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  • Captulo I DIREITO TRIBUTRIO 1 1. Conceito 1 2. Terminologia 4 3. Natureza jurdica 6 4. Autonomia 10 5. Relaes com outros ramos do direito 11 6. Evoluo 14

    Captulo II TRIBUTOS 17 1. Noo 17 2. Conceito 18 3. Classificao 24

    3.1. Impostos 25 3.1.1. Classificao dos impostos 27

    3.1.1.1. Impostos reais e pessoais 28 3.1.1.2. Impostos diretos e indiretos 29 3.1.1.3. Impostos fixos, proporcionais, progres-

    sivos e regressivos 31 3.2. Taxas 32

    3.2.1. Taxas de servio 33 3.2.2. Taxas de polcia 38

    NDICE

    DireitoTributrio

  • 3.2.3. Taxas e preos pblicos 40 3.2.4. Pedgio 43

    3.3. Contribuio de melhoria 45 3.4. Outras contribuies 50 3.5. Emprstimos compulsrios 59

    Captulo III SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTRIO 69 1. Noes 69 2. Princpios constitucionais tributrios 73

    2.1. Legalidade tributria 73 2.2. Anterioridade 75 2.3. Irretroatividade 79 2.4. Isonomia 80 2.5. Capacidade contributiva 82 2.6. Proibio de confisco 84 2.7. Universalidade e generalidade 88 2.8. Progressividade 88 2.9. No-cumulatividade 89 2.10. Seletividade 90 2.11. Ilimitabilidade ao trfego de pessoas ou bens 90 2.12. Uniformidade geogrfica 91 2.13. No-discriminao em razo da procedncia ou des-

    tino dos bens ou servios 91 3. Competncia tributria 92

    3.1. Tributos da competncia privativa 93 3.2. Repartio de receitas 95 3.3. Tributos da competncia residual 99 3.4. Tributos da competncia concorrente 100 3.5. Tributos da competncia extraordinria 100

    4. Imunidades 101 4.1. No-incidncia, imunidade e iseno 103

    4.2. Classificao das imunidades 105 4.3. Imunidade recproca 106 4.4. Imunidade dos templos 107 4.5. Imunidade dos partidos polticos, sindicatos de trabalha-

    dores e instituies de educao e assistncia social 108 4.6. Imunidade de livros, jornais e peridicos 110 4.7. Outras imunidades 113

    Captulo IV FONTES DO DIREITO TRIBUTRIO 117 1. Lei em sentido lato 118

    1.1. Constituio H8 1.2. Emendas constitucionais 122 1.3. Leis complementares 127 1.4. Leis ordinrias 132 1.5. Leis delegadas 135 1.6. Medidas provisrias 137 1.7. Resolues e decretos legislativos 146 1.8. Decretos regulamentares 148

    2. Tratados e convenes internacionais 150 3. Normas complementares 154

    3.1. Atos normativos expedidos pelas autoridades adminis-trativas 155

    3.2. Decises administrativas 155 3.3. Prticas reiteradamente observadas pelas autoridades

    administrativas 157 3.4. Convnios 157

    Captulo V VIGNCIA, APLICAO, INTERPRETAO E INTEGRAO DA LEGISLAO TRIBUTRIA 161 1. Vigncia 161 2. Aplicao 165

  • 3. Interpretao 174 4. Integrao 184

    Captulo VI FATO GERADOR 190 1. Noo. Hiptese de incidncia e fato imponvel 190 2. Classificao 198 3. Elementos 199

    3.1. Elemento pessoal 200 3.2. Elemento temporal 201 3.3. Elemento espacial 203 3.4. Elemento material 204

    Captulo VII OBRIGAO TRIBUTRIA 207 1. Conceito 207 2. Sujeito ativo 210 3. Sujeito passivo 212

    3.1. Contribuinte 213 3.2. Responsvel (sentido estrito) 214

    3.2.1. Responsabilidade dos scios 217 3.2.2. Responsabilidade por infraes 222

    3.3. Substituto legal tributrio 226 3.4. Sucessor tributrio 241

    3.4.1. Sucesso imobiliria 242 3.4.2. Sucesso causa mortis 244 3.4.3. Sucesso comercial 245 3.4.4. Sucesso falimentar 250

    4. Solidariedade 255 5. Capacidade 257 6. Domiclio 258 7. Convenes particulares/direito de regresso 259

    Captulo VIII CRDITO TRIBUTRIO 261 1. Noo 261 2. Constituio (lanamento) 261

    2.1. Lanamento direto 270 2.2. Lanamento por declarao 271 2.3. Lanamento por homologao 272 2.4. Tributos sem lanamento 276

    3. Suspenso da exigibilidade 276 3.1. Moratria 277 3.2. Depsito do montante integral 279 3.3. Reclamaes e recursos administrativos 283 3.4. Liminar em mandado de segurana 284 3.5. Concesso de liminar ou tutela antecipada em outras

    espcies de aes 285 3.6. Parcelamento 286

    4. Extino 287 4.1. Pagamento 288

    4.1.1. Repetio de indbito 292 4.1.1.1. Repetio de indbito nos tributos in-

    diretos 299 4.2. Compensao 302 4.3. Transao 307 4.4. Remisso : 308 4.5. Prescrio e decadncia 309 4.6. Converso de depsito em renda 315 4.7. Pagamento antecipado e homologao do lanamento... 316 4.8. Consignao em pagamento 316 4.9. Deciso administrativa irreformvel 319

    4.10. Deciso judicial transita em julgado 319 4.11. Dao em pagamento de bens imveis 319

    5. Excluso 320

  • CAPTULO I D I R E I T O T R I B U T R I O

    1. CONCEITO A ttulo de noo, podemos dizer que o direito tributrio o

    ramo do direito pblico que trata das relaes entre o fisco e os con-tribuintes.

    As conceituaes so sempre precrias tentativas de represen-tar, pelo uso de palavras, realidades cuja fotografia vocabular se re-vela, no mnimo, imprecisa ou esmaecida. Isto ocorre mormente nas cincias normativas, em que a hiptese formulada no pode ser sujei-ta experimentao, de molde a testar sua adequao, como se d nas cincias fsicas. Todavia, tais limitaes so inerentes prpria linguagem, que ainda a nica forma disponvel de buscar a repre-sentao de realidades, com maior dificuldade quando no se trata de realidades fsicas. Por isso, presentes suas intrnsecas limitaes, as conceituaes podem auxiliar na compreenso de seu objeto e, fal-ta de melhor instrumento descritivo, so usadas em todos os ramos do direito.

    Para Rubens Gomes de Sousa, "Direito Tributrio o ramo do direito pblico que rege as relaes jurdicas entre o Estado e os particulares, decorrentes da atividade financeira do Estado, no que se refere obteno de receitas que correspondem ao conceito de tributo" 1.

    1. Compndio de legislao tributria, 4. ed., So Paulo, Resenha Tribut-ria, 1975, p. 40.

    1

    5.1. Iseno

    5.1.1. Classificao das isenes 325 5.2. Anistia 327

    Captulo IX GARANTIAS E PRIVILGIOS DO CRDITO TRIBUTRIO

    3 2 9

    Captulo X ADMINISTRAO TRIBUTRIA 3 4 6

    1 Fiscalizao 2 . Dvida ativa

    3 5 2

    3. Certides

    320

    329

    346 346

    352 360

  • Para Alfredo Augusto Becker, "Direito Tributrio o sistema formado pelas regras jurdicas que disciplinam o nascimento, a vida e extino do dever" (jurdico de prestar tributo)2.

    Amlcar de Arajo Falco escreve que "o captulo do direito pblico, ou o seu ramo, que estuda as relaes entre particulares e o Estado para a obteno de tributos, ou seja, aquele que expe os prin-cpios e normas relativas imposio e arrecadao de tributos e ana-lisa as relaes jurdicas conseqentes, entre os entes pblicos e os cidados, se denomina direito tributrio"7,.

    "O Direito Tributrio um conjunto de normas e princpios enucleados pelo conceito de tributo" o conceito de Celso Ribeiro Bastos 4.

    Zelmo Denari define-o como "ramo do direito pblico que re-gula as normas relativas imposio, fiscalizao e arrecadao dos tributos e disciplina a relao entre fisco e contribuinte"5.

    Hugo de Brito Machado, por seu turno, fornece-nos o seguinte conceito de nossa disciplina: "ramo do Direito que se ocupa das rela-es entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposies tributrias de qualquer espcie, limitando o poder de tributar e protegendo o cida-do contra os abusos desse poder" 6.

    Obviamente, todas as definies so passveis de crtica, at pelas limitaes da tarefa conceituai com os recursos lingsticos, j refe-ridas. Das primeiras (de Rubens, Becker, Falco, Bastos, Denari) poder-se-ia apontar a tautologia, a petio de princpio de utilizar na conceituao o objeto que se busca definir. Em todas elas recorren-te a meno ao conceito de tributo, o que acaba resultando na defmi-

    2. Teoria geral do direito tributrio, 3. ed., So Paulo, Lejus, 1998, p. 257. A parte final, por ns acrescida, infere-se da exposio, buscando-se sntese do texto ao qual Becker remete a conceituao.

    3. Introduo ao direito tributrio, 4. ed. (atual, por Flvio Bauer Novelli), Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 8, grifo do original.

    4. Curso de direito financeiro e de direito tributrio, 4. ed., So Paulo, Sa-raiva, 1995, p. 95.

    5. Curso de direito tributrio, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 9-10. 6. Curso de direito tributrio, 19. ed., So Paulo, Malheiros Ed., 2001, p. 46.

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    o do direito tributrio como o ramo do direito que estuda os tribu-tos. Mas talvez tal insuficincia seja nsita tentativa de construo conceituai de um ramo do direito que se particulariza pelo seu objeto, o tributo. Alis, acuidade de Becker, isto no escapou: esclareceu que "esta conceituao do Direito Tributrio fica esclarecida pelo conceito jurdico de tributo, ver n. 71-80" 7.

    Do conceito de Hugo Machado, pode-se apontar o carter prag-mtico, ou at de declarao de intenes ou de vontade do autor. Que o direito tributrio limite o poder de tributar e proteja os cida-dos contra os abusos desse poder situao que todos devemos al-mejar, mas no inerente ao conceito do ramo jurdico e depende de cada ordenamento especfico. Ser que devemos negar constituir di-reito tributrio o atual ordenamento jurdico brasileiro que excepciona os prprios princpios da legalidade e anterioridade maioria dos impostos federais, que aboliu a exigncia de prvia autorizao ora-mentria para a cobrana de tributos e agora vem de consagrar nor-mas genricas ditas "antieliso"?

    Mas no se enverede demais por essa senda, sem ter presente a precisa advertncia de Gilberto de Ulha Canto: "Logo que ouvimos uma definio procuramos ver no que deficiente, no que incom-pleta, e entramos numa ginstica dialtica, que no constri, no pro-duz os resultados que corresponderiam logicamente ao esforo despendido" 8.

    Melhor auxlio compreenso talvez se preste se delimitarmos o objeto de nosso estudo, apontando sua distino das cincias e ra-mos jurdicos afins, especialmente a cincia das finanas e o direito financeiro.

    Cincia das finanas a cincia pr-jurdica que estuda a ativi-dade financeira do Estado (receita, despesa, oramento e crdito p-blico) sob o ponto de vista poltico, visando satisfao das neces-sidades da coletividade.

