132483313-Jean-Paul-Sartre-Deus.doc

10

Click here to load reader

Transcript of 132483313-Jean-Paul-Sartre-Deus.doc

JEAN-PAUL SARTRE

JEAN-PAUL SARTRE

VIDA

Uma figura sardenta, esquisita e cuja vesguice se postava atrs de um pesado par de culos. Assim poderia ser descrita a aparncia de uma das mentes mais brilhantes e mais populares do sculo vinte. Jean-Paul Sartre, nasceu em bero burgus, a 21 de junho de 1905, na cidade de Paris, um ano antes da morte de seu pai, um jovem oficial da marinha, que morreu vitimado por uma febre. Segundo o prprio Sartre, fora esse o maior acontecimento de sua vida " Se tivesse vivido, meu pai teria desmoronado sobre mim e me esmagado"[i]. O filsofo afirmava que graas ausncia da figura paterna, crescera sem superego, portanto livre de agressividade ou desejo de dominao.

Parece que sua primeira infncia foi um perodo feliz, em que desfrutou do carinho dos avs maternos, em cuja residncia ele e sua me foram morar, e do companheirismo materno, que tornava a relao de ambos mais prxima de irmos, do que de uma relao entre me e filho. A figura do av materno, ou a de seu futuro padrasto, no marcariam a sua vida tanto quanto a figura materna, que se perpetuaria na figura de Simone de Beauvoir, sua companheira de toda a vida. Para sua me produziria uma infinidade de histrias de capa e espada, j a partir dos dez anos de idade, quando sua genialidade passou a ser percebida.

Quando tinha doze anos de idade, sua me se casa com Joseph Mancy, para horror de Sartre, que deixaria de ser o foco das atenes de Anne-Marie. O padrasto representaria para Sartre, uma espcie de tipo ideal de representao tanto do padrasto malvado, quanto da burguesia que tanto enojaria Jean-Paul Sartre.

A personalidade do pequeno Sartre foi aos poucos se caracterizando por uma inteligncia aguda e um egosmo de tal resistncia que o conduziria a uma total independncia mental. Viveu a adolescncia prpria dos meninos prodgio, feio e com "cara-de-sapo", era ao mesmo tempo "gnio e bode expiatrio da turma"[ii] e alvo constante das chacotas e maldades tpicas da adolescncia.

Mas, ao que consta no se tratava de nenhum anjinho. Sartre possua, nesse perodo, uma vocao especial para cometer asneiras - da divulgao de aventuras sexuais fictcias aos constantes assaltos bolsa materna, com o intuito de financiar a aceitao dos colegas custa de doces e da freqncia aos cafs da provinciana La Rochelle. Uma vez descobertos os delitos domsticos, a tenso em casa do padrasto chegou a tal ponto, que Sartre decidiu voltar a Paris. Com 15 anos nessa poca, torna-se aluno interno do Liceu Henrique IV.

Nessa poca aflorou em Sartre o gosto pela leitura, que em geral estava acima tanto de sua capacidade psicolgica quanto intelectual. Afloram tambm os seus escritos, inmeros cadernos contendo novelas, aforismos e especulao filosfica, numa "excessiva elaborao de idias pouco claras"[iii].

Aos 19 anos, aprovado no exame do ensino secundrio, Sartre garante sua vaga no curso de filosofia da Escola Normal Superior. Entre os seus contemporneos Maurice Merleau-Ponty, Claude Lvi-Strauss, Simone Weil e Simone de Beauvoir. Este ambiente foi a estufa de sua genialidade. Segundo Simone de Beauvoir "a no ser quando est dormindo, ele pensa o tempo todo"[iv]. Em seu cinismo e falta de modstia chega a afirmar de si: "Eu era mil Scrates"[v].

