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275 13 DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS AMBIENTAIS Romeu Thomé 1 Sumário: 1. Introdução. 2. O devido processo como limitador da atuação do estado. 3. Decadência da ação da administração pública para apurar a prática de infrações contra o meio am- biente. 4. Prescrição intercorrente. 4.1 Prescrição intercorrente no âmbito dos estados-membros. 5. Prescrição da pretensão da administração pública de promover a execução da multa. 6. Da responsa- bilização do poder público. 7. Conclusões articuladas. 8. Referências. 1. INTRODUÇÃO Com a consolidação do Estado Democrático de Direito surge a neces- sidade de revisão das categorias clássicas do Direito Administrativo e de uma nova abordagem da atuação estatal, considerando-se a proteção dos direitos do cidadão assegurados constitucionalmente. Não há mais que se falar em atuação monológica e unilateral do Poder Público. A partir da Constituição Federal de 1988, a relação instaurada entre Estado e cidadão passa a ser mais dialógica e menos impositiva, com uma clara limitação à atuação do Estado. Não há dúvidas de que o princípio democrático pressupõe o aumento gradativo de mecanismos de controle dos atos da Administração Pública pelo cidadão e a fragmentação da ideia de supremacia da Administração Pública, ideia esta impregnada na relação Estado-cidadão desde o século XIX e grande parte do século XX. 2 O princípio democrático determina a inclusão da cidadania nas esferas de controle dos atos estatais. Impõe-se destacar, ainda, o relevante papel do processo (due process) como limitador da atuação do Poder Público. Não restam dúvidas de que as várias etapas do processo, ao possibilitar maior discussão e reflexão 1 Romeu Faria Thomé da Silva. Doutorando em Direito pela PUC/MG. Mestre em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade de Genebra, Suíça. Professor de Direito Ambiental da Escola Superior Dom Helder Câmara e do Centro Universitário de Sete Lagoas/MG, de cursos de Pós Graduação e preparatórios para concursos públicos. Advogado. Autor do livro “Manual de Direito Ambiental” (Salvador: Ed. Juspodivm). 2 Nesse sentido: FREITAS, 2004, p. 26. Parte II.indd 275 23/05/2013 09:04:55

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aDministrativos ambientais

Romeu Thomé1

Sumário: 1. Introdução. 2. O devido processo como limitador da atuação do estado. 3. Decadência da ação da administração pública para apurar a prática de infrações contra o meio am-biente. 4. Prescrição intercorrente. 4.1 Prescrição intercorrente no âmbito dos estados-membros. 5. Prescrição da pretensão da administração pública de promover a execução da multa. 6. Da responsa-bilização do poder público. 7. Conclusões articuladas. 8. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Com a consolidação do Estado Democrático de Direito surge a neces-sidade de revisão das categorias clássicas do Direito Administrativo e de uma nova abordagem da atuação estatal, considerando-se a proteção dos direitos do cidadão assegurados constitucionalmente. Não há mais que se falar em atuação monológica e unilateral do Poder Público. A partir da Constituição Federal de 1988, a relação instaurada entre Estado e cidadão passa a ser mais dialógica e menos impositiva, com uma clara limitação à atuação do Estado.

Não há dúvidas de que o princípio democrático pressupõe o aumento gradativo de mecanismos de controle dos atos da Administração Pública pelo cidadão e a fragmentação da ideia de supremacia da Administração Pública, ideia esta impregnada na relação Estado-cidadão desde o século XIX e grande parte do século XX.2 O princípio democrático determina a inclusão da cidadania nas esferas de controle dos atos estatais.

Impõe-se destacar, ainda, o relevante papel do processo (due process) como limitador da atuação do Poder Público. Não restam dúvidas de que as várias etapas do processo, ao possibilitar maior discussão e reflexão

1 Romeu Faria Thomé da Silva. Doutorando em Direito pela PUC/MG. Mestre em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade de Genebra, Suíça. Professor de Direito Ambiental da Escola Superior Dom Helder Câmara e do Centro Universitário de Sete Lagoas/MG, de cursos de Pós Graduação e preparatórios para concursos públicos. Advogado. Autor do livro “Manual de Direito Ambiental” (Salvador: Ed. Juspodivm).

