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1 A MEMÓRIA COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS RESUMO: Pretendeu-se escapar do politicamente correto, do moralmente correto e do metodologicamente correto como uma maneira de reflexão, contrapondo o senso comum teórico corrente nas discussões acadêmicas sobre a problemática de efetivação dos direitos humanos. Nesse sentido, abordou-se a memória como forma de expressão para a efetivação dos Direitos Humanos [frente a um futuro ilimitado e incerto]. ABSTRACT: The intention was to escape the politically correct, the morally correct and methodologically correct as a way of thinking, contrasting the common sense theory current in academic discussions on the problem of realization of human rights. In this sense, we dealt with memory as an expression for the realization of human rights [in the face of an unlimited future and uncertain]. PALAVRAS-CHAVE: Memória – Direitos Humanos – Efetivação – Valores. KEYWORDS: Memory – Human Rights – Effective – Values. INTRODUÇÃO Pressupõe-se que há uma realidade histórica que pressiona os limites do presente [e na construção do futuro], a partir de vestígios da memória que podem se apresentar tanto em acontecimentos que escapam aos

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A MEMRIA COMO CONDIO DE POSSIBILIDADE EFETIVAO DOS DIREITOS HUMANOSRESUMO: Pretendeu-se escapar do politicamente correto, do moralmente correto e do metodologicamente correto como uma maneira de reflexo, contrapondo o senso comum terico corrente nas discusses acadmicas sobre a problemtica de efetivao dos direitos humanos. Nesse sentido, abordou-se a memria como forma de expresso para a efetivao dos Direitos Humanos [frente a um futuro ilimitado e incerto].ABSTRACT: The intention was to escape the politically correct, the morally correct and methodologically correct as a way of thinking, contrasting the common sense theory current in academic discussions on the problem of realization of human rights. In this sense, we dealt with memory as an expression for the realization of human rights [in the face of an unlimited future and uncertain].PALAVRAS-CHAVE: Memria Direitos Humanos Efetivao Valores.KEYWORDS: Memory Human Rights Effective Values.INTRODUO

Pressupe-se que h uma realidade histrica que pressiona os limites do presente [e na construo do futuro], a partir de vestgios da memria que podem se apresentar tanto em acontecimentos que escapam aos sentidos, quanto aos acontecimentos que so absorvidos na memria.

Neste breve espao, busca-se fugir do politicamente correto, do moralmente correto e do metodologicamente correto como uma maneira de reflexo, contrapondo o senso comum terico corrente nas discusses acadmicas sobre a problemtica de efetivao dos direitos humanos.

Em um primeiro momento, questiona-se a polarizao entre a realidade resultante de um distanciamento entre o discurso e o vivido, o que conduz a resultados sem pertinncia. Os estudos sobre direitos humanos, enquanto proto-abstraes tornam-se um entrave para a prpria efetivao.

A partir da contribuio do filsofo argentino Julio Cabrera sobre a tica negativa com base na negao do valor da vida humana no plano do ser, enfatizou-se a importncia dos lugares de memria como articulao tica fundamental para nortear prpria vida humana.

Nesse vis, apresenta-se de forma provocativa , a importncia de fundamentos morais e de uma busca de valores na sociedade como forma de superar a discusso do relativismo filosfico sobre os direitos humanos em uma era de futuro incerto. Nesse enfoque, apresentaram-se as principais problemticas dos direitos humanos abordadas por Robert Alexy: os problemas de ordem epistemolgicos; os problemas substanciais e os problemas institucionais.Por fim, com a pretenso de no apenas criar indagaes acerca da questo [clssica] dos direitos humanos no que tange ao fundamento-contedo-efetivao, mas propiciar a reflexo sobre as discusses acadmicas a partir da vivncia e no apenas no desenraizamento calcado na proto-abstratizao.

1 LUGARES DA MEMRIA (CONSTRUES NO SCULO XX)1.1 A autocompreenso humana como condio humanidadeEm Valsa com Bashir, Ari Folman faz uma anamnese numa busca de preencher os espaos vazios de sua memria com relao Guerra do Lbano, em 1982, desafiando uma amnsia coletiva aos que presenciaram e participaram da guerra.

Em uma de suas investigaes, um dos amigos afirma que a memria dinmica e tem vida prpria. Nessa dinmica, existe um mecanismo humano que bloqueia nosso acesso a reas que queremos manter desconhecidas. Sua memria s o conduzir at onde voc quiser.

Nesse aspecto, a problemtica da memria apresenta-se muito mais densa do que a princpio se suporia. Fernando Catroga, ao apresentar os estudos de Jel Candau, afirma existirem trs nveis de memria, a proto-memria; a memria propriamente dita e a metamemria. Identificando-se cada um dos nveis, nota-se que:

a proto-memria, fruto, em boa parte, do habitus e da socializao e fonte de automatismos do agir; a memria propriamente dita, que enfatiza a recordao e o reconhecimento; e a metamemria, conceito que define as representaes que o indivduo faz do que viveu.

Entretanto, na metamemria que se acentuam as caractersticas inerentes memria coletiva, histria e s modalidades de reproduo.

Nessa linha, a memria uma tentativa de reconquistar ou recordar a condio humana que se revela a si mesma na conscincia, quando encoberta pelos escombros smbolos opacos.

