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II Evento de Método e Metodologia em Materialismo Histórico Dialético e Psicologia Histórico-Cultural Universidade Estadual de Maringá - 21 a 23 de Novembro de 2013
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AS PROPOSIÇÕES DE VIGOTSKI PARA TRANSFORMAR O
MÉTODO DE MARX NO “CAPITAL” QUE FALTA À
PSICOLOGIA
Elenita de Ricio Tanamachi – UNESP
Flávia da Silva Ferreira Asbahr – UNESP
Maria Eliza Mattosinho Bernardes – USP
Este texto apresenta algumas sínteses das discussões realizadas pelo grupo de
estudo do LIEPPE (Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Escolar), sediado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. No grupo,
estudamos, desde 2003, a obra de Vigotski a partir do referencial teórico do próprio
autor, ou seja, a partir da compreensão do método materialista histórico dialético.
Ressalta-se que as discussões aqui brevemente realizadas foram debatidas com
mais profundidade em Tanamachi, Asbahr e Bernardes (2013, no prelo). A síntese
teórica ora apresentada parte de dois pressupostos fundamentais que direcionam nossa
análise.
O primeiro propõe que a Psicologia Histórico-Cultural é uma resposta da
psicologia enquanto mediação para que se possam compreender as possibilidades de
superação da constituição alienada dos indivíduos naqueles aspectos/temas a ela
pertinentes. Tal pressuposto situa a ciência psicológica no contexto de todas as
dimensões do conhecimento – ontológica (condições históricas e universais de
constituição da atividade humana), gnosiológica e epistemológica (teorias que explicam,
respectivamente, a origem do conhecimento em geral e do conhecimento científico) e
lógica (como se desenvolve o pensamento).
O segundo pressuposto defende que essa resposta da Psicologia Histórico-
Cultural só é possível devido ao referencial teórico metodológico de seus autores, ou
seja, o Materialismo Histórico Dialético.
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Os fundamentos para estes pressupostos encontram-se em Marx para quem o
socialismo “[...] não se baseia numa exigência moral subjetiva, mas em uma teoria da
história” (Bottomore, 2001, p. 141) e a sociedade de classes, organizada a partir da
valorização do capital, não é a meta final da história. Portanto, a moral subjetiva é
impotente (insuficiente) para garantir essa meta. Considera-se, assim, que o resultado da
evolução histórica do homem e da própria sociedade deve ser a emancipação da
humanidade.
Conforme o Dicionário do Pensamento Marxista (Bottomore, 2001), os
princípios da economia capitalista não garantem a emancipação do homem enquanto
meta máxima para a humanidade, uma vez que essa forma de organização social e
política produz “A ‘exploração do homem pelo homem’, a Reificação das relações
sociais entre seres humanos como relações entre ‘coisas’, [...] a destruição dos
pressupostos vivos de toda a produção [...]” (a natureza e a humanidade) (p. 142).
São estas condições impostas pelo capitalismo aos indivíduos que devem ser
superadas para fazer coincidir os interesses privados e gerais da humanidade e garantir
que as circunstancias constitutivas dos homens possam ser formadas humanamente.
A concepção de sociedade aqui proposta supera a concepção da sociedade
existente e isso põe a questão da relação entre os meios e os fins. Há meios que são
inadequados, por princípio, para a consecução de uma sociedade de indivíduos
emancipados.
Transposta para o contexto em exposição, essa análise implica admitirmos que
há concepções teóricas em psicologia que não são suficientes para responder às
necessidades de indivíduos emancipados, mas apenas à adaptação e ao ajustamento dos
indivíduos às circunstâncias atuais.
Isso nos leva a defender a tese que organiza e orienta o trabalho de nosso grupo
de estudos do LIEPPE.
A tese propõe que o método Materialista Histórico Dialético é o diferencial da
teoria Histórico-Cultural porque permite explicar a realidade e as possibilidades
concretamente existentes para a sua transformação, desde que a finalidade seja a
superação daquelas condições ou circunstancias particulares de objetivação/apropriação
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alienada no sentido da humanização, ou seja, no sentido da constituição da socialidade1
dos indivíduos.
