14. natal dos excluídos

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N A T A L D O S E X C L U Í D O S Espetáculo Natalino para Bufões Texto de: JULIO CARRARA Escrita em 2002

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Espetáculo Natalino para Bufões

Texto de: JULIO CARRARA

Escrita em 2002

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PERSONAGENS:

JOSEFA, apresentadora de telejornal mulher de

JACINTO, apresentador do telejornal, alcoólatra.

ROSEMEIRE, repórter do telejornal, metida à modelo.

BETE BOQUETE, prostituta.

CASTANHOLA, mendigo

QUEBRA-NOZES, mendigo.

PROFETA, a serviço de Deus.

ANÃO, bem-dotado.

ÉPOCA: Atual. Véspera de Natal.

CENÁRIO: Um lixão. A cidade de Bufonaria é pequeno município entre São

Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em meio a esse lixão, há um estúdio

onde se passam um telejornal e os comerciais. Também se encontram neste

ambiente, o Terminal Suburbano Jean Solto por Enquanto e o Auditório

Bufanesco. Nas últimas cenas, forma-se um presépio em meio à sujeira.

OBSERVAÇÃO: Qualquer semelhança entre nomes, pessoas ou

acontecimentos reais não terá sido mera coincidência.

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PRÓLOGO

(Os bufões estão no palco dando os últimos retoques na maquiagem, nos figurinos e

nas extensões. Ao toque do terceiro sinal, caminham para seu canto e congelam. A

atriz que interpreta o profeta aproxima-se do centro e inicia o “Manifesto dos Bufões”,

de Jorge Didaco.)

ATRIZ

Senhoras e senhores, bem-vindos. Nós do grupo (Nome da companhia.)

vamos apresentar para vocês os bufões. Também conhecidos como bobos,

loucos, tolos, histriões, saltimbancos, palhaços, menestreis, charlatães,

vagabundos, desavergonhados, fanfarrões... O bufão aponta para aquilo que

muitas vezes nos recusamos a ver. Ele obriga-nos a confrontar nossas próprias

mazelas, nossa miséria social e afetiva, nossa hipocrisia em relação aos

excluídos e marginalizados, nossa religiosidade e vinculação com o

transcendente e nossa sexualidade. Eles não apenas nos revelam grandes

verdades através de um espelho distorcido e deformado. Eles bufam, expelem,

fumegam com a agitação e sentido de urgência, sempre de um ponto de vista

crítico e consciente e não complacente e auto-piedoso... e sem perder o humor.

Quando o bufão entra em ação, chama o riso, a poesia, o palavrão, a

indignação. Para o bufão não existe o decoro, o pudor, a conciliação... Tudo

aparece em estado bruto, inacabado, associal. O bufão é a prostituta e a

mama, é o sagrado e o profano, o escracho e a sensualidade, o demoníaco e o

poético, a vida e a morte, o princípio e o fim, a loucura e a devoção... E agora,

com vocês, o “Natal dos Excluídos”...

(A atriz coloca sua extensão e os bufões saem de seus lugares, desfilando cada um à sua

maneira. Um a um se aproxima do centro do palco e faz sua apresentação. Quando

todos se apresentam.)

BUFÃO 1

Gente, ônibus de graça!!!!

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(Todos os bufões felizes e entram no ônibus. O veículo fica lotado e as pessoas

espremidas lá dentro demonstram uma grande satisfação através do sorriso banguela.)

CENA 1

(Atores montam uma mesa e duas cadeiras para o telejornal. Jacinto e Josefa, criaturas

mirradas, sentam-se à mesa. Jacinto bebe um gole de cachaça e um anão se arrasta no

chão com as “dálias” para os apresentadores, enquanto os outros se sentam nas

cadeiras ao fundo do palco.)

JACINTO

Boa noite. Sou Jacinto Preto.

JOSEFA

Boa noite. Sou Josefa Pinto do Rêgo Preto.

JACINTO

E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... Nossa repórter

Rosemeire está no Terminal Suburbano Jean Solto Por Enquanto, na Avenida

Newton da Farmácia, avenida esta que futuramente irá mudar de nome para

Juvenar, Juvenar Vem Tirar o Leite. Não é a música do Karnak, não. Vai se

chamar assim, porque o Juvenar, Juvenar Vem tirar o Leite só tem um braço, e

a marginal, tem mão única... (Ri, histericamente.) É com você, Rosemeire...