A anlise dessa conscincia possibilitada graas ao trabalho de materiais histricos e a busca em provocar o senso comum acadmico de forma inter-relacionar memria-direito (especialmente, os direitos humanos).

A partir desse espao provocativo, preocupa-se com a crtica levantada por Michel Maffessoli, na qual o prprio pensamento erudito se tornou uma doxa, se tornou uma opinio. Pois,

tudo o que se pode chamar [...] o politicamente correto, o moralmente correto,o metodologicamente correto. [...] o que os ingleses chamam, com razo, o correctness, essa atitude correta, que no fundo, no outra coisa seno opinio. Algo de banal. [...] o que se apresenta como pensamentos no passa de jogos verbais, em realidade.

Essa reflexo sobre o senso comum tambm passa pelo pensamento de Bachelard e Durkheim, pelas linhas de Pierre Bourdieu:

a contestao das verdades do senso comum tornou-se um lugar-comum do discurso metodolgico que corre o risco de perder, por esse motivo, toda a sua fora crtica. Bachelard e Durkheim mostram que a contestao, ponto por ponto, dos preconceitos do senso comum no pode substituir o questionamento radical dos preconceitos dos princpios em que esse se apia: Diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveramos saber. Quando o esprito se apresenta cultura cientfica, nunca jovem. Alis, bem velho porque tem idade de seus preconceitos [...]. A opinio pensa mal; no pensa: traduz necessidade em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade, e impede de conhec-los [...]. No basta, por exemplo, corrigi-la em determinados pontos, mantendo, como uma espcie de moral provisria, um conhecimento vulgar provisrio. O esprito cientfico probe que tenhamos uma opinio sobre questes que no compreendemos, sobre questes no sabermos formular com clareza.

O cerne dessas crticas vai alm de uma crtica superficial ao senso comum terico, pois a realidade tem demonstrado um distanciamento entre o discurso e o vivido, fazendo com que a pertinncia do que dito resta impertinente.

Esse distanciamento, segundo Maffesoli, declara-se por um desacordo entre a sociedade oficial e a sociedade oficiosa portanto, entre um discurso oficial e um discurso oficioso. O autor denomina essa incongruncia de dito societal.

A pertinncia diz respeito necessidade de um retorno s razes, como forma de conectar a realidade vivida para que se possa chegar memria, de forma a retomar o pensamento concreto.

Para atingir essa finalidade, Maffesoli apresenta trs caractersticas primordiais: primeiramente, a ideia do distante, cuja tenso est direcionada ao futuro. A segunda caracterstica a dimenso de abstratizao, tendo como elemento o desraizamento, ou seja, retirar-se desse mundo. Por fim, a terceira caracterstica o providencialimo advindo de uma vontade divina, algum que ir prover por todos, tendo como principal articulador o Estado.

Resta que essa abstratizao na construo da memria do sculo XX impossibilita a efetivao dos direitos humanos, pois desconstri a prpria historicidade desses direitos, destituindo os valores da condio humana, enquanto metamemria.

Com base nessa afirmativa, acredita-se que o prprio esquecimento fruto do desenraizamento e do afastamento do discurso com o vivido.

1.2 A concepo de futuro e a possibilidade de condio humana a partir de lugares da memria

Na concepo hobbesiana de que se concebe o futuro a partir de uma suposio do mesmo, proveniente da recordao do que o passado, mas que somente se poder ser capaz de conceber que alguma coisa ir acontecer daqui por diante somente medida que sabemos que existe algo no presente que a potncia para produzi-la.

Assim, pode-se afirmar que o passado pesa sobre o presente. Por isso a pertinncia quando Toni Judt afirma que o sculo XX optou por celebrar (leia-se relembrar) de maneira inegavelmente seletiva, uma vez que a esmagadora maioria dos lugares da memria oficial do sculo XX ou so declaradamente nostlgico-triunfalista ou, ainda, oportunidades para o reconhecimento e lembrana do sofrimento seletivo.

Nesse sentido, o sculo XX est a caminho de se tornar um palcio da memria moral:

uma Cmara de Horrores Histricos pedagogicamente proveitosa cujas estaes de passagem so rotuladas Munique ou Pearl Harbor, Auschwitz ou Gulag, Armnia ou Bsnia ou Ruanda ou 11/9, como uma espcie de coda suplementar, um post scriptum para os que esqueceram das lies do sculo, ou para os que nunca as aprenderam como deve ser.

A crtica a esses lugares de memria nostlgico-triunfalista no sentido da mensagem que transmitem: que agora tudo aquilo est para trs e que j se pode avanar para uma era diferente e melhor.

Em outras palavras, o aspecto positivo-pedaggico dos motivos dessas comemoraes oficiais no contribui para a avaliao e conscincia do passado, compartimentalizando a interpretao na forma de senso comum, de forma a conhecer fragmentos mltiplos de um passado separado.

A consequncia desse mosaico fragmentrio a separao por passado distinto. Essa multiplicidade conduz para uma forma de esquecimento e cegueira moral.