Seu intelecto o torna atraente para mocinhas iludidas, o lhe permite superar a feira notria e prosseguir como um bonvivent, insacivel em sua fome de conquistas sexuais e em sua sede de cerveja, s superadas por sua gana por livros e conhecimento. "Ele lia tudo, exceto o que era necessrio para o curso que fazia"[vi], o que lhe atrasou em um ano a graduao, embora esse fato no ofuscasse seu brilho.

Nesta fase Sartre renunciou a hbitos burgueses como o de tomar banho e passou a fumar cachimbo, era visto nos cafs do Quartier Latin em animadas rodas de discusso filosfica, da qual no ousaria se aproximar quem no possusse algo realmente inteligente a dizer. Nota honrosa creditada jovem Simone de Beauvoir, com 21 anos poca e que logo provou garantir-se em meio queles jovens filsofos.

Em Simone de Beauvoir, Sartre recuperou a figura irm-me de sua infncia. Os dois logo se tornaram amantes, desenvolvendo uma relao que envolvia reciprocidade de crticas agudas e profundas, bem como de conselhos prticos. Ele se torna seu guru intelectual e (pssimo) conselheiro de moda, ao passo que ela o convence a tomar banho, trocar de camisa e passar pomada nas espinhas, enquanto o demole com crticas penetrantes e honestas. Estes primeiros tempos dariam pistas de que esse relacionamento seria duradouro. Os amantes passam ento a estudar, ler e discutir. Quando chega a poca dos exames de graduao, o primeiro lugar ocupado por Sartre, seguido por Simone de Beauvoir e pelo restante da futura gerao de intelectuais franceses.

Aps o perodo de estudos os dois intelectuais tm que enfrentar a vida real. Simone de Beauvoir passa a lecionar e Jean-Paul Sartre presta servio militar. A relao dos dois definida em termos de liberdade e transparncia. Sartre definiria a relao em termos kantianos, inspirando-se na distino entre verdade necessria e verdade contingente. Segundo ele, sua relao com Simone seria necessria, ao passo que os romances com outras mulheres seria contingente. O pacto relacional inclua lealdade absoluta de um para com o outro: contariam tudo que lhes acontecesse, inclusive os casos contingentes.

Este tipo de relacionamento na Europa dos anos 20, certamente foi motivo de escndalo, pois Simone e Sartre saram audaciosamente da privacidade, se constituindo uma inspirao para intelectuais de dcadas seguinte. Durante os dezoito meses em que Sartre serviu ao exrcito, os dois se encontravam aos finais de semana, quando discutiam seus pensamentos.

Sartre seguiu destruindo tudo que se conhecia em termos de filosofia, at ento. Descartes estava errado, Kant era inadequado, Hegel no passava de um burgus. Chegou a fascinar-se por Freud, mas logo reagiu, reivindicando a autonomia da mente negada pela psicanlise. Em face da fenomenologia de Husserl, finalmente Sartre julga encontrar uma filosofia do sujeito, que daria conta da realidade, levando em conta a liberdade do indivduo.

Em 1933 parte para Berlim, afim de estudar a filosofia que ele chamaria informalmente de existencialismo. A origem do termo remontava a Sren Kierkgaard, filsofo dinamarqus do sculo XIX, que afirmava ser o "indivduo existente" a nica base para uma filosofia significativa. Ele sustentava que deveramos nos sustentar na especificidade da experincia e na sua natureza essencialmente individual, afim de percebermos nossa verdadeira liberdade.

Em 1934, de volta a Paris, Sartre comea a redigir suas investigaes fenomenolgicas e, persuadido por Beauvoir, transforma suas anotaes no romance que viria a se transformar em A Nusea (publicado em 1938) um romance filosfico, nem abstrato, nem didtico, que visa evocar a prpria sensao da existncia - um mergulho na conscincia.

De fato, A Nusea e O Muro (coletnea de contos, lanados no mesmo ano) seriam recebidos com aclamao crtica, transformando Sartre na mais promissora figura literria da Rive Gauche. Em 1939 publica O esboo de uma teoria das emoes, que aumenta seu prestgio intelectual, embora no tenha sido recebida com tanto entusiasmo.