ROSEMEIRE

Estamos aqui, no Terminal Suburbano Jean Solto Por Enquanto, onde

está havendo uma agitação tremenda, pois o ônibus está circulando de graça...

O povo aproveita a ocasião para fazer um tour pela cidade, visitando todos os

bairros. Muita gente deixou de trabalhar hoje, para passar o dia passeando de

ônibus... Vou entrevistar agora a Bete Boquete, essa puta cidadã que está do

meu lado... Oi Bete, o que você acha disso?

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BETE

Eu acho ótimo... Como sou puta da Praça do Canhão, não preciso gastar

nada... Vou lá, faço meu programinha, pego o ônibus de graça e ainda sobra

um dinheirinho pra eu tomar meu coquetel... Não é coquetel de frutas, não. É

o coquetel para AIDS mesmo.

ROSEMEIRE

Quer deixar um recado para os telespectadores? Dar telefone, e-mail,

RG, CPF, Carteira de Habilitação, Número da Conta Corrente...

BETE

Claro. Meu telefone é 69696969, e o meu e-mail é

[email protected], me mandem e-mail ou me liguem, viu? Comigo,

não tem frescura, eu faço de tudo. Me alugo, me dou, me vendo, deixo que me

algemem na cama, pinguem vela, raspem minha xoxota com navalha, o que

quiserem fazer, menos enfiar crucifixo no cu, que aí é pecado... Agora, os

preços: Programinha básico, que é um boquete, R$ 10,00. Programa completo

varia, se for só pra dar a buceta por uma hora, é R$ 50,00. Se tiver que dar o cu,

é R$ 100,00, porque dói muito, e se for pra ficar a noite inteira com o bofe, é R$

150,00, porque vou sair muito ardida... Aceito todos os tipos de cartão de

crédito ou débito, inclusive ticket refeição e vale transporte. Mas se eu

simpatizar com o freguês eu não cobro nada...

ROSEMEIRE

É isso aí... É com você, Jacinto...

(Volta para Jacinto e Josefa.)

JACINTO

E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... Nossa repórter

Rosemeire está no Terminal Suburbano Jean Solto Por Enquanto, na Avenida

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Newton da Farmácia... Não, isso aí eu já li... (Anão vira a placa.) Ah... Lê você

agora, Josefa...

JOSEFA

Teatro Bufanesco...

JACINTO

Auditório.

JOSEFA

Auditório é coisa do programa do Sílvio Santos.

JACINTO

Não discuta...

JOSEFA

Auditório Bufanesco é entregue reformado e foi reinaugurado

recentemente...

JACINTO

O Teatro, ou melhor, Auditório, passou por uma grande reforma:

aumentaram o palco, fizeram novos camarins, trocaram a fiação, que na última

apresentação que teve, pegou fogo e fez churrasco dos técnicos, puseram um

telhado de Eternit em cima do telhado de folha de zinco, que quando chovia

fazia um grande barulho... Mas que porra de arquiteto é esse que projeta um

Teatro, quer dizer, Auditório com teto de folha de zinco?... No ano passado,

durante a estréia da peça “A Cantora Rouca”, desta mesma Companhia, caiu

um toró do caralho prejudicando a peça, além de outros eventos, onde o

público era sempre atingido por goteiras colossais... Não só o público, mas os

artistas... Imaginem que durante a apresentação da Orquestra Bufônica, uma

enorme cascata caía bem dentro da tuba de um músico. Pasmem!... Rosemeire

foi conferir o evento...

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ROSEMEIRE

Estamos aqui no coquetel de inauguração do Teatro...

JACINTO

Auditório...

ROSEMEIRE

Desculpa... do Auditório Bufanesco ... (Aproxima-se de uma mesa, onde

todos os bufões estão em torno dela, devorando as torradas, o vinho e o refrigerante.) O

público, ao que parece, não jantou antes de vir pra cá... Vou entrevistar esse

sujeito...

(Pega Castanhola e Quebra-Nozes, que estão com muitas torradas numa mão e um

copo de vinho na outra.)

ROSEMEIRE

Meu senhor... qual a sua opinião sobre o espetáculo que acabou de

assistir?

(O sujeito faz o “joia” com a mão, pois não consegue falar.)

CASTANHOLA

(Após engolir a torrada.) Eu achei ótimo...

ROSEMEIRE

Por quê?