Corroborando com essa linha de pensamento, Jos Carlos Moreira da Silva Filho identifica um paradoxo questo da memria a partir de uma perspectiva amnsica, pois

desde o iluminismo e sua grande f na razo que o apagamento dos rastros, ou a pouca importncia dada a eles, vem indicando um caminho no qual as capacidades e habilidades racionais suplantam as amarras tecidas pelo fio da memria e pelos laos comunitrios. No lugar do passado comum, ainda pulsante na memria, as frmulas democrticas modernas preferiram instaurar um marco zero, capaz de purificar todas as feridas, as dores e as injustias cometidas no passado ao substitu-las pela igualdade.

Ento, a ilao evidente que sentido os direitos humanos podem assumir se seu discurso se funda em silncios amnticos? Que contedo permitido a esses direitos silenciados pela Histria racionalista? E, por fim, como conquistar efetividade em direitos humanos se a memria tem se prestado a um papel nostlgico-triunfalista frente aos horrores da human(idade)?

2 EFETIVAO DOS DIREITOS HUMANOS2.1 A compreenso da circularidade contedo-fundamento-efetivao e a reflexo de uma tica negativa para a compreenso do ser humano

Ao se buscar a efetivao dos direitos humanos no se pode ter uma concepo de mundo [clssica] a partir da monocultura do tempo linear.

Sobre os efeitos de conceber o futuro a partir da monocultura do tempo linear, Santos esclarece que,

a histria tem o sentido e a direco que lhe so conferidos pelo progresso, e o progresso no tem limites, o futuro infinito. Mas porque o futuro est projectado numa direcco irreversvel ele , como bem identifica Benjamin, um tempo homogneo e vazio. O futuro , assim, infinitamente abundante e infinitamente igual, um futuro que, como salienta Marramo, s existe para se tornar passado.

Ento, como conceber um futuro para os direitos humanos? Que condio de possibilidade transforma esse futuro [incerto] em efetividade?

Por si s basta um complexo normativo legalizado pelo Estado para impor limites a esse futuro indeterminado frente ao no-negligenciamento aos direitos humanos?

Indagaes desse cariz revelam a necessidade de compreender os direitos humanos, enquanto fundamento e contedo. Em recente estudo, Alfredo Culleton questionou se h alguma necessidade de fundamentao racional dos direitos humanos e, ainda, se possvel uma tal fundamentao, ou seja, quais as condies de possibilidade para uma tal fundamentao.

O autor destaca que em razo do carter universal que se pretendem os Direitos Humanos, obriga uma justificativa, bem como uma explicitao do que isso significa, destacando que,

os direitos fundamentais, enquanto universais, para no serem uma pura estratgia poltica ou ideolgica imperialista a mais, mas um valor em si mesmos, isto , um valor absoluto, devem ter a possibilidade de uma fundamentao racional, de serem reconhecidos, tornados auto-evidentes por meio da razo humana, e esta fundamentao deve ter pretenses de verdade e universalidade.

Nesse sentido, a prpria historicidade dos Direitos Humanos apresenta-se como manifestao desses direitos, por isso, a problemtica conteudistica assume relevncia quanto forma e, principalmente, para a conduo de uma efetivao.

E nesse ponto, abre-se um parntese: enquanto uns clamam pelo reconhecimento, outros pela efetivao, outros sinalizam para o fim dos direitos humanos ou pela desumanizao do humano.

Ocorre, entretanto, que nesse movimento circular de contedo e efetivao, depare-se, diuturnamente, com a questo da fundamentao dos direitos. , pois, sobre a fundamentao filosfica dos Direitos Humanos que Mauricio Beauchot declara que

fundamentar filosficamente los derechos humanos significar para nosotros llegar hasta su ncleo ontolgico. Para algunos tal fundamentacin no exige tanto, y se puede llenar com um anlisis lgico, o epistemolgico, o descansar em el tico. Nosotros pretendemos buscar el fundamento ontolgico de estos derechos (em la naturazela humana) y llegar hasta el apoyo metafsico que tiene como subyacente.

A partir do estabelecimento desse ncleo ontolgico, busca-se uma racionalidade para que se estabelea um fundamento qui imutvel inerente a todo o ser humano.

Assim, reflete-se sobre os mandamentos de uma tica negativa, que nos dizeres de Cabrera fundamentam-se em

a idia de um valor intrnseco vida humana per se filosoficamente ininteligvel. Aps a queda dos referenciais religiosos (como a crena de sermos filhos de Deus), no h qualquer sustentao para defender um conceito filosfico de valor da vida humana entendido como algo intrnseco. As instituies acerca do valor ou dignidade em si da vida humana possuem uma raiz emocional ou volitiva, ou resduos de pensamento religioso; nada se racionalmente sustentvel.

Em outras palavras, o filsofo argentino nega um valor da vida humana no plano do ser, restando-lhe um valor no plano intramundo dos entes plano ntico em que os valores podem ser construdos.

Ainda nessa linha de fundamentao de uma tica negativa Cabrera destaca que se pode visualizar

um desvalor da vida humana no plano dos ser. Este segundo passo consiste em ver que, pelo contrrio, existem muitos argumentos racionais e instituies fiveis na direo de provar e mostrar um desvalor, ou seja, um valor negativo, da vida humana em seu ser. [...] Um desvalor da vida humana aponta o carter estruturalmente doloroso e padecente da vida e, especialmente, para a sua natureza antimoral, para a impossibilidade de o ser humano realizar-se como existncia tica no que concerne a uma formulao moral que costumo julgar mnima e que aceita por teorias e atitudes ticas as mais diversas.