Esse perodo coincide com a iminncia da Segunda Guerra, sobre a qual Sartre afirmava se tratar de "um blefe de Adolf Hitler"[vii]. Por haver estado em Berlim, afirmava conhecer o estado de esprito do povo alemo, duvidava que Hitler entrasse em guerra. Vinte e quatro horas depois, Hitler invadiria a Polnia e Sartre seria convocado pelo exrcito francs.

"A Guerra dividiu a minha vida em duas"[viii], afirmaria um Sartre que teve toda a sua percepo transformada pelo evento da guerra. Curiosamente enquanto servia ao exrcito francs numa estao meteorolgica, dedicava-se leitura de Heidegger. A impenetrvel metafsica do alemo absorveu Sartre completamente, pois ele visava escrever uma obra de filosofia realmente grande.

Sob a luz (ou trevas?) da guerra, o pensamento existencialista de Sartre evoluiu rapidamente. Lanando suas razes tanto para o empirismo de Hume, quanto para o racionalismo de Descartes, mostrando todas as suas implicaes. Desenvolve com radicalidade o conceito da liberdade humana, ante o absurdo. O existencialismo mergulha a filosofia na ao, tornando-se quase uma estratgia de vida.

Quando Sartre se torna prisioneiro do exrcito alemo, prossegue com seu programa de leituras de Heidegger, em sua terra natal. Ele possua a chave que levaria o existencialismo a dar o passo seguinte Fenomenologia de Husserl. A noo da certeza ltima firmada no daisen (ser-a) e no no conhecimento, expressa em sua obra "Ser e Tempo", possui conceitos at hoje indecifrveis, cheios de seriedade e profundamente germnicos. Sartre compreendeu que a profunda anlise heideggeriana do ser deveria se desviar do pensamento para a ao, retorna a Kierkgaard e Paris.

Sua libertao se d por motivos humanitrios e graas a um atestado mdico falso que conseguira comprar. Em 1941, na triste Paris ocupada pelos nazistas, Sartre recupera seu emprego de professor, aluga um apartamento prximo ao de Beauvoir e se pe a escrever sua obra-prima "O Ser e o Nada", publicada em 1943.A obra causou grande impacto nos crculos filosficos da Frana, varrendo os cafs do Quartier Latin e a Rive Gauche, popularizando os lemas niilistas do existencialismo.

Quando a guerra termina, em 1945, o cenrio de uma Europa destruda, se torna o pano de fundo propcio compreenso da filosofia existencialista, pois ela falava daquela situao absurda na linguagem do momento. A Frana, humilhada e carente de heris, elegeu Sartre o cone de sua resistncia cultural. Chegou mesmo a escrever um livro que explicasse o existencialismo em termos mais acessveis( O existencialismo um humanismo - 1946), em razo da demanda popular.

O existencialismo e Sartre se tornaram ento, produto francs, tipo exportao. Ambos alcanaram fama em toda a parte. Mas Sartre no se vendeu aos conceitos burgueses de fama e sucesso. Fazia questo de ser imprevisvel. Escrevia, escrevia e escrevia, chegando a apelar para a "vida qumica", que lhe proporcionava a comodidade de manter-se ligado, e desligar-se quando no houvesse mais foras. (Sartre precedeu a Aldous Huxley no uso da mescalina). Nesse caso Simone o levava de frias, ao tempo que Sartre entretinha alguma jovenzinha deslumbrada por seu intelecto.

Seu pensamento continua em evoluo. Entende que a liberdade do indivduo, embora seja uma atitude sustentvel em termos de filosofia, dificilmente seria plausvel em termos sociais. Em O existencialismo um humanismo, a compreenso sartriana da liberdade individual se estabelece em termos de responsabilidade social, de engajamento. Isso somado sua natural antipatia pela burguesia, o aproximou do socialismo, embora ele no de admitisse marxista. Porm em 1952, Sartre torna-se marxista, afirmando que "o marxismo reabsorveu o homem na idia, e o existencialismo o procura por toda parte onde ele esteja - no trabalho, em casa, na rua"[ix]. No ingressou em nenhum partido, pois seu individualismo no o permitiria.