Nessa tese defendemos que o compromisso com a emancipação humana,
mediada pela Psicologia Histórico-Cultural, expressa-se por meio do método
Materialista Histórico Dialético, porque estes veiculam uma visão de homem, de
sociedade e uma concepção ética gestadas no marco de uma nova sociedade que busca
analisar, explicar e transformar a realidade atual. Implica a construção de uma ordem
social que assegure a todos os homens um presente e um futuro dignos, exige
compromisso pessoal e com a construção de um conhecimento científico capaz de
permitir que o homem objetive-se de forma social e consciente.
Essa é a referência teórico-metodológica dos autores clássicos da Psicologia
Histórico-Cultural (Luria, Leontiev e Vigotski) por inúmeras razões considerada como
inadequada, ultrapassada e até mesmo ideológica, enfim, não compreendida na
atualidade.
Uma vez expostos os fundamentos organizadores da tese, são explicitadas as
categorias do método Materialista Histórico Dialético que têm implicações imediatas
para a Psicologia Histórico-Cultural, enfocando as proposições de Vigotski para
transformar o método de Marx no “Capital” que falta à psicologia. Finalmente, são
destacadas as consequências desse estudo para as nossas atividades teórico-práticas,
com destaque para a pesquisa.
A seguir são anunciadas as categorias do método Materialista Histórico
Dialético que garantem à Psicologia Histórico-Cultural o compromisso com a
emancipação dos indivíduos naqueles aspectos que lhe são específicos como ciência.
Ao reportar-se a obra de Marx, Betty Oliveira (2005) afirma que a referência
sobre o humano no homem não está na essência divina ou subjetiva, nem na essência
biológica ou no meio/na experiência (na relação indivíduo-sociedade), mas está no
trabalho como intercâmbio homem/natureza.
1 Por socialidade aqui estamos entendendo a constituição da condição universal nos indivíduos singulares, como marca do processo de humanização ou apropriação por indivíduos singulares daquilo que o gênero humano elaborou, tendo a relação indivíduo-sociedade como mediadora.
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O trabalho como atividade mediadora do processo de humanização é aqui
entendido como primado ontológico e não como atividade produtora de mais valia.
Assim, concebe-se que é na execução do trabalho como atividade vital que o homem
toma para si os bens elaborados pelo conjunto dos homens (gênero humano) e os
fenômenos da natureza, fazendo deles órgãos de sua individualidade.
Desse modo, a consciência humana é constituída e o homem participa do
desenvolvimento/transformação do ser e da realidade, objetivando-se como ser social.
Entendendo que a alienação possível é produto do trabalho na economia capitalista,
consideramos que a emancipação almejada depende da superação dessa condição
(alienada) em todos os níveis de sua relação com o trabalho (na relação com a execução,
com o seu produto, com o conjunto de atividades/gênero e na relação entre os homens).
Outra categoria fundamental é o caráter material da existência, pois permite
afirmar o modo de produção da existência como elemento explicativo e constitutivo do
processo de humanização, uma vez que se concebe ser nas relações de produção que
são constituídos o conteúdo e a forma da relação entre os homens, determinantes para a
formação da “consciência dos homens”, do ser social.
O caráter histórico do desenvolvimento humano configura-se como outra
categoria da concepção marxiana que orienta a Psicologia Histórico-Cultural, pois se as
mudanças históricas da sociedade e da vida material produzem mudanças na
consciência e no comportamento humano, então a historicidade é uma dimensão
essencial da formação do psiquismo humano, conforme Marta Shuare (1990).
Como podemos observar o trabalho, o caráter material da existência humana e a
historicidade são categorias ontológicas para a compreensão do processo de
humanização na perspectiva do Materialismo Histórico Dialético. Essas categorias só
podem ser assim compreendidas por meio da lógica dialética, a lógica de conhecimento
e de explicação da realidade peculiar à perspectiva teórico-metodológica aqui defendida
e à Psicologia Histórico-Cultural, que por meio de suas leis e categorias possibilitam
compreender as leis do pensamento como formas psíquicas do reflexo da realidade. Elas
são a apropriação do real pelo pensamento e sua transformação em ideal no psiquismo
humano, mediado pelas significações socialmente compartilhadas.