    7. Teoria, cit., p. 257, nota 16. 8. Curso de direito financeiro, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Direito

    Financeiro, 1958, p. 99.

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  • Direito financeiro o ramo da cincia jurdica que estuda o pro-blema da aplicao (destinao) dos recursos obtidos pelo Estado (independente de sua origem tributria ou no tributria). o estudo, sob o ponto de vista normativo, da despesa pblica.

    Direito tributrio o ramo da cincia jurdica que cuida da arre-cadao (obteno) dos recursos pblicos; no de quaisquer recursos pblicos, mas unicamente daqueles que configuram tributos9. o estudo, sob o ponto de vista normativo, da obteno (arrecadao) da receita advinda dos tributos.

    Postas tais noes, embora os j apontados perigos da con-ceituao, podemos, para fins didticos, dizer que direito tributrio o ramo do direito pblico que abrange o complexo de princpios e regras jurdicas que regem as relaes sobre imposio, fiscalizao e arrecadao de tributos entre entidades de direito pblico e sujeitos passivos da relao jurdica tributria.

    Sobre a caracterizao do direito tributrio como ramo do direi-to pblico, remetemos o leitor ao item "Natureza jurdica", neste mesmo captulo. Anotamos que o sujeito ativo da relao jurdica tributria , em princpio, pessoa de direito pblico (interno) e, como veremos mais adiante (Captulo VII Obrigao tributria, n. 3 Sujeito passivo), a sujeio passiva no se limita ao contribuinte (po-dendo abranger responsvel, substituto ou sucessor tributrio). Quanto recorrncia na definio idia de tributo parece mesmo inevitvel, pois o que particulariza o direito tributrio o objeto: os tributos. Da definio destes, que no dizer de Becker ir completar o presente conceito, cuidaremos no captulo seguinte.

    2. TERMINOLOGIA

    A denominao direito tributrio est consagrada no direito bra-sileiro e a mais adequada.

    Direito fiscal, utilizada no direito francs (droit fiscal), ingls (fiscal law), bem como em Portugal, expresso que lhe disputa a

    9. A arrecadao de recursos no tributrios (receitas patrimoniais, empre-sariais, creditcias) matria de direito administrativo.

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    preferncia no direito comparado. Alm de a palavra fiscal designar algo mais amplo, abrangendo a atividade do errio pblico como um todo (fiscal vem do latim fiscus, cesta para guardar dinheiro e, figuradamente, o errio), parece, por outro lado, limitar o ramo jur-dico ao estudo de um s dos plos (o plo ativo) da relao jurdica tributria, desprezando o outro, onde se encontra o sujeito passivo (contribuinte, responsvel, substituto, sucessor). No obstante, entre ns, que preferimos a expresso "direito tributrio", diz-se crdito fiscal, dbito fiscal, ao fiscal etc. para qualificar questes nitida-mente tributrias.

    A expresso "legislao tributria" tambm inadequada, por ser restrita. O direito mais do que a lei, em estado bruto: o conjun-to de princpios, o sistema, o mtodo, a doutrina, a jurisprudncia, que conferem autonomia e sistematicidade a um ramo do direito. A expresso, hoje, resqucio de quando ainda no se afirmara a auto-nomia do direito tributrio, que hoje indiscutvel1 0 (tanto que, na dcada de 50, Rubens Gomes de Sousa intitulou seu livro clssico Compndio de legislao tributria).

    E expresso "legislao fiscal" podem-se juntar os reparos j feitos ao termo "direito fiscal".

    Optou bem o direito brasileiro ao consagrar a terminologia "di-reito tributrio" para a denominao do ramo jurdico objeto do nos-so estudo. A expresso vem posta no direito positivo desde a Emenda Constitucional n. 18, de 1965, que organizou o "Sistema Tributrio Nacional". Da passou Lei n. 5.172/66 (Cdigo Tributrio Nacio-nal) e s Constituies subseqentes. A vigente Constituio Federal de 1988, no Captulo I (arts. 145 a 162) do Ttulo VI, cuida do Siste-ma Tributrio Nacional.

    A denominao direito tributrio, alm de no direito positivo, consolidada na doutrina e jurisprudncia brasileiras. Que fizeram bem, como se viu.

    10. Sobre autonomia do direito tributrio, ver logo a seguir o n. 4. neste Captulo.

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  • 3. NATUREZA JURDICA A diviso do direito em direito pblico e direito privado tradi-

    cional. No entanto, no h critrio distintivo que colha a unanimida-de da doutrina. Pelo contrrio, hoje h quase consenso que a tradi-cional e clssica diviso no tem fundamento cientfico.

    No obstante, todos reconhecem sua valia para fins didticos e, por isso, convm buscar trao razovel de separao, at em respeito tradio da dicotomia.

    A separao vem de Roma e o conceito de Ulpiano tambm clssico (e apontado como origem da diviso): "Hujus studii duae sunt positiones, publicum et privatum. Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem: sunt enim quaedam publice utilia quaedam privatum" 1 1. Ou seja, direito pblico era aquilo do interesse do Estado (rei) romano; direito priva-do, o que dizia respeito ao interesse dos particulares.

    A definio clssica do jurisconsulto romano j no aceit-vel. A par de, por vezes, mesclar-se em uma norma a defesa de interesses pblicos e privados (por exemplo, as normas de direito de famlia), a expanso da atividade estatal ocorrida no sculo XX, sob o impulso das concepes keynesianas de interveno do Esta-do no domnio econmico e de regulao estatal da economia, fez com que se alargasse de forma amplssima o que de interesse de Estado. A aplicao do clssico conceito romano praticamente a tudo aambarcaria no direito pblico (nem sendo preciso invocar as experincias histricas concretas do socialismo estatal no sculo XX, bastando analisar a atividade de interveno na economia dos mo-dernos Estados europeus e norte-americano). Mesmo as doutrinas reducionistas da atividade estatal no final do mesmo sculo, ditas "neoliberais" cujo contedo tico, poltico e social impossvel analisar nos limites desta obra didtica , sequer se aproximam da reduo real do papel do Estado moderno quele do laisser-faire, tratando apenas das foras armadas, polcia e justia, ao largo de qualquer atividade de interveno ou regulao econmica. Basta a

    11. Digesto, I, 1, 1, 2.

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    presena maior ou menor , mas hoje inevitvel, das empresas estatais, para ser impraticvel a linha de diviso do direito pblico e privado do fragmento de Ulpiano.

    Embora juristas da maior autoridade apontem o artificialismo da diviso e a inexistncia de critrio cientfico distintivo1 2, presente a inegvel utilidade da distino, parece til perquirir na doutrina algum trao diferenciador razovel; este encontra-se na conjugao, na caracterizao do direito pblico, da presena de interesse de ente estatal com a existncia de relao jurdica de subordinao, ou seja, a presena do Estado em posio de superioridade em relao ao particular na relao jurdica respectiva, pois dotado de poder de im-prio. Poder de imprio o poder que tem o Estado de, em face da sua posio de governo da sociedade poltica, fazer imposies, agir de forma coercitiva em relao aos particulares. Assim, uma relao de locao entre o Estado e um particular ser de direito privado. No obstante a presena do Estado, uma relao entre partes iguais, no podendo o Estado que a no est presente na condio de ente poltico dotado de soberania impor ao particular o dever jurdico de realizar a prestao independentemente de sua vontade. J nas relaes de direito pblico, o Estado, alm de estar presente, est na condio de ente poltico dotado de soberania, exercendo poder de imprio, com base no qual impe alguma prestao ao particular. Assim, quando os convoca a votar 1 3, a prestar servio militar, eleito-ral ou de jri, ou a pagar tributos. Observao que se impe (e que diferencia o regime democrtico dos absolutismos) que, no Estado Constitucional Democrtico de Direito, o exerccio do poder de im-prio deve-se dar nos limites da lei, conforme Constituio, legiti-mamente elaborada, e em prol do interesse pblico.

    Em sntese, o direito pblico aquele que regula as relaes em que o Estado parte e age dotado de poder de imprio, em razo de sua

    12. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, Rio de Janeiro, Borsoi, 1954, v. 1, 21, n. 1; Kelsen, Teoria general dei Estado, Madrid, 1934, p. 105-6; Norberto Bobbio, Diritto e Stato nel pensiero di Emanuele Kant, Torino, 1957, p. 137-8.

    13. Mais notvel o poder de imprio, no particular, em sistemas polticos como o nosso, em que o voto obrigatrio.

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  • soberania, exercida nos limites da lei e em funo do interesse coleti-vo. O direito privado, por sua vez, disciplina as relaes em que o Estado no se faz presente relaes entre particulares ou, em que se fazendo presente, no o faz na condio de ente poltico soberano, mas em situao de igualdade jurdica com os particulares1 4.

    Isto posto, o direito tributrio situa-se, sem sombra de dvida, no campo do direito pblico. evidente que a imposio dos tributos no se faz por ato de vontade ou consenso do sujeito passivo, mas de soberania do Estado. O Estado exige-os, de forma coercitiva, no exer-ccio de seu poder de imprio (limitado todavia , em Estado Constitucional Democrtico de Direito, pelo princpio da legalida-de). Alis, tal decorre do prprio conceito de tributo 1 5: "prestao pecuniria compulsria"16, logo, decorrente de imposio, fundada no poder de imprio, e no da vontade.

    Presente tal delineamento podemos dizer que fazem parte do direito pblico, alm do direito tributrio, como verificamos, o direi-to constitucional, administrativo, financeiro, penal e processual.

    O direito constitucional, ao traar as prprias bases da organi-zao institucional do Estado, praticamente define os limites da so-berania estatal e a forma de exerccio de seu poder de imprio.

    O direito administrativo disciplina as relaes entre o Estado e seus funcionrios (em sentido estrito, sob regime estatutrio) e est permeado pelo exerccio do poder de imprio estatal, justamente por-que essas relaes so estatutrias (estatuto especial, expedido unila-teralmente pelo Estado, no exerccio do poder de imprio, em face das condies peculiares exigidas do servio pblico) e no contratuais.

    14. Neste sentido, Goffredo Telles Jr., Iniciao na cincia do direito, So Paulo, Saraiva, 2001, p. 225-8, salientando que, no direito pblico, as relaes jurdicas so de subordinao, pois "uma das partes o Governo da sociedade poltica, exercendo a suafuno de mando" (grifo do original) e no direito privado as relaes so de coordenao, pois as partes se tratam de igual para igual. Gustav Radbruch. Introduccin a la cincia dei derecho (traduo de Luiz Recasens Siches), Madrid, Revista de Derecho Privado, 1930, p. 79-80.

    15. Ver n. 2 (Conceito) do Captulo II (Tributos). 16. CTN, art. 3 2 .

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    O direito financeiro o conjunto de normas jurdicas que disci-plinam a despesa pblica, que justamente por ser pblica subordina-se a normas especiais (de oramento e contabilidade pblicas), pecu-liares ao Estado, entendido como ente jurdico-poltico dotado de so-berania.

    No direito penal talvez se expresse de forma mais ntida (por vezes dura, at cruel) o exerccio do poder de imprio, atributo da soberania. A imposio de pena criminal ao cidado (embora as ga-rantias processuais penais nos Estados democrticos) tpico ato de imposio com base na soberania estatal, que pode chegar at pri-vao da liberdade e pasme-se inclusive em Estados que se pretendem civilizados destruio fsica do indivduo, com su-presso da prpria vida.