2 Nesse sentido: FREITAS, 2004, p. 26.

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dos fatos, reduzem sobremaneira as possibilidades de violação da ordem jurídica. Além disso, com o processo, aos interessados é dada a oportu-nidade de expor suas razões e opiniões, antes de seus interesses serem afetados por atos do Estado.

No exercício do poder de polícia ambiental, o Poder Público, através de seu órgão ambiental competente, deve atuar nos limites da lei, com observância ao devido processo legal (artigo 70, § 4º, da Lei 9.605/98) e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abu-so ou desvio de poder (artigo 78, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). São essas as condições para que o Estado exerça regularmente o seu poder de polícia.

Decorre do poder de polícia a aplicação de sanções pelos órgãos com-petentes da Administração Pública, penalidades essas que se intitulam como sanções de polícia. Trata-se do ato punitivo que o ordenamento jurí-dico prevê como resultado de uma infração administrativa, suscetível de ser aplicado por órgãos da Administração3.

Sanções de polícia ambiental são, desta forma, todos os atos que re-presentam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas ambientais.

O ordenamento jurídico pátrio atribui, sem sombra de dúvidas, certas limitações ao poder de polícia estatal, com o intuito de proteger e assegu-rar direitos do administrado, muitas delas decorrentes da observância do devido processo legal.

2. O DEVIDO PROCESSO COMO LIMITADOR DA ATUAÇÃO DO ESTADO

Não se pode perder de perspectiva que as prerrogativas conquistadas pelos indivíduos no Estado Democrático de Direito os habilitam a contes-tar os atos estatais sempre que esses atinjam direitos a eles pertencentes, além do relevante papel do processo na proteção dos direitos fundamen-tais. Lembra DANTAS (2007, p. 204) que “se as Declarações de Direitos Individuais enumeram, positivando, aqueles [direitos] que são próprios do homem, isto tudo seria em vão se, em última análise, não estivessem constitucionalmente consagrados os meios de fazê-los respeitados (...)”.

3 CARVALHO FILHO, 2008, p. 83.

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Cumpre observar que o Direito regula o conteúdo e os efeitos dos atos tanto de direito privado (contratos) quanto de direito público (leis, sen-tenças, atos administrativos, dentre outros). Entretanto, “o direito priva-do não se ocupa do procedimento a ser adotado pelo indivíduo para pro-duzir seu ato”, explica SUNDFELD (2012, p. 90), que complementa: “no direito privado o processo de formação da vontade dos indivíduos não é juridicamente regulado, inexistindo o dever de cumprir, como condição prática dos atos, um procedimento prévio (...)”.

Já no direito público, e especialmente no Estado Democrático de Direito, a atuação do Poder Público e a produção de seus atos depende da observância de processo regulado pelas normas jurídicas. O Poder Legislativo deve observar as normas de processo legislativo para a produ-ção de leis, as sentenças no âmbito do Poder Judiciário devem ser produ-zidas em observância às normas do processo judicial e, por fim, o Poder Executivo elabora atos administrativos a partir de um procedimento ad-ministrativo previamente definido.

Segundo BOBBIO (1986, p. 18), “(...) o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraproposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-lo caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelece quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedi-mentos.” O Poder Público, ao exercer os seus atos, deve observar procedi-mentos específicos, uma vez que tais atos são unilaterais e invasivos da esfera jurídica dos indivíduos.

Lembra SUNDFELD (2012, p. 92) que “a atividade estatal é função, submetida a fins exteriores ao agente. O legislador, o juiz e o administra-dor não dispõem de poderes para realizar seus próprios interesses ou vontades. Seus atos valem na medida em que alcançam os fins que lhes correspondem. Daí dizer-se que a vontade do Estado é funcional.”

A vontade funcional deve ser manifestada no processo. Caso contrá-rio, seria idêntica à vontade livre, e partiria do interesse do agente. Para SUNDFELD (2012, p. 93), “o processo infunde ao ato racionalidade, im-parcialidade, equilíbrio; evita que o agente o transforme em expressão de sua personalidade.”