Por isso, Cabrera afirma que de um ponto de vista estruturalista, a vida humana revestida de um carter desgastante, carecendo de uma articulao tica fundamental para nortear a vida.

Cumpre-se a arriscar em identificar os direitos humanos construdos a partir de uma proto-memria , como um desses articuladores ticos fundamentais que visam dar uma continuidade a prpria vida humana [e, por que no, da prpria humanidade].

2.2 O futuro dos direitos humanos ou o fim dos direitos humanos

A partir dessa breve construo (em pequenos pilares) verifica-se que a problemtica dos direitos humanos aqui entendida como o fundamento, o reconhecimento e a efetivao

est condicionada ao fundamento moral e busca por uma sociedade de valores, na qual o ncleo prpria condio humana.

Nesse vis, importa saber que valores continuam a ter valor, pois de uma era de incerteza quanto construo do futuro eis que um passado no completamente resolvido , a moral, como todo o real, condicionada, determinada, histrica, o que, para Andr Comte-Sponville,

apenas existe de modo relativo, dependente, em funo de uma determinada histria e de um determinado meio. isso que explica a sua existncia e no isso que a vai abolir! O desafio actual o de viver o relativismo, ao qual somos votados pela evoluo dos nossos conhecimentos como das nossas crenas, sem contudo soobrarmos no niilismo. O fato de qualquer valor ser relativo no significa que nada valha.

Assim, no que se refere aos direitos humanos, passa-se a identificar trs principais grupos problemticos: os problemas de ordem epistemolgicos; os problemas substanciais e os problemas institucionais.

No que tange problemtica de ordem epistemolgica, depara-se com a questo de como os direitos podem ser conhecidos ou fundamentados, sendo esta permeada de um significado prtico. Quanto a essa questo, Alexy esclarece que,

assim que o consenso em questes de direitos do homem vacila, a possibilidade de alegar fundamentos para elas ganha em significado. Enquanto todos acreditam firmemente nos direitos do homem a sua fundamentao um problema meramente terico; ele se torna tanto mais prtico quanto mais forte cresce a dvida fundamental.

Em ressonncia a ordem epistemolgica, a significao dos horrores do ps-guerra, que se maneira consensual, permeou a significao-fundamentao aos direitos do homem. Pode-se, ento, verificar que do contato com o mal se justificou racionalmente a significao dos direitos humanos.

Nesse aspecto, a relao jurdica nasce em reposta ao problema do mal, corporificando numa tendncia mundial de humanizao do Direito, de forma a consagrar internacionalmente os direitos humanos.

Os problemas substanciais dos direitos humanos responder a questo: que direitos so direitos do homem. E nada mais condizente com essa problemtica que a prpria definio do Estado, que definiria um primado aos direitos do homem liberal ou social.

A terceira problemtica apresentada pelo autor diz respeito institucionalizao dos direitos humanos, na qual a positivao tem um papel de destaque, mas cujo principal gap no sentido de que os direitos homem so to mais difceis de concretizar quanto mais eles prometem.

Pela teorizao dessas problemticas analisa-se que presentes no sculo XXI uma srie de situaes positivamente abarcadas de contedo protetor aos direitos humanos, porm, inegvel que [ainda] no ultrapassam a esfera do discurso. Constituies, Convenes e Tratados Internacionais, produo acadmica ainda permanecem nessa circularidade: fudamento-contedo-efetividade.

Nessa linha, muitas vezes os direitos humanos so (re)interpretados de forma incompreensvel e de maneira inaplicvel, o que termina no questionamento, direitos humanos no efetivados so direitos humanos?3 CONSIDERAES FINAIS

Ao se teorizar a memria como forma de expresso para a efetivao dos Direitos Humanos [frente a um futuro ilimitado e incerto] analisou-se de que forma o terico politicamente correto se desenraiza dos fatos vividos e artificialmente (re) cria uma nova memria, uma nova histria.

Essa nova realidade decorre do caminho construdo no sculo XX na formao de lugares de memria nostlgico-triunfalista, cujo teor no sentido de que os horrores ficaram no passado, sendo possvel avanar historicamente rumo a uma efetivao dos Direitos Humanos. Esse o ponto-chave da crtica nesse trabalho, pois se compactua com Cabrera, no sentido de negar um valor da vida humana no plano do ser e que essa valorao encontra condies no plano intramundo dos entes, onde se constroem os valores que a sociedade busca.

Os interminveis significados para os direitos humanos, onde se criam categorias analticas, contedos diversos sob diferentes olhares, acabam por esvaziar a prpria substncia desses direitos, tornando os argumentos de fundamentao essencialistas. Entende-se, ainda, que a busca de explicaes hegemnicas aos fundamentos dos Direitos Humanos disciplinam o senso comum terico acadmico, cujo discurso est desassociado ao vivido.Por fim, conclui-se reforando que a formao da memria do sculo XX de forma fragmentria possibilitou um isolamento do humano e da idade, no sentido de (des)construo histrica de possibilidades do futuro.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrtico: para a relao entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdio constitucional. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 16, Porto Alegre: Sntese, 1999, p. 203-214.ALVES, Jos Augusto Lindgren. Os direitos humanos na ps-modernidade. So Paulo: Perspectiva, 2005.

