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Bernardino António Gomes Ilustre médico iluminista nascido em Paredes de CouraCARLOS SUBTIL

Coordenação · Bárbara AzevedoDesign · Olinda MartinsRevisão de texto · Maria David Castro Data da edição · maio de 2017Tiragem · 300 exemplaresExecução Gráfica · Depósito legal ·

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11 prefácio

13 introdução

17 i parte

Asociedade,asaúdeeamedicinaaotempodonascimentoevidadeBernardinoAntónioGomes

19 Omodelodegovernoedeadministraçãodasaúdepública

Aassistênciaeasaúdeduranteamonarquiacorporativa

26 AsaúdepúblicanosalvoresdoLiberalismo

29 Oestadodaartemédica:damedicinahipocrático-galénicaatéamodernidade

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35 ii parte

Origem,dadosbiográficoseaspetosdavidafamiliardeBernardinoAntónioGomes

48 Obotânico,sanitaristaedermatologista

Obotânico

54 Omédicodesaúdepública,fundadordaInstituiçãoVacínica

75 Ofundadordadermatologiaportuguesa

79 Ashomenagensquelheforamfeitas

82 Àguisadeconclusão

86 Fontes

91 ReferênciasBibliográficas:

Conteúdos

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36 Figura1—GenogramadafamíliadeBernardinoAntónioGomes

46 Figura2—EstátuadeBernardinoAntónioGomesnoJardimBotânicodeLisboa

50 Figura3—Páginasdo1º.VolumedeManuscritosdeBernardinoAntónioGomes,comoregistodasobservaçõesdedoentescomsezõestratadoscomaquinadeGoiares,enquantomédicodaArmadaeCapitãodeFragataGraduado(1798-1808).Oferecidoporseuneto,PadreBernardinoBarrosGomes,em1910,aoJardimBotânico,daUniversidadedeCoimbra(?)

58 Figura4—Capadosdoisprimeirosopúsculossobreavacina,dosnovequeforampublicadosentre1812e1813

62 Figura5—PrimeirapáginadaRecopilaçãohistóricadostrabalhosdaInstituiçãoVaccinicaduranteoseuprimeiroanno.

68 Figura6—PrimeirapáginadaContaannualdaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanasessãopublicade1815

74 Figura7—CapadeEnsaiodermosográfico

76 Figura8—CapadaCartaaosmédicosportugueses

78 Figura9—SinaléticadaR.Dr.BernardinoAntónioGomesemParedesdeCoura

80 Figura10—SinaléticadoLargoBernardinoAntónioGomes,ondetambémexisteumbustoseu,juntoaoCampodeSantaClara

Figuras

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41 Quadro1—Tabelacronológico-biográficadeBernardinoAntónioGomesincluindoadatadepublicaçãodassuasobraseacontecimentosrelevantesdavidanacional

57 Quadro2—OpúsculospublicadosdesdeafundaçãodaInstituiçãoVacínicaatéfevereirode1813

64 Quadro3—NúmerodevacinadosduranteotrimestreemqueBernardinoAntónioGomesfoidiretor,porlocalidadesepordistrito

70 Quadro4—Número,nomeetempodeserviçodosvacinadoresdaprovínciadoMinho,noterceiroanodeexistênciadaInstituiçãoVacínica(1815)

Quadros

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A história local continua muito viva e assim será nos próximostempos. Num mundo em que tudo muda, a um ritmo alucinante enumtempoemqueasfronteirassãocadavezmaisinvisíveis,háumatendêncianostálgicaparaprocurarasraízesedescobrircommaisprofundidade quem somos. É uma boa compensação porque nãopodemos compreender o mundo e avançarmos com maior lucidezparaofuturosemsabermosquemsomoseparaondequeremosir.

Estelivroé,nasuaessência,sobreumhomemilustre,umcien-tista,quetemumaligaçãomuitoíntimaàhistóriadeParedesdeCouraedoprópriopaís.Étambém,porisso,umahomenagemjus-tíssima,masé,sobretudo,avontadededarmosaconheceroespi-rito científico de Bernardino António Gomes que, no seu tempo,abriunovoscaminhosàciência.

Estamos, portanto, muito gratos ao Professor Doutor CarlosSubtilpornosdaraconheceravidadestecourense,eportuguêsímpar,queabriunovoscaminhosàmedicina,comespecialrelevoàfarmacologiaeàdermatologia,mastambémàquímica,àbotânicaeatéàsaúdepública.

Pelautilizaçãoprivilegiadadasfontesprimárias,pelaclarezaecorreçãodalinguagemepelacoerênciaglobalpodemosdizerqueestaobraultrapassaafronteiradamonografialocaleseafirmanocontextodeumaamplahistóriadeíndolenacional.

ParabénsProfessorDoutorCarlosSubtilpeloexcelentetrabalhoepelograndecontributoquedeuàhistóriadeParedesdeCouraeàhistóriadonossopaís.

VítorPauloPereiraPresidentedaCamaraMunicipaldeParedesdeCoura

Maio2017

PREFÁCIO

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Nopercursodotrabalhodeinvestigaçãopara«AsaúdepúblicaeosenfermeirosentreoVintismoeaRegeneração»,quedeuorigemàteseapresentadaàUniversidadeCatólicaPortuguesaparaprovasdoutorais,deparamo-noscomumadasfigurasmaisrelevantesdasaúdepúblicanoperíododoestudoemcausa.

O Doutor Bernardino António Gomes, nascido em Paredes deCoura,foi,naexpressãodeum«grupodeadmiradores»,queerigi-ramumaestátuaemsuahomenagemnoJardimBotânicodeLisboa,em1926,um«beneméritodaciênciaebenfeitordaHumanidade».

Abiografiadesteilustrehomemfoiregistadanumamemóriadoseuprópriofilho,em1857,e,jánoséculoXX,em1925,porVirgílioMachado. É, aliás, nestes autores que recolhemos grande partedosseusdadosbiográficos,quepermitemcompreendermelhorasua trajetória como médico e investigador. João Pedro M. Xavierde Brito também apresentou a sua biografia, numa comunicaçãoà Academia da Marinha, em 2011. A obra de Bernardino AntónioGomeséreferidaporvárioshistoriadoresdaMedicina,FarmáciaeQuímicataiscomoJorgeCrespo(1990),RuiPita(2006),LuísMora(2012),AnaCarneiroeBernardoJ.Herold.

Paraalémdaapresentaçãodosdadosbioebibliográficos,comestapublicaçãopretende-setraçarumquadrogeraldasaúdepúblicae da medicina coeva de Bernardino António Gomes, para eviden-ciarocarácterinovadorevisionáriodestehomemdeciênciaedes-tacaroseupapelcomomembrodaAcademiaRealdasCiênciasedaJuntadeSaúdePúblicaecomofundadordaInstituiçãoVacínica,quedesempenhouoimportantepapeldelutacontraavaríola.

OnossoprincipalcampodepesquisafoiaAcademiadasCiênciasdeLisboa,ondeforamcompulsadosostrabalhosqueiremosrefe-rireorganizadosnostrêsmomentosdoseupercursoprofissional

INTRODUÇÃO

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como médico da Armada, médico de saúde pública e dermatolo-gista.Estamos,pois,peranteumadasfigurasmédicasmaisrele-vantesdosséculosXVIIIeXIX,anívelnacionaleeuropeu.

Este é, pois, mais um gesto de homenagem à figura ímpar domédicoBernardinoAntónioGomese,deigualmodo,aosmunicí-pioseaosprofissionaisque,ontemcomohoje,orientamasuaati-vidadeparaasaúdepública.

Aos municípios, pela função que têm vindo a desempenharnestecampoaolongodostemposequehojereassumem,emnovasdimensõeseemnovoscontextossociaisepolíticos.

Aosprofissionaisdasaúdepública,porseremoslegítimosher-deiros do altruísmo modernista de Bernardino António Gomes edosanónimosmédicosdo partidorepresentadosnafiguradoJoãoSemanaedosmédicosdeprovínciaquepovoamoimagináriodasPupilas do Senhor Reitor.

AsbiografiasanterioresrealçamaobradeBernardinoAntónioGomes no domínio da Botânica e da Dermatologia. Neste traba-lho,queremosdestacaroseupapelcomofundadordaInstituiçãoVacínica, instituição percursora do atual Plano Nacional deVacinação.

NaIPartedestelivro,traçamosumbrevequadrodasaúdeedamedicinadaépoca,caracterizandoasformasdegovernoedeadmi-nistração da saúde pública em dois momentos que, sendo contí-guos,assinalamatransiçãodoAntigoRegimeparaoLiberalismo,períodoemquenasceueviveuBernardinoAntónioGomes.

NaIIParte,reunimososseusdadosbiográficos,procurandotra-çaroseuperfilcomohomem,profissionaldasaúdeeinvestigadornas áreas da botânica, da vacinação e da dermatologia. Todas assuasbiografiasestãoatravessadasporextensoserasgadosencó-mios pessoais e, menos frequentemente, por aspetos da sua vidafamiliar.Aambosnosreferiremospara,deseguida,destacarasuaobracomocientistaemédico,sobretudonaáreadasaúdepúblicaenopioneirismodotratamentodiferenciadodasdoençasdepele.

A grandeza da sua obra suscitou o reconhecimento e louvorpúblicos que posteriormente lhe foram dispensados e que nãopoderíamosomitirnestetrabalho.Porisso, incluímosumabrevereferênciaàshomenagensquelheforamfeitas,inventariadasporJofredeLimaMonteiroAlves.

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Umaadvertênciafinalparaonúmeroeaextensãodasnotasderodapé.Trata-sedeumaopçãoparanãoprivaroleitordasfontesedetodaabibliografiaquefoiusadaeparafazeranotaçõesque,ficandonotextoprincipal,corriamoriscodeotornarmaisextensoeirregular.

NãopossodeixardeexpressaragradecimentosaomunicípiodeParedesdeCoura,napessoadoseupresidenteVítorPauloPereira,que acolheu com entusiasmo esta proposta. De igual modo, aosresponsáveispelasduasimportantesestruturasaoserviçodalei-tura,doconhecimentoedapreservaçãodopatrimóniodocumen-tal:AníbalAlmeida,daBibliotecaMunicipal,eFátimaCabodeira,do Arquivo Municipal, que têm sido inexcedíveis na disponibi-lização dos seus serviços. Também um agradecimento à SandraSousa,agualonguensedenascimento,técnicasuperiornoCentrodeDocumentaçãodaEscolaSuperiordeSaúdedeViana,pelaqua-lidadeerigorcomqueprocedeuàrevisãodasnotasderodapéedasreferênciasbibliográficas.Deigualmodo,àBárbaraAzevedo,pelacoordenaçãográfica,àOlindaMartins,pelacapaepaginação,eàMariaDavidCastro,pelarevisãodetexto.

Coura,29deoutubrode2016CarlosSubtil

(248anosapósonascimentodeBernardinoAntónioGomes)

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i parte A SOCIEDADE, A SAÚDE E A MEDICINA AO TEMPO DO NASCIMENTO E VIDA DE BERNARDINO ANTÓNIO GOMES

À época do nascimento de Bernardino António Gomes (1768),estavaemcursoumaruturahistóricaentreaculturado«público»eaculturado«privado»,entreoparadigmacorporativoeopara-digmaindividualista.

Àesferadavidaprivadapoucopertencia,detalformaavidadecadaumeavidaemfamíliaeramsistemáticaepermanentementeescrutinadaspelosoutros.Natransição,«assiste-se,assim,àpas-sagemdeumasociabilidadealargadaparaumasociabilidaderes-trita,deumasociedadeemqueopúblicoeoprivadoseconfundem,paraumasociedadeemqueoprivadoseseparadopúblico»1.

Aformaculturaldopúblicorefletia-senaorganizaçãopolíticaeadministrativadopaís,atravésdoparadigmacorporativo,

«ogovernogravitavaemtornodeumpluralismodepode-resedejurisdições(ordinária,eclesiástica,régia,privile-giada)emquecadapolo(corpo,grupoouestado,desdea

1 SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–ASaúdePúblicaeosEnfermeirosentreoVin-tismoeaRegeneração,p.55.

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família,Igreja,comunidadeslocais,senhorios)eradotadodeautonomiajurisdicionalparaproduzirassuasprópriasnormas,parasegovernareparaseautocontrolar,sendoque,outrasvezes,ocontroloerafeitoatravésderedesdeinformação sobrepostas (visitadores, pregoeiros, notá-rios, escrivães, denúncias, devassas). Tratava-se de umasociedademolecular,ondesecombinavaminteresses,nãoporforçadeumacentralizaçãodopoder,masporviadorespeitomútuodosdireitosparticulares(justiça)»2.

A partir de meados do século XVIII, a este modelo corporativoopor-se-iaummodeloindividualista,caracterizadoporumanovaformadegovernarbaseadanaideiadeumEstado intervencionistaecentralizadordasdecisõesquedeviampromoverafelicidadedospovos,aoarrepiodomodelocorporativo3.Osprincípiosdoutriná-riosdesteestado de políciaestavamreunidosnocélebreTraité de la Police,deNicolasDelamare4que,emPortugal,tiveramexpres-são,depoisdoterramotode1755,nacriaçãodaIntendênciaGeraldaPolícia.

No campo da saúde, foram o filósofo e professor Padre LuísAntónioVerneyeomédicoRibeiroSanchesquemmelhorexpres-souestasnovasideiasatravésdassuasobrasO Verdadeiro MétododeEstudar (1746)eTratado de Conservação da Saúde dos Povos(1756), respetivamente. Tanto estas obras como, mais tarde, oTratado de Polícia Médica (1818), de José Pinheiro de FreitasSoares, terão tido uma forte influência em Bernardino AntónioGomes,emboraesteúltimotenhasidoescritojánosúltimostem-pos da sua vida. Aliás, entre Bernardino António Gomes e JoséPinheirodeFreitasSoaresteráhavido,porcerto,grandeproximi-dadeintelectual,doutrinaleprofissional.Ambosforammembros

2 Idem,p.56.

3 HESPANHA,AntónioManuel–Depois do Leviathan.

4 DELAMARE,Nicolas–Traité de la Police, où l´on trouvera l´Histoire de son éta-blissement, les fonctions et les prérogatives de ses magistrats, toutes les loix et tous les règlements qui la concernent, etc.Sobreestetema,cf.SUBTIL,C.L.;VIEIRA,M.–Os Tratados de Polícia, fundadores da Moderna Saúde Pública(1707-1856).

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detrêsimportantesinstituições:aJuntadeSaúdePública,oprin-cipalórgãodegovernodasaúdepúblicadaaltura;aAcademiaRealdasCiências,que,apardaUniversidadedeCoimbra,estevenavan-guardadadifusãodoconhecimentocientíficoedenovossaberes;eaInstituiçãoVacínica,emcujafundaçãoseempenhouBernardinoAntónioGomes.

O modelo de governo e de administração da saúde pública

Paramelhorcompreenderaruturahistóricaqueestavaemcurso,consideremosdoisperíodos:oprimeiro,anterioraonascimentodeBernardinoAntónioGomesequevaiaté1755,refere-seàmonar-quiasustentadanoparadigmacorporativo;osegundo,posterioraoterramotodeLisboaequevaiatéàsvésperasdoLiberalismo(1755-1820),caracterizadopeloestado de polícia.

A assistência e a saúde durante a monarquia corporativa

Durante o primeiro período, os ofícios da saúde estavam orga-nizados em dois grandes grupos: os empregados maiores, queincluíammédicos,cirurgiõeseboticários,eosempregadosmeno-res,queincluíamenfermeiros,algebristas,cristaleirosesangrado-res.Paraalémdestesgrupos,merecemumareferênciaespecialasparteiraseasamas,queprestavamassistêncianopartoeàscrian-çasexpostas.

ACoroatinhaporprincipalfunçãofazerocontroloevigilânciadestes ofícios, o que quase sempre fez sem grande sucesso, porfaltaderecursoshumanosefinanceirosepeladeficienterededemeiosdecomunicaçãonoReino.Paraoexercíciodestafunçãoderegulaçãodosofíciosdasaúdedispunhadeduasfigurasderecortepolítico:oFísico-moreoCirurgião-mor.

Aassistênciaaospobres,doentes,desfavorecidoseexcluídoseraasseguradapelasconfrarias,pelasmisericórdiaseseushospitaise por uma rede municipal de «médicos de partido». Sob a gestãodaCoroaestavamapenasoprincipalhospitaldoReino,oHospitaldeTodos-os-Santos,oHospitalTermaldasCaldase,maistarde,oHospitalRealdeSantoAntónio,noPorto.

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Para coordenar o trabalho de combate às epidemias – um dosprincipaisproblemasdesaúdepúblicadaépoca–,aCoroainstituiuocargodeProvedor-mordaSaúde,paraafiscalizaçãodosportosdemarefronteirasterrestres.

OsmédicosformadospelaUniversidadedeCoimbraerampou-coseinsuficientesparaasnecessidades.Parasesupriracarênciaemmédicos,usou-seaestratégiadeconcedercartasprofissionaisàqueles que, mediante exame perante o Físico-mor, demonstras-semestarpreparadosparaoexercíciodamedicina.Estaformadeacreditaçãonemsemprefoieficaznemimpediuquemuitoschar-latães e curiosos exercessem o ofício sem qualquer formação ecertificação,apesardeesteprocessotervindoaserreformuladoeatualizadoaolongodostempos.

Nolimite,noslugaresondenãohouvessefísicosexaminadoseaprovados, admitia-se que os «homens e mulheres, que pela ven-turacuremalgumasinfirmidadesporexperiencia»podiamreque-rerexameaoFísico-mor,desdequetrouxessemcertidõesoucartasdosconcelhosassinadaspelosoficiaiscamarários.Noutrassitua-ções,devidoàgrandecarênciadessesprofissionaissentidapelosmunicípios,eramosprópriosconcelhosarequereremoexamedosseus «físicos», desde que estes tivessem adquirido alguma repu-tação.Oscandidatosquesesubmetiamaexameeram,pois,indi-víduos cujo saber era experiencial, feito em família, transmitidopelospaiseavós,queseconstituíamcomomestres.

Havia,portanto,trêstiposdemédicos:os(poucos)médicoslicen-ciadospelaUniversidadedeCoimbra,osmédicoslicenciadospeloFísico-mor,queexerciamnasgrandesvilasecidades,eosmédicoslicenciadosparacurarsódeterminadasenfermidades,noslugaresmaisdistantesemenospovoados.