Suas relaes com o marxismo se delinearam teoricamente na obra Crtica Razo Dialtica(1960), refletindo em muito o historicismo marxista, cuja crtica determinista do desenvolvimento da civilizao e a dialtica o atraem intelectualmente.

Em 1964 agraciado com o Prmio Nobel de Literatura, ao qual rejeitou, afirmando que "o escritor no se deve deixar transformar pelas instituies"[x]. Sua revista Les Tempes Modernes, tornou-se sua voz na Frana e no mundo, nela Sartre faz pronunciamentos sobre fatos contemporneos. Os extremistas de direita queriam sua morte, a polcia sua priso, mas ele tinha no general DeGaulle um aliado que afirmava ser Sartre um grande homem da histria e ainda, que no se poderia "prender Voltaire".

A dcada de 70 marcada pelos problemas de sade, preo que teve que pagar por sua opo de "vida qumica". Assistido de perto por Beauvoir e por um squito de jovenzinhas existencialistas, Sartre ficava cada vez mais debilitado. Falece em 15 de abril de 1980, aos 74 anos.

Seu enterro foi um acontecimento que atraiu quase 25 mil pessoas. O cortejo percorreu o Quartier Latin e a Rive Gauche, lugares marcantes de sua vida, onde produziu, viveu e de onde concebeu o pensamento que seria de toda uma gerao. Movimentos radicais em todo o mundo inspiraram-se em seus escritos, embora suas leituras sobre os fatos continuassem mais como idia do que como realidade. "A estava de fato, uma existncia ftil num mundo absurdo".

OBRA[xi] (Nome da Obra - Data de publicao)

Obras filosficas: A Imaginao(1936) - A transcendncia do Ego(1937) - O Imaginrio(1940) - O Ser e o Nada(1943) - O existencialismo um humanismo (1946) - Crtica da Razo Dialtica(1960) - O idiota da famlia(1971) - Anotaes para uma moral(1983)

Ensaios: So Genet, comediante e mrtir(1952) - Questo de mtodo(1960)

Romances e Contos: A nusea(1938) - O muro(1939) - A idade da razo(1945) - Sursis(1945) - Com a morte na alma(1949)

Teatro: As moscas(1943) - Entre quatro paredes(1945) - Mortos sem sepultura(1946) - A prostituta respeitosa(1946) - As mos sujas(1948) - O diabo e o bom Deus(1951) - Os seqestrados de Altona(1960)

Autobiogrficas: As palavras(1964) - Dirio de uma guerra estranha(1983)

A QUESTO DE DEUS EM SARTRE

Em entrevista dada a Simone de Beauvoir em agosto/setembro de 1974, Sartre por ela perguntado acerca da vida alm da morte, questionando o filsofo, se nunca houvera sido tocado por essa idia ou pela idia de um princpio espiritual inerente ao ser humano.Ao que ele responde "Parece-me que sim , mas como um fato quase natural (...) Todo o futuro que imaginamos na conscincia remete conscincia".[xii] Toda a questo aparece permeada pelo primado da subjetividade, do ser que se estabelece no nada da conscincia.

Seu atesmo nascera a partir de um insight precoce, ainda na adolescncia. Segundo Sartre, suas relaes com Deus, que nunca se estabeleceram na perspectiva de sujeio ou de compreenso, no passavam de relaes de boa vizinhana. Chega a declarar sua presena num certo dia em que ateara fogo na casa, como um olhar que eventualmente pousara sobre ele.