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1 A anamnese tem importante papel na construo de identidades pessoais e sociais, significando a procura ativa de recordaes. CATROGA, Fernando. Memria, histria e historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001, p. 15.

FOLMAN, Ari; POLONSKY, David. Valsa com Bashir: uma histria da Guerra do Lbano. Porto Alegre: LP&M, 2009, p. 17.

Op. cit., p. 15.

O professor Jel Candau dedica-se Antropologia da Memria na Universidade de Nice-Sophe Antipolis, na Frana, coordenando o Laboratrio de Antropologia, Memria, Identidade e Cognio Social. Em suas pesquisas, dedica-se a antropologia cognitiva sensorial, as bases anatmicas e fisiolgicas da memria e amnsias coletivas, conflitos de memria, e elos da antropologia e da memria.

Ansara destaca que o ato de recordar , antes de mais nada uma ao que se realiza a partir de um processo de negociao entre diferentes possibilidades de explicar o passado, [...] por meio da memria no s se constri o passado, como tambm se criam novos cenrios e novas condies para fazer memria e para empreender outras aes. A memria concebida desta maneira est sempre aberta a novas interpretaes, propiciando novos pontos de partida que podem modificar o significado do passado, do presente e do futuro, podendo dar lugar a novas aes e projetos a partir da vinculao como o imaginrio social. Prossegue a autora, afirmando que a memria um processo dinmico e conflitivo relacionado com cenrios sciocomunicativos, de modo que fazendo memria, atravs dos nossos discursos, reproduzimos e transformamos nossas relaes, ou seja, nossa memria se transforma na relao e transforma simultaneamente as relaes. ANSARA, Soraia. Memria poltica, represso e ditadura no Brasil. Curitiba: Juru, 2009, p. 81.

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A crtica aqui referida, ou perspectiva hipercrtica, como denomina Veiga-Neto, diferencia-se porque o social no tomado como cenrio no qual acontece a histria e no qual se do processos epistemolgicos que de certa forma o transcenderiam e/ou o procederiam. Em outras palavras, o social no o cenrio em que os sujeitos constroem e articulam conhecimentos graas a uma racionalidade intrnseca, fruto de uma capacidade gentica inata e colocada em ao com base em um interacionismo inscrito numa suposta condio humana e humanizante. VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educao. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2005.

Op. cit., p. 533.

Em sentido similar, Streck (2007, p. 403) remete essa ressonncia a operacionalidade do direito, que tem no dedutivismo a sua forma de aplicar o direito, a partir de repositrios de verbetes prts--porters, que escondem a singularidade dos casos.

Op. cit., p. 536-537.

Nesse sentido, a verdadeira vida est noutro lugar. E, se buscarmos as razes, nossa tradio cultural a Cidade de Deus de Santo Agostinho. A ideia da Cidade de Deus quer dizer, no fundo, que cidade dos homens uma cidade totalmente efmera, transitria. Cf. Maffesoli, op. cit., p. 536.

O papel do Estado importante para a compreenso das transformaes dos Direitos Humanos. Nesse sentido, importante os estudos de Bolzan de Morais (2002, p. 15-20) sobre as crises do Estado Moderno (Contemporneo e contemporneo): o que se mostra que h um embate dialtico entre incluso/excluso, negao/afirmao, concretizao/desconstruo, confirmao/desconfirmao, etc., que impem uma compreenso permanentemente reconstruda e to inventiva quanto as potencialidades democrticas para alm de sua formulao de carter estritamente procedimental. BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis. As crises do Estado e da Constituio e a transformao espacial dos Direitos Humanos. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 15-20.

Segundo Ansara, op. cit., p. 334-336, grifos no original, o processo de anistia uma das estratgias de poltica de esquecimento. Uma vez que esquecer esse passado traumtico, indesejado, querer impedir que a sociedade conhea o arbtrio e a violncia poltica instaurada pelas ditaduras militares. Essa poltica de esquecimento parece ter sido muito eficaz, haja vista, que se iniciou durante o prprio regime militar com o ocultamento dos assassinatos de presos polticos que eram divulgados como sendo suicdio, balas perdidas, atropelamentos ou assassinatos pelos prprios companheiros. Enquanto os atos de violncia se proliferavam por todo o pas, o regime militar utilizava a manipulao poltica e ideolgica para ocultar da populao acontecimentos. [...] Podemos dizer que essas polticas de esquecimento formam criadas ao longo da ditadura militar e continuaram sendo alimentadas durante o perodo de transio democracia, atravs das impunidades, uma vez que o Brasil no puniu os torturadores e assassinos do perodo, como ocorreu em outros pases da Amrica Latina. E, apesar de o governo brasileiro ter reconhecido a sua responsabilidade sobre os crimes praticados na ditadura, esse reconhecimento no atingiu aqueles que morreram nos confrontos com a polcia e os que cometeram suicdios motivados pelo regime, ou seja, no foi extensivo a todas as vtimas do regime.