CASTANHOLA

Eu sei lá. Não vim aqui por causa do teatrinho, não. Pra falar a verdade

eu não gosto de teatrinho. Vim aqui pra comer... Sempre que tem alguma

coisa, algum coquetel, boca livre, eu venho... Eu passo muita fome, fico sem

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comer o dia inteiro, e quando tem esse tipo de coisa, tem que aproveitar,

comer bastante até estourar... Isso aqui tá uma delícia. (Arrota.)

ROSEMEIRE

Bem, é com você, Jacinto... Agora é minha vez de aproveitar o coquetel e

fazer uma boquinha...

(Vai para a mesa comer. Foco em Jacinto.)

JACINTO

E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão... Nossa repórter

Rosemeire está no Auditório Bufanesco... Tira essa porra daí... Já li essa

merda... Ah... Alegria de pobre dura pouco. Os ônibus voltaram a circular

sem os cobradores... É um absurdo. Mandaram mais de 150 cobradores

embora para instalarem catraca eletrônica e bilhete unitário, como os de

metrô... Querem imitar São Paulo... Lá, o preço da passagem de ônibus é mais

barato: por um preço bem baixo, você atravessa a cidade. Aqui, não... Para vir

da Vila dos Bufões para o Terminal, que não dá três minutos a pé, o povo tem

que pagar R$ 1,60... E se vai para a cidade vizinha, mais R$ 1,75... É só fazer as

contas: R$ 1,60 mais R$ 1,75, dá R$ 7,50... Um roubo... Têm que mandar esses

filhos da puta tomarem no cu... Vão pra puta que o pariu. Um dia vou jogar

uma bomba nessa bosta de Terminal.

JOSEFA

Calma, Jacinto... E aqui vai a relação dos postos de venda dos bilhetes

unitários dos ônibus – essas bostas da São Tonhão...

(Jacinto lê com Josefa a relação dos postos de venda.)

UM DE CADA VEZ

Armazém do Felisberto, Caldo de Cana do Tenório, Puteiro da Madame

Clessi, Hotel Lancaster, Igreja Universal, Armarinhos da Judith, Bar da Chitú...

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JOSEFA

Vamos agora para os nossos comerciais...

CENA 2

(Comercial. Castanhola e Quebra-Nozes entram. Fazem um comercial de leite.)

CASTANHOLA

Olá, Quebra-Nozes...

QUEBRA-NOZES

Olá, Castanhola...

CASTANHOLA

Você já bebeu o Leite Vida Longa, Longa Vida, extraído da teta da vaca

da fazenda do Juvenar, Juvenar Vem tirar o Leite?

QUEBRA-NOZES

Não, e é bom?

CASTANHOLA

Muito bom. Nunca mais vou precisar mamar no peito da sua mãe.

(E em seguida, cantam “Filho Mamador”, de Caju e Castanha.)

AMBOS

(Refrão)

Eu já mamei no peito da tua mãe.

Eu sou o filho que mamou na tua mãe

A minha mãe era muito magricela

Não tinha leite pra ela

Pra poder me alimentar...

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Quando eu nasci a minha mãe ficou doente

E não sabia como iria me tratar

Não tinha leite, não tinha o que comer

Pra me sobreviver eu tive até que me virar

(Refrão)

Na minha casa, quando eu era pequeno

Era cinco barrigudinho tentando sobreviver

Tinha João, Pedro, Paulo e Manuela

Fora mãe, tinha a Estela e eu

Chorando pra comer

(Refrão)

(Quando a música cessa, a dupla faz um apelo sobre os retirantes nordestinos.

finalizam com um trecho de “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.)

Esta cova em que estás,

Com palmos medida,

É a cota menor

que tiraste em vida

Não é cova grande

É cova medida,

É a terra que querias

Ver dividida

É uma cova grande

Para tua carne pouca

Mas a terra dada

Não se abre a boca

(Cantam mais um trecho de “Filho Mamador” e saem.)

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CENA 3

(Foco em Jacinto e Josefa.)

JACINTO

(Bebe a cachaça.) E agora as notícias do dia no Telejornal do Bufão...

Nossa repórter Rosemeire está no Terminal Suburbano Jean Solto Por

Enquanto, na Avenida Newton da Farmácia... Ô buceta, isso já li...(Põe a mão no

ponto.) O quê, diretor? Ah... (Para Josefa.) Leia sobre os postos de venda do

bilhete unitário...

(Josefa e Jacinto leem sobre os postos de venda.)