    No direito processual, civil ou penal, o juiz (que personifica o Estado, tanto que comum na doutrina a expresso Estado-Juiz) age no exerccio da soberania daquele, com poder de imprio, em posi-o de superioridade jurdica em relao s partes litigantes. Nas re-presentaes grficas das teorias da ao, o juiz situa-se no vrtice superior do ngulo, em cuja base situam-se autor e ru. Em numero-sos aspectos da relao processual, da polcia das audincias, passan-do pelo poder de conduo de testemunhas, de produzir prova de iniciativa oficial, expropriao de bens do devedor, revela-se o exer-ccio do poder de imprio estatal.

    J o direito civil e o direito comercial so ramos do direito pri-vado, que regem relaes entre os particulares; neles predominam normas jurdicas dispositivas, de coordenao (em contraposio imposio caracterstica do direito pblico) dos interesses priva-dos nelas envolvidos. E possvel que em tais relaes ocorra a parti-cipao do Estado, como sujeito passivo ou ativo da relao jurdica obrigacional, especialmente em face do alargamento das atribuies deste, particularmente de interveno na economia, com o desenvol-vimento das concepes keynesianas e de bem-estar social. Mas sua presena (seja do Estado em sentido estrito, ou de empresas estatais) no se dar no exerccio do poder de imprio derivado da soberania, mas como mero contratante, em posio de igualdade (no de supe-rioridade, pelo exerccio de poder de imprio) em relao ao outro contratante. Por isso, a relao ser de direito privado.

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  • O direito tributrio, j vimos, faz parte do direito pblico. Tra-ta-se de direito pblico, obrigacional e comum. Esta sua natureza jurdica.

    E direito obrigacional, pois a relao jurdica tributria tem por objeto a prestao que satisfaz a obrigao tributria11, que uma especfica relao de dbito e crdito entre sujeito ativo e passivo.

    direito comum porque rege relaes permanentes entre fisco e contribuinte, no se destinando vigncia temporria ou excepcio-nal. As vises do direito tributrio como direito excepcional, de mol-de a restringir sua interpretao sempre ao mtodo literal, ou justificar a aplicao dos brocardos in dbio contra fisco ou in dbio pro fisco esto hoje completamente superadas 1 8.

    4. AUTONOMIA O tema da autonomia do direito tributrio dominou a pauta das

    discusses doutrinrias na dcada de 60, quando comeava a se con-solidar 1 9. Note-se que Becker asseverava que autonomia no voc-bulo jurdico e que autonomia do direito tributrio e de qualquer ramo do direito problema falso. Por no existir norma jurdica indepen-dente da totalidade do sistema jurdico, a autonomia de qualquer ramo do direito seria apenas didtica 2 0.

    Em verdade, todos os ramos do direito se interligam. A velha figura (didtica, se quiserem) da rvore que possui o tronco comum (o velho direito civil), do qual surgem ramificaes, prpria para mostrar que autonomia no significa ausncia de interpenetraes ou

    17. Ver Captulo VII, onde se aprofundar o exame da obrigao tributria e de seus elementos.

    18. Ver Amlcar de Arajo Falco, Introduo, cit., p. 9-12. "Se, pois, os tributos vm atender a uma necessidade geral, se so a condio, em grau prevalente e em situaes normais, da prpria sobrevivncia do Estado, no h como vislum-brar neles aquele carter de excepcionalidade. Conseqentemente, direito co-mum o direito tributrio, salvo a existncia, como em todas as demais disciplinas jurdicas, de preceitos de direito estrito ou excepcional" (p. 12).

    19. A respeito, consultar o interessantssimo estudo de Amlcar Falco, In-troduo, cit., p. 12-20.

    20. Teoria, c i t , p. 29-31.

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    vasos comunicantes entre os diversos ramos do direito. Mas a auto-nomia, para alm de didtica, pode ser cientfica (existncia de insti-tutos e princpios prprios a um ramo do direito), a par de doutrinria ou legal. Por qualquer ngulo que se vislumbre, indiscutvel hoje a autonomia do direito tributrio.

    Sua autonomia didtica incontestvel, pois consolidado o seu ensino, em cadeiras prprias, com a denominao "Direito Tribut-rio" nas Faculdades de Direito, alis como matria obrigatria nos seus currculos.

    A autonomia cientfica tambm se faz presente. O direito tribu-trio tem institutos (a prpria noo de tributo, lanamento, formas de no-incidncia, conceitos de fato gerador, crdito tributrio, eliso e evaso fiscais etc.) e princpios prprios (legalidade, anterioridade, universalidade, generalidade, isonomia, irretroatividade, no-cumulatividade, capacidade contributiva, seletividade etc) .

    A autonomia legal tambm se encontra presente, em nosso di-reito positivo, no mais alto grau de elaborao legislativa, desde 1966, quando alcanamos o estgio da codificao, com a promul-gao do Cdigo Tributrio Nacional (Lei n. 5.172, de 25-10-1966). Como se sabe, quanto ao nvel de elaborao legislativa, h trs graus de desenvolvimento da organizao do direito positivo em cada ramo do direito: 1. legislao esparsa; 2. consolidao, quan-do h reunio, em um diploma legal, da legislao relativa quele ramo; e 3. codificao, quando a legislao relativa no apenas reunida, mas organizada e sistematizada cientificamente, em Cdi-go respectivo. Tendo alcanado o patamar da codificao (ainda no atingido em alguns ramos mais antigos e tradicionais do direito administrativo, trabalhista, financeiro), indiscutvel que o di-reito tributrio, tambm sob o prisma legal, logrou atingir sua auto-nomia.

    5. RELAES COM OUTROS RAMOS DO DIREITO Autonomiaj se disse no significa isolamento. Nenhum

    ramo do direito estanque. Todos se inter-relacionam, mantm entre si correlaes que configuram a unidade do sistema jurdico.

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  • Quanto ao direito tributrio, mantm estreitas relaes com o direito constitucional, financeiro, administrativo, penal, processual civil e penal e mesmo com o direito privado (civil e comercial).

    O direito constitucional traa as prprias bases institucionais do Estado, que exercer a competncia impositiva. Ademais, em um Estado federal, a Constituio dispor sobre discriminao de rendas (ou seja, discriminar quais os tributos que cabero Unio, aos Es-tados e -em nosso modelo federativo aos Municpios) 2 1. Ainda, estabelecer os princpios constitucionais tributrios e disciplinar as limitaes constitucionais ao poder de tributar. Entre ns, a Consti-tuio Federal de 1988 tratou longamente do "Sistema Tributrio Nacional", dedicando-lhe o Captulo I do Ttulo VI ("Da Tributao e do Oramento"), em 18 artigos (arts. 145 a 162). Assim, j se pode falar em um "Direito Constitucional Tributrio" e, cada vez mais, freqentam os foros questes tributrias aliceradas em disposies constitucionais. Alis, sendo detalhado o regramento constitucional do sistema tributrio, a defesa judicial dos contribuintes contra pre-tenses do fisco, com freqncia cada vez maior, funda-se na argui-o de inobservncia dos preceitos constitucionais pelo legislador ordinrio tributrio.

    O direito financeiro trata da realizao das despesas pblicas e o direito tributrio, das receitas pblicas tributrias. J, por isto, es-treitas so as relaes entre os dois ramos. Ainda, para muitos, o direito tributrio surgiu e ganhou autonomia em relao ao direito financeiro, que primeiro se desenvolveu (e ambos se originaram do direito administrativo, que, por sua vez, especializou-se do tronco originrio do direito civil). A Constituio Federal disciplina a mat-ria tributria e financeira sob o mesmo Ttulo VI ("Da Tributao e

    21. A considerao do Municpio como entidade estatal integrante da Fede-rao ("A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal CF, art. I 2 , caput"), entidade polti-co-administrativa, com autonomia poltica, legislativa, administrativa e financeira, trao peculiar ao modelo brasileiro de Federao. Na maioria das Federaes, a distribuio de poderes se d entre Unio e Estados Federados, mas na Federao brasileira trplice: entre Unio, Estados e Municpios, inclusive quanto compe-tncia tributria.

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    do Oramento"), tratando do primeiro ramo no Captulo I do Ttulo ("Do Sistema Tributrio Nacional") e do segundo no seu Captulo II ("Das Finanas Pblicas").

    O direito administrativo rege as relaes do Estado com seus funcionrios, inclusive com os funcionrios do fisco, que tm sem-pre sido reconhecidos como integrantes de carreira tpica de Estado, tradicionalmente submetida a regime estatutrio. O dia-a-dia da ati-vidade tributria feito pelo trabalho dos funcionrios do fisco (seja na atividade de lanamento, seja na fixao da interpretao admi-nistrativa das leis tributrias ou nos rgos de jurisdio administra-tiva), cujas atribuies, competncia, disciplina, direitos e deveres so objeto do direito administrativo.

    Com o direito penal, igualmente, o direito tributrio mantm estreitas relaes. A par da existncia de crimes tributrios (ilcitos penais em matria tributria), como sonegao fiscal, apropriao indbita em matria tributria e t c , que constituem objeto do direito penal tributrio captulo do direito penal , h as infraes tribu-trias (que no constituem crimes, mas meros ilcitos administrati-vos) e que so objeto do direito tributrio penal captulo do direito tributrio , ao qual se aplicam, embora de forma mitigada, alguns princpios prprios do direito penal, como in dbio pro reo e a retroatividade benigna (retroao de disposio sobre infrao tribu-tria mais favorvel ao infrator).

    Tambm com o direito processual, civil ou penal, relaciona-se o direito tributrio. A apurao de responsabilidades, pela prtica dos crimes tributrios, dar-se- segundo as regras de direito processual pe-nal. O exerccio das pretenses do fisco e do contribuinte, presente que nosso ordenamento jurdico no admite (nem mesmo para o fisco, a quem outros ordenamentos permitem, limitadamente por exemplo, penhora administrativa de bens do devedor) a autodefesa (ou seja, sa-tisfazer por meios prprios uma pretenso, ainda que legtima a justia pelas prprias mos), qualquer um deles, ao ter algum direito violado ou pretenso no satisfeita, dever propor a ao prpria, que se reger pelas normas de direito processual civil. A propsito, h lei processual especial a respeito Lei de Execues Fiscais (Lei n. 6.830, de 22-9-1980), e inmeras so as aes comumente utilizadas pela Fazenda ou pelos contribuintes, como, por exemplo, execuo fiscal,

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  • ao cautelar fiscal (Lei n. 8.397, de 6-1-1992), embargos execuo fiscal, ao anulatria de dbito fiscal, mandado de segurana em ma-tria fiscal, ao cautelar, ao declaratria de inexistncia de dbito e tc ; enfim, todas as aes utilizveis pelas partes no contencioso judi-cial tributrio so objeto de regramento pelo direito processual civil, cujos preceitos tambm se aplicam subsidiariamente aos procedimen-tos tributrios administrativos, quanto ao processamento de impugnaes e recursos administrativos.

    Por fim, tambm com o direito privado civil e comercial o direito tributrio mantm relaes, na medida em que toma empres-tados institutos desses ramos, ainda que eventualmente lhes altere os efeitos para fins tributrios (as noes de prescrio, decadncia, ca-pacidade, domiclio, solidariedade, sucesso etc) .