Por potncia, compreendem-se as faculdades do corpo e da mente, isto , as do corpo: nutriz, geratriz, motriz; e da mente: o conhecimento (knowledge). Ao lado destas, certas potncias subsequentes, adquiridas por meio daquelas, quais sejam, a riqueza, um cargo de autoridade, uma amizade ou um privilgio, e a boa fortuna. HOBBES, Thomas. Os elementos da lei natural e poltica. Tratado da natureza humana. Tratado do corpo poltico. So Paulo: cone, 2002, p. 54.

HOBBES, op. cit., p. 53.

JUDT, Toni. O sculo XX esquecido: lugares e memrias. Lisboa: Edies 70, 2009, p. 15.

Ao se referir aos lugares da memria, Judt, op. cit., p. 15, refere-se aos museus, santurios, inscries, locais patrimoniais, at parques temticos histricos, como sendo recordaes pblicas do passado. Quanto lembrana do sofrimento seletivo so, tipicamente, a ocasio para o ensino de um certo gnero de lio poltica: sobre coisas que se fizeram e que nunca devem ser esquecidas, sobre erros que se cometeram e que no se deve tornar a fazer.

JUDT, op. cit., p. 15.16.

Para Judt, op. cit., p. 16, hoje, a interpretao comum do passado recente compe-se assim dos fragmentos mltiplos de passados separados, cada qual (judeu, polaco, srvio, armnio, asitico-americano, palestino, irlands, homossexual...) marcado pela sua prpria condio de vtima, caracterstica e peremptria.

Segundo Souza, na tica discursiva francesa, um enuncivel forma-se pelos efeitos de sentido passveis de serem produzidos em certa relao interdiscursiva, a que intervm como memria no plano horizontal do dizer, fora do discurso em vias de ser realizar. Isso aponta para uma operao dada como acontecimento, a saber, a que promove o encontro entre uma memria e outras pr-construdas. Assim, um conceito de memria adquire um carter eminentemente social, ou seja, um processo histrico resultante de uma disputa de interpretaes para os acontecimentos presentes ou j ocorridos. Neste processo, a predominncia de uma interpretao coincide com o esquecimento de outras passveis de intervir no mesmo contexto enunciativo. Contudo, o completo apagamento no bem sucedido. H um passado que persiste enquanto pluralidade acumulada de tempos. [...] Muitas vezes os sentidos esquecidos funcionam como resduos do prprio sentido hegemnico. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausncias e uma sociologia das emergncias. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as cincias revisitado. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2006, p. 93-95

DA SILVA FILHO, Jos Carlos Moreira. Dever de memria e a construo da histria viva: a atuao da Comisso de Anistia do Brasil na concretizao do direito memria e verdade. So Leopoldo: 2009, impresso, [sp].

Da Silva Filho, op. cit., destaca que o sujeito racional moderno configura um ser desancorado, enaltece as habilidades do clculo e do autocontrole e pretende instaurar um ponto de observao neutro e universal. Essa, porm, no a nica direo apontada na modernidade. O romantismo, que surfe como reao ilustrao, volta-se ao passado, abre espao para o expressionismo do self, lembra dos laos comunitrios e permite a fundao da cincia histrica. Nem por isto, porm, a tradio romntica consegue evitar a colonizao do tema da memria pelo racionalismo cientificista. As armadilhas racionalistas vo desde o vis cientificista da historiografia at o diligente engendrar das naes, dos seus mitos e das suas liturgias.

Grande parte da doutrina entende os direitos fundamentais como aqueles direitos humanos que esto positivados nas constituies estatais. Para outros autores, os direitos fundamentais seriam aqueles princpios que resumem a concepo de mundo e que informam a ideologia poltica da cada ordenamento jurdico. A doutrina alem, recentemente, tem concebido os direitos fundamentais como a sntese das garantias individuais contidas na tradio dos direitos polticos subjetivos e nas exigncias sociais derivadas da concepo institucional do direito. Cf. LUO, Antonio Enrique Perez. Derechos humanos: estado de derecho y constitucion. 5. ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 31, traduo livre: De ah que gran parte de la doctrina entienda que los derechos fundamentales son aquellos derechos humanos positivados em las constituciones estatales. Es ms, para algn autor los derechos fundamentales seran aquellos princpios que resumen La concepcin Del mundo (Wetanschauung) y que informan la ideologia poltica de cada ordenamiento jurdico. Recientemente en el seno de la doctrina alemana se h querido concebir los derechos fundmentales como la sntesis de las garantias individuales contenidas em la tradicin de los derechos polticos subjetivos y las exigncias sociales derivadas de la concepcin institucional del derecho.

SANTOS, op. cit., p. 794.

Op. cit., p. 794.

Wunderlich afirma que mesmo em busca da esperada afirmao (real) dos direitos humanos numa sociedade aberta, plural e multicultural para o futuro, a contrapor-se ao modelo global de excluso social e violao de direitos, no se pode abdicar de um mnimo de ordenamento formado com compromisso tico e jurdico. Mesmo que os direitos humanos sigam sendo, na expresso de Prez Luo, uma promessa no cumprida para a grande maioria dos habitantes do planeta, necessrio se ter presente que a definio de direitos humanos responde a trs idias guias: a) iusnaturalismo em sem fundamento; b) historicismo em sua forma e, c) axiologismo em seu contedo. WUNDERLICH, Alexandre. Sociedade de consumo e globalizao: abordando a teoria garantista na barbrie. (Re)afirmao dos Direitos Humanos. In: RUBIO, Davis Snchez; FLORES, Herrera; CARVALHO, Salo de. Anurio Ibero-Americano de Direitos Humanos (2001/2002). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 41-61.