Por volta dos seus doze anos, na cidade de La Rochelle, envolvido em situaes corriqueiras da infncia, subitamente lhe ocorreu o pensamento de que Deus no existia. Sartre afirma no saber exatamente de onde surgira tal idia ou como nele se instalara, mas o fato que, a partir de ento aquela pequena intuio o acompanharia, quase como uma certeza, "uma verdade que me surgira com evidncia, sem nenhum pensamento prvio (...) um pensamento que intervm bruscamente, uma intuio que surge e determina a minha vida"[xiii]. Notvel tambm o fato de que um pensamento surgido aos onze anos o levasse a nunca mais perguntar acerca desta questo.

Sua ida para Paris, segundo ele, fortificou a sua posio efetuando a transio de um atesmo idealista para um atesmo materialista, para ele, quando dizia, "Deus no existe", se desfazia de uma idia que estava no mundo, colocando em seu lugar um nada espiritual, era uma grande idia sinttica que desaparecia e que levaria Sartre a um pensamento diferente acerca do mundo. Para ele, "a ausncia de Deus era visvel em todos os lugares"[xiv].

Pensar o seu prprio ser, no mundo e fora dele, e o mundo sem Deus, parecia a Sartre um empreendimento novo, j que no se encontrava, na poca da Escola Normal, a par dos escritos ateus, e uma vez que "uma grande filosofia atia, realmente atia, no existia na filosofia. Era nessa direo que era preciso agora tentar trabalhar."[xv] Seu desejo era o de fazer uma filosofia do homem, num mundo material.

O existencialismo ateu de Sartre afirmado por ele como estrutural e parte de sua constituio cultural. O problema de Deus atravessa toda a obra de Sartre, contudo mais em nvel intelectual e terico do que em nvel de vivncia. O atesmo Sartre efetivamente difundido em sua obra "O Ser e o Nada", em outros escritos como "Anotaes para uma Moral", existe uma forte filosofia atia , orgnica e muito bem exposta. "Ainda na metade dos anos 70, Sartre dir que L'tre et le nant ("O Ser e o Nada") continha uma exposio das razes de sua rejeio existncia de Deus: mas no eram aquelas as razes autnticas de seu atesmo. O seu atesmo (...) fora uma intuio de seus doze anos e no podia ser reduzida a uma discusso de teses filosficas sobre a impossibilidade da existncia de Deus"[xvi].

Em A cerimnia do Adeus, Sartre apresenta Deus como um ser na direo do qual tende a realidade humana e que ele mesmo o corao dessa realidade: Deus a realidade humana como totalidade. Dessa nascente surge a idia do nada espiritual, da idia ausente. Influenciado por Feuerbach, Sartre afirma que "a alma humana apenas o rastro imperfeito dos esse, nosse, velle perfeitos de Deus". Em suma, "o homem o ser que projeta ser Deus"[xvii]. "Ser homem tender a ser Deus: ou caso se prefira, o homem fundamentalmente desejo de ser Deus"[xviii] A conscincia remetida no inexistncia de Deus, mas se ele pode ser realizado.

Na verdade o atesmo uma relao com Deus, fruto de uma converso filosfica, pois a prpria crena em Deus devida condio humana e no aos condicionamentos histrico-sociais. Em acordo com Marx, Sartre afirma o sentimento religioso como um libi e uma fuga da prpria condio humana, pois para o homem existe sempre uma luta a travar contra a iluso transcendental que a relao com Deus. Invertendo o mito de Cristo, de um Deus que se sacrifica para que o homem viva, na verdade o homem que perpetuamente se sacrifica em prol da existncia de Deus. "Sacrifcio intil e prejudicial" [xix]O existencialismo de Sartre conduz ao desespero, pois nele o ser humano encontra-se sozinho, abandonado, independente. Em Anotaes para uma Moral Deus a categoria para todas as alienaes, a hiptese de objetivao do homem.

A Imaginao

Quando um objeto inerte observado, sua forma, posio e cor podem ser percebidos, essa percepo revela uma existncia passvel de constatao que entretanto independe do observador para existir, o que Sartre chama de a existncia em si. Uma existncia que se d de forma alheia s minhas espontaneidades conscientes 20 ,trata-se de uma coisa, algo que no existe para si mesmo. Existir na posse da conscincia da prpria existncia.