Pelas Ordenações Filipinas (1603)5, e em legislação posterior,foramsendotomadasmedidasnosentidoderecenseareverificaras cartas dos vários profissionais, desde os físicos às parteiras,com a aplicação de coimas aos prevaricadores. Para tornar maiseficaz a ação do Físico-mor, acabaria por ser criada uma rede decolaboradores,atravésdeumaProvisãodoDesembargodoPaço,de

5 ORDENAÇÕESFilipinas:dosCorregedoresdasComarcas:LivroI,TítuloLVIII,

parágrafo33.

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17deagostode1740,estabelecendocomissáriosdeFísico-moremtodasascomarcasdoReino.Note-sequeestaredejáexistiamasera constituída, não por profissionais da saúde, mas por oficiaisrégios que exerciam a magistratura. De igual modo, o Cirurgião-morlegitimavaoexercícioprofissionaldoscirurgiõese,apartirde16316,oRegimentodava-lheaprerrogativadeexaminarsangrado-res,dentistaseparteiras,competênciaquelhefoiatribuídaatéàcriaçãodaJuntadoProtomedicato.

Detenhamo-nos nos médicos de «partido». Foi nesta qualidadeque o pai de Bernardino António Gomes exerceu em Paredes deCouraeopróprioiniciouasuacarreira,emAveiro.

Este tipo de médicos teve uma enorme importância no sis-tema assistencial. Tendo ordenado fixo, eram contratados paraprestarassistênciagratuitaagruposespecíficosdepessoas(v.g.,pobres, expostos, amas) ou instituições (v.g., Casa Real, Casa daSuplicação, municípios). O seu salário era pago pela vereação,mas estava sujeito a consulta do Desembargo do Paço e a despa-cho régio. A Coroa chegava mesmo a abdicar de parte das sisase das fintas para que o município pudesse pagar os ordenados enãoficassesemmédicodaterra7.Foraisso,estesfísicosexerciamclínicaprivada,cobrandohonoráriosporsiestabelecidos.Muitosdeles,eboticáriostambém,erambolseirosqueiamfrequentarosseuscursosparaaUniversidadedeCoimbra,àcustadeimpostosarrecadadospelosmunicípios.

OProvedor-mor,aquejáfizemosreferência,paraalémdopapeldecontrolodeentradasesaídaspelosportosefronteirasedafis-calizaçãodasmedidasdequarentena,superintendiaemtudooquedissesserespeitoàsaúdepública,nomeadamentenasmedidasdeprevençãodasepidemiasederepressãoàmendicidadeevadiagem.

PorDecretode15dedezembrode1707,tambémficaramentre-guesàsuaguardaainspeçãoefiscalizaçãodeoutrosassuntosdepolíciamédica,taiscomoainspeçãodavendadegénerosalimentí-ciosedasfábricasdecurtumes,opoliciamentodasruasdacidadeeoexamedebebidasespirituosas.PorPortariade28deagostode

6 SOUSA,JoséR.M.–Systema, ou Collecção dos Regimentos Reaes,p.343-349.

7 SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–op. cit.,p.80.

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1813,estecargofoiextinto,dandolugaràJuntadeSaúdedaqualviriaafazerparteBernardinoAntónioGomes.

Pelosregimentosde1693,ocombateàsepidemiaspassouacon-tarcomumprovedordesaúdeemcadavilaoucidade,cujafunçãoestavaatribuídaaomunicípio,naspessoasdovereadordopelourodasaúdeedeumalmotacé,oficialsanitário.Eradasuacompetên-ciaencerrarcasas,mandarqueimarroupas,isolardoentes,recru-tarmédicoseboticárioseescolherumlugarforadapovoaçãoparaerguerumaCasadeSaúde,tendoaoseuserviçofísicos,cirurgiõesesangradoreseumaboticaprópria8,parainternartodososdoen-tescontagiososoususpeitosdecontágio.

Nasfreguesias,haviacabeçasde saúde,«homenshonrados»quedeviamauxiliaroprovedornastarefasdeprevençãoevigilânciadahigienedascasas,dalimpezadasruasedosenterros.

OmovimentoconfraternalteveassuasraízesnaIdadeMédia,recebendo um forte impulso depois do Concílio de Trento (1545-1563), com a chamada dos leigos à participação ativa na vida daIgrejaeoaprofundamentodacrençareligiosanoPurgatórioquedesencadeariaumcrescimentoexponencialdelegadospiosparaafundaçãodesufrágiosdaalma9.

Asobrasdecaridadeemisericórdiapraticadaspelasconfrarias10traduziam-seem«dardecomeraquemtemfome,dardebeberaquem tem sede, dar abrigo aos peregrinos, visitar os presos e osdoentes,vestirquemnãotemroupaeenterrarosmortos»11.Ascon-frariasestavam,portanto,associadasàsmanifestaçõesdepiedade

8 Idem,p.85-86.

9 MuitodoaquiseráditoseguedepertoasobrasdeLaurindaAbreu,MariaAn-tóniaLopeseIsabeldosGuimarãesSá.Paraosdetalhesevolutivosdoshos-pitais anexos às misericórdias, ver o caso de Setúbal estudado por ABREU,Laurinda—Memórias da Alma e do Corpo, a Misericórdia de Setúbal na Mo-dernidade.Paraalémdeservirparaumenquadramentogeral,traçapormeno-resdavidaquotidianadestasorganizações,emespecialnoqueserefereaoshospitaisdaAnunciadaedaMisericórdia.

10 Paraumasíntesedomovimentoconfraternalnesteperíodoesobreoambientede conflitualidade entre as confrarias e os restantes poderes locais, ver SÁ,IsabeldosGuimarães–As Confrarias e as Misericórdias,p.55-60.

11 ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger – História da Vida Privada, do Renasci-mento ao SéculodasLuzes,p.97.

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e devoção, à instituição de missas, sermões, responsos e outrosmeios de salvação da alma dos seus fundadores e familiares oudasalmasdoPurgatório.ApartirdoséculoXVIII,osmendigoseospobrespassaramadeixardeserlegendasparaapráticareligiosadasalvaçãoparaseremconsideradospeloEstadocomoelementosperigososemarginaisqueeranecessárioisolardasociedade.

Algumasconfrarias,continuandoaterporpanodefundoestadimensãoreligiosa,acabaramporsededicaràassistênciaeàfun-daçãodehospitais,acabandoporcobrirascarênciasnãoresolvi-daspelaCoroanempelosmunicípiosnaassistênciaaospobresedesvalidos,nalimpezadosespaçospúblicos,noabastecimentodeáguas,noassegurardaqualidadedoaredosalimentosenodisci-plinardosenterrosnasigrejas12.Foiassimquemuitosfundosqueeram destinados ao culto, passaram a ser orientados e aplicadosnasdespesascomoshospitais13.DepoisdoConcíliodeTrento,asconfrarias passaram a dividir-se em eclesiásticas e laicas, desta-cando-se,destassegundas,asmisericórdias.

ComarainhaD.Leonorseriafundadaaprimeiramisericórdia,a Misericórdia de Lisboa (1498), cujo modelo serviu de exemploparaacriaçãodequantasselheseguiram.AolongodosreinadosdeD.ManuelI,D.JoãoIII,doperíodofilipino,entreaRestauraçãoe1750,desdePombalatéaofinaldaguerracivilentreliberaiseabso-lutistas(1834),foiimplementadaumaextensarededemisericór-diasquecobriupraticamentetodasasnecessidadesdosconcelhoscommaispopulação.

Emboranuncadeixassemdecumprircomasobrasdenaturezaespiritual,asmisericórdiascomhospitaisanexospassaramapri-vilegiar o tratamento dos hospitalizados, a distribuição de dotesàs raparigas pobres, o internamento de mulheres abandonadas,

12 Tudoporqueascâmaras,emespecial,osalmotacés(OrdenaçõesFilipinas,Li-vroI,TítuloX),nãocuidavamdascondiçõesdehigieneesanitárias,deruascheiasde“estercoseimundícies”,dosanimaisqueportodooladopropaga-vamdoenças.Cf.SÁ,IsabeldosGuimarães—Quando o Rico se faz Pobre.

13 SÁ,IsabeldosGuimarães–As Confrarias e as Misericórdias,p.55-60eemA Assistência: as Misericórdias e os Poderes Locais,p. 136-143.Maisrecente-mente,ver,também,SÁ,IsabeldosGuimarães;LOPES,MariaAntónia-Histó-ria Breve das Misericórdias (1498-2000)eLOPES,MariaAntónia–Proteção Social em Portugal na Idade Moderna.

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a visita aos presos, o acompanhamento domiciliário de doentesemsofrimento,aorganizaçãodefuneraisgratuitosparaosmaispobres e o tratamento dos militares feridos e doentes, atravésde contratos que estabeleciam com a Coroa. Também recolhiammulheres em dificuldade, davam apoio às viúvas e, embora per-tencesseàscâmarasfazê-lo,asseguravamacriaçãodeenjeitadoseórfãoseopagamentoàsamas.Socorriamigualmenteosviajan-teseasseguravamumserviçodetransportedosdoentesparaoshospitais (cadeirinha), sustentavam róis de entrevados e pobres(os visitados) e mulheres merceeiras, que recebiam vários tiposdesocorro.

DetodasasfunçõesexercidaspelasMisericórdias,asquediziamrespeitoàsaúdeeramasmaisimportantes,namedidaemqueper-mitiamaassistênciaaospobresnoshospitais,asvisitasdomici-liáriaspelos«mordomosvisitadores»eaentregagratuitaderemé-diosqueproduziamnassuasboticas.Eram,pois, instituiçõesdeenormevalorsociale,porviadisso,espaçodedisputaporlugaresnassuasmesas,comoformadeadquirirprestígiosocialeconquis-tarumlugarnacarreirapolítica.Estepoder,quefoiaumentandoàmedidaqueasmisericórdiasseforamconsolidando,conferiu-lhestalestatutoquelogosurgiramconflitosentreestaseosmagistra-dosrégiosouasautoridadesreligiosasouosmunicípios,porcausadoincumprimentodestesdoisúltimosemrelaçãoàassistênciaaosmaispobresouaopagamentoàsamasdosexpostosou,comospri-meiros,quantoadesentendimentosrelativosaoandamentodepro-cessosjudiciaisdospresos.

Quanto aos hospitais, «eram instituições de caridade, pois sóospobrespediamointernamento,istoé,aquelesquenãotinhammeiosparapagaravisitamédicadomiciliária,paracomprarmedi-camentos e as imprescindíveis galinhas»14. O hospital não apre-sentava grandes vantagens sobre o tratamento aplicado em casadosmaisabastados,ondeerapossívelconfecionardietasricasemcarneecaldosdegalinha,teraassistênciadafamíliaedecriados,terafacilidadedecomprarmezinhasaviadasnasboticase,even-tualmente,fazersangriasouclisteresaplicadaspeloscirurgiões,barbeirosoucristaleiros.

14 LOPES,MariaAntónia–Proteção Social em Portugal na Idade Moderna,p.69.

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Para os pobres, o hospital era um último recurso, sob pena deterem de pedir esmola. A «cura» não correspondia a nenhumadoença,mas,sobretudo,àmelhoriadoestadodenutrição,higieneeamparo,devidoàalimentação,cuidadosdehigieneerepousodequeusufruíam.

Namaioriadoshospitaiserapráticanãoseprescreveremmedi-camentos,atéseverificarareaçãodos«doentes»aodescansoeali-mentaçãoe,sónocasodesemanteremossintomasdedebilidade,se admitia que podiam, de facto, estar enfermos e necessitar deumaterapia15.

A partir do final do século XVI, eliminaram-se ou reuniram-semuitos dos hospitais pequenos e procedeu-se ao alargamento emelhoramento dos hospitais das misericórdias nos concelhos. Oprocessoiniciou-seemLisboa,comafusãodepequenasunidadeshospitalares(1492)noHospitaldeTodososSantos,oqualpassouaagregar43hospitaisdacidadeearredores.

DepoisdeD. JoãoIII,a incorporaçãodoshospitaisnasmiseri-córdias disparou, tendo como consequência a transformação dasmisericórdiasnasinstituiçõesmaispoderosaseinterventivasnocampodasaúde,oquefezcomqueacabassem,também,porcontro-lareinfluenciararededasboticas.

Agrandemaioriadesteshospitaistinhaminstalaçõespequenas,reduzidasaumoudoisquartos,umparaahospitaleiraeoutropara«nelleserecolheremedormiremalgunspobres»16,istoé,umauti-lizaçãoquetinhapordestinoalimentareacomodarosdesgraça-dos e, sobretudo, garantir serviços religiosos (missas, confissõeseextrema-unções)quepudessemajudarosinternados(mendigos,peregrinoseviajantes)aentrarnoReinodosCéus,umavezqueadoençaeravistacomoumaetapanocaminhodamortee,porisso,oscuidadoscomaalmasuperavamoscuidadoscomocorpo.

15 Existe,porém,umaexceção,queéadoHospitaldeTodososSantos,emcujoregimentoseilustraatransformaçãodohospitalcomo«instituiçãodecarida-de»emhospitalcomolocaldetratamentoecuradosdoentes.

16 ABREU,Laurinda–Memórias da Alma e do Corpo: a Misericórdia de Setúbal na Modernidade,p.123.Também,deSÁ,IsabeldosGuimarães—Os Hospitais Portugueses entre a Assistência Medieval e a Intensificação dos Cuidados MédicosnoPeríodo Moderno,p.87-103.

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A saúde pública nos alvores do Liberalismo

No segundo período que consideramos, a partir de 1755 até àRevoluçãoLiberalde1820,trêsanosantesdamortedeBernardinoAntónio Gomes, as instituições que incorporaram a doutrina doestado de políciaeamaterializaramforamaIntendênciaGeraldaPolícia,aJuntadoProtomedicatoeaJuntadeSaúdePública,àqualpertenceuBernardinoAntónioGomes.

A nível dos serviços centrais e do comando político do setorda saúde, a instabilidade foi permanente, isto é, o Físico-mor e oCirurgião-morviriamasersubstituídasporumajunta,aJuntadoProtomedicato,queacabouporterumavidarelativamenteefémera—25anos—poisfoiextintaem1809,depoisdasInvasõesFrancesasedaretiradadaCorteparaoRiodeJaneiro,tendosidorestauradosos antigos cargos de Físico-mor e de Cirurgião-mor, que, por suavez,foramdefinitivamenteextintosem1813,dandolugaràJuntadeSaúdePública,quedurouatéàRevoluçãode1820.

Tendosidocriadaem25deJunhode1760,poriniciativadofuturoMarquêsdePombal,aIntendênciaGeraldaPolíciafoiainstituiçãoque,nafasefinaldoAntigoRegime,maisinterveionasquestõesdasaúdepública,deformadeterminanteeinovadora.

ComatomadadepossedePinaManique(1780),ajurisdiçãodaintendênciasobreacidadedeLisboaeascomarcasfoiampliada,nomeadamentesobreasalubridadedasfontes,dasruaseomelho-ramentodahigiene.

UmadasiniciativasmaisemblemáticasdaIntendênciaGeraldaPolíciafoiacriaçãodaRealCasaPia,quetinhaporobjetivoocom-bateàmarginalidadecomoconsequênciadapequenacriminalidade,ociosidadeefaltadeinstrução.Intervinha,igualmente,norecolhi-mentodecriançasabandonadasouemdificuldadesfamiliares.

SegundooprojetodeDiogoInácioPinaManique,omodelodaReal Casa Pia de Lisboa, depois de aperfeiçoado, devia ser repli-cadoemtodasascomarcas,formandoumarededeapoiosocialdoEstadoemsubstituiçãodastradicionais instituiçõesdecaridadedependentesdaIgrejaedasoligarquiaslocais.

Ao arrepio da autoridade da Junta do Protomedicato, aIntendênciaGeraldaPolíciaintrometeu-seemdiversosassuntos

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dasaúdepública.Fiscalizavaaprodução,distribuiçãoecomercia-lização de víveres, controlava a mobilidade de pessoas, exercia avigilânciasobreconcubinasemancebos,inspecionavaaqualidadedosedifícios,intervinhanoscasosdeepidemias,febresenosbair-rosdeprostituição,promoviaavacinaçãocontraavaríolaeousodoleitedecabraedevacaparaalimentarosexpostose,inclusive,vigiavaodesempenhoprofissionaldosmédicos.

ComooFísico-moreoCirurgião-mornãoestavamacumpriroobjetivoderegularasprofissõesdasaúdeecomo,poroutrolado,mantinham uma permanente litigiosidade com a UniversidadedeCoimbraeoHospitaldeTodososSantos,D.MariaIcriou,emsuasubstituição,atravésdaLeide17deJulhode1782,aJuntadoProtomedicatoaquenosreferimos.

Um dos documentos mais importantes que a Junta do Proto-medicato produziu foi o alvará que definia, pela primeira vez emPortugal,aFarmacopeiaGeraldoReino17,18.Em1799,foielevadaàcategoriadetribunalrégio19,passandoausufruirdascompetênciasde um tribunal independente. Já com este novo estatuto, elaborouo «Plano de Exames dos Médicos e Cirurgiões Estrangeiros ou deNacionaisqueestudaramemUniversidadesEstrangeiras»,mas,naverdade,esteplanoabrangiatodososexamesrealizadosamédicos,cirurgiões,boticários,droguistas,químicosedestiladores20.Contudo,estajuntaacabariaporserextintadevidoàssuasfragilidadesepro-blemasdeafirmaçãopolítica,querinternaquerexternamente.

JádepoisdeaCorteteridoresidirparaoRiodeJaneiro,retomou--seavelhafórmuladoscargosdeFísico-moreCirurgião-mor,pararegularasprofissõesdasaúde,ecriou-seaJuntadeSaúdePública,para prevenir e resolver o problema das epidemias e contágios.Dela fizeram parte eminentes médicos (José Pinheiro de FreitasSoares, Joaquim Xavier da Silva e Bernardino António Gomes),

17 ALVARÁde3deMarçode1795,inSILVA,AntónioDelgado–SupplementoáCollecçãodeLegislaçãoPortugueza:Annode1791a1820,p.58-83.

18 Paraumestudomaisdetalhadosobreoassunto,consultarPITA, JoãoRui –Farmácia, Medicina e Saúde Pública em Portugal(1771-1836),p.171-176.