CULLETON, Alfredo. O problema da universalidade dos direitos humanos. Como e por que buscar um princpio fundador para os direitos humanos? In: KEIL, Ivete; ALBUQUERQUE, Paulo; VIOLA, Solon. (Orgs.). Direitos Humanos: alternativas de justia social na Amrica Latina. So Leopoldo: Unisinos, 2002, p. 157.

Op. cit., p. 157.

Alves inicia sua abertura conceitual sobre A desumanizao do humano comentando sobre uma fotografia publicada no Jornal do Brasil, na virada de 1997 para 1998: [...] uma fotografia impressionante. Seu foco centrava na figura de um policial militar armado, com o p sobre a cabea de um indivduo algemado, de bruos sobre um meio-fio, amontoado a outro em igual posio, com a cabea ocultada pelo primeiro. Em segundo plano, um monturo de destroos e ferros retorcidos compunha, com carrocerias ou carcaas de automveis, uma barreira separando, da ao principal, o grupo de observadores ao fundo: transeuntes ou habitantes locais pouco interessados. Quase todos de braos cruzados, alguns sequer olhavam para os protagonistas do evento. Apenas uma mulher, de criana ao colo, parecia assistir com alguma ateno cena retratada. Por se situar em Bonsucesso, no Rio de Janeiro, o flagrante fotogrfico chocou pondervel parcela da conscincia brasileira. Para alguns o impacto se devia arrogncia do gesto do PM, justificadamente punido com deteno imediata. A outros, que condenaram o Jornal do Brasil pelo destaque dado ao instantneo (meia pgina na folha de rosto da edio de 30 de dezembro), preocupava no a ocorrncia em si, mas a interpretao que eles prprios atribuam a sua divulgao, como um instrumento maniquesta de condenao polcia e proteo aos criminosos. [...] a fotografia no chegou a ter repercusso internacional espervel na poca de comunicao globalizada. O abalo emocional foi restrito, talvez porque, nas grandes cidades do Ocidente, as festas e os fogos de artifcio programados, assim como as compras nas liquidaes pr-natalinas, ocupassem todas as prioridades. Ou talvez porque a pose expletiva de subjugao, captada em operao de represso necessria, no chegasse a sobressair entre as brutalidades observadas alhures ou nas prprias vizinhanas, veiculadas quotidianamente pela imprensa escrita e pela televiso. Alves refora que se est diante de um fenmeno cultural disseminado no Brasil e na maioria das sociedades ao longo de toda a Histria, que se prope justificar o desrespeito aos direitos fundamentais de terminadas pessoas: a desumanizao do humano ALVES, Jos Augusto Lindgren. Os direitos humanos na ps-modernidade. So Paulo: Perspectiva, 2005, p. 1-3.

BEAUCHOT, Mauricio. Sobre la fundamentacin filosfica de los derechos humanos. In: CABANILLAS, Renato Rabbi-Baldi. (Coord.). Las razones del derecho natural. Perpectivas tericas y metodolgicas ante la crisis del positivismo jurdico. Buenos Aires: baco de Rodolfo Depalma, p. 213, traduo livre: os fundamentos filosficos dos direitos humanos significa para ns chegar ontologia do ncleo. Para alguns essa justificao no exige muito, e pode ser preenchido por meio de anlise lgica ou epistemolgica, ou por meio da tica. Temos a inteno de encontrar o fundamento ontolgico destes direitos (na natureza humana) e atingem o apoio que est subjacente metafsico.

Para a compreenso da ontologia como cincia deve-se examinar sua estrutura formal. Entende-se por estrtura formal de uma cincia a configurao que apresenta toda a teoria de um objeto determinado, abstrao feita dos contedos que ela suscetvel de realizar. Ao descrever-se a estrutura formal da ontologia; considera-se apenas a ideia desta cincia como tal, independentemente das diversas interpretaes concretas a que se pode dar lugar. Nesse sentido, so trs os momentos constitutivos da estrutura forma da ontologia: a) a pergunta pelo ser, como acesso ao objeto de estudo desta cincia; b) o sentido do ser, como perspectiva adequada tematizao desse objeto e horizonte necessrio elaborao; c) a determinao do ser, como explicitao da constelao de acepes em que se desdobra o sentido geral do ser. Cf. BLANC, Mafalda de Faria. Estudos do ser. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1998, p. 14-15.

CABRERA, Julio. Subsdios para o negativo. In: CABRERA, Julio. (Org.). tica negativa: problemas e discusses. Goinia: UFG, 2008, p. 14.

