13 - O Corregedor e o or

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O Corregedor e o Procurador Repara É habitual considerar-se a entrada do Corregedor e do Procurador como fazendo parte de uma só cena, na medida em que ambas as personagens pertencem ao mesmo grupo socioprofissional e percorrem o espaço cénico simultaneamente. Esta cena forma um amplo quadro da justiça humana, que Gil Vicente opõe à  justiça divina. O objectivo de Gil Vicente assenta em parâmetros que têm a ver com a corrupção da magistratura e com a antítese entre a justiça divina e a justiça humana a que bem se pode chamar (in)justiça. A JUSTIÇA HUMANA DIVINA O Homem Deus O JUIZ ………………………………………executores……………………………………….O Anjo  O Diabo Juiz O Corregedor Réu (…judicastis malitia) (nemo timuistis Deus) (IN)JUSTIÇA JUSTIÇA O Corregedor aparece-nos carregado de processos (feitos) e com uma vara na mão. Pouco depois, junta-se-lhe o Procurador, que vem abarrotado de livros. Ambos dialogam com o Diabo em latim jurídico deturpado, que tem função cómica (cómico de linguagem) e também caracterizadora. A principal e quase única acusação que o Diabo lança ao Corregedor é a de não ter sido imparcial nas suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas recebidas até dos Judeus. Parece que uma das prendas mais generalizadas era a perdiz, o que originou a exclamação do Diabo:”Oh amador de perdiz…”(v. 607). O Diabo acusa-o também de malícia, corrupção e exploração de lavradores ingénuos. O Corregedor não nega esta acusação e limita-se a atirar as culpas para cima da mulher. Era ela quem recebia as prendas e, por isso, ele sentia-se isento desse pecado. Tal como na cena do Sapateiro também Gil Vicente foca a confissão das almas pouco antes de falecerem. O problema é resolvido aqui deste modo: o Corregedor confessou-se, mas ocultou todos os seus roubos, enquanto o Procurador nem sequer se confessou, porque não se apercebeu que havia chegado a sua hora derradeira. Está aqui, mais uma vez, presente a crítica a uma falsa prática religiosa, que limita ao cumprimento dos actos externos do culto.

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O Corregedor e o Procurador

Repara

É habitual considerar-se a entrada do Corregedor e do Procurador comofazendo parte de uma só cena, na medida em que ambas as personagenspertencem ao mesmo grupo socioprofissional e percorrem o espaço cénicosimultaneamente.

Esta cena forma um amplo quadro da justiça humana, que Gil Vicente opõe à

  justiça divina. O objectivo de Gil Vicente assenta em parâmetros que têm a ver com a

corrupção da magistratura e com a antítese entre a justiça divina e a justiça humana aque bem se pode chamar (in)justiça.

A JUSTIÇA

HUMANA DIVINA

O Homem Deus

O JUIZ ………………………………………executores……………………………………….O Anjo 

O Diabo

Juiz O Corregedor Réu(…judicastis malitia) (nemo timuistis Deus)

(IN)JUSTIÇA JUSTIÇA

O Corregedor aparece-nos carregado de processos (feitos) e com uma vara na

mão. Pouco depois, junta-se-lhe o Procurador, que vem abarrotado de livros. Ambos

dialogam com o Diabo em latim jurídico deturpado, que tem função cómica (cómico de

linguagem) e também caracterizadora.

A principal e quase única acusação que o Diabo lança ao Corregedor é a de não

ter sido imparcial nas suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas recebidas até

dos Judeus. Parece que uma das prendas mais generalizadas era a perdiz, o que originou

a exclamação do Diabo:”Oh amador de perdiz…”(v. 607). O Diabo acusa-o também de

malícia, corrupção e exploração de lavradores ingénuos.

O Corregedor não nega esta acusação e limita-se a atirar as culpas para cima da

mulher. Era ela quem recebia as prendas e, por isso, ele sentia-se isento desse pecado.

Tal como na cena do Sapateiro também Gil Vicente foca a confissão das almas

pouco antes de falecerem. O problema é resolvido aqui deste modo: o Corregedor

confessou-se, mas ocultou todos os seus roubos, enquanto o Procurador nem sequer se

confessou, porque não se apercebeu que havia chegado a sua hora derradeira. Está aqui,

mais uma vez, presente a crítica a uma falsa prática religiosa, que limita aocumprimento dos actos externos do culto.