19 ANNAESdoConselhodeSaudePublicadoReino,p.27.

20 AVISOdaJuntaem23deMaiode1800,inSILVA,AntónioDelgadoda–Supple-mentoáCollecçãodeLegislaçãoPortugueza:Annode1791a1820,p.193-202.

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magistrados (Luís António Rebello da Silva e António MaurícioMascarenhasdeMansellos),nobres(oMarquêsdeTancos,DuarteManueldeMeneseseNoronha)eoficiaisrégios.

O aparecimento e a forma como atuou a Junta, entre 1813 e1820,possibilitaraminovaçõespolíticasecientíficasnocombateàpesteeoutrasdoençascontagiosas21.Dopontodevistaorganiza-tivo,ainovaçãoconsistiuemaglutinarnumsónúcleodepoderasvárias autoridades sanitárias dispersas pelo território, copiandoo modelo pombalino da Intendência Geral da Polícia. A Junta deSaúdePúblicapassouaterjurisdiçãodeâmbitonacional,cobrindotodooterritóriodoReinoe,comacriaçãodocargodeInspetordoRamodaSaúde,nointeriordaprópriajunta,tornou-seaindamaiscélere a capacidade de decisão, uma vez que o inspetor passavaa poder despachar diretamente com o secretário de Estado, semestarsujeitoàsdeliberaçõestomadasnamesadaJunta.

Os membros da Junta eram médicos, sócios da Academia RealdasCiênciasdeLisboa,amaisimportantedasinstituiçõesdepro-duçãodesaberquealgumaveztinhaexistidoemPortugaleondetiveramassentoreformistaspolíticos,teóricosdaeconomia,cien-tistasdediversasáreaseclérigosdegrandemérito, todosponti-ficando com trabalhos de grande alcance e atualidade científica,paraalémdasligaçõesinternacionaisquemantinhamcomoutrasacademiasestrangeirasoquelhespermitiaestaremaocorrentedoquedemelhorsefaziaepensavanaEuropa,nodomíniodapreven-çãoecombateàsdoençascontagiosas22.

Aprincipalmissãoda Juntaconsistiu emdarcumprimentoàsregras e medidas sanitárias, nos portos de mar e fronteiras ter-restres, implementando novas medidas e técnicas, tais como avigilância e a desinfeção da correspondência, a implantação doslazaretos e o controlo da navegabilidade do Tejo, para evitar odesenvolvimentodequalquerepidemia.Ajuntapassou,também,afazer«MappasNecrologicosdosÓbitos»eacontrolarosenterros23.

21 SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–op. cit.,p.118.

22 Idem,p.120.

23 PORTARIAde9deAgostode1814,inSILVA,AntonioDelgadoda–Collecção da Legislação Portugueza: desde a última compilação das Ordenações: Legis-lação de 1811 a 1820,p.316-317.

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No entanto, não interferiu na polícia sanitária das cidades, vilasealdeias,nomelhoramentodasprisõesehospitaisnemnacons-trução de cemitérios fora das igrejas, competências que estavamadstritasàIntendênciaGeraldaPolíciaeàscâmarasmunicipais.

Peranteofervilhardasideiasliberais,opaíscareciadereformaspolíticaseaRevoluçãode 1820viriaextinguir a Junta de Saúde,substituindo-apelaComissãodeSaúdePública.

O estado da arte médica: da medicina hipocrático- -galénica à modernidade

OséculoXVIII,oSéculodasLuzes,comoficariaconhecidonaHistóriadomundoocidental,foiumdosperíodosmaisprofícuosdahistóriadasideias,daculturaedadogmáticapolítica.Nelesedesenvolveram e alicerçaram os programas revolucionários quedariamorigemàRevoluçãoFrancesa(1789)easqueselhesegui-ram por toda a Europa, implantando regimes constitucionais detipoliberalcomasconsequentestransformaçõesnosmaisvaria-doscamposdeintervençãodopoderpúblico,incluindoodaadmi-nistraçãodasaúde.

SegundoMichelFoucault24,napassagemdoAntigoRegimeparaacontemporaneidade,assistiu-seaumacrescenteintervençãoporpartedoaparelhodeEstadonosentidodedarrespostaaosignifica-tivoaumentodemográficoe,consequentemente,àemergênciadapopulaçãocomoumanovaentidade.

Nestanosopolíticaforamevidentesnovaspráticasnodomíniodasaúdepública,naregulaçãodoexercíciodasváriasprofissõesenaredefiniçãodosobjetivosdoshospitaise,consequentemente,nasuareorganização.Foiassimquea«medicalização»davidafami-liar,o interessee investimentonainfância25,osfilhosilegítimoseosexpostospassaramasernovaspreocupações.Asestratégiasdeprevençãodasdoençascontagiosasedasepidemiaspassaramaincluirmedidasdehigienedashabitações,deorganizaçãourbana,deconstruçãodecemitériosedepolíticasdevacinação.

24 FOUCAULT,Michel–Microfísica do Poder.

25 ARIÈS,Philippe–A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime.

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Este foi o período de confronto entre o pensamento hipocráti-co-galénico–atéaídominante–easnovasideias,defensoras,porexemplo, da introdução das vacinas, da abolição dos espartilhosnovestuáriofemininooudaaplicaçãodosprincípiosdafísicaedamecânicanabuscadaexplicaçãoparaalgumasdoenças.

OestadodaartemédicapoucoteriaevoluídoemrelaçãoaotempoemqueGilVicente,noprincípiodoséculoXVI,tinhacaricaturadooconhecimentoeaspráticasdecurar,emA Farsa dos Físicos26.

UmadécadaantesdonascimentodeBernardinoAntónioGomes,JoséAcúrciodeTavares,pseudónimodeBentoMorganti,escritorportuguês nascido em Roma e filho de pais portugueses, tinhapublicadoSustos da Vida nos Perigos da Cura,sobaformadeumacarta enviada a um amigo, onde também caricaturava de formamordazamedicinapraticadanaépoca27.

Para descrever essas práticas, tomemos o exemplo de um dostratados médicos mais significativos da época, Luz de Medicina, Pratica Racional e Metódica, Guia de Enfermeiros (1664)28, daautoria de Morato Roma. Como à data da primeira edição aindanão tinham sido elaboradas as teorias acerca da iatromecânica(Boerhaave,1708), ou a teoria do animismo (Georg Stahl, 1707), etendoemcontaque,aquandodaquartaedição,em1753,estaobracontinuavaadefenderospressupostosdasteoriasdeHipócratese Galeno, podemos deduzir que Morato Roma seria um daqueles“velhosmédicos”aquem,emPortugal,jáoutrosseopunham,comoLuisVerney,quepugnavaporumnovoensinodamedicina.

Nestaobrade1664éindicadooremédioparaasmaisvariadassituações,desdeasarna,aslêndeaseaquedadecabelo,aanúriaea

26 VICENTE,Gil;CARLOS,João;BRITO,AlbertodaRocha–Auto chamado Farsa dos Físicos de Gil Vicente, com um Estudo do Prof. Doutor A. da Rocha Brito e Desenhos de João Carlos.

27 MORGANTI,Bento–Sustos da Vida nos Perigos da Cura ou Carta que hum Amigo Escreveo a outro, Estando Convalescendo, depois de uma Enfermidade.Aestapublicaçãoseguiu-seumaoutra,nasemanaseguinte,domesmoautor,sobotítuloJuízo Verdadeiro sobre a Carta Contra os Medicos, Cirurgioens, e Boticariosondeoautorserefereàsmesmaspráticas,masdeformamaisrefi-nadaemordaz.

28 Acercadestaobra,seguimosdepertoSUBTIL,CarlosLouzadaLopes–op. cit.,p.135-140.

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poliúria,gota,fístulas,verrugas,queimadurasefrieiras,remédiosparaotimpanismo,ashemorroidaseparaváriostiposdeferidas.Para Morato Roma, o corpo humano é obra de Deus, que «conhe-cendo a fraqueza da natureza humana tão sojeita a misérias, eachaques,creouaMedicina»,29ciênciaqueteriaporobjetivocon-servarourestituirasaúdequeseperdeouganhaporobradanatu-rezaoudaartemédica.Asdoenças«leves»resolver-se-iamapenascomaintervençãodanatureza,semsernecessárioremédiosouaintervençãomédica;paraas«graves»eranecessáriaaintervençãodamedicina,coadjuvadapelaFarmácia.Ométodoracionalconsis-tianoconhecimentoquesustentavaoatomédico,istoé,«saberoque são cousas naturais, não-naturais, preternaturais», conhecer«as doenças, suas causas e os acidentes que se lhes sobrevêm»,conhecerosremédiosmedicinais,suasqualidadesequantidades,aplicações,formaehoráriodeadministraçãoe,finalmente,saberainda«porondeseeliminamascausasdadoença»30.

O médico era, então, um artífice cujo ofício consistia em com-bater as doenças curáveis, quer ajudando a natureza a intervir,quer,noutroscasos,intervindoelepróprioparacorrigir«membrosdeslocadosforadoseulugar»ou«ajuntaroslábioseroturasdasferidas».Nocasodasdoençasincuráveis,nadamaishaviaafazersenão«deixá-lascombomregimento»,istoé,paliarasituação”31.

A«práticaracionalemetódica»dividia-seemtrêspartes:adie-tética,afarmacêuticaeacirúrgica,sendoaprimeiraamaisneces-sáriaparaconservarerestituirasaúdeaosenfermos.Adietaeraumaprescriçãoquefaziaparte,juntamentecomosdemaisremé-dios,dacuradosenfermos.Osalimentoscumpriamduasfunções:adealimentopropriamenteditoeademedicamento.Unseramdefácildigestão,outrosnão.Deviamrespeitar-senãosóasquantida-descomoohoráriodasrefeições.

As bebidas tinham três funções: delir os alimentos, ajudar àdigestãoousaciarasede.Aáguanãoeraconsideradaumalimento.Havia bebidas que eram consideradas medicinais (cozimentos,

29 ROMA, Francisco Morato – Luz da Medicina, Pratica Racional,e Methodica, Guia de Enfermeiros,p.2.

30 Ibidem.

31 Ibidem.

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sumos de ervas destiladas e xaropes) e outras alimentícias, taiscomoovinho,oleiteeoscaldos.

Acuradasdoençasfazia-sepelaaplicaçãoordenadadetrêsele-mentos:adieta,apurgaeasangria.Adieta, juntamentecomasdemais «seis cousas não naturais« (exercício, repouso, «o ar queserespira»,as«paixõesdaalma«,asevacuaçõeseas«retenções»quotidianas),eramosuficienteparatratarosachaques,sempur-gar,nemsangrar.Purgaresangrar,raramentesefaziamaomesmotempo.Raroeraocasodecirurgiaemquesenãopurgavaeodefebreemquenãosesangrasse.

Acuratambémsefaziaatravésdemedicamentos,ferrooufogo.Os medicamentos podiam ser interiores e exteriores. Os medica-mentosinteriorespodiamserlíquidos(bebíveis,taiscomopurgas,xaropes,bocadosepílulasouintroduzidospormeiodeclisteres,noventre,nabexigaounamadre)ousólidos,asmechas.Osmedica-mentosexterioreseramosbanhosgeraisouparciais,asemborca-ções(banhosdemeiocorpo),oslavatórios,asunturas,osemplas-tros e outros que se aplicavam às partes externas. As curas comferroconsistiamemsangrias,mastambémnaextirpaçãode“carnepodre ou sobeja”, que se fazia com a navalha, as pressões que sefaziamcomalanceta,ouassarjaduras(escarificações)ecosturasdasferidassimples,quesefaziamcomagulhas.Ofogoerausadopara furar apostemas (abcessos) ou abrir as “fontes e sedenhos”,onde se introduziamfiosoumechas para impedirqueas feridasfechassemantesdeficarlimpas.

Numa outra parte da obra, abordam-se matérias diversas, taiscomo:ousodaáguanoscasosdefebre,oscasosdeproibiçãooude prescrição de vinho aos doentes, as situações em que se deveprovocar o sono ou impedi-lo, aquelas em que está recomendadooexercícioouorepouso,aspaixõesdaalmaouosmovimentosdeânimo, o ato venéreo e as vantagens e desvantagens da retençãointempestivada«semente»e,finalmente,oarqueserespira.

MoratoRomadenunciavaoestadomiserávelemqueseencon-travaaMedicinaporqueamaiorpartedosmédicosfaziamdapro-fissão uma fonte de lucro, exercendo-a mesmo antes de aprende-remoofício.Porisso,defendiaqueserianecessárioretomaralei

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queobrigavaa«andardoisanosàpráticacomosmédicosdoutoseexperimentados»32.

Todaasuaobraéatravessadapelaideiadeserprecisodivulgarconhecimentos médicos essenciais para que enfermeiros, princi-piantesepaisdefamíliapudessemacudiraalgumassituaçõesnaausênciademédicos–queescasseavam–eminimizarosefeitosdapráticafrequenteeincontroladadecharlatõeseignorantes,que,aopôrempráticaalgunsdosremédiosmaisdrásticos–purgasesan-grias–,punhamemriscoavidadosdoentes.Estemédicojápers-crutava o futuro em termos de prevenção, mas tinha ainda umaconceçãodivinadohomemedaMedicinaeeraconservadorquantoaoconhecimentoquedavaporadquiridoesagrado,pertençadosdivinosmestres.

Naverdade,oconhecimentodominanteestavaassentenopensa-mentohipocrático-galénicocontidoemduasteoriasfundamentais:a teoria da divisão do corpo humano à imagem e semelhança dadivisãodo“mundogrande”eateoriadacomposiçãodomundoele-mentar(corpossimplesecompostos)queerasemelhanteàcompo-siçãodomundopequeno(corpohumanoanimado),ondeseincluíaateoriadosquatrohumores.Énestepensamentoqueseconsubs-tanciavamtodasasprescrições.EmborajásefizessesentiroecodasnovidadesqueocorriampelaEuropa,aindaseestavalongedeaplicar os conhecimentos da química e da física à medicina e deaceitarosbenefíciosdainoculaçãoantivariólica.

32 Ibidem.

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35BernardinoAntónioGomes33,filhodoDoutorJoséManuelGomesedeJosefaMariaClaradeSousa,naturaisdeCoimbra,nasceua29deoutubrode1768,tendosidobatizadoa3denovembrodomesmoano,nafreguesiadeSantaMariadeParedes,peloabadeJoãoBentodeBritoAraújoeCastro34(Figura1).

33 OregistodenascimentodeBernardinoAntónioGomesencontra-seafls72dolivrodebatizadosdaIgrejadeSantaMariadeParedes(OragodeSantaMaria),conforme MACHADO, Virgílio – O Doutor Bernardino António Gomes (1768-1823),p.7.

HáduasdiscrepânciasnagenealogiadeBernardinoAntónioGomes.Aprimei-rarefere-seàordemdenascimentodosseusirmãos.Seguimosaordemrefe-ridaporJofreMonteiroAlves,enquantoVirgílioMachadoomiteonascimentodeFranciscaerefereJoãoeAntóniocomotendonascidoantesdeBernardino(verop.cit.,p.7).QuantoàproledeBernardinoAntónioGomes,JofreMonteiroAlvesreferequetevecincofilhos:BernardinoJosé(falecidoemtenraidade),HenriquetaLeonor,BernardinoAntónioGomes,CustódioManueleAntónioMaria;VirgílioMachado,nomeiaseisfilhos,tendofalecido,paraalémdofilhoreferidoporJofreAlves,umoutrofilhodetenraidade(op. cit.,p.9).

34 SobreanaturalidadedeBernardinoAntónioGomesforamconsultados:SILVA,InnocencioFranciscoda;ARANHA,Brito–Diccionario Bibliographico Portuguez;

ii parte ORIGEM, DADOS BIOGRÁFICOS E ASPETOS DA VIDA FAMILIAR DE BERNARDINO ANTÓNIO GOMES

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MACHADO,Virgílio–ODoutorBernardinoAntónioGomes; CUNHA,NarcizoCândidoAlvesda–No Alto Minho, Paredes de Coura; Blogue“Escavaremruínas”(consultadoemoutubrode2009),daautoriade

JofreMonteiroAlves,queodesativouemvirtudedeváriosplágiosdosseusartigosdehistória,genealogiaeetnografiaaípublicados.

TodosreferemS.MariadeParedescomolocaldenascimento,emboraSilva&AranhaincluamestafreguesianoconcelhodeArcosdeValdevez.

DeacordocomVirgílioMachado,otextodoassentodebatismoéoseguinte:“Bernardino,filholegítimodoDoutorJoséManuelGomesedesuamulherJo-sefaMariaClara,naturaisdeCoimbra,netopaternodeJoséGomesedesuamulherMarianaJosefaRosaematernodeJoséCoimbraedesuamulherLaraMaria,todosdacidadedeCoimbra,quenasceuaosvinteenovedeOutubrodemilsetecentosesessentaeoitoefoibatizadosolenementepormim,JoãoBentodeBritoAraújoeCastro,abadedestafreguesia,aostrêsdeNovembrodamesmaerasupraelheliosexorcismoselhepusossantosóleoseforampadrinhosBernardinodeCastroBarretoeMenezesesuamulherDonaMariae,comsuaprocuração,seufilhoAntóniodeCastroeforãotestemunhasAn-tónioPereiradaCunha,SebastiãoPereiradaCunhaeFranciscoJoséPereiradeCastro.Eporverdadefizestetermoqueassignoetestemunhas,diaannoemêsetsupra”(1925,p.7-8).

Figura1—GenogramadafamíliadeBernardinoAntónioGomes

JoséGomes

JoséManuelGomes

MarianaJosefaRosaGomes

MarianaMariaClaradeSousa

Francisca

1767-?

JoséBento

1770-?

BernardinoJoséGomes

1802-?

AntónioBento

1771-?

HenriquetaLeonor

1804-1882

78

BernardinoAntónioGomes

1806-1877

71

CustódioManuelGomes

1810-1881

71

1775-1864

LeonorViolante

89

AntónioMariaGomes

1814-1896

82

1768-1823

BernardinoAntónioGomes

5555

C:15OUT1801

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Tal como Virgílio Machado, Narciso Alves da Cunha35 tambémrefere Paredes de Coura como local de nascimento. Contudo, háoutros autores como José Augusto Vieira36 e o próprio filho deBernardinoAntónioGomes,homónimo,quedizemternascidoemArcosdeValdevez.

