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  • Uma aproximao aos conceitos bsicos da fenomenologia

    Aquiles Cortes Guimares1

    O termo fenomenologia designa uma nova atitude filosfica

    assumida por Edmundo Husserl (1859-1938), que redundou num amplo

    movimento de pensamento disseminado entre as mais notveis tendncias da

    filosofia contempornea.

    Portanto, fenomenologia no apenas cincia ou teoria dos

    fenmenos como poderia sugerir o vocbulo. A fenomenologia tem a sua

    apresentao inaugural na obra Investigaes Lgicas de Edmundo Husserl,

    publicada nos anos 1900/1901. A comea a reflexo fenomenolgica no

    sculo XX. Fenomenologia o esforo em busca do aprofundamento da

    compreenso do mundo, numa tentativa de colocar em questo os supostos

    fundamentos das cincias naturais. A fenomenologia no um sistema de

    pensamento. Ela um mtodo que nos leva a uma atitude radical frente s

    explicaes cientficas do mundo. Talvez por isso mesmo, a adeso ao mtodo

    fenomenolgico implique uma espcie de converso a um novo modo de

    pensar o mundo natural e o mundo do esprito, para alm das cincias naturais

    e das cincias do esprito, cuja tendncia fundamental reduzir a realidade do

    mundo realidade dos fatos. Da, as vrias direes assumidas pelo

    pensamento fenomenolgico que hoje desguam no denominado Movimento

    Fenomenolgico, com uma forte tendncia no sentido de privilegiar a

    hermenutica na sua expresso lingustica. Em ltima anlise, o ser

    acontecimento que se revela na linguagem. O pai da fenomenologia no

    aprovaria essas consequncias do seu pensamento, sempre voltado para a

    ideia de rigor filosfico e cientfico, mas tambm no estaria insatisfeito com a

    larga explorao das diretrizes do mtodo fenomenolgico, inclusive na rea

    jurdica.

    Professor dos cursos de Mestrado e Doutorado em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ. Coordenador do Seminrio de Filosofia Jurdica e Poltica do Instituto de Filosofia e Cincias Sociais (IFCS). Presidente do Conselho Editorial da Revista Fenomenologia e Direito Cadernos da Escola de Magistratura Regional Federal da 2 Regio EMARF. E-mail: [email protected]

  • Pois bem, vejamos ento alguns dos conceitos primaciais da

    fenomenologia, que nos ajudaro a entender a sua proposta metodolgica. Em

    primeiro lugar, a noo de conscincia. Saibamos que Edmundo Husserl

    desenvolveu a sua formao universitria numa ambincia de crise do

    pensamento, nas ltimas dcadas do sculo XIX. Crise de fundamentos. Onde

    esto os fundamentos da matemtica que desde Galileu e Newton, no sculo

    XVII, vinham contribuindo, decisivamente, para a manipulao da natureza?

    Entra a lgica como fundamento, na afirmao de Bertrand Russel. Mas isto

    no satisfaz e vem Wittgenstein dizendo que os fundamentos do pensamento

    esto na linguagem. pergunta de Kant sobre o que posso saber, se

    contrape a pergunta sobre o que posso dizer. At ai, nada. Apenas

    afirmaes que, falta de outras mais consistentes, esto a registradas como

    decisivas no pensamento contemporneo. E so muitos os que se orientam por

    elas.

    Essa crise do pensamento foi intensamente vivida por Husserl. O

    que mais o preocupava era o esprito do naturalismo engendrado pelas

    cincias naturais. O que naturalismo? a crena de que a natureza a

    unidade do ser no tempo e no espao. Portanto, tudo natureza. Essa crena

    levaria concluso de que a conscincia e a razo seriam frutos da natureza.

    Naturalizar a conscincia, naturalizar a razo, naturalizar a vida do esprito que

    constri a histria era o grande equvoco percebido por Husserl. Mas esse

    filsofo estava preparado para enfrentar os equvocos do naturalismo. Formado

    em cincias matemticas graduao, doutorado e livre-docncia (habilitao

    para o ensino superior) Husserl sabia o que estava criticando. A sua

    formao cientfica foi decisiva na critica aos fundamentos da lgica e das

    cincias naturais. A conscincia no pode ser passvel de naturalizao, uma

    vez que ela funda, ontologicamente, a prpria natureza. Como? Na medida em

    que a nica instncia humana capaz de ver de forma absoluta. Antes de mais

    nada, preciso ter claro que conscincia intencionalidade. Ou seja, a

    essncia da conscincia a intencionalidade. Conscincia no fenmeno

    psquico, no psique; intentio, dirigir-se a. No h conscincia vagando

    no espao.

