14 A PARTE E O TODO - A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL-NAÇÃO.pdf
-
Upload
paulo-muller -
Category
Documents
-
view
791 -
download
61
Transcript of 14 A PARTE E O TODO - A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL-NAÇÃO.pdf
OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-
Nação. Petropólis, Vozes, 1992, 142 p.
Donielo Rivo Knouth Mestre em Antropologia Social, UFRGS Doutorando EHESS, Paris
O livro A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-Nação, de Ruben
George Oliven, que recebeu o prêmio Anpocs 1993 de melhor livro de Ciências
Sociais é de fato um livro que ultrapassa as fronteiras entre Antropologia,
Sociologia e Ciência Política, explorando questões e conceitos pertinentes a
estas disciplinas. É um estudo que recoloca em termos atuais uma
problemática que tem acompanhando o desenvolvimento das Ciências Sociais,
quer seja, a de como os homens se identificam enquanto membros de uma
dada sociedade. O autor ancora sua análise em diferentes fontes de dados,
servindo-se tanto de indicações presentes na historiografia e na literatura como
de dados obtidos através de entrevistas e trabalho de campo.
Partindo da comparação estabelecida por Mauss e Durkheim entre o clã
primitivo e a nação moderna, onde, respectivamente, o totem e a bandeira
teriam por função simbolizar a sociedade ao mesmo tempo que diferenciá-Ia
das demais, o autor nos coloca frente à constituição do Estado-Nação. A
integração das diferentes "partes" ou estados num todo unificado cria a
necessidade da produção de uma identidade nacional, ou seja, de uma
conformação cultural circunscrita à um recorte territorial.
Analisando o caso brasileiro, o autor mostra como a construção da
identidade nacional aparece estreitamente vinculada ao contexto sociopolitico
do País. Assim, é durante a República Velha, período de descentralização
politica-administrativa e de emergência de uma burguesia nacional, que
aparecem as primeiras tentativas de pensar a sociedade brasileira. Estas
oscilam entre uma visão preconceituosa do brasileiro (pensado a partir da
interação da raça e do meio geografico) e uma valorização das manifestações
culturais "autenticamente" nacionais.
Se durante a República Velha a questão da identidade nacional foi
levantada através de uma série de movimentos não necessariamente
vinculados ao Estado - tais como o Movimento Modernista e o Manifesto
Regionalista de Gilberto Freyre -, com a República Nova observa-se uma
centralização do poder, o que faz com que o próprio Estado assuma esta
tarefa. A questão nacional passa então a ser colocada sobretudo por instituiçõ
vinculadas ao Estado, como o ISEB e os CPCs. Com redemocratização do
País e o fim do regime militar, a velha questão da diversidade regional retoma
com força total.
Construída a partir de uma delimitação espacial a identidade, seja esta
nacional ou regional, busca na tradição ajustificativa de sua existência. O
autornos mostra como muitas vezes esta tradição é reapropriada ou mesmo
literalmente inventada, como é o caso das danças e indumentárias "gaúchas".
Entretanto o que está em questão aqui não é a veracidade histórica destas
tradições, mas o seu poder de convencimento, de tomarem-se símbolos
aglutinadores de identidades. Assim, a própria definição do que é tradição e
consequentemente, do que é certo ou errado, autêntico ou espúrio, é uma
construção social e um objeto de disputa entre grupos sociais que almejam o
monopólio da definição dos princípios legítimos de classificação e divisão do
mundo social. "Nação e tradição são recortes da realidade, categorias para
classificar pessoas e espaços e, por conseguinte, formas de demarcar
fronteiras e estabelecer limites" (p.26).
A questão da identidade regional é enfocada pelo autor através da análise
do caso do Rio Grande do Sul. Elementos de ordem geográfica, histórica e
social - tais como a posição estratégica do estado, sua integração tardia ao
território nacional e seu tipo social específico - são acionados para contrapor o
estado aos demais estados e regiões, bem como ao País. "A ênfase mis
peculiaridades do estado e a simultânea afirmação do pertencimento dele ao
Brasil se constitui num dos principais suportes da construção social da
identidade gaúcha que é constantemente atualizada, reposta e evocada"
(p.47).
O autor nos mostra como este tema da integração/autonomia do estado
em relação ao País está presente em diferentes momentos históricos, indo da
discussão a respeito do caráter separatista ou não da Revolução Farroupilha
até o discurso sobre a "crise" que o Rio Grande do Sul estaria atravessando,
sendo o Movimento Separatista apenas uma manifestação desta complexa
relação entre a região e o País. E, se esta identidade gaúcha, calcada num tipo
social bastante específico, é capaz de aglutinar as diferentes etnias
(descendentes de alemães, italianos, negros e índios) e encontrar respaldo
entre a população, é porque a imagem por ela veiculada tem nas
representações e interesses dos indivíduos aos quais ela visa representar uma
correspondência.
Para finalizar, o autor evoca a contraposição entre a .atual tendência a
universalização e o simultâneo ressurgimento das questões referentes a
diversidade cultural. Ao mesmo tempo em que se assiste a uma
universalização da cultura produzida sobretudo pelos meios de comunicação
de massa que, ao divulgarem quase que simultaneamente as informações num
nível mundial produzem o que Augé chama de aceleração da história -
observa-se a eclosão de movimentos que visam contrapor identidades étnicas
e regionais, como por exemplo os conflitos étnicos do Leste Europeu e da ex-
União Soviética ou o próprio Movimento Separatista gaúcho (que recentemente
ganhou repercussão nacional devido a tentativa de oficialização do
movimento). Segundo o autor, podemos entender esta afirmação de
identidades regionais enquanto um resgate da diversidade cultural e uma
reação ao processo de homogeneização cultural do País.