ARevistaPopular(1850)37tambémlheatribuianaturalidadeemArcos,comarcadeViana.Osautoresesclarecemqueapenasapre-sentamumanotíciabiográficaresumidaequeoelogiohistóricodeBernardinoAntónioGomesiriaserfeito,tantoquantosabiam,pelo seu filho. Em 1957, apareceu, de facto, a memória Noticia sobre a Vida e Trabalhos Científicos do MédicoBernardinoAntónioGomes38,compostanaTipografiadaAcademiaesemindicaçãodeautor, que, seguramente, era o seu filho, porque manifestava tertidoasortede«herdaramemóriadeumnomequeficourespeito-samente impresso na lembrança de quantos conheceram o varãoqueotransmitiu».AautoriadestetrabalhoviriaaserconfirmadanumanotabibliográficainsertaemOInstituto39,jornalcientíficoeliterárioondesedizqueaqueletrabalhoeraum«tributofilialpagoaumamemóriacaraeveneranda».

Seupaitinhasidoum«modestíssimo»médicomunicipalnocon-celhodeParedesdeCoura,entre1766e1772,ondenasceramtodososseusfilhos.DoutoremMedicinaaos25anos(1793),BernardinoAntónioGomesexerceuemAveiro,primeirocomomédicomunici-palinterino(1793-1795)e,depois,comomédicodopartidomunici-pal,atéjaneirode1797.

35 CUNHA,NarcizoCândidoAlvesda–No Alto Minho, Paredes de Coura.

36 MACHADO,Virgílio,op. cit.,p.8.

37 ARevistaPopularfoiumsemanáriode«literatura,ciênciaeindústria»cujoseditoreseramJoaquimHenriqueFradessodaSilveira,JoséMariaLatinoCoe-lho,FranciscoPereiradeAlmeidaeAugustoJoséGonçalvesLima.Cadanú-mero iniciava sempre com uma imagem alusiva a uma notícia de relevo oumonumentoe,frequentemente,afigurasilustresdasquaiserafeitaumanotabiográficaerespetivoelogio.OelogiodeBernardinoAntónioGomeséfeitononúmero49,de1850,p.387.

38 NOTICIA da Vida e Trabalhos Scientíficos do MédicoBernardinoAntónioGo-mes,p.4.

39 O Instituto,jornalscientificoelitterario,p.70-71.

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Éoprópriofilhoquenosesclareceacercadamudançaderumodacarreiradoseupaiaoreferirque,desdeoprincípio,estedavamostrasdecultivarmaisaciênciaeainvestigaçãodoqueapráticadamedicinae,nessesentido,aprovínciaerademasiadoacanhadaparaassuasambições.Daí,aidaparaacapital,onde,poucotempodepois de chegar, foi nomeado capitão-de-fragata, como médicodaArmada.

Em1801,regressadodeumamissãonoBrasil,casoucomLeonorViolanteRosaMourão,viúvaeseteanosmaisnova.LeonorViolantetinhacasadoaos19anoseenviuvadoem1799,com24anos.

Em1805,jácomdoisfilhos,aesposasaiudecasaerecolheu-senumamoradianoCampoGrande,poralegadoadultériodomarido.Regressou ao lar depois de pedir «perdão pelos seus desatinos»,mas,maistarde, voltariaainsistirnatesedoadultériodomarido,tendo-se retratado novamente (1814). D. Leonor Violante tambémpatrocinou a ideia do casamento da filha, Henriqueta Leonor,com um contratador de tabaco, «um homem de uma grande for-tuna» (1818), mas Bernardino António Gomes recolheu a filha àcustódiadoRealMosteirodaEncarnaçãoparaimpediressecasa-mento(1819).NestemesmoanoocorreuolibelodedivórcioentreD.LeonorViolanteeBernardinoGomes,acabandoaquelaporserinternadanoMosteirodeSant’Ana(Lisboa),poravisodirigidoaoIntendenteGeraldaPolíciadaCorteeReino.Opedidodedivórcioperpétuo intentado por D. Leonor Violante foi negado por acór-dão do Patriarcado, por não ter provado as acusações de adulté-rioemaus-tratos,tendorecorridodasentençaparaoTribunaldaNunciatura(1820).Esteprocessolitigioso,relacionadocomareclu-sãodaesposaeoseupedidodedivórcio,deuorigem,nosúltimosanosdasuavida,aalgunsopúsculosporsiredigidosequeforamdodomíniopúblico40.

40 EmSILVA,InnocencioFrancisco;ARANHA,Brito—Diccionario Bibliographi-co Portuguez,referem-seostítulos:× História justificativa da reclusão de D. Leonor Violante Rosa Mourão

noconventodeS.Anna,comosrespetivosdocumentos.PorseumaridoB.A.G.Lisboa,naImprensaNacional,1821;

× DecisãojurídicaproferidapelocorregedordoCiveldacidadeLuísPin-toCaldeiradeMendanhanaepochadanossaRegeneração(janeirode1822).Lisboa,1822;

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BernardinoAntónioGomesteráfeitoumgrandeesforçopecu-niárioparaajudarasacudirojugodosfrancesesaquandodasinva-sõesnapoleónicas,queconsistiuemprescindirdemetadedoven-cimentoqueauferianoHospitalMilitarenoHospitaldaMarinha,«metade,porassimdizerdopãoquetinhaparaaminhafamília»,pois o tempo que ocupava com aqueles doentes não lhe permitiafazerclínicaprivada.Esseesforçotraduziu-seem1391$660eestaalegação fazia-a sempre que se sentia vítima de agravos ou deinjustiças por parte daqueles que não reconheciam nem aprecia-vamosseusserviços41.

Virgílio Machado também reproduz o teor de seis cartas queBernardino António Gomes escreveu ao filho quando este esteveaestudaremCoimbra.Todaselasestãotrespassadaspelaideiade«praticarreligiosamenteosseusdeveresdehomemdebem»,pelodesejodequeofilhofosseumbomfilho,queoenchessedesatisfa-çãoeorgulhoemerecesseaamizadedopaipelanobrezadossen-timentosqueviacrescernele,quefosseumalunoreconhecidoaosmestres, sem invejas ou imposturices, digno da estima de todos.Não se cansou de lhe repetir para seguir o seu exemplo, ou seja,o que ele próprio era devia-o ao seu bom comportamento, ao tra-balhoabnegadoeaodesejodesaber,aoamoràciência,aocultodepolidosenobressentimentoseaoreconhecimento,tudoatribu-tosessenciaisànobrezadecarácteregarantiadabenevolênciaeestimadosoutros.

Reconhecendoosméritosdofilhoeaformacomoseguiaosseusconselhos,foiperentórionaformacomoselhedirigenumacartade30deoutubrode1822,numpaísqueviviaosalvoresdoliberalismo:

«(…) É verdade que alguns tem feito fortuna por imora-lidades, mas que triste fortuna a que está ligado com oopróbrio!Nãoéestaaquequeremasalmasnobres;aminha,e,peloconceitoquejámedeves,tambématua.

× AnálisedassentençasproferidasnaLegaciasobreacausadedivórcioqueD.LeonorViolanteRosaMourãomoveuaBernardinoAntónioGo-mes,Lisboa,1822.

41 MACHADO,Virgílio,op. cit.,p.10.

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Devoagoradizer-tequetutensoforodeFidalgoCavaleiro(queéomaiordosforos)desdequeeuvimdoBrasil;nuncatomostrei,nemfaziatensãodeixar-to,setu,pelanobrezados teus sentimentos e comportamento, te não mostras-sesdignodanobrezacivilqueeutetinhagrangeado»42.

Note-se que a Bernardino António Gomes foram atribuídosos títulos honoríficos de Cavaleiro da Ordem de Cristo (1812), demédicohonoráriodaCâmara(1813),deCavaleiroFidalgo(1815)edeFidalgo Cavaleiro (1818). Este último título também foi atribuídoaos seus três filhos, mas o pai omitiu-lhes o facto enquanto nãotivesseprovasdeomerecerem,comoseverificanestacartadiri-gidaaofilho.

BernardinoAntónioGomesacabariaporfalecer,com54anos,nasuaresidência,naPraçadaAlegria,emLisboa,devidoa«afeçãonoestomagodenaturezamaligna»,deixandoaoseufilhohomónimoaterça«porseterdistinguido,entretodososirmãos,naobediênciaeexcelentecomportamento,comacondiçãodeprestaraseuirmãoAntónioMariaGomestodooauxílioquepuderparaasuaeducaçãoemanutenção».

BernardinoAntónioGomeseraumhomemhumildedopontodevistacientífico,masnuncadeixouderealçaroseuesforçoeabne-gaçãoemproldaciência,dasaúdepúblicaedopaís,comosefoipercebendo ao longo desta apresentação, perfil que pode ser sin-tetizadonassuasprópriaspalavrasproferidasnasessãopúblicada Academia em 24 de junho de 1813, ao referir-se ao grupo demembrosdaAcademiaquetinhamcriadoa InstituiçãoVacínica:«Oresultadodellafoioqueeradeesperar-sedehomenscheiosdeluzes(fallodosmeuscollegas)edehomenscomvivossentimentosdehumanidadeedepatriotismo(falloagoratambémdemim)»43.Contudo,estasuahumildadecientíficanuncaoimpediudefazerumaconvictadefesadosseuspontosdevistaedosresultadosdas

42 MACHADO,Virgilio—op. cit.,p.16.

43 GOMES,BernardinoAntónio–Recopilação histórica dos trabalhos da Insti-tuição Vacínica durante o seu primeiro ano,p.77.

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Quadro1—Tabelacronológico-biográficadeBernardinoAntónioGomes,incluindoadatadepublicaçãodassuasobraseacontecimentos

relevantesdavidanacional

data acontecimento

1768Nascimento (29deoutubro)nafreguesiadeSantaMariadeParedes,ParedesdeCoura.

1782Extinção dos cargos de Físico-mor e Cirurgião-mor. Criação da Junta doProtomedicato.

1793ConclusãodocursodeMedicina.Iníciodaatividadeprofissionalcomomédicodepartido,emAveiro,até1797.

1797 NomeadomédicodaArmadaReal,embarcandoparaoBrasil.

1798Observações sobre a canela do Rio de Janeiro, escritas a rogo do Senado daCâmaradamesmaCidade,em8demaiode1798.

1801RegressodoBrasil.Casamentocom LeonorViolanteRosaMourão. Memória sobre a Ipecacuanha fusca do Brasil ou cipó das nossas boticas.

1802Nascimentodo1.ºfilho,BernardinoJosé.A2deabril,vainafragata-hospitaldebelarumaepidemianumaesquadradoGibraltar,ondepermaneceuaté1803

1803Observações botânico-médicas sobre algumas plantas do Brasil, escritas emlatimeportuguês.

1804IníciodoexercíciodaatividademédicanoHospitaldaMarinha.Nascimentodo2.ºfilho,HenriquetaLeonor.

1805 Aesposasaidecasa.

1806

Método de Curar o Tifo ou Febres Malignas Contagiosas pela Efusão da Água Fria, com a Teoria do Tifo, Segundo os Princípios da Zoonomia de Darwin e Explicação do Modo de Obrar da Efusão Fria e uma Carta ao Dr. James Currie com Reflexões e Observações sobre este Método.Nascimentodo3.ºfilho,BernardinoAntónio.

1807 IInvasãoFrancesaepartidadoReiedaCorteparaoBrasil.

1809

IIInvasãoFrancesa.RefundaçãodoscargosdeFísico-moreCirurgião-mor.Memória sobre a Canella do Rio de Janeiro, oferecida ao Príncipe do Brasil pelo Senado da Camara.

1810IIIInvasãoFrancesa.AbandonodacarreirademédicodaArmada.Nascimentodo4.ºfilho,CustódioManuel.

1811 RetiradadeMassena.

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1812

EleitomembroefetivodaAcademiaRealdasCiênciasdeLisboa.FundaçãodaInstituiçãoVacínica.Ensaio sobre o Cinchonino e sobre a sua influência na virtude da Quina e dou-tras Cascas.CartadeBernardinoAntónioGomesdirigidaaosredatoresdoJornal de Coimbra.SegundaeúltimareplicaaossenhoresredatoresdoJornal de Coimbra.

1813

CriaçãodaJuntadeSaúdePública.Carta aos redatores do «Investigador Português», seguida de um Artigo em Resposta ao que a seu Respeito dissera o «Jornal de Coimbra»nº.XII.NomeadomembrodaJuntadeSaúde.Recopilação Histórica dos Trabalhos da Instituição Vacínica durante o seu Primeiro Ano,pronunciadanasessãopúblicadaAcademiaRealdaCiênciasdeLisboa,em24dejunhode1813.

1814 Nascimentodo5.ºfilho,AntónioMaria.Aesposaacusa-odeadultério.

1815

Memória sobre as Boubas.Memória Sobre a Desinfeção das Cartas.Conta Anual da Instituição Vacínica da Academia Real das Ciências de Lisboa,pronunciadanasessãopúblicade1815.

1816 MortedeD.MariaIesubidaaotronodeD.JoãoVI.

1817Nomeado médico da Câmara Real. Viagem de Livorno para o Rio de Janeiro,comomédicodaprincesaMariaLeopoldina.

1819 LitígiodedivórcioerecolhimentodafilhanoMosteirodaEncarnação.

1820

RevoluçãoLiberaldoPorto.Ensaio Dermosográfico ou Sucinta e Systemática Descripção das Doenças Cutâneas, Conforme os Princípios e Observações dos Doutores Willan e Bateman.

1821

RegressodaCorteaPortugal.D.JoãoVIjuraaConstituição.Memória sobre os Meios de diminuir a Elefantíase em Portugal e de aperfeiçoar o Conhecimento e a Cura das Doenças Cutâneas.Carta aos MédicosPortuguezes sobre a Elephantíase noticiando-lhes um Novo Remédio para a Cura desta Enfermidade.

1822AprovaçãodaConstituiçãoeIndependênciadoBrasil.Memória sobre a Virtude Tenífuga da Romeira, com Observações Zoológicas e Zoonómicas relativas à Ténia.

1823Confrontosentreliberaiseabsolutistasculminamna«Vilafrancada».Mortea13dejaneiro,com54anos,naPraçadaAlegria,emLisboa

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suas investigações, acatando, contudo, as observações que eramfeitaspelosseusparesdaAcademia.

Estaatitudehumildeeaustera,derigorededicaçãoaotrabalhodeinvestigação,mesmoquandojágozavadeprestígioereconheci-mentocomomembrodaAcademiaRealdasCiências,estendia-seàsuavidasocialefamiliar,comosepodeverificarnumadasdiver-sascartasqueendereçouaofilho,aconselhando-oaseguiroseuexemplo:«Tusabescomoéomeugénio;nãogostodefausto,masamomuitoadecênciae,porconseguinte,oasseio,andapoissem-preasseado,masnãocomdemasiadalouçania,mostra-te,emtudo,meufilho,sequeresveromelhordosPayseoteumaioramigo»44.

QuandoBernardinoAntónioGomesfaleceu,oseufilhocontava17 anos. Só passados 34 anos, isto é, aos 51 anos, e já com umabrilhante carreira como lente catedrático de medicina na EscolaMédico-cirúrgicadeLisboa,équeestepublicouabiografiadeseupai,ondesãoreferidosalgunsaspetosqueesclarecemapersonali-dadedopaiealgunsacontecimentosrelevantesdavidadeste.

AprimeiradesilusãodeseupaiterásidoprovocadapelaformacomooConselhodeRegênciarespondeuaoseupedidodedemis-são, em 1810, sem uma única palavra de reconhecimento pelosserviços prestados com zelo, desinteresse e patriotismo duranteos anos da ocupação francesa. Mais tarde, aquando da sua mis-são como médico da princesa Leopoldina, na sua viagem para oBrasil, recebera testemunhos de apreço e presentes por parte daprópriaprincesaedassuasdamas,doimperadordaÁustriaedoGrão-Duque da Toscana, ao invés do governo português, que nãolheconcedeuqualquergratificaçãoouindeminizaçãopecuniária,paraminimizaroprejuízodeinterromperoexercíciodamedicinaparticular,queeraoseuúnicorecursoedasuafamília.Apesardeter falecido precocemente, o filho considera que, mesmo assim,conseguiu granjear o património suficiente para a educação dosfilhosque«deviamdepoissaberacharnomundoposiçãohonestaedecente;mascomissolhesdeixou,sobretudo,agrandeherançadeumnome,quesemprerepetirametiveramasatisfaçãodeouvirrepetircomrespeitoehonrosarecordação»45.

44 MACHADO,Virgílio,op. cit.,p.12.

45 NOTÍCIA,op. cit.,p.25.

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Ofilhodefinia-ocomotendoummododesentirquefaziacomquenemsemprefossetãofelizcomomerecia,umcarácteressen-cialmenteproboeaustero,consubstanciadonoconselhoquerepe-tiaaosfilhos:«Façamprincipalmenteporserhomensdebem».Eraum homem independente e desinteressado no exercício das fun-çõespúblicas,queexerceucomabnegaçãoesacrifício,nemsempreavaliadosereconhecidos.Terásidonoreconhecimentopúblicodoseutrabalhoepublicações,dentroeforadopaís,enasatisfaçãodeterdeixadoarecordaçãodeserútilaosoutros,queteráencontrado«acompensaçãodetodasassuasfadigas»46.

Virgílio Machado também ensaia o perfil psicológico deBernardinoAntónioGomes,começandoporfazermençãoaoprémiodecinquentamilreisquereceberapeloprovimentodospartidos,nofinaldoprimeiroanodepreparatóriosqueantecediamocursodemedicina,porterdadoprovasde«capacidade,deaplicaçãoedeestudos».ComomédicodaArmada,debelaraasepidemiasquegras-savamnaesquadraportuguesa,emGibraltar.Aomesmotempoemque continuava o seu labor investigativo, aceitou, gratuitamente,fazer parte da Junta de Saúde, acompanhar a princesa CarolinaLeopoldinanaviagemdeLivornoparaoRiodeJaneiro,naquali-dadedemédicodaRealCâmara,fundareorganizaraInstituiçãoVacínicaededicar-seaoestudoetratamentodosleprosos.