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A lógica dialética no materialismo histórico pressupõe a relação singular-
particular-universal em qualquer dimensão da produção humana (Oliveira, 2005). Como
pressuposto da lógica dialética, essa relação do singular-particular-universal permite
entender a realidade como uma condição particular, mediadora entre as condições
singulares e universais de humanização. É isso que torna possível ao Materialismo
Histórico Dialético e à Psicologia Histórico-Cultural serem mediações que criam
possibilidades para a superação da condição atual de humanização que ocorre por meio
da alienação.
Na sociedade de classes, a emancipação é entendida como emancipação
meramente política, a liberdade é a de mercado e a adaptação é o principio fundamental
nas condições particulares. Portanto, a alienação é a condição de todos os indivíduos no
modo de produção capitalista.
No contexto do conhecimento, essa relação dialética do singular-particular-
universal requer atenção às dimensões ontológica, gnosiológica, epistemológica e
lógica.
A atenção a essas dimensões do conhecimento e o movimento expresso pela
relação dialética do singular-particular-universal permitiram aos psicólogos russos
propor a Psicologia Histórico-Cultural com a finalidade de superar as teorias
psicológicas hegemônicas de sua época.
Vejamos algumas proposições de Vigotski para transformar o método de Marx
até aqui exposto no “Capital” que falta à Psicologia.
Uma das grandes contribuições de Vigotski para a Psicologia foi a apropriação
do Materialismo Histórico Dialético como mediação para a formulação da Psicologia
Histórico-Cultural sem, contudo, desconsiderar que o sistema categorial e o caráter do
conhecimento na filosofia e na psicologia são diferentes.
O autor defende a tese de que falta à psicologia o seu “Capital”, uma teoria geral
que, ao dialogar com as diferentes concepções, permite compreendê-las como
mediadoras entre o saber da psicologia e o conhecimento em suas diferentes dimensões,
buscando a explicação do real de forma objetiva.
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O método Materialista Histórico Dialético leva o autor a explicar que as
mudanças ocorridas no contexto das várias psicologias encerram-se no âmbito da teoria,
respondendo apenas à dimensão epistemológica. É isso que faz abordagens, na
aparência diferentes, terem finalidades semelhantes, já que sua lógica de
desenvolvimento é sempre a mesma – lógica formal, por meio da qual a psicologia
separa-se das demais áreas do conhecimento. Além disso, tais teorias não consideram a
sociedade como uma mediação, como uma particularidade, mas sim como a meta
máxima de constituição do indivíduo. Neste caso, seu objetivo é a adaptação dos
indivíduos às circunstâncias atuais e não a transformação de ambos para superar a
condição alienada que caracteriza o trabalho na sociedade de classes.
Vigotski trouxe para a realidade da psicologia a relação do indivíduo singular
com o gênero humano, mediada pelas condições particulares, o que lhe faz explicar a
história de constituição da psicologia, explicitando elementos importantes para a
superação de sua condição como conhecimento parcial, expresso nas teorias
psicológicas, na direção de sua constituição como teoria geral. Aqui a relação singular-
particular-universal tem, nas várias teorias psicológicas já constituídas, os elementos
mediadores entre o conhecimento em geral e a Psicologia Geral como o “Capital” da
Psicologia.
Tal investigação tem a finalidade de explicar como a Psicologia objetiva-se no
momento atual, propondo elementos que tornam possível entender em que ela deve se
constituir para responder ao seu lugar no processo de humanização dos indivíduos.
Para dar conta dessa tarefa, o autor propõe alguns princípios necessários à
investigação das funções psicológicas superiores. Um deles é a análise de processos
psicológicos e não apenas de produtos do desenvolvimento psicológico, tomados como
objetos ou situações isoladas. É preciso investigar e compreender como determinado
fenômeno desenvolve-se na história social dos indivíduos.
Outro princípio refere-se à explicação dos fenômenos para superar a mera
descrição e compreender os fenômenos em sua essência, buscando sua gênese e as bases
dinâmico-causais.
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A investigação do comportamento fossilizado é também um dos princípios
propostos por Vigotski para buscar aqueles comportamentos que por terem perdido sua
origem e aparência externa, por terem sido automatizados, não revelam a sua natureza
interna, dão a impressão de comportamentos naturais. Levantar a história, a gênese
desses comportamentos permite entender o processo de transformação dos mesmos.
