diferente para fazer diferente.

     N