Não restam dúvidas de que as várias etapas do processo, ao possibili-tar maior discussão e reflexão dos fatos, reduzem sobremaneira as possi-bilidades de violação da ordem jurídica. Ademais, o processo oportuniza

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aos interessados a faculdade de expor suas razões, opiniões e interesses antes de serem afetados pelos atos unilaterais do Estado.

Resume SUNDFELD (2012, p. 94) que “o processo é, então – em perfeita coerência entre liberdade e au-toridade - , a contrapartida assegurada aos particulares pelo fato de serem atingidos por atos estatais unilaterais. Sem que a decisão do Estado (a lei, a sentença, o ato administrativo) deixe de ser ato de autoridade, protege-se o indivíduo a ser afetado: condicionando a produção do ato a um processo do qual ele possa participar. Sob este ângulo, o processo cumpre papel eminentemente ligado à tute-la dos interesses e direitos dos particulares.”

Convém rememorar, ainda, que nos processos estatais a validade dos atos subsequentes depende de haverem sido corretamente praticados os antecedentes. No âmbito do Poder Legislativo, por exemplo, a votação do projeto de lei será nula se o projeto, da iniciativa exclusiva da Mesa da Câmara dos Deputados, houver sido apresentado pelo Presidente da República.4 Da mesma forma, os atos produzidos pelo Poder Executivo e Judiciário devem obedecer à sequência prevista em seus respectivos pro-cedimentos, direcionando e limitando a margem de discricionariedade do Estado.

Não remanescem dúvidas em relação à existência dos poderes de autoridade do Estado, que culminam com a inequívoca produção de re-lações jurídicas verticais. Entretanto, percebe-se, a luzes claras, que no Estado Democrático de Direito assumem notável posição as limitações e condicionantes à atuação do próprio Estado. Os poderes estatais devem, inicialmente, estar previstos em lei (legalidade). Além disso, é dever do administrador, e não uma faculdade a ele atribuída, exercer sua função administrativa. Finalmente, a ação administrativa está sujeita à publici-dade e ao formalismo, o que exige a observância de procedimentos e for-malidades específicas.

O direito administrativo, resultado do modelo político denominado Estado de Direito, está umbilicalmente ligado ao objetivo da negação do poder arbitrário do Estado. Fruto da separação de Poderes e da hierar-quia normativa, as normas de direito administrativo devem estar sem-pre em consonância com as normas constitucionais. Lembra SUNDFELD (2012, p. 107) que

4 Nesse sentido: SUNDFELD, 2012, p. 99.

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“daí o princípio da legalidade, em virtude do qual os atos adminis-trativos não poderão ser fruto dos caprichos das autoridades. Daí também, a submissão de toda a ação administrativa a diferentes níveis de controle, sem o que não há como impedir o ‘arbítrio’. A necessidade de viabilizar o amplo controle de legalidade de cada ato administrativo é uma das principais responsáveis pela (por as-sim dizer) ‘burocratização’ do modo de agir do Estado, expressa em exigências como as de realizar procedimentos, de motivar os atos, de publicá-los. Flexibilidade e informalismo impediriam o indis-pensável controle.”

A partir da análise do Estado de Direito e de suas singulares caracte-rísticas, é intuitivo concluir que a sua implementação depende também de um procedimento justo e adequado de acesso à justiça. Luis Prieto SANCHIS, citado por Ivo DANTAS (2007, p. 205), afirma que “para que o direito fundamental seja um direito subjetivo em sentido rigoroso, ou seja, para que exista verdadeiramente, é necessário que o ordenamento reconheça ao seu titular a possibilidade de exigir perante um órgão ju-risdicional a satisfação de obrigação não cumprida, isto é, que autorize o início de um processo cujo intuito é obter a resposta jurídica adequada frente à inobservância da obrigação, frente à violação do direito.”