Como clínico, exalta-lhe os «dotes especiais de inteligência edesensibilidadeafetiva»,asqualidadesdeobservação,vigilânciaeprudência,oseucarinho,dedicaçãoetolerânciapara«suportarashumanasfraquezas».Segundoestebiógrafo,muitosdossuces-sosclínicosquealcançouficaramadever-se«àinfluênciaporeleexercidasobreamoraldosseusdoentes»,realizandoprodígiosdepsicoterapiaempírica,queestavamaoníveldemédicosdeprestí-gio quase místico, «conhecedores a fundo da psicologia humananos estados hígido e mórbido». Realça-lhe o bom trato com indi-víduosdetodososníveissociais,desdeospescadoresemarujosaosrepresentantesdasclassesmaiselevadas,príncipesereiseoempenhoemprocurardefendersempreoprestígiodaprofissãoedoscolegas.

46 Ibidem.

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Doscadernosdecontasemquefaziaacontabilidadedasuaclí-nicaparticular,constamatosdeconsultoriasolicitadaporcolegasdosmaismodestosaosmaiscompetentes,a6400reiscada,ouodobro; muitos clientes não lhe pagavam em dinheiro, «mas retri-buíamcomgénerosalimentícioseoutrosdamaisvariadanaturezaevariadograudeutilidade».

VirgílioMachadodescreve-oaindacomoumhomemávidopeloconhecimento em Botânica, Química e Medicina, conhecimentoessequeampliavacomaleituradasnovidadescientíficasescritaseminglês,francêse latim, línguasquedominavacommestria.Apardasuacuriosidadeeentusiasmopelaciênciaepesquisa,erahábil nas manipulações de laboratório, perseverante e pacienteperanteascontrariedadesdainvestigação.

Das «horas de amargura e de desalento», Virgílio MachadoretomaoepisódiodoLazaretodaTrafaria,aquenosreferiremosmaisàfrente,oseupedidodedemissãocomomédicodaArmadaeasuamissãocomomédicoaoserviçodaCoroa,socorrendo-sedeapontamentosautobiográficosemqueBernardinoAntónioGomesdesabafava o quanto fora prejudicado por prestar estes serviçossemqualquerajudadecusto:

«Se eu não tivesse quatro filhos, se eu não sentisse ossymptomasdasaúdemuitoarruinadaedevelhiceprema-tura,dava-meporbempagodetodososmeusserviços,comashonrasde CavalleirodaOrdem de Christo,de MedicodaCamaraedeFidalgoCavalleirodaCasadeS.M.queS.M.metemconferido;mascomoasqualificaçoensexigemumtratomaisnobreemaisdispendioso,comosemsaúdeparamasminhasrendasecomohenoserviçodoEstadoquetenhoperdidoaquellaeestas,doEstadotenhorazãodeesperargraçasdemanutençãoeporissoesperodeumSoberanogeneroso,justoemagnanimoquenãodeixesen-tirindigênciaaquemestariaagorabemlivredellasenãotivessetantozelopelobemdoEstadoeserviçodeS.M.F.queDeusguarde»47.

47 MACHADO,Virgilio–op. cit., p.74-75.

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Figura2—EstátuadeBernardinoAntónioGomes,noJardimBotânicodeLisboa.

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OautorrefereaindaoincidentecomoDr.Brotero,osdissabo-res que Bernardino Gomes teve quando isolou a cinchocina e ascampanhasquecontraelesefizeramnoúnicojornalmédicoque,àépoca,existiaemPortugal.

De certa forma, Virgílio Machado responsabiliza o próprioBernardino Gomes por achar que este dispensava pouca atençãoaos seus trabalhos científicos, apresentando-os com excessivamodéstia,cautelaeponderação,nãose julgandoumaautoridadena matéria. No entanto, essas mágoas foram sendo expiadasmais tarde, já nos últimos anos de vida, como, por exemplo, nadedicatóriadasuaobrasobreaspropriedadesanti-helmínticasdaraizdaromeira:

«À minha injusta, todavia, sempre amada pátria, esteténue, mas não inútil, undécimo testemunho dos meusconstantesdesejosediligenciasemcontribuirparaobempublicoeglorianacional,comolegitimo,eporissosem-preseuafeiçoadofilho,dedicoeofereçoB.A.G.»48.

Na Carta aos Médicos Portuguezes sobre a Elefantíase Noticiando-lhes um Novo Remédio para a Cura desta Enfermidade…,Bernardino António Gomes é já um homem exausto, magoado edesiludido.Exprimemaisumadassituaçõesqueperturbavaoseutrabalhoeasuasaúdequandoserefereaumacerta«megera»–tra-tar-se-iadasuaprópriaesposa–queestariaaimpedirquetivessea tranquilidade necessáriaparaareflexãoeredaçãodos resulta-dosdassuasobservações.Nestamesmacarta,napágina8,referemesmo:«…eporquetenhoadesgraçadeterumamulher,queporintrigas, e abominações me tem grangeado inumeráveis inimi-gos…».Receianãotercondiçõesparaterminarosseustrabalhosou,piorainda,serpresoouterdesairdopaís.Napartefinaldacartacontinuaosseusqueixumesefazumpedidopúblicoparaqueasociedadesecompadeçadosseusfilhosqueaeleseassemelhamnosseussentimentospatrióticos.Oqueatodosviesseasuceder,nãoseriaporculpaprópria,masporculpadesuamãe,«quetem,

48 Idem,p.77.

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porimoralidadesassaznotóriasdissipadoafortunaquelheshaviadeficar».

O botânico, sanitarista e dermatologista

Estabelecendoumarelaçãoentreoseupercursoprofissionaleaproduçãocientífica,asuavidapodeserrepartidaportrêsperíodosquecorrespondemàssuasprincipaisfacetascomobotânico,sanita-ristaedermatologista.Oprimeiro,comobotânico,enquantomédicoe capitão-de-fragata (1799-1810); o segundo como sanitarista ehomem de saúde pública, fundador da Instituição Vacínica (1810-1817);e,oterceiro,comodermatologista(de1817atéàsuamorte).

O botânico

NaArmadaReal,integrouaEsquadraNavaldoBrasilatéoutu-brode1801,cumprindoumacomissãodecincoanos.

Esteperíodo(1797-1801)foiomaisprodutivodopontodevistacientíficoparaoqueconcorreuoseuespíritodededicaçãoàinves-tigação,asuapreparaçãoacadémicaemCoimbraeodesafioqueeraoBrasilenquantoterra«quasevirgemdeexploraçõeseondeanatureza,vastaeimensamentevariadanassuasproduções,ofere-ciatantoqueexplorar»49.

Escreveu três obras sobre botânica: uma memória sobre aipecacuanha fusca do Brasil50, trabalho de investigação que noestrangeirochegouacircularcomodaautoriadobotânicoAvelarBrotero51; um trabalho com observações botânico-médicas sobre

49 NOTICIA, op. cit.,p.5.

50 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre a Ipecacuanha Fusca do Brasil ou Cipó das Nossas Boticas.

51 NOTÍCIA, op. cit.,p.6-7.BernardinoAntónioGomester-se-áapressadoemdaraconheceraBroteroosresultadosdasuainvestigaçãoque,porsuavez,osco-municouàSociedadeLinneanadeLondres,passandoafigurar,devidoaoseuprestígio,comoautordotrabalho.TambémnoDicionário Grande das Ciências MédicascomeçouasurgironomedeColombcomooprimeiroadarnotíciassobreaculturadaipecacuanhaquandootinhasidoBernardinoAntónioGo-

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algumas plantas do Brasil52 e outro sobre a canela do Rio deJaneiro53.

Emrelaçãoaesteúltimo,eduranteasuaestadianoRiodeJaneiro,fezaobservaçãoeestudodasboubas,doençamuitofrequentenoBrasil, que viria a dar origem a este ensaio publicado em 181554.Considerouasboubasumadoençadecarácterendémico,referin-do-seàsuaocorrênciaedistribuiçãoporidades,tiposemanifesta-çõesecaracterísticasdasferidas.Aindanocapítuloterceirodestetrabalho, ensaia o diagnóstico diferencial relativamente ao PianeaoYaws.Sendoumadoençamaisfrequentenosnegrosquenosbrancos,consideravaaalimentaçãooprincipalfatorresponsávelpela doença, embora fossem predisponentes o clima e as condi-çõesdehigiene;discutiuatransmissãodadoençapor«herança»eporviadaamamentação,dasrelaçõessexuaisevetorestaiscomomoscasemosquitos.Aocontráriodeoutrosmédicos,BernardinoGomes considerava que não se tratava de uma doença venérea.Quantoaoprognóstico,consideravaqueadoençaevoluíaemtrêsfases – crueza, cocção e crise – resolvendo-se, espontaneamente,

mes.Peranteestasfalsidades,BernardinoAntónioGomesentrouemcontactocomosProf.VireyeChaumeton,comosquaissecorrespondia,eosequívocosforamdesfeitos.

52 GOMES,BernardinoAntónio–Observações Botânico-Médicas sobre algumas Plantas do Brasil, Escriptas em Latim e Portuguez, oferecidas à Academia Real das Ciências.

53 GOMES,BernardinoAntónio–Observações sobre a Canela do Rio de Janeiro, Escriptas a Rogo do Senado da Câmara da mesma Cidade, em 8 de Maio de 1798, e Ultimamente Rectificadas, Adicionadas e Oferecidas ao mesmo Sena-do.

54 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre as Boubas,p.1-35.Esteensaiotevedoispareceres,umdeFranciscodeMeloFrancoeoutrodeFranciscoTa-vares,membrosdaAcademia.BernardinoAntónioGomespronunciou-seso-breoscomentáriosqueforamfeitos,nosseguintestermos:«Reconheço-meobrigado aos meus censores pela aprovação que deram ao ensaio sobre asboubas,nãomenospelasadvertênciascomqueprocurarammelhorá-lo;nãomeparecendoporémdeveradotartodasestasdevodizeralgumacoisaares-peitodelasparamejustificar.Aconselha-meumdoscensoresquesuprimanapágina6…»(éumaextensacontestação).Asboubassãoumadoençatropicalinfeciosadapele,ossosecartilagenscausadapelabactériaEspiroqueta Tre-ponema Pertenue.

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Figura3—Páginasdo1º.VolumedeManuscritosdeBernardinoAntónioGomes,comoregistodasobservaçõesdedoentescomsezõestratadoscomaquinade

Goiares,enquantomédicodaArmadaeCapitãodeFragataGraduado(1798-1808).Oferecidoporseuneto,PadreBernardinoBarrosGomes,em1910,ao

JardimBotânico,daUniversidadedeCoimbra(?).

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sobacondiçãodeboaalimentação,cuidadosdehigieneedemedi-dasgeraisparaumavidasaudável.Quantoaotratamento,eporquesetratavadeumaenfermidadevirulentaeulcerosa,sugeriaquesedeviafacilitaraerupçãoulcerosa,erradicarovíruse«detergir»asúlcerasparacicatrizarem;aconselhavaasváriasinfusõesemuso,fazendoreferênciaàsalsaparrilhaeàcaroba,plantaautóctone;e,para que fosse mais rápida a cura, indicava o uso tópico de mer-cúrio,dandoindicaçõesparaapreparaçãodeinfusõeserelatandováriasobservaçõesquefizerasobreaevoluçãodadoençaeformasdetratamento.

Depois de uma missão em Gibraltar (abril de 1802-março de1803), foi louvadopelosseusserviçosduranteaepidemiadetifoqueocorreunatripulaçãodaquelaesquadra55.

Publicoumaisumaobra,descrevendooresultadodassuasobser-vaçõeseostratamentosqueaplicoucomêxito56,pormenorizandoasformasdeaplicaçãoeosefeitosdofrio,métododoqualtinhatomadoconhecimento,em1800,atravésdeumapublicaçãodoDr.Currie,de1797,emEdimburgo.OsucessodométodoaplicadoporBernardinoAntónioGomeschegouaesteautor,aoqualmaistardeviriaaenviarumaextensacartaquefoipublicadanaúltimaediçãodoseutrabalho«Medicalreportsontheeffectsofwatercoldandwarmasaremedyonfeverandotherdiseases»,comainclusãodeumanotadeapreçopelomédicoportuguês.

Em virtude dos seus bons serviços e devido ao seu estado desaúdefoiisentodoserviçoemmare,em1804,passouafazerser-viçonoHospitaldaMarinha,aoDesterro,sendo,noanoseguinte,nomeadoprimeiromédicodoHospitalMilitardaCorte.

FoiporestaalturaquevieramdoBrasildiversasqualidadesdecascas, na esperança de «suprir a quina peruviana». O Governomandou-asparaoshospitaisdeLisboaeCoimbraparaseremestu-dadaseavaliadasquantoaoseuvalor.Eis,pois,maisumaoportuni-dadedeinvestigaçãoqueBernardinoAntónioGomesnãoenjeitou,

55 Olouvorfoi-lheconcedidoporCartade21deagostode1802,peloministrodaMarinha,ViscondedeAnadia.

56 Método de Curar o Tifo ou Febres Malignas Contagiosas pela Efusão da Água Fria, com a Teoria do Tifo, segundo os Princípios da Zoonomia de Darwin e Explicação do Modo de Obrar da Efusão fria e uma Carta ao Dr. James Currie, com Reflexões e Observações sobre este Método,Lisboa,1806.

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fazendo parte de uma comissão nomeada pela Academia57, em1812.PorordemdaSecretariadeEstadodaGuerraedaMarinha,a Academia tinha estabelecido um prazo para a apresentação doestudo,mas,àqueladata,aindanãohaviadadossobrearecristali-zaçãodacinchonina,razãopelaqualorelatório«Experiênciaschy-micassobreaquinadoRiodeJaneirocomparadacomoutras»foielaboradosemessesresultados,que,maistarde,viriamaserapre-sentadosno«Ensaiosobreochinchoninoesobreasuainfluêncianavirtudedaquinaedoutrascascas»58,59.

TrabalhandosobreosdadosjáconseguidospelomédicofrancêsVauquelin, conseguiu isolar o cinchonino. Este ensaio foi repro-duzidonoEdinburgh Medical and Surgical Journal60enoMedical and Physical Journal(vol.27),ondefoimuitobemrecebido.AsuapublicaçãonojornalO Investigador Portuguez61deuorigemaumapolémica entre o autor e os redatores do Jornal de Coimbra, quecontestaramasuadescoberta62.

57 DessaComissãofaziamparteoreferidoeossóciosJoséBonifáciodeAndra-deeSilva,SebastiãoFranciscodeMendoTrigosoeJoãoCroft,osquaisapre-sentaramosresultadosdoseutrabalhonumamemóriapublicadaem1811,notomo3.º,parte2.ªdasMemórias de Mathematica e PhysicadaAcademia.

58 GOMES,BernardinoAntónio–Ensaio sobre o Chinchonino e sobre a sua In-fluência na Virtude da Quina e doutras Cascas.EsteensaioteveparecerdomembrodaAcademiaFranciscoTavares,em31/7/1810.

59 Aestepropósito,consultar:HEROLD,Bernardo;CARNEIRO,Ana–Bernardino António Gomes 1768-1823.

60 Vol.7,p.120.

61 Númerodenovembrode1811,p.297;evol.1812,p.36.

62 Segundo SILVA, Innocencio Francisco; ARANHA, Brito – Diccionario Biblio-graphico Portuguez,daquiderivaramosseguintesescritos:

–«CartaaosRedatoresdoInvestigador Português,seguidadeumArtigoemRespostaaoqueaseuRespeitodisseraoJornal de Coimbra n.ºXII»,inseridaemO Investigadorn.ºXXIIdemarçode1813,p.206;

–RespostaaoDoutorJoséFelicianodeCastilho,sobreoquearespeitodeleedoseuartigoinsertoemO Investigadorn.ºXXIIescreveranoJornal de Coim-bran.ºsXXVIeXXIX,inseridaemO Investigadorn.ºXXII,p.662a671;

–RespostaaoPapeldeJoséFelicianodeCastilhointitulado«Reflexõesetc.»,noJornal de Coimbran.ºXXXV,parte1.ª,inseridaemO Investigador,n.ºLV,dejaneirode1816,p.313a325;

–Respostaàsdenominadas«ReflexõesdeJoséFelicianodeCastilho»noJornal

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Ao isolar o primeiro alcaloide da quina, Bernardino AntónioGomesfoiinovadoraofazerumadescobertafundamentalnodomí-niodahistóriadaterapêuticamedicamentosa,desafiandoosabercientíficoinstituído63,condicionadoporescassosrecursos,etra-balhandoàmargemdaUniversidade.

Finalmente, como médico militar, o seu último serviço foi noLazaretodeLisboaondecurou445doentesdetifovindosdaesqua-dra fundeada em Gibraltar e teve a oportunidade de confirmar aeficácia do seu tratamento pela água fria. Todavia, esta foi umaexperiênciamuitodesagradávelequeBernardinoAntónioGomesexerceu com estoicismo, não se recusando ao exercício de fun-çõesenquantoempregadodasaúdenempedindoademissãoparanãodarasoaquepensassemquenãoestavaàalturadamissão.A«ordem»paratratarosdoentesdoLazaretotinha-lhesidodadaporumcontadorqueestavaasubstituiroIntendentedaMarinha,estrutura que, pelo Regulamento, superintendia os empregadosde saúde do Hospital da Marinha (Desterro). Essa ordem tinhasidodadaemtermosindecorosos,sujeitandoBernardinoAntónioGomesariscosquedeviamserassumidospelosmédicosdaJuntadeSaúdenoLazareto.Findaamissão,agastado,pediuademissão,alegandoproblemasdesaúde.

de Coimbran.ºXLI,parte1.ª,inseridaemO Investigador Português,n.ºLXVII,dejaneirode1817,p.261a275.

63 RIEDER,P.[et al.]–História Ecológico-Institucional do Corpo,p.37.

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O médico de saúde pública, fundador da Instituição Vacínica

Passou,então,aexercereaviverexclusivamentedaclínicapri-vadasem,contudo,descuraroudiminuiroseuinteressepelainves-tigação.

Acabaria por ser eleito sócio correspondente da Academia dasCiênciasdeLisboa,em7dejaneirode1810,passandoasóciolivrevolvidos dois anos (6 junho 1812), e a sócio substituto de efetivoalgunsdiasdepois(19junho).Apartirde1814,passouasócioefe-tivode1.ªclasse.Foinesteperíodoquedesenvolveuumaobraver-dadeiramentenotáveleinovadoranodomíniodavacinaçãocontraavaríola,doençapopularmentedesignadapor«bexigas».