AMBOS

Pastelaria da Nilza Azambuja, Bar do China, Sorveteria Duas Bolas,

Boteco do Irmo, Cemitério Sinistro, INSS, Posto de Saúde, entre outros...

JOSEFA

Vamos voltar para o Terminal Suburbano Jean Solto por Enquanto, onde

Rosemeire está do lado de Bete Boquete, que parece furiosa... O que houve,

Rose?

ROSEMEIRE

Nossa amicíssima Bete Boquete está fodida...

BETE BOQUETE

Fodida em todos os sentidos... Que porra é essa desses ônibus voltarem

a circular com o preço pela hora da morte? Nem fui pro ponto hoje. Vou ter

que me virar neste buraco mesmo. Nem raspei as pernas e o sovaco. Eles estão

pior que os meus pentelhos... Quem vai me comer desse jeito? (Pega o microfone

e fala pra câmera.) Olha aqui seu prefeito de bosta, o que você tá fazendo, hein,

seu filho da puta? Tá fodendo com todo mundo, é? Só porque aquela loira

aguada da tua mulher não cavalga mais neste teu pinto mole, você quer foder

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o povo? Se enxerga, mané. Vou comprar uma charrete e atrelar em você pra eu

ir até a Praça do Canhão, seu burro xucro...

ROSEMEIRE

A coisa tá feia... Mas ninguém pode nos censurar, né, Jacinto e Josefa?

Aqui o povo tem a sua vez e a sua voz... É com vocês.

(Volta para o telejornal.)

JACINTO

(Bebe cachaça.) Pois é... Olha, Bete Boquete, a nossa produção descolou

pra você um bico aqui na TVBuf para um comercial... Venha até aqui... É um

comercial que só você pode fazer, ocá?

JOSEFA

Vamos para os comerciais.

CENA 4

(Comercial. Entra Bete Boquete, toda feliz e o anão das “dálias”.)

BETE BOQUETE

Obrigado pela chance, gente... (Imposta a voz.) Se você, homem, ouviu

coisas grotescas de uma mulher quando te viu pelado, como: “Eu já fumei um

charuto mais grosso que isso”, “Posso desenhar uma carinha feliz? Ele parece estar tão

tristonho.”, “Você trouxe incenso? Que bonzinho.”, “Se eu apertar, ele faz barulho

como um patinho de brinquedo?”, “As camisinhas que você trouxe não vão ficar

grandes?”, “Me empresta a lupa, por favor?”, “O que é isso? Um bichinho de

goiaba?”, “Precisa encher antes de usar?”, “Pra sentir cócegas com isso, é melhor

ouvir uma piada” – seus problemas terminaram com o Big Dick. É um aparelho

que vai fazer seu pau ficar grandão e grossão. Quando as mulheres dizem:

“Não importa o tamanho e sim o prazer que ele proporciona”, elas mentem. Toda

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mulher gosta de um pau grande e grosso, sim... Junto com o Big Dick, você

leva de brinde a Régua Pintômetro, para você medir sua piroca... Onde você se

enquadra, bonitão? De 0 a 02 cm – erro lamentável, devia ter sido menina; de

03 a 04 cm – nada mais que um brinquedo; de 05 a 06 cm – curto, porém

utiliza-se com gosto; de 07 a 08 cm – delícia das secretárias; de 09 a 10 cm –

ideal para todas as damas; de 11 a 12 cm – para depravadas e bichas loucas; de

13 a 14 cm – rompe tudo; de 15 a 16 cm– para exibições públicas; de 17 a 18

cm – delírio de grandezas; de 19 a 20 cm – para você que sorriu ou não. Vamos

amor, ligue agora para 0800696969 e peça já o seu. (Para o anão.) Esse anão aqui

é maior deitado do que em pé, sabe por quê? Porque ele usou o Big Dick... Use

Big Dick e tenha fodas sensacionais... Um Feliz Natal, gente...

(Joga o anão no chão e transa com ele.)

CENA 5

(Volta para o telejornal. Josefa e Jacinto fazem um apelo sobre a sua condição social.)