CANOTILHO (2003, p. 273) aponta as principais dimensões constitu-cionais das denominadas garantias gerais de procedimento e de processo:

a) Garantias de processo judicial, como a garantia do pro-cesso equitativo, o princípio da igualdade processual das partes, o princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais, dentre outros.

b) Garantias de processo penal, tidas como aquelas que vão além dos princípios gerais do processo judicial, como: proibição de tribunais de exceção, o princípio da excep-cionalidade da prisão preventiva, dentre outros.

c) Garantias do procedimento administrativo, que prevê um procedimento juridicamente adequado para o desenvolvi-mento da atividade administrativa. Como garantias de um procedimento administrativo justo mencionam-se o direi-to de participação do particular nos procedimentos em que está interessado, o princípio da informação, o princí-pio da conformação do procedimento segundo os direitos fundamentais, dentre outros.

A garantia de proteção jurídica é fundamental para a efetiva defesa dos direitos. Para CANOTILHO (2003, p. 276), “reforça o princípio da efec-

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tividade dos direitos fundamentais proibindo a sua inexequibilidade ou eficácia por falta de meios judiciais.”

Ao analisar as origens do processo equitativo, CANOTILHO (2003) afirma que o mesmo está positivamente consagrado no artigo 20 da Constituição de Portugal, no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 14 do Pacto Internacional Relativa aos Direitos Civis e Políticos e no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Verifica-se que a doutrina majoritária aponta a experiência constitu-cional norte americana do due process of law como origem do direito ao processo equitativo (processo justo). Mas o que seria um processo justo?

Para CANOTILHO (2003, p. 494) “as respostas – sobretudo as da doutrina americana – reconduzem-se fundamentalmente a duas concepções de ‘processo devido’ – a concepção processual e a concepção material ou substantiva. A teo-ria processual (process oriented theory), que poderíamos designar também por teoria do processo devido por qualificação legal, limi-ta-se a dizer que uma pessoa ‘privada’ dos seus direitos fundamen-tais da vida, liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privação seja feita segundo um processo especificado na lei. (...) A teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um proces-so justo, pois uma pessoa tem direito não apenas a um processo le-gal mas sobretudo a um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da vida, liberdade e propriedade dos particulares. Esta última teoria é, como salienta a doutrina norte-a-mericana, uma value-oriented theory, pois o processo devido deve ser materialmente informado pelos princípios da justiça.”

Conclui CANOTILHO (2003, p. 496) que pela própria natureza do due process depreende-se que este se concebia fundamentalmente como um direito de defesa do particular perante os poderes públicos. Todavia, “quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos, reco-nhecem, hoje, um direito de acesso aos tribunais este direito concebe-se como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra actos dos poderes públicos; (2) um direito de protecção do parti-cular através de tribunais do Estado no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de protecção do Estado e direito do particular a exigir essa protecção).”

Impõe-se destacar, neste ponto, que o catálogo de direitos, liberda-des e garantias constitucionalmente consagrados apresenta-se como re-levante parâmetro de controle para a verificação de um processo justo e equitativo.

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O devido processo, tanto sob o prisma administrativo quanto sob o manto judicial, atua, portanto, como limitador da atuação estatal e, por conseguinte, configura escudo de defesa dos próprios direitos individuais.

3. DECADÊNCIA DA AÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA APURAR A PRÁTICA DE INFRAÇÕES CONTRA O MEIO AMBIENTE

Interessa-nos, no presente trabalho, destacar a necessidade de ob-servância do devido processo no âmbito do exercício do poder de polícia ambiental, com ênfase para a duração razoável do processo e para outros dois institutos jurídicos que buscam proteger os direitos dos administra-dos contra eventuais arbitrariedades do Poder Público: a decadência e a prescrição da ação punitiva do Estado. Ademais, além de operarem efeitos em benefício dos próprios administrados, decadência e prescrição esta-bilizam as relações jurídicas e, sob essa perspectiva, apresentam-se como instrumentos de salvaguarda da segurança jurídica.

Decadência pode ser conceituada, ainda que objetivamente, como a extinção de um direito, em decorrência da inércia de seu titular, que deixa de exercitá-lo durante o termo prefixado ao seu exercício. Já a prescrição significa a perda da ação atribuída a um direito em consequência de seu não exercício no prazo legal. A decadência e a prescrição limitam a ação punitiva do Estado, em prestígio aos clássicos princípios da segurança ju-rídica e da duração razoável do processo. O não exercício de uma preten-são acarreta perda do direito de exercê-la. Pela decadência e prescrição, mantendo-se inerte, ao Poder Público é subtraído o seu poder de aplicar sanções ambientais.