  • Comecemos pela noo de fenmeno. O que fenmeno? Em

    princpio, fenmeno o que aparece conscincia. Fenmeno o manifestar-

    se do mundo dos objetos. Essa manifestao s pode acontecer na interao

    da conscincia com o mundo. Fenmeno e conscincia so termos correlatos.

    Os objetos s existem para a intencionalidade da conscincia e esta, por sua

    vez, s existe para os objetos. Ou seja, intencionalidade intencionalidade de

    objetos e objetos so objetos da intencionalidade. Em sntese: o fenmeno s

    possvel em funo da intencionalidade e esta pura direcionalidade ao

    fenmeno. Um no existe seno em funo do outro. E essa circunstncia

    que, antes de qualquer coisa, nos leva compreenso do processo de

    interao conscincia-mundo, superando clssicas dicotomias na relao

    sujeito-objeto. No h sujeito sem objeto, nem objeto sem sujeito. Portanto,

    falar da pureza do sujeito seria admitir que a subjetividade em geral pode

    prescindir da impureza do mundo e submet-la aos caprichos da linguagem

    matemtica, na maneira procedimental cartesiana. Sujeito-mundo, sujeito-

    objeto, sujeito-natureza, e tantas outras dicotomias no produzem sentidos

    epistemolgicos seno a partir da interao conscincia-mundo, conscincia-

    objeto, conscincia-natureza, e vai por a... Essa interao da conscincia com

    o mundo que define o fenmeno como aquilo que dado pessoa humana

    no universo da sua vivncia. Ou seja, a interao conscincia-mundo expressa,

    originariamente, o retorno s coisas mesmas na linguagem husserliana.

    Mundo e intencionalidade so indissociveis, posto que a evidncia do mundo

    depende da intencionalidade intuitiva da conscincia e, por sua vez, a

    intencionalidade depende da existncia do mundo, uma vez que sem este ela

    seria apenas intencionalidade do nada...

    No mesmo plano se inscrevem as percepes. Perceber perceber

    algo. A percepo ser sempre percepo de alguma coisa, seja essa coisa

    real o livro que est diante de mim seja ela ideal ou fictcia as linguagens

    lgico-matemticas ou as criaes imaginrias. Ao perceber, sempre percebo

    algo, ainda que os mecanismos da minha percepo estejam embotados por

    distores fisiolgicas. Mas vamos com calma. A ideia de percepo na

    fenomenologia um pouco diferente daquilo que os psiclogos apregoam

    como percepo. O perceber integra a vida da pessoa humana. Vivemos

  • orientados pela percepo. Ou seja, a percepo o caminho da realizao da

    nossa existncia. Mas, para a fenomenologia, ns percebemos no as coisas,

    mas estados de coisas. Se a palavra de ordem da fenomenologia o retorno

    s coisas mesmas, na pureza das suas manifestaes enquanto fenmenos

    puros, a nossa percepo do mundo se envolve com coisas e no com fatos

    com os quais se comprometem as cincias naturais. E as coisas se

    manifestam intencionalidade perceptiva de infinitas maneiras, nos seus

    infinitos estados. de Husserl a afirmao de que fenomenologia cincia

    do vivido. E cincia do vivido atividade perceptiva que se exerce sobre

    estados de coisas e no sobre coisas. Por qu? As coisas constituem a

    abertura dos horizontes do mundo. Convivemos com as coisas e devemos

    entender (evidenciar) os seus modos de ser a fim de no mergulharmos no

    mundo dos objetos e no naufraguarmos na ingenuidade da percepo

    imediata. percebendo os estados de coisas, os modos pelos quais as

    coisas se manifestam, que descortinamos os horizontes do mundo.

    Tudo isso envolve uma outra noo revolucionria referente ideia

    de objeto. O que objeto? Objeto tudo aquilo que intencionado, quer sua

    natureza seja real, ideal ou fictcia. Temos objetos reais (caneta), ideais

    (linguagem lgico-matemticas) e imaginrios em geral. Tudo que mostrado

    conscincia objeto. Ao intencionar o diabo ou demnio, figura que aparece

    na maioria das sociedades antigas e permanece at aos nossos dias,

    intenciono um objeto tido, historicamente, como representante do mal. Tudo

    que ao imaginar imagino objeto. Portanto, o mundo dos objetos constitudo

    de tudo aquilo que manifestado conscincia. Isto no significa que todos os

    objetos sejam evidentes por si mesmos ou que tenham existncia real.