Esses princípios que constituem o projeto de psicologia do autor tornaram
possível a redefinição do objeto de estudo da Psicologia, que passa a ser concebida
como a ciência que estuda a realidade objetiva (da arte, dos instrumentos de trabalho e
da indústria) enquanto mediadora na constituição dos indivíduos (Shuare, 1990); ou
seja, o objeto da Psicologia é o desenvolvimento histórico do psiquismo humano. Isso
só é possível graças à ênfase no caráter mediatizado do psiquismo humano proposto
pelo autor.
Esses princípios ainda tornam possível entender o psiquismo como reflexo
psíquico da realidade; delimitar as unidades de análise do psiquismo visando às
unidades mínimas que conservam as propriedades do todo complexo; explicitar o
método genético experimental para chegar à gênese de constituição das funções
estudadas; elaborar o conceito de Zona de Desenvolvimento Próximo; compreender a
gênese e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e entender a atividade
psicológica mediada como a base do movimento de apropriação da realidade objetiva,
sendo essa atividade mediada a unidade de construção da consciência.
Ao considerar a historicidade e a totalidade no estudo da constituição e do
desenvolvimento cultural da criança, a obra de Vigotski é a manifestação do método
Materialista Histórico Dialético na Psicologia. Ao mesmo tempo, é a produção teórica
que expressa a compreensão da constituição e desenvolvimento do homem como ser
social (universal) e não como indivíduo alienado, fruto das circunstâncias atuais e a ela
submetido. Nesse sentido, supera as explicações hegemônicas de psicologia,
comprometidas com a justificativa do status quo da psicologia, da educação e da
economia capitalista, porque pensa as ações humanas no contexto das possibilidades
universais de desenvolvimento (em relação a tudo o que a humanidade já elaborou no
nível do gênero humano) e não no contexto de possibilidades particulares.
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Esse é o compromisso do Materialismo Histórico Dialético com a emancipação
dos indivíduos, agora expresso como conteúdo da Psicologia.
Resta-nos explicitar/explicar a atividade de pesquisa como expressão dos
princípios e categorias do método Materialista Histórico Dialético, transformado em
conteúdo da psicologia, enfocando as respostas já elaboradas em nossos estudos sobre o
método.
No campo pessoal, tal compreensão traz consigo uma dimensão ética em relação
às atividades práticas em geral, uma vez que o conhecimento mediado pela Psicologia
Histórico-Cultural cria possibilidades para a transformação interna e externa do homem,
por meio da formação da consciência sobre a condição humana. Nestas condições,
colocamo-nos como sujeitos em movimento de autotransformação e que promovem
transformação na realidade.
No que diz respeito à produção do conhecimento, a dimensão ética exige
compromisso com a transformação da realidade da Psicologia para criar condições à
emancipação dos indivíduos. Ou seja, o conhecimento não é neutro e deve trazer, em
seu bojo, finalidades conscientes no que diz respeito à transformação no sentido da
humanização, o que só pode efetivar-se na prática se partir de fundamentos teórico-
metodológicos que, igualmente, correspondam a essas finalidades.
Tendo como referência esta concepção de ciência, entendemos que os
conhecimentos elaborados em nossas pesquisas e práticas profissionais não modificam
apenas nosso pensamento ou nossa atuação, mas nos mudam como sujeitos humanos
integrais, transformando nossa vida concreta. A coerência teórico-prática constitui-se,
assim, em elemento central da Psicologia Histórico-Cultural porque, além de ser uma
opção teórica, é um posicionamento que emerge da consciência de como a realidade
configura-se mediante as múltiplas determinações, assim como define o conjunto de
ações a serem realizadas nas nossas atividades particulares.
Portanto, a apropriação da teoria Histórico-Cultural exige a transformação no
pensamento e na ação. É necessário que as análises da realidade investigada constituam-
se como objeto e condição de nossa ação, de modo a nos libertar para o “uso” do
conhecimento nas atividades realizadas nos níveis pessoal e profissional.