Sartre no texto A Imaginao destaca a diferena entre a existncia como coisa e a existncia como imagem. H coisas que ao observarmos j o fazemos com uma lente que nos mostra no o que a coisa , mas o que dela temos em nossa conscincia. A transformao da imagem de uma coisa na prpria coisa chamada de metafsica ingnua da imagem.

Em suma, a obra A Imaginao discorre sobre o que prprio da imaginao, o que faz parte de sua natureza e questiona o conceito de imagem. Apresenta as concepes de vrios pensadores e psiclogos e conclui que imagem no uma coisa mas um ato, ela trata-se da conscincia de uma coisa e no da coisa em si mesma.

O Diabo e o Bom Deus

(...) Supliquei, pedi um sinal, enviei mensagens ao Cu: nenhuma resposta. O Cu ignora at o meu nome. Eu me perguntava, a cada minuto, o que eu poderia ser aos olhos de Deus. Agora, j sei a resposta: nada. Deus no me v, Deus no me ouve, Deus no me conhece. Vs este vazio sobre nossas cabeas? Deus. Vs esta brecha na porta? Deus. Vs este buraco na terra? Deus ainda. A ausncia Deus. O silncio Deus. Deus a solido dos homens. Eu estava sozinho: sozinho, decidi o Mal; sozinho inventei o Bem. Fui eu quem trapaceou, eu quem fez milagres, eu quem se acusa, agora, eu, somente, quem pode absolver-me. Eu, o homem. Se Deus existe, o homem nada ; se o homem existe... para onde vais? 21

Nesta pea teatral Sartre utiliza-se do dilogo que traduz-se num meio deveras interessante da transmisso de uma mensagem que ao mesmo tempo crtica e realista. O texto traz consigo uma estria que provavelmente se d na Idade Mdia, Alemanha. Perodo esse marcado por uma presena forte da Igreja Crist (Catlica) principalmente do clero, de militares, de uma pequena populao urbana, de uma boa quantidade de campesinos, de pobres, de meretrizes, de profetas, anjos, demnios e, logicamente do Diabo e do Bom Deus.

por demais fascinante a maneira com que Sartre desenvolve sua pea bem como a preciso e inteligncia com que coloca as frases dos personagens.

Numa eptome possvel tornar explcita a questo de Deus bem como do Bom Diabo, ou melhor, do Diabo, do Bem e do Mal, da seguinte forma: tanto Deus quanto o Diabo nesta pea so sinnimos do poder para matar, ordenar, amar, roubar, legitimar, vingar etc. Nobres, religiosos, militares, pobres, doentes, marginalizados enfim, todos procuram se apoderar de Deus, que o Bem, para defenderem os seus interesses e legitimarem suas aes. Contudo seus intentos e atos, parece que na maioria das vezes, so carregados de anseios particulares com vistas ao benefcio prprio. Benefcios esses que favorecem o detentor de DeusBem, porm so malficos (DiaboMal) para todos aqueles que sofrem para que um se beneficie. V-se portanto que Deus e Diabo no passam de conceitos criados a fim de legitimar o poder de uma(s) pessoa(s) sobre a(s) outra(s). (Exemplos: O Exrcito X luta com o Exrcito W, os dois assim o fazem em nome e para a glria de Deus; Vende-se indulgncias para que um se salve (que algo Bom Deus) no v para o inferno (O MalDiabo) e assim continue a fazer o seu MalDiabo de cada dia com aval de DeusBem, e o outro enriquea por intermdio da barganha (O MalO Diabo) porm salve uma pobre alma do Inferno (O MalO Diabo); As pessoas tornam-se profetas de Deus Bem muita vez para sua prpria honra, O DiaboO Mal). Sendo assim, o ser humano seria incapaz de viver somente com o BemDeus ou somente com o MalDiabo, ambos so necessrios. Destarte, h como entender que apenas a presena nica do DiaboO Mal ou de DeusBem seria algo muito montono, ento necessrio os dois existirem para que o ser humano caminhe e tenha em quem jogar a culpa por seus fracassos e xitos.