JACINTO

(Bebe cachaça.) É, tá foda... Agora, gente eu queria falar sobre um assunto

bem sério... Minha mulher Josefa tá prenha de nove meses, mas ela não tem

força pra parir a criança. (Ouve o ponto.) Vá se foder, diretor. Eu vou falar... A

gente tá praticamente trabalhando de graça. Essa porcaria de emissora ainda

não pagou o salário da gente... Onde já se viu, ficar trabalhando três meses

sem receber para no quarto mês receber o salário todo descontado? Um salário

de merda. E não é só a gente que tá assim. Qualquer funcionário público passa

por isso quando começa a trabalhar. Os professores, que educam seus filhos,

muitas vezes passam fome, porque o salário só chega – quando chega – no

quarto mês de trabalho. E as contas pra pagar, hein? Você ainda tem que pagar

com multa, porque ninguém ouve você, e não interessa o que te aconteceu, e

se falta um dia, descontam seu salário. Que país é esse, porra? A que ponto

chegamos? Por que tanta injustiça? Eu já não aguento mais viver assim. O que

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será dessa criança que vai nascer? Mais um pobre fodido? Pelo amor de Deus,

nos ajudem... Algum restaurante pode, por favor, nos oferecer comida? Quem

sabe assim, depois que a Josefa comer, ela tenha força pra dar a luz ao meu

filho.

PROFETA

(Entra trazendo duas marmitas com arroz, feijão e ovo frito.) Olha, o

Restaurante Boa Xepa mandou entregar isso pra vocês.

JACINTO

Obrigado... (Profeta estende a mão.) O que foi?

PROFETA

Dinheiro pra caixinha da Igreja...

JACINTO

Mas não tenho dinheiro...

PROFETA

É para a primeira prestação pra compra do seu terreno no céu...

JACINTO

E quem disse que vou pro céu, caralho? Vou pro inferno direto sem

passar pelo purgatório e ainda é capaz do capeta me expulsar de lá. Vá

embora, vá... Vá pra puta que lhe pariu, sua escrota. (Profeta sai.) Muito

obrigado pela comida, seu dono do restaurante. Que Deus abençoe você e

toda a sua família.

(Ambos devoram com as mãos a comida.)

JACINTO

Tenham todos, uma boa noite.

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(Eles arrumam os papeis depois de comer e vão saindo. No meio do percurso Josefa

para, sentindo as contrações. Jacinto pede ajuda e todos os bufões entram em cena para

fazer o parto dela, até o momento que nasce uma criança raquítica – um bonequinho

bem pequeno. Todos começam a cantar embalando o recém-nascido numa procissão,

que termina num presépio. Cantam “Tutu Marambá”, “Dorme Nenê” e “Boi da Cara

Preta”. Chegam os três bufões magos, trazendo o incenso, o ouro e a mirra, e os

pastores. Ouve-se no áudio as doze badaladas. Todos cantam “Noite Feliz”. Após o

término da música congelam, num tableaux-vivant.)

EPÍLOGO

(Atriz que faz o profeta tira um elemento que caracteriza seu bufão e vem para o

proscênio, enquanto os bufões permanecem em tableaux-vivant.)

ATRIZ

A gente tá tão sem paciência, né? Ninguém mais tá feliz. Ninguém mais

sorri... Também só pontapé, agressão, chute na canela... Você vai numa loja, a

balconista te trata mal... Vai num restaurante, jogam os pratos em cima de

você... Pede uma informação para a telefonista? Pumba! Batem o telefone na

sua cara... Liga a televisão, é só desgraça. Vai comprar um docinho para o seu

filho, já vem com cocaína... Experimenta estacionar o seu carro na rua? Se você

não der dinheiro, eles vem, riscam todo o seu carro e ainda furam os quatro

pneus. No trânsito, um quer matar o outro. Se anda na rua, é assaltado. Se fica

em casa é assaltado também... Todo mundo querendo ganhar dinheiro, mas

sem saber o que fazer com ele: se deixa em casa, o ladrão leva; se põe no

banco, pode desaparecer... É uma agonia que Deus me livre. Não tem mais

“por favor”, “dá licença”, “pode passar na frente”... O que é isso? Onde é que a

gente foi parar? Quem é que gosta de viver assim? (Pausa.) Vamos aproveitar

essa energia linda que tá pintando no Natal e no Ano Novo, porque só a gente

se unindo, só a gente se harmonizando, só a gente se amando, é que a gente

vai conseguir ter dias melhores...

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(Música “Dias Melhores Virão”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho. Os bufões

desfazem o tableaux-vivant do presépio e dançam e cantam, tirando a extensão de seu

bufão, indo em seguida para os agradecimentos.)

FIM

Novembro/2002