    6. EVOLUO Tributos existem desde a remota Antigidade. Sempre foi a

    maneira de o Estado (qualquer que fosse a sua forma) obter receitas necessrias consecuo de seus fins. Sob o regime absolutista, as imposies fiscais decorriam to-s da vontade do detentor do poder absoluto, normalmente o monarca absolutista. Aos contribuintes res-tavam duas opes: ou atender imposio ou a insurreio armada. Na histria brasileira, inmeras rebelies tm por causa exigncias tributrias (assim, entre outras, a Revolta de Felipe dos Santos, a In-confidncia Mineira, a Revoluo Farroupilha).

    O primeiro diploma legal sobre garantias do contribuinte a Magna Carta inglesa de 1215, na qual lograram os bares limitar os poderes absolutos da Coroa, onde figura, pela primeira vez, ainda que de forma embrionria, o princpio da legalidade (qualquer tribu-to dependeria de aprovao assemblear).

    Mas da existncia de um direito tributrio enquanto tal que basicamente um sistema de limitaes ao poder impositivo estatal (em matria de tributos) e de garantias constitucionais e legais ao contribuinte no poderia se cogitar nos parmetros (ou na falta deles) do Estado absolutista. S com o surgimento dos Estados de Direito criam-se as pr-condies para o desenvolvimento do direito tributrio.

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    O desenvolvimento doutrinrio do direito tributrio ocorrer, em maior extenso, na Itlia, j no final do sculo XIX, intensifican-do-se especialmente a partir da dcada de 20, quando se pode dizer j formada, na Itlia, uma doutrina jurdico-tributria Raneletti, Griziotti, Cocivera, D'Alessio, D'Amlio, Vanoni, Zingali, aos quais se seguiram Allorio, Berliri e Giannini, foram os criadores do que por primeiro se pode denominar uma verdadeira doutrina de direito tributrio. A doutrina italiana, inclusive pelo maior desenvolvimento que alcanou, teve forte influncia nos estudos tributrios brasilei-ros. Enquanto no direito civil, indubitavelmente, maior era a ascen-dncia dos autores alemes (evidente em nossos maiores, como Cl-vis Bevilqua e Pontes de Miranda), foi a italiana que mais influen-ciou a embrionria doutrina tributria brasileira (clara, por exemplo, na formao e na obra de Rubens Gomes de Sousa).

    Todavia, a primeira codificao do direito tributrio deu-se na Alemanha, em 1909, com a RAO {Reichsabgabenordnung), obra de Enno Becker.

    Entre ns, a primeira tentativa de codificao foi o projeto de Rubens Gomes de Sousa, encampado pelo ento Ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha. O projeto, que ficou conhecido como Projeto Osval-do Aranha-Rubens Gomes de Sousa, e que muito honra a cultura jur-dica nacional, tornou-se o Projeto de Lei n. 4.834/54. Seguiram-se, porm, os fatdicos acontecimentos de agosto de 1954, e com a morte, nas circunstncias conhecidas, do Presidente Getlio Vargas, afastou-se Osvaldo Aranha do Ministrio da Fazenda e, mngua de apoio e interesse poltico na sua transformao em lei, o projeto no vingou.

    Na dcada de 50 e incio da de 60, comea a se formar uma doutrina tributria brasileira e construir-se a autonomia de nossa dis-ciplina. Na Universidade de So Paulo, Rubens Gomes de Sousa le-ciona a cadeira de "Legislao Tributria". Seguem-se as obras de Rubens Gomes de Sousa, Aliomar Baleeiro, Amlcar de Arajo Fal-co, Gilberto de Ulha Canto, Alfredo Augusto Becker, verdadeiros corifeus do direito tributrio brasileiro.

    Finalmente, em 1965, a Emenda Constitucional n. 18 ( Consti-tuio de 1946), promulgada em I a de dezembro de 1965, realizou a "Reforma Tributria", traando as linhas do sistema tributrio que, com modificaes no mais que pontuais, at hoje vigora entre ns.

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  • Na sua esteira, surgiu o Cdigo Tributrio Nacional, a partir de ante-projeto elaborado por Comisso composta por Rubens Gomes de Sousa, Gerson Augusto da Silva, Sebastio Santana e Silva, Mrio Henrique Simonsen, Gilberto de Ulha Canto e Luiz Simes Lopes. Aprovado pelo Congresso Nacional, tornou-se a Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. O art. 1 do Ato Complementar n. 36, de 13 de maro de 1967, denominou-a (com as alteraes posteriores) Cdigo Tributrio Nacional.

    Na esteira do Cdigo, surgiram inmeras obras de doutrina (entre tantas outras, de Baleeiro, Fbio Fanucchi, Geraldo Ataliba, Bernardo Ribeiro de Moraes, Souto Maior Borges) que vieram consolidar a au-tonomia e o desenvolvimento do direito tributrio no Brasil.

    Com a Constituio de 1988, houve algumas modificaes em nossa estrutura tributria e a disciplina mereceu uma minuciosa normatizao constitucional, tambm estimulando o desenvolvimento doutrinrio e o surgimento de novos estudos tributrios (entre outros, podem-se apontar as obras de Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra da Silva Martins, Paulo Barros de Carvalho, Roque Carrazza, Zelmo Denari, Luciano Amaro, Hugo de Brito Machado, Sacha Calmon Navarro Coelho).

    Desde ento tem-se falado repetidamente em reforma tribut-ria, com o surgimento de projetos tanto de origem no Poder Executi-vo quanto parlamentar, que, todavia, no vinham avanando, pela extrema dificuldade de construir o mnimo consenso necessrio entre os vrios interesses contrapostos e ausncia de real interesse na sua aprovao pelo forte Poder Executivo federal, que preferiu adotar medidas, sempre pontuais, para ampliar sua arrecadao a empenhar-se em verdadeira reformulao geral do sistema tributrio, que ainda remonta a 1965, com inmeras modificaes particularizadas, ao sa-bor das imposies polticas cotidianas e necessidades de caixa go-vernamentais, carecendo efetivamente de maior sistematizao e racionalidade. No ano de 2003, props o novo governo federal proje-to que denominou "reforma tributria", sendo ele aprovado e resulta-do na Emenda Constitucional n. 42, de 19 de dezembro de 2003. Muito longe est, todavia, de uma verdadeira reforma tributria, ain-da por fazer. Limitou-se a modificaes pontuais e prorrogao da Desvinculao de Receitas da Unio e da antiga CPMF, para atender s necessidades financeiras do governo federal.

    CAPTULO II T R I B U T O S

    1. NOO Tributos so prestaes obrigatrias, em espcie, exigidas pelo

    Estado, em funo de seu poder de imprio, sem carter sancionatrio. Normalmente visam finalidade fiscal: obter os recursos necessrios para o regular funcionamento do Estado. Modernamente, porm, a isso se agrega finalidade extrafiscal: estimular (ou desestimular) cer-tas atividades, como forma de interveno do Poder Pblico no do-mnio econmico.

    So prestaes obrigatrias; coercibilidade trao caractersti-co dos tributos. Tal no se confunde, porm, em Estado Constitucio-nal Democrtico de Direito, com ausncia de consenso social na sua exigncia. O tributo prestao obrigatria, compulsria; nisto, dis-tingue-se de qualquer prestao voluntria. Prestao voluntria ja-mais ser tributo. Mas a coercibilidade vem assim, digamos, "casa-da" com o princpio da legalidade. O tributo s poder ser institudo ou aumentado por lei. E em Estado Constitucional Democrtico de Direito, lei produo de Casa legislativa, formada por representan-tes eleitos pelo povo, assegurando-se legitimidade e consenso social na escolha da representao, a quem caber, por processo legislativo regular, autorizar a instituio ou elevao de tributo1.

    1. No atual ordenamento jurdico constitucional brasileiro, essa garantia es-sencial democracia, aos direitos dos contribuintes e legitimidade da tributao est substancialmente descaracterizada em face da possibilidade, agora expressa-mente prevista na Constituio, em virtude da Emenda Constitucional n. 32 ( 2 2 do art. 62, por ela acrescido), de instituio e majorao de tributos por medida provisria.

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  • Por certo, a tributao no simptica, pela prpria idia de coero, que lhe inerente. Mas ser mais ou menos aceitvel con-forme a eficincia do mecanismo poltico-social de formao de con-senso e legitimao da exigncia fiscal, o desenvolvimento poltico dos povos e o reconhecimento da efetiva aplicao, pelo Estado, dos recursos assim carreados, em fins de interesse coletivo.

    E no tm os tributos carter sancionatrio, no que se distin-guem das multas penais ou administrativas (que tambm so presta-es pecunirias obrigatrias impostas pelo Estado, em razo de seu poder de imprio), pois no constituem sano pela prtica de ilcito.

    Para o jurista italiano A. D. Giannini, tm os tributos trs carac-tersticas fundamentais: so devidos a ente pblico, sua imposio se funda no poder de imprio do Estado e visam obteno de recursos para que o Estado alcance seus fins.

    2. CONCEITO

    Posta a noo de tr ibuto, podemos examinar a lgumas conceituaes doutrinrias e sua definio legal em nosso direito positivo, sempre com as ressalvas feitas, anteriormente, quanto s limitaes das conceituaes em geral.

    Para Becker, tributo objeto da prestao que satisfaz o dever do sujeito passivo da relao jurdica tributria de efetuar uma prede-terminada prestao, atribuindo ao sujeito ativo o direito de obter a prestao2.

    Zelmo Denari define-o "como prestaes pecunirias impostas, legalmente, pelo Estado, para obteno de recursos financeiros"3.

    Luciano Amaro, por seu turno, conceitua-o como "prestao pecuniria no sancionatria de ato ilcito, instituda em lei e devida ao Estado ou a entidades no estatais de fins de interesse pblico" 4.

    E Geraldo Ataliba ensina que "juridicamente define-se tributo como obrigao jurdica pecuniria ex lege, que se no constitui em

    2. Teoria, cit., p. 261. 3. Curso, cit., p. 43. 4. Direito tributrio brasileiro, So Paulo, Saraiva, 1997, p. 25.

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    sano de ato ilcito, cujo sujeito ativo , em princpio, uma pessoa pblica, e cujo sujeito passivo algum nessa situao posto pela vontade da lei" 5.

    O Cdigo Tributrio Nacional, por sua vez, fornece-nos um con-ceito legal de tributo, em seu art. 3 a : "Tributo toda prestao pecuniria compulsria, em moeda ou cujo valor nela se possa expri-mir, que no constitua sano de ato ilcito, instituda em lei e cobra-da mediante atividade administrativa plenamente vinculada" 6.

    certo que, em princpio, descabe lei trazer definies de institutos jurdicos, tarefa antes reservada doutrina. No caso con-creto, tendo em conta, poca, a incipincia de nossos estudos tribu-trios, entendeu a Comisso que redigiu o anteprojeto do Cdigo de fornecer amide definies legais, buscando precisar o conceito dos ento ainda novis institutos.

    Como no poderia deixar de ser, o conceito legal trazido pelo Cdigo gerou, em doutrina, posies dspares. Geraldo Ataliba, nas trs primeiras edies da Hiptese de incidncia tributria, mencio-nou "o Cdigo Tributrio Nacional conceitua tributo de forma exce-lente e completa" 7. Mas a partir da quarta edio (1990), a referncia foi suprimida e acrescido que "no funo de lei nenhuma formular conceitos tericos, pelo que o art. 3 a seria mero 'precepto didctico', como refere a doutrina espanhola"; Luciano Amaro dirige duras cr-ticas ao texto, do qual diz mesmo "redigido em mau portugus, onde a preposio 'em' (regendo 'moeda') se alterna com o relativo 'cujo' (referido 'prestao pecuniria ' ) , num exemplar modelo de assimetria, que, alm de afear o estilo, contribui para obscurecer o texto" 8.