Avaríolatinhadizimadomilharesdevidas,tantoemPortugalcomonaEuropa.NoanoseguinteàdescobertadavacinaporJenner(1798),fizeram-seasprimeirasvacinaçõesemPortugal.

Em1804,pordiligênciadovice-reitordaUniversidade,criara-seumInstitutoVacínico,emCoimbra.Em1805tinhamsidovacina-dososinfantesD.IsabeleD.Miguele,em1806-1807,avacinafoiintroduzidanaÍndiaPortuguesa.

Os progressos eram poucos e lentos, a par de muitas vozescontrárias vindas dos «médicos velhos», que se apoiavam na sualonga experiência e nos ensinamentos de Hipócrates, Galeno eBoerhaave.Desconfiavamdainovaçãocientífica,dosbenefíciosdavacinaedasaplicaçõesdaQuímicaàMedicina.

Contraaformaçãodestes«médicosvelhos»jásetinhainsurgidoLuísAntónioVerney,naCartaDuodécimadoVerdadeiro Método de estudar para ser Útil à República e à Igreja (1746) 64. Estávamosnumperíododeconfrontonítidoentredoisparadigmasmédicos,umquerepresentavaopassadoe,outro,representadopelos«médi-

64 EstaobraestáreferidacomotendosidoimpressaemValença,naOficinadeAntónioBalle.Contudo,segundoahistoriadoraAnaCristinaAraújo,«apri-meiraediçãode1746,publicadaemNápoles,foiapreendidaeproibidadecir-cularemPortugal.Areimpressãoclandestinadestaediçãofez-senomesmoanocomreferênciaaoeditorAntonioBaleeaolocalsupostodeValença.Nemoeditornemacidadecorrespondemàtipografiaeàcidadeemqueseimpri-miuo livro.Todosos investigadoresqueestudaramestaediçãoclandestinaconcordamquesetratadeumasegundaediçãoreimpressaemNápoles».

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cosnovos»,quesevinculavamàsnovasteoriasdeCullen,Brown,PinelouBroussais.

Entre os detratores, contava-se o médico Heliodoro Jacinto deAraújoCarneiro,quefezpublicar,emLondres(1808),edepoisemPortugal,umtrabalhointitulado«ReflexõeseObservaçõessobreaPráticadaInoculaçãodaVacinaedosseusFunestosEfeitos»quemereceu um comentário violento de Bernardino António Gomes,comparandoessaatitudeaospropósitosdeEróstratoquandoquei-mouotemplodeDianaemÉfeso65.Aoposiçãoeasdificuldadesàintroduçãodavacinatambémvinhamdealgunspaisdefamíliaedo revés que tinha sido a morte de um filho do Conde de Lafõesque,poucodepoisdeservacinado,teveumquadrodeconvulsõeseacabouporfalecer66.

AsInvasõesFrancesas(1807-1811)tinhamsidooutrodurogolpeque obstaculizou a cobertura vacínica em todo o reino. Perantetantasadversidades,em1812,BernardinoAntónioGomesdirigiuuma nota à Academia chamando à atenção para a eficácia e, porconseguinte,paraaimportânciadavacinação.Destegesto,enessemesmoano,resultouacriaçãodaInstituiçãoVacínica67,68,acujacomissão pertenceu, juntamente com Francisco Elias Rodriguesda Silveira, José Feliciano de Castilho, José Pinheiro de Freitas

65 EróstratoeraumdesconhecidohabitantedeÉfesoque,pretendendotornar-seimortalporumfeitomemorável,incendiouotemplodedicadoàdeusaDiana,umadasSeteMaravilhasdoMundoAntigo.Osefésiosficaramtãoindignadosqueproibiramtodosdepronunciaremoseunome,sobpenademorte.

66 SobreahistóriadosprimeirostemposdaInstituiçãoVacínicapodeconsultar--seamemóriadeALMEIDA,Antóniode–Annaes Vaccinicos de PortugalouMemoria Chronologica da Vaccinação em Portugal,desdeasuaintroduçãoatéoestabelecimentodaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboa,p.196-218.

67 NOTICIAop. cit.,p.19.

68 Sobre os desenvolvimentos posteriores da Instituição Vacínica, consultarSUBTIL, Carlos Lousada; VIEIRA, Margarida – Os Primórdios do Programa Nacional de Vacinação em Portugal,p.167-174.

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Soares69, José Martins da Cunha, Francisco Soares Franco70 eFranciscodeMeloFranco.

Bernardino António Gomes foi um intrépido combatente na«cruzada» da vacinação, tendo participado na elaboração doRegulamento da Instituição Vacínica de que foi o primeiro dire-tor, entre a fundação da Instituição (7 de junho de 1812) e 30 desetembrodessemesmoano71.Redigiuoprimeirorelatóriocorres-pondenteaesseperíodoe,porcerto,participounaelaboraçãode«BreveInstrucçãodoquehámaisEssencialaRespeitodaVacina»,umdetalhadoopúsculocontendotodaa informaçãoe instruçõesacercadavacina,suascontraindicações,característicaseproprie-dades, formas de a recolher, meios de conservação e técnicas devacinação72.

Os trabalhos da Instituição Vacínica, em 1812-1813, estão reu-nidos em nove opúsculos (Quadro 2), impressos na Tipografia daAcademia.

O Regulamento determinava que o diretor fosse nomeado porvontadeexpressadoprópriofacultativo,peloperíododeummês.Competia-lhe dirigir presencialmente as operações de vacinação,examinar os vacinados, tomar notas, providenciar a colheita damatériavacínicaecompilarasobservaçõesreferentesaessemês.Esperava-se que os restantes membros da instituição estivessempresentesnosdiasdavacinação,nomínimodois,paraqueoser-viço fosse mais célere, em termos de registos e para realizarem

69 TalcomoBernardino,JoséPinheirodeFreitasSoaresfoimembrodaJuntadeSaúdePública,aprincipalorganizaçãodeSaúdePúblicadoReino,eautordoTratado de Polícia Médica(1818).

70 FranciscoSoaresFrancofoideputadoemembrodaComissãodeSaúdePúbli-cadasCorteseapresentouoprimeiroprojetodeRegulamentoGeraldaSaúdePúblicaemoutubrode1821.Esteprojetonãoviriaaserdiscutidoetevequeseesperaraté1834paraqueumregulamentofosseaprovado.

71 GOMES,BernardinoAntónio–ContadadanaCongregaçãodosMembrosdaInstituiçãoVacínicadaAcademiaRealdasCiênciaspeloDirectorBernardinoAntónioGomesem15deoutubrode1812,p.19-24.

72 COLLECÇÃO de Opúsculos sobre a Vacina feitos pelos Sócios da AcademiaRealdasSciencias,quecompõemaInstituiçãoVaccinica:epublicadosdeor-demdamesmaAcademia,n.ºsIIIatéIX,p.25-69.

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as experiências que entendessem por bem. A Academia tambémdesignariaumoudoiscirurgiõesparacoadjuvaremaoserviço,ape-nasnasinstalaçõesdaInstituiçãoVacínica,atítulogratuito.

Os membros reunir-se-iam a meio e no fim de cada mês, paranomearem o próximo diretor, proporem melhoramentos no ser-viçoefazeremobalançoquantoaonúmerodedoentesobservadosevacinados,experiênciasfeitas,obstáculosefatoresfavoráveisàvacinação,tantonacapitalcomonasprovíncias.

ORegulamentotambémestabeleciaosdiasdasemana(domin-gosequartas-feiras),ohorárioeasnormasparaseprocederaumregistosistematizadodoatovacinalquepermitisseoestudoepide-miológicodadoença.Assim,deviaserregistadoonúmerodeindi-víduosvacinadospordia,sinaisqueapresentavam,nome,natura-lidade,idade,filiação,ocupação,residência,doençasexistenteseoestadodesaúdedecadaum,antesduranteaapósavacinação.

Paraalémdoslivrosderegisto,haveriaosinstrumentosprópriosparaavacinaelâminasparaacolheitadematéria.Deviaindicar-seodiadaobservaçãodoaspetodolocaldainoculaçãoedarestante

0púsculo assunto autorperíodo a que diz respeito

IRegulamentoda

InstituiçãoVacínica- -

II Conta BernardinoAntónioGomes7junhoa30

setembrode1812

IIIBreveInstrucçãodo

quehámaisessencialarespeitodavacina

Vários -

IV Conta FranciscodeMeloFranco outubro

V ContaJoséPinheirodeFreitas

Soaresnovembro

VI Conta JoséMariaSoares, dezembro

VII ContaFranciscoEliasR.da

Silveirajaneiro1813

VIII Conta WenceslaoAnselmoSoares fevereiro

IXContadasobservações

doscorrespondentesnasProvíncias

JoséFelicianodeCastilhooutubroe

novembrode1812

Quadro2–OpúsculospublicadosdesdeafundaçãodaInstituiçãoVacínicaatéfevereirode1813

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Figura4—Capadosdoisprimeirosopúsculossobreavacina,dosnovequeforampublicadosentre1812e1813.

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pele, o dia dos primeiros sinais de inflamação, do aparecimentoda «bexiga» e sua configuração, idem para a auréola, existênciadesintomasfebris,sea«bexiga»semantinhaintactaousetinhahavidoinflamaçãoesupuração,seacrostaerasemitransparenteouopaca,lisaouásperaese,duranteoudepoisdavacinação,tinhasobrevindoalgumaenfermidade.Tambémestavaprevistooregistodosfaltosos,dasrevacinações,asimbologiaparaváriassituaçõesprevisíveis,instruçõespormenorizadasparaavacinaçãopropria-menteditaeparaacolheitadematériavacínica.Comosevê,umregulamento pormenorizado com o objetivo claro de permitir aanáliseestatísticadosdadoseoestudoepidemiológicodadoença.

No primeiro relatório (conta), elaborado por si, anotou quedesde a fundação da instituição até 30 de setembro tinham sidovacinados195indivíduos,emborahouvesseummaiornúmerodevacinadosforadaInstituição,pelaD.MariaAngelicaTamagnini.Daqueles,85tinhamvacinaregular,30duvidosa,12falsa,19nulae49semresultadoporquenãovoltaramaoinstituto.Dos85quefizeramavacinaçãodeformaregular,algunsprecisaramdevoltaraservacinados,amaiorparteeramcriançasdepeitooudetenraidade,mashaviaadultos,deambosossexos.Umdestestinha34anosequatrofilhos;passoutãobemque,aseuexemplo,umseuamigomaisidosoestavaresolvidoafazeroseu«segurodevida»contra o risco das bexigas. Um outro caso foi de uma criança daRuaAugustacujosirmãostinhammorridodebexigasequesesal-vougraçasàvacina.

A vacinação continuava apenas a ter como efeito colateral umestadosubfebril,entreosétimoeoitavodiadainoculação.Apenasfoireferidaasituaçãodeumameninadequatroanosqueapresen-toufebre,vómitosedoresdebarriga,masacriançatinhahistóriadehisteriaeataquesepiléticos.Omédicoacaboupordebelarfacil-menteasituação,àcustadeuma«tisanarefrigeranteeecoproticae-coprótica».BernardinoAntónioGomesrelatavaocasoparaserfielàverdade,emborareceassequeosdetratoresdavacinapudessemaproveitar-sedestecasoparainvalidarasuaaplicação.Aplicou-seavacinaaindivíduosquejátinhamtidoadoença,aoutrosquejátinhamsidovacinadosevacinou-sesegundováriosmétodos.

Acontaterminavacomareferênciaaosobstáculosedificulda-des ao bom andamento da vacinação, que, em sua opinião, eram

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devidasàpoucainstruçãodopovoe,noutroscasos,apreocuparem--seapenascomosproblemasdesaúdequeselhesapresentavamdeformamaisevidente.ReconhecequeoopúsculodoDr.Heliodorotemsidonefastoerecomenda,porisso,queseinsistaemdivulgarosprejuízosdasbexigasemmortes,deformidadesetodososincó-modosdeumadoençapustulosae,poroutrolado,asvantagensdavacinaqueestavaaseraplicadanasnaçõesmaiscivilizadas,divul-garocalendáriodavacinaçãocomosdiasdasemanaemqueestavadisponível e divulgar os resultados obtidos. Se fosse necessário,fazerinterviraautoridade,comonocasodosexpostos.

AproveitouparafazerumrasgadoelogioaoIntendenteGeraldaPolicia,odesembargadorJoãodeMatoseVasconcelosBarbosadeMagalhães, que acedeu mandar vacinar os órfãos da Casa Pia. Etermina:

«Porestesmeioseporoutroqueosmeuscolegas,otempoeascircunstanciashão-sesugerir,esperoqueestaInstituiçãoquetantahonrafazàFaculdadeMedicaquantomostraindisputa-velmenteossentimentosliberaisepatrióticosdosseusindiví-duos,prosperarámaisemais.Equandosucessivasepidemiasdebexigas,desabusandoospreocupadoseconfundindoosper-versosqueporsinistrosmotivosimpugnamavacinação,mos-traremaossolícitospaisdefamíliaaimunidadedosvacinados;nossos nomes serão proferidos com estima e nossos serviçosterãoarecompensaquemaislisonjeiaasalmasnobresqueéa

aprovaçãoeoaplausodosbonseinteligentes».

A «Breve Instrução do que há mais Essencial a Respeito daVacina» é procedida de uma introdução e contém 11 artigos aolongo dos quais se apresentam os fundamentos e explicaçõesdetalhadassobreascontraindicaçõesdavacina(artigo1),oqueécomum observar-se ao longo da evolução da vesícula no local dainoculação (artigo2),propriedadesevantagensdavacina (artigo3),característicasealturaemquesedeverecolheromaterialvací-nicodasvesículas(artigo4),técnicasdecolheitaeconservaçãodavacina(artigos5e6),técnicadevacinação(artigo7),fasesdareac-çãoàvacina(artigo8),formasdereconheceraeficáciadamatériavacínica(artigo9),cuidadosparamanteraintegridadedavesículaecomoresolveralgunsefeitoscolateraisdavacina,nomeadamente

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em lactentes (artigo 10) e diferenças entre a vacina verdadeira efalsa(artigo11).

Na introdução, são feitas várias considerações sobre as virtu-des da descoberta da vacina e do seu reconhecimento por partedomundocientíficoeacadémicodospaísesmaisevoluídos;reco-menda-sequeopovosigaaopiniãodosmédicoscommaisconhe-cimento, mais prudentes e desapaixonados, não dando ouvidosaos detratores da vacina, entre os quais há alguns médicos, mastambémeclesiásticos;lamenta-sequeemPortugalsetenhademo-radotantotempoaintroduziravacina,aoinvésdepaísescomoaAlemanha, França, Itália e Inglaterra; exortam-se os médicos e oclero, como educadores e responsáveis pela formação da opiniãopúblicaepelasmudançasdecomportamentodaspessoassimplesehumildes,aaderiremàcausadavacina,omeiomaiseficazparasalvartantasvidasceifadaspelasbexigas.Paraconvenceroclero,citaocasodaInstituiçãoVacínicadeEdimburgo,quesedirigiuaoclero do seu país nos seguintes termos: «Cada pároco, depois debatizarumacriança,podeagora,cheiodeconfiançaecerteza,inti-maraseuspaisestequasepreceitoemrazãodasuagrandeauto-ridade, dizendo-lhes: se esta criança morrer de bexigas naturais,vóssomentesoisoculpadodasuamorteporquetendesnavossamãoumprontoeeficazmeiodealivrardestafatalenfermidade.Estemeioéavacina,dádivadocéuparaalíviodaflageladahuma-nidade».

Enaltece Jenner, o seu dedicado trabalho de investigação e osprimeirospassosparavalidaraaplicaçãodavacinaeasuaprontadisseminaçãoportodaaEuropaeEstadosUnidos.

NasessãopúblicadaAcademiaRealdasCiências,de14dejunhode1813,apresentouumimportanteeextensorelatórioquecome-çavaporfazerahistóriadarecém-criadaInstituiçãoVacínicaeostrabalhosdesenvolvidosdesdeasuafundação.

Porque já havia um número suficiente de membros para seiniciaravacinaçãoeporqueavacinaguardadaemvidrosnemsem-pre«pegava»,corria-seoriscodeinsucessoedescredibilizaçãodavacina.Paraobstaratalsituação,tinha-sedecididocomeçaropro-cessopelosórfãosdaCasaPia,porduasrazões:ascrianças,nasuacondiçãode«filhosdoestado»beneficiavamdavacinae,poroutrolado, garantia-se o fornecimento de «vacina fresca» nos dias em

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Figura5—PrimeirapáginadaRecopilaçãoHistóricadosTrabalhosdaInstituiçãoVaccinicaduranteoseuPrimeiroAnno.

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quefosseprecisa.Assim,foipedidoaoIntendenteGeraldaPolíciaqueasmandasse,emgruposdequatroaseis,nosdiasdavacina-ção,paraseremvacinadas,observadaseselhescolheroprodutovacínico.Aprontidãoeoentusiasmocomqueoprocessofoifeito,mereceramumapalavradereconhecimentoelouvordasuaparte.

Oplanotinhacomeçadoaserpostoempráticanodia7dejunhode1812,«commatériasecaqueoDoutorFranciscodeMeloFrancoobtevedaSrª.D.AngelicaTamagnini».NessediaforamvacinadasseiscriançasdaCasaPia,sendoquequatroeramsuspeitasdebexi-gas,porisso,avacinasóterásidoeficaznuma.Nodia14,revaci-naram-seduasemaiscinco;avacinaterá«pegado»emquatro.Nodia21,vacinaram-seerevacinaram-senovecriançasdaCasaPiaeumadacidade.Havendojávacinasuficiente,anunciou-se,atravésda Gazeta de 23 de junho, a vacinação gratuita aos domingos demanhã.Nodia28, foramvacinar-se13 indivíduos,paraalémdosdaCasaPia.Onúmerodevacinadosfoiaumentandoe,paraumamelhorobservaçãodosefeitosdavacina,passouafazer-setambémàsquartas-feiras.