O Existencialismo um Humanismo.

Sartre defende o existencialismo contra os catlicos afirmando que esta uma doutrina que torna a vida humana possvel graas a subjetividade humana. Sartre ainda especifica a diferenciao entre as duas escolas do existencialismo, a dos existencialistas cristos Jaspers e Marcel e os ateus Heidegger e o prprio Sartre, afirma que a nica coisa que une estas duas correntes que a existncia precede a essncia. Ou se preferir necessrio partir da subjetividade.

O existencialismo ateu afirma que, se Deus no existe h pelo menos um ser no qual a existncia precede a essncia, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito. Este ser o homem ou melhor a realidade humana . Isto significa que , em primeira instncia , o homem existe, surge no mundo e s posteriormente se define.

O homem, tal como o existencialista o concebe, s no passvel de uma definio porque, de incio, no nada ; s posteriormente ser alguma coisa e ser aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, no existe natureza humana, j que no existe um Deus para conceb-la .

O homem aquilo que ele mesmo faz de si, a isto que chamamos de subjetividade. Porm, se realmente a existncia precede a essncia, o homem responsvel pelo que . Desse modo, o primeiro passo do existencialismo de por todo o homem na posse do que ele de submete-lo responsabilidade total de sua existncia.

Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de ns se escolhe, e tambm escolhe todos os homens.

O existencialista, pensa que extremamente incmodo que Deus no exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num cu inteligvel; no pode mais existir nenhum bem a priori; j que no existe uma conscincia infinita e perfeita para pensa-lo.

Se Deus no existe, no encontramos, j prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim no teremos nem atras nem a frente nenhuma justificativa para nossa conduta . Estamos ss , sem desculpas. o que posso expressar dizendo que o homem est condenado a ser livre. Condenado, porque no se criou a si mesmo mas por estar livre no mundo estamos condenados a ser livres.

O existencialista no pensara nunca, que o homem possa conseguir o auxilio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois o homem quem decifra os sinais.

NOTAS

[i] STRATHERN, Paul. Sartre em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 9.

[ii] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 13

[iii] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 17

4 STRATHERN, Paul. Ibid., p. 17

[v] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 18

[vi] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 18

[vii] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 38

[viii] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 38

[ix] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 64.

[x] STRATHERN, Paul. Ibid., p.68

[xi] MOUTINHO, Luiz D. S. Sartre e o Existencialismo. So Paulo: Editora Moderna, etc.

[xii] BEAUVOIR, Simone de. A Cerimnia do Adeus e Entrevistas com Jean-Paul Sartre (Agosto/Setembro 1974). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982. p. 564.

[xiii] BEAUVOIR, Simone de. Ibid.. , p. 564.

[xiv] BEAUVOIR, Simone de. Ibid.. , p. 566.

[xv] BEAUVOIR, Simone de. Ibid.. , p. 567.

[xvi] INVITTO, Giovani. Jean-Paul Sartre (1905-1980). "Deus no existe": a indemonstrabilidade de uma certeza. In: PENZO, G. & GIBELLINI, Rossino (org.). Deus na Filosofia do Sculo XX. So Paulo: Edies Loyola, 1993. p. 409-420.

[xvii] INVITTO, Giovani. Ibid., p. 411

[xviii] INVITTO, Giovani. Ibid., p. 411-412.

[xix] INVITTO, Giovani. Ibid., p. 412.

20 Sartre, Jean Paul. A Imaginao. So Paulo, Abril Cultural, 1978, p.35 ( Os pensadores)

22 Sartre, Jean Paul. O Diabo e o Bom Deus: trs atos e onze quadros, So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1964, p. 222-223

SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo um Humanismo.

PAGE 6