    5. Hiptese de incidncia tributria, 5. ed., So Paulo, Malheiros Ed., 1997, p. 31.

    6. Antes, o art. 9 2 da Lei n. 4.320, de 17-3-1964, fornecera o seguinte con-ceito de tributo: "Tributo a receita derivada, instituda pelas entidades de direito pblico, compreendendo os impostos, as taxas e contribuies, nos termos da Cons-tituio e das leis vigentes em matria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especficas exercidas por essas entidades".

    7. Hiptese, cit., p. 25. 8. Direito, cit., p. 19.

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  • Ocorre que o conceito jurdico de tributo s poder ser encon-trado pelo exame do direito positivo. Do contrrio, poderemos cons-truir conceito poltico ou econmico, mas no jurdico. Conceito ju-rdico no existe abstratamente ou referenciado por cincias pr-jur-dicas, nem universal ou atemporal, porque sempre construdo em funo de um determinado direito positivo9.

    E, nesses termos, a definio do Cdigo, se no modelo de perfeio, til ao aplicador do nosso direito. Por isso, analisaremos os seus elementos.

    a) Prestao pecuniria compulsria: como se disse, o ordenamento jurdico tributrio brasileiro s conhece tributos cujo objeto prestao pecuniria, ou seja, cujo cumprimento se faz pela entrega de dinheiro. No se admitem, entre ns, tributos cujo objeto sejam prestaes in natura ou in labore10. E compulsria porque o dever jurdico tributrio imposto coativamente, pelo Estado, ao contribuinte, por lei, independente do concurso da von-tade deste. Ao argumento de que qualquer prestao obrigacional compulsria, pois no h facultatividade no seu cumprimento, pode-se contrapor que enquanto as obrigaes de direito civil vm do agir do sujeito passivo (sua vontade ou a prtica de ato ilcito a gerar obrigao de indenizar), a obrigao jurdica tributria (cuja prestao o pagamento do tributo) surge ex lege, independente-mente da vontade do sujeito passivo ou da prtica por ele de qual-quer ilcito.

    b) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, a expresso "em moeda", a toda evidncia, repetitiva do vocbulo "pecuniria", com que o texto legal qualifica a prestao tributria. J a locuo

    9. Exemplo: para nosso direito positivo, tributo prestao pecuniria (paga-se-o em dinheiro). Na Idade Mdia, a corvia (prestao pessoal de servios) era tributo. Antes do Cdigo, Becker sustentava a possibilidade de tributos in natura e in labore {Teoria, cit., p. 617-36). Para nosso direito positivo, tais prestaes no so tributos, mas deveres administrativos.

    10. Os exemplos dados por Becker desapropriao, requisio, servio militar , em face da definio mesmo de tributos de nosso direito positivo e da classificao das espcies tributrias que ser analisada a seguir neste Captulo, no so relaes jurdicas de natureza tributria, mas administrativa.

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    "cujo valor nela se possa exprimir" recebe crticas e, a nosso ver, incompreenses da doutrina.

    As crticas repetem a inutilidade da expresso: seria a mesma coisa que em moeda. O prprio Rubens Gomes de Sousa apontou: "valor que nela se possa exprimir no uma alternativa, mas simples repetio"1 1.

    J Paulo de Barros Carvalho 1 2 e Celso Ribeiro Bastos 1 3 vislum-braram a brecha para que "certos bens a includo o trabalho hu-mano possam ser entregues como se moeda fossem, desde que passveis de uma correspondncia com esta, em termos de valor".

    Sem razo. Para o Cdigo, tributo prestao pecuniria, o que encerra a discusso. Eventual exceo regra enunciada teria de ser expressa e no h.

    O dispositivo, todavia, no nos parece intil, o que antiga regra de hermenutica ensina que no se deve presumir na lei.

    O Cdigo Tributrio lei complementar; lei de normas gerais, a disciplinar possibilidades para a lei ordinria tributria. Note-se que a Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, acrescen-tou inciso ao art. 156 do Cdigo Tributrio Nacional, prevendo, ex-pressamente, como forma de extino do crdito tributrio, "a dao em pagamento de bens imveis, na forma e condies estabelecidas em lei".

    Nem seria necessria a regra expressa acrescentada pela Lei Complementar n. 104. Em face da locuo "ou cujo valor nela se possa exprimir", constante j na redao original do art. 3 2 do Cdi-go (e que se v, ento, no to intil assim), poderia perfeitamente a lei ordinria (federal, estadual ou municipal) prever a dao em pagamento de bens para a satisfao de crdito tributrio. Alis, as-sim prev a adjudicao o art. 24 da Lei n. 6.830/80 (Lei de Execu-es Fiscais).

    11. Natureza tributria da contribuio para o FGTS, Revista de Direito P-blico, n. 17, p. 310.

    12. Curso de direito tributrio, 8. ed., So Paulo, Saraiva, 1996, p. 21 . 13. Curso, cit., p. 143.

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  • Mas, a nosso ver, a disposio sob exame ainda encerra outra possibilidade: do valor dos tributos ser expresso no em moeda corrente nacional, mas em indexadores, que, por operao aritm-tica, na data do pagamento, so convertidos em moeda (cujo valor se possa exprimir em moeda), como fazia a legislao federal com a UFIR (Unidade Fiscal de Referncia) 1 4, ou como fazem a Uni-dade Padro Fiscal (UPF) do Estado do Rio Grande do Sul, ou a UFM (Unidade Financeira Municipal) do Municpio de Porto Alegre.

    c) Que no constitua sano de ato ilcito: tributo no tem natu-reza sancionatria. Tal diferencia os tributos das multas de direito pblico (administrativas ou penais), que tambm so prestaes pecunirias compulsrias, previstas em lei e cobradas mediante ati-vidade vinculada. A hiptese de incidncia do tributo ato lcito, enquanto a da norma sancionatria (seja administrativa ou criminal) ato ilcito.

    d) Instituda em lei: como decorrncia do princpio de legalida-de tributria (Constituio Federal, art. 150,1), o tributo s pode ser institudo (ou aumentado) por lei 1 5. Em princpio, o instrumento le-gal adequado para a instituio de tributo a lei ordinria 1 6. Quando para instituir determinado tributo necessrio lei complementar (o que poderamos denominar exigncia de legalidade qualificada), a Constituio diz expressamente.

    e) Cobrada mediante atividade plenamente vinculada: os atos administrativos podem ser vinculados ou discricionrios.

    Vinculados so aqueles atos que tm todo seu contedo determi-nado em lei, no restando campo para escolha poltica ou administrati-va (que a doutrina chama juzo de convenincia ou oportunidade) do administrador ou agente poltico. Exemplo o procedimento licitatrio;

    14. Criada pelo art. I 2 da Lei n. 8.383, de 30-12-1991, e extinta pelo art. 29 3 a , da Medida Provisria n. 2.176-79, convertida na Lei n. 10.522, de 19-7-2002.'

    15. No direito constitucional positivo brasileiro hoje vigente, h exceo a esse principio, ao menos no que diz respeito majorao de tributos: CF, art. 153, l 2 .

    16. Ver o Captulo IV (Fontes do direito tributrio).

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    ainda exemplificativamente, se adotada licitao de menor preo, fica-r o administrador jungido escolha, dentre os concorrentes que aten-dem s exigncias legais e editalcias, daquele que ofereceu o menor preo. No poder escolher preo levemente superior que, no seu en-tender, corresponda a produto de melhor qualidade 1 7.

    Atos discricionrios so aqueles que tm seu contedo, ou pelo menos parte dele, no predeterminado em lei, mas deixado ajuzo de convenincia poltico-administrativa do agente competente para pratic-lo. Exemplo a nomeao para cargos de confiana na Admi-nistrao Pblica em que, ainda que a lei fixe alguns requisitos, mais ou menos precisos, para a nomeao ou designao sempre haver julgamento subjetivo das qualidades de quem for indicado pelo agente pblico competente para nomear.

    A arrecadao dos tributos ato vinculado, em conseqncia mesmo do princpio da legalidade. Se o tributo previsto em lei, devido e tem de ser cobrado, no podendo qualquer funcionrio fis-cal, independente de hierarquia, dispensar seu pagamento, por consi-deraes de justia, convenincia ou mesmo excessivo nus no caso concreto 1 8. Se o tributo no previsto em lei, no pode ser cobrado, em face do princpio da legalidade, por mais que fosse justo que "A" ou "B" contribusse para a satisfao de determinada necessidade pblica. Como os tributos "so cobrados mediante atividade plena-mente vinculada", no h, no particular, qualquer campo para julga-mento sobre interesse poltico-administrativo, exame discricionrio do administrador ou juzo de convenincia ou oportunidade.

    A natureza jurdica dos tributos, por sua vez, de direito pbli-co, assim como o direito tributrio. A obrigao tributria e a relao

    17. O que a Administrao poder fazer, previamente, se for o caso, adotar licitao de modalidade tcnica e preo; mas o julgamento e seus critrios sempre tero de ser objetivos e explicitados no edital. Por isso, o ato vinculado.

    18. "A atividade administrativa de lanamento vinculada e obrigatria, sob pena de responsabilidade funcional" CTN, art. 142, pargrafo nico. Mais adi-ante, examinaremos o significado do princpio da capacidade contributiva, que en-tre ns est constitucionalizado (CF, art. 145, 1"), mas desde j adiantamos que o comando se dirige ao legislador e no ao agente administrativo-fiscal, por serem os tributos cobrados mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

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  • jurdica tributria, de onde ela se origina, so, inquestionavelmente, obrigao e relao de direito pblico, respectivamente.

    3. CLASSIFICAO As classificaes em direito apresentam uma grande desvanta-

    gem em relao s cincias fsicas: no podem ser submetidas a teste emprico que prove sua adequao.

    Classificaes so sempre trabalho doutrinrio. Toma-se uma matria-prima (os inmeros tributos ou prestaes afins criados por um determinado direito positivo) e procura-se agrup-la por determi-nado critrio, tentado extrair em conformidade com alguns princ-pios da cincia jurdica, aplicveis quele ramo do direito. Natural-mente, conforme o critrio escolhido, poder se chegar a uma ou outra classificao.

    Assim, encontram-se, na doutrina, vrias classificaes dos tri-butos, conforme o critrio adotado por cada autor. Mesmo se texto de lei adotar classificao, dita ento legal, tal fato no ser decisivo, pois a matria escapa do campo normativo, pertencendo antes cin-cia do direito do que arte de legislar.

    No obstante, no atual estgio do direito tributrio brasileiro, pode-se dizer que possvel apontar, no que toca classificao dos tributos, no um consenso, mas uma posio predominante no terre-no doutrinrio.

    J Rubens Gomes de Sousa apontava como classificao bsica dos tributos sua diviso em vinculados e no-vinculados. Nos tribu-tos vinculados, sua instituio depende de uma prestao estatal rela-tiva ao contribuinte; sua hiptese de incidncia inclui a prtica de especfica prestao pelo Estado. Os tributos no-vinculados independem de alguma prestao a cargo do Estado; para sua insti-tuio, no necessrio qualquer agir estatal, pois no integra a res-pectiva hiptese de incidncia qualquer prestao do Estado em fa-vor do sujeito passivo (contribuinte).