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Temos nesta cena dois pormenores a destacar ainda: o neologismo

descorregedor, com forte carácter satírico (o Diabo pretende apontar a falta de

imparcialidade nos julgamentos feitos pelo Corregedor) e o diálogo final entre o

Corregedor e a Alcoviteira (o Corregedor julgou-a e condenou-a em vida). A

Alcoviteira acusa o Corregedor de estar sempre a mandar persegui-la na vida terrena (a

  justiça castigava as alcoviteiras, mandando-as açoitar); agora, pelo menos está em paz.Agora o juiz do tribunal terreno torna-se réu no tribunal divino, onde é julgado e

condenado.

Devemos ainda ter em atenção a pergunta formulada pelo Corregedor,

inquirindo se não existia ali “meirinho do mar”. Trata-se de um hábito adquirido no

exercício da profissão que o tipo não abandona mesmo depois da morte. Por outro lado,

o Corregedor pretende ter um julgamento terreno, com advogados e juízes de carne e

osso, a justiça humana com certeza que lhe seria mais favorável.

Mais uma vez o Parvo se confunde com o Diabo, quando insulta e injuria o

Corregedor e o Procurador. O Parvo acusa-os de terem roubado na vida terrena, de

terem sido desonestos e de desrespeitarem a Igreja (VV. 717-720). O Anjo condena-os.

Exercícios

1.  identifica as figuras de estilo utilizadas nos seguintes versos:

“Cor. –  (…) À terra dos demos” 

“Dia. –  Santo descorregedor” 

Eufemismo“Dia. –  Irês ao lago dos cães”

“Cor. –  E na terra dos danados” Ironia

“Anj. – Como vindes preciosos

Sendo filhos da ciência”. 

2.  Completa os espaços em branco com as seguintes palavras: procurador ecorregedor.

a)  Um alto magistrado judicial com poder sobre juízes ordinários é um

__________________ .

b)  Um homem que trata dos negócios de outrem, por ter recebido, para tal, uma

procuração, é um __________________ .

3.  Assinala com V (verdadeira) ou F (falsa) as seguintes afirmações:

a)  O Procurador é cúmplice do Corregedor na prática fraudulenta da justiça.

b)  Um homem que trata dos negócios de outrem, por ter recebido, para tal, uma

procuração, é um corregedor.

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c)  O Procurador recusa-se a entrar na Barca do Inferno, afirmando a sua crença em

Deus.

d)  O Corregedor encara a confissão como uma prática superficial da religião.

e)  Brízida fica feliz por finalmente encontrar o Corregedor para lhe pedir um favor.

4.  Selecciona as palavras que pertencem ao campo lexical da actividade jurídica.

a) corregedor b) meirinho c) feitos

d) ouvidor e) barca f) bolina

g) vara h) fogo i) juiz

  j) escrivães l) direito m) arrais

n) terra o) confessor p) livros de direito

5.  Completa o texto, preenchendo os espaços em branco, com as palavras daseguinte lista: escrivães; confissão ; judeus; corrupção; humana; justiça;Corregedor; hipócrita; divina; falsa.

O Corregedor e o Procurador representam a _____________ terrestre, de forma que

a condenação de ambos permite a :

- denúncia da ______________ dos magistrados;

- crítica à parcialidade por parte de homens cultos e responsáveis pela justiça

humana;

- condenação da justiça ______________ pela justiça _______________ .

Nesta cena temos também uma crítica explícita à prática ________________ da

religião.

O acto de _____________ religiosa consiste na responsabilização e arrependimento

sincero do crente pelos seus pecados e na absolvição dos mesmos por parte do

confessor. Ora, o ________________ pratica a confissão de forma ____________ e

interesseira, sem franqueza, humildade e verdade. Assim, o sacramento da confissão do

Corregedor não é válido.

Nesta cena, Gil Vicente alarga a crítica de corrupção aos ____________ (“E as peitas dos judeus” e aos ____________ (“Irês ao lago dos cães / e veres os escrivães /como estão tão prosperados”). 

Para além da nobreza, aponta Gil Vicente uma administração e umamagistratura corrompidas, venais,  insaciáveis, espoliadoras dos própriosadministrados.

Meirinhos, corregedores, juízos, altos funcionários são fustigadosimpiedosamente.

António José Saraiva, in “História ilustrada das grandes literaturas 

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6.  Responde às perguntas e completa o texto:

a)  Algumas das falas do Corregedor e do Procurador estão noutra língua. Qual?

________________________________________________________________

b)  O uso desta língua permite colocar as personagens num nível socioprofissional________________ e é uma forma de mostrar a sua pretensa ______________ e

presunção.

c)  Há também duas outras personagens que utilizam essa língua, embora de forma

macarrónica. Quais?