O Decreto 6.514/08 (que dispõe sobre as infrações e sanções adminis-trativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações) tratou com especial atenção o tema da de-cadência e da prescrição administrativa ambiental em seus artigos 21 a 23, muito embora não tenha empregado a melhor técnica para a diferen-ciação de tais institutos, referindo-se apenas à prescrição. Inicialmente, é importante observar que decai em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, conta-da da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou conti-nuada, do dia em que esta tiver cessado.5A norma ambiental acompanha a determinação da Lei 9.873/99 que estabelece prazo de prescrição (de-

5 Artigo 21, do Decreto 6.514/08.

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cadência) para o exercício de ação punitiva pela administração pública federal, direta e indireta.6 Decisão do Superior Tribunal de Justiça con-firma o prazo prescricional (decadencial) de cinco anos para a apuração de infrações ambientais:

REPETITIVO. PRESCRIÇÃO. MULTA. MEIO AMBIENTE.

Trata-se de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ) em que a questão em debate resume-se à definição do prazo prescricional para a cobrança de multa administrativa por infração à legislação federal, no caso, a Lei n. 9.873/1999 (com os acréscimos da Lei n. 11.941/2009), nos au-tos de execução fiscal ajuizada pelo Ibama para cobrança de débi-to inscrito em dívida ativa. Ressaltou o Min. Relator que a questão já foi debatida no REsp 1.112.577-SP, DJe 8/2/2010, também sob o regime dos recursos repetitivos, mas somente quando a multa administrativa decorria do poder de polícia ambiental exercido por entidade estadual, situação em que não seria pertinente a discussão sob as duas leis federais citadas. Agora, no caso, como a multa foi aplicada pelo Ibama, entidade federal de fiscalização e controle do meio ambiente, é possível discutir a incidência da-quelas leis federais, o que foi feito nessa hipótese. Diante disso, a Seção entendeu incidente o prazo de cinco anos (art. 1º da cita-da lei) para que, no exercício do poder de polícia, a Administração Pública Federal (direta ou indireta) apure o cometimento da infra-ção à legislação do meio ambiente. Esse prazo deve ser contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou con-tinuada, do dia em que houver cessado a infração. Observou que o art. 1º da Lei n. 9.873/2009 estabeleceu o prazo para a consti-tuição do crédito, não para a cobrança judicial do crédito inadim-plido. Ressaltou, ainda, que, antes da MP n. 1.708/1998, conver-tida na Lei n. 9.873/1999, não existia prazo decadencial para o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública Federal, por isso a penalidade aplicada, nesses casos, sujeita-se apenas ao prazo prescricional de cinco anos segundo a jurispru-dência deste Superior Tribunal, em razão da aplicação analógica do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932. Ademais, a jurisprudência tam-bém já assentou que, por se tratar de multa administrativa, não é aplicável a regra geral de prescrição do CC, seja o de 1916 ou o de 2002. (REsp 1.115.078-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 24/3/2010. Informativo 428).

A título ilustrativo, observa-se que a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais7 adota o mesmo entendimento para os processos adminis-

6 Artigo 1, caput, da Lei 9.873/99.7 Parecer AGE/MG 15.047/2010, p. 3.

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trativos em âmbito estadual ao afirmar que “ratifica-se, pois, o entendi-mento de que a Administração tem o prazo de cinco anos, a contar da data em que tomou ciência da prática de infração ao meio ambiente, para proceder ao exercício do poder de polícia e lavrar o auto de infração (...). A decadência diz respeito à (ex)temporaneidade da constituição do cré-dito não-tributário. Daí porque o prazo decadencial flui até o momento em que a Administração exerce efetivamente o poder de polícia e autua, impõe a respectiva penalidade e cientifica o infrator.”