    O Cdigo Tributrio Nacional, em seu art. 5 S , adotou uma clas-sificao (legal) de tributos, dizendo: "os tributos so impostos, taxas e contribuies de melhoria".

    24

    Igualmente, dispe a Constituio Federal, em seu art. 145, caput:

    "A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios pode-ro instituir os seguintes tributos:

    I impostos; II taxas, em razo do exerccio do poder de polcia ou pela

    utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposio;

    III contribuio de melhoria, decorrente de obras pblicas". Portanto, a classificao legal dos tributos, em face de nosso di-

    reito positivo, se faz em trs espcies: impostos, taxas e contribuio de melhoria. H consenso de que essas trs espcies so tributrias.

    Em doutrina, hoje prepondera a aceitao de cinco espcies do gnero tributo: impostos, taxas, contribuies de melhoria, outras contribuies e emprstimos compulsrios. Sobre as duas ltimas, por longo perodo grassou disputa doutrinria e jurisprudencial, que antes do texto constitucional de 1988 tinha relevantes conseqncias prticas (sua sujeio, ou no, s regras gerais de direito tributrio e aos princpios da legalidade e anterioridade). Tais questes, como veremos, restaram resolvidas normativamente pela Constituio de 1988, esvaindo, ento, o interesse prtico imediato da discusso, e hoje prepondera, na doutrina, o entendimento de que so tributos. Alis, amoldam-se mesmo ao j estudado conceito de tributo, posto no ait. 3 a do CTN.

    Examinemos, ento, cada uma das referidas espcies tributrias.

    3.1. Impostos Impostos so o tpico exemplo de tributos no-vinculados. Sua

    imposio independe de qualquer prestao estatal especfica em fa-vor do contribuinte, pois, na hiptese de incidncia dos impostos, no figura nenhuma ao estatal.

    A Constituio que, de alguma forma, define ou delimita o que so taxas e do que decorre contribuio de melhoria (art. 145, II e III), no inciso I, sinteticamente, apenas menciona os impostos, sem qualquer definio.

    25

  • O Cdigo Tributrio Nacional, no entanto, no art. 16, define imposto: " o tributo cuja obrigao tem por fato gerador uma situa-o independente de qualquer atividade estatal especfica, relativa ao contribuinte".

    O conceito legal corresponde ao doutrinrio: o tributo em tela no depende de qualquer forma de atuao estatal.

    certo, todavia, que da contribuio dos cidados, mormente se exigida compulsoriamente, dever haver retorno sociedade, sal-vo situao de extrema deteriorao do aparelho estatal, ou seja, de generalizada corrupo.

    Esse retorno, em funo dos impostos, ser realizado atravs da prestao dos servios pblicos indivisveis: segurana, manuteno das foras armadas, do aparelho estatal como um todo etc. O que caracteriza o imposto no haver uma contraprestao especfica, na forma de um servio estatal, individualmente para a pessoa que o paga; mas os recursos advindos dos impostos devero ser carreados sob a forma de servios pblicos (no divisveis e prestados direta e proporcionalmente ao contribuinte que o paga, mas gerais e presta-dos ao conjunto da sociedade).

    Ademais, enquanto as taxas, como veremos logo a seguir, de-vendo ter certa proporcionalidade com o valor do servio prestado ao contribuinte que as paga, no se prestam funo distributiva ou extrafiscal, os impostos podem ser instrumentos de justia tributria e distribuio de renda: segundo regra constitucional, devem ser exi-gidos daqueles com maior capacidade contributiva. J os servios pblicos indivisveis, que s por impostos podem ser custeados 1 9, atendero prioritariamente necessidades das populaes com menor capacidade contributiva, que mais necessitam de servios estatais. Poder-se-ia at dizer que maiores so as necessidades daqueles com menor capacidade contributiva, sendo os impostos instrumento pos-svel de ser utilizado para que as custeiem aqueles de maior capaci-dade contributiva, servindo, pois, a fins extrafiscais de redistribuio de renda e justia social.

    19. Os servios pblicos divisveis, como veremos a seguir, podem, opo do legislador, ser custeados por taxas ou por impostos (ou por ambos).

    26

    Dissemos que a Constituio apenas menciona no inciso I do art. 145 os impostos, sem caracteriz-los. Menos necessria, toda-via, sua delimitao, pois a prpria Constituio que define quais os impostos de competncia da Unio, dos Estados e dos Munic-pios. E a lista numerus clausus, ou seja, no podem ser criados outros impostos alm daqueles previstos no texto constitucional. A exceo a Unio, qual foi reservada a competncia residual, pelo art. 154, I, da Constituio: assim, poder a Unio instituir outros impostos, no expressamente outorgados sua competncia impositiva pela Constituio. Exige, porm, a Lei Maior que sua instituio se faa por lei complementar (exigncia de requisito de legalidade qualificada), sejam no-cumulativos e no tenham ou fato gerador ou base de clculo idnticos aos impostos previstos na Cons-tituio. Ademais, cabe Unio a competncia extraordinria, po-dendo instituir, na iminncia ou no caso de guerra externa, impostos extraordinrios, mesmo no compreendidos em sua competncia tri-butria. Aqui, no h as limitaes previstas na Carta para o exerc-cio da competncia residual; apenas, os impostos extraordinrios de guerra devem ser suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criao (o estado de guerra, ou sua iminncia). Registre-se que desde a promulgao da Constituio, em 1988, no exerceu a Unio nenhuma vez tais competncias, no tendo institudo quaisquer im-postos de competncia residual (no previstos na Constituio) ou extraordinrios de guerra.

    Para os Estados e Municpios a regra absoluta, no contem-plando quaisquer excees: no podem instituir nenhum outro im-posto, alm dos trs deferidos a cada um deles pela Constituio 2 0.

    3.1.1. Classificao dos impostos As classificaes doutrinrias mais difundidas dos impostos so:

    a) reais e pessoais; b) diretos e indiretos; e c) fixos, proporcionais, progressivos e regressivos.

    20. Verdade que de quando em vez alguns Estados e Municpios tentam ins-tituir impostos no previstos na Constituio, denominando-os taxas..., em mani-festa inconstitucionalidade, sujeita a controle (e corrigenda) judicial.

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  • 3.1.1.1. Impostos reais e pessoais

    Como noo, pode-se dizer que impostos reais so aqueles que incidem sobre um objeto material, uma coisa (res, em latim); impos-tos pessoais, aqueles em que a tributao incide devido a certas ca-ractersticas da pessoa do sujeito passivo.

    A doutrina faz crticas classificao, sob o fundamento de que o tributo objeto da relao jurdica tributria e esta, como qualquer relao obrigacional, sempre pessoal. O obrigado sempre a pes-soa do sujeito passivo.

    A distino entre impostos pessoais e reais, todavia, foi bem exposta por Geraldo Ataliba, em formulao que, a nosso ver, inclu-sive supera tais objees:

    "So impostos reais aqueles cujo aspecto material da hiptese de incidncia limita-se a descrever um fato, ou estado de fato, indepen-dentemente do aspecto pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. A hiptese de incidncia um fato objetiva-mente considerado, com abstrao feita das condies jurdicas do even-tual sujeito passivo; estas condies so desprezadas, no so conside-radas na descrio do aspecto material da hiptese de incidncia...

    So impostos pessoais, pelo contrrio, aqueles cujo aspecto material da hiptese de incidncia leva em considerao certas quali-dades, juridicamente qualificadas, dos possveis sujeitos passivos. Em outras palavras: estas qualidades jurdicas influem, para estabelecer diferenciaes de tratamento legislativo, inclusive do aspecto materi-al da hiptese de incidncia. Vale dizer: o legislador, ao descrever a hiptese de incidncia, faz refletirem-se decisivamente, no trato do aspecto material, certas qualidades jurdicas do sujeito passivo. A lei, nestes casos, associa to intimamente os aspectos pessoal e material da hiptese de incidncia, que no se pode conhecer este sem consi-derar aquele" 2 1.

    Exemplo de imposto pessoal o imposto de renda. De impos-tos reais, o IP1, o ICMS e os impostos sobre o patrimnio (IPTU, ITR e tc) .

    21. Hiptese, cit., p. 125.

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    A distino tem relevncia perante nosso direito positivo, pois o art. 145, I a , da CF determina que os impostos, sempre que possvel, tero carter pessoal.

    3.1.1.2. Impostos diretos e indiretos

    A distino entre impostos diretos e indiretos antiga e haurida na cincia das finanas. Em verdade, vrios so os critrios propos-tos na doutrina para a diferenciao, sem que qualquer deles seja preciso e imune a crticas. Por isto, Becker diz ser tal classificao artificial e sem qualquer fundamentao cientfica2 2.

    Entre os vrios (e imprecisos) critrios de distino propostos pela doutrina, podemos citar alguns.

    a) Os impostos diretos tm como fato gerador uma situao per-manente, ou ao menos durvel ou continuada no tempo (renda, pro-priedade), e os impostos indiretos, uma situao instantnea (indus-trializao, circulao de mercadorias).

    b) Os impostos diretos tm por hiptese de incidncia uma si-tuao patrimonial do contribuinte, e os indiretos, um evento inde-pendente da situao patrimonial do sujeito passivo.

    c) Os impostos diretos tm descrita na hiptese de incidncia uma manifestao imediata de capacidade contributiva (auferir renda, possuir patrimnio), e os indiretos, uma manifestao mediata de capacidade contributiva (promover circulao de mercadorias). Note-se que a defi-nio tautolgica: indiretos referem-se a manifestao mediata de ca-pacidade contributiva, e diretos, a manifestao imediata.

    d) Os impostos diretos incidem sobre o patrimnio e a renda, e os indiretos, sobre a circulao de riquezas. Trata-se antes de exemplificao que de conceituao.

    Mas o critrio mais difundido (no obstante sua precariedade) o da repercusso econmica da carga tributria.

    Imposto direto o que suportado em definitivo pelo contribuinte, sem possibilidade de transferir a terceiro o respectivo nus econmico.

    22. Teoria, cit., p. 537.

    29

  • Exemplos seriam o imposto de renda, os impostos patrimoniais (IPTU, ITR, IPVA).

    Imposto indireto aquele cujo nus econmico ou pode ser transferido pelo contribuinte a terceiro (que poder repass-lo a ou-tro, at o consumidor final). Exemplos clssicos so o IPI e o ICMS.

    A praxe fiscal tem denominado (impropriamente) o contribuin-te (que, todavia, normalmente repassa o nus tributrio a terceiro) de contribuinte "de direito", e aquele que afinal arca com o nus tribut-rio (normalmente, o consumidor final), de "contribuinte de fato". A terminologia generalizada, mas a impropriedade manifesta, espe-cialmente quanto ao chamado "contribuinte de fato". Este no contri-buinte, no tem qualquer relao jurdica com o fisco, no se situa em qualquer dos plos da relao obrigacional tributria. apenas o agente econmico que arca com o nus econmico, o que relao econmica e no jurdica.

    A par do critrio da distino entre impostos diretos e indiretos, pela repercusso econmica, ser econmico e no jurdico, mani-festamente precrio.

    Em tese, qualquer tributo pago por comerciantes, industriais ou prestadores de servio pode ter seu nus financeiro transferido a ter-ceiros, ou ser objeto de repercusso econmica. Assim, o imposto de renda clssico exemplo de imposto direto, mas as empresas podem incluir o respectivo nus fiscal no preo de seus produtos. E at pro-fissionais liberais ou autnomos (pessoas fsicas) podem transferir economicamente o respectivo nus tributrio, incluindo-o no preo de seus servios.