    Somente a intuio direta confere evidncia a eles. Nem por isto deixam de ser

    objetos para a conscincia intencional.

    O componente fundamental do mtodo fenomenolgico institudo por

    Husserl o que chamamos reduo fenomenolgica. O que isto? De vrias

    maneiras tem sido interpretada a ideia husserliana de reduo fenomenolgica,

    tendo em vista as oscilaes do prprio autor no sentido de precis-la.

    Podemos facilitar sua compreenso, afirmando que a reduo compreende trs

    momentos bsicos: a reduo psicolgica, a eidtica e a transcendental, cada

  • uma envolvendo momentos sucessivos de compreenso e interpretao do

    mundo. A psicolgica marca o inicio da nossa converso ao modo de pensar

    fenomenolgico, porque o esforo da reflexo se dirige colocao do mundo

    entre parnteses, ou seja, suspendemos, provisoriamente, a nossa crena

    ingnua na vigncia do mundo, como ele se nos apresenta. No se trata de

    qualquer forma de ceticismo, pelo contrrio, uma tentativa de recuperao do

    prprio mundo naquilo que ele . Quando reduzimos os objetos do mundo a

    puros fenmenos, estamos caminhando para a sua reconstruo infinita,

    porque os objetos do mundo nos levam muito alm dos prprios objetos.

    Como? Os objetos, tais quais objetivados pelas cincias, so petrificados como

    se tudo pudesse ser resumido na sua manifestao. Entretanto, os objetos do

    mundo esto carregados de sentidos, que se expandem nas suas inter-

    relaes, enquanto estados de coisas a serem percebidos. Portanto, a

    reduo psicolgica representa o momento inicial da adeso ao mtodo

    fenomenolgico porque supe a pretenso de uma re-leitura do mundo de

    maneira radical, voltando s coisas mesmas, tais como se manifestam.

    Colocamos entre parnteses toda a objetividade explicativa das cincias e

    voltamos aos mesmos objetos do mundo, perquirindo os infinitos sentidos da

    sua manifestao. Desta forma, podemos compreender que a explicao

    cientfica da objetividade do mundo no esgota seus sentidos. Os objetos,

    enquanto coisas, nesta primeira reduo, se manifestam conscincia na sua

    pureza de fenmenos e, ao mesmo tempo, como abertura infinita a novos

    horizontes e infinitas possibilidades.

    O segundo momento da reduo fenomenolgica, a reduo eidtica

    (de eidos = essncia ou ideia) nos leva para alm do puro manifestar-se dos

    fenmenos. Atingimos um novo patamar, onde tentamos descrever as suas

    essncias. Portanto, o momento em que os objetos do mundo so reduzidos

    s suas essncias.

    No terceiro momento, o da reduo transcendental, as essncias

    desveladas no segundo momento, so vivenciadas e evidenciadas na ordem

    da conscincia transcendental, ou seja, na sua simplificao, na ordem da

    subjetividade do eu penso. Essncias so sempre essncias dos objetos, das

    coisas, que so levadas instncia transcendental, instncia do eu penso,

  • como tribunal da evidenciao. Nesse tribunal funciona a reflexo em torno das

    evidncias extradas do mundo da vida. A pretenso evidenciar o mundo da

    vida. Essa pretenso s pode se dar no espao transcendental, enquanto lugar

    privilegiado da evidenciao alis o nico lugar em que o sujeito est diante

    de seu objeto, numa correlao de dependncia recproca, tendo em vista que

    um no existe sem o outro.