Em se tratando de multa ambiental, a Administração Pública federal, estadual e municipal dispõe, portanto, de cinco anos para o exercício do poder de polícia e, após constituído definitivamente o crédito, tem início a contagem do prazo de cinco anos para a cobrança judicial. Enquanto o primeiro prazo tem a natureza decadencial, o segundo reveste-se de níti-do caráter prescricional. O termo inicial do prazo de prescrição quinque-nal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida. Importa salientar que a constituição definitiva do crédito exer-ce dupla função: define o termo final do prazo decadencial e, ao mesmo tempo, delimita o início do prazo de prescrição. A exata compreensão da natureza da decadência e da prescrição é fundamental para a fixação de limites temporais relacionados a atos de interrupção e suspensão, uma vez que a esses institutos são, não raras vezes, atribuídas denominações tecnicamente incorretas que culminam por confundir o intérprete.

Para os fins de interrupção do prazo decadencial, considera-se ini-ciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração.8 Segundo o artigo 22, interrompe-se a prescrição (decadência):

I) pelo recebimento do auto de infração ou pela cientifica-ção do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;

II) por qualquer ato inequívoco da administração9que im-porte apuração do fato;

III) pela decisão condenatória recorrível. Oportuno observar, entretanto, que se o fato objeto da infração tam-

bém constituir crime, a prescrição (decadência) reger-se-á pelo prazo

8 Artigo 21, parágrafo 1º, do Decreto 6.514/08.9 Considera-se ato inequívoco da administração aqueles que impliquem instrução do processo.

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previsto na lei penal.10 Nesses casos, para a definição do prazo decaden-cial será necessário verificar o tipo penal do ato cometido para, a partir do máximo de pena privativa de liberdade cominada ao crime, aplicar os prazos previstos no artigo 109 do Código Penal.

4. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

O parágrafo 2º do artigo 21 do Decreto 6.514/08 dispõe sobre a prescrição intercorrente. Segundo essa norma, incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. O instituto da prescrição intercorrente opera efeitos em benefício dos próprios administrados. Prescrição significa a perda da ação atribuída a um direito em consequência de seu não exercício no prazo legal. A prescrição limita a ação punitiva do Estado, em prestí-gio ao clássico princípio da segurança jurídica. O não exercício de uma pretensão acarreta perda do direito de exercê-la. Pela prescrição, man-tendo-se inerte, ao Poder Público é subtraído o seu poder de aplicar sanções ambientais. Deve o Poder Público observar o princípio da du-ração razoável do processo administrativo, não se admitindo delongas injustificadas na execução dos atos necessários à efetiva proteção do meio ambiente.

Importa destacar, entretanto, que mesmo que se verifique a prescri-ção administrativa, ou seja, a perda do prazo para o exercício da preten-são punitiva administrativa, continua o poluidor obrigado a reparar o dano ambiental na esfera da responsabilidade civil.11

4.1 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO ÂMBITO DOS ESTADOS-MEMBROS

Importante analisar, ainda, a possibilidade, ou não, da incidência da prescrição intercorrente nos processos administrativos ambientais no âmbito estadual. Segundo o diploma federal (Decreto 6.514/08), incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos

10 Artigo 21, parágrafo 3º, do Decreto 6.514/08.11 Artigo 21, parágrafo 4º, do Decreto 6.514/08.

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serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessa-da, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.

Todavia, de acordo com o entendimento de algumas Procuradorias estaduais, dentre elas a Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais, con-substanciado no Parecer 15.047/2010 (p. 2), o instituto da prescrição intercorrente é inaplicável na esfera estadual. “Deixou-se expressamente consignado que, em se tratando de auto de infração do qual já conste a aplicação da penalidade de multa, se o autuado apresentar defesa, inicia-se o procedimento administrativo, durante o curso do qual não corre a decadência nem a prescrição”.