    Diz-se, ento, que tributos indiretos seriam aqueles em que a repercusso fosse da prpria natureza do tributo, o que tambm no noo precisa.

    Embora a precariedade e acientificidade da classificao, tem ela relevante interesse prtico em face da disposio do art. 166 do CTN quanto repetio de indbito nos impostos indiretos 2 3.

    23. Ver Captulo VIII (Crdito tributrio), n. 4.1.1.1 (Repetio de indbito nos tributos indiretos).

    30

    3.1.1.3. Impostos fixos, proporcionais, progressivos e regressivos

    Impostos/w so aqueles em que o quantum estabelecido em valores fixos e determinados: "X" reais ou "Y" unidades fiscais (a UFIR federal, antes de sua extino, ou a UFM Unidade Financei-ra Municipal do Municpio de Porto Alegre). O ISS (Imposto Sobre Servios) a ser pago por profissionais liberais, normalmente, tem essa caracterstica: o valor do tributo fixo, expresso em lei em unidades monetrias ou indexador que nelas possa ser convertido.

    Impostos proporcionais so aqueles em que o valor a pagar obtido pela aplicao de alquota em percentual constante sobre a base de clculo. Assim, o ICMS incidente sobre avies de procedn-cia estrangeira, para uso no comercial no Rio Grande do Sul pro-porcional: 25% sobre abase de clculo (valor dos bens), independen-temente de ser maior ou menor o valor desses servios. A alquota constante; no varia se aumenta ou diminui a base de clculo.

    Nos impostos progressivos, a alquota cresce medida que au-menta a respectiva base de clculo. Sobre bases de clculo menores incidem alquotas percentuais menores; medida que cresce a mat-ria tributvel (base de clculo), aumenta a alquota. Os impostos pro-gressivos so formas de aplicao do princpio da capacidade contributiva, impondo tributao maior (pela aplicao de alquotas crescentes) queles que revelam maior capacidade econmica. Esta, a progressividade fiscal.

    A progressividade tambm pode ser extrafiscal. Aqui, aumenta-se a alquota no pelo crescimento da base de clculo, mas para desestimular procedimentos do contribuinte reputados socialmente inconvenientes.

    No que toca progressividade fiscal, o art. 153, 2, I, da Cons-tituio diz que o imposto de renda ser informado, entre outros, pelo critrio da progressividade. O IPTU, sem prejuzo da progressividade extrafiscal, prevista no art. 182, 4 2 , II, poder agora ser progressivo em razo do valor do imvel (progressividade fiscal), nos termos do art. 153, l s , I, com a redao que lhe deu a Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000 (antes da EC n. 29 era firme a jurisprudncia do STF de que o IPTU s admitia progressividade

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  • extrafiscal, sendo inconstitucionais as leis municipais que, antes da referida Emenda, instituam progressividade fiscal desse imposto REs 293.451, 225.132, 209.940, 213.574, 211.213, entre outros, ju-risprudncia afinal consolidada na Smula 668 daquela Corte).

    Finalmente, nos impostos regressivos, a alquota decresceria medida que aumentasse a base de clculo. Ou seja, medida que a base de clculo crescesse, diminuiria a alquota, reduzindo-se pro-porcionalmente a tributao. Nos pases, como o Brasil, em que o princpio da capacidade contributiva foi constitucionalizado (CF, art. 145, l s ) , tais impostos so inconstitucionais, por contrariar tal prin-cpio (de que os impostos devem ser graduados segundo a capacida-de econmica do contribuinte), pois estar-se-ia impondo tributao proporcionalmente menor (aplicando alquotas mais reduzidas) que-les que revelam maior capacidade contributiva2 4.

    3.2. Taxas

    Se os impostos so exemplo de tributos no-vinculados, as ta-xas so de tributos vinculados. Pressupem uma atividade estatal es-pecfica, prestada quele contribuinte que a paga.

    A Constituio, diferentemente do que fez com os impostos, quando se limitou sua meno (art. 145,1), refere-se a "taxas, em razo do exerccio do poder de polcia ou pela utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposio''.

    Claramente, recepcionou o art. 77 do CTN, que dispe: "As taxas cobradas pela Unio, pelos Estados, pelo Distrito Fe-

    deral ou pelos Municpios, no mbito de suas respectivas atribuies,

    24. Alfredo Augusto Becker, Teoria, cit., p. 499-500: "O legislador ordin-rio est juridicamente obrigado (pela constitucionalizao do princpio da capaci-dade contributiva nota nossa), com relao a uma determinada hiptese de inci-dncia de tributo, a variar a alquota e o ritmo de sua progressividade segundo a maior ou menor xiqmzz. presumvel do contribuinte. Noutras palavras, o legislador ordinrio est juridicamente proibido de graduar a alquota ou ritmar a sua progressividade no sentido inverso da grandeza presumvel da renda ou capital do respectivo contribuinte" (grifos do original).

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    tm como fato gerador o exerccio regular do poder de polcia, ou a utilizao, efetiva ou potencial, de servio pblico especfico e divi-svel, prestado ao contribuinte ou posto sua disposio".

    V-se, pois, que as taxas podem ser exigidas pela Unio, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municpios; enfim, por qual-quer das pessoas jurdicas de direito pblico, desde que presentes os requisitos postos no texto constitucional e na lei complementar (CTN) para sua criao. E dos mesmos textos v-se serem duas as possibili-dades de embasamento das taxas ou que h dois tipos de taxas: de servio e pelo exerccio do poder de polcia (ou taxas de polcia).

    3.2.1. Taxas de servio

    Aqui o fato gerador da taxa "a utilizao, efetiva ou potencial, de servio pblico especfico e divisvel, prestado ao contribuinte ou posto sua disposio".

    O tributo vinculado e, na modalidade de taxa de servio, a contraprestao estatal ao contribuinte um servio pblico. A pri-meira nota qualificativa do servio esta: servio pblico. No pode-ria ser diferente, pois as taxas (como tributos que so) tm de ser cobradas por entes pblicos (Unio, Estados, Distrito Federal e Mu-nicpios e respectivas autarquias), e os servios prestados por estes so, por natureza, pblicos.

    Ainda, a utilizao do servio pblico no necessita ser real, efetiva; pode ser efetiva ou potencial. E o servio pode ser efetiva-mente prestado ao contribuinte, ou apenas posto sua disposio. Assim, se no me utilizo do servio pblico de coleta de lixo por qualquer razo (ou porque no produzo lixo ou porque elimino-o por outra forma, ou porque o imvel no est sendo utilizado) no me eximo do pagamento da taxa de lixo (que tenha sido instituda por lei, porque taxa espcie do gnero tributo e subordina-se ao princ-pio da legalidade), porque basta que o servio seja posto disposi-o do contribuinte.

    A nota especial dos servios pblicos para permitir a instituio (por lei) de taxa , no dizer do Cdigo, que sejam especficos e divi-sveis. Quer dizer, esta a noo primeira tm de ser prestados

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  • no genericamente ao conjunto da populao, mas, especificamente, queles contribuintes que iro pagar a taxa.

    O que servio pblico especfico? E divisvel? E no que se distingue cada uma das categorias?

    A interpretao literal do art. 77, caput, do CTN, em face do uso da conjuno "e", leva a crer na necessidade da presena conjunta dos dois traos: servio pblico especfico e divisvel.

    O Cdigo, sempre prdigo em definies, procura conceituar servios especficos e divisveis nos incisos II e III do art. 79. Consi-dera os servios pblicos "especficos, quando possam ser destaca-dos em unidades autnomas de interveno, de utilidade ou de ne-cessidade pblicas", e "divisveis, quando suscetveis de utilizao, separadamente, por parte de cada um dos seus usurios".

    As definies no nos parecem muito esclarecedoras, principal-mente quanto pretendida diferenciao entre um conceito e outro: o que pode ser destacado em unidades autnomas, pode ser utilizado separadamente pelos usurios.

    Servios especficos e divisveis so, a nosso ver, a mesma coi-sa. O que pode ser destacado em unidades autnomas (servio espe-cfico), pode ser dividido.

    Zelmo Denari, embora no aponte expressamente a identidade dos conceitos, ao definir "servios pblicos especficos", diz "assim entendidos aqueles de natureza divisvel".

    Os conceitos so idnticos, estamos convencidos. E para justifi-car a criao de taxa necessitamos estar diante de um servio espec-fico, ou seja, que pode ser destacado em unidades autnomas e, con-seqentemente, prestado (ou posto disposio) de pessoas determi-nadas, a receber, cada qual, uma (ou mais) unidades autnomas de servio.

    Observe-se que os impostos so previstos taxativamente na Cons-tituio (exceto quanto competncia residual da Unio s dela sujeita a vrias limitaes e ainda no exercida desde 1988): s podem ser institudos aqueles impostos expressamente previstos pela Constituio. J com as taxas isto no ocorre. Desde que presentes

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    seus pressupostos (servio pblico especfico prestado ou posto disposio do contribuinte), podem ser criadas por lei ordinria fede-ral, estadual ou municipal. O que ocorre, com freqncia, principal-mente no mbito municipal, a criao, por lei ordinria, de "taxas" fundadas em servios que no so especficos (ou divisveis que, a nosso ver, a mesma coisa). Essas "taxas", propositadamente entre aspas, de "taxas" s tm o nome impropriamente dado pela lei ordi-nria. Como o que releva a natureza mesma das coisas, que no se transmuda porque algum texto legal lhe d outro nome (a natureza jurdica do tributo determinada pelo fato gerador da obrigao, sen-do irrelevante a denominao adotada pela Lei CTN, art. 4 a , I), tais exaes so indubitavelmente impostos, pois o servio que fun-damenta sua instituio servio pblico geral e no especfico. E como s podem ser institudos os impostos expressamente previstos na Constituio, tal lei (a criar imposto no outorgado competncia daquela pessoa de direito pblico pela Carta Constitucional, ainda que com denominao errnea, que no tem o dom de transformar a essncia da espcie tributria) inconstitucional e se sujeita a ter sua inconstitucionalidade declarada pelo Poder Judicirio, quer na via concentrada, quer na via difusa de controle de constitucionalidade2 5.

    25. O direito brasileiro conhece dois sistemas de controle de constitucio-nalidade: concentrado e difuso (o direito norte-americano, por exemplo, s con-templa o sistema difuso). No sistema concentrado, a inconstitucionalidade da lei dec la rada em tese , e c o m efeito geral {erga omnes) na ao dire ta de inconstitucionalidade (ADIn), prevista no art. 103 da CF. Os legitimados a propor essa ao esto previstos taxativamente no art. 103, caput, da Constituio e . quando se trata de inconstitucionalidade frente Constituio Federal, de compe-tncia originria do Supremo Tribunal Federal. As Constituies estaduais (por exemplo, a Constituio do Estado do Rio Grande do Sul, no art. 95, XII, d, e I a a 4 2 ) prevem ao direta de inconstitucionalidade, em face da Constituio esta-dual, de lei ou ato normativo estadual ou municipal, de competncia do respectivo Tribunal de Justia.

    O controle difuso de constitucionalidade, por sua vez, feito por qualquer juiz independentemente de hierarquia ou tribunal, quando, para decidir o caso concreto, precisa enfrentar incidentalmente a questo da constitucio-

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  • Exemplos concretos so as taxas de iluminao pblica, insti-tudas de modo generalizado por Municpios, e consideradas inconsti tucionais, como reiteradamente afirmado pela jur is-prudncia 2 6.