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Vejamos que consequências essa concepção de Psicologia traz para a elaboração
e análise de teses2, aqui destacando a apresentação e a proposição das mesmas, a
aplicação direta do Materialismo Histórico Dialético às questões específicas a serem
investigadas e a alegada ausência de procedimentos metodológicos pertinentes ao
método para subsidiar a busca e explicação dos dados apreendidos pela pesquisa.
Tomemos, como ponto de partida, a apresentação e a proposição de uma tese.
Vigotski (1996) explicita o caminho que utilizou para a proposição de sua tese sobre a
constituição da Psicologia, apontando a relação entre um método de conhecimento (o
Materialismo Histórico Dialético) e um problema específico de investigação. De acordo
com o autor, o estudo científico abarca tanto o estudo de um fato como o procedimento
de cognição sobre este fato e, nesse sentido, a escolha das palavras e dos termos
utilizados já implica um processo teórico-metodológico. Assim, é importante
reconhecer o valor dos termos, das significações das palavras dentro de um determinado
sistema conceitual. A compreensão do uso adequado dos termos leva-nos a considerar
que não cabe o uso cotidiano da palavra, e concordamos com Vigotski (1996, p. 309)
quando afirma que “a escolha dos termos e dos conceitos predeterminam o resultado da
investigação”.
Nesse contexto, entendemos que a tese deve ser explicitada por meio da
apresentação e explicação dos objetivos, das finalidades, do objeto de estudo, do
método de investigação, dos procedimentos metodológicos de apreensão e análise dos
dados de pesquisa, sempre na relação com o referencial teórico em foco. Assim, cada
uma de suas etapas deve ser a expressão da tese diante dos conteúdos especificamente
tratados nos capítulos ou partes do texto. Ao final, a tese deve ser retomada como uma
rica contribuição ao conhecimento em geral e ao conhecimento específico já elaborado
sobre o tema.
Outro aspecto igualmente importante no âmbito da elaboração e análise de teses
como expressão de nossos estudos diz respeito à relação entre o método criado por
Marx para a análise da economia capitalista e as questões específicas investigadas na
2 Quando mencionamos a elaboração e análise de teses, estamos considerando que toda investigação realizada no contexto da Psicologia Histórico-Cultural deve conter, por princípio, a defesa de uma tese.
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tese. Para Vigotski (1996, p. 392, grifos do autor), “[...] a aplicação direta da teoria do
materialismo dialético às questões das ciências naturais, e em particular ao grupo das
ciências biológicas ou à psicologia, é impossível, como o é aplicá-lo diretamente à
história ou à sociologia”.
Nesse sentido, o autor analisa a relação entre a ciência geral e as ciências
particulares e a necessidade de constituição de teorias intermediárias. Exemplifica tal
relação a partir da obra de Marx:
Basta imaginar que Marx tivesse operado com os princípios gerais da dialética, como quantidade, qualidade, tríades, conexão universal, nó, salto etc., sem as categorias abstratas e históricas de custo, classe, mercadoria, renda, capital, força produtiva, base, superestrutura etc., para ver quão monstruoso, quão absurdo seria supor que fosse possível criar diretamente qualquer ciência marxista prescindindo de O Capital. (Vigotski, 1996, p. 393)
Daí a necessidade da criação do “materialismo psicológico” como ciência
intermediária que explique a aplicação concreta dos princípios abstratos do
materialismo histórico dialético ao grupo de fenômenos com os quais trabalha. Essa
teoria do marxismo psicológico ou dialética da Psicologia é o que Vigotski chama de
Psicologia Geral. Nesse sentido, não basta que o Materialismo Histórico Dialético seja
apresentado como a referência teórico-metodológica da tese. É preciso que ele se
constitua como método de investigação e explicação no processo de elaboração,
proposição e defesa da mesma, respondendo às suas especificidades.
Outra questão relacionada à elaboração e à análise de teses, que merece atenção
no contexto da teoria Histórico-Cultural e do método Materialista Histórico Dialético, é
a alegada ausência de procedimentos metodológicos (pertinentes ao método) para
subsidiar a busca e a explicação dos dados. Por método, aqui estamos entendendo, de
acordo com Vigotski (1996), uma forma de conhecimento que comporta os
procedimentos metodológicos, às vezes denominados de metodologia de pesquisa, e que
determina o objetivo da pesquisa, o caráter e a natureza da ciência. Muitas teorias da
Psicologia, segundo o autor, enfatizam os procedimentos metodológicos em detrimento
do método, priorizando apenas a dimensão epistemológica do conhecimento. Mas esta
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ênfase nos procedimentos metodológicos, às vezes utilizados como método, não nos
conduz à elaboração de conhecimento, apenas à produção de dados e mais técnicas.