Ainda nos termos do referido parecer da AGE/MG, “(...) mesmo nes-tas situações de autuações mais antigas, não se reconhece a possibilidade de prescrição intercorrente, mas de fluência do prazo decadencial até o momento em que se aplica definitivamente a penalidade de multa, com a ciência do interessado” (p. 4). Ademais, “procedida a lavratura do auto de infração com a imposição da penalidade e notificado o infrator, está exer-cido o poder de polícia e não há mais a possibilidade de a Administração decair desse poder-dever. A partir de então não se cogita mais o prazo decadencial para a Administração agir (...)”.12

Nada obstante a orientação de inaplicabilidade do instituto da prescri-ção intercorrente aos processos administrativos de aplicação de penalida-des ambientais cometidas em alguns Estados da Federação, não se pode perder de perspectiva que o princípio da duração razoável do processo não admite delongas injustificadas na constituição do crédito não-tribu-tário decorrente da imposição de multas ambientais. Como constante no bem lançado Parecer AGE/MG 15.047/2010, “(...) se a Administração não se aparelha e não exerce o poder de polícia de forma efetiva, eficaz - e isso inclui a condução do procedimento administrativo com observância dos princípios constitucionais que a regem (art. 37) e ao próprio proces-so constitucional - isonomia, reserva legal, contraditório, ampla defesa, prazo razoável, aplicáveis às funções estatais legislativa, executiva e ju-diciária - estará a não cumprir seu dever constitucional de assegurar a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois a não aplicação da penalidade cabível em decorrência de não observância do devido pro-cesso legal acabará por incentivar o cometimento de infrações.” (p. 8 e 9).

12 Parecer AGE/MG 15.047/2010, p. 2.

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Há normas ambientais estaduais silentes em relação ao prazo de prescrição das ações punitivas do Estado. Todavia, a ausência de normas estaduais regulamentando a prescrição não tem o condão de outorgar amplos e ilimitados poderes à Administração Pública no exercício do seu poder de polícia ambiental. Ao administrado a Constituição Federal in-cumbiu-se de ofertar garantias contra processos administrativos eivados de nulidade.

5. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE PROMOVER A EXECUÇÃO DA MULTA

Importante não confundir a prescrição do prazo para a apuração da infração, com a prescrição da pretensão da administração pública de pro-mover a execução da multa por infração ambiental. Uma vez apurada a infração ambiental e encerrado o processo administrativo de imposição da penalidade, passa a fluir o prazo prescricional (também quinquenal) para a execução da multa aplicada ao infrator, uma vez que a partir desse momento o crédito já está definitivamente constituído. De acordo com a recente Súmula 467 do Superior Tribunal de Justiça, “prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pre-tensão da administração pública de promover a execução da multa por infração ambiental.”

6. DA RESPONSABILIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO

O exercício do poder de polícia ambiental é dever da Administração Pública, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição de 1988. É ine-quívoca a competência estatal para a fiscalização, a análise técnica de-corrente de autos de infração administrativo e a aplicação de sanção e de medidas de proteção do meio ambiente.

Caso a inércia do Poder Público seja causa direta ou indireta de dano ambiental, este poderá ser responsabilizado civilmente a reparar e/ou in-denizar os danos causados.

Observa-se que em diversos órgãos ambientais do País há um acúmu-lo considerável de processos administrativos de autos de infração em vir-tude da insuficiência de consultores habilitados. Essa inércia do Estado em relação ao exercício do poder de polícia ambiental poderá dar ensejo à decadência e à prescrição. Como já analisado, o § 2º do artigo 21 do Decreto 6.514/08 prevê a incidência de prescrição no procedimento de

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apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou me-diante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.

Se da paralisação no procedimento administrativo, e de sua conse-qüente prescrição, verificar-se dano ambiental, será o Estado responsa-bilizado por ele.