Depoisdecumpriroprimeiroobjetivodevacinaropovodacapi-tal,eranecessárioestenderavacinaçãoatodooReino.Paratanto,a13desetembro,escreveramaalgunsmédicos«decujafilantro-piasetinhanaInstituiçãoalgumaideia»,emPenafiel,Mealhada,Cartaxo,ValençadoMinho,Elvas,Santarém,eaalgunsoutrosqueeram correspondentes da Instituição. Fizeram um convite maisalargado,atravésdaGazetade13deoutubroeaadesãofoiimediata:alistaram-se, como correspondentes, 42 médicos e 26 cirurgiões,paraalémdeduassenhorasque«parecemterporessênciaoamordahumanidadeoutodosossentimentosbenfazejos»,assenhorasAngelicaTamagnini(Tomar)eIsabelVanzeller(Porto).Estaúltimasenhoraterávacinado5030pessoas,desde15deagostode1809atéaofinaldeabrildaqueleanode1813.

Esse relatório incluiu, ainda, a referência às diligências quetinhamsidofeitasjuntodoMarquêsdeBorbaeaprontarespostadoReinoconcedendoprivilégioparaacorrespondência,fatordeci-sivoparaageneralizaçãodavacinaemtodooReino,eàaprovaçãodapropostaderegulamentoporsiapresentadanasessãoordináriadaAcademia,de14deoutubrode1812.

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Orelatóriocontémmapascomonúmerodevacinações,onúmerodasvacinaçõesduvidosasedasquesedesconheciaoresultadopor-queaspessoasnãotinhamvoltado.Notrimestreemquetinhasidodiretor,tinhamsidovacinadas2116pessoas(Quadro1).Noperíodoanterior,nasinstalaçõesdaInstituição,tinhamsidovacinadas196pessoase,nasprovíncias,530.SegundoBernardinoGomes,admi-tindoquemetadetinhamtidovacinaduvidosaenãotinhamsidoobservados,estariamimunes,nesteprimeiroano,3323pessoas.

Quadro3—NúmerodevacinadosduranteotrimestreemqueBernardinoAntónioGomesfoidiretor,porlocalidadesepordistrito.

* *? =

minho

Penafiel 57 10 11

Porto 582 0 9

Valença 52 1 0

VilaMeã 66 4 9

VeigadePenso 105 1 0

862 16 29

trás-os-montes

Cerva 87 0 0

Chaves 20 9 11

Montalegre 48 1 3

Murça 11 0 0

VilaReal 5 1 0

171 11 14

beira

Aveiro 2 0 3

Buarcos 33 22 24

Monforte 67 0 0

Tondela 4 1 0

Viseu 61 3 171

167 26 198

*Vacinados;*?Vacinaduvidosa;=Resultadodesconhecido

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Os dados sugeriam-lhe duas reflexões. Se a mortalidade entreos«bexigosos»estavacalculadanaproporçãodeumsexto,avaci-nação já tinha salvo 353 compatriotas e livrado muitos outrosde sequelas da doença. Por outro lado, porque é que, causando adoençatantasmortesesequelasehavendomeiogratuitodeapre-venir,eratãobaixoonúmerodevacinados,queremLisboaquernaprovíncia?Aexplicaçãoestariaemtrêscausas:oferecer-seobemdavacina,aignorânciademuitoseamaledicênciadealguns.

Descreve as várias formas que têm sido usadas para efetuar avacina,ocarácterbenignodossintomasquedeladecorrem,inde-

estremadura

Cartaxo 147 6 0

Cascais 24 3 0

Colares 98 20 27

Ericeira 61 0 4

Lisboa 74 6 60

Peniche 36 5 4

Santarém 9 6 20

Sardoal 6 1 0

455 47 115

alentejo

Crato 76 5 47

Elvas 41 1 0

Evora 11 0 0

Niza 1 0 0

129 6 47

algarve

Lagos 147 9 106

Silves 78 9 0

VilaNovadePortimão 107 0 108

332 18 214

*Vacinados;*?Vacinaduvidosa;=Resultadodesconhecido

fonte:GOMES,BernardinoAntónio–«RecopilaçãoHistóricadosTrabalhosdaInstituiçãoVaccinicaduranteoseuPrimeiroanno»,inMemórias de Mathematica e Phisica da Academia Real das Sciencias de Lisboa,p.84-85.

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pendentemente do método usado, e a suscetibilidade individualàdoença.Assinalaobservaçõesquetinhamsidofeitasporváriosvacinadoresnoquerespeitaàevoluçãodasvesículas.Fala,ainda,da observação de casos de erupção vesicular em partes do corpoonde não tinha sido feita a inoculação e discute-os refutando asexplicaçõesdadasporalgunscolegaseoutrasinstituiçõesestran-geiras.Porfim,concluiqueavacinanãoserelacionacomoutrosvírusefazaapologiadavacinacomoprevençãodavaríola.

Para ultrapassar os obstáculos à vacinação que vinham sendoapontadospeloscorrespondentes,aInstituiçãoVacínicatinhadiri-gidoaogovernoumamemóriaasugeriramelhorcolaboraçãodosministrosterritoriaisnasvisitasefetuadaseainstarocleroausar«asuapoderosavozparaadvertirincessantementeeparapersua-diraoschefesdefamília»dequeerasuaobrigaçãoevitarumadasmoléstiasmaisperigosas.

Quantoaosministrosterritoriais,emboramuitosjáestivessemaprestaramáximacolaboraçãoaoscorrespondestesdaInstituição,foi-lhesenviadoumavisoaenunciaraerradicaçãodavaríolacomoumdosobjetivosdaCoroa,avisoessequesefaziaacompanhardeumexemplarcomasInstruçõesaquejánosreferimos.Solicitava-lhesainformaçãosobreaidentidadeenúmerodosvacinadoreseaformadeasseguraragratuitidadedavacina;quepublicassemedi-taisadequadosàcompreensãodetodos,comonomeearesidên-ciadosvacinadores,asvantagensdavacinaçãoearecomendaçãoparaquetodosseguissemasorientaçõesdadaspelosvacinadores.Pedia-se-lhes para persuadir «todas as classes do povo», mais doque reprimir pela autoridade; que mandassem vacinar todos osindivíduosquenãotivessemtidoasbexigasequeestivessemsoba sua jurisdição, isto é, órfãos, empregados de hospitais, indiví-duos com alta hospitalar, presos, expostos e alunos das casas deeducação.Estaordemdeviasercomunicadaaosjuízesordináriosoudeforaparaexecuçãoimediata,sobasuafiscalização.Paraasdioceses seguiram idênticas recomendações para aplicar a todosquantosestivessemsobasuajurisdição:párocos,alunosdossemi-náriosedeoutrascorporaçõesepessoasinfluentes73.

73 GOMES,BernardinoAntónio–«RecopilaçãoHistóricadosTrabalhosdaInsti-tuiçãoVaccinicaduranteoseuPrimeiroAnno».

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Em1815,voltariaaapresentar,emsessãopública,acontaanualdaInstituiçãoVacínica,naqualidadedeseudiretor74.Começouporfazer diversas considerações de natureza política, considerandoque a vacina constituía um meio de fazer prosperar o país, namedida em que, evitando mortes, permitia o aumento da popula-çãoe,consequentemente,aumentaraprodução,fazendofloresceras artes, o comércio e a agricultura, numa palavra, criar riquezaeassegurarahonraeindependêncianacional.Aumentarapopu-laçãoeraumobjetivoacumprirparacolocarPortugalaoníveldaFrançaedaEspanha,comdensidadespopulacionaismaiores.Emmédia,emFrança,haviamais156habitantesporléguaquadradaqueemPortugal.AEspanhatinhamaisdotriplodapopulaçãodePortugal.Alémdomais,Portugalnãoselimitavaaopequenoter-ritório europeu, tinha possessões «em ilhas e no continente dasoutras três partes do mundo». Porém, a população ultramarinaestava na razão inversa da extensão do país, particularmente noBrasil, onde, mais de um quarto da população era escrava. Emsuma,ageneralizaçãodavacinatinhadeserencaradanaperspe-tivadaabsolutanecessidadedeaumentodapopulação.

Avacinaçãotinha-setornadonograndedesígniodosgovernosmaiscivilizados.OParlamentoinglêstinhadadoaJennerumpré-miode90000cruzadose,apesardascríticasdeMoseley,Goldsone de outros detratores antivacínicos, voltou a ser homenageadocom um novo prémio, com o dobro do valor, mediante parecerfavorável do Colégio de Médicos de Londres. Faziam-se grandesinvestimentos no apoio à Instituição Vacínica daquele país. EmEspanha,saíamexpediçõesdaCorunhaparavacinarnascolónias.EmFrançaacabaradesercriadaumaassociaçãodaqualerapre-sidenteopróprioMinistrodosNegóciosdoReinoeaplicavam-seavultados fundos em despesas e prémios. Na Prússia, Alemanha,Dinamarca e Suécia, os membros das famílias reais tinham sidovacinados.

Nesteúltimopaís,oRealColégiodeSaúdedeEstocolmotinhasido incumbido de promover a vacina por todos os meios, desti-

74 GOMES,BernardinoAntonio–«ContaAnnualdaInstituiçãoVaccinicadaAca-demiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanaSessãoPublicade1815».

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Figura6—PrimeirapáginadaContaannualdaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanaSessãoPublicade1815.

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nando 900 dólarespara prémios àqueles que mais se distinguis-sem;quemnãodenunciasseadoençaestavasujeitoacoimaseosbexigosos eram recolhidos no Hospital das Bexigas; no hospitalgeraldasparidas,aononodia,todososrecém-nascidoseramvaci-nados.Tinham-secriadoestaçõesvacinaisnacapitaleportodaaprovíncia.Estabeleceram-sedoistiposdeprémiosparaosvacina-doresmaisdistintos:um,pecuniárioeoutrosobaformademeda-lhashonorárias;amboseramentreguesemcerimóniasverdadeira-menteaparatosas.

Mencionandosempreasfontes,BernardinoGomesmostravaterinformaçãoatualizadaacercadoquedepositivoseestavaapas-sarpelaEuropa.SegundoosmapasnecrológicosdeParis,em1809tinhammorridonaquelacidade213pessoas,masessenúmeroerainfinitamenteinferioràs20000mortesquetinhamocorridosemanosanterioresdevidoàsbexigas.EmFrança,em1805,tinham-sevacinado400000pessoas.

Aoinvés,emPortugal,oquadroeradoloroso.NoFaial,em1812,tinhammorrido418pessoas;emBraga,em1814,tinhammorrido1000pessoas.

Apresentou,finalmente,ascontaspordistrito,concluindoquetinhahavidoprogressos,conquantonoprimeiroanotinhamsidovacinados2866eagorahavia9602comvacinaverdadeirae2699com duvidosa. Estes números seriam consequência das ordensqueforamemanadaspelogovernoaoscorregedoresepreladosdasdioceses,particularmenteemPinhelenaGuarda,ondeosrespe-tivosbisposconseguiramdemoverosseusdiocesanosaadotaravacinação,«pormeiodesábiaspastorais».Asuapreocupaçãoemganharadeptosparaacausafoitalquenãosepoupouacomentá-rioselogiososeàenumeração,umaum,dosprelados,ministrosterritoriaisevacinadoresque,nospontosmaisrecônditosdopaís,exerciamcomzeloasuamissão.

Atítulodeexemplo,eisascontasdaprovínciadoMinho,comareferência dos vacinadores por povoação (Quadro 4). Note-se quedoconjuntode17vacinadores,háseiscirurgiões,cincomédicoseseispessoasquenãoexerciamestesofícios.ApenasnoPortohaviadoisvacinadoresesóovacinadordePontedeLimafoivacinadoroanointeiro,sendoqueamaiorpartedestestinhamsidorecrutadoshátrêsoumenosmeses,oquedáindicaçõessobreaevoluçãoeoprogressodavacinaçãonoReino.

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Concluiu a sua apresentação com várias observações sobre aspropriedadesdavacina,oseucarácterpreventivo,situaçõesdeine-ficácia,diferentesformasdeinoculação,contraindicaçõesesitua-çõesemquenãoestavacontraindicadaavacina.

Enunciou as povoações onde não havia vacinadores, denun-ciouodesmazeloemalgunscorrespondenteseadiminutavacina-ção na própria Instituição Vacínica, uma epidemia em Braga e anegligênciacomosórfãoseexpostos,àexceçãodosdaCasaPia,por mérito e obra do Intendente Geral da Polícia. Elogiou, final-mente,ogovernoporterconcedidoumalotariade50contosderei(50000$000)paraseinstituiravacinaemtodooReino.

Quadro4–Número,nomeetempodeserviçodosvacinadoresdaprovínciadoMinho,noterceiroanodeexistênciadaInstituiçãoVacínica(1815).

minho

povoação vacinadores meses vv vd

ArcoseSabadim GabrielAntóniodaCosta Cir 3 59 19

Gerês JosédosSantosDias Med 3 5 2

Guimarães ManuelLuísPereira 1 9 …

Lanheses NicolaudeSousaGalião Cir 8 198 20

Louredo SebastiãoJosédeCarvalho Med 1 15 55

PaçosdeSousa JoséAntónioMoreiradaSilva 3 27 11

Penafiel AntóniodeAlmeida Med 3 83 28

PontedeLima AntónioJoaquimdeCarvalho Med 12 3585 55

Porto DonaMariaIsabeldeVanzeler 2 124455

Porto JoséDuarteSalustianoArnaud Med 2 23

S.Tirso JoséAntónioBarbosadaSilva 1 17 6

S.VicentedePenso ManuelJoséM.daCostaeLima 2 643 27

Travanca JoséPintodaCunha Cir 1 15 1

Viana JoséLuísPintodaCunha Cir 8 215 …

ViladoConde DomingosAntóniodaCostaFlores Cir 2 20 6

VilaMeã A.CoelhodeMagalhãesQueirós Cir 1 7 ...

VilardePerdizes AntónioLuís 1 8 …

5051 685

vv:Vacinaverdadeira;vd:vacinaduvidosa

fonte: GOMES,BernardinoAntónio–«ContaAnnualdaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanaSessãoPublicade1815», in História e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, p.37.

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Paraincrementaravacinaçãonamaioriadascomarcas,foramcriadas comissões compostas pelo pároco, o médico ou o cirur-gião,comumagratificaçãode1200réisporcadadiadevacinaçãoecomprémiosparaosqueefetuassemmaisatosvacinais.Assim,em 1816, lograram vacinar-se 18 111 pessoas e, em 1817, 19 993.Contudo,começaramaescassearossubsídios,namedidaemquenãofoiconcedidaumasegundalotaria,nemmesmoaatribuiçãodocontodereisanual,valorparaquetinhasidoreduzidoosubsí-dio.Nestascircunstâncias,foinecessáriosuspenderasatividadesdas comissões e dos vacinadores nas capitanias-mores, manten-do-seapenasativososdacidadedeLisboa.Comoconsequência,onúmerodevacinadosreduziu-sedrasticamente:em1818,passarampara10541,em1819,para9320e,em1820,para3630indivíduos.

A Academia Real das Ciências fazia chegar às Cortes, logo noiníciodasuaatividade,em1821,umarepresentaçãodaInstituiçãoVacínica, acompanhada de um relatório, onde se previa que avacinaçãoregularemtodooReinoorçariaemseiscontosdereisanuais75.

Embora a Comissão de Saúde Pública das Cortes tivesse sau-dadoereconhecidootrabalhodesenvolvido,talnãofoisuficienteparademoveralgunsdeputadosquemanifestavamdúvidasacercadautilidadedaInstituiçãoVacínica,entreeles,FranciscoSimõesMargiochi,céticosobreasvirtudesdavacina76.AsCortesacabarampordeliberarquesecontinuasse«adarocontoderéisannualparaseconservaroEstabelecimentoVaccinicodeLisboa,queellades-tinaparaserabasefundamentaldosoutrosEstabelecimentosdasProvincias:assimcomoquesecontinueaconcederacorresponden-ciafrancadeCartas,eremessasdaVaccinacomasAuctoridadesCivís,eEcclesiasticas,ecomasCameras;eespera-sedozelodosseusMedicos,eChirurgiões,quenãoaffrouxemdobom,edesin-teressadoserviço,queatéaquitemfeitoembeneficiodaPatria»77.

75 Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa,Atan.º36,de16/03/21,p.280.

76 OdeputadoMargiochierasóciolivredaAcademiaRealdasCiênciasnacapital.

77 Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa,Atan.º36,de16/03/21,p.281.

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Veja-seaargumentaçãodeSoaresFranco,membrodaComissãodeSaúdePúblicadasCortes,easuapreocupaçãoemacompanharospaísesmaisevoluídosdaEuropaeodesenvolvimentodoconhe-cimentocientífico,faceaoflagelodavaríola:

«[…] …mas não será estranho que eu diga que quandoGenner estabeleceu em Inglaterra o seu invento, teve aoposiçãoquetemtodososnovosestabelecimentos;poremoParlamentooacolheu,earbitrouparaoestabelecimentodaVacinadezmillibrasesterlinas(pertode100milcru-zados). Depois passou a França, onde o Instituto a esta-beleceu:estabeleceu-setambémemViena:estabeleceu-seemBerlim,ondeDuilandfoioprincípiopropagador:esta-beleceu-seemEspanha,eosEspanhóisatémandarãoásFilipinas hum navio para propagar. Quando isto estavaestabelecidoemtodaaEuropa;quandoemtodasaspartessetenhareconhecidoasuautilidade,equandoaAcademiadas Ciências de Lisboa, fundada nestes conhecimentos,acolheuaquiesteestabelecimento,julgouaComissãoquenãopodiadeixardemerecerosmesmoselogiosqueporigual causa receberão as Sociedades de outras Nações.EmconsequênciaaComissãonãofezmaisdoqueseguiroexemplodeoutras.Emquantoapôr-seduvidasobreautilidade, ou não utilidade deste estabelecimento, o queseidizeréqueoshomensmaisinstruídostemconvindoemqueéomaiordescobrimentodoséculo18.°;esealgu-mas vezes falha é, ou por falta dos vacinadores, ou poroutrascausasestranhasámesmavacina.Bastasaberqueas Bexigas destruíam a espécie humana, e que a vacinaéreputadacomoumdosmelhorespreservativos.Nestascircunstancias,eporqueaAcademiaseprestougratuita-menteaesteserviçoútiláhumanidade,fazendoconheceroseuzelo, foiqueaComissão julgouquesedeviamdaragradecimentosámesmaAcademia»(Apoiado)78.

78 Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Atan.º38,de20/03/21,p.304.

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Apesardetudo,aconvicçãosobreosbenefíciosdavacinaçãofoivingandoportodooReino.

Foinesteperíodo,porméritoereconhecimentodoseutrabalho,que acabaria por ser nomeado, a 28 de agosto de 1813, membrovogaldaJuntadeSaúdePública.