    Como ensina Ruy Barbosa Nogueira, " evidente, pois, que ten-do todos, indistinta ou individualmente como 'povo' o direito ao uso comum das praas e ruas, a manuteno do servio pblico de ilumi-nao no um servio especfico nem tampouco divisvel, destacvel em unidades autnomas de sua utilidade ou utilizao, se , por sua natureza (ontologia) comum (iluminao pblica ou para o povo), de acordo com a prpria qualificao jurdico-normativa constitucional e da legislao nacional ou complementar sobre factum, isto , do servio pblico suscetvel de ser pressuposto fctico da taxa (relao ftica), v-se que esta insuscetvel de ser 'fato gerador' da taxa, porque no um servio ou prestao de servio especfico, nem destacvel em unidades autnomas de utilidade, nem prestado indi-vidualmente ao contribuinte (mas a todos), nem individualmente por ele usufrudo (mas indistintamente por todos). Em resumo, um ser-vio de uso comum, uti universF21.

    Firme a jurisprudncia no sentido da inconstitucionalidade das chamadas "taxas de iluminao pblica", o Congresso, por forte pres-so de prefeitos municipais, veio a aprovar a Emenda Constitucional n. 39, de 19 de dezembro de 2002, que acrescentou Carta o art. 149-A, instituindo contribuio para custeio do servio de iluminao pblica nos Municpios e Distrito Federal.

    nalidade (ou no) de determinada lei ou ato normativo. A deciso s produzir efeitos entre as partes no processo e nos tribunais tem procedimento especial, dis-ciplinado nos arts. 480 a 482 do CPC.

    Observa-se de tempos para c ntido esforo, de inspirao do Poder Execu-tivo Federal, de restringir o controle difuso de constitucionalidade, de que so exemplos as Leis n. 9.868, de 10-11-1999, e 9.882, de 3-12-1999.

    26. TJRS: ADIns: 594.004.608, 596.042.879, 597.004.498, 598.481.075, 597.123.710, 588.045.666, 591.008.288, 597.123.694, 597.123.645, 596.011.684 e RJTJRS,19%/241. No mesmo sentido: RT, 747/348, 740/423, 736/363, 731/401, 715/234, 714/227, 690/106, 642/102 e 623/116.

    27. Revista da Procuradoria-Geral do Estado, n. 33, p. 39.

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    Sob a forma de contribuio, espcie que ser estudada a seguir (itero 3.4 deste Captulo), no se vislumbra inconstitucionalidade na exao, de vez que para a instituio de contribuio no exigida divisibilidade do servio, mas apenas serem os recursos obtidos vin-culados ao custeio de determinada atividade, divisvel ou no.

    igualmente, a "taxa de socorros pblicos" instituda pela Lei Complementar (municipal) n. 211, de 28 de dezembro de 1989, pelo Municpio de Porto Alegre 2 8, no atendia ao requisito de especifi-cidade e divisibilidade do servio, como proclamou a jurisprudn-cia: "Antes mesmo de contrariar a Constituio, o tributo institudo pelo Municpio de Porto Alegre, atravs da Lei n. 211 de 28.12.89, viola o art. 79, II, do CTN, eis que indivisveis os servios de pre-veno e combate a incndios, transportes, manuseio e armaze-namento de cargas perigosas, socorros pblicos de emergncia e defesa civil e apuraes de infraes penais deles decorrentes, m-ximo quando se pretende cobr-las apenas de alguns proprietrios (ver art. 2 da lei impugnada)" 2 9.

    So apenas exemplos. Fundamental, para a instituio de taxa, que o servio seja especfico, isto , possa ser destacado em unidade autnoma, prestada ao contribuinte que paga a taxa (o que, a nosso

    28. Tal taxa tinha por "fato gerador a utilizao, efetiva ou potencial, dos servios de preveno e combate a incndio, transporte, manuseio e armazenamento de cargas perigosas, socorros pblicos de emergncia e defesa civil, e apurao de infraes penais deles decorrentes" (art. I 2 da Lei Complementar n. 211, do Muni-cpio de Porto Alegre).

    29. I a Cmara Cvel do TARGS. AC 191063304, rei. Jos Maria Rosa Tesheiner. No mesmo sentido: Julgados do TARGS, 80/168. A Lei Complementar n. 211/89 do Municpio de Porto Alegre teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal de Justia, estando o acrdo assim ementado: "Taxa de socorros pblicos. Campo de incidncia. Se a taxa suportada por proprietrios de imveis, mas o produto destinado a servios que se destinam generalidade dos cidados, transforma-se em imposto, o que acarreta inconstitucionalidade. Preliminar rejei-tada. Ao julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Com-plementar n. 211/89, do Municpio de Porto Alegre". Em verdade, como a preten-dida "taxa" incidia "sobre os imveis edificados de natureza no residencial" (art. 2 a da Lei n. 211/89), tratava-se de adicional de imposto predial sobre imveis no residenciais.

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  • ver, equivale divisibilidade). Outros exemplos podem ser encontra-dos na jurisprudncia, com facilidade, de falsas taxas: assim, so inexigveis genrica "taxa de fiscalizao" {Julgados do TARGS, 75/ 241), cobrana renovada a cada ano de licena para localizao e funcionamento de escritrio de advocacia (Julgados do TARGS, 90/ 155 e 97/392), taxa de segurana pblica (Julgados do TARGS, 91/ 361), taxa de pavimentao (Julgados do TARGS, 93/215) 3 0.

    3.2.2. Taxas de polcia

    Alm da prestao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis, as taxas podem ter por fato gerador o exerc-cio regular do poder de polcia. A ttulo de noo, podemos dizer que poder de polcia o poder que tem a Administrao Pblica de limi-tar direitos individuais em funo do interesse coletivo na manuten-o da segurana, higiene, ordem e sossego pblicos. O CTN, em seu art. 78, caput, define poder de polcia como "atividade da administra-o pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou li-berdade, regula a prtica de ato ou absteno de fato, em razo de interesse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou autorizao do Poder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais ou coletivos".

    O fato gerador das ditas taxas de polcia no apenas o exerc-cio do poder de polcia do Estado, mas seu exerccio regular. Com efeito, a limitao dos direitos individuais tem limite e deve ser regu-lar, atendendo-se especialmente ao disposto no art. 5 S , II, da Consti-tuio, segundo o qual "ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei" (princpio genrico da legalidade). O que exerccio regular do poder de polcia (exata-mente a hiptese de incidncia das taxas respectivas) vem explicitado

    30. "E ilegal a cobrana de taxa de pavimentao porque no constitui esta, a pavimentao, fato gerador de taxa, pois indivisvel e inespecfico, isto , de uso comum, vale dizer, um melhoramento usufrudo por toda a comunidade". '

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    pelo pargrafo nico do art. 78 do CTN: "desempenhado pelo rgo competente nos limites da lei aplicvel, com observncia do proces-so legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricion-ria, sem abuso ou desvio de poder".

    Quatro ento so os requisitos para que o exerccio do poder de polcia seja regular: a) seu desempenho pelo rgo competente (e a definio da competncia dever se dar em texto normativo); b) nos limites da lei aplicvel (decorrncia do texto constitucional j men-cionado segundo o qual ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer algo seno em virtude de lei); c) com observncia do devido processo legal (a clusula do dueprocess oflaw, que vem do constitu-cionalismo americano e, entre ns, restou consagrada pelo art. 5 2 , L1V, da Constituio 3 1); e d) se a atividade for discricionria, sem abuso ou desvio de poder 3 2.

    Nas taxas de polcia, o fato gerador se expressa na concesso de li cena para a prtica de atos que dependem de autorizao administrativa.

    31 . "ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro-cesso legal".

    32. O que atividade vinculada ou discricionria j foi examinado no item 2 deste Captulo. O conceito de abuso ou desvio de poder foi criao com origem nas decises do Conselho de Estado francs. Simplificadamente, pode-se dizer que ocorre desvio de poder quando o ato praticado invocando uma finalidade pblica, mas visa verdadeiramente a uma finalidade privada, de interesse privado do agente pblico que pratica o ato. Por exemplo, pode o Municpio, observado o devido processo legal, cassar o alvar de bar cujo barulho prejudique o sossego da populao do entorno. O ato se justifica pelo exerccio do poder de polcia, para preservao do sossego e tranqilidade pblicas. No entanto, se invocando esse fim pblico o agente que o praticar, em verdade, buscar impedir o funcionamento do estabelecimento por pertencer a um inimigo pessoal ou adversrio poltico, o ato ser praticado com desvio de poder: sob a roupagem de um ato com finalidade pblica, visa o administrador a um fim privado.

    Por certo que a prova do desvio de poder , muitas vezes, difcil, pois inclui necessariamente prova de algo que se passa no psiquismo' do agente pblico que pratica o ato (inteno subjetiva). A prova ser necessariamente indiciria. No exem-plo j mencionado, se a medida s for adotada com relao ao estabelecimento do desafeto do administrador, no o sendo quanto a outros em idntica situao, tere-mos fortssimo indcio de desvio de poder.

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  • Por isso, geralmente so denominadas taxas de licena. Assim, so fundadas no poder de polcia, entre outras, as taxas para emisso de passaporte, expedio de alvar de localizao, porte de arma, licenciamento de construo etc.

    3.2.3. Taxas e preos pblicos

    A distino entre taxas e preos pblicos tem sido um dos pro-blemas mais complexos do direito tributrio. Zelmo Denari dele dis-se ser o "Tringulo das Bermudas" da disciplina 3 3. No h consenso doutr inr io na dis t ino, cujas conseqncias prt icas so relevantssimas: se de taxa se tratar, cuida-se de tributo, sujeito a to-dos os princpios de direito tributrio, principalmente s poder ser instituda ou aumentada por lei (legalidade) e s poder ser exigida no ano seguinte ao da publicao da lei (anterioridade), observado, ain-da, cumulativamente, prazo de noventa dias entre a publicao da lei que a instituiu ou aumentou e sua exigncia (CF. art. 150, III, c alnea acrescida pela EC n. 42, de 19-12-2003). J os preos so con-tratualmente fixados, independentemente de lei; todavia s podem ser cobrados pela utilizao efetiva do servio, enquanto exigncia de taxas basta utilizao potencial.

    A matria , inclusive, objeto da Smula 545 do Supremo Tri-bunal Federal: "Preos de servios pblicos e taxas no se confun-dem, porque estas, diferentemente daqueles, so compulsrias e tm sua cobrana condicionada prvia autorizao oramentria, em relao lei que as instituiu". A Smula timo exemplo de pleonasmo: por certo, as taxas so compulsrias, porque so tributos e tributo prestao pecuniria compulsria. E tambm por serem tributos, sujeitam-se ao princpio da anterioridade (e, na Constitui-o de 1946, sob cuja vigncia foi expedida a Smula, da prvia au-torizao oramentria). Em suma, taxa tributo e preo no. Agora, o que taxa e o que preo, ou quando pode ser institudo um ou outro, o texto sumular no auxilia a esclarecer.

    33. Curso, cit., p. 83.

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    A doutrina tambm no alcanou qualquer critrio distintivo consensual. Todavia, pode-se estabelecer algumas noes e tentar agrupar os diversos critrios distintivos propostos.

    Por primeiro, as licenas decorrentes do exerccio do poder de polcia s podem s