A responsabilidade extracontratual do Estado por danos causados ao meio ambiente decorre da interpretação conjunta das normas cons-titucionais e infraconstitucionais de proteção ambiental e de Direito Administrativo. Impõe-se ao Poder Público, de acordo com o artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988, o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Trata-se, portanto, de um dever constitucionalmente atribuído ao Estado. Ocorre que as pessoas jurídicas de direito público e as de direi-to privado prestadoras de serviços públicos, no exercício de suas atribui-ções, podem eventualmente causar danos ao meio ambiente, bem de inte-resse difuso e de titularidade coletiva. Nesses casos, segundo o artigo 37, §6º, da Constituição de 1988, responderão pelos danos (ambientais) cau-sados a terceiros (toda a coletividade). A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), ao conceituar “poluidor”, não deixa margem de dúvidas sobre a possibilidade de responsabilização do Poder Público por danos ao meio ambiente. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Dessa forma, o Poder Público responderá por dano causado ao meio ambiente decorrente de ato comissivo seu (art. 37, §6º c/c art. 225, caput, da CF/88; art. 3º, inciso IV, LPNMA), aplicando-se, nesse caso, a teoria ob-jetiva do risco administrativo, que admite as causas excludentes do nexo causal.

Já nos casos de dano ambiental decorrente de ato omissivo do Estado, este responde subjetivamente, devendo os interessados comprovar que houve dolo ou culpa do Poder Público em situação em que se omi-tiu, quando deveria ter agido. Esse é o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR

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OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.

1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido confor-me estabelece a lei.” (STJ. RESP-647493/SC; Min. João Otávio de Noronha. Segunda Turma. Data de Julgamento 22/05/2007. Data de Publicação: DJ 22/10/2007 p. 233).

Decorre do princípio da obrigatoriedade de atuação estatal o dever de utilização dos mecanismos repressivos e preventivos de proteção do meio ambiente pelo Estado, dentre eles a fiscalização das atividades po-tencialmente poluidoras, decorrente do poder de polícia administrativo. O Poder Público poderá, portanto, ser corresponsável por degradação ambiental em razão de conduta omissiva quanto ao seu dever de fiscaliza-ção ambiental, quando deveria ter agido e restou inerte (omissão ilícita). A competência material (administrativa) ambiental é comum entre todos os entes federados, ou seja, compete a todas as esferas a proteção do meio ambiente equilibrado, de acordo com suas competências. Caso a não atu-ação estatal acarrete dano, será o Poder Público legitimado passivo pela degradação ambiental.13

7. CONCLUSÕES ARTICULADAS

• De acordo com o artigo 225 da Constituição de 1988, cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Um dos sujeitos ati-vos responsáveis pela defesa do meio ambiente está defi-nido, de forma inquestionável, pela Carta Magna: o Estado.

• A fiscalização das atividades utilizadoras de recursos na-turais e a aplicação de penalidades disciplinares ou com-pensatórias àqueles que não preservam ou não recuperam o meio ambiente degradado constituem instrumentos fun-damentais da Política Nacional do Meio Ambiente.

• A atuação dos órgãos ambientais decorre da aplicação do poder de polícia ambiental e deve ter respaldo nos princí-pios constitucionais, como o da legalidade, do devido pro-

13 Nesse mesmo sentido decisão do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 958.766-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/3/2010.

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cesso legal e da duração razoável do processo. Eventuais sacrifícios aos direitos de liberdade e de propriedade de-correntes da atuação do Poder Público devem se mostrar consonantes com a ordem jurídica vigente, apoiadas na finalidade maior de observar os direitos fundamentais na sua totalidade, não mais se admitindo restrições baseadas em arbitrariedades supostamente “legalizadas” pela or-dem vigente.

• O processo (due process) apresenta-se com o relevante pa-pel de limitador da atuação do Poder Público.

• É fundamental a observância do devido processo no âmbito do exercício do poder de polícia ambiental, que deve se respaldar na duração razoável do processo.

• A decadência e a prescrição da ação punitiva limitam o exercício do poder de polícia da Administração Pública, uma vez que protegem os direitos dos administrados con-tra eventuais arbitrariedades do Poder Público.

• O princípio da segurança jurídica e o princípio da duração razoável do processo não admitem delongas injustificadas na apuração de infrações ambientais, na constituição do crédito não-tributário decorrente da imposição de multas ambientais, e muito menos na execução da multa por in-fração ambiental.

• Uma vez constatado o dano ambiental em decorrência da decadência ou da prescrição dos atos da Administração Pública, poderá o Estado ser responsabilizado civilmente a reparar e/ou indenizar os danos causados à coletividade.

8. REFERÊNCIASBENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Constitucionalização do am-

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