    necessrio ter claro que estes trs momentos da reduo

    fenomenolgica esto intimamente articulados em torno do propsito de

    edificao de uma ontologia do mundo da vida. Pela reduo psicolgica, o

    mundo dos objetos, ou das coisas, se restringe a puros fenmenos; pela

    reduo eidtica, o mundo se restringe s suas essncias e, pela reduo

    transcendental, o mundo se subordina ao plano da reflexo, do eu penso,

    enquanto instncia evidenciadora do prprio mundo. No fundo, poderamos

    dizer que a atitude fenomenolgica a tomada de posio radical do ego que

    pretende constituir o mundo a partir de si mesmo. E constituir significa

    evidenciar. Ele o polo ideal da conscincia, possibilidade de conhecimento do

    mundo. Enquanto que para Descartes o ego era uma coisa pensante, Husserl o

    toma no como coisa e sim como polo da conscincia. Essa atitude

    fenomenolgica pressupe a conscincia como intencionalidade e visa a

    interao da subjetividade com o mundo. Alis, a fim de evitar confuso no que

    diz respeito ao binmio subjetividade-objetividade, to exposto historicamente,

    Husserl introduz os termos noesis e noema para significar o mesmo

    empreendimento do esprito. So conceitos prprios da fenomenologia que

    devem ser esclarecidos. Noesis a atividade subjetiva da conscincia, a

    explorao do sol da conscincia, a originao do pensamento. Atividade

    notica atividade de conhecimento. o ponto inicial a partir do qual

    instauramos a nossa ao cognoscitiva pela via do pensamento. Noema a

    unidade significativa encontrada no objeto. A novidade desses termos pode ser

    traduzida pela verificao do fato de que existe uma fundamental relao

    notico-noemtica na inteno eidtica, ou seja, no plano da descrio das

    essncias. O mesmo quer dizer em relao dicotomia sujeito-objeto que

    agora compreendida na interao conscincia-mundo. Toda inteno

    descritiva das essncias implica a atividade notica-noemtica, ou seja, a

  • atividade subjetivo-objetiva de interao da conscincia (intencionalidade) com

    o mundo.

    Passemos, ento, ao exame da ideia de intuio e de percepo.

    Intuir significa estar presente ao objeto intudo (do latim intus = dentro de

    alguma coisa). A intuio torna possvel o conhecimento das coisas. Princpio

    primeiro a atitude intuitiva, porque somente ela nos mostra a plenitude da

    presencialidade dos objetos do mundo circundante. Mundo de objetos mundo

    percebido. A percepo visualiza os horizontes de sentidos do mundo. O

    mundo a totalidade dos horizontes percebidos. Portanto, a ideia ou conceito

    de intuio fundamental no pensamento fenomenolgico. A intuio o

    momento instaurador da percepo. Intuindo, percebo. Por isso mesmo, o

    mundo, fenomenologicamente considerado, o mundo percebido na

    multiplicidade dos seus sentidos e no a totalidade dos seus objetos. Toda

    percepo est carregada de intencionalidade intuitiva em direo

    descoberta de novos sentidos. Mas este mundo percebido o mundo da vida

    (Lebenswelt), o que nos indica uma relao entre intuio, percepo e mundo

    da vida.

    J foi dito que o conjunto da crtica fenomenolgica tradio da

    cultura ocidental recai sobre o processo da sua idealizao a partir do

    matematismo, do esprito quantificador. A geometria nasce na Grcia antiga

    como instrumento da agrimensura. Era necessrio idealizar as medidas da

    terra, com a possvel preciso dos instrumentos matemticos. O fluxo do

    mundo vivido vai aos poucos sendo dominado pela idealizao elaborada no

    campo da subjetividade, enquanto possibilidade de dominao da natureza

    pela via do logos, da razo fabricadora. E toda histria ocidental obedece a

    essa inteno idealizante, nas suas mais variadas manifestaes. O homem

    cada vez mais se afasta do seu lcus natural para apegar-se ordem das

    criaes subjetivas. J na linguagem fenomenolgica, a intuio o principio

    dos princpios porque somente ela nos remete ao dado imediato, ao que est

    a, diante de ns, aos objetos presentes intencionalidade perceptiva. Intuio

    e percepo so termos que se complementam mutuamente, na interao

    conscincia-mundo.

  • A concepo fenomenolgica do mundo da vida indissocivel da

    noo de essncia. A noo de essncia no est longe do eidos, da ideia, na

    formulao platnica. Essncia ideia. Mas, na fenomenologia, a ideia est

    irreversivelmente relacionada com as coisas do mundo da vida, sem qualquer

    compromisso com o mundo das ideias de Plato. No ocorre a separao

    entre o mundo das ideias e o mundo real, conforme a concepo platnica,

    segundo consta do Livro VII da obra intitulada Repblica. O mundo da

    experincia para Plato o lugar da impureza, da degenerescncia lugar de

    todos os males. J o mundo das ideias, com seus arqutipos eternos, seria o

    lugar de contemplao dos miserveis humanos absolutos no desastre do

    movimento do mundo. Plato descende da herana de Parmnides.