Porestaalturapublicoumaisumamemóriasobreadesinfeçãodascartas,colocandoaseguintequestão:paraprotegeroReinodapesteoudafebre-amarela,seriasuficientedaralgunsgolpesnascartasvindasdepartessuspeitasefumigá-lassemasabriresempassarempelovinagreou,passando-aspelovinagre,poderiaevi-tar-seabri-las?

O Regimento de Saúde do Porto de Belém determinava que ascartasvindasdelugaresempestadosoususpeitosfossemabertasepassadasporvinagre,masaJuntadeSaúde,temendoapesteepre-ferindopecarantesporexcessoquepordefeito,achavaqueomaisseguroeraabrirascartas.EsteenunciadonãotinhasidounânimeentreosmembrosdaJunta.Unsachavamquenãoeranecessárioabrirascartas,bastavafumigá-laspeloprocessodeMr.Morveau,mas como havia a preocupação de não violar a correspondênciavindadelugaresempestadosoususpeitos,decidiu-sequeasprimei-rasseriamabertaseassegundasapenasgolpeadas.Estaresoluçãopareceu-lheperigosapeloquepropôsquesepedisseaoGovernoasuspensão da portaria enquanto, pela experiência, não se confir-massem ou infirmassem as suas dúvidas. Assim foi feito e a talanuiuogoverno.Emconsequência,oMarquêsdeTancos,odesem-bargadorBartolomeuGiraldes,oprimeirosecretárioLuizAntónioRebello, os Doutores José Pinheiro de Freitas Soares, HenriqueXavierBaeta,IgnacioXaviereeleprópriodecidiraminvestigarocaso no Laboratório Químico da Casa da Moeda. As experiênciaslevaram-noàconclusãodequeoácidosulfurosotinhamaiorpoderdesinfetantequeovinagreouocloroequeerapossívelfazer-seadesinfeçãonointeriordascartassemasabrirougolpear79.

79 GOMES,BernardinoAntónio–Memória Sobre a Desinfecção das Cartas.

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Figura7—CapadeEnsaiodermosografico

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O fundador da dermatologia portuguesa

Porvoltade1817,reorientouosseusinteressescientíficosparaas doenças da pele, em particular a elefantíase. Recolheu toda ainformaçãodisponívelefoiautorizadoainiciaraobservaçãodosdoentesqueseencontravamnoHospitaldeS.Lázaro,observaçãoqueefetuoudurantecincomeses.Conformereferenoprefáciodoensaiodermosográfico80,quededicouàRainhaD.MariaII,paraoescreveraproveitouotempodeócioduranteaviagemquefizeraentreLivornoeoRiodeJaneirocomomédicodesuamãe,aprincesaLeopoldinaCarolinaJosefa,àalturanoivadeD.PedrodeBragança81.ASociedadePortuguesadeDermatologiaeVenereologiaconsideraesteensaiooprimeirotratadoportuguêsdeDermatologia.

A permanência de seis meses no Brasil também lhe permitiufazer mais observações sobre a elefantíase e outras doenças dapele aí muito frequentes. Em consequência, escreveu ainda uma

80 GOMES,BernardinoAntónio–Ensaio Dermosográfico ou Sucinta e Systemá-tica Descripção das Doenças Cutaneas conforme os Princípios e Observações dos Doutores Willan, e Bateman, com Indicação dos Respectivos Remédios Aconselhados por estes Celebres Authores e Alguns Outros.EsteensaioteveumparecerdosócioJoséPinheirodeFreitasGomes,de20/02/1819,quetermi-nanosseguintestermos:«Àvistadoqueficouexpostoconcluoqueotrabalhodoautoraindaestádistantedaperfeiçãodequecareceesóàcustadeconti-nuadoestudoeobservaçãoqueoautorpoderáconcluiroedifícioquecome-çara.Todavia,estetrabalho,talqualexiste,setornajámuiinteressanteaosprogressosdaMedicinaesendodahonraaoseuautor,seformuidignodeserimpressoporordemdestaRealAcademia».

Otermodermosográficoécriadopeloautor,emsubstituiçãodaparáfrasequedeveriaserusada:quadrosucintoesistemáticodasdoençascutâneas.Estaobrateve,pelomenos,umasegundaediçãoem1823.

81 Apropósito,consultaroromancehistóricoD. Maria II, Tudo por um Reino,deIsabelStillwell.

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Figura8–CapadaCartaaosmédicosportugueses.

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memóriasobreaelefantíaseeoutrasdoençasdapele82eumacartaaosmédicosportuguesessobreotratamentodestadoença83.

Nessacarta,BernardinoAntónioGomescomeçaporreferirquefazia observações e investigação sobre a doença há cinco anos eque tinha oferecido os seus serviços ao governo para tratar gra-tuitamenteosportadoresdeelefantíasedoHospitaldeS.Lázarodurante um ano. O governo tinha dado instruções ao Senado daCâmara,entidadequeadministravaaquelehospital,paralhepres-tartodooapoio,mas,poracçãodealguém«poderosoeinfluente»,a cooperação do Senado deixou de se fazer e o seu trabalho deinvestigação junto dos doentescomeçou aser boicotado. Emsuaopinião, S. Lázaro era mais uma albergaria do que um hospital,mas,mesmoassim,conseguiuatingirosseusobjetivosapesardesermuitodifícilacompanharaevoluçãodosdoenteseobservarosefeitosdaterapêuticaporsiinstituída.

Sobre a doença e terapêutica conclui que os tratamentos compreparaçõesmercuriaisassociadasaomeseriãooudearsenitedepotassadeviamsersubstituídosporumoutroremédioquetinhaensaiadocombonsresultadosemquatrodoentes,omuriatodecal.Recomendava,porisso,quesefizessemmaisobservaçõesparacon-firmarouinfirmarosefeitosdaquelesaleconvidavaosseuscole-gasmédicosaajudarem-nonadescobertadoremédioparadebelartãograveenfermidadeque,nãosendonenhumadelas,tinhatraçosdeescrófula,demalvenéreoouartrite.

Nestes trabalhos, Bernardino António Gomes fez a história dadoença,doshospitaisdelázarosegafariasemPortugal,comparouasituaçãocomoutrospaísesepropôsquesereunissemosváriosedis-persoshospitaisemapenastrês,emLisboa,PortoeCoimbraonde,

82 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre os Meios de Diminuir a Elefan-tíase em Portugal e de Aperfeiçoar o Conhecimento e a Cura das Doenças Cutâ-neas, Oferecida às Cortes de Portugal de 1821, pedindo a sua Atenção para o Estado da Elefantíase em Portugal.

83 GOMES,BernardinoAntónio–Carta aos Médicos Portuguezes sobre a Ele-phantíase noticiando-lhes um Novo Remédio para a Cura desta Enfermidade, pelo seu Colega, e Compatriota Bernardino António Gomes, Cavaleiro Professo na Ordem de Christo, Fidalgo Cavaleiro da Casa de S. M. F., Médico da sua Real Camara, e Socio d’Academia Real das Sciencias de Lisboa.

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Figura9—SinaléticadaR.Dr.BernardinoAntónioGomes,emParedesdeCoura.

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alémdeserviremparatratarosdoentes,serviriamparaoestudoeoensinodaespecialidade;sugeriuqueserevertessemosrendimentosdasgafariasedasmercearias84eafavordedoentesgafos.

Viria a ser no Hospital do Desterro que, a partir dos finais doséculoXIX,nasceuagrandeescoladeDermatologiaportuguesa85.O papel pioneiro que desempenhou, conferiu-lhe o estatuto depatronodaSociedadePortuguesadeDermatologiaeVenereologia,fundadaem1942.

Umdosseusúltimostrabalhos,umanoantesdefalecer(1822),versava as propriedades anti-helmínticas da raiz da romeira86.SegundoBernardinoAntónioGomes,estaplantatinhasidoprofu-samenteusadanaAntiguidadeeconstavadoslivrosdeCelso,masfoisendoignoradanaEuropaatéque,emInglaterra,osmédicosBreton e Buchanan a retomaram como anti-helmíntico. Atentoe atualizado acerca das novidades médicas fora do país, logo seprontificouaaplicarcozimentosdacascadaraizdaromeira,comêxito87.

As homenagens que lhe foram feitas

Jofre de Lima Monteiro Alves inventariou as várias iniciativasqueforamtomadasnosentidodehomenagearBernardinoAntónioGomesequepassamosareferir.

AprimeirahomenagemterásidofeitapelaAcademiaRealdasCiênciasdeLisboa,em20dejunhode1901.

84 Merceeiro(a)eraapessoaquerecebiaumacertapensãoporencomendaraDeusaalmadealgumdefunto,istoé,tinhamporofíciorezar,ouvirmissasourezarpelaalmadealguémque,pormorte,tivessedeixadoesmolaouumacertarendaàpessoaqueatalseprestasse.

85 MORA,LuizDamas–Hospital do Desterro,p.84.

86 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre a Virtude Tenífuga da Romeira, com Observações Zoológicas e Zoonómicas relativas à Ténia,p.1-39.

87 Paraalémdasobrasquereferimos,háaindaareferênciaaoopúsculoMemó-ria sobre a Enfermidade de que faleceu o Desembargador Joaquim José Vieira Godinho, na qual se Refuta a Opinião do Doutor I…T… (Ignacio Tamagnini?) sobre a sua Causa, etc.Lisboa,impressonaOff.deSimãoThadeoFerreira.

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Figura10–SinaléticadoLargoBernardinoAntónioGomes,ondetambémexisteumbustoseu,juntoaoCampodeSantaClara.

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Maistarde,a8demarçode1924,foiavezdaSecçãodeHistóriadaMedicina,daSociedadedasCiênciasMédicasdeLisboatomarainiciativa.A21domesmomês,emsessãodaCâmaraMunicipaldeLisboa,foiaprovadaumapropostaparasecolocarumalápidenon.º21daPraçadaAlegria,casaondeviveu.

Porocasiãodascomemoraçõesdocentenáriodoseufalecimento,aComissãoExecutivadaCâmaraMunicipaldeParedesdeCoura,a 16 de outubro de 1924, doou 100 000 reis e determinou que seabrisseumasubscriçãopúblicaparajuntaraosubsídioatribuídoàcomissãodemédicosquetinhampromovidoahomenagem.A12desetembrode1925,oseuretratofoicolocadonoSalãoNobredomunicípio,tendoJúliodeLemosdiscursadosobreavidadocien-tistaeJoãoLuísAfonsoVianadescerradoopano.A12denovem-bro desse mesmo ano, por proposta do vice-presidente FranciscoAlexandre de Sousa Mata, a Câmara Municipal de Paredes deCouraatribuiuadesignaçãodeRua Dr. Bernardino António GomesaoarruamentoquepartedoLargodoViscondedeMozelosatéaoLargodaFeiradoGado(Fig.9).

A14denovembrode1926foiinauguradaaestátuaqueseencon-tranoJardimBotânicodeLisboa.

Por edital da Câmara Municipal de Lisboa, a 27 de agosto de1930,foiatribuídooseunomeaumlargonafreguesiadeS.VicentedeFora(Fig.10).

Em1968,foideclaradofundadordaDermatologiaportuguesaepatronodaSociedadePortuguesadeDermatologiaeVenereologia.

A 6 de fevereiro de 1984, foi aprovada uma proposta do verea-dorMárioMontenegroparasemandarerigirumbustoassenteempedestal,numapraçapúblicadeParedesdeCoura.

Em 1996, o farmacêutico Gaspar Simões Viana, de Viana doCastelo,inseriunojornalA Aurora do Limaumartigosobreavidaeobradeste«alto-minhotoilustre»88.

88 VIANA,GasparSimões–Bernardino António Gomes, Alto Minhoto Ilustre.

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À guisa de conclusão

Do quadro que traçamos na primeira parte, gostaria de real-çartrêsaspetos:ocarácterdetransiçãodoAntigoRegimeparaoLiberalismo, ao nível do modelo de governação, da passagem daculturadopúblicoparaaculturadoprivadoedoparadigmacorpo-rativoparaoindividual.

Só a partir da segunda metade do século XVIII é que a saúdecomeçouaserencaradacomoumassuntodointeressepúblicoeacargodopodercentral.

Num país pobre e ruralizado, a população era constituída pormendigos, crianças abandonadas e órfãs, marginais, doentes edeficientes que, a par das vítimas das epidemias, doenças conta-giosasemalnutrição,constituíamumexércitodedesfavorecidoseexcluídos.

Assim,aotempoemquenasceuecresceuBernardinoAntónioGomes, foram-se reunindo as condições para se consumar o pri-meirosinalderutura,deslocando-seadoençaeapreservaçãodasaúdedodomínioprivadoparaopúblico,delógicasassistenciaisecorporativasparaaorganizaçãodeumestadoforteedeterminadoaocupar-sedessesproblemas.

OscargosdoFísico-mor,doCirurgião-moredoProvedor-mordasaúdeestavamdescredibilizadosporquenãoconseguiamregularosváriosofíciosdasuaáreanemaproduçãoevendademedica-mentos;osfísicosecirurgiõeserampoucosenãodavamrespostaàsnecessidadesdapopulação,apesardosesforçosdosmunicípiose do aumento progressivo das misericórdias; a criação da JuntadoProtomedicatoe,maistarde,daJuntadeSaúdePública,foramsinaisdavontadedealterarasituação.

Durante este período, esboçou-se uma política de medicinacomunitária apoiada numa rede de «físicos e cirurgiões de par-tido»pagospelosmunicípioseque,paraalémdamedicinaprivada,tinhamaincumbênciadeprestarassistênciagratuitaaosoficiaisdecertasinstituiçõeseseusfamiliareseàpopulaçãomaispobre,fazer a vigilância das amas e dos expostos e atestar as mortes,entreoutrasfunções.

Desdecedo,BernardinoAntónioGomesdecidiradedicarasuavidaprofissionalàciênciaeinvestigação,refletindoosventosde

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inovação e mudança que se viviam pela Europa e que chegavamrelativamenterápidoaonossopaís,particularmenteàUniversidadede Coimbra, onde fez os seus estudos de Medicina. Nas palavrasdoprópriofilho,opropósitodesefixaremLisboaconfirmaasuaambiçãoeaescolhadecultivarmaisaciênciaeainvestigaçãodoque a prática da medicina. Nesse sentido, a província era dema-siadoacanhadaparaassuasambições,comojáreferimos.

Paraumjovemde25anos,iniciaracarreiracomomédicocapi-tão-de-fragatadaArmadaeraumsinalauspicioso,permitindo-lheampliar o seu conhecimento em fitologia, agora num territóriomarcadoporumagrandevariedadevegetal.Mastambémdedicar--seaoestudodeumadoençadeelevadaprevalêncianoBrasilequejálhevinhadespertandoacuriosidadeháanos.

Depois,combateucomêxitoumaepidemiadetifo,numaesqua-dra portuguesa em Gibraltar, tendo a oportunidade de verificaroefeitodofrionocombateàsfebresprovocadasporestadoençainfeciosa, tratamento que iria repetir quando foi «colocado» noLazareto.Masoseutrabalhopioneirodeisolaroprimeiroalcaloidedaquinafoioquemaisreconhecimentointernacionallhedeu,cau-sando,paradoxalmente,fortecontestaçãonopaís,vindaealimen-tadapelosseuscolegasdaUniversidade.

Estavamassimreunidasascondiçõesparaseradmitidonainsti-tuiçãomaisprestigiadaeapetecidaporqualquermédicodesejosodenotoriedade,aAcademiadasCiências.

Inicia,entãoosegundociclodasuacarreira,agoracomosani-tarista e grande obreiro do plano de vacinação contra a varíola,combateaoqualsededicoucomêxitoduranteváriosanos.Oreco-nhecimento do seu trabalho abnegado guindou-o a membro daJuntadeSaúde,amaisaltainstânciadepoderemmatériadesaúdepública. Quer na Instituição Vacínica quer na Junta de Saúde,privoucomduasfigurasdasmaisimportantesnoplanoideológicoe organizativo da Saúde Pública no Portugal saído da RevoluçãoLiberal de 1820: José Pinheiro de Freitas Soares, o autor do pri-meiroTratado de Polícia Médica(1818)eFranciscoSoaresFranco,oeloquentedeputadoquefezpartedaComissãodeSaúdePúblicadasCorteseautordaprimeirapropostadoRegulamento Geral da Saúde Pública(1821).

Incansável, a parte final da sua carreira dedicou-a às doençasdapeleeaumdosseusprincipaisflagelos,alepra.Tambémaqui

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serevelou,maisumavez,umvisionárioeuminovadornoensinoenaorganizaçãodosserviçosassistenciais.Pugnoupelacriaçãoda especialidade médica de dermatologia, pela especialização ereorganização dos hospitais que recebiam este tipo de doentes.Defendeuumtipodeensinomaisprático,feitonospróprioshospi-taisque,paraisso,sedeveriaminstituiremcentrosdeformação,aliáscomojásevinhaverificandonasescolasmédico-cirúrgicasdeLisboaedoPortoqueganhavamprestigioedisputavamahegemo-niadaUniversidadedeCoimbra.

Sobreasuavidafamiliareoscontextosemquefoivivida,abiblio-grafia consultada não dá elementos que permitam uma melhorcompreensãodapersistenteacusaçãodeadultério;oprópriofilhoomiteesteaspetonabiografiadeseupai,remetendo-seexclusiva-menteaoseupercursoprofissionaleproduçãocientífica.Todavia,dasnotasautobiográficasqueVirgílioMachadoreuniu,doteordaCarta aos Médicos Portugueses sobre a Elefantíaseedadedicató-riadasuaMemória sobre as Virtudes Tenífugas da Romeira,per-cebe-seasuadoretristezapelasituaçãofamiliarcriadapelasuaesposa,afaltadereconhecimentodasuadedicaçãoàcausapúblicaporpartedoestadoeasignomíniasaquefoisujeitoporpartedosseuspares.

Mas o que nos interessa destacar é que estamos perante umapersonalidade verdadeiramente iluminista que soube perscrutaros sinais do seu tempo, tempo a que ele próprio fez jus, partici-pandonasuadefinição.

EsemuitojustamenteaSociedadePortuguesadeDermatologiae Venereologia o elegeu seu patrono, é de igual justiça reconhe-cer nele o obreiro do primeiro programa sistematizado de vaci-nação contra a varíola, percursor do moderno Plano Nacional deVacinação.

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