Para auxiliar no debate sobre que procedimentos metodológicos permitem à
investigação responder às finalidades postas pelo Materialismo Histórico Dialético
como método de conhecimento, destacamos que esse referencial oferece:
Um método que explica o desenvolvimento do pensamento como
expressão do materialismo histórico dialético, tendo, na relação dialética
do singular-particular-universal e em todas as demais categorias
apresentadas, aqueles elementos que permitem superar as condições
postas pelo método experimental e outros.
O método de análise por unidades que Vigotski utilizou para investigar
os problemas da Psicologia, o qual é uma decorrência da aplicação do
método proposto por Marx e que é compatível com o estudo do objeto da
Psicologia. Para Vigotski (2000), esse método requer a substituição do
método de análise dos elementos pelo método de análise por unidades.
Segundo Vigotski (2000, p.08), a unidade contém, de forma primária e simples,
as propriedades do todo: “Subentendemos por unidade um produto da análise que,
diferente dos elementos, possui todas as propriedades que são inerentes ao todo e,
concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa unidade”.
Esta é a via que permite, segundo Vigotski, a análise “genético-causal” dos
processos psicológicos. Lembramos, ainda, que uma particularidade da concepção
metodológica proposta pelo autor é que as unidades de análise não estão postas para
cada tema específico a ser trabalhado, nem mesmo para cada área do conhecimento.
Os instrumentos e técnicas, quando utilizados na pesquisa que se organiza a
partir do método Materialista Histórico Dialético, devem ser meios para apreender o
real (concreto caótico), ou seja, devem produzir dados de pesquisa que possam explicar
as bases dinâmico-causais do objeto investigado e as relações teórico-práticas
decorrentes da compreensão sobre a realidade que superam a anterior (concreto no
pensamento). Ao final desse processo, temos os procedimentos metodológicos que
respondem às especificidades do objeto investigado.
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Ainda, na dimensão da constituição de uma tese, Vigotski (1996, p. 252) discute
a elaboração das perguntas e explica que uma boa pergunta antecipa a resposta, porque
contém elementos ou a síntese desta. Nesse sentido, a pergunta avalia a pesquisa como
tese e revela as circunstâncias nas quais sua defesa é possível, porque é no processo de
elaboração da tese que surgem as possibilidades concretas para sua proposição e defesa.
Concluindo, defendemos que esse movimento peculiar ao método e às
investigações de Vigotski deve ser considerado quando anunciamos em nossas
pesquisas que a referência teórico-metodológica do trabalho é o Materialismo Histórico
Dialético e a Psicologia Histórico-Cultural.
REFERÊNCIAS
BOTTOMORE, Tom. (2001) Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 141-142.
OLIVEIRA, Betty. (1983). A dialética do singular-particular-universal. In: A. A. ABRANTES, N. R. da SILVA, S.T.F. MARTINS. (Orgs.) Método histórico-social na psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, cap. 2, p. 25-51.
SHUARE, Marta. (1990). La psicologia soviética tal como yo la veo. Moscú: Editorial Progreso.
VIGOTSKI, Lev Semenovitch. (1996) O significado histórico da crise da psicologia. In: S. L. VIGOTSKI. Teoria e método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, p. 203-417.
VIGOTSKI, Lev Semenovitch. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
TANAMACHI, Elenita de Rício; ASBAHR, Flávia da Silva Ferreira & BERNARDES, Maria Eliza Mattosinho. Teoria, Método e Pesquisa na Psicologia Histórico-Cultural. In.: SOUZA, Marilene Proença Rebello de.; BEATÓN, Guillermo Arias & BRASILEIRO, Tânia (orgs.). Interfaces Brasil-Cuba em estudos sobre a psicologia histórico cultural. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013 (no prelo).