    necessrio encontrar um ponto a partir do qual possamos continuar afirmando

    que o Ser , e o no-Ser no . Esse ponto para Plato o mundo das ideias

    o que verdadeiramente . O bem a ideia suprema, mas nem por isso fica

    excluda a ideia do mal. Em sntese, tudo o que pensamos na vida terrestre

    deve subordinar-se imitao do prottipo ideal do mundo das ideias,

    sobretudo as nossas aes relacionadas ao justo e ao injusto. Numa dialtica

    de ascese contemplao das ideias e de descese volta ao perigoso

    caminho do mundo corrompido estaremos exercitando a suprema virtude de

    purificao das nossas almas que, certamente, transmigraro para outros

    corpos.

    Todo esse prembulo para dizer que a concepo de essncia na

    fenomenologia no pode, simplesmente, ser equiparada ao eidos platnico, ao

    conceito de ideia em Plato. No existe separao entre os mundos. As

    essncias so percebidas a partir do mundo da vida e no concebidas como

    frmulas adequadas explicitao dos objetos. a interao conscincia

    mundo que propicia a visada dos objetos. E a visada intuitiva dos objetos do

    mundo da vida me leva descrio das essncias universais, imutveis e

    irredutveis.

    Dizemos comumente que as coisas so. Mas o que o que ? Pois

    a essncia responde pergunta sobre aquilo que o ser das coisas. A

    essncia diz do ser das coisas e no de uma ideia elaborada a priori no

    campo da subjetividade para adequar-se ao ser das coisas. Ou seja, toda

  • essncia ser sempre essncia de objetos. Essncia aquilo que descobrimos

    como invariante nos objetos. Por exemplo, quando no campo dos objetos

    ideais (matemticos) dizemos que 3+2 = 5, a ideia de pentalidade a

    descoberta uma invariante universal. Por mais que mudemos os nmeros em

    busca da pentalidade chegaremos ao mesmo resultado. o que permanece. E

    isto que permanece como validade universal a essncia. Alis, a linguagem

    lgicomatemtica constitui um universo exemplar de essncias. Os seres

    ideais da matemtica j se manifestam com as caractersticas de

    universalidade, imutabilidade e irredutibilidade. Da mesma forma, poderamos

    exemplificar em relao aos objetos ou coisas reais que constituem o nosso

    mundo circundante. Num exemplo to ao gosto de Husserl, podemos citar uma

    partitura musical. Por mais que mudem as orquestras e os instrumentos, por

    mltiplos que sejam os arranjos, uma sinfonia continuar sempre sendo ouvida

    como aquela produo do artista para a eternidade a arte verdadeira nunca

    perece. A essncia da sinfonia permanecer para sempre.

    Da mesma forma, podemos exemplificar com o Direito, j que minha

    rea de pesquisa a fenomenologia do direito. Por mais que as leis sejam

    modificadas, permanece a ideia de Direito. Interessa-nos, neste momento, falar

    da sua essncia como exemplificao daquilo que nele permanente. A ideia

    de Direito precedida do sentimento do Direito. Esse sentimento fonte

    originria de toda organizao jurdica. Sendo a destinao do Direito a

    realizao da justia, existe entre todos os povos uma pr-compreenso do

    justo e do injusto. Sendo assim, vemos que a essncia do Direito no est na

    lei, mas na ideia de justia. Essa ideia um valor inerente pessoa humana a

    qual se cristaliza na tessitura de regras de conduta impostas aos povos, em

    direo realizao desse valor. A essncia do Direito pertence ao contedo

    referencial da vivncia da justia. Enquanto valor, a justia um ideal que

    exerce uma pregnncia sobre todos os povos. Descrever as essncias do

    Direito e da justia perceber e intuir os modos de equilbrio dos povos no

    processo civilizatrio, ou seja, os modos de ser do homem enquanto lugar

    radical do justo e do injusto.

    Por ltimo, em relao essncia, devemos ter sempre presente

    que esta representa os sentidos do mundo os seus verdadeiros sentidos. As

  • cincias naturais transformam o mundo num reino de objetos, onde no h

    lugar para indagaes a respeito de seus sentidos, de suas essncias. E

    exatamente esta questo que impulsiona todo o movimento fenomenolgico. O

    que o que ? A resposta do que se evidencia como sentido e no como

    algo objetivvel. Objetificao trabalho das cincias. Descoberta de sentidos

    trabalho do pensamento. Interessa s cincias o domnio tcnico dos objetos

    como projeto de domnio objetivo do mundo. fenomenologia interessa os

    sentidos desse domnio. Da o questionamento da dominao da tcnica que

    impera nos nossos dias, sem qualquer observncia dos contextos referenciais

    de sentidos que envolvem os objetos nas suas mltiplas manifestaes

    conscincia intencional perceptiva.