Nesse aspecto, acrescenta-se o mal como inerente vida, cuja reflexo Neiman aborda no sentido de a questo de qual a diferena entre qualificar uma ao m e outra de crime contra a humanidade? Elas podem muitas vezes ser intercambiveis. Mas um crime algo para o qual temos procedimentos pelo menos para punir, seno para prevenir. Dizer isso dizer que um crime pode ser ordenado, encaixado de alguma maneira no resto de nossa experincia. Chamar uma ao de m sugerir que tal coisa no pode ser feita e que, portanto, essa ao ameaa a confiana no mundo, de que precisamos para nos orientar nele. [...] males no podem ser comprados, mas devem ser distinguidos. O que aconteceu em 11 de setembro foi um tipo de mal; o que aconteceu em Auschwitz, outro. Esclarecer as diferenas no por fim ao mal, mas pode ajudar nossas piores reaes a ele. NEIMAN, Susan. O mal no pensamento moderno: uma histria alternativa da filosofia. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003. P. 20-21.

Op. cit., p. 15-16.

Op. cit., p. 16.

Expresso usada por Morin e Prigogine em obra de mesmo ttulo. MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya, et al. A sociedade em busca de valores: para fugir alternativa entre o ceptismo e o dogmatismo. Lisboa: Piaget, 1998.

COMTE-SPONVILLE, Andr. Uma moral sem fundamento. MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya, et al. A sociedade em busca de valores: para fugir alternativa entre o ceptismo e o dogmatismo. Lisboa: Piaget, 1998, p. 133.

Sobre esse aspecto, De Souza destaca que no dispomos, em termos filosficos, de absolutos aos quais nos agarrarmos, aos quais nos referirmos; a poca contempornea se caracteriza, exatamente, por ser um tempo nos quais faliu a autoridade dos absolutos. Temos de conviver com o parcial, o precrio, o relativo, as diversas perspectivas. Somos continuamente chamados a conviver e a lida com o Outro, que nos traz seu mundo de referncias, sua linguagem, suas referncias muitas vezes completamente diferentes das nossas, seus desejos e expectativas. necessrio que assumamos posies prprias, para que as posies dos outros possam ser compreendidas. No falamos todos do mesmo lugar: eis um dado fundamental da contemporaneidade. A constatao desse fato faz com que o pensamento filosfico contemporneo seja muitas vezes acusado simplesmente relativista. Tal no geralmente, porm, o caso. Ter posies claras relativas a condies e circunstncias histricas, culturais, econmicas, sociais, psicolgicas particulares no significa cair em relativismo inconseqente, mas em compreender ao assumirmos uma posio particular que nos entendemos exatamente desde uma posio particular, e apenas desde ela. No somos sujeitos puros, mas verdadeiros mundos humanos inteiros, com perspectivas, origens e sentidos prprios e existncias infinitamente variadas. DE SOUZA, Ricardo Timm. Sobre a construo de sentido: o pensar e o agir entre a vida e a filosofia. So Paulo: Perspectiva, 2004, p. 15-16.

Op. cit., p. 145.

ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrtico: para a relao entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdio constitucional. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 16, Porto Alegre: Sntese, 1999, p. 203-214.

Op. cit., p. 204.

Na expresso de Lafer, o genocdio e Auschewitz, que o encarnou foi, assim, percebido no ps-Segunda Guerra Mundial como a expresso, por excelncia do mal mal ativo soberanamente infligido por governantes e o mal passivo, sofrido por aqueles que, ex parte populi (os governados), padeceram de uma pena sem culpa. Da a convico que foi se formando de que a construo de um mundo comum no segundo ps-guerra deveria levar em conta a hospitalidade universal que tinha sido contestada na prtica pela condio dos refugiados, pelos aptridas e pelos campos de concentrao. A construo deste mundo comum, em funo da experincia dos antecedentes acima elencados, tinha deixado claro que, para preservar a dignidade humana, era preciso ir alm das Declaraes de Direitos no plano interno. LAFER, Celso. Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948). In: MAGNOLI, Demtrio. Histria da paz. So Paulo: Contexto, 2008, p. 297-329, p. 303, grifo no original.

Cf. Mazzuoli, ao referenciar Miranda (2000, p. 23-26), para o qual o Direito Internacional moderno resulta de oito momentos historicamente distintivos: a universalizao; a regionalizao; a institucionalizao; a funcionalizao; a humanizao; a objetivao; a codificao e a jurisdicionalizao. [...] A face humanizadora nasce com o Direitos Internacional dos Direitos Humanos, notadamente com a arquitetura normativa de proteo de direitos nascida no ps-Segunda Guerra, desde a Carta das Naes Unidas (1945), desenvolvendo-se com a Declarao Universal do Direitos Humanos (1948) e com os inmeros tratados de proteo dos direitos humanos surgidos no cenrio internacional aps esse perodo. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 18-22.

Barreto destaca que a marca caracterstica os direitos humanos residir, portanto, no seu contedo, isto , normas gerais que se destinam a todas as pessoas como seres humanos e no somente como cidados nacionais, sendo vlidas, tanto nacionalmente, como para todas as pessoas, nacionais ou no. BARRETO, Vicente de Paulo. Direitos humanos e sociedades multiculturais. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio Luiz. (Org.). Anurio do programa de ps-graduao em Direito. Mestrado e Doutorado. So Leopoldo: Unisinos, 2003, p. 471.

Op. cit., p. 204-205.

ALEXY, op. cit., p. 206.