___________________________________________________________________

(calão; gíria; vulgar; elevado; baixo; latim; superioridade; Parvo; erudição; Diabo.)

A Reclamação

Quantas vítimas das injustiças do Corregedor e do Procuradortiveram motivos para apresentar reclamações?

Como apresentar uma reclamação?

A reclamação pode ser apresentada oralmente  –  pessoalmente (no local) ou por

telefone – e por escrito (fax, carta, e-mail).

As reclamações com carácter oficial, por norma, são apresentadas por escrito, ao

contrário das reclamações informais, normalmente apresentadas oralmente.

Nos estabelecimentos públicos é obrigatório possuir um livro de reclamações.

Nota

Existe algum organismo que dê apoio ao consumidor?

Em Portugal existem dois organismos de defesa do consumidor  – aDECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), da qual tepoderás tornar sócio, e um organismo governamental  – o Instituto Nacional deDefesa do Consumidor.

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Como escrever uma carta de reclamação 

1.  Identificação A carta deverá conter os nomes do remetente e do destinatário, com moradascompletas e, se possível, com o seu contacto telefónico.

2.  Situa temporalmente os factos Menciona o local e a data em que a carta foi escrita. A data deve ser a deenvio.

3.  Relata Deverás relatar pormenorizadamente os motivos que te levaram a enviar a

carta. Não te esqueças de mencionar as datas e os locais onde ocorreram osacontecimentos que levaram ao envio da mesma.

4.  Pretensões Refere de forma clara e precisa, o que pretendes da pessoa ou entidade aquem estás a enviar a carta. Pode ser elaborada uma proposta de resolução,nomeadamente, um pedido de devolução do dinheiro, a troca do produto, opagamento de uma indemnização ou simplesmente o melhoramento doserviço.

5.  Anexa Junta à carta, mencionando esse facto, todos os documentos que consideresnecessários para a compreensão e prova do sucedido. Mas envia cópias,nunca os originais.

6.  AssinaLembra-te que uma carta não assinada é como se fosse anónima!

Atenção

Aconselho-te, por último, que envies a tua carta registada, provando que de facto a enviaste mas, envia-a também com aviso de recepção, para que possas 

provar que a mesma foi, efectivamente, recebida no destinatário. 

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Carta de Reclamação(exemplo)

Manuel da Silva

Rua Das Tristezas n.º 459000 Funchal Tel. 291-356 938 

Electrodomésticos, Lda.Avenida das Virtudes, n.º100

9000 FunchalTel. 291-687 867

Assunto: Compra de Frigorífico Com Defeito

Exmos. Senhores, 

No dia 12 de Novembro de 2007, adquiri no V. estabelecimento comercialdenominado Electrodomésticos Lda., localizado na Avenida das Virtudes, n.º 100,um frigorífico conforme factura n.º 1111111, que junto fotocópia.

Todavia, 2 meses após a compra, verifiquei que o frigorífico não estava a funcionarnas devidas condições, pois não congelava os alimentos. 

Deste modo, venho pela presente... 

- Denunciar o defeito mencionado, solicitando que V. Exas. se dignem mandarrepará-lo/substituí-lo no prazo de 10 dias, dado que ainda mantenho o interesse noreferido electrodoméstico, ou 

- Solicitar a V. Ex.ª a redução do preço do bem em causa, ou 

- Resolver o contrato celebrado com V. Ex.ª. Mais informo que procederei àdevolução do electrodoméstico, mediante a restituição do montante pago. 

Entretanto, aguardarei, durante o prazo acima mencionado, uma resposta de V.Exas., após que de imediato, farei uso dos mecanismos legais disponíveis para oefeito. 

Com os melhores cumprimentos, 

Funchal, 13 de Janeiro de 2007

Assinatura 

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Exercícios

1. Selecciona as principais características psicológicas do Corregedor.

a) presunçoso b) bajulador c) honesto

d) resignado e) confiante f) humilde

2. Na cena do Corregedor e do Procurador estão presentes dois tipos de justiça.Explicita-os e caracteriza-os, completando o seguinte quadro com as palavras aseguir indicadas:

Justiça Profana Justiça Divina

Julga no interior

Respeitadora

OportunistaJulga pelas aparências

Abusiva

Bondosa

Venal

Incorrupta

Eterna

Parcial

Pérfida

Imparcial

3. Classifica o fenómeno fonético que ocorreu na evolução das palavras seguintes:

a) breviairos > breviários Prótese

b) contrairos > contrários Metátese

c) campanairos > campanários Aférese

Maria Filomena Ruivo Ferreira