    Em geral, a nossa vida cotidiana se desenvolve no plano da doxa

    (opinio) e no no campo da episteme (cincia), para indicar a dicotomia

    suscitada pelos gregos antigos. Exercitamos a nossa existncia acreditando

    nas evidncias imediatas do nosso mundo circundante, do mundo particular

    que construmos como opo da nossa vivncia. Cada operrio tem como

    interesse imediato os utenslios que compem o mundo do seu trabalho e os

    materiais de que necessita para realiz-lo. O mundo particular aprisiona os

    indivduos nas suas evidncias primitivas, pois as pessoas esto ligadas,

    fundamentalmente, quilo que lhes interessa para soluo de suas

    necessidades. Interesses e necessidades constituem o movimento da histria,

    o que nos ajuda a esclarecer o apego do homem ao seu mundo, cuja

    manifestao apreendida pela doxa que lhe parece de cristalina evidncia. O

    conhecimento especfico (opinio) do carpinteiro sobre a madeira conduz os

    seus atos para a construo dos objetos de madeira. Cincia e filosofia no

    fazem parte de suas preocupaes porque ele est voltado para a imediatez do

    seu mundo, naquilo que ele representa de possibilidade de realizao das

    urgncias da vida. Com essa atitude, fragmenta os horizontes que constituem o

    mundo nico, transformando-o num s horizonte. O mundo no a totalidade

    dos objetos e sim a totalidade de horizontes. E essa totalidade de horizontes

    depende da nossa percepo de mundo. Mundo mundo histrico-cultural,

    onde encontramos todas as possibilidades de experincia, esttica, religiosa,

    mstica. Fica claro que o objetivismo cientfico no esgota o campo da

  • experincia, porque existem mltiplas dimenses da experincia humana que

    se distendem no mundo da vida. Pois bem. Evidncia algo que se d pela

    intuio imediata. A intuio, j sabemos, o principio dos princpios. Ela nos

    coloca na relao direta e imediata com os objetos. como se dissssemos:

    no me explique, estou vendo. Esse ver imediato caracteriza a evidncia.

    Como essa evidncia ser tratada na ordem transcendental, ou seja, na ordem

    da reflexo, outro problema. O fato que evidncia ser sempre evidncia de

    objetos, quer sejam reais ou ideais.

    Outra noo que deve ficar clara a de ego transcendental, uma

    vez que diz respeito legitimao radical da atitude fenomenolgica. no ego

    transcendental que aparecem todas as evidncias. Na ordem transcendental,

    ou seja, no espao do eu penso, as evidncias se manifestam a partir da

    vivncia primitiva do mundo da vida. O ego transcendental o eu puro. Esse

    eu absolutamente disponvel ao pensamento. a esfera subjetiva em que o

    mundo encontra a possibilidade ltima da sua evidenciao. Husserl no foi o

    primeiro a tratar dessa esfera transcendental. Os mais notveis pensadores da

    modernidade j o fizeram, desde Descartes aos nossos dias. No caso da

    fenomenologia, a questo se mostra de maneira diferente. O ego

    transcendental o lugar da evidenciao. A experincia da evidncia primitiva

    se d no mundo da vida. O ego transcendental, enquanto espao de

    evidenciao, exerce, em ltima anlise, o papel de ltima instncia

    evidenciadora do mundo. Porque no h pensamento sem sujeito pensante,

    assim como no existe mundo verdadeiro para alm da experincia primitiva.

    Estamos no mundo e frente ao mundo, frente a todos os objetos que nos

    circundam. E somente a subjetividade transcendental pode encarregar-se da

    mostrao originria e evidenciadora desse mundo. a que encontramos a

    possibilidade originria de esclarecimento do mundo, ou seja, de auto-

    constituio e auto-evidenciao da aventura da histria humana. Afinal,

    invocando o transcendentalismo kantiano, poderamos afirmar que no dilogo

    da razo consigo mesma que encontramos os princpios supremos de todas as

    coisas.